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“Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito...” (Jo 3,16)
De fato, a Redenção está na Luz e não na cruz. Esta – com minúscula – foi imposta pelos carrascos e,
de nenhum modo, foi querida ou imposta pelo Pai, como expiação.
Só podemos escrever Cruz – com maiúscula – quando ela se converte em Luz, deixa de ser ensanguentado
patíbulo para se revelar como progressivo Caminho de salvação. O Deus dos cristãos se fez humano para
indicar-nos o Caminho da Luz, ou seja, da humanização da pessoa e do mundo.
Abraçar e dar sentido à Cruz supõe uma real e firme adesão aos valores pelos quais o Crucificado preferiu
morrer a desertar e trair. Está aí uma multidão de mártires para comprovar isso.
A Cruz é a revelação da “escada de luz” que o Filho desceu até o fundo do poço da degradação na qual o
ser humano estava (e está) metido. Só se regenera e se salva quem se empenha em subir por essa escada,
vivendo os valores que o Crucificado viveu. Nem sacrifícios, nem méritos, nem pagamentos. Puro amor
gratuito de um Deus que é Amor!
“Deus amou tanto o mundo...” O mistério da Santa Cruz nos sensibiliza e nos capacita para aproximar-nos
do nosso mundo com uma visão mais contemplativa. Em outras palavras, a contemplação da Cruz ativa em
nós uma maneira contemplativa de viver no meio do mundo para rastrear a presença de Deus, oculto nos
lugares da fragilidade. O “subir” até Deus passa pelo “descer” até às profundezas da humanidade.
O seguidor de Jesus oscila entre o mundo e Deus. É tão familiar com Deus que admira a variedade e a
multiplicidade do mundo, e não teme o mundo com toda a sua complexidade. E é tão familiar com o mundo
que sente o Espírito de Deus, que trabalha no mundo, em todos os lugares e da maneira mais inesperada.
Em Jesus cristo fica claro, de uma vez para sempre, que Deus é do mundo e o mundo é de Deus . “Meu
solo e o solo de Deus são o mesmo solo” (Mestre Eckhart)
A terra já não é um vale de lágrimas mas o lugar onde Deus armou sua tenda.
A pessoa contemplativa, movida por um olhar novo, entra em comunhão com a realidade tal como ela é.
É olhar o mundo como “sacramento de Deus”. Um olhar capaz de descobrir os sinais de esperança que
existem no mundo; um olhar afetivo, marcado pela ternura, pela compaixão e por isso gerador de
misericórdia; um olhar que compromete solidariamente.
Na Cruz de Jesus, portanto, nos é oferecida uma nova forma de sentir o mundo: “tende em vós os mesmos
sentimentos de Cristo Jesus”. O madeiro onde Jesus de Nazaré morreu não é belo aos olhos humanos, não
gratifica nossos sentidos; não é a marca de um “país católico”, nem a divisa da cristandade... É e será sempre
fonte origem de um novo modo possível de ver e ouvir o mundo, de olhar quem somos e como é Deus.
A Cruz, com seu mistério fascinante e tremendo, com seu mistério sempre maior, não só é fonte de salvação
eterna, mas princípio de uma nova sensibilidade para um novo modo de se fazer presente neste mundo.
Não podemos venerar a Cruz e adorar o Crucificado vivendo de costas ao sofrimento de tantos seres
humanos destruídos pela fome, miséria e exclusão. Se ao contemplar o rosto do Crucificado nos
esquecemos das vítimas, seja qual for sua raça, cultura ou religião, então é que nosso olhar não é o olhar da
fé. Segundo Jon Sobrino, a fé no Crucificado implica em fazer descer da Cruz aqueles que estão
dependurados nela.
Na Cruz, Jesus Cristo “desceu” ao nível mais baixo da condição humana, de maneira que todo aqueles que
caírem, caiam n’Ele.
Associar-nos ao Cristo em sua “descida” para “subir” com Ele significa, também, arrancar de nosso
próprio coração a cumplicidade com todo tipo de morte e deixar-nos possuir pela glória de Deus.
“Descer” com Ele para aquilo que também está morto em nós (no nível corporal, afetivo, espiritual, social).
A luz da presença de Cristo ilumina tudo o que é sombrio em nosso interior. Ali estão presentes germes de
vida que ainda não tiveram possibilidade de irromper e crescer.