Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
22/07/16
Sempre é tempo de balanço, de rever trajetórias, de refazer escolhas. Fim de ano nos chama
especialmente para isso. Em meio à correria das compras, dos encontros, dos comes e bebes,
conseguimos um intervalo para a reflexão? Para nos perguntar: afinal, o que estamos fazendo
nesta vida? O filósofo Mario Sergio Cortella tem levado esse tema a vários ambientes. Professor
da Pontifícia Universidade Católica e da Fundação Getulio Vargas, ambas em São Paulo, e da
Fundação Dom Cabral, em Belo Horizonte, ele foi discípulo do educador Paulo Freire e atuou
como secretário municipal de Educação de São Paulo. “Minha pretensão não é dar respostas,
mas elementos para as pessoas formularem melhor suas perguntas”, disse no início da
entrevista.
Em época de Natal, a sensação é de que há algo a mais na atmosfera. Para uns, é encantamento,
elevação. Para outros, apenas nervosismo, que se traduz em febre de consumo, excessos
alimentares e conflitos interpessoais. Existe lugar para a espiritualidade em meio a tanta
agitação?
Em algumas situações, aquilo que chamamos de espírito de Natal” é algo cínico, que agrega os
indivíduos em torno de festividades de conveniência. Mas há muitas pessoas que,
independentemente de serem cristãs ou não, têm, nesta época do ano, uma verdadeira
experiência do “comemorar”. Gosto dessa palavra porque “comemorar” significa “lembrar
junto”. E do que nós lembramos? De que estamos vivos, partilhamos a vida, de que a vida não
pode ser desertificada.
Claro que, a todo instante, está colocada também a possibilidade de que a vida cesse. Somos o
único animal que sabe que um dia vai morrer. Aquele gato, que dorme ali, vive cada dia como se
fosse o único. Nós vivemos cada dia como se fosse o último. Isso significa que você e eu, como
humanos, deveríamos ter a tentação de não desperdiçar a vida. Escrevi um livro chamado Qual
É a Tua Obra?, que começa com uma frase de Benjamin Disraeli, primeiro-ministro britânico no
século 19. Ele disse: “A vida é muito curta para ser pequena”.
Existe também a religiosidade que quer beber diretamente na fonte, que busca a relação sem
mediações com o divino.
O divino, o sagrado, pode ganhar muitos nomes. Pode ser Deus no sentido judaico-cristão-
islâmico da palavra; pode ser deuses; pode ser uma vibração, uma iluminação.
Independentemente de como o denominamos, há algo que reconhecemos como transcendente,
que ultrapassa a coisificação do mundo e a materialidade da vida, que faz com que haja
importância em tudo o que existe. Desse ponto de vista, não basta que eu me conecte com os
outros ou com a natureza. Preciso fazer uma incursão no interior de mim mesmo, em busca da
vida que vibra em mim e da fonte dessa vida. É essa fonte que alguns chamam de Deus. A
conexão com essa fonte é aquilo que os gregos chamavam de sympatheia, que significa
simpatia. Trata-se de buscar uma relação simpática com o divino.
Existe, hoje, um maior impulso para a espiritualidade ou trata-se apenas de mais uma onda
passageira?
Guimarães Rosa disse que “o sapo não pula por boniteza, pula por precisão”. De acordo com o
headhunter e professor de gestão de pessoas Luiz Carlos Cabrera, a grande virada no mundo
empresarial brasileiro ocorreu, de fato, no dia 31 de outubro de 1996 às 8h15, quando um avião
da TAM, com 96 pessoas a bordo, todos eles executivos, exceto a tripulação, caiu sobre a cidade
de São Paulo. Perdi dois amigos de infância nesse acidente. Aquele foi um momento de inflexão
no mundo corporativo. Eu compartilho dessa opinião. As pessoas começaram a pensar: eu podia
estar naquele voo e o que eu fiz até agora? Toda a ânsia que caracteriza o mundo corporativo,
focada no lucro, na competitividade, na carreira, começou a ser relativizada.
É claro. Um fator, talvez o principal, foi que o século 20, apostando na ciência e na tecnologia,
nos prometeu a felicidade iluminada e ofereceu angústia. Em prol da propriedade, sacrificou-se
a vida, a convivência, a consciência. O stress tornou-se generalizado, afetando adultos, jovens e
até as crianças. Há uma grande diferença entre cansaço e stress. O cansaço resulta de um
trabalho intenso, mas com sentido; o stress, de um trabalho cuja razão não se compreende. O
cansaço vai embora com uma noite de sono; o stress fica.
A tecnologia nos proporcionou a velocidade. Mas, em vez de usá-la apenas para fazer as coisas
rapidamente, nós passamos a viver apressadamente. Assim como existe uma grande diferença
entre cansaço e stress, existe também entre velocidade e pressa. Eu quero velocidade para ser
atendido por um médico, mas não quero pressa durante a consulta. Quero velocidade para ser
atendido no restaurante, mas não quero comer apressadamente. Quero velocidade para
encontrar quem eu amo, mas não quero pressa na convivência. Tempo é uma questão de
prioridades. Muita gente argumenta não ter tempo para a espiritualidade, para cuidar do corpo.
E segue nesse ritmo apressado até sofrer um infarto. Se não for fatal, o infarto funciona como
um sinal de alerta. O dia continua a ter 24 horas, mas quem sobrevive passa a acordar uma hora
mais cedo para caminhar e se exercitar. O impulso espiritual também é um sinal de alerta. Não
há pressa em segui-lo. Mas cuidado: é muito arriscado adiar indefinidamente para o ano que
vem.
https://groups.google.com/forum/#!topic/seara-espirita/Pxfxdy66hwc