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A d e lm o G e n r o F ilh o

O SEGREDO DA PIRÂMIDE
Para uma teoria marxista do jornalismo

Série Jornalism o a Rigor


Volume 6

Florianópolis

EDITORA INSULAR
E ditora Insular
0 SEGREDO DA PIRÂMIDE
Para uma teoria marxista do jornalismo
' Jú lia Pasqualini G enro e Bruna Pasqualini G enro
Série Jornalismo a Rigor
Diretor
Fiduardo M editsch

Conselho Consultivo
A lfredo V igeu —I J I Pl i
A ntonio H ohlfeldt —PIJC-RS
Carlos /ranciscato —l ! l ;.V
Christa B erger —Vnisinos
\idson S penthof ~ í 'I CO
João Batista de A breu - O/ I '
Joaquim I 'idalgo - UAI, Portugal
Jorge Pedro Sousa - l IP'P, Portugal
Jo sé M arques de M elo - í JMI iSP
Sergio M attos —f '/ 'R/l
Sônia V irginiaMoreira —Ul i RJ
l 'ictor Cientil/i - l II i :.V

Editor Projeto Gráfico


N elson Rolirn de M oura Silvana l'abris

Capa Revisão Técnica


Rodrigo Poeta l anessa l iauser e C.ristiano Pinto Anunciação

Revisão de originais
Carlos Neto

G335s Genro Filho, Adelmo


O segredo da pirâm ide: para uma teoria m arxista do jornalismo/
Adelm o Genro Filho. Série jornalism o a Rigor. V. 6. Florianópolis:
Insular. 2012.

240 p.

ISBN 978-85-7474-625-8

1. Teoria do jornalism o. 2. Teoria marxista do jornalism o. I. Título.

CDD 0070

EditCr^ Insular
Rodovia João Paulo, 226 —CEP S.8030-300 —Florianópolis/SC
Fone/Fax: (48) 3334-2>7? - 3232-9591
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Sumário

P refácio............................................................................................................. 9
jAdelmo Genro Filho

Introdução...................................................................................................... 13

C apítulo I - O fu n c io n a lism o e a c o m u n ic a ç ã o :
c o n s id e ra ç õ e s p re lim in a re s ................................................................... 25
A imprensa com o “função social”.................................................... 28

C apítulo II - D o p ra g m a tis m o jo rn a lístic o


ao fu n c io n a lism o e s p o n tâ n e o ............................................................... 35
Relato ou opinião: um falso problem a............................................. 40

C apítulo III —O jo rn a lism o c o m o fo rm a de c o n h e c im e n to :


o s lim ite s d a v is ã o fu n c io n a lis ta ......................................................... 49
A notícia com o função orgânica........................................................51
A significação com o probabilidade e liberdade............................. 57
O sujeito e o objeto: a dupla face do r e a l.......................................61

C apítulo IV —D o fu n cio n a lism o à te o ria g eral d os s is te m a s 67


A teoria dos sistemas e a dialética..................................................... 71
A inform ação e a dialética da qualidade-quantidade.....................76
O jornalism o e a teoria da in fo rm ação ............................................ 80
E ntre a crítica e a m anipulação..........................................................83

C apítulo V - A trad içã o d e F ra n k fu rt


e a e x tin ç ã o d o jo rn a lis m o ..................................................................... 91
A “indústria cultural”: uma orquestra afin ada............................... 92
“Indústria cultural” : um balanço das críticas............................... 100
Habermas e o jornalism o: a favor do passado............................. 107
Capitalismo e jornalism o: irm ãos gêm eos?...................................113
M attelart: entre Frankfurt e o populism o......................................118
M attelart e a cultura: o paradigma do artesão.............................. 128
Notícia: apenas um produto à venda?............................................ 132
A necessidade do jornalism o: rom pendo a tradição...................13 9
VI - Jornalism o com o ideologia:
C a p ít u l o
o reducionism o como m étodo.............................................................145
Uma análise “científica” do jornalismo..........................................147
As três fases e as três dimensões do fenômeno...........................151
O jornalismo como ideologia:
a legitimidade da m anipulação..........................................................154
O “objedvismo” e o “ciendíidsmo”
como renúncia da crídca.................................................................... 158

VII - O sin gu lar como categoria central


C a p ít u l o
da teoria do jo rn alism o ...........................................................................161
Algumas limitações da estética de Lukács..................................... 163
As mesmas categorias para uma nova problemática...................167

C VIII - C apitalism o e jornalism o:


a p ít u l o

convergências e d ivergên cias...............................................................173


A cidadania real e a imaginária..........................................................176
A notícia como produto industrial.................................................. 181
Sob a inspiração de Benjam in...........................................................184
A fecundidade do singular e a necessidade da manipulação ....187

C IX - O segredo d a pirâm ide


a p ít u l o

ou a essên cia do jo rn alism o ................................................................. 193


A construção social dos fatos jornalísticos................................... 194
A história e os mitos sobre a pirâm ide...........................................198
A necessidade do lead como epicentro do singular.....................205
A reportagem e a velha questão do “novo jornalismo” ............ 207

C X - Jornalism o e Com unism o:


a p ít u l o

considerações fin ais................................................................................. 213


A desintegração do real e a formação da experiência................ 216
A luta de classes e o conteúdo do singular.................................... 221
O desvendamento do sujeito coletivo............................................ 223
Práxis, comunicação e jornalismo....................................................226
Lênin e Trótski: intuições e limites..................................................227
O jornalismo e a “consumação da liberdade” ..............................231

B i b l io g r a f i a ............................................................................................................2 3 4
Prefácio

E xiste um a grande defasagem entre a atividade jornalística


e as teorizações que se fazem em torno dela. Esse distanciam en­
to se dá em tal grau que, inclusive, tem gerado falsas e absurdas
polêm icas opondo “teóricos” e “práticos”. Recentem ente, um a
cam panha m ovida no Brasil contra a obrigatoriedade do diplo­
ma acadêm ico para o exercício do jornalism o indicou até que
ponto os pragm áticos chegam em seu desprezo pela teoria. Eles
consideram que a sim plicidade das técnicas jornalísticas dispensa
um a abordagem teórica específica e um a form ação especializada.
Por outro lado, é bem verdade que os “teóricos” não têm
feito m uito no sentido de lançar um a ponte com m ão dupla
entre a teoria e a prática. E m geral, as teorizações acadêm icas
oscilam entre a obviedade dos m anuais, que tratam apenas ope-
rativam ente das técnicas, e as críticas puram ente ideológicas do
jornalism o com o instrum ento de dominação.
A ssim , o profissional que procura, realm ente, refletir sobre
o significado político e social de sua atividade —cujas am bigüida­
des e contradições ele percebe em seu dia a dia —, coloca-se num
im passe. O u ele vai tom ar conhecim ento das variações em torno
de um tema que já dom ina, ou buscar contato com enfoques te­
óricos que desprezam as contradições e potencialidades críticas
do jornalism o, com as quais ele se depara na prática.
Por isso, a indevida polarização entre “teóricos” e “práti­
cos” corresponde, no fundo, a um a incom unicabilidade real en­
tre as teorizações existentes e a riqueza da prática. E ssa polari­

9
zação torna-se a expressão de um diálogo, não de surdos, mas
de m udos: um não consegue falar ao outro. A prática, por sua
lim itação natural, jam ais soluciona a teoria. E la apenas insiste,
através de suas evidências e contradições, que deve ser ouvida.
M as só pode se expressar racionalm ente através da teoria.
R esponsabilidade m aior, portanto, cabe à própria teoria
que está m uda em relação às evidências e contradições da práti­
ca, quando deveria transform á-las num a linguagem racional. Isto
é, elucidar e direcionar a prática num sentido crítico e revolucio­
nário.
O objetivo m aior do presente trabalho é propor, certam en­
te com lim itações, um enfoque teórico capaz de apreender ra­
cionalm ente tanto as m isérias quanto a grandeza da prática que
/
é seu objeto e critério. E a tentativa de iniciar um diálogo, tendo
presente que a responsabilidade integral pela iniciativa e pela fe-
cundidade ou não dos conceitos cabe à teoria.
Trata-se, a rigor, de um ensaio que pretende fornecer ele­
m entos para um a teoria do jornalism o, entendido este com o
um a fo r m a social de conhecim ento, historicam ente condicionada pelo
desenvolvim ento do capitalism o, mas dotada de potencialidades
que ultrapassam a m era funcionalidade a esse m odo de produ­
ção. O jornalism o que tratam os aqui, portanto, não é um a ati­
vidade ligada exclusivam ente ao jornal, em bora tenha sido tipi­
ficado pelos diários que nasceram a partir da segunda m etade
do século passado, já com características em presariais e voltados
para a diversificação crescente das inform ações.
O enfoque teórico, situado na perspectiva da dialética m ar­
xista, está alicerçado nas categorias do “singular”, “particular”
e “universal” —noções de larga tradição no pensam ento filosó­
fico, especialm ente na filosofia clássica alem ã — que atingiram
sua plena riqueza de determ inações lógicas no pensam ento de
H egel, apesar de inseridas dentro de seu sistem a idealista. Sob

10
a inspiração da estética de Lukács, que definiu a arte com o um a
form a de conhecim ento cristalizada no “particular” (típico), o
jornalism o é caracterizado com o um a form a de conhecim ento
centrada no “singular”. U m a form a de conhecim ento que sur­
ge, objetivam ente, com base na indústria m oderna, mas se tom a
indispensável ao aprofundam ento da relação entre o indivíduo e
o gênero hum ano nas condições da sociedade futura. A ssim , a
proposta de um “jornalism o inform ativo”, ideologicam ente an-
tiburguês, transform a-se num a possibilidade política efetiva.
Inicialm ente, são criticados alguns pressupostos do fun­
cionalism o que estão subjacentes ao tratam ento pragm ático
que norm alm ente é dado ao problem a das técnicas jornalísticas
e, igualm ente, à questão da “objetividade e im parcialidade” da
inform ação. Incluída na m esm a linhagem teórica do funciona­
lism o, à cham ada Teoria G eral dos Sistem as é apontada como
inadequada para a abordagem crítica da com unicação hum ana
em geral e do jornalism o em particular, à m edida que reduz a
ontologia do ser social às propriedades sistêm icas referidas pela
cibernética.
A E scola de Frankfurt, que nos legou um a im portante he­
rança teórica de crítica da cultura, da com unicação e da ideologia
no capitalism o desenvolvido, é denunciada em sua unilaterali-
dade ao abordar tais questões exclusivam ente sob o ângulo da
manipulação. N essa perspectiva, são discutidas ideias do jovem
H aberm as a respeito do jornalism o e algum as posições de auto­
res contem porâneos situados nessa tradição.
M ais adiante, um a corrente que se pretende m arxista, cha­
m ada por nós de “reducionism o ideológico” —que trabalha com
as prem issas naturalistas do staünism o —é analisada em seu ca­
ráter m anipulatório e conseqüências a-éticas no terreno político.
Os últim os capítulos, com base nos pressupostos form ula­
dos ao longo do balanço crítico, propõem um a rediscussão dos

11
conceitos de lead, notícia e reportagem , assim com o um a revisão
do significado da “pirâm ide invertida” . Finalm ente, num a abor­
dagem das relações do jornalism o com a sociedade capitalista e,
m ais am plam ente, com a perspectiva histórica de um a sociedade
sem classes, são delineadas suas potencialidades socializantes e
hum anizadoras.

A delm o G enro Filho, 1987

12
Introdução

Este trabalho pretende fornecer alguns elem entos e indica­


ções para a construção de um a teoria do jornalism o. Não tem,
evidentem ente, o fôlego e a sistem aticidade do projeto desenvol­
vido pelo pioneiro O tto G roth, cujo adm irável esforço teórico
reafirm a a tradição do pensam ento abstrato entre os alemães.
Em 1910, o Dr. G roth com eça a escrever sua prim eira obra,
D ie vgitung (O jornalism o), u m a enciclopédia do jornalism o em
quatro tom os, publicada entre os anos de 1928 e 1930. Em 1948
publica sua segunda obra. A partir de 1960 aparece seu trabalho
m ais im portante e sistem ático: D ie m erk an nte culturmacht. Grudd-
legung d er ^eitungsm essenschft (O desconhecido poder da cultura.
F undam entação da ciência jornalística). Foram seis volum es
produzidos até 1965, quando o autor m orreu sem term inar o
sétim o.1
Seu grande objetivo era obter o reconhecim ento da “ciên­
cia jornalística” com o disciplina independente. E ssa m eta hoje
aparece com o algo, no m ínim o, duvidoso, considerando-se que
a tendência atualm ente dom inante nas ciências sociais é a con­
fluência de disciplinas e perspectivas. No entanto, o principal
m érito de G roth, que consiste em ter estudado o jornalism o (ou
os “periódicos”) com o um objeto autônom o entre os demais
processos de com unicação social, não teve m uitos herdeiros.

1 BEIJVU, Angel Faus. h a cienáaperiodística de Otto Groth. Pamplona, Instituto de Periodismo


de la Universidad de Navarra, 1966. (A síntese do pensamento de Groth apresentada aqui,
bem como alguns dados biográficos foram baseados principalmente na presente obra).

13
As abordagens que predom inaram nas últim as décadas g i­
ram em torno da com unicação de m assa, da publicidade e das
técnicas de inform ação, sem destacar o jornalism o com o um
objeto específico a ser desvendado. E m geral, o jornalism o tem
sido considerado com o sim ples m odalidade da com unicação de
m assa e m ero instrum ento de reprodução da ideologia das clas­
ses dom inantes.
O tto G roth definiu claram ente o objeto sobre o qual erigiu
sua teoria:

iCHay que advertir que para Groth la Cienáa Periodística dehe investi­
ga r todas laspuhlicaciones que aparegcam periodicamente como un solo
fenômeno en sus elementos. Su obra tiene siempre presente la \unidad
confirmada historicamente de revistas y periódicos’, p or lo que Groth
propone para los dos el nomhre de periodik \ Este término abarca no
solo el periódico sino la prensa en conjunto”?

Suas reflexões estão dirigidas, fundam entalm ente, para o


jornalism o escrito. M as sua teoria jornalística, segundo Belau,
em m uitos pontos é perfeitam ente aplicável ao rádio e à TV.
Seu m étodo de análise —ao contrário do que afirm am al­
guns pesquisadores —não é funcionalista, m as tipicam ente webe-
riano.3 Os periódicos, para ele, são um a obra cultural produzida
por sujeitos hum anos dotados de finalidades conscientes, com o
parte da totalidade das criações hum anas. Vejam os as próprias
palavras de Groth:
íCLa obra cultural tiene como realfación un sentido de realidad sen­
sual y p o r lo tanto está teleologicamente determinado a l hombre, a l
sujecto. Su estructura está en el todo, y en cada una de sus partes,
objetiva y subjetivamente. De esto recibe lo característico de su ser,

2 BELAU, Angel Paus. Op. cit., p. 17.


3 José Marques de M elo afirm a que Groth adotou a perspectiva funcionalista para o esta­
belecim ento das leis do jornalism o. Cf.: Sociologia da im prensa brasileira. Petrópolis, Vozes,
1973. (Coleção Meios de Com unicação Social; 10, Série Pesquisas; 2) p. 20.

14
su autolegalidad. Los fines que fundan así la Cultura derivan de las
diferentes demandas humanas y de las normas válidas”d

Para G roth, o exterior, a form a, a produção técnica, não


possuem nenhum valor para a determ inação do conceito e a de­
lim itação do objeto da ciência do jornalism o. “L o que vale en una
obra cultural es su ser; su sentido.” 5 As edições e os exem plares de
um periódico não são as peças das quais ele se com põe, mas a
m anifestação e m aterialização da ideia que é sua substância. De
sua unidade im aterial resulta a continuidade de suas m anifesta­
ções, pois essa ideia tem vida e destino próprios, colocando a seu
serviço as m áquinas, os hom ens, os edifícios, etc.
Essa ideia cumpre um a finalidade, que é comunicar os acon­
tecimentos em todos os ramos da cultura e da vida em geral ao in­
divíduo e à sociedade em seu conjunto. O significado do periódico,
então, é a comunicação de bens imateriais de todos os tipos, desde
que pertençam aos mundos presentes dos leitores, de um modo
público e coletivo. O periódico deve servir de mediador., o que não
implica apenas uma função social, mas também um a reciprocidade
das relações entre os jornalistas, o periódico e os leitores.
As quatro características fundam entais do jornalism o,
apontadas por G roth —periodicidade, universalidade, atualidade e di­
fu sã o —, consideradas num a perspectiva histórico-social, form am
a dim ensão que cham aríam os estrutural do fenôm eno jornalísti­
co. N ão caracterizam a sua essência. Por outro lado, ao afirm ar
a significação do periódico com o m ediador na com unicação de bens
im ateriais, O tto G roth perm anece num terreno excessivam ente
genérico e abstrato. O que é preciso definir é a especificidade
desses bens im ateriais produzidos por essa estrutura jornalística
historicam ente determ inada. N outras palavras, qual o tipo de co­
nhecim ento produzido pelo jornalism o?

4 GROTH, Otto. Apuei. BELAU, Angel Faus. Op. á t.., p. 26.


5 ldem , p. 29.

15
A qui já temos, portanto, outra delimitação teórica do objeto,
distinta daquela construída por Groth. E um outro método: já
não se trata apenas de distinguir a racionalidade de um a com uni­
dade subjetiva de indivíduos que trocam bens simbólicos, mas de
com preender como as condições históricas —em primeiro lugar,
as condições objetivas —produziram a necessidade dessa recipro­
cidade subjetiva e, sobretudo, a especificidade dos bens sim bóli­
cos que nasceram dela. Trata-se de, sob esse prism a, descobrir as
am bigüidades e contradições do fenômeno jornalístico diante da
dom inação e da luta de classes no capitalismo, buscando inclusive
perscrutar as potencialidades que se abrem ao futuro.
M as voltem os ao problem a do método. E im portante in ­
sistir sobre a bússola que vai nortear esse trabalho. J á é quase
senso com um nas ciências, hoje em dia, a ideia de que o “objeto
teórico” (ou “objeto do conhecim ento”) é distinto do “objeto
real”, entendido este apenas enquanto m anifestação fenom ênica.
N ão obstante, essa prem issa é interpretada de m aneiras diferen­
tes, dependendo dos pressupostos filosóficos dos quais se parte.
H á duas interpretações agnósticas sobre a questão que de­
vem ser descartadas. A p rim eira delas, extrai dessa prem issa um a
conclusão de fundo neopositivista, isto é, a realidade é tom ada
sim plesm ente para efeitos operatórios, com o um “construto”
relativam ente arbitrário. A segunda, a partir da distinção entre
“objeto teórico” e “objeto real”, assum e um a postura franca­
m ente idealista, ou seja, o real é entendido com o dotado de um a
essência inacessível ao conhecim ento.
A posição assum ida neste trabalho reconhece que, analitica-
m ente, o “objeto teórico” é distinto do “objeto real” e interpreta
essa sentença no sentido que foi claram ente indicado por M arx
em Para a crítica da econom ia p olítica /’ Isso quer dizer que o real,

6 M arx, Karl. Irr. K arl M arx. 3. ed. Sào Paulo, Abril Cultural, 1985. (Col. Os Pensadores) p.
116-117.

16
para o conhecim ento, não aparece im ediatam ente em sua con-
creticidade. N ão é a objetividade evidenciada diretam ente pelos
sentidos que consdtui o concreto, mas a síntese de suas m últiplas
determ inações enquanto concreto pensado, em bora a concre-
ticidade que o constitua seja o verdadeiro ponto de partida. O
percurso do conhecim ento vai do abstrato ao concreto, das abs­
trações m ais gerais produzidas pelos conhecim entos anteriores,
através das quais o sujeito para apreender a particularidade do
objeto, até o m om ento da síntese realizada pelo conceito para
apanhá-lo em suas determ inações específicas, isto é, com o con-
/
ereto pensado. E o que afirm a, num a linguagem hegeliana, Jean
Ladrière:

“C om preender o fenôm eno é, de alguma maneira, efetuar


o caminho da m anifestação em sentido inverso, rem ontar o
processo de vinda ao manifesto, vincular o m anifesto ao seu
princípio. Mas a caminhada não está separada do fenômeno,
ela é a própria possibilidade mais interior, sempre presente
no próprio ato de m anifestação”.7

N este sentido, o “objeto real” é o próprio fenôm eno, aquilo


que aparece im ediatam ente aos sentidos e se anuncia na experi­
ência presente, assim ilada de form a isolada e fragm entária. E o
“objeto teórico” (ou “objeto do conhecim ento”) é a realidade
observada sob o ângulo dos conhecim entos acum ulados preli­
m inarm ente, ou seja, nos lim ites em que isso foi possível já vin­
culada (a realidade) ao seu princípio.
A ssim , dois aspectos m erecem ser ressaltados. Primeiro,
que o “objeto teórico”, tal com o o “objeto real”, não é algo dado
de um a vez para sem pre, algum a coisa fixa e inerte, m as um pro­
cesso de construção paralelo à produção, da própria realidade
hum ana. Segundo, que não existe um fosso intransponível entre

7 LAD RIÈRE, Jean. Filosofia ep rá x is áentífica. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978. p. 23.

17
um e outro, m'as um a transform ação constante e progressiva d o
“objeto real” em “objeto teórico” e vice-versa. É se apropriando
do m undo que o hom em vai realizando essa transform ação e, atra­
vés dela, revelando a verdade do objeto real por m eio da teoria.
O percurso da teoria, em conseqüência, não pode partir de
um conceito exaustivo do objeto (no caso, o jornalism o), para
em seguida derivar suas determ inações, pois isso seria adiantar
com o prem issa ideal aquilo que se pretende —em bora com m ui-
/
tas lim itações —desenvolver na totalidade da reflexão. E reco­
m endável, ao que nos parece, que o percurso da exposição não
violente a lógica da apreensão teórica, em bora não deva ser coin­
cidente com ela, a fim de evitar os tropeços e descam inhos que
a teoria foi obrigada a percorrer. O m elhor rum o da exposição
parece ser um cam inho lógico presidido pelas conclusões teófi-
cas já obtidas, não reveladas inteiram ente de antem ão, em bota
delineadas previam ente a fim de que sirvam com o vetor para a
com preensão.
Avancemos, então, em direção ao nosso objeto pela Via
delicada da aproxim ação excludente. O objeto deste trabalho
não é a com unicação em geral, o que poderia enfeixar todo um
conjunto heterogêneo de processos físicos, biológicos e sociais,
abordados sob a ótica da C ibernética e da Teoria da Inform a­
ção. Tam pouco se pretende dar conta do conjunto de relações
hum ano-sociais indicado sob o título genérico de Com unicação
Social, m as apenas de um a de suas determ inações históricas, a
saber, o “jornalism o in form ativo”, tom ado com o m odelo â °
próprio conceito de jornalism o.8
A escassez de estudos teóricos sobre o jornalism o (tenho
presente a exceção de O tto G roth) nos obriga a discutir a ques­

8 O “jornalism o inform ativo” produzido em qualquer veículo, especialm ente aquele que
apresenta uma periodicidade pelo m enos diária, é o fenômeno que tipifica nosso objet°-
Trata-se da manifestação mais característica do fenômeno que pretendem os analisar>
servindo como principal referência do nosso “objeto real” no sentido já apontado.

18
tão no contexto de categorias e referências m ais am plas. Assim,
o critério usado para o balanço dos conhecim entos existentes
está alicerçado em duas prem issas: os pressupostos teóricos as­
sum idos e a adoção privilegiada - para efeitos da crítica - de
certas correntes de pensam ento que, a nosso juízo, produziram
conceitos relativam ente abrangentes sobre o jornalism o. D iscu­
tirem os aspectos de três grandes correntes: o “funcionalism o norte-
-am ericano”, a “H scola de F ra n k fu rt e um a espécie de concepção
sobre o jornalism o que se autoproclam a m arxista, que será cha­
m ada de “reducionism o ideológicd\ E sta concepção está inserida na
tradição stalinista e encontra seu com plem ento teórico nas teses
de A lthusser.9
A “escola francesa” de Jacques Kaiser, que seria conside­
rada m ais tarde com o precursora do estruturalism o 10, e os es­
tudos sem iológicos inspirados na lingüística estrutural de Saus-
sure, na lingüística de Jakobson, na lingüística transform acional
de Chom sky, na psicanálise de Lacan e na antropologia de Lévi-
-Strauss não serão discutidos. A p artir da década de 60, na Eu­
ropa, e principalm ente na França, esboçou-se nos pesquisadores
universitários “o sonho m egalôm ano de um a decodificação geral
dos sistem as de signos; e com o toda a m anifestação hum ana é
um sistem a de signos... Imaginou-se. um a ciência geral da nar­
rativa, que se encaixaria num a ciência geral das artes, que se en­
caixaria num a ciência geral da linguagem , abarcando sociedade
e inconsciente” .11 Pela natureza desse enfoque, que privilegia o
m undo enquanto “linguagem ”, “textos”, “articulação de signos”,

9 Mais adiante veremos que as ideias de Althusser, mais harm ônicas com a concepção que
denom inam os “reducionismo ideológico”, também influenciaram as análises do belga
Arm and M attelart, em bora estas, no seu conjunto, estejam mais identificadas com a
tradição de “Frankfurt” .
10 CASASUS, José Maria. I d eo lo gia j anâlisis de medios de cumumcaàón. Barcelona. DOPESA,
1972. p. 20.
11 M OISÉS, Leila Perrone. K oland Barthes. São Paulo, Brasiliense, 1983. (Col. Encanto radi­
cal; 23) p.43.

19
o jornalism o é investigado, via de regra, com o produção ideoló­
gica que em ana das estruturas subjacentes em que se organiza a
m ensagem . Em conseqüência, para os objetivos do nosso traba­
lho que é situar o jornalism o como fenôm eno histórico-social
concreto e não apenas com o organização form al da linguagem
que m anifesta conteúdos explícitos ou im plícitos, tais enfoques
apresentam um insanável vício de origem , que é a parcialidade na
apreensão do fenômeno.
Inicialm ente farem os um balanço crítico no qual as nossas
hipóteses irão sendo apresentadas. Os capítulos finais abordarão
a “pirâm ide invertida”, o le a d 2, as relações entre jornalism o e
arte e, finalm ente, as perspectivas históricas do jornalism o. Na
questão das relações entre jornalism o e ideologia, por um a op­
ção epistem ológica, e tam bém política, o conteúdo das notícias
é tom ado em seus opostos extrem os (“funcional” ou “crítico-re-
volucionário”), em bora seja necessário reconhecer que a dialéti­
ca social estabelece todo um leque de gradações e am bigüidades.
Para abordar o jornalism o com o m odalidade de conhecim ento,
são utilizadas três categorias de larga tradição no pensam ento
filosófico desde a A ntiguidade e, em especial, na filosofia clássica
alem ã: o singular; o p a rticu la r e o universal. Elas foram aplicadas
po r Lukács, com relativo êxito, na form ulação de um a estética
m arxista. N ossa intenção é aplicá-las para a constituição de uma
teoria do jornalism o.13
N ossa abordagem postula a aplicação do m étodo dialético-
-m aterialista, tom ada esta expressão não no sentido do “redu-

12 M esm o sendo expressões usuais no dia a dia dos jornalistas, cabe inform ar o seu signifi­
cado aos leitores de outras áreas. A “pirâmide invertida” é a representação gráfica de que
a notícia deve ser elaborada pela ordem decrescente de im portância das informações. O
lead designa “o parágrafo sintético, vivo, leve, com que se inicia a notícia, na tentativa de
fisgar a atenção do leitor”.
13 Para quem não esdver familiarizado com tais categorias, seria interessante iniciar a leitura
pelo capítulo VII, onde se discute o sentido que elas adquirem em Hegel e M arx, e onde
são apresentadas algumas reservas ao uso que delas fez Lukács em sua estética.

20
cionism o econom icista” ou do “naturalism o dialético”14 —o que
conduz a um enfoque de m atiz positivista —m as num a perspec­
tiva m arxista que tom a as relações p rá tica s de produção e reprodu­
ção da vida social com o ponto nodal da autoprodução hum a­
na na história. O u seja, trata-se de um a m aneira de considerar
a realidade histórico-social que com preende as determ inações
subjetivas com o algo real e ativo, um a dim ensão constituinte da
sociedade, mas que só pode ser apanhada logicam ente em sua
dinâm ica com o m om entos de um a totalidade que tem na objeti-
vação seu eixo central. Em síntese, um enfoque que tom a a práxis
com o categoria fundam ental.
A dificuldade m aior é que inexiste um a tradição teórica
integrada e solidam ente constituída sobre o jornalism o, como
já foi indicado, em que pesem alguns avanços significativos em
problem áticas paralelas ou áreas lim ítrofes. A Teoria da Infor­
m ação, por um lado, e a C om unicação de M assa, por outro, en­
volvem investigações relativam ente recentes e bastante desen­
contradas. O fundam ento com um , enunciado e discutido pelos
estudiosos de am bas as áreas, é ainda por dem ais incipiente para
que se possa reconhecer a existência de um a inequívoca unidade
teórica. Persiste, entre a T eoria da Inform ação e as investigações
filosóficas, sociológicas e sem iológicas da com unicação hum ana,
um a terra de ninguém , um vácuo atorm entado por dúvidas e
im precisões.
E ntre o form alism o da prim eira e a generalidade dos de­
m ais enfoques, não é de se adm irar, portanto, que o jornalism o
—fenôm eno que nasceu no bojo da com unicação de m assa —seja
tão carente de explicações teóricas e tão farto em considerações
em piristas e m oralizantes. O que tem acontecido é que as abor­
dagens sociológicas ou filosóficas contornam , ou sim plesm ente

14 GENRO FILHO, Adelmo. Introdução à crítica do dogmatismo. In: Teoria e Política. Sào
Paulo, Brasil Debates, 1980. n .l.

21
ignoram , as questões form ais propostas pela Teoria da Inform a­
ção. E sta, por seu lado, tende a exercer um a espécie de “redução
ontológica” da sociedade para inseri-la em seus m odelos.
A cham ada “Teoria G eral dos Sistem as”, pela m etodolo­
gia abrangente e reducionista que propõe, é um dos polos desse
dilem a teórico.15 Os m al-entendidos que se produziram com a
participação de Lucien G oldm ann num debate com cientistas de
diversas áreas sobre “o conceito de inform ação na ciência con­
tem porânea” 16 , indicam o reverso da m edalha, isto é, a dificulda­
de dos enfoques “h um anistas” em incorporar o aspecto objetivo
e m atem ático im plicado no conceito de inform ação.
A ssim , pode-se perceber que a ausência de um a teorização
axiom ática sobre o jornalism o não ocorre por acaso, mas num
contexto de reflexões heterogêneas e até paradoxais sobre o pro ­
blem a da com unicação. Tam pouco essa lacuna é destituída de
conseqüências políticas e sociais: em geral, os posicionam entos
nascidos dessa indigência teórica capitulam diante do em pirism o
estreito —cam inho m ais curto até a apologia — ou assum em o
distanciam ento de um a crítica supostam ente radical que resum e
tudo no engodo e na m anipulação.
A ingenuidade dessas propostas, que desprezam as m edia­
ções especificam ente jornalísticas e propõem a panaceia de “de­
volver a palavra ao povo”, denuncia a inconsistência teórica das
prem issas. E certo que a ideologia burguesa está em butida na
justificação teórica e ética das regras e técnicas jornalísticas ado­
tadas usualm ente. M as isso não autoriza, com o m uitos parecem
im aginar, que se possa concluir que as técnicas jornalísticas são
m eros epifenôm enos da dom inação ideológica. E ssa conclusão
não é legítim a nem do ponto de vista lógico nem histórico.

15 Cf. BUCKLEY, Walter. A sociologia e a moderna teoria dos sistemas. 2. ed. Sào Paulo, Cultrix,
s/d.
16 G O LDM AN N, Lucien. Sobre o conceito de consciência possível. In: 0 conceito de infor­
mação na áência contemporânea. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1970. (Série Ciência, e Inform a­
ção; 2).

22
U m enfoque verdadeiram ente dialédco-m aterialista deve
buscar a concreticidade histórica do jornalism o, captando, ao
m esm o tempo, a especificidade e a generalidade do fenômeno.
D eve estabelecer um a relação dialética entre o aspecto histórico-
-transitório do fenôm eno e sua dim ensão histórico-ontológica.
Q uer dizer, entre o capitalism o (que gestou o jornalism o) e a
totalidade hum ana em sua autoprodução. D ito de outro modo,
o jornalism o não pode ser reduzido às condições de sua gênese
histórica, nem à ideologia da classe que o trouxe à luz. Parafrase­
ando Sartre: a notícia é um a m ercadoria, mas não é um a m erca­
doria qualquer.17 O capitalism o não é um acidente no processo
histórico, mas um m om ento da totalidade em seu devir. Suas
determ inações culturais (no sentido am plo do term o) envolvem
um a dialética entre a particularidade dos interesses da classe do­
m inante e a constituição da universalidade do gênero humano.
A quem pertencem , hoje, as obras de Balzac, Flaubert, Zola e
tantos outros? A am bivalência do jornalism o decorre do fato de
que ele é um fenôm eno cuja essência ultrapassa os contornos
ideológicos de sua gênese burguesa, em que pese seja uma das
form as de m anifestação e reprodução da hegem onia das classes
dom inantes.
O que farem os nas reflexões subsequentes é discutir o jor­
nalism o com o produto histórico da sociedade burguesa, mas um
produto cuja potencialidade a ultrapassa e se expressa desde ago­
ra de form a contraditória, à m edida que se constituiu com o uma
nova m odalidade social de conhecim ento cuja categoria central ê o singular.
Porém , o conceito de conhecim ento não deve ser entendido na
acepção vulgar do positivism o, e sim com o m om ento da prá-
xís, vale dizer, com o dim ensão sim bólica da apropriação social

17 “Valéry es un intelectual pequeno-burgués, no cabe la m enor duda. Pero todo intelectual


pequeno-burgués no es Valéry”. In: SARTRE, Jean-paul. Critica de la rayón dialéctica. Bue­
nos Aires, Losada, 1979. Libro I. p. 53.

23
do hom em sòbre a realidade. N osso ponto de partida, portanto,
pode ser ilustrado pela assertiva final do livro de N ilson LageNE.
E le intuiu corretam ente o cam inho a seguir e o expressou de
m odo incisivo: “Os jornais, em suma, nào têm saída: sào veículos de
ideologias práticas, mesquinharias. Mas têm saída: há neles indícios da
realidade e rudimentos de filosofia prática, crítica militante, grandeza
submetida, porém insubmissa”.1*1Orações imponentes de um jornalis­
ta talentoso. Talvez o kad de uma nova abordagem.

N E Uma nova edição da obra de N ilson Lage foi publicada em 2012 no Volume 5 desta Série
Jornalism o a Rigor.
18 LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. Petrópolis, Vozes, 1979, p. 112 (Violette M orin
aponta no mesmo sentido: “ Parece que el tratamiento periodístico, em su versión actual, encierra
alguna ‘virtud’ cuya intensidad, aún m a l definida, podría un dia rivalizar con la ya reconocida de sus
‘vícios’. Es éste, en todo caso, elsentim iento que este trabajo contribuye a sugerir'. Ver: El tratamien­
to periodístico de la inform ación. M adrid, A.T.E., 1974. (Col. Libros de Comunicación
Social), p. 10.

24
C apítulo I

O funcionalismo e a com unicação:


considerações preliminares

A proposta de enquadrar as ciências sociais no paradigm a


das ciências naturais, feita p o r Com te, foi levada a term o por
D ürkheim . O positivism o foi a base filosófica da concepção que
desem bocou no funcionalism o. M as essa continuidade funda­
m ental não deve obscurecer o fato de que D ürkheim apresenta
certas particularidades epistem ológicas. O m odelo proposto por
Com te para a sociologia era o da física: ele defendia a necessida­
de de fundar um a “física social” . Para D ürkheim , o m odelo das
ciências sociais era o da biologia (notadam ente sob a influência
de Spencer), em bora reconhecendo que a sociedade possui um a
infinidade de consciências e o corpo hum ano apenas uma. A lém
disso, o pressuposto da existência de “conexões causais” era de­
fendido por D ürkheim , distinguindo-se do positivism o com tea-
no que som ente adm itia a form ulação de leis que representassem
a repetibilidade e a regularidade dos fenômenos.
As ideias de D ürkheim deixaram m arcas no pensam ento
conservador em várias disciplinas das ciências hum anas. N a
antropologia, um dos seus m ais im portantes seguidores foi o
britânico Radcliffe-Brown, que exerceu notável influência so­
bre os estudiosos ingleses da sua área. Segundo alguns autores,
D ürkheim teria sido, inclusive, um a das fontes do estruturalism o

25
de Lévi-Strauss.1 Foi, porém , nos Estados U nidos que suas ideias
tornaram -se precursoras da form ação de um cam po teórico mais
definido e sistem atizado, especialm ente através de Talcott Par-
sons e R obert K. M erton, nom es que podem ser considerados
clássicos no estrutural-funcionalism o norte-am ericano.
D ürkheim procura distinguir a explicação “causai” da ex­
plicação “funcional” dos fatos sociais. A prim eira tenta esclare­
cer a sucessão dos fenôm enos, enquanto a segunda quer definir
o papel que é atribuído a cada fenôm eno pelas necessidades do
organism o social. V ejam os o sentido m ais preciso desse últim o
tipo de explicação, o qual nos interessa salientar aqui.

“A concepção de Dürkheim da análise funcional está es­


treitamente ligada à sua tentativa de proporcionar critérios
para distinguir a normalidade da patologia social. De acordo
com a concepção ortodoxa em filosofia, desenvolvida por
I lume, o ‘deve’ está logicamente separado do ‘é’: julgamen­
tos de valor não podem derivar de enunciados factuais. Para
Dürkheim, uma noção dessa natureza separa em demasia a
ciência da prática. O que a ciência pode fazer é discernir e
estudar as condições do funcionamento normal do sistema
orgânico e do social, identificando patologias e indicando
medidas práticas apropriadas para restaurar a saúde. Pode­
mos descobrir, de acordo com Dürkheim, ‘critérios obje­
tivos, inerentes aos próprios fatos’ do que é normal e do
que é patológico. Quer se trate de biologia, quer se trate de
sociologia, isto envolve, primeiro que tudo, uma classifica­
ção de espécies ou tipos. A temperatura normal do sangue
( de um lagarto difere da temperatura normal do sangue de
um homem; o que é normal para uma espécie é anormal
para outra. Uma classificação assim de tipos de sociedade

1 GID EEM S, Anthony. A.s idéias de Dürkheim. Sao Paulo, Cultrix, 1978. (Mestres de M o­
dernidade) p. 1.

26
foi o que Dürkheim tentou levar a cabo em sua discussão do
desenvolvimento da divisão do trabalho”.2

E sse m étodo, que sugere com parar o sangue do hom em


ao sangue de um lagarto, sem dúvida “coisifica” a sociedade hu­
m ana. A liás, foi ele m esm o quem afirm ou, em A.s regras do método
sociológico, que os fatos sociais precisam ser tratados com o “coi­
sas”, isto é, as relações sociais devem ser consideradas com o se
fossem pura objetividade, fora do processo histórico de auto-
produção hum ana. E essa tese, sobretudo, que o funcionalism o
norte-am ericano vai resgatar. “A ideia-força desta concepção
reside na afirm ação de que o organism o social é um tecido de
inter-relações entre órgãos e funções que respondem a certas ne­
cessidades fundam entais e que asseguram , assim , seu futuro.”3 O
que está em foco, na essência do próprio m étodo, é. a reprodução e
a estabilidade do sistem a social.
N os E stados Unidos, depois da I G uerra, consolida-se a
perspectiva funcionalista no estudo da com unicação social, ali­
cerçada em estudos de natureza em pirista que se utilizam de
m odelos form ais e m atem áticos. Essa corrente, que pretende
atribuir-se um a aura de im parcialidade e objetividade, passa a
hegem onizar os estudos nesse cam po nos E stados Unidos e
tam bém na Am érica Eatina. O desenvolvim ento dos meios de
com unicação e do próprio jornalism o são analisados com o pro­
cessos independentes em relação ao desenvolvim ento global das
forças produtivas e da luta de classes, ou seja, apartados do m o­
vim ento histórico em seu conjunto. Ao contrário, os m eios de
com unicação são tom ados apenas com o “função orgânica” da
sociedade capitalista contem porânea, entendida esta com o para­
digm a do progresso e da norm alidade.

2 Idem, p. 28.
S Thom as, Louis-Vincent. A etnologia: mistificação e desmistificação. br. CHÃTELET. A
filosofia das ciências sociais. Rio de Janeiro, Zahar, 1974. p. 167.

27
“La primera escuela norteamericana que se preocupo preferentemente
de los médios de comunicación se inicia bacia 1930 con Bernard Be-
relson, H arold Eassivell y sus colaboradores. Kecogían la experiência
tecnológica dei gran pionero H artleyy la tendencia pragmática de los
primeros 1analistas' intuitivos, pero les animaba el aján de reducir al
mínimo la subjetividad dei investigador. En todos sus planteamientos
metodológicos puede observarse un interés especial en lograr que el ana­
lista parta de unos supuestos puramente objetivos V

Ksse tipo de investigação, que ficou conhecido com o “aná­


lise de conteúdo”, foi definido por B erelson com o “ una técnica
de in v e s tig ü d ó n p a ra la descripción objetiva, sistem ática y cuantitativa dei
contenido manifesto de las com unicaciones ’.5
Mais raras foram as abordagens funcionalistas da nature­
za específica do jornalism o ou da função global dos m eios de
com unicação. N o prim eiro caso, vale citar o criativo ensaio de
R obert B- Park, escrito em 1940, A notícia como fo rm a de conheci­
m ento: títn capítulo da sociologia do conhecim ento(\ que será discutido
m ais adiante. N o segundo caso, o que tem os são interpretações
funcionalistas de algum as das ideias sugeridas pelo pioneiro
O tto Groth, em geral utilizadas com certa ligeireza nos m anuais
norte-am ericanos que, por sinal, servem de m odelo aos nossos.

A imprensa como cfunção social"

Um exem plo de análise funcionalista no B rasil é o livro de


Jo sé Marques de M elo, inicialm ente apresentado com o tese de
doutoram ento, Sociologia da im prensa brasileira, no qual procura

4 CASASUS, José M aria, ideologia y análisis de m edios de comunicación. Barcelona, Dopesa.


1972, p- 26. (pelo que conferi é analisis, pois “análise” em espanhol quer dizer “com en­
tários” e não “análise”).
5 A pu â CASASÚS, op. c i t p. 27.
6 PARK, Robert E. A notícia com o forma de conhecimento: um capítulo da sociologia do
conhecimento. In: STEINBERG, Charles S., (org.). M eios de comunicação de massa. 2.ed. São
Paulo, Cultrix, 1972, p. 168.

28
averiguar as causas do atraso no desenvolvim ento da im prensa
colonial em nosso país7. O livro de M arques de M elo procura
situar o surgim ento da im prensa e do jornalism o em função das
necessidades produzidas pela sociedade na sua dim ensão global.
Para realizar essa tarefa, o autor faz um a “descrição” histórica, a
fim de explicar o aparecim ento de tais necessidades sociais. Por
isso, alguns aspectos levantados em seu trabalho, principalm ente
em relação ao surgim ento da im prensa no O cidente, tornam -se
úteis —em que pese a m etodologia confessadam ente funcionalis-
ta —com o elem entos iniciais de reflexão.
A relação estabelecida pelo autor entre a sociedade e o desen­
volvim ento da im prensa, a partir de necessidades globais, ressal­
ta um aspecto do problem a geralm ente m al compreendido. Não
obstante, com o será indicado no final deste capítulo, o método
funcionalista que é subjacente a essa abordagem com prom ete o
desdobram ento crítico da análise. Vejamos alguns pontos:
“O certo, no entanto, é que a imprensa veio atender às ne­
cessidades crescentes de produção de livros, a fim de satisfa­
zer às solicitações da elite intelectual forjada pelas universi­
dades renascentistas. Mas, não somente com essa finalidade,
apesar de os registros dos estudiosos enfatizarem de tal
modo esse aspecto, tornando-o muitas vezes único e exclu­
sivo. As atividades de impressão serviram também como
suporte para o desenvolvimento das atividades da nascente
burguesia comercial e industrial, dando letra de forma aos
instrumentos da sua complexa engrenagem burocrática (le­
tras de câmbio, recibos, contratos, modelos contábeis, tabe­
las de preços, etc.). Ou, então, atenderem as necessidades
da organização administrativa das cidades e dos principados
(guias para o recolhimento de impostos, editais, proclama­
ções, avisos, formulários, etc.)”.8

7 MELO, M arques de. Sociologia da imprensa brasileira. Petrópoiis, Vozes, 1973.


H MELO, José Marques de. Op. cit., p. 36-37.

29
O desenvolvim ento da im prensa aparece, aqui, articulado
com o crescente interesse pelos livros a p artir do Renascim ento
e, de outra parte, com as dem andas burocráticas e institucionais
da burguesia em ascensão. M as com relação aos “periódicos”,
que foram os precursores do jornalism o contem porâneo, as n e­
cessidades sociais apontadas são m ais difusas:

“Além das necessidades institucionais, havia a necessidade


popular de obter informações e manter-se em dia com os
acontecimentos da época, fenômeno que geraria a imprensa
periódica, cujas primeiras manifestações são as relações e as
folhas volantes. Madeleine D’Ainvelle sintetiza com muita
clareza esse tipo de necessidade que ‘se faz sentir-nos di­
versos meios sociais: o citadino que deseja conhecer a vida
do grande corpo social ao qual ele pertence e que ultrapassa
suas relações primárias; o comerciante burguês e banqueiro
que não pode ter sucesso em seus negócios se não estiver
bem informado dos preços das mercadorias e da sua aces­
sibilidade, que depende da conjuntura política; os cidadãos,
ansiosos por sua participação no exército da Itália, que têm
sede de informações precisas; o Rei, para defender sua po­
lítica, que procura atingir a opinião’. E conclui: ‘a atualidade
tornou-se o objeto de curiosidade com um fim prático, a
comunicação converteu-se em uma necessidade da vida ur­
bana, profissional, política e religiosa’”.9

A atualidade, de fato, sempre foi objeto de curiosidade para


os homens. Mas com o desenvolvim ento das forças produtivas e
das relações capitalistas a atualidade am plia-se no espaço, ou seja,
o m undo inteiro tornava-se, cada vez mais, um sistem a integrado e
interdependente. A im ediaticidade do mundo, através de seus efei­
tos, envolve então um a esfera cada vez m aior e constitui um sis­
tem a que se torna progressivam ente mais com plexo e articulado.

() Idem, p. 37.

30
Isso traz duas conseqüências básicas: a procura de m ais in­
form ações e, pelo fato de que tais inform ações não podem ser
obtidas diretam ente pelos indivíduos, surge a possibilidade de
uma indústria da inform ação. Q ue tais em presas sejam privadas
e que as notícias sejam transform adas em m ercadorias não é de
se estranhar, pois, afinal, tratava-se precisam ente do desenvol­
vim ento do m odo de produção capitalista. Logo, desde o seu
nascim ento, o jornalism o teria de estar perpassado pela ideologia
burguesa e, do ponto de vista cultural, associado ao que foi cha­
m ado m ais tarde de “cultura de m assa” ou “indústria cultural”.
Segundo M argaret Aston, passou-se um largo período de
tem po antes que a im prensa tivesse influência decisiva como
m eio de revolucionar a inform ação e o conhecim ento sobre
acontecim entos recentes, ou então o conhecim ento de fatos an­
tigos apreciados à luz de novos elem entos111. Vejamos: aum enta
a dem anda de inform ações sobre acontecim entos que, de uma
form a ou de outra, influem m ais ou menos rapidam ente sobre
os indivíduos. N o entanto, tais acontecim entos não podem ser
vividos diretam ente pela experiência. Sua dinâm ica exige que se­
jam apreendidos, constantem ente, enquanto fenôm enos e que se­
jam continuam ente totalizados.
A ssim com o os fenôm enos im ediatos que povoam o co­
tidiano, os acontecim entos precisam ser percebidos com o pro­
cessos incom pletos que se articulam e se superpõem para que
possam os m anter um a determ inada “abertura de sentido” em
relação a sua significação. M esm o que o sentido seja produzido
sempre num a determ inada perspectiva ideológica, assim como
qualquer outra significação atribuída ao m undo social, isso não
invalida a im portância dessa “abertura de sentido” que lhe é sub­
sistente.

10 A pud: MELO. Op. át.. p. 43.

31
N o m odo de produção capitalista, os acontecim entos im ­
portantes do m undo, em virtude da contiguidade objetiva no
espaço social, tornaram -se tam bém “fenôm enos im ediatos que
povoam o cotidiano” . Portanto, essa am bigüidade da in fo rm a­
ção jornalística, que apresenta algo já acontecido com o se ainda
estivesse acontecendo, reconstitui um fenôm eno que não está
sendo diretam ente vivenciado com o se o estivesse, que trans­
m ite acontecim entos através de m ediações técnicas e hum anas
com o se produzisse o fato original; essa am bigüidade não é ape­
nas produto m aquiavélico do interesse burguês. A possibilidade
de m anipulação decorre dessa relação tensa entre o objetivo c o
subjetivo, que está na essência da inform ação jornalística.
Os veículos de com unicação, com o a im prensa, o rádio, a
fotografia, o cinem a, a TV, etc., trouxeram conseqüências pro­
fundas para as form as de conhecim ento e com unicação até en­
tão existentes. O exem plo m ais característico é o da arte, cujas
transform ações evidentes são objeto de um a polêm ica que já se
prolonga por várias décadas. A s novas form as de arte, as m oder­
nas técnicas pedagógicas, os novos gêneros de lazer e as outras
m odalidades de relacionam ento social produzidos pela im prensa
e, m ais acentuadam ente, pelos m eios eletrônicos de com unica­
ção, foram incorporados com o objetos teóricos com certa natu­
ralidade.
N o entanto, o jornalism o, que é o filho m ais legítim o des­
se casam ento entre o novo tecido universal das relações sociais
produzido pelo advento do capitalism o e os m eios industriais de
difundir inform ações, isto é, o produto m ais típico desse consór­
cio histórico, não é reconhecido em sua relativa autonom ia e in ­
discutível grandeza. D e um lado, ele é visto apenas com o in stru­
m ento particular da dom inação burguesa, com o linguagem do
engodo, da m anipulação e da consciência alienada. Ou sim ples­
m ente com o correia de transm issão dos “aparelhos ideológicos

32
de E stado”, com o m ediação servil e anódina do poder de um a
classe, sem qualquer potencial para uma autêntica apropriação
sim bólica da realidade. D e outro lado, estão as visões m eram ente
descritivas ou m esm o apologéticas —tipicam ente fiincionalistas
—em geral suavem ente coloridas com as tintas do liberalism o: a
atividade jornalística com o “crítica responsável” baseada na sim ­
ples divulgação objetiva dos fatos, um a “função social” voltada
para “o aperfeiçoam ento das instituições dem ocráticas” . N a lin­
guagem m ais direta do m estre (D ürkheim ), um a atividade volta­
da para a denúncia e correção das “patologias sociais”, portanto,
para a coesão e a reprodução do estado “norm al” da sociedade,
ou seja, o capitalism o.
Buscando um a síntese, podem os dizer que o funcionalismo
indica o caráter socializante do m aterial impresso e dos meios de
com unicação em geral, percebendo inclusive a determ inação das
necessidades sociais difusas no desenvolvimento do jornalismo.
Chega até, com o foi indicado, a situar o jornalism o com o “forma
de conhecim ento”. Mas atribui a essa expressão um sentido vulgar
e pragm ático, vinculado apenas à reprodução da sociedade. Ao
rebaixar desse m odo o conhecim ento assim produzido, desapa­
rece o próprio objeto delineado como “função” , dissolvendo-se
sua especificidade no elem entarism o de certas técnicas e regras do
“bom jornalism o”. A visão funcionalista percebe que a socieda­
de capitalista tem necessidades difusas de um volum e enorm e de
inform ações e que o jornalism o surgiu no bojo desse fenômeno.
Mas o curto fôlego teórico de suas premissas não perm ite res­
ponder, exceto com meras constatações e obviedades, por que o
jornalismo assum iu determ inadas configurações específicas na or­
ganização das inform ações e na estrutura de sua linguagem . Não
consegue, tampouco, equacionar a questão da luta de classes, da
hegem onia ideológica das classes dom inantes na produção jorna­
lística e das contradições internas desse processo.

33
Enfim, à medida que o funcionalismo “consiste na deter­
minação da correspondência existente entre um fato conside­
rado e as necessidades gerais do organismo social em que está
inserido”11 , não perm ite notar a autonomia relativa do fenôme­
no jornalístico e suas perspectivas históricas mais amplas. Ficam
obscurecidas as contradições: sua inclusão na luta de classes e os
limites e possibilidades que daí decorrem.

11 MELO, op. cit., p. 22.

34
C apítulo II

Do pragmatismo jornalístico
ao funcionalismo espontâneo

A mercadoria, ensina Marx, é uma relação social mediati-


zada por coisas, as quais parecem conter essas relações como
se fossem suas próprias qualidades naturais. A noção comum
de mercadoria não distingue as relações humanas desiguais que
estão por trás da sua identidade universal enquanto valor de troca.
As mercadorias aparecem como coisas que possuem, intrinse-
camente, certas qualidades humanas de se equipararem em pro­
porções diversas, dotadas, aparentemente, de um mesmo fluido
objetivo que varia apenas quantitativamente.
Quer dizer, relações humanas historicamente determinadas
aparecem como pura objetividade, como se constituíssem uma
realidade exterior aos sujeitos, isto é, reificadas. José Paulo Netto
demonstra que essa noção de Marx, tratada sistematicamente por
Lukács, torna-se um conceito fundamental para a compreensão
do fetichismo e da alienação no capitalismo contemporâneo.1
Esse conceito nos permite compreender que o positivismo,
base teórica mais ampla do funcionalismo, é o desenvolvimento
sistematizado do “senso comum” reificado, produzido espon­
taneamente pelo capitalismo. Lembremos que, para Dürkheim,
“os fatos sociais devem ser tratados como coisas”. Portanto, até

I NETTO, José Paulo. Capitalismo e reificação. Sào Paulo, Ciências Humanas, 1981.

35
certo ponto, é inevitável que a teorização espontânea dos homens
“práticos”, quando refletem sobre questões sociais baseados na sua
própria experiência, adquira contornos funcionalistas. O espírito
“pragm ático” da grande m aioria dos jornalistas, em parte devido
à defasagem do acúmulo teórico em relação ao desenvolvimento
das “técnicas jornalísticas” e, em parte, devido ao caráter insolente
e prosaico que em ana naturalm ente da atividade (produzindo nos
jornalistas um a consciência correspondente), não poderia gerar
um a outra form a de teorização. Mesmo quando pretendem ape­
nas relatar sua experiência pessoal com o profissionais ou elabo­
rar “manuais práticos” da disciplina. Vejamos alguns exemplos.
Prim eiram ente dois “clássicos” norte-am ericanos que modelaram
várias gerações de profissionais, tanto nos listado s Unidos como
na América Latina, seja diretam ente com seus livros ou através
de tantos outros feitos à sua imagem e semelhança. É claro que
tais obras, à medida que fornecem indicações com alguma eficácia
operacional, contêm elem entos e intuições im portantes para um
esforço teórico que busque ultrapassá-las. Tomaremos, agora, tão
som ente alguns aspectos que denotam suas limitações empiristas
e a perspectiva funcionalista que assum em , m esm o sem apresen­
tarem pretensões teorizantes.

“Este livro se destina - diz Hohenberg a título de prefácio


—a servir de guia profissional aos princípios e práticas do
jornalismo moderno, segundo a concepção e o uso norte -
-americano. Ào escrevê-lo baseei-me na experiência de 25
anos como jornalista ativo, nos Estados Unidos e no exte­
rior, somada a dez anos de professor da matéria. O objetivo
da obra, consequentemente, é mostrar o jornalismo na prá­
tica e nao na teoria ou fazer crítica social”.2

A p rim eira edição desse livro foi p u b licad a há m ais de


vin te e cinco anos. N ão parece que o espírito da quase to ta­
2 HOHENBERG, ]ohn. M anual de jornalismo. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1962. p. 11.

36
lidade dos m anuais elaborados nesse período ten h a m udado
significativam ente.
H ohenberg afirm a que é im possível conceituar a notícia
porque o conceito varia em função do veículo.
“Para os matutinos é o que aconteceu ontem; para os ves­
pertinos, o fato de hoje. Para as revistas, o acontecimento da
semana passada. Para as agências noticiosas, emissoras de
rádio e televisão, é o que acabou de ocorrer”.3

Por isso, ele nos oferece apenas as “características’1da notícia:


“As características básicas da notícia são precisão, interesse
e atualidade. A essas qualidades deve ser acrescentada uma
quarta, a explicação. Qual a vantagem de um noticiário pre­
ciso, interessante e atual, se os leitores não o entendem?”.4

O livro de l ;. Fraser Bond, Introducción a l periodism o, cuja pri­


m eira edição foi publicada em 1954, define o que considera os
“deveres da im prensa”: independência, im parcialidade, exatidão,
honradez, responsabilidade e dccênciad A com plexidade ética
e política que envolve cada um desses conceitos não parece ter
abalado o professor em érito da F scola de Jornalism o da U niver­
sidade de N ova York.
N aturalm ente, ao om itir essa discussão, ele adota as acep­
ções correntes que a ideologia dom inante atribui a essas palavras.
Independência e im parcialidade significam , no fundo, ter com o pres­
suposto que o capitalism o desenvolvido norte-am ericano e sua
hegem onia im perialista é um tipo de sociedade “n orm al”, e deve
ser preservada contra todas as “patologias” políticas, sociais e
econôm icas. A exatidão quer dizer, quase sempre, a subm issão do
jornalista às fontes oficiais, oficiosas ou institucionais. A honrade^
não é outra coisa senão um a boa reputação entre as instituições

i HOHKNBERG, John. O jornalista profissional. Rio de Janeiro, Interamencana, 1981. p. 68.


•I idem, p. 69.
S Bond, E Fraser. introducción a l periodism o. M éxico, T.irmisa, 1978. p. 19-21.

37
da “sociedade civil”, no sentido atribuído por G ram sci a essa ex­
pressão, isto é, entre aquelas entidades que reproduzem a hege­
m onia burguesa. A responsabilidade é o respeito às leis e preceitos
gerais da ordem estabelecida. A decência significa, com o diz o
próprio autor, “ la censura d ei buen g u s td H\ ou seja, o reconheci­
m ento da hipocrisia que fundam enta a m oral burguesa com o um
valor digno de ser reverenciado e acatado. N ão é por casualidade
que ele define as funções principais do jornalism o nos seguintes
term os: inform ar, interpretar, guiar e divertir.7
O ra, o jornalism o deve ser “im parcial\ m as deve “interpre­
tar** os fatos e “guiar*' seus leitores. Fica evidente que há uma
interpretação e um sentido que devem brotar naturalm ente dos
próprios fatos, com base, portanto, nos preconceitos e concep­
ções dom inantes na sociedade, que se m anifestam no cham ado
“bom senso”, expressão individual da ideologia hegem ônica.
Q uanto às classificações da notícia, são as mais arbitrárias
possíveis, em bora certos tem as se repitam constantem ente. Para
Fraser Bond os fatores que determ inam o valor da notícia são
quatro: “a oportunidade”, “a proxim idade”, “o tam anho” (o
m uito pequeno e o m uito grande atraem a atenção, diz ele) e “a
im portância” (o autor adverte que a notícia trivial, se revestida
de interesse, com frequência terá mais valor que os anúncios im ­
portantes e significativos que são repetitivos). Com o principais
elem entos de interesse da notícia ele aponta doze itens: “inte­
resse próprio”, “din h eiro ”, “sexo”, “conflito”, “insólito”, “culto
do herói e da fam a”, “in certeza”, “interesse hum ano”, “aconte­
cim entos que afetam grandes grupos organizados”, “com petên­
cia”, “descobrim ento e invenção” e “delinqüência”8. Q uanto aqs
elem entos “de valor” da notícia o autor alinha m ais doze pontos'y

6 ldem , p. 21.
7 ldem , ib.
8 ldem , p. 99-102.

38
D e qualquer modo, as listas de quaisquer dessas classificações,
pelo critério em pirista que preside sua elaboração, não só podem
ser trocadas um as pelas outras, com o o núm ero de itens arrola­
dos pode ser aum entado ou dim inuído indefinidam ente.
Seguindo outra sistem atização, com o m esm o conteúdo
ideológico, Luiz Am aral indica as “funções do jornalism o”: polí­
tica, econôm ica, educativa e de entretenim ento seriam as quatro
principais. Vale a pena citar duas delas:
“Por função política, entendem -se os m eios de inform a­
ção, em sua ação crescente, com o instrum ento de direção dos
negócios públicos, e com o órgãos de expressão e de controle da
opinião”9. Sobre a “função econôm ica e social” ele afirm a:

“Não é de agora que os meios de informação se tornaram


instrumentos do desenvolvimento econômico e social. Di­
fundindo diariamente uma enorme massa de informações
sobre assuntos os mais variados e de interesse permanente
da sociedade, o Jornalismo tem contribuído para o desen­
volvimento da indústria e do comércio, como para melhorar
as relações sociais, de um modo geral. (...) Com noticiário
e interpretação dos fatos econômico-financeiros, o Jorna­
lismo oferece ao homem de negócios um panorama diário
do mercado que lhe facilita a ação, abre perspectivas para
o desenvolvimento de suas empresas e proporciona bases
para melhor relacionamento com a clientela”.10

O caráter de classe das “funções” indicadas por Luiz Am a­


ral é tão óbvio quanto as classificações de H ohenberg e Fraser
Bond. Cabe ao jornalism o um a tarefa orgânica, quer dizer, so­
lidária com o m odo de produção capitalista e suas instituições
políticas e econôm icas. Q uanto aos “atributos” da notícia, Luiz
A m aral apresenta tam bém sua própria classificação: atualidade,

l) AMARA í., ] Aii?,. Técnica d ejo rn a l eperiódico. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1969. p. 17.
10 Idem, p. 19.

39
veracidade, interesse hum ano, raio de influência, raridade, curio­
sidade e proxim idade.
Segundo M ário L. E rbolato, no livro T écnicas de codificação
em jornalism o, há necessidade de separarm os os três aspectos da
divulgação de um fato: “inform ação, interpretação e opiniãd\ E cita
L ester M arkel, editor dom inical de The N ew York Times, para sus­
tentar seu argum ento em defesa dessa tese curiosa:
“ Io É notícia, informar que o Kremlim está lançando uma ofensiva
de pag. 2° E interpretação, explicar porq u e o Kremlim tomou essa
atitude. 3° E opinião, d fier que qualquer proposta russa deve ser re­
chaçada sem maiores considerações. A interpretação —acentuou l ester
Markel —é parte essencial das colunas de notícias. Porém, a opinião
deve ficar confinada, quase religiosamente, nas colunas editoriais

Erbolato adm ite que é difícil “interpretar objetivam ente”,


m as não vê nisso o m enor paradoxo. Sem dúvida, explicar nos
E stados Unidos por que o K rem lim lançou um a ofensiva de
paz nos lim ites da “objetividade”, sem introm issão opinativa
do jornalista, significa relacionar os fatos evitando julgam entos
explícitos de valor, apenas reforçando o preconceito do norte-
-am ericano m édio sobre a U nião Soviética.

Relato ou opinião: um falso problem a

Certam ente que há um “grão de verdade” na ideia de que


a notícia não deve em itir juízos de valor explícitos, à m edida que
isso contraria a natureza da inform ação jornalística tal com o se
configurou m odernam ente. Mas é igualm ente pacífico que esse
juízo vai inevitavelm ente em butido na própria form a de apreen­
são, hierarquização e seleção dos fatos, bem com o na constituição
da linguagem (seja ela escrita, oral ou visual) e no relacionam ento
espacial e tem poral dos fenôm enos através de sua difusão.

!I I ;, R B ()) .ATO, Mário L. Técnicas de codificação em jornalism o. Petrópolis, V07.es, 1978. p. 34.

40
Portanto, quando M ário Erbolato afirm a que “a evolução
e a adoção de novas técnicas no jornalism o, elevado à profissão
e não m ais praticado por sim ples diletantism o, levaram a um a
conquista autêntica: a separação entre, de um lado, o relato e a
descrição de um fato, dentro dos lim ites perm itidos pela nature­
za hum ana e, de outro, a análise e o com entário da m esm a ocor­
rência” 12, ele está, por linhas tortas, percebendo um a evidência
que as críticas m eram ente ideológicas do jornalism o burguês não
reconhecem .
É claro que não se trata do sim ples “relato” e “descrição”
de um fato, dentro de supostos “lim ites perm itidos pela natureza
hum ana”, separado da análise e do comentário. Trata-se, sim , de
um a nova m odalidade de apreensão do real, condicionada pelo
advento do capitalism o, m as, sobretudo, pela universalização das
relações hum anas que ele produziu, na qual os fatos são percebi­
dos e analisados subjetivam ente (norm alm ente de m aneira espon­
tânea e autom ática) e, logo após, reconstruídos no seu aspecto
lenom ênico.
O discurso analítico sobre os acontecim entos que são ob­
jetos do jornalism o diário, que tom am os com o referência típica,
se ultrapassar certos lim ites estreitos é im pertinente à atividade
jornalística sob vários aspectos. O principal problem a é que, se
a análise se pretender exaustiva e sistem ática, desem bocará, no
caso lim ite, nas diversas ciências sociais e naturais, o que já é
outra coisa bem diferente do jornalism o. D a m esm a form a, um a
abordagem m oralista ou grosseiram ente propagandística sob o
aspecto ideológico acaba desarm ando o jornalism o de sua eficá­
cia específica e, quase sem pre, tornando-se intolerável para os
leitores, sejam quais forem.
É preciso asseverar, no entanto, que o exposto não exclui
<>tato de que jornais analíticos e polêm icos ou abertam ente ide­

I.’ Idem, p. 33-34.

41
ológicos possam cum prir papéis relevantes na luta política e se­
jam , até, indispensáveis nesse sentido. A tese de Lênin sobre a
necessidade do jornal partidário enquanto “organizador coleti­
vo ”, com funções de análise crítica, luta ideológica, propaganda
e agitação é, ainda presentem ente, insuperada em seus funda­
m entos.
O que se pretende afirm ar é que há um a tarefa m ais am pla
do jornalism o tipificado nos diários, que deve ser pensada em
sua especificidade. E m bora o jornalism o expresse e reproduza
a visão burguesa do m undo, ele possui características próprias
enquanto form a de conhecim ento social e ultrapassa, por sua
potencialidade histórica concretam ente colocada, a m era funcio­
nalidade ao sistem a capitalista.
D e outra parte, tanto os jornais diários com o os dem ais
m eios veiculam , ao lado de notícias e reportagens características
do jornalism o propriam ente dito, análises sociológicas, políticas, eco­
nôm icas, interpretação de especialistas, artigos, ensaios, colunas,
editoriais, cartas de leitores, poem as, crônicas, opinião de jorna­
listas ou pessoas proem inentes, enfim , um a série de abordagens
e de discursos que podem ter um grau m aior ou m enor de apro­
xim ação do discurso jornalístico que estam os tratando.
Há, evidentem ente, um a graduação que parte do jornalism o
típico em direção às diversas form as de representação sim bólica
da realidade. As duas referências fundam entais dessa graduação
podem ser indicadas com o sendo a ciência e a arte, sem , contu­
do, excluir outras. O “novo jornalism o”, que surgiu na década de
60 nos Estados U nidos, trabalha nas fronteiras com a literatura.
A s propostas de jornalism o rotuladas norm alm ente com o “opi-
nativo” , “interpretativo” ou “crítico” atuam , em algum grau, nas
áreas lim ítrofes com as diversas ciências sociais.
M as voltem os à discussão da visão “pragm ática” dos jorna­
listas sobre sua atividade e as incipientes tentativas de sistem ati-

42
zação. Publicado m ais recentem ente e contando já com edições
sucessivas, o livro de Clóvis Rossi O que é o jo rn a lism o^ , escrito
com a perícia de um profissional experim entado, apresenta algu­
mas pretensões teóricas que m erecem consideração.

“É realmente inviável —explica o autor —exigir dos jorna­


listas que deixem em casa todos esses condicionamentos e
se comportem, diante da notícia, como profissionais assép­
ticos, ou como a objetiva de uma máquina fotográfica, re­
gistrando o que acontece sem imprimir, ao fazer seu relato,
as emoções e as impressões puramente pessoais que o fato
neles provocou”.14

Ora, as im pressões puram ente pessoais, o m odo singular


do jornalista perceber um fato e reagir diante dele, as idiossin­
crasias, constituem precisam ente aquilo que não interessa dis­
cutir na questão da objetividade. Se fosse possível o relato es­
tritam ente objetivo de um fato som ado apenas às im pressões
puram ente pessoais, a tese da objetividade estaria, no fundam ental,
correta. N ão haveria nenhum problem a político ou ideológico
na m anifestação desse tipo de subjetividade. Seria possível, então,
um jornalism o “im parcial” em relação às questões fundam entais
da luta de classes, desde que a subjetividade (individual) ficasse
confinada a certos parâm etros, que não im pedissem o público
de distinguir o diam ante bruto que seriam os fa tos objetivos por
baixo das sobreposições em ocionais do redator. O próprio autor
confirm a essa possibilidade teórica: “A objetividade é possível,
por exem plo, na narração de um acidente de trânsito —e, assim
mesmo, se nele não estiver envolvido o repórter, pessoalm ente,
ou algum am igo ou parente”.’5

I ^ ROSSI, Clóvis. 0 que éjornalism o. 4. ed. Sào Paulo, Brasiliense, 1984. (Prim eiros Passos;
15).
1-I Idem, p. 10.
I S Idem, ib.

43
N ota-se que o quadro teórico no qual Rossi situa seu enfo­
que das relações de poder não é o das contradições ideológicas,
do antagonism o das classes, ou m esm o da oposição de “gran ­
des gru p o s” de interesses políticos e econôm icos, mas algo bem
m ais ingênuo: os parentes e am igos. Rossi adm ite que o exercício
da objetividade com relação aos fatos de grande “incidência po ­
lítica e/ou social” não é m ais do que “um m ito” .16 E nessa busca,
a rigo r im possível de ser plenam ente concretizada, no sentido de
relatar os fatos de m aneira im parcial, ele aponta a “lei dos dois
lados” : “Em tese, a justiça dessa ‘lei’ é inquestionável” .17
( ) problem a central da concepção de Clóvis Rossi sobre a
objetividade jornalística está alicerçada em dois pressupostos de
natureza “espontaneam ente funcionalista” . O primeiro, é que ele
considera as necessidades de inform ação do organism o social do
ponto de vista de um a dem ocracia liberal, isto é, parece tomar o
capitalism o como m odo “norm al” e aceitável de sociedade. Isso
vai im plícito em toda sua argum entação: “Parece claro que a ques­
tão da liberdade de inform ação, entendida em seu sentido lato, só
poderá ser resolvido no quadro das liberdades dem ocráticas em
geral. Isto é, só haverá realm ente liberdade de inform ação quando
houver am pla prática das liberdades dem ocráticas, coisa que, no
Brasil, tem acontecido apenas rara e episodicam ente”.18
O segundo pressuposto falso, decorrente do prim eiro, é que
os fa tosjorn a lísticos são, em si m esm os, objetivos. Por isso, com o foi
assinalado, dependendo da relevância do assunto, a objetividade
é até possível. E nquanto que a “im parcialidade”, m esm o difícil,
em ana com o a própria razão de existir do jornalism o. A ssim , o
“m ito da objetividade” é criticado sob o ângulo puram ente psi­
cológico, com o se a subjetividade do jornalista fosse um a espécie

16 ldem , p. 10-11.
17 ldem , p. 12.
18 ldem, p. 63.

44
de resíduo que se interpõe entre o fato, tal com o aconteceu, e
seu relato neutro. Portanto, segue logicam ente que a tarefa do
jornalista é buscar o m áxim o de objetividade e isenção possíveis.
O que Rossi não percebe —porque, teoriza a p artir do “sen­
so com um ” da ideologia burguesa e da sua relação pragm ática
com as técnicas jornalísticas —é que os próprios fatos, por per­
tencerem à dim ensão histórico-social, não são p uram en te objetivos.
N ão se trata, então, da sim ples interferência das em oções
no relato —o que constituiria um a espécie de “desvio” produzido
pela subjetividade —mas da dim ensão ontológica dos fatos sociais
antes m esm o de serem apresentados sob a form a de notícias ou
reportagens. Existe um a abertura de significado na m argem de li­
berdade intrínseca à m anifestação de qualquer fenôm eno enquan­
to fato social. Portanto, há um com ponente subjetivo inevitável
na com posição m esm a do fato, por mais elem entar que ele seja.
A ssim , o julgam ento ético, a postura ideológica, a interpre­
tação e a opinião não form am um discurso que se agrega aos
fenôm enos som ente depois da percepção, mas são sua pré-con-
dição, o pressuposto m esm o da sua existência com o fato social.
Não há um fato e várias opiniões e julgam entos, m as um m esmo
fenôm eno (m anifestação indeterm inada quanto ao seu significado)
e um a pluralidade de fa tos, conform e a opinião e o julgam ento.
Isso quer dizer que os fenôm enos são objetivos, m as a essência
só pode ser apreendida no relacionam ento com a totalidade. E
com o estam os falando de fatos sociais, a totalidade é a história
com o autoprodução hum ana, totalidade que se abre em possibi­
lidades cuja concretização depende dos sujeitos.
Por isso, captar a essência im plica, necessariam ente, um
grau de adesão ou solidariedade em relação a um a possibilidade
determ inada, tanto da totalidade histórica quanto do fenôm eno
que inserido nela vai adquirir seu sentido e significado. M esm o
nos fatos m ais sim ples com o num acidente de trânsito em que

45
não há parentes ou am igos envolvidos, conform e o exem plo ci­
tado por Rossi, o relato exige um a form a de conhecim ento que,
em algum a m edida, im plica a revelação de sua essência. O u seja,
do significado que em ana das suas relações com a totalidade do
com plexo econôm ico, social e político onde está situado. Para
evitar m al-entendidos, vale prevenir que não se trata de propor
que o jornalista faça um ensaio sociológico para noticiar um
atropelam ento. O que estam os afirm ando é que existem diferen­
tes form as, igualm ente jornalísticas, de se tratar assuntos dessa
natureza, desde a coleta dos dados, o enfoque a ser escolhido até
a linguagem e a edição, e que tais form as não são inocentes ou
neutras em term os político-ideológicos.
A ssim , o com plem ento lógico dessa visão ingênua e em pi-
rista da objetividade, para dar vazão ao liberalism o, não poderia
ser m uito diferente: “a teoria dos filtros” . D epois da “lei dos dois
lad o s” com o critério justo, pelo m enos “teoricam ente”, tem os
então outros elem entos que dificultam a honorável postura da
im parcialidade jornalística:
“O copidesque não é o único e talvez sequer seja o mais
importante filtro entre o fato, tal como o viu o repórter, e a
versão que finalmente aparece publicada no jornal ou revista
ou difundida na TV ou rádio. Há outros filtros sucessivos:
inicialmente, o editor, que é o chefe de seção (Editoria) para
o qual trabalha o repórter".19

O problem a, neste caso, é apenas de um a possível disjun­


ção entre liberdades individuais que se entrechocam . A ssim , a
liberdade do jornalista, enquanto indivíduo, de expressar suas
próprias ideias ou relatar o fato objetivo tal com o ele presenciou
encontra obstáculos nas individualidades situadas hierarquica­
m ente acim a dele na em presa jornalística. M as a questão fica no
ar, pois R ossi adm ite, com ilusão pueril, que as decisões tom adas

19 Idem, p. 42.

46
por editores e pelos chefes de Redação, “na m aior parte dos ca­
sos” estão em basadas pelo “critério jornalístico”.20 Ressalvando
apenas que, “quando o assunto é de grande relevância, entra em
ação um segundo critério, que se sobrepõe ao prim eiro: o julga­
m ento político, em função das posições que cada jornal adota”.21
Em síntese, o “funcionalism o espontâneo” dos cham ados
“jornalistas com petentes” que se põem a teorizar com base no
pragm atism o da profissão, em bora com doses variáveis de libe­
ralismo, não vai m uito longe em qualquer sentido. C lóvis Rossi,
por exem plo, não questiona a propriedade privada dos meios
de com unicação. C onsidera isso, im plicitam ente, um a situação
“norm al”. Tanto que não vê m aiores conseqüências em relação
ao conteúdo do jornalism o, exceto “quando o assunto é de gran­
de relevância” e a em presa im põe, então, seu julgam ento políti­
co. M as esse acontecim ento é circunstancial, talvez um “acidente
de percurso” com o dizem os delicados com entaristas políticos
das grandes redes privadas de com unicação em nosso país.
N ão obstante, a alegação dos em presários de que os com i­
tês de redação seriam , na prática, “sovietes” de jornalistas, que
se apossariam , aos poucos, do jornal, revista ou T V em que se
instalassem , m udando as posições editoriais que seus donos de­
fendem, Rossi acha que

[...]até certo ponto” tem fundamento.22Embora considere essa


possibilidade um risco “mínimo”, Rossi teme as suas conseqü­
ências: “sempre há o risco de que, em redações nas quais há
grande número de elementos de uma mesma corrente parti­
dária ou ideológica, esse grupo monopolizasse os comitês de
redação e passasse a impor seus pontos de vista, frustrando os
objetivos democratizantes da proposta original”.22

Idem, p. 45.
.’ I Idem, ib.
.y2 Idem, p. 65.
^ Idem, ib.

47
Q uer dizer, a propriedade privada dos jornais, em issoras
de rádio, TV, seu caráter com ercial, não com prom ete necessa­
riam ente a im parcialidade. M as os com itês de redação, estes sim,
segundo Rossi, trazem o risco da im posição ideológica.
Porém , basta um pouco de reflexão para se perceber que
Rossi não está sendo desonesto. Para grande parte dos jornalis­
tas, hoje a m aioria, a colisão com os interesses fundam entais da
em presa é, efetivam ente, um “acidente de percurso”. Eles colo­
cam seú talento, honestidade e ingenuidade a serviço do capital
com a m esm a naturalidade com que com pram cigarros no bar
da esquina.

48
C apítulo III

O jornalismo com o forma


de conhecim ento: os limites
da visão funcionalista

O ensaio de Robert E. Park, publicado nos Estados Unidos


em 1940, no 'lh e A m erican J o u r n a lo f Sociology n° 45 da U niversida­
de de C h icago 1, foi referido com o um a das abordagens funcio-
nalistas m ais interessantes para nossas reflexões. Voltem os a ele.
N ão por acaso, o autor inicia citando o filósofo W illiam
Jam es2, para distinguir duas form as de conhecim ento: “o co­
nhecim ento de” e “o conhecim ento acerca de”. Para explicá-las
transcreve as palavras do próprio filósofo:

“Existem duas espécies de conhecimento ampla e pratica­


mente distinguíveis: podemos chamar-lhes respectivamente
conhecimento de trato e conhecimento acerca de[...] Nos
espíritos que possuem alguma capacidade de falar, por mí­
nima de que seja, existe, é verdade, algum conhecimento
acerca de tudo. As coisas, pelo menos, podem ser classifi­

I Park, Robert E. A notícia como form a de conhecimento: um capítulo da sociologia do


conhecimento, br. STEINBERG, Charles, (org.). M eios de comunicação de massa. São Paulo,
Cultrix, s/d. p. 168-85.
W illiam Jam es (1842-1910) foi um filósofo e psicólogo norte-am ericano, principal re­
presentante da corrente denom inada “pragm atism o”, uma das variantes do “empirismo
radical” . Jam es considerava que as dim ensões material e espiritual sào apenas dois aspec­
tos de uma realidade constituída pela “experiência”, de cuja prem issa retirava a ideia de
“ação útil” com o único critério possível para a verdade.

49
cadas e referidas às ocasiões de seu aparecimento. Mas, em
geral, quanto menos analisamos uma coisa e quanto menor
o número de suas relações que percebemos, menos sabemos
acerca dessa coisa e mais do dpo de trato é a nossa familiari­
dade com ela. As duas espécies de conhecimento, portanto,
como o espírito humano praticamente as exerce, são termos
relativos. Isto é, a mesma ideia de uma coisa pode denomi­
nar-se conhecimento acerca dessa coisa, em confronto com
uma ideia mais simples, ou de trato com ela em comparação
com uma ideia dela ainda mais articulada e explícita”.3

Logo, “o conhecim ento de” ou “conhecim ento de trato” é


aquele que, relativam ente a um saber m ais com plexo e abstrato,
não ultrapassa o aspecto fenom ênico, que em ana do uso familiar,
da im ediaticidade da experiência e do hábito que lhe correspon­
de. N ão é um conhecim ento produzido por qualquer procedi­
m ento form al, analítico ou sistemático. Tal “conhecim ento de”
(ou “de trato”) — com o diz Park — pode ser concebido com o
um a form a de ajustam ento orgânico ou adaptação, que repre­
senta a acum ulação e, p o r assim dizer, a fusão de longa série de
experiências. “E essa espécie de conhecim ento pessoal e indivi­
dual que faz cada um de nós sentir-se à vontade no m undo que
escolheu ou no qual está condenado a viver”.4 Por outro lado,
o “conhecim ento acerca d e” seria form al, produto de um a abs­
tração controlada e criteriosa, isto é, lógico e teórico. Segundo
o autor, essas duas form as de conhecim ento são gêneros (e não
“grau s”) diferentes e, portanto, possuem funções sociais distin-
tas. N ão obstante, adverte, pode-se pensar num contínuo entre
todas as espécies de conhecim ento. “N um contínuo dessa natu­
reza —afirm a Park —a notícia tem localização própria”.5 E la não
proporcionaria um conhecim ento sistem ático e nem a revelação

3 JAM ES, W illiam. A pud. PARK, Robert E. Op. cit., p. 168.


4 PARK, Robert E. Op. cit., p. 169.
5 Ibidem, p. 174.

50
de fatos de ordem histórica, m as apenas a alusão a um “aconte­
cim ento” .
Com o form a de conhecim ento, a notícia, segundo Park,
não cuida essencialm ente nem do passado nem do futuro, mas
do presente. “Pode-se dizer que a notícia só existe nesse presen­
te.” E prossegue:

“Essa qualidade transitória e efêmera é da própria essência


da notícia e está intimamente ligada a todos os outros carac­
teres que ela exibe. Tipos diferentes de notícias vivem um
período diferente de tempo. Na mais elementar de suas for­
mas, o relato de uma notícia é um mero lampejo a anunciar
que um acontecimento ocorreu”/'

O aspecto mais im portante, em bora situado num contexto


teórico lim itado às categorias funcionalistas, é a indicação do autor
sobre a “função” que exerce a notícia em relação aos indivíduos:

“Na verdade, a notícia realiza, de certo modo, para o público,


as mesmas funções que realiza a percepção para o indivíduo;
isto é, não somente o informa como principalmente o orien­
ta, inteirando cada um e todos do que está acontecendo”.7

A noticia como função orgânica

Certamente, partindo dos pressupostos teóricos que adota,


Park não poderia ir além da função orgânica da notícia e da ativi­
dade jornalística, em que pese algumas pistas não desprezíveis que
ele oferece. Ele aceita a classificação “pragmática” sobre o conheci­
mento feito por William Jam es, o que compromete suas conclusões.
O “conhecim ento de trato” — indicado po r Park como
ponto inicial do contínuo onde se localiza a notícia —não é um
“gênero” de conhecim ento que possa ser concebido a-histori-

<> Ihidem, p. 175.


Uddem, p. 176.

51
cam ente, fora das relações concretas de dom inação e alienação.
D a m aneira com o Park o define im plica, inevitavelm ente, um
determ inado conteúdo. Trata-se daquela esfera da vida cotidia­
na na qual a “práxis utilitária” configura os fenôm enos da vida
social com o se fossem dados naturais e eternos, o m undo da
pseudoconcreticidade . s Por isso, a divisão sugerida por Jam es, e as­
sum ida por Park, é redutora, pois supõe um a espécie de “ senso
com um ” isento de contradições internas, cuja função seria so­
m ente reproduzir e reforçar as relações sociais vigentes, integrar
os indivíduos na sociedade.
O ponto de referência inicial do contínuo onde se localiza o
conhecim ento jornalístico constitui, de fato, um “gênero” e não
apenas um “grau ” de abstração. N o entanto, o aspecto central
desse gênero de conhecim ento é a apropriação do real pela via
da singularidade, ou seja, pela reconstituição da integridade de sua
dim ensão fenom ênica. N ão é sim plesm ente, com o quer o autor,
um a espécie de conhecim ento “que faz cada um de nós sentir-se
a vontade no m undo que escolheu ou no qual está condenado a
viver”.9 O conteúdo atribuído por Park é o de um conhecim ento
elem entar e, ao m esm o tem po, “positivo” nos term os em que foi
definido por A uguste C om te.U)
Se é verdade que o gênero de conhecim ento produzido pelo
jornalism o corresponde, em certo sentido, às “m esm as funções

8 práxis utilitária im ediata e o senso comum a ela correspondente colocam o ho­


mem em condições de orientar-se no mundo, de familiarizar-se com as coisas e manejá-
-las, mas não proporcionam a compreensão das coisas e da realidade” (p. 10). “No mundo
da pseudoconcreticidade o aspecto fenomênico da coisa, em que a coisa se manifesta e
se esconde, é considerado com o a essência mesma, e a diferença entre o fenômeno e a
essência desaparece'''’ (p. 12). In: KOSIK, Karel. D ialética do concreto. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1976. (Vale assinalar que o conceito de pseudoconcreticidade de Kosik, à medida que
tenta explicar pelo viés epistem ológico os processos produzidos no terreno da ideolo­
gia, torna-se bastante discutível. Preferim os considerar que esse conceito nào possui o
alcance que o autor lhe atribui).
9 Park, Robert E. Op. cit., p. 169.
10 Ver: D iscurso sobre o espirito positivo, especialmente o item V II, p. 61 -63). COM TE, Augus­
te. Comte. Sào Paulo, A bril Cultural, 1978.

52
que realiza a percepção para o indivíduo”, essa com paração não
pode ser levada às últim as conseqüências. N a percepção indivi-
ilual, a im ediaticidade do real, o m undo enquanto fenôm eno é o
ponto de partida. N o jornalism o, ao contrário, a im ediaticidade é
o ponto de chegada, o resultado de todo um processo técnico e
racional que envolve um a reprodução sim bólica. Os fenôm enos
são reconstruídos através das diversas linguagens possíveis ao
jornalism o em cada veículo. C onsequentem ente, não podem os
falar de um a correspondência de funções entre o jornalism o e a
percepção individual, mas sim de um a “sim ulação” dessa corres­
pondência. E a partir dessa sim ulação que surge propriam ente
um gên ero de conhecim ento, pois enquanto se tratar da relação im e­
diata dos indivíduos com os fenôm enos que povoam o cotidiano,
da experiência sem interm ediação técnica ou racional instituída
sistem aticam ente, o que tem os é realm ente a percepção tal como
a psicologia a descreve." Q uer dizer, um grau determ inado de
conhecim ento, um nível de abstração elementar.
A nteriorm ente, indicam os o processo de reificação que se
desenvolve com o fundam ento m ercantil das relações sociais no
capitalism o contem porâneo. Porém , nem a percepção individu­
al nem o “senso com um ” são níveis de apropriação sim bólica
qualitativam ente hom ogêneos, livres das contradições políticas,
ideológicas e filosóficas que perpassam a sociedade de classes
em seu conjunto.
Existe, de fato, na percepção individual um a predom inância
tio aspecto “positivo” (no sentido com teano) do fenôm eno ou
da coisa. N o “senso com um ” há um a hegem onia do “bom sen­
so”, isto é, das noções que im plicam um a apreensão funcional
e orgânica do m undo tal qual ele se apresenta. M as a insensatez

I 1 O termo percepção é tomado, aqui, com o aquela apreensão imediata do real que fornece
os elem entos que, através da generalização em maior ou m enor grau, vão constituir os
conceitos e as ideias mais abstratas.

53
que se apoderou das m assas na queda da B astilha, na França de
1789, ou na tom ada do Palácio de Inverno, em 1917 na R ús­
sia, não se produziu no patam ar da teoria ou da ciência, em bora
am bas tenham cum prido seu insubstituível papel. A “insensatez
revolucionária” das m assas hum anas que se tornam , de repente,
protagonistas das grandes transform ações históricas nascem de
elem entos explosivos que estão latentes, em bora norm alm ente
subordinados, no interior do processo de percepção e das no­
ções que form am o “senso com um ” nas sociedades dotadas de
antagonism o de classes.
A partir de tais elem entos potencialm ente explosivos que
atravessam todas as dim ensões da produção sim bólica de um a
p rá x is socialm ente dilacerada é que surge, de um lado, o reco­
nhecim ento da ideologia espontânea das classes dom inadas e, de
outro, a possibilidade de expansão da ideologia revolucionária a
p artir daquela.12
Ao não com preender essa questão, Robert \l. Park acaba
definindo o conhecim ento produzido pelo jornalism o com um
m ero reflexo em pírico e necessariam ente acrítico, cuja função é
som ente integrar os indivíduos no “status quá\ situá-lo e adap­
tá-lo na organicidade social vigente. O jornalism o teria, assim ,
um a função estritam ente “positiva” em relação à sociedade ci­
vil burguesa, tom ada esta com o referência universal. Da m esm a
m aneira que ele tom a a noção de W illiam Jam es sobre o “co­
nhecim ento de trato” com o um gênero de saber através do qual
o indivíduo reproduz a si m esm o e ao sistem a, ele supõe que
o jornalism o é um a form a de conhecim ento que realiza social­
m ente as m esm as funções. N ota-se, claram ente, que o conceito
de conhecim ento, tanto num caso com o no outro, está lim itado
ao seu sentido vulgar de “reflexo” subjetivo de um a relação m e­

12 GENRO EU .HO, Adelmo. A ideologia da M arilena Chauí. In\ Teoria e Política. Sào Paulo,
Brasil Debates, 1985. p. 69-88.

54
ram ente operacional com o m undo, de um a intervenção estrita­
m ente m anipulatória.
Tal acepção, com o é sobejam ente sabido, foi transform ada
numa categoria “respeitável” da epistem ologia pelo positivis­
mo e transladada para a sociologia por D ürkheim . Entretanto,
se tom arm os o conhecim ento com o a dim ensão sim bólica do
processo global de apropriação coletiva da realidade, poderem os
conceber o jornalism o com o um a das m odalidades partícipes
desse processo e, igualm ente, atravessado por contradições.
Marx já indicou de form a inequívoca que a atividade prático-
- crítica dos hom ens está no coração do próprio conhecim ento
e, por isso m esm o, não se pode estabelecer um a contraposição
absoluta entre sujeito e objeto, entre a percepção e a coisa ou, se
preferirm os, entre a atividade social que produz o m undo hum a­
no e os conceitos que desvendam o universo:
“O defeito fundamental de todo o materialismo anterior -
inclusive o de beuerbach —está em que só concebe o obje­
to, a realidade, o ato sensorial, sob a forma do objeto ou da
percepção, mas não como atividade sensorial humana, como
prática, não de modo subjetivo”.13

E oportuno assinalar aqui, em bora de passagem , que essa


tendência em reduzir os fenôm enos históricos concretos ao seu
papel “orgânico” no interior do sistem a social, tal com o fez Park
em relação ao jornalism o, encontra algum paralelo em várias
correntes da tradição m arxista, especialm ente no que tange às
determ inações consideradas superestruturais. Em Lukács temos
0 conceito problem ático de “falsa consciência", que se opõe a
“consciência de classe”, entendida com o “a reação racional ade­
quada que, deste m odo, deve ser atribuída a um a situação típica
determ inada no processo de produção”.14 Com o sugere Adam
1 \ MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Textos. Sào Paulo, ed. Sociais, 1975. v .l, p. 118.
I -I I.ÜKACS, G eorg & SCHAFF, Adam. Sobre o conceito de consciência de classe. Porto, Escor­
pião, 1973. (Cadernos O homem e a sociedade), p. 38.

55
Schaff, a consciência que existe realm ente passa a ser um a “falsa
consciência”, enquanto que a consciência que nâo existe com o
algo efetivo no conjunto da classe torna-se a “verdadeira” cons­
ciência de classe.15
Resulta desse enfoque que a consciência realm ente existen­
te, que pode ser detectada em piricam ente nos indivíduos em si­
tuação norm al, tem apenas um papel funcional de reprodução da
sociedade. N outras palavras: a consciência revolucionária nasce
de um a possibilidade objetiva dada pela estrutura e suas contra­
dições, mas não é constituída (pelo influxo da teoria e da ação de
vanguarda) a partir dos elem entos e contradições originárias e
sim com o algo externo que anteriorm ente já existia em sua ple­
nitude. A dialética assim instaurada pressupõe um a concepção
ontológica de natureza hegeliana, isto é, sob a égide e a prece­
dência do conceito, o qual é suposto em sua form a pura antes da
dinâm ica concreta da realidade.
A categoria central da crítica da cultura burguesa feita pela
E scola de Frankfurt, especialm ente por A dorno e H orkheim er,
que sugeriram a expressão “indústria cultural”, é a ideia de m a­
nipulação. N o capitalism o desenvolvido, todas as m anifestações
culturais, orquestradas pela batuta m ercantil, tornar-se-iam p le­
nam ente funcionais ao sistem a de dom inação.
Por outro lado, a tese de A lthusser sobre os “aparelhos
ideológicos de E stado”, enfocando o m esm o problem a sob o
ângulo das instituições que preservam a dom inação de classe, é
o desenvolvim ento lógico da concepção stalinista de que a base
cria a superestrutura para servida. E ntendendo a história com o
um “processo sem sujeito”, A lthusser concebe as classes sociais
com o “funções” do processo de produção e, em conseqüência,
os “aparelhos ideológicos de E stado” são correias de transm is­

15 Idem, p. 12.

56
são que se m ovem num único sentido: do todo p ara as p artes.10
Nào é de se estranhar, portanto, que V ladim ir H udec, jornalista e
professor tcheco afirm e que a atividade jornalística deve ser har­
m ônica com “as leis objetivas do desenvolvim ento s o cia l”, estabelecen­
do desse m odo um a funcionalidade de caráter estritam ente ide­
ológico do jornalism o com leis naturais de progresso histórico.17
Se o papel do jornalism o, para Hudec, se insere num a pers­
pectiva dinâm ica, m esm o assim ele se torna um epifenôm eno da
ideologia ou do conhecim ento científico. N ão é adm itido como
um m odo de conhecim ento dotado de certa autonom ia episte­
m ológica e, em virtude disso, um aspecto da apropriação sim bó­
lica da realidade, o que im plica algum a m argem de abertura para
a significação que ele vai produzindo.

A significação como probabilidade e liberdade

Q uando Park relaciona a notícia com a política, ele parece


ultrapassar a noção do jornalism o com o um fenôm eno orgâni­
co do sistem a social considerado em sua positividade: “Se bem

16 Km 1976, num texto intitulado Nota sobre os aparelhos ideológicos de Fistado, Althusser tenra
responder às críticas que atribuíram aos seus conceitos certa dim ensão “funcionalis-
ta”, alegando que em seu ensaio de 1969/70 ele sublinhava o caráter “abstrato” de sua
análise e punha explicitam ente no centro de sua concepção a luta de classes. (Ver: AL-
THUSSKR, Kouis. A parelhos ideológicos de listado. 2. ed., Rio de Janeiro, Graal. p. 109-28).
De fato, Althusser reconhecia a existência de contradição nos “AIK”, seja em virtude da
sobrevivência das ideologias antigas ou da em ergência das novas, assim como afirmava a
"‘prim aria de luta de classes sobre as funções e o funcionamento do aparelho de 1istado, dos
aparelhos ideológicos de Kstado”. {Op. cit., p. 109-110). Mas a questão de fundo é que
tais contradições são exteriores ao conceito “abstrato” —como ele m esm o admitiu - de
Aparelhos Ideológicos de listado. São realidades sociais definidas pelo seu aspecto nào
contraditório, o que impede de apreendê-las concretamente na sua dinâm ica intrínseca.
Mais tarde, num texto datado de 1972, ‘Klementos de autocrítica’, Althusser chega a
reconhecer um dos aspectos fundamentais de seu equívoco teórico: a oposição entre
ciência e ideologia. Essa oposição está na base do conceito de “AIK” e do seu cará­
ter “orgânico-funcionalista” . Mas Althusser nào vai mais longe. (Ver: Althusser, Louis.
Resposta a John I jjuís! R kmentos de autocrítica!Sustentação de tese em A miens. Rio de Janeiro,
Ciraal, 1978. (Posições 1).
1 11U D KC, Vladimir. O que é jornalism o! I âsboa, Caminho, 1980. (Col. N osso Mundo) p. 44.

57
intim am ente ligada a am bas, a noticia não é H istória nem p olí­
tica. N ão obstante, é o m aterial que possibilita a ação política,
distinguida de outras form as de com portam ento coletivo” .19 O
problem a é que o seu conceito de política está, com o os dem ais,
no quadro de um a concepção funcionalista, o que lhe retira qual­
quer dim ensão transform adora e propriam ente histórica. M as se
colocarm os a afirm ação de Park no contexto teórico da p rá x is,
tom ando a história não apenas com o historiografia e sim com o
um processo de autoprodução ontológica do gênero hum ano,
e tom arm os a política com o a dinâm ica dos conflitos em torno
da qualificação da prá x is social, o jornalism o vai se revelar sob
nova luz. Vai aparecer, então, em seu potencial desalienante e
hum anizador.
Q uando as cham adas tendências “p ó s-m arxistas” do p en ­
sam ento co n tem p o rân eo 19 caem na tentação de fazer a ap o lo ­
gia das “pequenas com u n id ades” com o único m eio dos in d i­
víduos reencontrarem sua “auton o m ia”, essas correntes estão
supondo que a lib erdade individual em atrib uir significação aos
fenôm enos, que em ana da p articipação im ediata na sin gulari­
dade do m undo vivido, não pode encontrar sucedâneo. A ideia
básica é que o indivíduo não pode ser sujeito efetivo e integral
através das m ediações criadas pelo aparato técnico-científico a
que dão o nom e, em alguns casos, de “h etero n o m ia” em o po ­
sição à “auton o m ia” , que seria realizável através da vivência
im ed iata.211
Tais concepções esbarram , em prim eiro lugar, nas evidên­
cias de um m undo hum ano já universalm ente constituído, cujo

18 PÁRK, Robert R Op. cif., p. 176.


19 Podemos citar nesse campo, Cornelius Castoriadis, A ndré Gorz, Ivan llitch, Daniel
Cohn-Bendit e tantos outros. As teses mais proem inentes do chamado “pós-m arxism o”
estão localizadas numa confluência de três correntes: um m arxism o com acento auto-
gestionário, a tradição anarquista e os movimentos pacifistas e ecológicos.
2() Ver llitch, Ivan. A convivenáaüdade. Lisboa, Europa-Am érica, 1976; GORZ, André. A deus
ao proletariado: para além do socialismo. Rio de Janeiro, Forense/Universitária, 1982.

58
com plexo de m ediações não parece passível de regressão.21 Em
segundo lugar, com o indicou M arx, a hum anidade só se colo­
ca problem as quando, potencialm ente, já existem as condições
para equacioná-los. A im prensa, e mais intensam ente os meios
eletrônicos de com unicação de m assa, representam os term os
dessa equação. O jornalism o, com o estrutura específica de co­
m unicação que daí se origina, inserida no processo global do
conhecim ento, é a m odalidade por excelência que, no dizer de
Violette M orin, encerra virtudes cuja intensidade poderá um dia
rivalizar com a já conhecida dim ensão de seus “vícios” . Por isso,
a m etáfora da “aldeia global” de M cLuhan, expurgada de to­
das as sobreposições e ilações de caráter publicitário-im perialista
que lhe atribui o autor, deve ser criticam ente recuperada pelo
pensam ento hum anista e revolucionário.22

I ( ) próprio Uastoriadis reconhece as conseqüências globais de qualquer tipo de regressão


das forças produtivas, o que aponta a dimensão utópica de propostas desse gênero: “K
preciso levar em conta que não há praticam ente nenhum objeto de vida m oderna que de
um modo ou de outro, direta ou indiretam ente, não implique eletricidade, Essa rejeição
total é talvez aceitável - mas é preciso sabê-lo e é preciso dizè-lo”. In: CASTORIADIS,
Cornelius & ( X) l IN-BKNDIT, Daniel. Da Yicologia à autonomia. São Paulo, Brasiliense,
1981. p. 25-26.
.’2 Sobre as concepções de McUuhan, Knzensberger observou: “Intuitivamente, pelo me­
nos, conseguiu maior discernim ento das forças produtivas dos meios de comunicação
do que todas as comissões ideológicas do PUCS em suas intermináveis resoluções e di­
retrizes. Incapaz de formular qualquer teoria, McUuhan não consegue dar sentido a seu
material, estabelecendo-o como denom inador comum de urna reacionária doutrina de
salvação. Se bem que nao seja seu inventor, pelo menos foi o primeiro que expressam en­
te form ulou uma mística dos meios de comunicação, mística essa que transform a em fu­
maça todos os problem as políticos, iludindo seus seguidores. A prom essa dessa mística
é a salvação da humanidade através da tecnologia da televisão, e precisam ente dessa que
se pratica hoje em dia. O intento de M el -uhan, ao tentar virar Marx pelo avesso, não é
exatamente algo de novo. Partilha, com seus numerosos antecessores, da decisão de su­
primir todos os problemas da base econôm ica, e do intuito idealista de m inim izar a luta
de classe no azul celeste de um vago humanismo. Tal e qual um novo Rousseau —débil
reHexo, como todas as cópias - proclam a o evangelho dos novos primitivos, convidando
á volta a uma existência tribal pré-histórica na ‘aldeia global’, se bem que em um nível
mais elevado”. In: KNZENSBKRGER, Hans-magnus. lilem entos para um a teoria dos meios
de comunicação. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978. (Biblioteca Tempo Universitário)
p. 116. Ver também: F1NKELSTK1N, Sidney. M cLuhan: a filosofia da insensatez. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1969.

59
É nessa perspectiva que o jornalism o se im põe, de m anei­
ra angular, com o possibilidade dos indivíduos em participar do
m undo mediato pela via de sua feição dinâm ica e singular, com o
algo sem pre incom pleto, atribuindo significações e totalizando
de m aneira perm anente com o se estivessem vivendo na im edia­
ticidade de sua aldeia.
O conteúdo dinâm ico im plícito na ideia de singularidade
confere um a característica evanescente à notícia. D o ponto de
vista estritam ente jornalístico, realm ente “nada é m ais velho do
que um a notícia de o n tem ”, se não for reelaborada com novos
dados constituindo outra notícia: a de hoje.
Assim , a im portância de um “fato” enquanto notícia obe­
dece a critérios diferentes em relação aos utilizados na hierar­
quização feita pelas ciências sociais ou naturais, de um lado, e
pela arte de outro. N as ciências, os fatos ou eventos são relevan­
tes à m edida que vão constituindo a universalidade.23 Q uanto à
arte, os fenôm enos que a com põem são significativos na exata
proporção de sua am bigüidade enquanto realidades irrepetíveis
(singulares) e, ao m esm o tem po, enquanto representação “sensí­
vel” da universalidade social onde historicam ente estão situados

23 Deve-se fazer uma resalva para a discussão que se trava em torno da Antropologia,
sobre suas tendências univcrsalizantes e parricularistas. M esm o quando a antropologia
busca a reconstituição específica de realidades sociais particulares, ela parece fazê-lo
através de um processo teórico que visa apreender a concreticidade dos fenômenos
estudados por um m ovim ento de dupla direção: dc um lado, a especificação do ob­
jeto, de outro a revelação das universalidades que o com põem intim am ente. Até a
história, que precisa fazer o m ais com pleto inventário dos acontecim entos singulares,
deve fazê-lo sob o prism a da universalização dos conceitos e categorias capazes de
estabelecer nexos e dar sentido aos fatos. “D isseram que a física se ocupa da queda
dos corpos, e zom ba das quedas dos corpos singulares, a queda de cada folha a cada
outono, enquanto a história se ocupa dos fatos singulares, l i um erro, pois, o que
corresponderia à queda de cada folha não é o acontecim ento histórico, com o por
exem plo, o casam ento no século XVII ou em outros, m as sim o casam ento de cada
um dos súditos de Luís X IV .. O ra, a H istória se ocupa disso tanto quanto a Física da
queda de cada um dos corpos...” ím VRYN K, Paul. O inventário das diferenças / História
e sociologia, São Paulo, B rasiliense, 1983. p. 52.

60
e com a qual estão inevitavelm ente com prom etidos.24 O jorna­
lism o não produz um tipo de conhecim ento, tal com o a ciência,
que dissolve a feição singular do m undo em categorias lógicas
universais, m as precisam ente reconstitui a singularidade, sim bo­
licam ente, tendo consciência que ela m esm a se dissolve no tem ­
po. O singular é, por natureza, efêmero. O jornalism o tam pouco
elabora um a espécie de representação cujo aspecto singular é
arbitrário, projetado soberanam ente pela subjetividade do autor,
tal com o acontece na arte, onde o típico é o eixo fundam ental de
contato com a realidade. O processo de significação produzido
pelo jornalism o situa-se na exata contextura entre duas variáveis:
1) as relações objetivas do evento, o grau de am plitude e radi-
calidade do acontecim ento em relação a um a totalidade social
considerada; 2) as relações e significações que são constituídas
no ato de sua produção e com unicação.

O sujeito e o objeto: c\duplaface do real

A com plexidade do aato jornalístico decorre da contradição


inerente à produção do próprio m undo social. E ssa contradição
nasce da relação axiom ática do sujeito com o m undo objetivo, na
mesma m edida em que a objetividade vai constituindo o substra-
lo que confere realidade à autoprodução do sujeito. Logo, qual­
quer gênero de conhecim ento é tanto revelação com o atribuição
de sentido ao real; assim com o a projeção subjetiva não pode
ser separada da atividade prática, a revelação das significações
objetivas não pode ser separada da atribuição subjetiva de um
sentido à atividade.
/
E a dim ensão objetiva da singularidade que diferencia o
jornalism o da arte. Esse com prom isso prioritário com a singula­

’ I No capítulo VII, como já foi indicado na Introdução, trataremos da questão referente às


categorias do “singular”, “particular” e “universal”, bem como das suas im plicações para
uma teoria do jornalismo.

61
ridade objetiva im pede que o p a rticu la r possa cristalizar-se - pelo
m enos em regra —enquanto categoria estética, com o ocorre na
produção artística. N a arte, o p a rticu la r resulta de um a síntese na
qual a subjetividade se im põe com o ato essencialm ente livre do
criador. Por outro lado, é a exigência da singularidade em m an­
ter-se com o tal que im pede o jornalism o de tornar-se um a form a
de conhecim ento científico ou m ero epifenôm eno da ciência.
M as é, tam bém , a m argem colocada ao sujeito para atribuir sen­
tido à atividade social e, portanto, para atribuir significado aos
fenôm enos objetivos, que situa o jornalism o na contextura re­
ferida anteriorm ente, isto é, frente àquela duplicidade “objetiva-
-subjetiva” dos fatos que ele trabalha.
O caráter específico dessa “duplicidade”, no caso do jornalis­
mo, está nitidamente vinculado, ao mesmo tempo, com nexos de
probabilidade (quantitativas) e de liberdade (qualitativas) em relação
ao todo social. Para discutir essa especificidade é necessário clarifi­
car a manifestação desse fenômeno no dia a dia do jornalismo.

“Se é o inesperado que acontece - adverte Park - não é o to­


talmente inesperado que surge na notícia. Os acontecimen­
tos que fizeram notícia no passado, como no presente, são
realmente as coisas esperadas, assuntos caracteristicamente
simples e comuns, como nascimentos e mortes, casamentos
e enterros, as condições das colheitas, a guerra, a política e
o tempo. São estas as coisas esperadas, mas são ao mesmo
tempo as coisas imprevisíveis. São os incidentes e acasos
que surgem no jogo da vida”.25

Parece que a im portância social da inform ação sobre um


evento, adm itindo-se as prem issas discutidas acim a, depende de
duas variáveis fundam entais: a baixa probabilidade do evento
descrito e, além disso, a inserção qualitativa do referido evento
na totalidade social em desenvolvim ento. A o indicar que “não

25 PARK, Robert E. Op. c i t p. 179.

62
é o totalm ente inesperado que surge na notícia”, certam ente o
autor está reconhecendo, pelo m enos, a insuficiência do enfoque
probabilístico.
A inserção qualitativa a q u e estam os nos referindo só é pos­
sível porque há um a dim ensão subjetiva da práxis, pois não é a
sociedade, em si m esm a, que possui um a essência teleológica,
mas precisam ente os hom en s enquanto seres pensantes.26 D is­
so decorre que as p ossibilidades do desenvolvim ento histórico
não se expressam apenas p ela probabilidade mas, em seu fun­
dam ento especificam ente hum ano, pela liberdade de opção dos
indivíduos. Ao nível m ais concreto, pela ação e o conflito das
classes e grupos sociais. Portanto, o “referencial sistêm ico” para
quantificar a probabilidade de um evento e suas conexões de am ­
plitude e radicalidade com o to d o social não é estritam ente objetivo,
nem único. Ele varia segu rtio os diferentes projetos sociais ins­
critos com o possíveis na Aoncreticidade do presente. Em con­
seqüência, a qualidade de urna in fo rm ação envolve exatam ente a
totalidade do social (o que in lp lic a um a projeção) escolhida como
referência teórica. Por isso, a noção de sistem a é reducionista
quando aplicada à sociedade. R etira a historicidade do processo
social a partir de prem issas objetivistas.
A o equiparar realidades o ntológicas de ordens distintas, ou
seja, as m áquinas de in fo rm ar e os organism os biológicos com
a sociedade hum ana estão fazen do im plicitam ente um a opção
qualitativa que não quer ou n ão consegue revelar. E sta opção,
naturalm ente, é pela sociedade positivam en te considerada, isto é,
alheia à autoprodução de sua próp ria essência.
A questão da qualidade d a inform ação que decorre, como
vimos, da subjetividade e da liberdade que a história encerra,
ultrapassa a noção de sistem a e se liga ao conceito de totalidade

-.6 LUKÁCS, Georg. As bases ontológicas do pensam ento e da atividade do homem. ln\
Revista Temas de Ciências Humanas. Sào Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas Ltda.,
1978, n 4. p. 6.

63
concreta, ao todo considerado em processo de totalização objetiva
e subjetiva.27
O significado social de u m a inform ação jornalística está
intim am ente relacionado tanto ao aspecto quantitativo quanto
ao qualitativo. Um evento com probabilidade próxim a de zero
é jornalisticam ente im portante m esm o que não esteja vinculado
às contradições fundam entais d a sociedade. Por exemplo, um
hom em que conseguisse vo ar sem qualquer tipo de aparelho ou
instrum ento.
Um evento de elevada p robabilidade, com o novas prisões
políticas no Chile de P inochet, é significativo e im portante em
virtude de seu enraizam ento am p lo e radical num processo que
expressa tendências reais do desenvolvim ento social. A significa­
ção desse fato, seria desn ecessário acrescentar, depende tam bém
do aspecto subjetivo: a solidariedade ou oposição às tendências
e possibilidades nas quais os eventos estão inseridos. Aqui entra
não só a m argem de im p o rtân cia que ideologicam ente é atribuí­
da aos fatos, com o tam bém um espaço determ inado de arbítrio
ideológico para a própria significação em term os qualitativos. As
novas prisões no Chile de P ino chet, para os jornais do governo
chileno, podem significar que o regim e está disposto a “m anter
a ordem e a segurança dos cid ad ão s” . Para um jornal liberal po­
dem representar “m ais um ato de arbítrio de um governo sem
legitim idade”. N as páginas de u m jornal de esquerda podem sig­
nificar que “está se am pliando a resistência revolucionária do
povo chileno” .
Em que pesem algum as sugestões criativas de Robert E.
Park, as bases funcionalistas do referencial teórico que ele adota
e, inclusive, suas opiniões exp lícitas sobre a “função” da notícia,

27 “A existência do homem concreto se estende no espaço entre a irredutibilidade ao sis­


tema ou a possibilidade de superar o sistem a, e, sua inserção de fato ou funcionamento
prático em um sistema (de circunstâncias e relações históricas)’'. In: KOSIK, Karel. Op.
cit., p. 90.

64
nfio deixam qualquer dúvida sobre o conteúdo conservador e
lim itado de suas concepções. “A função da notícia —diz Park —é
orientar o hom em e a sociedade num m undo real. N a m edida
em que o consegue, tende a preservar a sanidade do indivíduo
e a perm anência da sociedade”.28 E ntenda-se, evidentem ente, o
“m undo real” com o a form a pela qual ele está estruturado no
presente. A “sanidade” com preenda-se com o um a m entalidade
com petitiva, m esquinha e consum ista. Por “conservação da so­
ciedade” entenda-se a preservação do capitalism o e do “m odo
de vida norte-am ericano” .

PARK, Robert E. Op. cit., p. 183.

65
C apítulo IV

Do funcionalismo à teoria geral


dos sistemas

A ideia de sistema tem um a longa história nas ciências so­


ciais. Iniciando pela analogia m ecânica, a sociologia percor­
reu modelos cada vez mais com plex >s, passando por H erbert
Spencer (orgânico) e algumas versck 5 funcionalistas mais ela­
boradas, chegando à analogia cibernética e àquilo que tem sido
denominado “Teoria dos Sistem as” ou “Teoria Geral dos Sis­
temas”.1
Os adeptos dessa teoria advogam que se trata de uma ver­
dadeira revolução nas ciências sociais, à medida que o mode­
lo cibernético implicaria algo novo, derivado diretamente de
necessidades técnicas e descobertas científicas que convergem
para a ideia de totalidade. Em parte, de fato, cabe-lhes razão. A
crescente integração do aparato tecnológico e das determ ina­
ções econômicas da sociedade contemporânea, cada vez mais
articulados e interdependentes, exige que os processos sejam
abordados em conjunto, como uma totalidade complexa, e não
mais como uma soma de partes relativamente autônomas. De
<uitro lado, as ciências naturais, em especial a Biologia molecular,

I Ycr especialmente: BUCKLEY, Walter. A sociologia e a moderna teoria dos sistemas. São Paulo,
( ãiltrix e VON BERTALANFFI, Ludwig. Teoria Geral dos sistemas. Petrópolis, Vozes,
1977. (Col. Teoria dos Sistemas, 2).

67
indicam a necessidade de conceitos e teorias que consigam dar
conta das m odalidades “cibernéticas” dos fenôm enos que vão
sendo desvendados.
N o entanto, no plano da filosofia, a ideia de totalidade não é
nova e contém um a riqueza de determ inações que os “sistem is-
tas” ainda não alcançaram . O significado dessa categoria na dia­
lética hegeliana —e depois no m arxism o —ultrapassa largam ente
o sentido objetivista que lhe é atribuído pela cibernética, em bora
seja m enos preciso e operacionalizável que a m oderna ideia de
sistem a.
N orbert W iener foi o prim eiro a apontar as im plicações
m ais gerais da cibernética.2 Em bora desde a década de trinta a
B iologia tenha com eçado a utilizar o conceito de sistem a em seu
sentido atual, a partir do desenvolvim ento dos com putadores é
que se constituíram as condições para um a utilização mais am pla
dessa categoria e, m esm o, para torná-la m ais definida em suas
qualidades básicas, tanto funcionais com o estruturais. A partir
daí, o “sistem ism o” poderia iniciar o seu percurso de legitim ação
filosófica sem, a princípio, declará-lo form alm ente, mas apenas
pela progressiva expansão de sua aplicabilidade técnica e teórica.
A partir da década de cinqüenta, as m áquinas “deixam de
ser destinadas apenas aos cálculos científicos e passam a ser em ­
pregadas em toda espécie de tratam ento lógico das inform ações.
O s ‘calculadores eletrônicos’ adotam então e, sobretudo nesses
casos, o nom e de ‘ordenadores’ ou, mais vulgarm ente, com pu­
tadores” .3 A ciência que se desenvolveu em torno do problem a
desse processam ento, transm issão e arm azenam ento autom ático
das inform ações, classificada como um ram o da cibernética, foi
denom inado de Inform ática. A Teoria da Inform ação, voltada

2 W IEN ER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso hum ano de seres humanos. São Paulo,
Cultrix, s/d.
3 BAZERQUE, G. & TRULLEN , C. Chaves da informática. Rio de Janeiro, Civilização B ra­
sileira, 1972. (Col. Chaves da Cultura Atual; 6) p. 11.

68
para o estudo do com portam ento estatístico dos sistem as de
com unicação, assum e um a generalidade e um a abstração mais
elevada, fornecendo tam bém certas prem issas teóricas para o
que viria a ser, m ais tarde, a Teoria G eral dos Sistem as, com sua
suposta abrangência universal.
N orbert W iener percebeu, com a cibernética, que estava
sendo desencadeado um processo de conseqüências previsíveis
em term os de autom ação, m as im previsíveis em diversos cam ­
pos da sociedade. De qualquer m odo, observou que seus efeitos
seriam profundos e definitivos na história hum ana, tanto na re­
lação dos hom ens entre si com o na/relação da sociedade com
a natureza. W iener chegou a o b se rv lr que os processos de co­
m unicação assum iriam um peso cref/cente nos padrões de com ­
portam ento e no sistem a social corr.b um todo.4 Podem os dizer,
hoje, que ele não exagerou nas perspectivas apontadas.
Partindo, tal com o fez W iener, da sem elhança (em certos
aspectos considerados fundam entais) entre os hom ens e as m á­
quinas de inform ação —e tom ando as diferenças apenas como
graus de com plexidade estrutural ou organizacional —a Teoria
dos Sistem as propõe categorias de análise que, efetivam ente, são
mais flexíveis que os m odelos anteriorm ente utilizados pela so­
ciologia de tradição em pirista e positivista. Trata-se de um a pro­
posta que possui tanto um a dim ensão filosófica (em bora não se
reconheça explicitam ente com o filosofia), com o um a dimensão
m etodológica e operatória.
N esse sentido, con fo rm e alguns de seus defensores, se­
ria um prolongam ento da tradição dialética na busca de uma
racionalidade totalizante, m as com um rigo r e um a precisão
que as dialéticas h egelian a e m arxista não teriam conseguido
atingir. E ssa tese, entretanto, é apenas um a autoilusão teórica

4 WIENER, Norbert. Op. àt., p. 16.

69
do “sistem ism o” , pois a dialética h egelian a-m arxista concebe
um a teleo lo gia de o utra ordem . C onsidera que os fins da so cie­
dade não decorrem das propriedades universais dos sistem as,
m as são produzidos na p ró p ria história. N o caso de H egel, com o
realização e revelação do “E spírito A b so lu to ” que subjaz à ati­
vid ad e h istórica dos hom ens. Para M arx, com o resultado da
práxis, através de hom ens concretos e reais, em consonância
com as tendências que nascem da vida m aterial e de sua n eces­
sária reprodução.
O problem a central da Teoria dos Sistem as é o “contro­
le ” dos fenôm enos com plexos, considerados m ultidim ensionais,
infinitam ente variáveis e autorreguláveis. Trata-se de um a m eto­
dologia sustentada por um conjunto de teorias de alcance geral
e m édio que procura, através de categorias analíticas, dar conta,
cientificam ente, dos fenôm enos referidos. D escobrir os princí­
pios e leis gerais de todos os sistem as, seja qual for sua natureza
ou com posição especial, constitui sua m eta prim ordial. N essa
busca de identificação de fenôm enos e processos tão díspares, a
tentativa de produzir m odelos m atem áticos possui im portância
decisiva, pois significa um m eio efetivo de encontrar a objetivi­
dade com um a diversos cam pos da realidade.
Há duas noções básicas envolvidas nessa teleologia ineren­
te aos sistem as: a integridade e a funcionalidade. A partir delas,
considerando a sociedade hum ana com o um “sistem a socio-
cultural” poderíam os, então, extrair certas conseqüências teóri­
cas e práticas no cam po da sociologia. A conseqüência teórica
m ais im portante é a redução ontológica efetuada na história e
na sociedade, que passam a ser enfocadas com o processos ex­
clusivam ente objetivos. E starão presentes, então, as prem issas
fundam entais da epistem ologia positivista e de um a sociologia
coerente com a tradição do funcionalism o.

70
A teoria dos sistemas e a dialética

Tom em os, inicialm ente, a sem elhança fundam ental entre


os hom ens e as m áquinas de inform ar, apontada p o r W iener e
reconhecida com o pressuposto m etodológico pela Teoria dos
Sistem as. O paradoxo im plícito nessa tese foi indicado por Ray-
mond Ruyer:

“O paradoxo resulta claro, no entanto, ao compararmos as


duas teses enunciadas por N. Wiener. A primeira delas é a
de que as máquinas de informação r/ão podem ganhar infor­
mação: nao há, nunca, mais informação na mensagem que
sai de uma máquina do que na mensagem que lhe foi en­
tregue. Praticamente, haverá met/os, devido aos efeitos, di­
ficilmente evitáveis que, segundo as leis da termodinâmica,
aumentam a entropia, a desorganização, a desinformação. ()
segundo é a de que os cérebros e os sistemas nervosos são
máquinas de informação, sem dúvida mais aperfeiçoadas
que as máquinas industrialmente construídas, mas da mes­
ma ordem que aquelas, e que não são dotadas de qualquer
propriedade transcendente ou que não possa ser imitada por
um mecanismo”.1'

O paradoxo é, de fato, evidente: não haveria nunca mais


inform ação à “ saída” do cérebro do que à “entrada”. Q ual seria,
portanto, a origem da inform ação que os hom ens transm item
entre si, que alim enta o pensam ento e que os distingue do res­
tante no m undo natural? Se a inform ação que perm eia as rela­
ções hum anas, é produzida, exclusivam ente, pelo “sistem a socio-
cultural” entendido com o totalidade, terem os, em conseqüência,
a im possibilidade da ação efetiva dos hom ens sobre a história,
já que eles seriam apenas “transm issores” e “portadores” de um

S RUYER, Raymond. A cibernética e a origem da informação. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1972,
p. 7.

71
sentido absolutam ente intangível. O resultado seria a eterna re­
corrência do conhecim ento e da consciência hum ana com o atu­
alização e realização das finalidades de integração e funcionalidade
inerentes à objetividade do sistem a. A lgo com parável à tese de
H egel sobre a relação da atividade dos hom ens na história com
o desenvolvim ento do “E spírito” no tem po, m as infinitam ente
m enor em sua grand eza teórica e potencialidades m etodológicas
no terreno das ciências sociais.
N ão se pretende afirm ar, em contrapartida, que cada in ­
divíduo seja o produtor soberano e a origem absoluta da infor­
m ação. M as tão som ente que os indivíduos —com o realidades
irredutíveis que são - não podem ser dissolvidos, nem no supos­
to “E spírito A bsoluto” que subjaz à história, nem nas relações
sociais em que estão integrados. M uito m enos, na dim ensão sis­
têm ica na qual eles são funções e partes. Se, do ponto de vista
epistem ológico, o todo é superior às partes, tem os que adm itir
que, em certo sentido, o todo é tanto superior quanto inferior às
partes. Isso quer dizer que a superação nasce de um duplo m ovi­
m ento real e concom itante: do todo para as partes e destas para
o todo. A liás, a própria ideia de totalidade, na acepção da dialética
m arxista, im plica um todo estruturado que se desenvolve e se
cria, e não na sim ples pressuposição holista de que o todo é su­
p erio r à som a das p artes.6 O ra, se o todo se desenvolve e se cria,
sendo por isso um a totalidade dialética, isso envolve contradições
internas que são as verdadeiras fontes do desenvolvim ento e da
transform ação, o que contraria a ideia de um a antologia m era­
m ente funcional das partes em relação ao todo.
O “sistem ism o” se propõe a superar o funcionalism o, à
m edida que acusa este de privilegiar ou absolutizar a dim ensão
de com plem entariedade e funcionalidade do sistem a, relegando
os conflitos e contradições para o terreno da anom alia ou da

6 KOSIK, K arel. D ialética do concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p. 43.

72
patologia. N outro sentido, o sistem ism o se dispõe a substituir
a dialética. N ão o b stan te, no pensam ento sistêmico existe um
limite para o conflito. Isto é, os conflitos existem , mas são sem ­
pre superáveis e m an ejáveis, de form a a não levar à ruptura do
sistem a. Seria, assim , u m a espécie de dialética não antagônica ou,
com o afirm a Pedro D em o , o sistem ism o fica apenas com o pé
não antagônico da d ialética.7
Portanto, tem os já dois aspectos que diferenciam a Teoria
dos Sistem as da d ialética: a questão das contradições, que ficam
reduzidas a conflitos n ão antagônicos, e o problem a do sujeito
histórico que, com o v im o s, fica relegado ao papel de agente do
sistem a, subordinado essencialm en te a ele.
“A máquina só pode funcionar, - diz Ruyer - não pode
nunca determinar por si mesma a totalidade das regras que
aplica e sim apenas uma parte, estritamente prevista no con­
junto de suas montagens e não realmente escolhida”.8

A Teoria G eral dos Sistem as tem com o pressuposto, de fato,


uma redução qualitativa do “sistem a sociocultural” aos sistemas
em geral, isto é, às p ro p ried ad es gerais dos sistemas biológicos
ou das m áquinas cib ern éticas produzidas pelo engenho humano.
Contudo, estes últim os são incapazes de se determ inar quanto
aos seus fins. Os sistem as biológicos são escravos da genética,
dos instintos que a exp ressam e confirm am , e da probabilida­
de a que são redutíveis. O s sistem as produzidos artificialm ente
pelos hom ens não p o ssu em um sentido “enquadrante”, com o
acontece com os in d ivíd u o s e a sociedade, m as um sentido “en­
quadrado” p o r estes. O u seja, tanto os sistem as biológicos como
os artificiais não se auto p ro d u zem com o totalidades conscien­
tes que, através da h istó ria, constroem o seu próprio “sentido”.
( )s sistem as biológicos o u as m áquinas de inform ação apenas se

/ DEMO, Pedro. Introdução à m etodologia da ciência. São Paulo, Atlas, 1985, p. 110.
H RUYER, Raymond. Op. cit., p. 32.

73
reproduzem com o realidades já dotadas previam ente —respectiva­
m ente pela natureza ou pelos hom ens —de um sentido que as
subm ete e direciona.
O “princípio da totalização”, tal com o é entendido na Te­
oria dos Sistem as, pretende um enfoque estritam ente objetivo,
independente do hom em com o sujeito. V ejam os o que diz K arel
Kosik:

“O ponto de vista da totalidade concreta nada tem em co­


mum com a totalidade holística, organicista ou neo-român­
tica, que hipostasia o todo antes das partes e efetua a mitolo-
gizaçào do todo. A dialética não pode entender a totalidade
como um todo já feito e formalizado, que determina as par­
tes, porquanto à própria determinação da totalidade perten­
cem a gênese e o desenvolvimento da totalidade, o que, de
um ponto de vista metodológico, comporta a indagação de
como nasce a totalidade e quais são as fontes internas do seu
desenvolvimento e movimento. A totalidade não é um todo
já pronto que se recheia com um conteúdo, com as qualida­
des das partes ou com suas relações; a própria totalidade é
que se concretiza e esta concretização não é apenas criação
do conteúdo mas também criação do todo”.

E m ais adiante: “A criação da totalidade com o estrutura


significativa é, portanto, ao m esm o tem po, um processo no qual
se cria realm ente o conteúdo objetivo e o significado de todos os
seus fatores e partes” .9
O “princípio da totalização” que propõe a Teoria dos Sis­
tem as não é o m esm o da dialética, pois elim ina o hom em com o
sujeito da história ao invés de confirm á-lo. A o igualar qualita­
tivam ente todas as totalidades (inclusive a sociedade hum ana)
enquanto sistem as, a “totalização”, neste caso, aponta para uma
com preensão estritam ente form al e objetivista da realidade, fi­

9 KOSIK, Karel. Op. cit., p. 49-50.

74
cando abolido o próprio sujeito que realiza a totalização pelo
pensam ento. Se o capitalism o é um sistem a integrado e articula­
do que tende a reproduzir-se à m argem de fins hum anos cons­
cientem ente definidos, nem p o r isso a história, enquanto totalida­
de que possui um passado e futuros possíveis pode ser reduzida
ao autom atisrno sistêm ico desse m odo de produção. V oltem os a
nos socorrer de Kosik:

“O homem existe sempre dentro do sistema, e como sua


parte integrante é reduzido a alguns aspectos (funções) ou
aparências (unilaterais e reificadas) da sua existência. Ao
mesmo tempo, o homem está sempre acima do sistema e —
como homem —não pode ser reduzido ao sistema”.10

E verdade que o princípio de autorregulação e orientação-


-para-fins, que constitui um dos pressupostos da Teoria dos Siste­
mas, im plica a tendência que se m anifesta em todos os sistemas e,
inclusive, no “sistema socioculturar\ Entretanto, a generalidade,
aqui, esconde uma om issão fundam ental. Seria com o dizer que
a essência do hom em é o fato dele ser dotado de vida. Teríamos,
então, qualitativam ente falando, a conclusão de que os hom ens di­
ferem das plantas, dos insetos e dos lobos apenas em grau de com ­
plexidade biológica. Retornaríam os, desse modo, a um a form a de
m aterialism o prim itivo e ingênuo. Â autorregulação na sociedade
humana não se esgota em fins que possam ser apreendidos de
antemão. Os fins hum anos na história não podem ser reduzidos
à m era autorregulação e reprodução do “sistema sociocultural”.
E m síntese, a Teoria dos Sistem as dilui a especificidade
c|ualitativa da sociedade hum ana. A história fica prisioneira de
um círculo vicioso: os fins se explicam pelo sistem a, que se ex­
plica pela autorregulação, que, tal com o um cãozinho que m orde
o próprio rabo, explica os fins...

II) íbiâem , p. 90.

75
O s pressupostos éticos que podem ser extraídos da Teo­
ria dos Sistem as, à m edida que pretende incluir a sociedade e
a história, não adm item a perspectiva de rupturas qualitativas
radicais. Os critérios antológicos de “integração” e “funcionali­
dades” não deixam m argem para um a crítica ética e política que
tenha origem em valores criados historicam ente pelas classes so­
ciais e pelos indivíduos. A fronteira entre os aspectos estruturais
e funcionais fica dissolvida em parâm etros form ais estritam ente
quantitativos, induzindo a que se pense a revolução nos lim ites
da norm alidade evolutiva e cotidiana, sendo esta, então, falsam ente
elevada ao patam ar da m udança qualitativa.

A informação e a dialética da qualidade-quantidade

O que parece não ter sido percebido pelos defensores da


T eoria G eral dos Sistem as, pelo m enos em suas conseqüências
fundam entais, é a distância entre a natureza histórico-social dos
hom ens (como seres que se autoconstroem ) e a natureza pro ­
priam ente dita. E sta é o ponto de partida e objeto daquela, o que
estabelece um a ponte entre ambas, m as um abism o ainda maior.
N ão se pretende afirm ar, com isso, que a realidade hum ana seja
dotada de um a essência que transcende o nosso m undo, mas
tão som ente que o ser hum ano é o único sujeito do universo. E
se é verdade que ele apresenta essa superioridade ontológica, a
generalidade de quaisquer categorias que o hom ogeneizem em
relação ao restante do universo não será capaz de dar conta de
sua essência.
Eis aqui, m ais claram ente, a lim itação teórica da Teoria dos
Sistem as quando pretende dar conta, de m aneira exaustiva, dos
processos biológicos, das sim ulações cibernéticas e, ao m esm o
tem po, da sociedade hum ana. A Teoria G eral dos Sistem as, por­
tanto, é vítim a de sua pretensão descabida. A identidade univer­

76
sal dos sistem as antientrópicos, que é seu pressuposto, esconde
a singularidade do processo histórico-social, isto é, o hom em
com o ser que se originou da p rá x is e cam inha sobre ela.
Por outro lado, a m útua redução entre inform ação e pro­
babilidade, realizada pela Teoria da Inform ação, adquire outro
sentido no contexto das relações constituídas na p rá x is hum a­
na. Para o hom em , um ser que se constrói criticam ente, a cons­
ciência da probabilidade, sendo um aspecto do ato cognitivo
propriam ente dito, é apenas um pressuposto do ato prático. O
pressuposto da cibernética é a unidade existente entre os sis­
tem as antientrópicos, de um lado, e, de outro, todo o restante
do universo dotado de entropia positiva. D esvendando assim ,
abstratam ente, um a contradição sum am ente im portante, entre
um a porção da realidade que, dentro de certos lim ites, tende
para m anter e reproduzir sua auto-organização, e o restante do
universo que cam inha para a desorganização e o caos. Trata-se,
certam ente, de um a teoria que abrange aspectos bastante am plos
da realidade, retom ando um a unidade que foi sendo perdida pela
particularização divergente das especialidades científicas. N ão há
com o subestim ar a im portância e a am plitude das descobertas
patrocinadas pela cibernética em todos os cam pos da ciência e,
muito m enos, dos avanços técnicos que ela potencializa.
N o entanto, o universo antientrópico não é contínuo, pos­
suindo um a ruptura que, do ponto de vista filosófico, é mais
essencial do que sua contradição com o universo em decadên­
cia. T rata-se do fenôm eno hum ano que, dotado de consciência,
elevou-se acim a do m undo físico, da objetividade em geral, não
só porque é capaz de pensar esse m undo, m as igualm ente de
produzi-lo com o realidade apropriada, com o realidade hum ana
e hum anizada.
Logo, o que explica a realidade não é a “totalidade sistêm i­
ca” e sim a “totalidade concreta” não é a “inform ação ” e sim a

77
“p rá x is” . Essas são as categorias que expressam o axiom a teórico
fundam ental para desvendar o m undo e suas conexões m ais g e ­
rais. A p rá x is expressa a síntese mais profunda da relação entre o
hom em e o universo, na m edida em que capta tanto a diversida­
de com o a unidade, de um ângulo ontologicam ente superior, ou
seja, do ângulo da apropriação crescente do m undo natural pela
atividade e o pensam ento hum anos.11
N a verdade, a aplicação da Teoria da Inform ação ao fenô­
m eno da com unicação social e, m ais especificam ente, ao fenô­
m eno jornalístico12 , pressupõe - de m aneira explícita ou não
—aceitação das teses da T eoria G eral dos Sistem as. Tal transpo­
sição tem, ideologicam ente, um a base de classe. Trata-se de um a
abordagem que interessa à burguesia com o classe dom inante
que pretende eternizar as relações capitalistas de produção. A
finalidade política intrínseca a esse aporte teórico - e em certa
m edida seu efeito —é a m anipulação e o controle, a redução das
classes dom inadas e dos indivíduos em geral a sim ples elem entos
derivados das equações econôm icas e políticas do poder, isto é,
a m áquinas produtivas perfeitam ente previsíveis em seus atos.
Há um a hierarquia de contradições na sociedade, mas os
processos se conjugam e alternam sua principalidade definindo
conjunturas, abrindo-se, então, diferentes possibilidades para a
ação consciente dos sujeitos, os quais nunca são neutralizados
com pletam ente pela lógica reprodutiva do sistem a enquanto tal.
Isso torna o “sistem a social” qualitativam ente diferente dos m o­
delos cibernéticas e dem ais sistem as conhecidos, na m edida em
que se fundem níveis da realidade social num a m esm a totalidade
histórica tangível aos sujeitos.
11 Sobre essa concepção de práxis, ver: GENRO FILHO, Adelmo. Do medo à dialética. In:
Marxismo, filosofia profana. Porto Alegre, Tchê!, 1986, p. 25-47.
12 Uma das tentativas de aplicação da Teoria Geral dos Sistem as ao jornalism o é o traba­
lho de: LIM A, Edvaldo Pereira. 0 jornalism o impresso e a teoria g era ! dos sistemas: um modelo
didático de abordagem. D issertação de M estrado, apresentada na U niversidade de Sao Paulo
—USP —EGA. São Paulo, 1981. (De qualquer modo, em algum a medida esse paralelismo
é feito em grande parte das obras acadêmicas sobre com unicação e jornalismo).

78
A incom preensão da especificidade do hom em com o sín­
tese dos diversos níveis de sua existência objetiva e subjetiva,
isto é, de sua natureza biológica, antropológica e, sobretudo, h is­
tórica (econôm ica, cultural, política, ideológica e ética) induz a
graves distorções teóricas. A tentativa de aplicação da Teoria da
Inform ação para explicar o fenôm eno jornalístico é um a delas.
Há um a frase m uito difundida nos m anuais de jornalism o que
pode ilustrar, através de um a caricatura, o problem a apontado:
“Se um cão m orde um hom em não é notícia, mas se um hom em
morde um cão então tem os um a notícia”. Realm ente, a proba­
bilidade de que um hom em avance a dentadas contra um cão
é bem m enor, por exem plo, do que a probabilidade de novas
violações dos direitos hum anos pelo exército salvadorenho. Por­
tanto, a prim eira notícia seria m ais im portante, do ponto de vista
jornalístico, do que esta últim a, na m edida em que contém m aior
quantidade de inform ação, segundo os critérios m atem áticos da
Teoria da Inform ação. N o entanto, é fácil perceber que a notí­
cia sobre El Salvador tem m ais significado e im portância, pelo
fato de conter m ais universalidade e estar ligada às contradições
fundam entais de nossa época. Por isso, em bora seja um evento
de m aior probabilidade, o que na Teoria da Inform ação significa
menos inform ação, será um a notícia qualitativam ente superior.
N a sociedade, nem tudo que representa m uita inform ação
em term os m atem áticos (eventos de pouca probabilidade), reve­
la-se significativo no processo global das relações sociais. E m se
tratando da sociedade, não im porta unicam ente o aspecto quan­
titativo da inform ação para que seja eficaz e significativa. Inte­
ressa, antes, que ela esteja vinculada aos processos fundam entais
c suas contradições. A dialética entre qualidade e quantidade
aparece, aqui, em sua riqueza e am plitude.
O processo global que serve com o critério de qualificação
tias inform ações é a própria história, dim ensão totalizante do ser

79
e do fazer hum anos. E nfim , se um hom em qualquer m orde um
cão qualquer, isso não terá m aior significado por ser um fato
singular que não contém a necessária universalidade. N ão indica
um a tendência na evolução ou na transform ação da sociedade.
É evidente que, se m uitos hom ens com eçarem a m order os cães,
a qualidade de tais notícias será alterada pela quantidade. O m es­
m o acontecerá, por exem plo, se o presidente dos Estados U ni­
dos tom ar essa atitude, em bora fosse um caso isolado. Então, se
o singular é a m atéria-prim a do jornalism o, a form a pela qual se
cristalizam as inform ações que ele produz, o critério de valor da
notícia vai depender (contraditoriam ente) da universalidade que
ela expressar. 0 singular; portanto, é a form a do jorn a lism o e não o seu
conteúdo. 13

O jornalismo e a teoria da informação

A im portância da inform ação jornalística parece estar liga­


da, essencialm ente, não aos fenôm enos de baixa probabilidade
em geral, com o quer a Teoria da Inform ação, m as a eventos sig­
nificativos (o que im plica a qualidade) situados na faixa de indeter-
m inação do processo social.
D e um m odo geral são os acontecim entos previsíveis que
fazem notícia, ou seja, os fenôm enos que aparecem com o possí­
veis, em bora não possam ser determ inados de antem ão em sua
form a e m esm o no seu conteúdo preciso. Porque são esses fatos
que, norm alm ente, estão dentro de um contexto de significação
histórica.
Os fatos cuja determ inação pode ser previam ente adm itida
com segurança não constituem , em geral, notícias im portantes.
U m acontecim ento com um a virtual probabilidade de 100%

13 GENRO FILHO, Adelmo. Q uestões sobre jornalism o e ideologia. ín\ Jorn a l A Ra^ão.
Santa M aria, 22 de out. 1977. p. 8.

80
(em bora isso, a rigor, seja im possível) não apresenta, em geral,
interesse jornalístico. O fato de que o com ércio vai funcionar
norm alm ente num a segunda-feira não m erece ser noticiado.
Em bora isso possa ter interesse jornalístico se estiverm os em
m eio a um a greve geral.
Por outro lado, o grau de probabilidade de um evento en­
volve um a das variáveis que hierarquizam a im portância de um a
inform ação jornalística. Um fato de probabilidade extrem am en­
te baixa, m esm o que não ocorra num a hierarquia relevante dos
processos sociais, pode transform ar-se em algo significativo.
O fato de um hom em qualquer apresentar, por exem plo, po­
deres paranorm ais é, por si m esm o, um fenôm eno de real in ­
teresse jornalístico. N ão se trata de um a m era curiosidade ou
sim plesm ente de um fato insólito para vender jornais, em bora,
norm alm ente, seja tratado dessa form a pela im prensa capitalista.
Há, ou pode haver um conteúdo de universalidade latente nas
singularidades extrem as ou aberrantes. O “insólito”, o “sensa-
cionalism o”, o “acredite se quiser”, que aparecem na im prensa,
não indicam que o singular é necessariam ente um a feição do real
que se presta a m era m anipulação, mas, apenas, que ele pode ser
m anipulado e arrancado de sua relação efetiva com as particula­
ridades e universalidades reais, para funcionar com o suporte das
configurações propostas pela ideologia dom inante. N esse caso,
o singular pode servir para falsear totalidades, sim ular contradi­
ções inexistentes, esconder outras efetivam ente existentes, além
de dissim ular tendências reais e apontar outras que são falsas.
Se tem os um jogo de futebol entre duas equipes, A e B>
sendo que A é reconhecidam ente superior e sem pre venceu a
equipe B com larga vantagem , o resultado m ais im portante, jor-
nalisticam ente, seria a vitória da equipe B por 8 x 0 e não o inver­
so. A vitória surpreendente da equipe B coloca potencialm ente
algum as questões que tendem à universalidade, à conexão com

81
outros fenôm enos e à m udança de conceitos estabelecidos. Teria
h avido corrupção? B oicote dos jogadores da equipe A que es-
tavam com os salários atrasados? A equipe 13, por algum m otivo
técnico ainda obscuro, teria se tornado repentinam ente m ais efi­
caz? Q ual a lógica, desta vez, da sabida falta de lógica do futebol?
O que é o futebol, afinal?
Porém , um a coisa é certa; um a greve geral no país, o sui­
cídio de um a personalidade pública ou a aprovação de um a
nova lei sobre a refo rm a agrária, em geral, serão notícias m ais
im portantes que qualquer resultado (puram ente esportivo) do
jo go entre as equipes A e B. A prioridade, neste caso, tem sua
justificativa na questão da totalidade histórico-social com o um
todo estruturado, envolvendo um a determ inada hierarquia dos
seus processos. A natureza da inform ação jornalística está inti­
m am ente ligada aos dois aspectos: 1) a indeterm inaçâo real dos
processos sociais e naturais; 2) a qualidade e o grau das possi­
bilidades concretas de escolha que se colocam para os hom ens
dian te das alternativas nascidas da indeterm inaçâo do processo
objetivo que eles vão constituindo. A isso pode-se cham ar, em
sentido filosófico, liberdade.
O conceito de liberdade, com preendido nessa dim ensão
teórica, é com pletam ente exterior e alheio ao sistem ism o. As
distintas possibilidades concretas de totalização da história, que
se colocam aos sujeitos, im plicam a dim ensão qualitativa da in ­
form ação, o que não ocorre nos sistem as biológicos ou ciber­
néticos, cujas possibilidades de desenvolvim ento não incluem a
questão da liberdade.
O problem a fundam ental da transposição, para a socieda­
de, das noções da T eoria da Inform ação, buscando definir a n o ­
tícia jornalística pelos critérios m atem áticos da probabilidade, é
exatam ente a natureza singular do “sistem a social”. O conceito
de sistem a, com o já foi visto, não consegue dar conta da socie­

82
dade com o totalidade concreta,, m as apenas de alguns aspectos de
sua m anifestação. A ideia de sistem a (ver especialm ente Buckley)
pressupõe finalidades objetivam ente consideradas, o que signi­
fica um “projeto” plenam ente m anipulável do ponto de vista
externo. O ra, a sociedade não apresenta um desenvolvim ento
teleológico objetivam ente dado. São os hom ens, através do tra­
balho, que atribuem aos seus atos um a perspectiva teleológica.
Os projetos hum anos, individuais ou coletivos, não são determ i­
nados pela realidade objetiva, m as apenas condicionados por ela e
determ inados subjetivam ente. A consciência, com o “m om ento
separatório”, é o lugar da produção relativam ente arbitrária das
finalidades no interior da práxis coletiva. O conceito de sistem a
propõe, por conseguinte, a exterioridade na consideração das fi­
nalidades, o que é avesso à essência do existir e do fazer-se do
hom em na história.

Entre a crítica e a manipulação

U m a das poucas tentativas de discutir o jornalism o, num a


perspectiva crítica e anticapitalista, a partir dos conceitos oriun­
dos da cibernética, é o livro de Cam ilo Taufic, Periodism o y Incha
de clases . M N as abordagens conservadoras, os conceitos da ciber­
nética coincidem perfeitam ente com os objetivos políticos e ide­
ológicos que lhe são subjacentes. N a tentativa de Taufic, porém ,
a saída encontrada foi um ecletism o m al costurado som ado a
obviedades políticas e ideológicas.
Segundo Taufic “se inform a p a ra orientar en determ inado senti­
do a las distintas clases y capas de la sociedad, j con e l p rop ósito de que
esa orientación llegue a expresarse en acciones determ inadas”.1S (Grifo

14 TAUFIC, Camilo. Periodismo y lucha de clases/\m inform aáón como form a d ei p o d er político.
Buenos Aires, Ediciones de La Flor, 1974.
15 Idem , p. 11.

83
m eu). A qui ele já atribui à inform ação um significado m eram en­
te “sistêm ico”, apartado da práxis de autoconstruçâo hum ana, a
qual envolve a apropriação prática do m undo e o conhecim ento
com o sua apropriação teórica. A inform ação que circula na so­
ciedade, para o referido autor, é apenas instrum ento de orienta­
ção e controle. A im possibilidade de realizar um a crítica eficaz
e profunda a p artir de tais pressupostos coloca, de im ediato,
Taufic diante da necessidade de se socorrer de outros princípios
absolutam ente alheios aos da cibernética: “ /m comunicación dejó de
ser com unión desde e l m om ento en que se inició la exploración d ei trabajo
a jem P . E prossegue, m ais adiante: “ Esfe desequilíbrio transform o la
cofnunicación en inform ación, en e l sentido aristotêlico d ei término, esto es,
en Hmposición de f o r m a s 16
E ssa distinção parte de um pressuposto m etafísico. E for­
çoso reconhecer que qualquer trânsito de inform ação entre os
hom ens im plica com unicação, pois os indivíduos são duplam en­
te produtores de inform ação. Prim eiro, analiticam ente, em sua
relação elem entar e em pírica com o exterior. D epois, a partir das
suas relações m ediadas pelo universo de significados, ou seja,
pelas inform ações já elaboradas e codificadas, sendo incluídos
aqui a linguagem , os conhecim entos acum ulados e a totalidade
dos significados configurados pela cultura. É evidente que esses
dois níveis só podem ser distinguidos sob o ângulo analítico,
através da abstração, pois existem interpenetrados e dialetica-
m ente relacionados.
/
E o próprio Taufic quem declara seu ecletism o teórico:

“A lconsiderar la dirección de losprocesos sociales —y sus relaciones con


la información —se pone de manifesto la necesidad de combinar el en­
foque cibernético abstrato con elanálisis dei contenido de losfenômenos,
puesto que la dirección social tiene caracter político y está relacionada
con todos los aspectos de la vida econôm icay cultural La cibernética
16. Idem, p. 18.

84
no puede abarcar toda la complejidad de esos procesos; sólo permite
evidenciar algunos rasgos generaks de la dirección de la vida social, y el
papel qne le corresponde en ellos elperiodismo ”.17

O m ais grave é que o autor, m esm o reconhecendo “que la


dirección socia l tiene carácter p olítico y está relacionada con todos los aspec-
los de la vida econôm ica y cu ltu ra r\ acredita que a cibernética pode
evidenciar o papel do jornalism o nesse processo. A partir daí,
o fenôm eno jornalístico passa a ser definido pelas suas tarefas
ou, se quiserm os, pelas fu n ções que ele cum pre na reprodução e
m anutenção do sistem a. Q uer dizer, o jornalism o é definido por
aquilo que as classes dom inantes fazem dele.

“Su objetivo es el conocimiento dei (estado dei sistema dirigido ', para lo
qual recolecta y distribuye noticias en todos los âmbitos de la sociedad;
luego, permite a la clase dirigente ‘e legir la marcha deseable para el
proceso en relación con el estado dei sistema \y, seguida, hace posible las
correcciones, detectando en la base social y en los organismos estatales
todo sintoma que indique que (e lproceso marcha indebidamente,r. E l
periodismo es, pues, una form a de dirección política, y su carácter de
clase está determinado p o r el de la organiyación social”18

Com essa definição, ficam os, literalm ente, num a situação


sem saída. O jornalism o torna-se, exclusivam ente, um a form a de
direção política e perde com pletam ente sua especificidade como
m odalidade de conhecim ento social. Trata-se de um a redução
que se origina de pressupostos equivocados. Vejam os o que diz
Ilya B. N ovik, citado por Taufic:
iCEa categoria fundam ental de la cibernética, que estabelece la unidad
de los procesos de dirección y comunicaáón, tiene su fundamento en el
concepto de información como reflexo. Ea dirección es un proceso que
ordena objetos materiales: la información está relacionada con el orde-
namiento dei reflejo, que expresa las leyes que rigen el movimiento de

17 Idem , p. 20.
18 Idem, p. 21.

85
la matéria; p o r conseguinte, es natural que dei nexo entre substancia
material y reflejo surja la unidad de los procesos de dirección e infor-
• * v 19
macion .

A m edida que o “sistem a social” é um a totalidade em pro ­


cesso de totalização, ou seja, em processo de autoconstrução,
a própria ideia de um a unidade entre substância m aterial e reflexo
é problem ática . Trata-se de um a conseqüência da tese equivoca­
da de Lênin sobre o conhecim ento apenas com o “reflexo” da
objetividade. Se o conhecim ento fosse reflexo do ordenam ento
m aterial da realidade, a inform ação seria, efetivam ente, apenas
o “ ordenam iento d ei reflejd\ A conseqüência, na sociedade hum a­
na, seria um a perfeita unidade entre os processos de direção e
a inform ação. E ntretanto, não é isso o que ocorre. Essa unida­
de, aliás, só pode ser concebida abstratam ente pela cibernética,
do ponto de vista da m anipulação dos sistem as, pois exige duas
condições que, a rigor, são concebíveis apenas abstratam ente: a
fixidez qualitativa do sistem a e, além disso, a subsunção absoluta
das partes no todo. Com relação à sociedade, entretanto, essas
condições não são sequer concebíveis, à m edida que significam
a negação da existência histórica da hum anidade. N ão só a co­
m unicação social é em pobrecida, com o o jornalism o é integral­
m ente desqualificado e condenado, inexoravelm ente, à função
m anipulatória.
A ssim , a conclusão política do autor torna-se, na m elhor
das hipóteses, patética. Ele afirm a exatam ente o oposto daquilo
que perm item as prem issas teóricas que desenvolveu:
“Mientras el periodismo burguês, quiere establecer ‘e l control sociaPy
la 1regulación social’ a través de la informaáón, utilizando qualquier
medio para lograrlo, la prensa soáalista —en cambio está concebida
como (un medio de educaáon y cohesión de las clases realmente avan^a-

19 ídem, p. 24-25.

86
das\ pttes ‘cuando las masas Io conocen todo, pueden ju lg a r de todo y
se resueven conáentemente a todo ’ (Lenin), sin que nadie pueda mani­
puladas como a una máquina sin voluntad ni conciencid' r y]

O ra, se o jornalism o é apenas um a form a de direção políti­


ca, não é necessário que as m assas conheçam tudo e, então, de­
cidam conscientem ente sobre todas as questões. É preciso, tão
som ente, que elas saibam aquilo que necessitam para sua ação
im ediata. A verdade, em últim a análise, estará subordinada ao
critério da eficácia e da oportunidade, segundo o julgam ento dos
dirigentes ou do Estado.
N outros term os, o problem a da verdade recebe um a so­
lução essencialm ente pragm ática, enquanto as questões éticas
perdem sua relativa autonom ia para se tornarem caudatárias de
necessidades políticas e ideológicas im ediatistas. O s fins, defi­
nidos abstratam ente num horizonte puram ente ideológico, pas­
sam a justificar quaisquer m eios que sejam úteis ao “dirigism o”
político-ideológico da sociedade. Sem dúvida, Stálin teria endos­
sado plenam ente o uso dos conceitos cibernéticos para análise
do jornalism o e da com unicação social.21
E fácil perceber que, a partir de tais prem issas, a discussão
sobre o conteúdo das inform ações deixa de ter im portância: a
circulação das inform ações jornalísticas, num E stado socialista,
deverá ser condicionada estritam ente às finalidades políticas de
direção e aos possíveis efeitos que possam acarretar. D e acor­
do com esse enfoque, esconder a verdade, distorcer os fatos,
divulgar falsidades e calúnias — desde que isso corresponda às
necessidades de direção do “sistem a social” no suposto interesse

20 Idem, p. 28.
21 O “naturalism o” stalinista propõe que o marxismo deve descobrir as “leis objetivas do
desenvolvimento social” e apresentar soluções “científicas” para a transform ação e a
gestão da sociedade. N a linha desse raciocínio, caberia aos dirigentes do partido ou do
Estado - que dominam a “ciência m arxista” —decidir soberanamente o que as massas
devem ou nào saber para que a história avance. Ver: STALIN, J. M aterialism o dialético e
materialismo histórico. 2. ed. São Paulo, Global, 1979. (Col. Bases; 10).

87
das classes revolucionárias — podem tornar-se alternativas tão
aceitáveis quanto quaisquer outras.
É claro que a negação dessa abordagem cibernética da in ­
form ação, não pode levar a um a visão idealista da “com unica­
ção pela com unicação”, do “jornalism o objetivo, im parcial ou
neutro”, da produção e circulação das inform ações na sociedade
com o um processo acim a dos interesses e da luta de classes. A
ideologia é sem pre, em cada sociedade determ inada, um conte­
údo que atravessa todas as criações da cultura: concepções cien­
tíficas, filosóficas, estéticas, jurídicas, religiosas, políticas, éticas,
além de m anifestar-se no senso com um , nas obras de arte, nas
leis, na m oral, no jornalism o, etc. Esse conteúdo ideológico é
contraditório e representa, em suas polarizações extrem as, os
interesses das classes antagônicas. O que se quer dizer, é que
com unicação, o jornalism o ou as inform ações não podem ser
julgadas a partir de pressupostos que elim inem o problem a da
verdade, ou seja, apenas em term os de “controle e organização”
do “sistem a social” .
Em síntese, com o já foi apontado, a ideia de autoconstru-
ção não pode ser substituída pela de sistem a., a ideia de p rá x is não
pode ser abandonada pela de inform ação e, m uito m enos, a ideia
do hom em com o sujeito pela ideia do hom em como p a rte de um
sistem a, passível de controle e m anipulação absolutos.
Em alguns aspectos —com o verem os no capítulo seguinte
—a abordagem cibernética coincide com a tradição da “E scola
de F rankfurt”. A com unicação de m assa é definida, exclusiva­
m ente, em term os de m anipulação. O jornalism o, por seu turno,
é entendido com o a form a de com unicação mais dinâm ica e de­
term inante no contexto da com unicação de m assa. A tese da m a­
nipulação recebe, inclusive, um a base m ais precisa, puram ente
m atem ática, o que é, aliás, um em pobrecim ento radical das teses
sociológicas de A dorno e H orkheim er. A lém disso, a discussão
da com unicação e da cultura em term os de análise abstrata do
“em issor-receptor” constitui, tam bém , um a lim itação com um à
“E scola de Frankfurt”.
“L a com unicación de m asas se caracteriza p o r tener una m uy alta
salida y una m uy baja entrada, es decir, que emite m ensajes en una m agni-
tud drásticam ente superior a Ia de los que recibe\ 22 Essa conceituação
ingênua conduz, inevitavelm ente, a um a com paração com a co­
m unicação interpessoal (em que a retroalim entação em geral é
bastante alta), em favor dessa últim a.
O ra, a questão fundam ental, que está no cerne da hegem o­
nia cultural e ideológica das classes dom inantes, não é a retroa­
lim entação em term os cibernéticos, isto é, a questão do retorno
alto ou baixo, m as da qualidade da inform ação produzida pelos
meios de com unicação de m assa e, ao m esm o tem po, a qualidade
da relação do “em issor” com o “receptor”, ou seja, dos m eios
com as m assas, através de seus órgãos de poder político e de
suas fontes de criação cultural. Os m eios de com unicação m o­
dernos, a TV, o rádio, o cinem a, a im prensa em geral, os jornais,
etc. são form as centralizadas de em issão de inform ações e pro­
dução cultural. Sem pre terão um a “saída” incom paravelm ente
maior do que a “entrada”. Caso contrário, eles perderiam exata­
mente a vantagem que possuem em relação aos m eios artesanais
de com unicação. N ão é isso que os torna antidem ocráticos ou
instrum entos de controle e m anipulação a serviço das classes
dom inantes. O dom ínio da linguagem , o controle da escrita, o
m onopólio da técnica de oratória e outras tantas prerrogativas
das classes dom inantes sem pre foram , igualm ente, instrum entos
de persuasão, controle e opressão.
A questão essencial é o dom ínio político dos m eios de co­
m unicação pelas organizações das m assas revolucionárias, como
condição para que a qualidade das inform ações produzidas pelos

V. TAUFIC, Camilo. Op. à t , p. 53.

89
centros em issores, em term os políticos, ideológicos e culturais
sejam coincidentes com determ inadas m etas históricas definidas
coletivam ente. N ão se trata, neste caso, de objetivos específicos,
táticos ou m esm o estratégicos — que podem constituir aspec­
tos do problem a —, m as de objetivos históricos, definidos em
term os de possibilidades concretas e valores revolucionários e
hum anistas.
Tais metas, colocadas nos term os da práxis, aparecem
com o finalidades que se constituem internam ente ao processo
histórico, pela atividade p olítica , das classes revolucionárias e dos
indivíduos que assum em suas lutas e perspectivas.
Enfim , os m eios de com unicação de m assa podem produ­
zir, em term os quantitativos e qualitativos, um universo cultural
e inform ativo superior àquele elaborado de m odo natural, es­
pontâneo e artesanal. N ão obstante, esse processo precisa ser
qualificado conscientem ente, com o ação das instâncias políticas
e técnicas, sob hegem onia da ideologia revolucionária e articu­
ladas dialeticam ente com os interesses e consciência das m as­
sas. Através dos m odernos m eios de com unicação radicaliza-se
a possibilidade das transform ações na consciência e na cultura.
Portanto, aum enta a possibilidade do sujeito coletivo agir dire­
tam ente sobre si m esm o, a partir de suas diferenças internas,
contradições e potencialidades daí decorrentes.
Em últim a análise, as possibilidades de m anipulação, pro­
porcionadas pelos m eios de com unicação de m assa, são tão sig­
nificativas quanto as potencialidades de desalienação e de au-
toconstrução consciente se tais m eios forem pensados num a
perspectiva revolucionária e efetivam ente socialista.

90
C apítulo V

A tradição de Frankfurt
e a extinção do jornalismo

V im os, no capítulo anterior, que a partir das prem issas te­


óricas da cibernética — seja através da aplicação da Teoria da
in fo rm ação na com unicação social e no jornalism o ou das pre­
tensões universalizantes da “Teoria G eral dos Sistem as” —não é
possível discutir fecundam ente a natureza, as funções e, sobretu­
do, as perspectivas históricas do fenôm eno jornalístico. Por esse
cam inho, pode-se chegar, na m elhor das hipóteses, a um a crítica
da m anipulação “de direita” sob o ponto de vista de um a justifi­
cada m anipulação “de esquerda”, pois a inform ação jornalística
é vista sob o prism a teórico de um a generalidade operatória, ex­
clusivam ente com o influxo da organização e direcionam ento do
“sistem a social” .
D essa form a, ao buscar um desdobram ento m arxista dos
conceitos oriundos da cibernética, a fim de denunciar a hege­
monia burguesa sobre a com unicação e o jornalism o, o m áxim o
que Cam ilo Taufic consegue é um a crítica ingênua deduzida de
pressupostos que, em sua essência, são m ais adequados ao pen ­
sam ento e às necessidades da burguesia m onopolista do que ao
pensam ento revolucionário. A lém do mais, sobre a especificida­
de do jornalism o nada ficam os sabendo, exceto aquilo que é pa­
trim ônio universal: o jornalism o surgiu com o desenvolvim ento

91
das relações capitalistas, no bojo da cultura de m assa, e expressa,
hegem onicam ente, um a ideologia que visa ao controle e à eterna
reprodução da sociedade burguesa.
Vejamos, agora, com o a “E scola de F rankfurt”, que
produziu um a sólida tradição acadêm ica, trata o problem a do

jornalism o. E preciso ressalvar, no entanto, que não se preten­
de, aqui, um balanço exaustivo dos m últiplos pensam entos que
constituem essa tradição (Adorno, H orkheim er, M arcuse, Ben-
jam in, H aberm as e outros), nem das im portantes contribuições
que nos legaram . N osso objetivo é discutir especialm ente alguns
aspectos do pensam ento de Adorno, H orkheim er e H aberm as,
sobretudo naqueles pontos que dizem respeito ao fenôm eno jor­
nalístico e, a partir daí, analisar algum as abordagens contem po­
râneas que estão situadas nessa tradição.1

A “indústria c u l t u r a l u m a orquestra afinada

A dorno foi um dos prim eiros a abordar teoricam ente os


m eios de com unicação de m assa na perspectiva de suas relações
com a econom ia de m ercado, através do conceito de “indús­
tria cultural”.2 Ele busca desvendar o que considera um a relação
essencialm ente corrosiva da produção m ercantil com a arte e
a cultura no capitalism o m oderno, pois considera esse m undo
em ergente com o um a totalidade cindida. “O todo é o não ver­
d adeiro ”, escreve, contrapondo-se frontalm ente a H egel.3 O “to­
talitarism o” avança no oriente o no ocidente, segundo Adorno,
que se coloca num a posição de denúncia tanto do capitalism o

1 Para uma análise da form ação e das ideias principais da E scola de Erankfurt, ver: SLA-
TER, Phil. Origem e significado da Hscola de I rankfurt. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.
2 BARBERO, Jesus Martin. Comunicación masiva: discurso ypoder. Quito, Kpoca, 1978, p. 62.
3 AXELO S, Costa. Adorno e a Hscola de Frankfurt. Jtr. ADORNO, Theodor. Ht a l H u­
manismo e comunicação de massa. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1970. (Col. Com unica­
ção; 2) p. 41.

92
quanto do stalinism o. Portanto, para que o pensam ento não con­
sagre esse m ovim ento totalitário no terreno político, é preciso
uma ideia de Totalidade aberta e m ultidim ensional, a “Totalidade
da não-T otalidade” .4
/
E em torno dessa questão que se define o relacionam ento
de A dorno com a concepção hegeliana.

“Talvez a única maneira de ser fiel ao espírito hegeliano


de sistematizaçào num universo fragmentado é ser resolu­
tamente não sistemático. Neste sentido, o pensamento de
Adorno é profundamente hegeliano, elaborando seus mo­
tivos num espírito genuinamente hegelino, enfrentando daí
seu principal problema formal: como escrever capítulos
duma fenomenologia quando não há mais qualquer possi­
bilidade de um todo?”/

D e um certo m odo, A dorno é um hegeliano desiludido,


ou m elhor, um hegeliano que pretende racionalizar a desilusão
diante da razão desum ana que governa o mundo. A lguém que
vê o m undo com o um agregado de fenôm enos perdendo-se de
sua unidade lógica originária, isto é, com o fragm entação que se
reconhece com o tal, porque lem bra da totalidade que poderia ter
sido e que deve ser buscada com o um a síntese final, em bora
jam ais seja efetivam ente realizável. A radicalidade da não siste­
m atização que ele propõe, por m eio de sua “dialética negativa”,
significa o elogio de um Todo reconhecido com o inexistente,
mas reverenciado sentim entalm ente e posto com o prem issa de
toda a crítica. “A ssim , a dialética negativa não tem outra escolha
senão afirm ar a noção e o valor de um a síntese final, ao m esm o
tem po negando sua possibilidade em qualquer caso concreto co­
locado diante dela.”6
4 Idem.
5 JAM ESO N , Fredic. M arxismo e form a: teorias dialéticas da literatura no século XX. São
Paulo, Hucitec, 1985, p. 45.
6 Idem, p. 49.

93
A unidade do E spírito com o m undo, do sujeito com o
objeto, pensada por H egel com o tendência inexorável do real
à totalização, perceptível ao nível dos fenôm enos do m undo, é
assum ida por A dorno com o necessária e im possível. Q uer dizer,
com o horizonte abstrato e nostálgico da crítica e superação per­
m anentes. O apregoado “saudosism o” e “elitism o” de A dorno
em não perceber as potencialidades dem ocráticas e a realidade
contraditória, geradas pelos m eios de com unicação de m assa do
capitalism o m oderno, encontra suas prem issas filosóficas nessa
ideia de um a Totalidade que jam ais existiu e, não obstante, assu­
m ida com o um a perda.
A ideia de cultura com o manipulação e do jornalism o com o
fenôm eno redutível a sua form a m ercantil, dotado de conteúdo
essencialm ente alienado e alienador, é um a das conseqüências
teóricas dessa suposta unidade em processo de fragm entação ra­
dical e irresistível.
Por isso, a crítica de Jam eson às concepções de A dorno é
tím ida e insuficiente e acaba desviando o problem a de fundo. As
posições políticas dom esticadas que se originaram da Teoria crítica
da sociedade —que é o rótulo assum ido por H orkheim er e seus co­
laboradores desde 1937 - , em que pesem suas contribuições na
luta contra a dogm atização stalinista, não podem ser creditadas
a certos traços de caráter ou aos temas que m obilizavam as aten­
ções dos autores. A dorno, H orkheim er e a m aioria dos teóricos
da E scola de F rankfurt jam ais assum iram qualquer com prom is­
so consistente —m esm o teórico —com a práxis revolucionária
concreta. A ssim , a perspectiva circunstancial em que Jam eson
coloca as lim itações políticas de A dorno é inaceitável.

“Sem dúvida, a ênfase no método e na teoria, mais do que


na prática da dialética negativa, corre o risco de dar uma
importância exagerada e distorcida ao momento de fracasso
que está presente em todo o pensamento moderno: e é esta

94
ênfase exagerada, mais do que qualquer outra coisa, que pa­
rece explicar, para mim, a ausência de compromisso político
que os estudantes radicais reprovaram em Adorno ao fim
de sua vida”.7

Um pensam ento não pode ser m edido pela “ênfase” que


atribui ao aspecto prático ou teórico das ideias que produz. Uma
concepção só pode ser julgada com o tal, isto é, pela verdade teó-
/
rica que apresenta ou não. E a sua relação com a práxis, enquanto
pensam ento capaz de apanhar e direcionar a realidade, o que vai
determ inar a sua grandeza. A teoria, em resum o, deve ser julga­
da enquanto teoria. N este exato sentido —não por um a questão
de ênfase —é que se m anifestam as lim itações de A dorno. Sem
esquecer a im portância de seus estudos sobre arte, sublinhada
pela m aioria dos especialistas, é preciso apontar que a “dialé-
dca negativa” apresenta dois problem as teóricos. Em prim eiro
lugar, por ser um a “ontologia negativa”, na qual o ser aparece
com o um m om ento do não sery ao invés de realizar-se o oposto.
Em segundo lugar, porque essa postura negativa contém algo de
apocalíptico, à m edida que percebe apenas o aspecto divergente
entre o m ovim ento da razão, de um lado, e da realidade objetiva
de outro. N ão reconhece a constituição progressiva, no curso
da própria objetivação, de um a possibilidade superior da razão.
A crítica, por m ais am pla e profunda que seja, se não con­
tém o m om ento concretam ente afirm ativo, torna-se diletante e
não revolucionária. O negativo só destrói efetivam ente quando
ele próprio se afirm a com o positividade. Por isso, um a dialética
puram ente negativa, por não privilegiar ontologicam ente o m o­
m ento afirm ativo, não consegue ser um a negação concreta:, torna-se
um a atitude intelectual de recusa abstrata, assum ida po r um ob­
servador individual e privilegiado. Eis o lim ite teórico e político
da “dialética negativa” de A dorno.

7 Idem, p. 51.

95
O “pessimismo” que emana das ideias de Adorno (e
Horkheimer) não pode ser atribuído apenas a uma expectati­
va pessoal diante do curso da história. A posição de Adorno/
Horkheimer sobre a cultura e a arte no capitalismo avançado
envolve um “pessimismo” crítico e humanista, cujos pressupos­
tos estão contidos naquela ideia de uma Totalidade cindida, que
deve ser pensada sob a forma de uma totaüzação aberta e essen­
cialmente negativa. Uma de suas conseqüências aparece no con­
ceito de “indústria cultural”, sugerido por eles para caracterizar
a cultura do capitalismo moderno. Esse conceito pretende evitar
a falsa impressão de que se trata de uma cultura democrática,
feita pelas próprias massas, como poderia induzir a expressão
“cultura de massa”.
Vejamos alguns traços dessa caracterização da “indústria cul­
tural”, feita por Adorno e Horkheimer. Trata-se de uma forma de
cultura que deixou de ser “também mercadoria”, para tornar-se
essencialmente mercadoria. Ocorre, agora, uma tal determinação
das relações mercantis sobre o processo cultural e artístico que,
não apenas a circulação sobre influência das leis do mercado, mas
a produção e distribuição cultural ficam submetidas aos ditames
do capital. A “arte superior” é degradada e a “arte inferior” é es­
terilizada em seu potencial crítico. O consumidor não é o “rei”,
o sujeito, mas o objeto, o escravo dessa indústria. O primado do
lucro que está na gênese dessa cultura penetra em seus poros e
corrompe sua autonomia. Essa cultura é industrial, entendido esse
conceito mais no sentido das formas alienadas de organização do
trabalho nos escritórios, ao invés, simplesmente, da racionalização
no sentido tecnológico. A técnica envolvida não é interna à consti­
tuição da obra de arte, não está a seu serviço, mas é externa: serve
para apresentar um simulacro como se fosse obra de arte.
Os meios de comunicação de massa reforçam a ordem es­
tabelecida e o status quo. Seu efeito de conjunto é uma espécie

96
de anti-iluminismo. Toda a produção e reprodução da cultura é
realizada em função dos meios eletrônicos de comunicação (TV,
rádio, cinema, etc.), que passam a orquestrar todo o processo em
virtude de sua abrangência e dinamismo. Existe uma tendência
crescente à padronização e homogeinização das manifestações
culturais e artísticas, sendo superada a espontaneidade da criação
e da relação entre o artista e o público. Os temas e estilos fol­
clóricos ou populares são assimilados no contexto da ideologia
dominante. Os temas clássicos das grandes obras são reproduzi­
dos como um padrão, às custas de um radical empobrecimento
estético e humano, através do kitsch. Ao invés de expressar a
complexidade que é própria da vida e da grande arte, ela é redu­
zida a um elementar maniqueísmo ético, ideológico e político.8
Os aspectos sociais, técnicos e artísticos não podem ser tra­
tados isoladamente na questão da “indústria cultural”, pois eles
constituem uma unidade que implica uma mútua determinação
sob a égide das leis do mercado. A TV, por exemplo, em função
de suas qualidades técnicas, permite aproximar-se da meta que
é ter de novo a totalidade do mundo sensível através de uma
imagem ao alcance da mão, o sonho sem estar dormindo, sem
estar sonhando. Mas permite introduzir furtivamente, na dupli­
cata, aquilo que se pretende seja tomado como real. A força da
TV radica nessa totalidade do mundo sensível que ela amplia ao
infinito. Mas é somente no conjunto de todos os procedimentos
nitidamente afinados e, contudo, divergentes quanto à técnica e
ao efeito, que se forma o clima da “indústria cultural”.
A TV, certamente, não faz das pessoas aquilo que quer, mas
acentua e aprofunda aquilo que as pessoas já são. As imagens da
TV oferecem o brilho que falta ao cotidiano cinzento da alie­

s ADORNO, Theodor W A indústria cultural. In: COHN, Gabriel. Comunicação e indústria


cultural. São Paulo, Companhia Editora Nacional/ Editora da Universidade de São Paulo,
1971.

97
nação, sem exigir esforço da atenção ou do pensam ento, com o
um a propriedade que é usufruída de m odo desatento, na form a
de aparências que se projetam . A “linguagem das im agens”, que
dispensa a m ediação conceituai, é m ais prim itiva que a das pala­
vras. Por isso, ela favorece —tendo em vista a m aneira com o se
insere a T V no capitalism o —o irracionalism o e a ilusão sobre o
m undo. A voz que fala através dela é o discurso da im ediaticida-
de, do m undo presente com o algo natural e eterno, com o um a
espécie de voz do “espírito objetivo” . Sobre o futuro, A dorno
é reticente: “N ão é possível prever o que virá a ser a televisão;
aquilo que ela é hoje não depende do invento, nem m esm o das
form as pardculares da sua utilização com ercial, mas sim do todo
no qual está inserida” .9
ILssa últim a afirm ação contesta algum as análises apressadas,
que acusam A dorno de considerar a tecnologia avançada dos
m eios de com unicação com o um m al em si m esm o, indepen­
dente das relações sociais onde está inserida. Ao contrário, ele
acredita que o potencial das novas tecnologias da com unicação é
integralm ente apropriado pelos interesses burgueses, na m edida
em que se torna um aspecto do todo que constituem as relações
m ercantis do capitalism o avançado. Trata-se, consequentem ente,
de um a espécie de “relativism o sociológico”, que dissolve com ­
pletam ente a ontologia do ser social em determ inadas relações
históricas de dom inação.
A dorno parece não acreditar no im pacto do desenvolvi­
m ento tecnológico e científico, ou seja, das forças produtivas
sobre as relações de produção, por m eio das potencialidades so­
ciais que são liberadas e das contradições resultantes. A técnica
não é entendida com o algo desum ano, m as com o um fenôm eno
“neutro”, que recebe integralm ente o seu significado (negativo)

9 ADORNO, Theodor W. Televisão, consciência e indústria cultural. Im COHN, Gabriel,


Op. cit, p. 354.

98
cias relações sociais. Ora, se é verdade que a tecnologia não pode
ser considerada abstratam ente com o algo “bom ” ou “ru im ”, em
term os absolutos, tam pouco pode ser entendida com o “neutra”,
se esse conceito pretender indicar passividade e relativism o total.
C om o verem os mais adiante, as análises de B enjam in e,
mais recentem ente, de E nzensberger, apontam noutra direção:
para o reconhecim ento das im ensas potencialidades artísticas e
políticas decorrentes da reprodudbilidade técnica, em que pese
a função que desem penha na hegem onia cultural e ideológica.
M as A dorno e H orkheim er veem um a orquestra afinada
dem ais, para que possa liberar potencialidades efetivas e apro­
fundar contradições polídcas e ideológicas. A tese de que o capi­
talism o gerou um caos cultural é falsa, afirm am . Film es, rádios,
jornais, paisagem urbana, “celebram o ritm o do aço” , a raciona­
lidade dos cartéis, expressando o poder do capital.
Para os capitalistas, a estandardzação seria produto inevi­
tável da própria técnica necessária ao atendim ento do consum o.
M as A dorno e H orkheim er advertem : “A racionalidade técnica
hoje é a racionalidade do próprio dom ínio, é o caráter repressivo
da sociedade que se autoaliena” .10 Por outro lado, a constitui­
ção do público, que teoricam ente e de fato favorece o sistem a
da indústria cultural, sempre usado com o justificativa, faz par­
te do sistem a e não o desculpa. Q uer dizer, a indústria cultural
produz tam bém o seu público, através do em botam ento cultural
e da esterilização político-ideológica das m assas. E depois, usa
esse m esm o público como critério m ercadológico para definir
e justificar a qualidade e o gênero das suas produções. Porém , o
consórcio que delim ita a indústria cultural é m ais am plo do que a
relação de vassalagem do público pelo produtor im ediato.

10 HORKHEIM ER, M arx & ADORNO, T heodor W A indústria cultural/O Iluminism o


como mistificação de massas. In: LIM A, Luiz Costa (org.). Teoria da cultura de massa. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1982, p. 160.

99
“A dependência da mais potente sociedade radiofônica à in­
dústria elétrica, ou a do cinema aos bancos define a esfera
toda, cujos setores singulares, sao ainda, por sua vez, cointe-
ressados e interdependentes”.11

aIndústria c u l t u r a l u m balanço das críticas

A propósito dessa caracterização da “indústria cultural”, al­


guns problem as apontados pelos críticos m erecem ser referidos:
1) As potencialidades sociais da tecnologia são apenas va­
gam ente adm itidas, mas não consideradas efetivam ente
na análise. A universalização real da cultura, a am pliação
gigantesca do acesso à arte e às inform ações, as possibi­
lidades de um a dem ocratização radical do processo cul­
tural e as novas alternativas estéticas que nascem dessa
base técnica, tudo isso não é levado na devida conta na
teorização de A dorno e H orkheim er.
2) Certos aspectos técnicos, considerados negativos, são
absolutizados em função do papel alienador que cum ­
prem hoje.
3) O controle e a m anipulação a que a “indústria cultural”
subm ete as m assas são considerados quase onipotentes.
Não são percebidas brechas significativas no processo
cultural hegem onizado pela burguesia, ou seja, a m ani­
festação reproduzida e am pliada de certas contradições
políticas e ideológicas.
4) A cultura tradicional é entendida com o “cultura supe­
rior” e tom ada com o padrão. Sendo contraposta, então,
à “cultura in ferio r”, esta produzida através do sistem a in ­
dustrial. A grand e arte burguesa (em term os de literatura,
11 Idem , p. 161 -162.

100
teatro, m úsica e pintura) é assum ida com o único paradig­
m a da “arte elevada” . N ão ficam sequer indicados, por­
tanto, cam inhos viáveis para o enfrentam ento de classes
no plano cultural e artístico, exceto a crítica ideológica à
“indústria cultural” e à alienação que ela produz.
5) Finalm ente, a expressão “indústria cultural” cunhada
para evitar um a confusão, pode gerar outra: ela insinua
que é a base industrial, por si m esm a, independente das
relações sociais de produção, que atribui à cultura um
caráter m anipulatório e degradante.

U m a das críticas mais frontais ao conceito de “indústria


cultural” (ou “cultura de m assa”) foi feita por Alan Sw ingew ood:

“Fscrevendo numa época (os anos trinta) em que parecia


iminente o colapso final da democracia capitalista liberal,
não como Marx havia previsto, mas com base nas forças
combinadas da política totalitarista (o fascismo) e da eco­
nomia totalitarista (o crescimento de monopólios e cartéis
gigantescos e a fusão do capital bancário e industrial), os
teóricos de Frankfurt convenceram-se de que a evolução
do capitalismo precisava da destruição daquelas instituições
sociais - econômicas, políticas e legais —que, agindo como
mediadores entre o Fstado e a 'sociedade civil', tinham con­
tinuado independentes, dando alguma proteção, se bem que
parcial, contra a dominação política arbitrária”.12

Sw ingew ood argum enta que essa tendência não se veri­


ficou e que, além do mais, existe nas form ulações de Adorno,
H orkheim er e M arcuse um a concepção elitista da cultura e um
profundo desprezo pelas m assas. E acrescenta que, na opinião
dos teóricos de Frankfurt, a cultura de m assa “estabelece a base

12 SW INGEW OOD, Alan. O mito da cultura de massa. Rio de Janeiro, Interciência, 1978, p.
14-15.

101
do totalitarism o m oderno, a rem oção de toda a oposição gen uí­
na às tendências reificadoras do capitalism o m oderno”.13
Para Sw ingew ood, não existe um a “indústria cultural” ou
um a “cultura de m assa”, no sentido de um a m anipulação or­
questrada racionalm ente de cim a para baixo, m as um a hegem o­
nia burguesa na cultura e um a “ideologia da cultura de m assa”
—da qual a própria ideia da m anipulação absoluta, sugerida pela
E scola de Frankfurt, é um aspecto. G randes potencialidades cul­
turais e dem ocráücas foram produzidas pelo capitalism o m oder­
no e, especialm ente, pelos m eios de com unicação de massa. M as
o capitalism o não pode cum prir a sua prom essa cultural em bora
forneça as condições objetivas para que seja im plem entada.
“O ideal de uma cultura democrática universal baseada na
pardcipaçao ativa de todos os estratos sociais é incompatível
com o capitalismo, uma vez que, como uma forma de do­
minação, ele se assenta na crença no governo de elites cuja
sabedoria superior subjuga as ‘massas passivas’. O mito da
massa é um alicerce tão necessário para a legitimação do ca­
pitalismo moderno quanto o mito de uma cultura de massa
universal, igualitária e socialmente integradora.”14

A cultura, diz Sw ingew ood, deve ser entendida sem pre


com o um a práxis coletiva que envolve o conjunto de atividades
pelas quais o hom em hum aniza o m undo natural e social. A cul­
tura adm ite, por isso, um a hegem onia de classe, mas nunca pode
ser subjugada a ponto de tornar-se apenas um instrum ento nas
m ãos de um a m inoria. Isso seria a abolição da própria cultura,
portanto, a abolição da história e do hom em .
A lim itação da crítica de Sw ingew ood é que ela parece cair
no extrem o oposto da E scola de Frankfurt. A o invés da m ani­
pulação total, a dem ocratização e desenvolvim ento da cultura

13 Idem, p. 18.
14 Idem, p. 96.

102
genuína parecem ser a tendência natural do capitalism o, em bora
faça a ressalva que essa tendência não pode se realizar in tegral­
m ente na sociedade burguesa.
Sobre a crítica de Sw ingew ood, m uitas das indagações le­
vantadas por Albino Rubim são pertinentes.15 Hoje, se repõe no
plano da com unicação e da cultura a contradição entre as forças
produtivas liberadas pelo capitalism o e as relações de produção.
N ão se trata mais, no capitalism o avançado, de um a contradição
com o aquela que tipificou a transição do feudalism o ao modo
de produção burguês: as forças produtivas criando, diretam ente,
os elem entos explosivos da ordem feudal pelo sim ples desenvol­
vim ento da indústria, da tecnologia e da ciência. Mas, nem por
isso, deixa de ser um a contradição concreta. As forças produtivas,
hoje, por si m esm as, não conscientizam a classe que, fundam en­
talm ente, antagoniza o capital (o proletariado industrial) nem au­
m entam seu poderio m aterial. N ão obstante, as potencialidades
e possibilidades efetivas geradas pela indústria, pela tecnologia e
a ciência am pliam e aprofundam as contradições ideológicas e
políticas do m odo de produção capitalista.
A prom essa de consumo, conforto e felicidade, cuja distân­
cia da realidade das massas é cada vez m aior (mesmo nos países
de capitalism o avançado), gera expectativas crescentes que podem
ser m obilizadas em term os revolucionários. O capitalism o atual,
no alto de sua fase im perialista e m onopolista, precisa prom eter o
“paraíso”, em bora não possa cumpri-lo. Não obstante, em certo
sentido, tenha gerado as condições materiais para realizá-lo.16
Os teóricos de Frankfurt não perceberam as “forças produ­
tivas” dem ocratizantes e hum anizadoras que estavam surgindo

15 RUBIM , Anrónio Albino Canelas. Alan Swingewood: os limites da crítica. I n: Comunicar-


te. Campinas, Pontifícia Universidade de Campinas, ano II, n° 3, Io sem estre de 1984.
16 Sobre as potencialidades dos meios de com unicação de m assa enquanto “ forças pro­
dutivas”, ver: ENZENSBERGER, Hans-M agnus. B lem entos para uma teoria dos meios de
comunicação. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978. (Ver especialmente o capítulo 3).

103
no cam po da com unicação. Por outro lado, devem os reconhe­
cer que Sw ingew ood não atentou devidam ente para a dim ensão
bloqueadora das relações de produção que, pela prim eira vez,
incluem na sua hegem onia ideológica e cultural um forte com ­
ponente racional e m anipulatório. Isso significa que o caráter
restritivo das relações de produção do capitalism o avançado,
com respeito ao processo artístico e cultural, não se define ape­
nas em term os da propriedade ou controle dos m eios m ateriais
e espirituais para realizá-lo —com o sem pre ocorreu —, mas tam ­
bém com o produção cultural, em grande parte, planejada e dire­
cionada especificam ente para os “de baixo” .
Esse planejam ento tem seu dinam ism o im pulsionado pela
necessidade do capital de reproduzir-se e é realizado em função
de critérios basicam ente m ercantis. Mas seria ingenuidade pen ­
sar que, além disso, não entra nesse processo, com o elem ento
consciente, a prescrição ideológica.
D e qualquer m odo, a questão central da crítica levanta­
da por Sw ingew ood parece ser irrespondível pelos adeptos de
Frankfurt: não pode haver um conceito abrangente, que preten­
da dar conta das m anifestações culturais de toda um a época, que
não reconheça a dim ensão contraditória inerente à p rá x is que o
conceito de cultura necessariam ente contem pla.
D e outra parte, tem os que adm itir que a im portância ain­
da hoje atribuída aos teóricos de Frankfurt pelo pensam ento de
esquerda não é casual. O fracasso de um a reflexão densa que
se propõe a um a crítica radical e hum anista, nunca pode ser to­
tal. H á um patrim ônio a ser recuperado pela dialética da crítica
debruçada sobre a crítica. A final, H orkheim er, A dorno, M arcu-
se e outros, não estiveram anos a fio refletindo e escrevendo a
respeito de um a m iragem . H á, de fato, um a série de fenôm enos
peculiares da m oderna cultura burguesa, produzida nos m oldes
industriais em larga escala, que foram denunciados e dissecados

104
pela E scola de Frankfurt. O predom ínio do critério m ercantil
desde a concepção até a produção das obras, o forte traço m ani-
pulatório da ideologia dom inante nessa cultura, sua tendência à
padronização e ao rebaixam ento do nível estético da m aioria de
seus produtos são algum as das características indiscutivelm ente
reais da cultura burguesa atual.
A conclusão que parece se im por é a seguinte: existe um
fenôm eno cultural peculiar ao capitalism o avançado que exige
um a conceituação teórica, seja em term os de “cultura de m as­
sa” ou “indústria cultural”. N o entanto, essa conceituação não
pode pretender abranger a totalidade do fenôm eno cultural, pois
a cultura jam ais se deixa subm eter integralm ente pela categoria
m ercantil. Se isso pudesse ocorrer, a cultura deixaria de ser um a
práxis e, portanto, deixaria de ser cultura.
Assim , prelim inarm ente, um a noção pertinente de “cultura
de m assa” poderia ser pensada em três direções: 1. C om o tendên­
cia intrínseca ao capitalism o avançado, no sentido de dissolver a
produção cultural na lógica m ercantil, de negar a própria essên­
cia da cultura, tendência jam ais realizável integralm ente. 2. Com o
ideologia m aniqueísta e m anipulatória dom inante no conjunto da
produção cultural, cum prindo o papel de reprodução e reforço
do status quo. 3. Corno sendo um dos polos de um a contradição
mais am pla no interior da cultura burguesa contem porânea, que
não é unívoca ou hom ogênea, mas dotada de contradições que
se reproduzem e se am pliam no processo.
A base objetiva das contradições geradas especificam en­
te no plano da cultura pode ser indicada por dois fenôm enos.
Primeiro, pelo potencial cada vez m ais sociali^ante e dem ocrático
desenvolvido pelas novas tecnologias da com unicação. E m se­
gundo lugar, em virtude da própria lógica m ercantil que, em bora
secundariam ente, tende a reproduzir tam bém as obras com po ­
tencial crítico e transform ador. A lém disso, é necessário referir

105
que as contradições estruturais da sociedade tam bém aparecem
e tendem a se reproduzir no terreno cultural.
A lógica econôm ica desse m ovim ento contraditório, que
coloca lim ites ao dom ínio do capital sobre a cultura, foi desen­
volvida num interessante ensaio de A lbino R ubim .17 H á um a
tendência crescente da m ercadoria em subjugar a obra de arte e,
de m odo m ais am plo, do capital avassalar e esterilizar a com uni­
cação e a cultura. Mas o que denuncia as lim itações teóricas da
Escola de Frankfurt é que essa tendência jam ais pode se realizar
integralm ente e, além disso, ela m esm a cria suas “contra-tendên-
cias” e abre brechas para que sejam am pliadas e radicalizadas.
N o âm bito dessa discussão é que aparecem as duas perspec­
tivas de análise do jornalism o. Aceitas globalm ente as prem issas
teóricas da Escola de Frankfurt sobre a “indústria cultural” não
há como propor um futuro m elhor para o jornalism o. Ou ele
permanece na m esquinharia que o caracteriza atualm ente, en­
quanto instrum ento de dom inação, ou será extinto juntam ente
com o capitalismo.
Vejamos isso em sua seqüência lógica: se a cultura capi­
talista é, essencialm ente, um a “cultura de m assa” nos term os
frankfurtianos; se a “cultura de m assa” é um m ecanism o de m a­
nipulação, controle e alienação; se o jornalism o teve sua gênese
como “cultura de m assa” e desta é parte integrante e legítim a,
não há o que resgatar do jornalism o. Para pensá-lo criticam ente é
necessário condená-lo à m orte, propor sua extinção, pelo m enos
naqueles aspectos que hoje o caracterizam , seja em term os da
sua linguagem ou da sua form a de apreensão da realidade. N ão é
possível teorizar na perspectiva de continuidade do fenôm eno jor­
nalístico, exceto no sentido estrito da im prensa com o tecnologia.
Tampouco, pode-se adm itir, obviam ente, a tese de um jornalis­

17 RUBIM, Antônio Albino Canelas. M arx e a com unicação: a subsunção da produção de


bens simbólicos ao capital. In: Comunicação <&Volítica. Rio de Janeiro, Paz e Terra/ Centro
Brasileiro de Estudos Latino-Am ericanos, 1983. n° 2, v. 1.

106
mo revolucionário, crítico e desaüenador, exceto se deixar de ser
jornalism o, e tornar-se outra coisa. Essa avaliação específica do
jornalism o, num a perspectiva essencialm ente negativa, vai adqui­
rir sistem aticidade em H aberm as.

Habermas e o jornalismo: a fa vo r do passado

H aberm as delineia três fases no desenvolvim ento do jor­


nalism o:

“Sendo oriundo do sistema das correspondências privadas


e tendo ainda estado por longo tempo dominada por elas,
a imprensa foi inicialmente organizada em forma de peque­
nas empresas artesanais; nessa primeira fase, os cálculos se
orientam por princípios de uma maximizaçao dos lucros,
modesta, mantida nos tradicionais limites da primeira fase
do capitalismo: o interesse do editor por sua empresa era
puramente comercial55.m

N esse prim eiro m om ento, as inform ações divulgadas pelos


jornais correspondiam , principalm ente, às lim itadas necessida­
des econôm icas e com erciais geradas pelo capitalism o nascente.
N um a segunda fase, a im prensa de inform ação evoluiu para
um a im prensa de opinião ou do cham ado “jornalism o literário” .
Os jornais tornaram -se instrum entos da luta política e partidária,
em penhados na conquista e legitim ação de um a “esfera pública
burguesa” em oposição a velha sociedade feudal.

18 HABKRMAS, Jiirgen. M udança estrutural da esfera pública/investigação quanto a uma categoria


da sociedade burguesa. Rio de |aneiro, Tempo Brasileiro, 1984. (Biblioteca Tempo Brasi­
leiro; 76) p. 213. Neste trabalho, considerado da fase do “jovem” H aberm as, não está
presente o otim ism o que mais tarde vai diferenciá-lo radicalmente de Adorno. Em obras
mais recentes, Haberm as deixa claro que existem focos de crise no processo de legiti­
m ação do “capitalismo tardio”, propondo a estratégia do “reform ism o radical”. Isso
im plicaria “promover reformas em torno de objetivos claros e publicam ente discutidos,
mesm o, e especialm ente quando suas conseqüências são incompatíveis com o m odo de
produção vigente”. Im PREITAG, Bárbara & ROUANET, S.P., (org.). H aberm as: sociolo­
gia. São Paulo, Ática, 1980. (Col. Grandes Cientistas Sociais; 15) p. 23.

107
“Neste momento —diz Habermas, sobre esse segundo perí­
odo —,a intenção de obter lucros econômicos através de tais
empreendimentos caiu geralmente para um segundo plano,
indo contra todas as regras de rentabilidade e sendo, com
frequência, desde o começo, atividades deficitárias”.19

A terceira fase seria com o um retorno ao espírito com ercial


da prim eira, só que agora em novas bases de capital e tecnologia,
não m ais artesanal, mas em presa capitalista típica de um a etapa
histórica mais desenvolvida. Para que isso ocorresse, convergi­
ram um a série de fatores políticos e econôm icos:
“Só com o estabelecimento do Estado burguês de Direito e
com a legalização de uma esfera pública politicamente ativa
é que a imprensa crítica se alivia das pressões sobre a liber­
dade de opinião; agora ela pode abandonar a sua posição
polêmica e assumir as chances de lucro de uma empresa
comercial. Na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos,
uma tal evolução da imprensa politizante para uma impren­
sa comercializada ocorre mais ou menos à mesma época
durante os anos 30 do século XIX”.20

Para H aberm as, essa terceira etapa significa um a espécie


de negação das potencialidades desenvolvidas e realizadas na
segunda fase, ou seja, na etapa de partidarism o político da im ­
prensa, quando ela representava, efetivam ente, a constituição de
um a "opinião pública” das pessoas privadas com o cidadãos. N a
terceira etapa, a im prensa será a expressão púb lica de proprietários
privados.
“A colocação de anúncios - afirma —possibilita uma nova
base de cálculos: com preços bastante mais baixos e um nú­
mero muito maior de compradores, o editor podia contar
com a possibilidade de vender uma parte proporcionalmen­

19 Idem, p. 214.
20 Jdem, p. 216.

108
te crescente do espaço de seu jornal para anúncios. A esta
terceira fase da evolução se aplica a conhecida definição de
Bücher de que o "jornal assume o caráter de um empreen­
dimento que produz espaço para anúncios como uma mer­
cadoria que se torna vendável através da parte reservada à
redação”’.21

E para não deixar dúvida sobre a subsunção do fenôm e­


no jornalístico na atividade com ercial, com o negação daquele
aspecto que considera essencial ao jornalism o (desenvolvido na
segunda fase), ele conclui:

“A história dos grandes jornais na segunda metade do sé­


culo XIX demonstra que a própria imprensa se torna ma­
nipulável à medida que se comercializa. Desde que a venda
da parte redacional está em correlação com a venda da parte
dos anúncios, a imprensa, que até então fora instituição de
pessoas privadas enquanto público, torna-se instituição de
determinados membros do público enquanto pessoas priva­
das - ou seja, pórtico de entrada de privilegiados interesses
privados na esfera pública”.22

Segundo H aberm as, a contradição que se evidencia hoje


ao nível da im prensa é aquela entre um “jornalism o crítico” e
a “publicidade jornalística” , esta exercida com finalidades m e­
ram ente m anipulatórias. O “jornalism o crítico” ao qual ele se
refere espelha-se (ou, pelo m enos, é inspirado) naquela segun­
da fase, no cham ado jornalism o “literário” ou “de opinião”.
A form a m oderna do jornalism o, cujo estilo e natureza foram
cunhados pela estrutura em presarial m ais desenvolvida, aparece
na reflexão de H aberm as indissoluvelm ente ligada ao aspecto
publicitário-com ercial ou ideológico-m anipulatório. O jornalis­
mo propriam ente dito, com as características funcionais e técni­

21 I d m , p. 214-216.
22 Idem, p. 217-218.

109
cas que o tipificam atualm ente, não m ereceria ser preservado e
desenvolvido em seus aspectos inovadores e peculiares.
A sua unilateralidade 11 a análise histórica do jornalism o
m anifesta-se, sobretudo, na passagem da segunda fase (política)
p ara a terceira (com ercial-publicitária), quando o único sujeito
efetivo é o capital. Só ele pratica a ação e realiza as m udanças.
V ejam os com o isso acontece:
“Se, no começo, dentro de uma imprensa diária motivada
em primeiro lugar politicamente, a reorganização de certas
empresas sobre uma base exclusivamente comercial podia
representar tão somente uma simples possibilidade de in­
vestimento capaz de gerar lucros, em breve isto se tornou
uma necessidade para todos os editores. A ampliação e o
aperfeiçoamento da base de capital, uma elevação do risco
econômico e, necessariamente, a subordinação da política
empresarial a pontos de vista da economia de mercado”.23

H aberm as quer dem onstrar que, através do “estabeleci­


m ento do estado de D ireito burguês”, foi possível à im prensa
abandonar sua posição polêm ica, pois a “esfera pública” já era
um a conquista legitim ada. Além disso, é incontestável que o ca­
m inho natural - dentro da evolução das relações capitalistas -
seria o das em presas artesanais de jornalism o transform arem -se
em em presas de vulto, subm etidas com pletam ente pelo capital
em sua funcionalidade.
N ão obstante, as em presas precisam ven d er m ercadorias
que, antes de se constituírem com o valores de troca, com o co n ­
dição p ara isso, devem ser valores de uso.24 D evem ser objetos
ou serviços úteis. Sabem os que o capitalism o cria, constante -

23 HABERM AS, Jürgen. Op. cit., p. 217.


24 Para Ciro Marcondes Filho, o jornalism o, à medida que transform a fatos e aconteci­
m entos em mercadorias, constrói uma “aparência de valor de uso” . Com base numa
citação de Baudrillard, ele diz que “Marx subestim ava na sua análise o valor de uso” .
Sua intenção é insinuar que o valor de uso real da inform ação jornalística é, hoje em

110
m ente, novas necessidades, m uitas delas falsas e degradan tes,25
e os produtos correspondentes para supri-las. Seguindo esse
raciocínio, só há duas alternativas a serem consideradas. Ou
as m odernas em presas jo rn alísticas criaram nos consum idores
a falsa n ecessidade das notícias e inform ações, tal com o são
elaboradas atualm ente, ou então seguiram a ten dên cia do m er­
cado que estava se criando com o surgim ento de novas n eces­
sidades reais.
Q uer dizer, ou os capitalistas inventaram , conform e seu ar­
bítrio, o m oderno jornalism o e as necessidades que ele satisfaz,
ou perceberam as novas e reais necessidades (da inform ação de
tipo jornalístico) e fizeram delas um a fonte de lucros, lis ta últim a
alternativa parece mais viável, inclusive porque não vê a história
sendo feita m aquiavelicam ente segundo a vontade soberana e
autônom a do capital.
O fato de que os jornais vendem espaço publicitário aos
anunciantes, por m eio do espaço ocupado pelas notícias, indica
apenas que são em presas capitalistas com o as dem ais, funcio­
nando segundo o critério do lucro e o objetivo da acumulação.
Indica que o seu produto final, com o quase tudo no capitalis-

Continuaçáo da nota 24
dia, praticam ente nulo, pois, serve exclusivamente à manipulação e distorção. Deve-se
concordar que, até o presente, o problem a das determinações do valor de troca sobre o valor
de uso —tarefa específica do marketing m oderno na administração de em presas —não foi
suficientem ente estudado. Não obstante, partir do suposto que, no caso do jornalismo,
essa determ inação é absoluta, tornando nulo qualquer valor de uso autêntico ou real, é
uma tese inconsistente. Para sustentá-la, seria necessário dem onstrar que o jornalismo
atual oferece um produto com pletam ente supérfluo. Ver: M ARCON DES FILHO, Ciro
J. R. O capital da notícia!Jornalism o como produção social de segunda natureza. (Tese de Livre
D ocência apresentada no D epartam ento de Jornalism o e Editoração da Escola de Co­
municação e Artes da Universidade de São Paulo). Set., 1983. (Fotocópias).
25 Não com partilham os da ideia, com um ente aceita, de que o capitalismo cria, principal­
mente, “ falsas necessidades” . Ao contrário, pensamos como Enzensberger que há uma
espécie de distorção mercantil sobre as reais necessidades que vão sendo criadas pelo de­
senvolvimento da ciência, da tecnologia e de novas relações sociais. Ver: EN ZEN S­
BERGER, Hans-Magnus. Elementos p a ra uma teoria dos meios de comunicação. Rio de Janeiro,
Tempo Brasileiro, 1978. (Ver especialm ente o Capítulo 11).

111
mo, é m ercadoria. M as nada nos diz, ainda, sobre a natureza do
produto, o valor de uso que lhe é subsistente. A lém disso, o fato
de que o valor de troca é dim ensão determ inante da notícia jor­
nalística, subm etendo seu valor de uso, não constitui um traço
distintivo em relação às dem ais em presas do capitalism o con ­
tem porâneo, adm inistradas sob o ponto de vista do marketing. A
m ercadoria-notícia, ou seja, a inform ação jornalística com erciali­
zada continua tendo um valor de uso cujo conteúdo, p o r definição,
jam ais pode ser dissolvido ou abolido, pois ele é condição para
a realização do produto com o valor de troca. M ais concretam ente,
essa persistência do valor de uso da notícia se m anifesta do seguin­
te m odo: o espaço ocupado pelas notícias e reportagens, m esm o
que secundários conform e a ótica puram ente econôm ica, deve
corresponder a um a necessidade do público consum idor para que
o espaço publicitário seja valorizado.
Portanto, aquelas análises — na perspectiva de H aberm as
- que tentam explicar o jornalism o com o veículo e form a da
difusão publicitária no capitalism o (em bora haja um a concreta
articulação ideológica entre publicidade e conteúdo dom inante
nas notícias), acabam abolindo o objeto que pretendem explicar.
N a análise de H aberm as, as três fases da evolução do jor­
nalism o aparecem separadas, ou m elhor, vinculadas tão som ente
po r necessidades exteriores: econôm icas num prim eiro m om en­
to, políticas no segundo e, finalm ente, econôm ico-sociais. Mas
estas necessidades que fazem surgir o jornalism o m oderno (na
sua funcionalidade “in dustrial”, sua form a de apreensão da rea­
lidade e sua linguagem ) estão ligadas, principalm ente, a interes­
ses publicitários e m anipulatórios. Sua análise não percebe um
m ovim ento efetivo de superação dialética. N a terceira fase do
desenvolvim ento do jornalism o, quando ele é exercido já nos
m oldes atuais, há um a negação e incorporação dos dois m om en­
tos anteriores através da constituição de um a necessidade nova.

112
N ão se trata m ais de um a questão estritam ente econôm ica ou
estritam ente política, m as de um a sociedade cujas relações so­
ciais — em virtude do m ovim ento econôm ico e político que a
transform ou —carecem de inform ações de natureza jornalística.
Tem os que considerar, portanto, que os dois prim eiros m o­
m entos são etapas constitutivas do jornalism o - am bos form am
sua “pré-história” —, pois nestas duas prim eiras fases o jorna­
lism o responde fundam entalm ente às necessidades de classe da
burguesia (prim eiro econôm icas, depois políticas) e não a um a
carência ontológica da com plexidade e integração universal que
se constitui a partir do capitalism o.

Capitalism o e jornalismo: irmãos gêmeos?

Ciro M arcondes Filho segue as pegadas de H aberm as:

“Considera-se jornalismo propriamente dito a atividade que


surge em um segundo momento da produção empresarial
de notícias, e que se caracteriza pelo uso do veículo impres­
so para fins —além de econômicos —políticos e ideológicos.
Somente no momento em que a imprensa passa a funcionar
como instrumento de classe é que ela assume o seu caráter
rigorosamente jornalístico”.26

N a verdade ocorre exatam ente o contrário: a im prensa só


assum e um caráter rigorosam ente jornalístico quando ultrapassa
o seu funcionam ento estrito enquanto instrum ento de classe. Para
M arcondes Filho, com seu “m arxism o” diretam ente inspirado em
H aberm as e sob a grande som bra da árvore de Frankfurt, o capi­
tal é um a categoria que adquire um poder quase m ístico: o capital
possui um espelho m ágico que faz o jornalism o aparecer apenas
para m irar-se nele e reproduzir as condições da sua acum ulação.

26 M ARCO N DES, FILHO. Ciro J. R. Im prensa e Capitalismo. In: M ARCO N D ES, FI­
LHO, C. J. R., (org.). Imprensa e capitalismo. Sào Paulo, Kairós, 1984, p. 16.

113
A im prensa e o capitalism o, diz M arcondes Filho perem p-
toriam ente, “são pares gêm eo s”.27 Ora, a im prensa surgiu com o
desenvolvim ento do capitalism o, mas daí a dizer que são “pares
gêm eo s” vai um a distância que som ente um m arxism o dim inu­
ído —utilizando o m étodo do “não é m ais que” —poderia per­
correr.28 A im prensa “não é m ais que” fruto do processo de p ro ­
dução capitalista! O jornalism o “não é m ais que” a inform ação
transform ada em m ercadoria! A noticia “não é m ais que” um a
form a de circulação da ideologia burguesa!
Esse tipo de raciocínio salta do im ediato à generalidade
abstrata, desprezando as m ediações que se constituem com o um
m ovim ento pelo qual o concreto é apanhado em sua produção
histórica, com o um a espécie de “sedim entação” ontológica da
realidade social. Será que Balzac “não é mais que” um escritor
pequeno-burguês irresponsável e notívago? O u é um artista que
o m undo burguês em ascensão elevou à condição de um lega­
do para a H um anidade posterior? Poder-se-ia questionar: m uito
bem , o jornalism o é inform ação transform ada em m ercadoria.
M as nem todas as m ercadorias são iguais. A lém disso, será que
todo o jornalism o será sem pre, inevitavelm ente, m ercadoria?
N o capitalism o, o jornalism o é atravessado pela ideologia
burguesa com o um a fruta é passada por um a espada —se me per­
m ite Jo ão Cabral. O u seja, de m odo flagrante, evidente e dolo­
roso. N em por isso fruta será sinônim o de espada. A lógica m er­

27 Idem, p. 22. (O mesmo autor, em outro texto, afirma o seguinte: “A mercantilização da


inform ação, seu duplo caráter, a aparência do valor de uso, são peças-chave na organi­
zação capitalista da atividade econôm ica e da sua perpetuação. Ora, uma sociedade não
estruturada sob as bases de exploração do lucro e do trabalho assalariado levaria, em
tese, a um tipo de jornalism o m enos alienador e m enos manipulador. Ocorre que este
raciocínio ignora que a inform ação veiculada publicam ente, e assim explorada, encerra
em si —em decorrência m esm o do seu tratamento jornalístico —uma inseparável função
manipulativa”. O Capital da N oticia, p. 46.
28 Estam os nos referindo ao m odelo “reducionista” do marxismo, que foi estabelecido
com o interpretação “oficial” a partir da hegemonia de Stálin. Sobre o assunto, ver: SAR-
TRE, Jean-Paul. Cuestiones de método. ln\ Crítica de la ra^ón dialética. Buenos Aires, Lo-
sada, 1984. n. 1.

114
cantil com plexificou e unificou o m undo dos hom ens, tornou-o
mais dinâm ico e universalm ente integrado. E la preside os rum os
desse processo em todos os cam pos da atividade social. Logo, é
o econôm ico que pressupõe e direciona o desenvolvim ento das
necessidades coletivas da inform ação em geral e, em particular,
do jornalism o. Porém , o m odo de produção capitalista não existe
apenas para satisfazer os interesses particularistas da burguesia,
m as tam bém com o um m om ento da história universal. U m a di­
m ensão significativa da sua existência é perm anente e, outra, é
perecível e será destruída se forem conquistados o socialism o e
o com unism o.
A ssim , as necessidades geradas pelo capitalism o são tam ­
bém m oedas de duas faces: um a particular, específica do sistem a
burguês, e outra universal, que se agrega ao gênero —ou, pelo
m enos, a um longo período da história posterior. N esse sentido,
o capitalism o im planta um a tal necessidade e possibilidade da in ­
form ação em term os quantitativos que qualquer sociedade pos­
terior (se não for a barbárie pós-guerra nuclear) necessariam ente
terá de herdar esse legado.
Em term os qualitativos a questão se repõe: o capitalism o
produziu a necessidade de um gênero de inform ação —por meio
do qual tam bém reproduz as bases econôm icas e ideológicas do
sistem a —, que é precisam ente fruto do jornalism o contem porâ­
neo, o qual será herdado por qualquer sociedade que suceder a
atual.
D epois de reduzir inteiram ente a im prensa ao capitalismo, o
jornalism o à em presa e a notícia à mercadoria, M arcondes Filho
é com pelido a sugerir a possibilidade de extinção do jornalismo.

“Dificilmente pode-se imaginar a atividade jornalística, nas­


cida no núcleo e dentro da lógica do modo de produção
capitalista, como algo muito distinto dele. Ela só existe —
pelo menos nos termos que conhecemos hoje —transfor­

115
mando informações em mercadorias e colocando-as trans­
formadas, alteradas, às vezes mutiladas segundo orientações
ideológico-políticas de seus artífices, à venda. Neste senddo
ela é estruturalmente montada como empresa capitalista e
desaparece com a supressão das condições de sobrevivência
do capitaF\29

A expressão “pelo m enos nos term os que conhecem os hoje”,


referindo-se à atividade jornalística, fornece a sutil am bigüidade
que perm ite ao autor sustentar um equívoco e, ao m esm o tem ­
po, ficar em guarda contra possíveis interpelações teóricas. Mais
adiante, a expressão “neste sentido”, que precede a ideia da extin­
ção do jornalism o prossegue o jogo de espelhos. Fica a dúvida se
ela se refere à atividade jornalística “pelo m enos nos termos que
conhecem os hoje”, ou então a essa atividade “transform ando in­
form ações em m ercadorias...”. São duas coisas distintas, apesar de
estarem historicam ente relacionadas. O jornalism o, “nos term os
que conhecem os hoje”, envolve um a form a específica de apreen­
são e reprodução da realidade, uma determ inada funcionalidade
técnica e um a linguagem . E se é verdade que, hoje, hegem onica-
m ente, essa atividade endossa a ideologia burguesa e os interesses
dom inantes com enorm e eficácia, por que im aginar que para fazer
o oposto ela deve deixar de ser jornalística?
Pretendendo resgatar algum a coisa do jornalism o, depois
de extingui-lo, M arcondes Filho —tal com o um a criança que des­
m onta um brinquedo de corda e não encontra nada de interes­
sante — é obrigado a tom ar a im prensa “rom ântica” do século
passado com o paradigm a para o futuro. Ele prossegue no rastro
de H aberm as:
“Por outro lado, a imprensa pode, na medida em que explo­
re o lado informativo, seu valor de uso específico, atuar nas
discussões políticas: assim o fizeram seus corifeus nas dis­

29 MARCONDES FILHO, Ciro J. R. Op. át., p. 22.

116
cussões potídco-partidárias, em que se envolveu a imprensa
no século XIX. As formas de jornalismo oposicionista, sin­
dical, partidário operam a imprensa - sem ser jornalistica-
mente, na forma apontada no parágrafo anterior —buscan­
do recuperar ou desenvolver a transmissão de informações
não conformistas”.3"

D essa form a, o papel do jornalism o, enquanto atividade


antiburguesa fica restrito a sua atuação “nas discussões político-
-partidárias”. O autor não consegue perceber as necessidades
reais de inform ação supridas pela im prensa diária. O ra, desse
m odo, atuando apenas “nas discussões político-partidárias”,
essa im prensa não terá condições de produzir as inform ações
que correspondem à im ediaticidade dos fenôm enos, tal com o
são tratados pela im prensa diária. A ssim , não será explorado seu
“valor de uso específico” — que está ligado à natureza das in­
form ações singularizadas que produz —, mas seu valor de uso
genérico, enquanto inform ação de qualquer espécie.
Sem dúvida, é preciso superar tais análises “econom icistas”
e dissolventes do jornalism o, sem deixar de recuperar sua in ten ­
ção crítica em relação a ideologia burguesa que, hoje, encontra
na atividade jornalística um dos m odos im portantes de sua re­
produção. Certam ente, o controle, a m anipulação e o engodo
são partes integrantes do jornalism o burguês. M as deduzir a to­
talidade do fenôm eno jornalístico, com o objeto teórico, a partir
de afirm ações com o a de G eyrhofer —de que no jornalism o “o
valor de uso é subordinado ao valor de troca”31 —, é entrar num
beco sem saída. O u m elhor, num cam inho cuja única saída é o

30 ldim , ib.
31 G EYRH O FER, Friedrich. Aquiles com pólvora e chumbo: a fisionomia do jornalismo.
Apud: M ARCO N D ES FILHO, Ciro J. R. O capital da notícia/Jornalism o como produção social
de segunda natureza. (Tese de Livre Docência apresentada no D epartam ento de jornalism o
e Editoração da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo). Set.,
1983. (Fotocópia).

117
retrocesso ao “jornalism o literário” do século passado. Se o te­
órico da saúde pública aplicasse o m esm o m étodo ao problem a
dos rem édios, teria de propor a abolição de todos aqueles atual­
m ente vendidos nas farm ácias.

M attelart: entre Frankfurt e o populismo

( ) belga A rm and M attelart, depois de estudar na França,


foi para o Chile onde, durante o governo da U nidade Popular,
produziu seus trabalhos m ais im portantes. E m bora tenha feito
o percurso clássico dos m issionários que saíam da Europa para
“civilizar” os povos do Terceiro M undo, M attelart não era um
deles.

“Enquanto o missionário traz uma civilização e respostas


prontas, o Mattelart que abandonava a Europa, na década
de 60, era um homem disposto a mergulhar nos problemas e
na busca de soluções empreendidas pelos povos explorados
dos países subdesenvolvidos e a se envolver integralmente
nessa luta. Não há, na vida e na obra de Mattelart nem a
arrogância da superioridade cultural dos missionários civili­
zadores, nem a pretensa neutralidade científica dos ‘scholari
ou dos nossos conhecidos '‘bra^tlianisti. Mesmo porque ele
próprio admite que sua formação, como cientista social, foi
orientada pela problemática que muito mais do que um sim­
ples objeto de estudo, a América Latina era, para Mattelart,
algo a ser vivido, com todas as conseqüências que pode en­
volver essa disposição.32

O grande m érito de M attelart, que aparece nitidam ente em


seus escritos, é um sólido com prom isso político com os explora­
dos e oprim idos, ou seja, um a preocupação perm anente com as

32 H ERZ, Daniel e M ÜLLER, Carlos. O contexto de A rm and M attelard. In: Revista Comu­
nicação e Política. São Paulo, Paz e Terra, mar-mai. 1983. v. 1, n. 1, p. 86.

118
vinculações entre um a visão crítica da com unicação e da cultura,
com o form as de dom inação, e as práticas políticas de enfrenta-
m ento e busca de alternativas populares e dem ocráticas.
M attelart não se considera ligado a nenhum a escola de pen ­
sam ento, acha que a linha de suas reflexões é produto quase ex­
clusivo de suas experiências e preocupações práticas.33 Porém,
M attelart não criou nenhum a nova teoria da com unicação ou da
cultura. Seus tem as —e o enfoque pelo qual são abordados —são
m uito característicos da Escola de Frankfurt: crítica à dom inação
ideológica e cultural através dos m eios de com unicação de m as­
sa, considerada em oposição à espontaneidade da cultura popu­
lar, no caso, às culturas nacionais34; crítica ao sistem a industrial
e financeiro do capitalism o avançado (no caso, o im perialism o),
entendido com o a base m aterial para um a cultura totalm ente
m anipulada:

“Que tipo de aparelho ideológico acompanha o fenômeno


da muitinacionalização? A cada fase do processo de acumu­
lação do capital corresponde um cidadão sob medida que
viverá, no conjunto de suas práticas sociais, o caráter legíti­
mo e natural dessa acumulação. A cada fase, correspondem
mecanismos de condicionamento que garantirão o que os
estrategistas da guerra do Vietnã denominavam sem inúteis
precauções oratórias ‘a conquista dos corações e das men­
tes’” 35

Finalm ente, um dos tem as principais de M attelart é a crítica


ideológica da cultura im perialista, a partir da denúncia da vertica­
lidade da com unicação (de cim a para baixo), do distanciam ento

33 Jdem, p. 99. (Na entrevista Mattelard afirma: “M i evolución no es p o r médio de textos o de leitu­
ras. Es uma reflexión muchas veces imperfecta de ló que estoy hacientlo, de ló que otros están haciendd'").
34 M ATTELART, Armand. I m comunicación m asiva en elp ro ceso de liberaáón. México, Siglo
Veinduno, 1981.
35 M ATTELARDT, Armand. M ultinacionais e sistemas de comunicação: os aparelhos ideológi­
cos do imperialismo. São Paulo, Ciências Humanas, s/d. p. X.

119
entre em issor e receptor (que seria a m esm a entre produtor e
consum idor), da linguagem repressiva e publicitária que veicula
essa ideologia, e do universo fragm entado que reproduz com o
um reforço da ordem burguesa e dos seus m itos.36
Pode-se observar que, de fato, m esm o sem pretender iden­
tificar-se com um a corrente determ inada de pensam ento, as
reflexões de M attelart — seus tem as e as principais categorias
que utiliza - estão, sem dúvida, situadas no contexto form ado
pela tradição da E scola de Frankfurt. A diferença é que M atte­
lart escreveu do interior de um a práxis política, preocupado e
com prom etido com ela, enquanto que a m aioria dos teóricos de
F rankfurt (notadam ente A dorno e H orkheim er) exerciam um a
crítica puram ente intelectual. Assim, ao invés do “pessim ism o”
e de um a certa tendência “elitista” que perpassa os textos destes
últim os, M attelart se propôs a pensar alternativas no sentido de
“devolver a palavra ao povo”.
U m a das críticas pertinentes às ideias de M attelart foi rea­
lizada por Ciro M arcondes Filho, indicando que o conceito de
“im perialism o cultural” que norteia grande parte dos seus escri­
tos baseia-se, tão som ente, num a transposição da realidade eco­
nôm ica e tecnológica para o cam po cultural e ideológico.
“Assim insuficientes e superficiais passam a ser as compila­
ções realizadas por Armand Mattelart, particularmente a par­
tir de 1974 (quando findou sua experiência política com os
MCM no Chile sob o governo de Allende) e suas investidas
na tentativa de abarcar o fenômeno da interferência america­
na na cultura latino-americana e suas conseqüências”.37

36 MATTELART, Armand. Lui comunicación masiva en el proceso de liberación. (Vale lembrar


aqui, como crítica puramente ideológica, o conhecido Para le r o Pato Dona/d: comunicação de
massa e colonialismo, de Arm and M attelard e Ariel Dorfman, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1977). (Coleção Pensamento Crítico; 14).
37 M ARCO N D ES FILHO, Ciro J. R. Imperialismo cultural, o grande vilão na destruição
da “nossa” cultura. In: Revista Comunicação e Sociedade. São Paulo, Cortez/IM S, jun. 1983.
n. 9. p. 78-9.

120
A esse reducionism o tecnológico da dom inação ideológica
se deve tam bém , com o aponta M arcondes Filho, sua posição
am bígua sobre os m odernos m eios de com unicação de m assa,
sugerindo às vezes um conteúdo antitecnológico ao seu conceito
de “com unicação alternativa”. E acrescenta mais adiante:

“Há uma quantidade enorme de sistemas eletrônicos ela­


borados para o controle das pessoas, de comunidades e de
países inteiros. Tsso é real. Nesses trabalhos o que não se
justifica é centrar a preocupação em sua existência supondo
que a sociedade que os mantém seja coerente, lógica, racio­
nal. Muito pelo contrário, o que prima na sociedade indus­
trial, e particularmente na capitalista ocidental, é a anarquia,
a irracionalidade, a imprevisibilidade, em suma, as incríveis
possibilidades de ruptura”.38

O m esm o autor indica tam bém que a análise da cultura fei­


ta por M attelart apresenta um viés populista e nacionalista com o
decorrência das próprias categorias utilizadas, que estabelecem
um a polarização sim plista entre a cultura im perialista e a cultura
nacional e popular. Assim,

“[...] tudo que é americano ou de sua cultura é visto como


necessariamente ruim, reacionário, etc. Mutatis mutandis, o
que é nosso, a nossa cultura popular (com seus preconcei­
tos, seus aspectos retrógados, ignorantes), é necessariamen­
te bom e deve ser preservado e resguardado”.39

Tais contradições da cultura de m assa apontadas por M ar­


condes Filho não são consideradas quando ele aborda o proble­
m a do jornalism o no ensaio “Im prensa e capitalism o” ou na sua
tese de L ivre D ocência O capital da notícia (ambos já referidos).
N esses trabalhos, o fenôm eno jornalístico é encarado com o algo

38 Idem, p. 80-81.
39 Idem, p. 81.

121
unívoco, um a form a de produção de m ercadorias que cria ape­
nas “um a aparência de valor de uso”40. M as voltem os às ideias
de A rm and M attelart:
“Em sua interpretação simplista enfatiza-se de tal maneira
a característica de dependência —diz Ingríd A. Sarti —que
se afasta a essência do problema, ou seja, sua natureza capi­
talista. Como a dependência passa a ser a essência e nào o
complemento, considera-se todo aspecto de uma ideologia
capitalista como contrário aos interesses da América Lati­
na na medida em que reforça a ‘dependência7 e contraria
o curso ‘natural7 do desenvolvimento latino-americano. Na
sua perspectiva mecanicista, os teóricos da ‘dependência
cultural7 não puderam tampouco evitar o determinismo ao
considerar a relação entre o ‘centro7 e a periferia do capita­
lismo, numa abordagem que privilegia o ‘externo7 e acaba
por transformar o imperialismo numa luta entre nações77/1’

De fato, o conceito de “dependência cultural” —se elevado


ao status teórico —explicativo - apresenta os m esm os problem as
do conceito de “dependência econôm ica” , o qual em pobrece as
relações dinâm icas e m ultifacetadas (em bora ainda im plicando

40 Km O discurso sufocado, o autor parece intuir nào só as contradições da cultura de m assa,


mas igualm ente a im portância da form a especificam ente jornalística de apreensão da
realidade: “Da experiência do ‘U b era cin n , seus jornalistas tiraram conclusões interes­
santes sobre o trabalho de com unicação de esquerda e sobre alguns mitos em torno
dele: primeiro, a ideia de ‘dar a palavra ao povo’ nào pode se realizar: o jornal, em sua
substância maior, é feito pela própria redação: segundo, a opinião de que a greve só
poderia ser relatada objetivam ente quando os próprios envolvidos se pronunciassem
é falsa: ‘A realidade de um a greve, por exemplo, nào se m ostra nem nas m anifestações
do sindicato — geralm ente nem m esm o de esquerda —, nem nos relatórios escritos
pelos grevistas. Rstes são em geral —com poucas exceções —som ente uma reprodu­
ção bem diluída da realidade vivida. As funções do redator pertence a possibilidade
de transform ar tais experiências e acontecim entos em m atéria jornalística da m esm a
maneira como elas são vividas e ao m esm o tem po de tal m aneira que os leitores não
participantes possam segui-la plenam ente.” 0 discurso sufocado. São Paulo, Loyola, 1982.
p. 147-148.
41 SARTI, Ingrid A. Comunicação e dependência cultural: um equívoco. ln\ W ERTHEIN,
Jorge. (org.). M eios de comunicação", realidade e mito. São Paulo, Com panhia Editora N acio­
nal, 1979. (Col. Biblioteca Universitária, Ciências Sociais, séria 2a; 55) p. 243.

122
subordinação) do capitalism o na sua etapa im perialista.42 V eja­
m os o que diz o próprio M attelart:

“Para el projecto imperialista, el medio de comunicación es el vector


de la participación: una participación epifenoménica a los símbolos de
la metrópoli, que dá a las masas la ilusion de integración universal
incluso les confiere una audiência que las condiciones de la vida social
no pueden brindar a las grandes mayorías”

As classes dom inantes internas aparecem aqui apenas com o


interm ediárias da dom inação m etropolitana. Em conseqüência,
há um a “cultura externa”, transplantada com finalidades mani-
pulatórias, que dá às m assas apenas um a ilusão de integração
universal. Eis o esquem a sim plista da “dependência cultural”,
que acaba jogando a dim ensão ideológica do antagonism o entre
proletariado e burguesia para segundo plano, favorecendo o pro­
jeto de um a “cultura nacional” independente —autenticam ente
“popular”, com o diriam seus defensores - , ao invés de reconhe­
cer a necessidade de um a dialética com a cultura universal sob
um a ótica de classe.
C) próprio autor reconheceu, em parte, a veracidade de crí­
ticas desse gênero. N os anos 70, afirm a, a teoria de A lthusser dos
“aparelhos ideológicos do E stado ” nos auxiliou para seguirm os
na direção de um a teoria crítica de com unicação, à m edida que
nos oferecia um a visão dual da sociedade: dom inantes e dom i­
nados. Mas essa teoria, acrescenta M attelart, ignorava as con­
tribuições de G ram sci e de H egel sobre a questão da sociedade
civil. “N este sentido, é im p o rtan te reanalisar os aparelhos de co­

42 Sobre o conceito de im perialism o, ver: LENIN, V. I. El imperialismo, fase superior dei


capitalismo. ln\______ . Obras escogidas. M oscú, Progresso, 1970. v. 1.
Sobre a crítica do conceito de dependência, ver: CARDOSO, Fernando Henrique. O
modelo político brasileiro e outros ensaios. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1973. (Col.
Corpo e Alma do Brasil). (Ver especialm ente os capítulos VI e IX).
43 MATTELART, Armand. Op. cit., p. 60.

123
m unicação não só com o reprodutores das relações sociais, mas
tam bém com o lugares de produção” .44
“É aí que vão aparecer problemas - acrescenta Mattelart -
que, em geral, temos deixado de lado. Por exemplo, o fato
de que a cultura de massa, se é um lugar de negação da cul­
tura dos setores subalternos, também é um lugar em que os
setores dominantes são obrigados a aceitar a existência de
outras culturas dentro de sua sociedade”.45

N ão obstante, podem os notar que a autocrítica é parcial.


A cultura de m assa não é apenas o “lugar de negação da cultura
dos setores subalternos” , m as tam bém o de afirm ação dessa cul­
tura. N ão é apenas “um lugar em que os setores dom inantes são
obrigados a aceitar a existência de outras culturas”, mas tam bém
o lugar do nascim ento de “outras culturas” que não aquela que
representa os interesses dom inantes.
Além do mais, M attelart não localiza com precisão a origem
dos seus equívocos. O conceito de “aparelhos ideológicos do
lista d o ” , sugerido por A lthusser, é m uito sim plista para explicar
as críticas da cultura burguesa desenvolvida por M attelart. Se
ele perm ite um discurso articulado sobre ideologia, não possi­
bilita tratar, nem grosseiram ente, as com plexidades da cultura.
A principal vertente que está por trás do discurso de M attelart,
as prem issas teóricas que o sustentam , são aquelas da Escola de
F rankfurt, especialm ente a noção de “cultura de m assa” (cham a­
da de indústria cultural) e suas decorrências.
A noção de “aparelhos ideológicos de E stado” é recolo­
cada, por M attelart, no contexto da tradição de Frankfurt. Ao
“pessim ism o” e “elitism o” dessa tradição, com o típico intelec­
tual radical da década de 60, ele contrapôs o subjetivism o da

44 MATTELART, Armand. Com unicação, hegemonia e novas tecnologias na América L a­


tina. In: SILVA, Carlos Eduardo Lins da, coord. Comunicação, hegemonia e contra-informação.
São Paulo, Cortez/IN TERCO M , 1982. p. 104.
45 Idem.

12 4
“revolução cultural” chinesa e suas propostas “alternativas” de
com unicação e produção cultural.46
Sua concepção sobre o '"jornalism o burguês” e a proposta
que apresenta em oposição a ele estão, sem dúvida, perfeitam en­
te inseridas na tradição de Frankfurt e, especialm ente, no tipo de
enfoque feito por H aberm as.

“J m realidad que captará elperiodista, fiel observante de la norma bur­


guesar, no será sino la ilusión objetiva, la apariencia empírica o el mundo
de la superficie, vale detir, el mundo de la falsa conáênàa, el universo
de la falsa armonía social y de la ilusória coherencia dei aparato de do­
mínio. (...) Hn estos términos, la descripdón de la realidad —verdadera
yuxtaposicíón atomística —alimentará el conocimiento de la racionalidad
dominante y finalmente perpetua su legitimidad y necesidactóN

l\ alternativa oferecida não escapa à lim itação que está pre­


sente nos pressupostos da crítica:
“ S7 el periodista no quiere ser cúmplice de la reactuali^aciún cotidiana
de la opresiún y explotación, precisa superar esta noción de realidad
cotidiana de la opresiún y explotaciún, precisa superar esta nociún de
realidad manifiesta y vincular la noticia con el acontecer histórico, vale
decir, reconoctarla con la realidad contradictoria y conflictual donde
preásameníe estas contradicáonesy confiictos niegan la imagen armúni-
ca de la sociedad que subtiendem la verdad y la veracidad que impone
una clase. No existen hechos inteligibles si no se los ubica previamente
en una situaciún y en el período en el que se desarrollan. I Jmitarse a
'describtr los hechos significa prescribir el comportamiento que predica
el sistema, dejar a la institucionalidad represiva y a l marco valorativo
de la dominaáún la dinâmica de la decodificaciún \48

N ão há com o deixar de perceber um paralelo entre essa


tese de “vin cular a notícia com o acontecer histórico”, e a ideia

46 MATTELART, Armand. \ui comunicación m asiva en elproceso de liberaáón. p. 165-166.


47 Idem, p. 67-68.
48 Ide///, p. 68.

125
de H aberm as — endossada por M arcondes Filho —de um jor­
nalism o crítico sem elhante ao jornalism o partidário do século
passado. Em com um , nota-se a desconsideração das m ediações
especificam ente jornalísticas, cujas técnicas foram desenvolvidas
pelo m oderno jornalism o em presarial, sob a égide de um a ideo ­
logia da “objetividade” e “neutralidade” da notícia. As técnicas
do jornalism o burguês m oderno, em função dessa tom ada de
consciência da ideologia que as justifica, são integralm ente des­
cartadas com o m ero subproduto ideológico.
/
E verdade que M attelart, às vezes, se refere às m ediações
técnicas no sentido jornalístico e reivindica sua apropriação p e­
las m assas. N o entanto, trata a questão com o se tais técnicas
fossem elem entares e pudessem ser rapidam ente assim iladas
p o r m ilhões de operários e cam poneses.49 Isso é verdade apenas
em parte. Ou m elhor, é apenas um a pequena parte da verdade.
U m a certa dose de talento e um a capacitação elem entar fazem
um “jornalista m edíocre”, com o de resto fazem um m édico, um
engenheiro ou um advogado m edíocres. M as para form ar um
jornalista com petente é necessário ou um grande talento (que
não surge aos m ilhares) ou, pelo m enos, um a boa capacitação
técnica e profissional. O ra, se o jornalism o com prom etido com
o status quo atingiu esse nível de elaboração, não há por que exigir
m enos de um jornalism o situado na perspectiva dos interesses
proletários e populares.
A ssim , dar realm ente a palavra ao povo significa, de fato,
com o diz M attelart, m uito m ais do que oferecer o m icrofone ou
a m áquina de escrever aos populares, pois isso já é feito hoje, em

49 Idem , p. 67-68. M attelart reconhece que não se trata, sim plesm ente, de perm itir aos indi­
víduos explorados o acesso aos jornais, emissoras de rádio e TV. Ele sugere a apropria­
ção das massas, sobre as técnicas inerentes aos meios de comunicação. Ora, isso só é
possível em relação aos “m eios” com pouca densidade tecnológica ou de manejo pouco
complexo. Quando aos dem ais, os “especialistas” são indispensáveis. Sua im portância
para difusão das ideias proletárias e populares sem dúvida é enorm e, especialmente nos
períodos de transição.

126
certa m edida, pelos jornais (cartas à redação), rádios e T V s (en­
trevistas, pesquisas, etc.). Trata-se, fundam entalm ente, de criar
as m ediações e os canais adequados para que os conteúdos sociais
(o plural aqui é indispensável) que, antes eram desprezados na
com unicação, passem a ter hegem onia no processo. O que é di­
ferente de m anipular o m eio de com unicação diretam ente.
E sses “canais” e essas “m ediações” constituem precisa­
m ente o patrim ônio técnico-científico, que envolve desde a
eletrônica até as técnicas e (em algum a m edida) as artes jorna­
lísticas. Subestim ar esses fatores na sociedade contem porânea
é com o pensar que o artesanato poderá substituir a indústria
m oderna ou, então, que nesta últim a os trabalhadores poderão
dispensar os engenheiros e técnicos.
Vale assinalar, tam bém , outro aspecto da concepção de
M attelart. Ele acredita que lim itar-se a “descrever” os fatos tal
com o ocorre com o jornalism o burguês, significa “deixar à ins-
titucionalidade repressiva e ao m arco valorativo da dom inação a
dinâm ica da decodificação”. N a verdade, essa descrição já con­
tém , internam ente, sua própria valoração coincidente com os
m arcos do sistem a. Intrinsecam ente, o relato jornalístico de um
fato singular já contém um a dim ensão de particularidades e uni­
versalidade, sob a form a viva do acontecim ento.
N ão se trata de um sim ples “fragm ento”, um “átom o”,
descrito positivam ente com o algo isolado e, por isso, recebendo
a valoração com o um influxo externo da ideologia dom inante.
Todo o relato jornalístico, toda notícia ou reportagem , reproduz
os fatos através de um a com plexa operação subjetiva. O resulta­
do desse processo será, sem pre, aquilo que podem os cham ar de
singular significativo^ isto é, o produto de um a m odalidade de apre­
ensão subjetiva que supera o particular e o universal no interior
da singularidade do fato jornalístico. Por isso, um fato jornalís­
tico não é um a objetividade tom ada isoladam ente, fora de suas

127
relações históricas e sociais, mas, ao contrário, é a interiorização
dessas relações na reconstituição subjetiva do fenômeno descrito.
C olocado o problem a dessa m aneira podem os conceber a
possibilidade de um jornalism o inform ativo —que se utilize de
m uitas conquistas técnicas e funcionais adotadas pelos jornais
burgueses —com outra perspectiva de classe e outra ideologia.

M attelart e a cultura: o paradigm a do artesão

J á indicam os que as prem issas teóricas de M attelart com ­


binam três elem entos: a crítica da m anipulação produzida pela
“cultura de m assa” , com base na herança de Frankfurt; um viés
populista e nacionalista no terreno político, aliado ao subjetivis-
m o que superestim a as possibilidades das m assas em se apro­
priarem do m anancial técnico acum ulado; e, nesse contexto, a
noção althusseriana de “aparelhos ideológicos do E stado” , que
reforça a ideia de um a cultura produzida integralm ente de m odo
artificial, com a finalidade de reproduzir a dom inação. Vejamos,
agora, um texto onde aparecem m ais claram ente as conseqüên­
cias dessa com binação:
uEn un proceso revolucionário se trata de desmitificar este concepto de
colonicyaáón de una c/ase p o r otra, invirtiendo los términos autoritá­
rios, que suelen desfra^arse de un cari^ paternalista y estableciendo un
finjo comunicativo entre emisor y receptor. Es decir, se trata de hacer
dei medio de comunicación de masas un instrumento donde culmina la
práctica social de los grupos dominados. E l mensaje ya no se impone
desde arribaf sino que el pueblo mismo es gen era d orj el actor de los
mensajes que le son destinados” E
E ssa tese de que “o povo m esm o” deve ser o gerador das
m ensagens, se não for tom ada com o um a frase de efeito — o
que seria um populism o ainda pior —, é de um a pobreza teórica

50 idem , p. 68.

128
evidente. Ela corresponde, sem dúvida que em nível diferente, à
tese da autogestão sobre a econom ia, proposta de índole peque-
no-burguesa que tom a a solução da alienação m ercantil de m odo
absolutam ente idealista. O u seja, com o o controle im ediato dos
indivíduos sobre as “suas” condições de produção, não perce­
bendo aquilo que o capitalism o avançado tornou óbvio: que as
condições de produção de quaisquer trabalhadores, seja onde
for, constituem parte de um a rede universal de relações, um a
totalidade que só pode ser dom inada, politicam ente, na relação
com esse todo. E se é verdade que, em certo sentido, a distância
entre em issor e receptor é a m esm a que existe entre produtor e
consum idor —com o já afirm ava a E scola de F rankfurt e M atte­
lart repete —, o proletariado e os setores revolucionários devem
controlar o conjunto das condições de produção, incluindo aí a
inform ação e a cultura com o um a totalidade, isto é, politicam en­
te. O que é m uito distinto de “devolver a palavra ao povo”, um a
ideia ingênua que, entre outras coisas, não leva em conta que
o “povo” ja m a is teve acesso ao tipo de “palavra” que agora se
pretende devolver-lhe: os jornais, o rádio, a televisão e os dem ais
m eios-eletrônicos de com unicação.
A lém disso, a generalidade da expressão “povo” im plica
conseqüências políticas. O povo, com o declarou o poeta, não é
o cão, enquanto o patrão é o lobo. “A m bos são povo. E o povo
sendo am bíguo é o seu próprio cão e lobo”.51
M ais adiante, M attelart acrescenta: “L a definición d eip u eb lo en
tanto protagonista implica, sobre todo, que las clases trabajadoras elaboren
sus noticias j las discutan. E so significa que p u ed a ser e l em isor directo
de sus p ro p ia s noticias, de su com unicación \52 M as ele reconhece que
essa m eta pode ser viável apenas em term os de um a com unica­

51 SA N T’AN N A, Afonso Romano de. Q u e p a ís é este? 3. ed. São Paulo, Brasiliense, 1984, p.
17.
52 M ATTELART, Armand. Op. cit., p. 72-73.

129
ção artesanal. E, além disso, que existem jornalistas profissio­
nais, inclusive de esquerda, trabalhando em veículos m odernos
e representativos, sem que essa representavidade, 110 entanto, te­
nha sido form alm ente hom ologada pelas bases populares. Após
asseverar que, no socialism o, em bora não deva desaparecer o
jornalista, deverá desaparecer o “periodism o representativo, ta l como lo
concibe la burguesid\ oferece um conselho aos jornalistas:
“En la nueva perspectiva —j con ritmos m uj distintos —se trata de
que el periodista reciva su mandato dei p oder p op u la ry no merced a
una delegadón form al, sino integrando todas las líneas que permitam
que através de él, el pueblo no sea defraudado en su expresión; que
cumpla el papel de monitor dei sentido” P

A preocupação central de M attelart é com os m eios ar-


tesanais de com unicação, pois ele vê a cultura produzida pelos
m eios de com unicação de m assa —num processo revolucionário
ou de construção do socialism o —como o desaguadouro de todo
um processo, cujo sentido seria definido nas atividades cultu­
rais elem entares levadas a efeito de m odo artesanal pelo povo.
N o entanto, é um a ilusão acreditar que os m odernos m eios de
com unicação de m assa possam , de fato, funcionar tão som ente
com o a ponta final da cadeia de produção da cultura.
N a realidade, ocorre o oposto: os m eios de com unicação
de m assa são, hoje, em qualquer sociedade, os verdadeiros “m o­
nitores de sentido” do processo com o um todo, os aparatos que
presidem o conjunto da produção cultural e inform ativa, forne­
cendo m otivos, estilos, tem as, gêneros, pautas e novos rumos. E
nisso não dependem do capitalism o. É evidente que essa orques­
tração feita pelos m eios de com unicação de m assa, sobre o con­
junto da com unicação e da cultura, não funciona nunca com o
um a im posição, um a relação pura e sim ples de m anipulação.

53 MATTELART, Armand. Op. cit., p. 91.

13 0
H á um a dialética entre o centro do sistem a e todas as suas
partes (que podem assum ir conteúdos diversos), conduzindo à
produção e reprodução da cultura e da inform ação, na qual o
papel das classes, dos grupos organizados e dos indivíduos é
sem pre irredutível. M as o centro, o núcleo do poder que qualifica
o processo no seu conjunto e lhe fornece os rum os, é constituí­
do pelos m eios de com unicação de massa.
A questão fundam ental, portanto, para construir novos
rum os e outra hegem onia ideológica para o conjunto da cultu­
ra, na transição ao socialism o, é a definição e o controle, pelas
m assas revolucionárias organizadas, da política cultural que vai se
expressar pelos m eios de com unicação avançados. E ssa política
vai determ inar inclusive, a absorção da criatividade das m assas no processo
em seu conjunto.
A ssim , m ais im portante que a “com unicação alternativa”,
lim itada em seu potencial técnico, é a luta pelos espaços no sis­
tem a de com unicação de m assa e a conquista de veículos tecni­
cam ente avançados.
O problem a é que M attelart entende os m eios de com uni­
cação apenas com o m eios, ou seja, m ediações usurpadas pelas
classes dom inantes, im pedindo que o povo fale diretam ente a
si m esm o. A lgum as dessas m ediações, inclusive pela sua nature­
za técnica, são consideradas instrum entos de fragm entação das
m assas, favorecendo a m anipulação coletiva e a ruptura de rela­
ções sociais m ais criativas.
Im plicitam ente, o m odelo de com unicação adotado como
paradigm a é o m esm o de Frankfurt: o m odelo tradicional da
cultura que, basicam ente, envolvia relações interpessoais diretas,
tanto n a com unicação em geral com o na arte. H oje, essas rela­
ções se libertaram da im ediaticidade a que estavam confinadas e,
objetivam ente, assum em um a dim ensão universalm ente h um a­
na, bem com o um potencial hum anizador jam ais atingido antes.

131
A o não considerar a am bivalência da cultura no capitalism o
contem porâneo, ficando nos m arcos de um a crítica da m anipula­
ção im perialista; ao não reconhecer a im possibilidade das m assas
assim ilarem todas as com plexas m ediações técnicas e artísticas
dos m eios de com unicação avançados, caindo num a espécie
de subjetivism o populista; enfim , ao não perceber as im ensas
potencialidades culturais, artísticas, políticas e inform ativas dos
m eios de com unicação de m assa, M attelart ficou im pedido de
esclarecer a especificidade do fenôm eno do jornalism o e seus
desdobram entos históricos.

Notícia: apenas um produto a venda?

A tradição da E scola de Frankfurt é um espectro que ron­


da as abordagens sobre o jornalism o. M esm o entre os autores
que se colocam num a perspectiva ideológica pouco crítica em
relação ao capitalism o, com parecem pressupostos daquela visão,
evidentem ente que recom binados num a salada eclética tem pe­
rada a gosto. O livro de Crem ilda M edina é um exem plo desse
fenôm eno:

“Nesse momento, é preciso examinar o problema no seu


enquadramento geral: informação jornalística como produ­
to da comunicação de massa, comunicação de massa como
indústria cultural e indústria cultural como fenômeno da so­
ciedade urbana industrializada”.54

C rem ilda reconhece o jornalism o, bem com o a indústria


cultural no seu conjunto, na qual ele está inserido, não apenas
com o instrum ento de dom inação ideológica, m as com o um as­
pecto da “m oderna sociedade in d u striar’ inaugurada pelo capi­
talism o. O jornalism o é entendido com o produto de um a nova

54 M EDINA, Cremilda de Araújo. Notícia-, um produto à venda. Sào Paulo, Alfa-O m ega,
1978. (Biblioteca Alfa-O m ega de Comunicação e Artes; 1, série 2a) p. 20.

132
dinâm ica social, liberando potenciais dem ocratizantes. N o en­
tanto, os lim ites ideológicos e teóricos de sua divergência com
o pessim ism o da E scola de F rankfurt é que ela pensa o desen­
volvim ento de tais potenciais em term os “evolucionistas” e não
num a perspectiva revolucionária. E m bora recorra a B enjam in e
E nzensberger, sua filiação teórica está m ais próxim a do funcio­
nalism o do que do m arxism o.
Q uando se propõe a discutir um m odelo de análise dos
elem entos do processo de codificação da m ensagem , ela o faz
adotando um a classificação tipicam ente funcionalista. O pro­
blem a da “angulação” no jornalism o —que coloca a dim ensão
ideológica da apreensão do real, sendo inseparável da questão da
luta de classe —, aparece decom posto em “nível g ru p ai” (em pre­
sa jornalística), “nível m assa” (necessidade da grande indústria
levar em conta o consum o de m assa das inform ações) e o “nível
pessoal” (originalidade, estilo e talento pessoais na elaboração da
m ensagem ).
E ssa classificação e a outra definindo subcategorias da “an-
gulação” (inform ativa, interpretativa, opinativa, etc.) não ultra­
passam o nível incipiente de um a racionalização em pirista e arbi­
trária. O preço desse ecletism o é que o jornalism o, através de um
processo teoricam ente reducionista, vai perdendo sua especifici­
dade e concreticidade histórica. Prim eiro, ele é tratado com o um
aspecto da indústria cultural, depois com o um a m odalidade de
“linguagem ” e, finalm ente, essa linguagem é considerada com o
um a gradação da linguagem com um . “Então é possível estudar a
cham ada com unicação indireta —diz Crem ilda —com o m ais um a
etapa dessas gradações naturais de se com unicar”.55
Podem os, de fato, dem onstrar que, ao nível lingüístico, o
jornalism o é “de certo m odo” um a extensão da linguagem co­
tidiana e com um . A m bas são linguagens centradas na singulari­

55 ídem , p. 107.

133
dade dos eventos e processos. A contece que, “de certo m odo”,
a filosofia é um a form a de religião; a arte, um a form a de m agia;
o cinem a, um a form a de teatro. Por isso m esm o a essência da
filosofia, da arte e do cinem a não pode ser entendida senão a
p artir de um a distinção crucial com a religião, a m agia e o teatro,
respectivam ente.
N o jornalism o tem os um a linguagem indiciai que envol­
ve um a contiguidade diferente daquela que está na base da lin­
guagem cotidiana. Se neste últim o caso tem os a m ediação da
linguagem e da cultura interiorizada no processo de apreensão
da im ediaticidade, no jornalism o tem os ainda mais duas ordens
de m ediação. C om o condicionante histórico-social do processo
tem os a integração da sociedade hum ana num único e dinâm ico
sistem a, ou m elhor, num a única e com plexa totalidade.
O desenvolvim ento capitalista integrou de m aneira irrever­
sível a hum anidade, fazendo com que cada fenôm eno singular
esteja agora objetivam ente m ediado pelo todo. Isso quer dizer
que, atualm ente, qualquer acontecim ento, num a aldeia ou num
subúrbio é, potencialm ente, um evento m undial em term os ob­
jetivos. Q uem duvidar disso que se lem bre do exem plo de Cher-
nobjl. Por outro lado, um a decisão do presidente dos Estados
U nidos pode transform ar qualquer aldeia ou subúrbio do plane­
ta num am ontoado de cinzas.
A segunda ordem de m ediações constitui-se por um aspec­
to dessas forças produtivas, que condensou o m undo na sua di­
nâm ica unidade atual: os m eios de com unicação de m assa. Esse
aparato técnico e social perm ite transportar a dim ensão feno-
m ênica e singular dos acontecim entos, rom pendo barreiras de
tem po e espaço.
N a linguagem usual e cotidiana, o que se busca apreender
e com unicar são os fatos singulares vividos im ediata e coletiva­
m ente. D e um m odo geral, ela gira em torno de acontecim en­

134
tos próxim os no tem po e no espaço. Tem os aqui a m ediação
dos significados e da cultura com o conteúdos interiorizados na
subjetividade dos indivíduos. Em qualquer situação, a realidade
jam ais é percebida de m odo direto, com o algo natural\ à m argem
das m ediações histórico-sociais. M as através do jornalism o te­
m os a reprodução dos acontecim entos a partir da reconstituição
fenom ênica e singular, com o algo que estivesse sendo im ediata­
m ente vivido.
A m ediação, neste caso, não apenas está interiorizada subje­
tivam ente por em issores e receptores, de form a sim ultânea, mas
se exterioriza em term os m ateriais, técnicos, sociais e lógicos
precisam ente para reproduzir a m ediaticidade do m undo, atra­
vés das notícias com o algo im ediato. A linguagem jornalística,
no sentido am plo, que pode envolver quaisquer dos m odernos
m eios de com unicação de m assa, é estruturada para cum prir essa
tarefa. Eis a sua razão de ser e o horizonte histórico-social capaz
de explicar sua organização lógica e lingüística.
H á aqui, sem dúvida, um a espécie de “simulação”, mas não
um a farsa ou um a falácia inevitável. De qualquer modo, a ime-
diaticidade é sem pre um a espécie de “sim ulação”. O que aparece
na relação im ediata é o aspecto fenomênico e singular do real. À
m edida que o fenôm eno é apenas um a face do concreto, ele tanto
revela quanto esconde a essência. O singular, da m esm a forma,
não é mais do que um a das dim ensões do concreto, sendo um ele­
m ento constituinte do universal e tam bém seu produto: não exis­
te relação hum ana sem m ediações objetivas e subjetivas. Quando
indivíduos presenciam diretam ente um fato, a rigor, entre eles e
o fato está a totalidade da história hum ana já percorrida, as alter­
nativas sociais que se abrem concretam ente para o futuro e, além
disso, as incertezas e opções individuais e sociais. Isso quer dizer
que o im ediato e o m ediato são duas faces de um a m esm a moeda,
m om entos inseparáveis de um a m esm a relação hum ana.

135
A relação interpessoal “direta” ou a percepção “im ediata”
da realidade não é m ais pura ou autêntica, quanto ao seu caráter
objetivo ou subjetivo, do que a relação m ediada externam ente
p o r aparatos técnicos, instituições e pessoas. H á, inclusive, uma
vantagem nessa exteriorização objetiva das m ediações produzi­
das pelos m eios de com unicação de m assa: pela prim eira vez
nasce, coletivam ente, a consciência de que existem m ediações
fundam entais na relação aparentem ente im ediata dos indivíduos
com o m undo natural e social.
Pode-se, então colocar a questão da “autenticidade” ou
“inautenticidade” da apreensão da realidade do mundo, da co­
m unicação e dos significados que ela produz e trafica. Que essa
questão seja colocada, num primeiro m om ento, em term os ingê­
nuos, opondo a suposta autenticidade das relações tradicionais
(nas quais as m ediações estão basicamente interiorizadas) a um a
não m enos suposta inautenticidade das relações produzidas pelos
m eios de com unicação de massa, é um fato perfeitam ente com ­
preensível. Afinal, o dom ínio espiritual e a hegem onia ideológica
das classes dom inantes concretiza-se em aparatos técnicos, proce­
dim entos socialmente identificados e pessoas que, sem qualquer
véu sagrado, exercem tais atividades. É natural que esses aparatos
surjam , à prim eira vista, com o intrinsecam ente m aus e alienantes,
pois é através deles que a alienação se torna visível.
N os m odernos m eios de com unicação vêm à tona o aspec­
to persuasivo e psicológico da dom inação ideológica, que nas
sociedades pré-capitalistas estavam interiorizados e eram geral­
m ente im perceptíveis. A postura de aberta desconfiança e disfar­
çada hostilidade frente aos m eios de com unicação de m assa, tal
com o foi dom inante na E scola de Frankfurt, corresponde - no
plano intelectual - a um a reedição das lutas dos trabalhadores
contra a m aquinaria ao longo dos séculos X V II e XVIII. R epre­
sentam , portanto, ao m esm o tempo, um a dim ensão saudável de
protesto e denúncia, e outra de conservadorism o.

136
Por outro lado, a tese de R ousseau sobre a origem da so­
ciedade em term os de um “contrato social” - m esm o entendido
com o um pressuposto estritam ente lógico, com o ele advertiu no
Contrato S ocial —parece hoje bastante pueril para qualquer cida­
dão m edianam ente intelectualizado. Isso ocorre pela evidência
do com plexo objetivo de m ediações que não apenas se interpõe
entre os indivíduos, mas constitui as prem issas da própria exis­
tência individual.
D e qualquer modo, a singularidade reproduzida no jorna­
lism o através do sistem a de transm issão e reprodução técnica
dos m eios de com unicação, não é a m esm a experim entada ou
percebida no âm bito da vivência pessoal. A exteriorização téc­
nica e social da m ediação im plica um a racionalização e especi­
ficação dos procedim entos, incluídos aí a linguagem jornalística
tanto no sentido am plo com o no sentido restrito, referente a
cada m eio em particular.
/

11 verdade que a linguagem jornalística situa-se num ponto


interm ediário entre a linguagem científica e a linguagem comum.
M as isso não resolve o problem a, já que nem toda a linguagem
situada nesse terreno interm ediário é jornalism o. Pode-se falar
do jornalism o com o um a form a de conhecimento porque, distinto
da com unicação elem entar e cotidiana, não se trata de algo es­
pontâneo associado naturalm ente à consciência individual e às
relações externas im ediatas de cada pessoa, mas de um processo
que socialm ente coloca com plexas m ediações objetivas, que im ­
plica um a divisão do trabalho e —por conseqüência —um fazer
e um saber específico.
A ssim , o fato de que a linguagem jornalística “persegu e com
todos os esforços conscientes ou inconscientes uma contiguidade recria d a ^ (\
com o indica Crem ilda, não significa que ela seja um a etapa de
gradação da linguagem com um , m as sim um a linguagem refe­

56 Idem, p. 109.

137
rente a um processo social de outra ordem . E la realiza a repro­
dução e o transporte de um a singularidade com o algo prestes a
ser vivido diretam ente. Para tanto, ela está subordinada a norm as
e procedim entos técnicos que a distinguem da espontaneidade
y

lógica, lingüística e epistem ológica da linguagem com um. E isso


que a torna, aliás, um a especialidade técnica no contexto da di­
visão do trabalho.
Q uando se lê o trabalho de Crem ilda fica-se com a im pres­
são de que a luta de classes, se existe, passa ao largo ou apenas
tangencia o fenôm eno jornalístico. Sua teorização eclética, m is­
turando algum as prem issas da Escola de F rankfurt (buscando
discutir o jornalism o com o um aspecto da cultura de m assa),
um a classificação m eram ente funcionalista do conteúdo das
m ensagens e um a pitada de lingüística, não poderia m esm o che­
gar a resultados m uito sólidos.
“A mensagem jornalística —afirma a autora —como um
produto de consumo da indústria cultural desenvolveu uma
componente verbal específica, que serve para chamar a
atenção e conquistar o leitor para o produto/matéria”.^7

N o final das contas, a linguagem jornalística e a própria


estrutura da notícia são reduzidos a m eros apelos form ais da cul­
tura de massas. “As hipóteses de am pliação desta parte estariam
centradas na ideia/síntese de que os títulos e leads anunciam uma
m ercadoria, o produto oferecido pelo jornalism o na indústria
cultural” .58 Buscávam os a especificidade do jornalism o e chega­
m os, outra vez, na generalidade da m ercadoria!
“N a realidade, há um a incongruência básica entre a angulação-
-m assa do jornalismo industrial e a angulação-elitista de uma frase
racionalizada para a objetividade dos fatos noticiados”.59 Aqui está

57 Idem, p. 137.
58 Idem, p. 143.
59 Idem, p. 149.

138
a síntese da confusão feita pela autora: a essência do jornalismo in­
dustrial seria a “angulação-massa”, que estaria em oposição à frase
racionalizada que busca a objetividade dos fatos noticiados.
Para C rem ilda, a m ensagem /consum o tende a absorver o
espaço dedicado à m ensagem -opinião, porque aquela se aproxi­
m a m ais da m ensagem -tipo de indústria cultural. Se é verdade
que a m ensagem -consum o tende a se generalizar, ela não se opõe
à m ensagem -opinião, m as tão som ente em relação às opiniões
individuais que não se ajustam ao status quo. E tam pouco o jor­
nalism o pode ser identificado integralm ente com o m ensagem -
consum o, em bora ele produza notícias enquanto m ercadorias e
sua estrutura de produção seja capitalista-industrial.
N em toda a m ensagem -consum o é jornalismo e nem a infor­
m ação jornalística obedece, exclusivam ente, a critérios de consu­
mo m ercantil. A necessidade da inform ação jornalística surgiu na
form a de um mercado consum idor de notícias, à m edida que, com a
em ergência do capitalismo, todas as necessidades sociais aparecem
com o m ercado consum idor e todos os valores de uso na form a de
mercadorias. Portanto, a relação do fenôm eno jornalístico com a
indústria cultural —definida esta segundo A dorno/H orkheim er —é
de unidade e contradição. Um a relação tensa, de m útua pertinên­
cia em certos m om entos, mas de não identidade.

A necessidade do jornalismo: rompendo a tradição

C riticando a ideologia da objetividade e im parcialidade


do jornalism o, N ilson Lage afirm a: “Um jornalism o que fosse
a um só tem po objetivo, im parcial e verdadeiro excluiria toda
outra form a de conhecim ento, criando o objeto m itológico da
sabedoria absoluta”/'0 D e fato, essa exigência só pode p artir de
duas prem issas: ou o conhecim ento absoluto de um sujeito onis­

60 LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. Petrópolis, Vozes, 1979, p. 25.

139
ciente, ou a ideia de que a objetividade possui um significado
inerente à sua positividade e autônom o em relação aos sujeitos.
E ssa últim a hipótese é m ais harm ônica em relação às tendências
positivistas e funcionalistas que são dom inantes no conjunto do
pensam ento burguês, sendo aquela que realm ente sustenta as tí­
m idas e sofríveis teorizações em torno da ideologia do jornalis­
m o objetivo. Os m anuais de jornalism o até adm item que não é
possível elim inar de todo a subjetividade do repórter, mas que
deve ser realizado um esforço para lim itá-la ao máximo. Isso
ocorre, na m edida em que a função ideológica do jornalism o
burguês é sim plesm ente reiterar o m ovim ento de reprodução
das relações capitalistas vigentes.

“O conceito de objetividade posto em voga consiste basi­


camente em descrever os fatos tal como aparecem; é, na
realidade, um abandono consciente das interpretações, ou
do diálogo com a realidade, para extrair desta apenas o que
se evidencia. A competência profissional passa a medir-se
pelo primor da observação exata e minuciosa dos aconteci­
mentos do dia a dia. No entanto, ao privilegiar as aparências
c reordená-las num texto, incluindo algumas e suprimindo
outras, colocando estas primeiro, aquela depois, o jornalista
deixa inevitavelmente interferir fatores subjetivos. A inter­
ferência da subjetividade, nas escolhas e na ordenação, será
tanto maior quanto mais objetivo, ou preso às aparências, o
texto pretenda ser”.61

N ilson Lage percebe que há um a com plexa m ediação, tanto


objetiva com o subjetiva, no processo de reprodução da singu­
laridade fenom ênica dos fatos jornalísticos. A atividade jorna­
lística não envolve um a captação e reprodução dos fenôm enos
enquanto algo dotado de significado puram ente objetivo, m as a
reconstrução fenom ênica já tornada significativa pelo subjetivis-

61. Idem, ib.

140
m o da interm ediação. M as o autor reconhece certas “vantagens
práticas” nas técnicas decorrentes do m ito da objetividade e im ­
parcialidade jornalística:

“Essas reflexões não excluem, porém, as vantagens práticas


da técnica que correspondem à proposição de um impro­
vável ponto de equilíbrio diante do qual um fato ocorrido
pudesse ser contado de uma só maneira justa. O procedi­
mento resultante dessa forma de entender o texto informa­
tivo ofereceu certas vantagens; entre estas, o compromisso
com a realidade material, a aceleração do processo de pro­
dução e troca de informações e a denúncia das fórmulas
arcaicas de manipulação do texto. (...) A proposta de uma
linguagem absolutamente transparente, por trás da qual se
apresentasse o fato íntegro, para que o leitor produzisse seu
julgamento, conduziu os jornalistas a uma atitude de indaga­
ção e lhes deu, em certas circunstâncias, o poder de buscar
o seu próprio ponto de equilíbrio, devolvendo um conceito
de verdade extraído dos fatos com o extraordinário poder
de convencimento dos próprios fatos”/’2

( ) autor reconhece que o jornalism o, na concepção m oder­


na, não é sinônim o de m anipulação e alienação. Ao contrário,
oferece am plas possibilidades de um a apreensão viva e crítica
da realidade social. N esse sentido, já estabelece um a im portante
ruptura com o rom antism o arcaico que opõe o “jornalism o opi-
nativo” do século passado ao jornalism o atual, que seria alienan-
te e m anipulatório em sua própria essência. N ilson Lage, portan­
to, dá um passo à frente em relação a m entalidade artesanal que,
via de regra, está por trás das críticas ao “jornalism o burguês” e
ao “m ito da objetividade” . N ão obstante, perm anece um vácuo
teórico entre a criticável tese da objetividade e im parcialidade do
jornalism o e as “vantagens práticas” que ela enseja. A final, por

62 Idem, p. 25-26.

141
que um a técnica nascida da inspiração de um a teoria equivocada
tornou-se tão eficaz e im portante socialm ente?
A contece que, por trás dessa técnica, não existe apenas um a
visão equivocada que supõe a possibilidade de um conhecim en­
to puram ente objetivo, m a, sobretudo, um processo histórico de
constituição de um a necessidade social qualitativam ente nova —
a necessidade da inform ação de caráter jornalístico. Um a nova
form a de conhecim ento social cristalizado no singular, que im ­
plica um a radical integração da totalidade social, um novo dina­
m ism o e a atividade dos sujeitos individuais e particulares com o
constitutiva dessa totalidade. O desenvolvim ento das relações
m ercantis e a expansão do m odo de produção capitalista, que
estão na base desse processo histórico, colocam a necessidade de
um volum e de inform ações que corresponda a essa integração
universal dos indivíduos e dos grupos sociais.
Por outro lado, a natureza dessa inform ação não pode ser
arbitrária, pois deve corresponder ao dinam ism o que está asso­
ciado a essa integração e, ao m esm o tem po, à contigw dade efetiva
criada pela integração da sociedade hum ana através de m edia­
ções técnicas que rom pem as barreiras do tem po e do espaço. É
evidente que, historicam ente, esse tecido social que conduziu a
um a totalidade integrada e dinâm ica foi realizado em função da
m ercadoria, com o é igualm ente evidente que sua perm anência
independe da m ercadoria.
O desenvolvim ento capitalista im põe o surgim ento de um a
form a de conhecim ento social cristalizado no singular, recolo­
cando num a qualidade inteiram ente nova a questão da relação
dos indivíduos com os fenôm enos que se propõem de m aneira
im ediata na experiência cotidiana. Essa form a de conhecim ento
se, po r um lado, possibilita a m anipulação externa dos aparatos
do processo de com unicação, por outro, encarna um a possibi­
lidade duplam ente revolucionária: 1) a possibilidade da crítica

142
radical sobre essa m anipulação que se exteriorizou; 2) e o caráter
incom pleto que decorre da natureza essencial dessa m odalidade
de conhecim ento; por m ais que ela pressuponha e direcione um
determ inado ponto de vista político, ideológico, m oral e filosó­
fico, o singular convida a subjetividade a integrá-lo num a tota­
lidade m ais am pla dotada de sentido e valores. A essência, de
qualquer m odo, não é oferecida com o um a substância pronta,
ela adm ite um a certa pluralidade de desdobram entos de parte da
subjetividade.
A análise de N ilson Lage sobre o jornalism o não ultrapassa
os aspectos lingüísticos e lógicos do fenômeno. M as ela indica
a existência de um a tensão entre as determ inações ideológicas e
m anipulatórias do jornalism o e as potencialidades técnicas que
ele desperta, em consonância com as necessidades de inform ação
colocadas pela sociedade m oderna. N ão obstante, a contradição
fica apenas assinalada, já que ele não encontra um a síntese teóri­
ca adequada, capaz de unir as am bigüidades e contradições numa
totalidade lógica abrangente. Lage procura livrar-se da tradição
de Frankfurt, que reduz a notícia à m ercadoria e o jornalism o
à m anipulação, evitando a apologia do individualism o artesanal
que norm alm ente está por trás das críticas da “esquerda” acadê­
m ica. Tam pouco em barca na canoa do tecnicism o em pirista que
considera o jornalism o com o um a atividade neutra, im parcial e
capaz de revelar a autêntica “objetividade dos fatos” .
E verdade, com o diz N ilson Lage, que a com unicação
jornalística é, por definição, referencial, isto é, fala de algo no
m undo, exterior ao em issor, ao receptor e ao processo de com u­
nicação em si. “Isto im põe o uso quase obrigatório da terceira pes­
soa” .63 M as, resta saber por que m otivo a com unicação jornalísti­
ca é “referencial”. Talvez essa indagação possa ser respondida se
relem brarm os que o jornalism o é, em certo sentido, um a espécie

63 LAGE, Nilson. L inguagem jornalística. Sào Paulo, Atica, 1985. (Série Princípios) p. 39.

143
de “ sim ulação” da im ediaticidade, já que a realidade distante é
reconstituída enquanto singularidade.
N as relações im ediatas da aldeia pré-capitalista a totalidade
restrita do m undo social envolvia de m odo significativo os indi­
víduos que se com unicavam . Todos eram partes legitim am en­
te integrantes da singularidade fenom ênica do real. O m esm o
ocorre, hoje, ao nível das relações pessoais diretas. N este caso, os
em issores e receptores são partícipes de um a m esm a dim ensão
da realidade, ou seja, da realidade im ediata. A personalização do
processo com unicativo, por isso, é um aspecto necessário dos
significados que vão sendo construídos. As em oções e os juí­
zos de valor explicitam ente colocados pelos indivíduos que se
com unicam envolvem significados pertinentes ao m esm o nível
da realidade. N o jornalism o, porém , os interm ediários (inclusive
os jornalistas) não integram objetivam ente a m esm a ordem de
significados dos fenôm enos noticiados (reproduzidos artificial­
m ente com o im ediaticidade) e assim transportados ao público.
A rigor, os interm ediários não são mais —fundam entalm ente —
indivíduos, mas classes e grupos sociais.
D e qualquer m odo, trata-se de coletividades, de m ediações
sociais, que produzem industrialm ente as inform ações jornalísti­
cas. O repórter, o redator, o editor, etc., atuam com o m om entos
dessa coletividade industrial. Assim , a presença pessoal de cada
um na notícia deve, hum ildem ente, corresponder a esse distan­
ciam ento efetivo da realidade que está sendo reproduzida. Por­
tanto, a linguagem do jornalism o é “referencial” na m edida em
que ela fala de algo que, de fato, é concretam ente exterior tanto
ao em issor quanto ao receptor individualm ente considerados.

144
C apítulo VI

Jornalismo com o ideologia:


o reducionismo com o m étodo

Ao contrário do que se poderia esperar, as técnicas do “jor­


nalism o burguês” —depois de algum as resistências iniciais —co­
m eçaram a se im por tam bém nos países ditos socialistas. Nas
N orm as operativas e de redação da im prensa latina, editada em Havana,
em outubro de 1975, podem os ler:

“A redação de uma notícia consiste em assinalar no primei­


ro parágrafo o acontecimento que queremos narrar e orga­
nizar logo o relato com precisão, em ordem descendente,
dos elementos que o seguem em importância e conduzirão
a ele...”1

O livro do cubano Ricardo Cardet —M an ual de jo rn a lism o1 —


dem onstra que as técnicas propostas pelos jornalistas do “bloco
socialista” não diferem das técnicas ocidentais, que propugnam
a “objetividade” e a “verdade dos fatos”. O autor faz o elogio
do , alegando aspectos práticos, no sentido de um a com unicabi-
lidade eficaz. N ão há qualquer proposição teórica para em basar
os procedim entos técnicos apresentados. Segundo C ardet, o lead
tem dois m éritos poderosos:

1 RANGEL, Eleazar Diaz. A notícia na Am érica Latina: mudanças de form a e conteúdo.


In: Comunicação <&Sociedade. São Paulo, Cortez/IM S, 1981. n. 5 p. 101.
2 CARDET, Ricardo. M anual de jornalism o. 4. ed., Lisboa, Caminho, 1980. (Col. Nosso
Mundo).

145
“Primeiro, porque bastará ler esse primeiro parágrafo para
que o leitor fique inteirado do acontecimento; segundo, por­
que mesmo que não haja tempo de ler os restantes parágrafos
fica sempre fixado o essencial da informação no primeiro”3.

A exigência do lea d com o um a característica do jornalism o


m oderno parece estar situada em outro cam po, bem m ais funda­
m ental que essa alegada facilidade de leitura. O caráter pontual
do lead^ sintetizando as inform ações básicas geralm ente no co­
m eço da notícia, situa o fenôm eno com o um a totalidade em pí­
rica que estivesse se m anifestando diretam ente aos sentidos do
i

leitor, ouvinte ou telespectador. ( ) relato constituído pelo ângulo


da singularidade dos eventos torna-se, a um só tempo, referen­
cial e pleno de dinam ism o. (Eventualm ente, esse efeito pode ser
obtido por outros m eios, especialm ente por técnicas literárias ou
estéticas, mas essa não é a regra para otim izar a inform ação jor­
nalística.) Os fatos não aparecem decom postos analiticam ente,
pois isso produziria um a descontraçâo e até dissolução do aspecto
fenom ênico e singular do evento.
A notícia jornalística reproduz o fenôm eno enquanto tal, res­
guardando sua aparência e form a singular, ao m esm o tempo, que
insinua a essência no próprio corpo da singularidade, enquanto
particularidade delineada em m aior ou m enor grau e universali­
dade virtual. A inform ação jornalística sugere os universais que a
pressupõem e que ela tende a projetar. É na face aguda do singular
e nas feições pálidas do particular que o universal se m ostra como
alusões e im agens que se dissolvem antes de se formarem .
O lead perm ite que através da natureza lógica e abstrata da
linguagem , constituída pela generalidade intrínseca dos concei­
tos, seja retom ado o percurso que vai do abstrato ao concre­
to, não pela via da ciência, m as pela reprodução do real com o
singular-significativo. O real aparece, então, não por m eio da

3 Idem, p. 20-1.

146
teoria, que vai apanhar o concreto pela sua reprodução lógica,
m as recom posto pela abstração e pelas técnicas adequadas num a
cristalização singular e fenom ênica plena de significação, para
então ser percebido com o experiência vivida.
C onform e Ricardo Cardet, a principal condição do jorna­
lism o é a veracidade:
“Por isso, a principal condição da informação jornalística
não é nem a brevidade, nem a clareza, nem a simplicidade
da linguagem, mas sim a veracidade dos dados. A essência
de qualquer notícia é que o fato seja verdadeiro, mesmo que
esteja redigido com erros de ortografia”4.

Pode-se perceber que, tam bém para Cardet, a discussão ética


sobre o jornalism o transform a-se num a deontologia vulgar, per­
feitamente identificada com a tradição do jornalism o norte-am eri­
cano, que exige dos profissionais apenas o relato neutro dos fatos.
Com o se os fatos fossem pré-existentes às notícias enquanto reali­
dades factuais unitárias e já dotados integralm ente de significação,
antes de sua seleção, estruturação e reprodução pela consciência
tanto dos jornalistas (repórteres, editores, redatores, etc.) como
dos receptores da im ^ m ação . D izer que os jornalistas não devem
mentir, inventar, distorcer, caluniar, etc., é como afirm ar que as
pessoas devem ser honestas. O problem a, aqui, é ultrapassar o ób­
vio, obter um consenso sobre o conceito de honestidade. Quanto
ao jornalism o, a dificuldade seria conseguir um acordo sobre o
que é a verdade, quais são os fatos que m erecem ser relatados e
sob que ângulo político, ideológico e filosófico.

Uma análise “científica” do jornalismo

A tentativa de um a análise “científica” do jornalism o, con­


siderado com o m anifestação essencialm ente ideológica, é feita

4 Idem, p. 47.

147
por V ladim ir Hudec. A questão é colocada corretam ente: “qual
a essência do jornalism o, qual a lógica interna desse fenôm eno
social?”5 Em parte, diz H udec, a resposta pode ser dada através
da prática das redações, com base na experiência. “M as só a p es­
quisa científica e a análise teórica das com plexas leis internas que
existem objetivam ente no jornalism o, com o em qualquer outro
fenôm eno social, é que determ inam a sua essência, funciona­
m ento, origem histórica, desenvolvim ento e perspectivas, per­
m item explicar todos os problem as na sua globalidade ”6 Este
seria o objeto, segundo o autor, da “teoria geral do jornalism o” .7
Inicialm ente os jornais traziam m ais inform ações sobre a
produção e os negócios do que sobre a vida política. “O ob­
jetivo principal dessas com pilações de notícias publicadas pe­
riodicam ente era o de auxiliar vastos círculos de produtores a
avaliarem corretam ente as tendências futuras da produção e os
com erciantes a venderem com êxito vários gêneros de m ercado­
rias” .5 “O feudalism o foi incapaz de evitar o nascim ento, no seu
seio, das relações de produção capitalistas, m as só mais tarde,
quando o feudalism o já se tornara dem asiadam ente estreito para
as relações de produção capitalistas mais desenvolvidas, é que a
burguesia se lançou ao ataque no cam po político, num a tentativa
de gan h ar poder tam bém na vida política” .9
E perfeitam ente lógico que os prim eiros jornais tratassem ,
principalm ente, das questões m ercantis, a oferta e a procura de
produtos, preços, novas m ercadorias e possíveis m ercados. Isso,
não só em função das necessidades práticas evidentes em si m es­
m as, m as tam bém porque as relações m ercantis que se expan­
diam eram a form a elem entar da universalização e integração da
sociedade hum ana e dos indivíduos que a constituíam .

5 HUD EC, Vladimir. O que é o jornalism o. Iisb o a, Caminho, 1980. (Col. N osso Mundo).
6 Idem, p. 11-12.
7 Idem, p. 12.
8 Idem, p. 16-17.
9 Idem, p. 17.

148
D e fato, num a prim eira etapa, o m undo se am pliou prin­
cipalm ente para os industriais e grandes negociantes. Foi para a
burguesia ascendente, em função de suas necessidades específi­
cas, que se realizou objetivam ente um a globalização da existên­
cia. N o entanto, as relações econôm icas são a base de relações
sociais em sentido amplo. Por isso, a globalização sociopolítica
da existência de todos os indivíduos seria um a decorrência na­
tural do desenvolvim ento das relações m ercantis e capitalistas.
O jornalism o opinativo, de com bate político aberto, que
teve seu apogeu na prim eira m etade do século X IX —indicado
por H aberm as com o a segunda fase do jornalism o e a m ais sig­
nificativa entre as três —é exatam ente o m om ento histórico no
qual vem à tona, de m odo m ais evidente, a dim ensão particular
do fenôm eno, isto é, seu caráter de classe. E claro que a teoria
não pode deixar de lado essa dim ensão, sob pena de não perce­
ber ou não levar em conta a ideologia hegem ônica na atividade
jornalística desde o seu surgim ento. O erro, porém , é tom ar essa
fase com o a própria essência do jornalism o, tal com o fazem Ha­
berm as e tantos outros seguidores.
A fase abertam ente política do jornalism o, quando ele foi,
sobretudo, um instrum ento direto de com bate ideológico e po­
lítico contra o poder feudal, é a m enos representativa de sua
essência com o fenôm eno universal. A mais representativa é a
terceira fase que se consubstancia na especificidade do jornalis­
mo m oderno a partir da m etade do século passado. N a verdade,
tanto a prim eira fase do jornalism o (notícias m ercantis) com o a
terceira (atual) expressam m ais plenam ente o conteúdo do con­
ceito do que a segunda, que apenas indica com nitidez seu caráter
de classe, sua form a particular de existência no m odo de produ­
ção capitalista, num dado m om ento histórico. Isso não significa
desprezar a necessidade política e ideológica de jornais (e outros
m eios) de explícito com bate antiburguês, com o instrum entos de
propaganda, denúncia, educação, form ação e organização.

149
Q uer dizer, veículos articulados estratégica ou taticam ente a
determ inados objetivos político-ideológicos ou teóricos (tal como
o foram os jornais burgueses na sua luta contra o feudalismo), que
se utilizem —em m aior ou m enor grau —de técnicas jornalísticas
propriam ente ditas. O que se pretende afirm ar, tão somente, é
que — numa perspectiva histórica m ais am pla, que ultrapassa o
próprio capitalism o —, não é o modelo do “jornalism o opinativo”
que deve suceder ou substituir o m oderno jornalism o burguês.
N a m edida das possibilidades concretas da esquerda revolucioná­
ria e socialista, a luta deve ser travada, tam bém , no terreno desse
m oderno jornalism o, que não é abertam ente propagandístico ou
organizativo —assim com o não o são os grandes jornais burgueses
em período de relativa estabilidade política —, mas que patrocina
um a forma específica de conhecim ento da realidade social. Essa
batalha pode e deve ser travada dentro dos jornais e veículos sob
controle da burguesia, a partir do escasso, mas significativo espa­
ço individual dos repórteres e redatores em relação às editorias, e
do espaço igualm ente im portante das redações no seu conjunto
frente a diretores e proprietários, ('.orno pode e deve tam bém ser
travada, especialm ente em m om entos de transição revolucionária,
m as não apenas nesses casos, em veículos de comunicação massi-
va sob o controle das forças operárias e populares.
Km qualquer caso, no entanto, é preciso, em prim eiro lu ­
gar, reconhecer que existe a possibilidade e a necessidade de
um jornalism o inform ativo m oderno, que não seja m eram ente
propagandístico ou form alm ente opinativo. Isto é, reconhecer a
possibilidade e a necessidade de um jorn a lism o inform ativo com ou­
tro caráter de classe, elaborado a partir de outros pressupostos
ideológicos e teóricos, m as cuja m issão principal não seja apenas
a de propagandear tais pressupostos. Em segundo lugar, é pre­
ciso saber fazê-lo, sendo que, para tanto, antes de m ais nada, é
im prescindível com preendê-lo do ponto de vista teórico.

150
As três fases e as três dimensões do fenômeno

H udec afirm a que o jornalism o não surgiu de um a curiosi­


dade ancestral de conhecer todos os fatos em todos os lugares,
mas dentro de um contexto específico e de um a necessidade
social determ inada. Mas ele entende que a essência do fenôm eno
jornalístico é fornecida exclusivam ente por esse contexto espe­
cífico e por essa necessidade social determ inada. N ão percebe
que, historicam ente, a ontologia de um fenôm eno não se deduz
integralm ente de sua gênese. Aliás, se fosse diferente não haveria
nada de realm ente novo sob o sol.
Por não com preendê-lo, V ladim ir Hudec diz que o jornalis­
m o é produto das “necessidades econômicas, p olíticas e ideológicas com ­
pletam ente novas da burguesia” u\ um a necessidade estritam ente de
classe, portanto. E assim , não consegue discutir a especificidade
do jornalism o com o form a de conhecim ento e sua universalida­
de com o fenôm eno que ultrapassa as fronteiras da dom inação
burguesa.
A necessidade burguesa do jornalism o aparece m ediada por
relações sociais novas, concretam ente constituídas, que funda-
/

m entam o surgim ento desse fenôm eno social. E a burguesia que


im plem enta, segundo seus interesses e sua hegem onia, a satisfa­
ção dessa carência de inform ações de natureza jornalística que
nasceu das condições criadas pelo desenvolvim ento capitalista e
através dele. Mas isso não significa que a natureza do jornalism o
se esgote nessa função p ositiva que desem penha no capitalismo.
Q ue as inform ações predom inantes na pré-história do jornalis­
m o sejam de caráter estritam ente m ercantil e que, num a segunda
etapa, os jornais assum am um papel destacado na luta político-
-ideológica contra o poder feudal, para finalm ente assum irem a
função predom inantem ente inform ativa que possuem hoje, não

10 Idem, p. 2 1.

151
pode nos levar ao equívoco de acreditar que sua autenticidade
está contida apenas na segunda fase, em virtude do papel politi­
cam ente progressista que desem penhou.
N a verdade, as três fases da história do jornalism o nos per­
m item captar três dim ensões do fenôm eno que com põem sua
essência, ou seja, sua universalidade e especificidade concreta.
A prim eira indica a com posição historicam ente particular
de relações econôm icas que colocariam , m ais tarde, a necessida­
de universal de inform ações jornalísticas para toda a sociedade e
não m ais exclusivam ente para os burgueses.
A segunda dem onstra que, im plícita ou explicitam ente, o
jornalism o é tam bém um instrum ento utilizado segundo interes­
ses de classe, um elem ento im portante da luta política.
A terceira fase supera as duas prim eiras em função de um a
necessidade social em ergente, a partir da segunda m etade do
século passado, tornando-se o jornalism o fundam entalm ente
inform ativo, sem anular suas características precedentes. As no­
tícias não são m ais, predom inantem ente, sobre assuntos m er­
cantis, m as elas próprias transform am -se em m ercadorias e, so­
bretudo, valorizam com o m ercadoria o espaço publicitário dos
veículos nos quais a atividade jornalística se desenvolve.
O valor de uso das inform ações sobre os m ais variados as­
pectos da vida social transform a-se em valor de troca em dois sen­
tidos: com o coisa vendável em si m esma e, principalm ente, como
valorização do veículo para a divulgação puram ente mercantil. A
propaganda com ercial tem, em geral, pouco valor de uso. Por isso,
a eficiência da publicidade comercial está intim am ente ligada aos
valores de uso que a ela são associados, ou seja, o acesso efetivo
que o veículo proporciona à cultura em geral, à arte, ao lazer e,
especialm ente, às inform ações de caráter jornalístico.
N ão está em questão aqui a hegem onia ideológica (bur­
guesa) dessa cultura, dessa arte, desse lazer e das inform ações

15 2
veiculadas, m as sim o fato de que correspondem a certas neces­
sidades e form am a condição básica para que tenham eficácia
tanto a publicidade com ercial quanto o reforço ideológico que
se m anifesta através delas. Se não houvesse essas necessidades,
os donos de veículos jam ais investiriam , por exem plo, em toda
a infraestrutura necessária à inform ação. Um a dúzia de lacaios
ideológicos seria suficiente, em cada veículo, para m anipular a
alienação da m assa e torná-la receptiva à propaganda com ercial
e político-ideológica.
A separação feita pelos veículos de com unicação de m assa
entre a parte referente ao jornalism o, a parte referente à opinião
(editorial ou não) e aquela referente à publicidade, por si só, sim ­
boliza as três fases históricas do jornalism o e sua articulação na
nova totalidade que caracteriza o jornalism o inform ativo.
A própria ideologia do jornalism o burguês, que destaca a
m issão inform ativa com o prioritária em relação às outras duas,
dem onstra que esse m ito é necessário para a respeitabilidade do
veículo e, em conseqüência, para sua valorização publicitária. As
inform ações, obviam ente, não são puram ente objetivas, sequer
im parciais ou neutras. Mas é a necessidade universal e efetiva de
inform ações de natureza jornalística que condiciona a possibili­
dade e a funcionalidade desse m ito, quando, a partir da segunda
m etade do século XIX, as relações sociais se globalizam e os
indivíduos de todos os recantos se tornam indivíduos inseridos
num a única Hum anidade.
A ideologia da objetividade e im parcialidade do jornalis­
m o corresponde não ao fato ou possibilidade real da existência
desse tipo de inform ação, mas, ao contrário, ao fato de que as
necessidades sociais objetivas e universais de inform ação só po­
dem ser supridas conform e um a visão de classe. É a carência
objetiva da sociedade com o um todo que fornece as bases para
o m ito ideológico de que o jornalism o pode vincular-se direta e

153
abstratam ente a essas necessidades gerais, segundo um interesse
político global da sociedade, que se revela com o m esquinho in ­
teresse da m anutenção da ordem burguesa. Ora, sabem os que,
num a sociedade dividida em classes, a universalidade sem pre se
m anifesta m ediada por interesses particulares.

O jornalismo como ideologia:


a legitim idade da manipulação

Por não considerar, no caso do jornalism o, essa dialética


entre a particularidade e a universalidade, Hudec dissolve a es­
pecificidade do jornalism o no seu papel ideológico em função
dos interesses de um a ou de outra classe. “O m odo de produção
capitalista em crescim ento —afirm a o autor —necessitava de uma
nova organização política da vida sod a /’ M. O jornalism o é entendido
apenas com o m eio para atingir um fim exterior, um instrum ento
de classe para que a burguesia possa atingir seus objetivos p o lí­
ticos e econôm icos.
Essa visão teórica da gênese e função histórico-social do
jornalism o tem m uitas conseqüências. A m ais im portante delas
é a legitim ação da m anipulação inform ativa, desde que isso seja
feito em consonância com o que for julgado com o “o interesse”
das classes revolucionárias, segundo um indivíduo, um partido
ou o Estado. A ssim , a conhecida opinião de Lênin no sentido
de que a verdade é revolucionária e que só a verdade interessa
ao proletariado, adquire relatividade e passa a ser interpretada
conform e os burocratas de plantão.
N o caso presente, a m anipulação não fica justificada teori­
cam ente com a m era supressão do pro blem a da verdade, com o
ocorre na aplicação da Teoria G eral dos Sistem as ao jornalism o,
m as com a consagração da verdade a p artir de critérios p ura­

11 Icíem, p. 22.

154
m ente ideológicos. O papel revolucionário da classe operária
está escrito em determ inadas leis férreas do desenvolvim ento
histórico. Essas leis são objeto da ciência. Portanto, a vanguarda
(real ou autodenom inada) política e científica vai interpretar tais
leis e definir a verdade dos fenôm enos conform e o contexto his­
tórico pré-determ inado, fora da p rá x is e sem a participação real
das massas.
Em certo m om ento, H udec reconhece que o jornalism o
surgiu de um a necessidade social. “E sta resultaria de todo um
conjunto de fatores socioeconôm icos e assim o jornalism o pas­
sou gradualm ente a fazer parte da vida social” 12. Porém , a par­
tir de prem issas que com preendem o jornalism o exclusivam en­
te pela sua função ideológica, com o necessidade da classe em
ascensão de estabelecer um a nova organização política da vida
social —sem perceber que se inaugura um a com plexidade e um a
dinâm ica de ordem superior nas relações sociais, que ultrapassa a
lógica m ercantil e capitalista —, o autor não consegue explicar de
que m aneira o jornalism o “passou a fazer parte da vida social”.
Se a jornalism o é apenas um instrum ento de afirm ação e
hegem onia burguesa, no socialism o será, tão som ente, “um in s­
trum ento proletário” e, num a sociedade sem classes, não terá
razão de existir. Sua concreticidade, para H udec, está inevita­
velm ente ligada aos interesses de classe que ele representa: “O
jornalism o não existe num a form a abstrata. É sem pre concreto,
ligado a um a certa classe social cujos interesses expressa, defen­
de e apoia de um m odo m ais ou m enos preciso”13.
E ssa conclusão do autor pode ser entendida em dois níveis.
Se for tom ada no sentido de que o jornalism o é apenas um in s­
trum ento da luta de classes, terem os com o conseqüência que ele
será estritam ente um epifenôm eno da ideologia. Seu estudo seria

12 Idem, p. 23.
13 Idem, p. 25-26.

155
um capítulo da discussão teórica sobre a ideologia, um a das for­
m as de m anifestação e luta ideológica. N ão haveria possibilidade
de um a teoria do jorn a lism o propriam ente dita, já que ele teria de
ser explicado em função da luta de classes.
Se tom arm os a conclusão do autor no sentido de que o
fenôm eno do jornalism o está sem pre vinculado a determ inados
interesses de classe, em bora isso não esgote a sua essência, tere­
m os um a afirm ação elem entar e óbvia. U m a assertiva que pode
ser aplicada para o problem a da ciência, da arte, da engenharia
m ecânica e da criação de galinhas. N um a sociedade dividida em
classes tudo está, de um a form a ou de outra, “de m odo m ais ou
m enos preciso”, vinculado a interesses de classe.
Entretanto, H udec não recua diante de conseqüências para­
doxais que possam ser extraídas de suas teses e afirm a: “jornalis­
m o é.um fenôm eno, próprio apenas da cultura m oderna, de tipo
expressam ente id eológico' }A(Grifo meu).
Q uando o autor fala do jornalism o socialista, aparecem
com m aior nitidez as conseqüências m anipulatórias de sua con ­
cepção teórica: “Q uanto ao jornalism o socialista, a visão cien ­
tífica do m undo que constitui sua espinha dorsal im prim e-lhe
a m arca da veracidade e do otim ism o histórico decorrentes do
objetivo realista e cientificam ente fundam entado de criar um a
sociedade sem classes” .15
E interessante verificar que a “veracidade” e o “otim ism o”
não decorrem de um a possibilidade contida nos próprios fatos, mas
de qualidades que são consideradas, aprioristicam ente, com o ine­
rentes ao “objetivo realista e cientificam ente fundam entado de
criar um a sociedade sem classes”. Em outras palavras, os fatos
servirão somente para ilustrar com otim ism o um a espécie de vera­
cidade que já foi estabelecida como prem issa ideológica e filosófi­

14 Idem, p. 36.
15 Idem, p. 34.

156
ca. Essa perspectiva reduz os fatos ao significado fechado que, de
antemão, foi atribuído à totalidade histórica. D esse modo, os fatos
são apreendidos e relatados jornalisticam ente com o cenas de um
filme do qual já se conhece o final e, portanto, portadores de um
conteúdo integralm ente constituído e indiscutível.
Os fatos, por si m esm os, não encerram um significado ob­
jetivo totalm ente independente do sujeito que os percebe e ela­
bora com o m ensagem codificada, ou com pletam ente desligado
das concepções e ideologias sobre a totalidade histórica. N ão
obstante, tem os que adm itir que os m om entos de um processo
ou as partes de um todo são, efetivam ente, constituintes desse
processo e desse todo, em que pesem sejam igualm ente produto
da totalidade. Isso representa que, de algum modo, a dim ensão
objetiva dos fatos tem sem pre algo a dizer. E o que é mais im ­
portante, algo novo a dizer. Por exemplo, atribuir a um fracasso
econôm ico ou político o caráter de um a vitória —na m edida em
que as derrotas “sem pre nos ensinam algo” —, é um a evidente
m anipulação que despreza não só o bom senso com o as evidên­
cias objetivas de fato. N o entanto, essa derrota econôm ica ou
política, no caso de um governo supostam ente socialista, pode
ser tratada sob dois enfoques ideológicos: com o insinuação de
que o socialism o é inevitavelm ente ineficiente ou inviável, ou
com o indicação de que é necessário m aior com petência ou no­
vos rum os para a construção do socialismo.
Ao invés de reconhecer a singularidade dos fatos e a relati­
va autonom ia de significado que eles expressam , com o configu­
ração de possibilidades concretas em relação ao futuro, Hudec
prefere indicar previam ente um a classificação segundo um fu­
turo pressuposto. “Tudo o que aponta para o futuro, isto é, os
rebentos do desenvolvim ento futuro, m erece a m aior atenção
entre todos os acontecim entos que ocorrem hoje” 16. A seleção

16 Jàem, p. 40.

157
dos fatos jornalísticos obedece exclusivam ente a um critério
exterior ao processo, a um critério estritam ente ideológico que
deve ser harm ônico “com a im portância objetiva da inform ação
decorrente das leis do desenvolvim ento social”17.
D e um lado, as “leis” do desenvolvim ento social parecem
ser puram ente objetivas e exatas, de outro, os fatos apenas ser­
vem para confirm á-las. Cabe ao jornalism o socialista, confor­
m e o autor, dem onstrar por interm édio dos fatos o curso geral
da história no sentido previsto. N ão há nenhum a abertura de
sentido ou questionam ento realm ente novo colocado pelos fatos
jornalísticos:

“Toda a atividade jornalística que tenha entrado em conflito


com as leis objetivas do desenvolvimento soà a lé obrigada a esconder
o seu caráter reacionário pela distorção dos fatos, pela dema­
gogia e pela preferência da influência psicológica e racional,
com a intenção de manipular deliberadamente as massas”.18

A filiação stalinista dessa concepção é notória à m edida que


pressupõe um a ontologia naturalista da história com o seu pano
de fundo filosófico, um subjetivism o ideológico na política - que
pretende subm eter a realidade e certos princípios —e um a episte-
m ologia objetivista com nítidos traços do positivism o.

O “objetivism o” e o “cientificismo”
como renúncia da crítica

O processo histórico-social apresenta um m ovim ento con­


traditório e um leque de possibilidades objetivas, sendo que o
desdobram ento efetivo da realidade vai depender da consciência
e ação dos sujeitos. A ssim , a diversidade dos fenôm enos que
povoam esse processo expressam contradições e, inclusive, ten­
17 Idem, p. 41.
18 Idem , p. 44.

158
dências opostas ou diferentes da realidade. Portanto, cada fato
tom ado em sua singularidade e particularidade expressa a reali­
dade em , pelo m enos, três níveis: 1) As possibilidades concretas
encarnadas pela totalidade histórico-social na qual o fato está
inserido. E um a escolha necessária entre os valores de tais pos­
sibilidades. 2) A tendência específica da particularidade que este
fato expressa de m odo predom inante. 3) A contradição que, ne­
cessariam ente, ele contém dentro de si, ainda que expresse um a
tendência dom inante da particularidade e seja reproduzido con­
form e um a escolha ao nível da totalidade.
N o prim eiro nível, aceita a premissa de que existe mais de
um a possibilidade objetiva em relação ao futuro, apesar de tais
possibilidades não serem arbitrárias nem infinitas, coloca-se o pro­
blem a da opção subjetiva ou, m ais especificam ente, da ideologia.
Em relação ao segundo e terceiro níveis, o processo de apre­
ensão da realidade será, principalm ente, indutivo e não dedutivo.
Nestes dois níveis, os fatos terão de ser tratados, basicam ente, en­
quanto objetividade, ouvindo e respeitando aquilo que eles têm a
dizer, o significado novo que eles inevitavelmente agregam à rea­
lidade. Por exemplo: é possível relatar a derrota de um a determ i­
nada luta pela reform a agrária, assum indo im plicitam ente a pers­
pectiva dos camponeses e dos operários urbanos que lutam por
ela. M as não é possível nem desejável deixar de reconhecer que se
tratou de um a derrota (tendência específica da particularidade do
fato). A lém disso, é necessário reconhecer a contradição apanhada
em seu m ovim ento vivo, ou seja, que um a derrota jam ais é algo
absoluto (contradição inerente à singularidade).
E ssa contradição aparece porque, a partir das possibilida­
des globais da totalidade indicada no prim eiro nível, sobrevive,
inevitavelm ente, um aspecto secundário, m as im portante: uma
cham a subordinada, mas real, que aponta no sentido oposto à
determ inação dom inante na particularidade. A ssim , tam bém as

159
vitórias jam ais poderão ser absolutas porque sem pre terão algo a
ensinar, um elem ento novo que não foi previsto.
H á um a diferença im portante entre a “ideologia da obje­
tividade”, que vigo ra no jornalism o burguês, e a “ideologia do
jornalism o científico”, que H udec nos apresenta com o a alterna­
tiva socialista. N a prim eira, os fatos devem falar por si m esm os,
contextualizados e hierarquizados subjetivam ente com base no
senso com um e na ideologia burguesa, para que sua apreensão
e reprodução jornalística atuem com o reforço da ordem e do
status quo positivam ente existentes. N a segunda, os fatos tam bém
devem “falar por si m esm os”, porém não m ais através das evi­
dências percebidas pelo senso com um , m as com o um boneco
nas m ãos de um ventríloquo. Isto é, os fatos devem revelar aqui­
lo que já está previsto pelas leis objetivas do desenvolvim ento
social, devem ilustrar essas leis em cada m om ento conjuntural.
N o prim eiro caso, a objetividade im ediata e alienada em
sua positividade sem pre vai reproduzir a ideologia burguesa que
a pressupõe. N o segundo, um a ideologia norm ativa, pretensa-
m ente científica, vai selecionar, m anipulatoriam ente, aqueles as­
pectos e m om entos da im ediaticidade que confirm am a prem issa
ideológica estabelecida. Esta últim a concepção, que não ultra­
passa a perspectiva “ funcional” da com unicação e do jornalism o,
encontra sua m elhor expressão teórica no conceito de A lthusser
sobre os “aparelhos ideológicos de E stado” , que seriam com o
correias ideológicas da reprodução social. Porém , tanto num a
com o noutra visão, perdem -se as m elhores potencialidades epis-
tem ológicas dessa form a de conhecim ento. Precisam ente aque­
las potencialidades críticas e desalienadoras m ais específicas do
jornalism o.

160
C apítulo VII

O singular com o categoria central


da teoria do jornalismo

“A redação da notícia deve ser específica” - diz Hohemberg.


As generalidades geralmente concorrem para obscurecer o
quadro da notícia. Em vez de escrever que um homem é
alto, melhor dizer que tem um metro e noventa. Em lugar
de dizer que o orador estava nervoso e perturbado, melhor
informar que gritava e dava murros na mesa”.1

U m a das características do m oderno jornalism o “objetivo”


que se afirm ou nas últim as décadas é o desprezo pelas generali­
dades e adjetivos. A preocupação com a singularidade dos fatos
ou pela especificidade, com o se diz m ais com um ente, é a m arca
dos bons repórteres ou redatores. N o entanto, essa questão não
é tratada do ponto de vista teórico, um a vez que a singularidade
(que seria o objeto do jornalism o) é entendida no sentido vulgar,
não filosófico, com base no senso com um que, via de regra, per­
cebe o fundam ento da realidade com o um a som a ou agregado
de coisas ou eventos singulares, ao invés de percebê-lo tam bém
em suas dim ensões concretas de particularidade e universalidade.
O resultado é que a singularidade é reificada pela com pre­
ensão espontânea do jornalista, que acaba aceitando im plicita­

1 HOHEM BERG, John. O jorna lista profissional. 4. ed. Rio de Janeiro, Interam eticana,
1981. p. 95.

161
m ente a particularidade e a universalidade sugeridas pela im edia­
ticidade e reproduzidas pela ideologia dom inante. A ssim , a busca
da “especificidade” na atividade jornalística lim ita-se a um a re­
ceita técnica de fundo m eram ente em pírico, um a regra operativa
que os jornalistas devem seguir sem saber o motivo, tornando-
-se presa fácil da ideologia burguesa e da fragm entação que ela
proporciona. A realidade transform a-se num agregado de fenô­
m enos destituídos de nexos históricos e dialéticos. A totalidade
torna-se m era som a das partes; as relações sociais, um a relação
arbitrária entre atitudes individuais. O m undo é concebido com o
algo essencialm ente im utável e a sociedade burguesa com o algo
natural e eterno, cujas disfunções devem ser detectadas pela im ­
prensa e corrigidas pelas autoridades.
Até o presente, as tentativas de abordagem sobre o fenô­
m eno jornalístico, com seus variados enfoques — funcionalista,
ideológico, econôm ico, sem iológico, etc. — não ultrapassaram
certos lim ites teóricos. U m a vez que o jornalism o inaugura h is­
toricam ente um a nova possibilidade epistem ológica, um a teoria
capaz de abrangê-lo deve propor claram ente o problem a em sua
conexão com categorias filosóficas, situando os aspectos histó-
rico-sociais no contexto de um a reflexão de alcance ontológico
sobre o desenvolvim ento social.
No seu livro intitulado Introdução a um a estética m arxista, pla­
nejado inicialm ente com o parte de um a obra m aior sobre estéti­
ca, Lukács discute a natureza da arte, “a sua diferença em relação
ao reflexo científico da realidade objetiva e em relação ao reflexo
que se realiza na vid a cotidiana”.2 U m dos pressupostos funda­
m entais da teoria lukacsiana sobre a arte é o de que “o reflexo
científico e o reflexo estético refletem a ?nesma realidade objeti­
va” . E disso resulta, segundo o autor em questão, “que devem

2 LUKÁCS, Georg. Introdução a uma estética marxista/ Sobre a categoria de particularidade. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1968. (Col. Perspectiva do Homem; 33 - Série Estética) p. 1.

162
ser os m esm os não só os conteúdos refletidos, m as as próprias
categorias que os form am ” .3
As concepções de Lukács estão inseridas num a velha (e
ainda atual) polêm ica sobre a arte no interior do marxismo. Essa
discussão tem sua origem nos breves escritos de M arx e Engels
(principalm ente cartas) m anifestando opiniões ou preferências em
torno de obras de arte de seu tempo, especialmente da literatura.4
Plekanov, Lênin, Trótski, Adorno, Benjamin, Brecht, G oldm ann e
tantos outros, são alguns nom es significativos desse debate.

Algumas limitações da estética de Lukács

E m bora reconhecendo a im portância do legado teórico


deixado por Lukács e a profundidade de suas reflexões no cam ­
po da filosofia e da estética, não nos alinham os entre aqueles que
pensam que ele form ulou um axiom a suficiente para a elabora­
ção de um a teoria m arxista da arte. N ão aceitam os, por exem ­
plo, o pressuposto de que a arte reflete “a m esm a realidade” da
ciência, estando, por conseguinte, sujeita às m esm as categorias,
m esm o que organizadas de outro m odo e obedecendo form ula­
ções apropriadas.
Preferim os considerar que a realidade refletida (e constituí­
da,, seria oportuno acrescentar) pela arte não é a m esm a repre­
sentada pela ciência, em bora não seja com pletam ente arbitrária
ou puram ente subjetiva. Trata-se de um a realidade que m antém
traços de identidade e pontos de pertinência em relação àquela
que é objeto da ciência. São, de fato, realidades com plem entares,
em bora a dim ensão apanhada pela arte seja m ais global e com ­
preenda dentro de si, com o m om ento subordinado, a realidade
objetiva que a ciência procura expressar. A ciência tende para a

3 ídem y p. 3.
4 M ARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Sobre literatura e arte. 2. ed. São Paulo, G lobal, 1980.
(Col. Bases; 16).

163
objetividade, para a revelação do em si do objeto, esse é o m o ­
vim ento que a caracteriza. A arte funde sujeito e objeto no con­
texto de um a totalidade particular, m as cujo conteúdo, em bora
não seja exaustivo, refere-se sem pre à totalidade m ais am pla da
existência histórica e ontológica dos hom ens e da sociedade.
A diferença da arte em relação à filosofia é que, ao fundir
sujeito e objeto num a reflexão única, a arte não dissolve a singu­
laridade das figuras nos conceitos e nas categorias. A arte, como
o indicou o próprio Lukács, supera a im ediaticidade em pírica do
singular e a abstração generalizante do universal, conservando-os
subordinados na particularidade estética, quer dizer, no típico.
Assim , em bora cristalize sua representação no particular e
não no universal com o tendem a fazer as ciências e, de m aneira
evidente, a filosofia, ela se volta para “a m esm a realidade” da
filosofia - um a relação de totalidade entre sujeito e objeto —e
não para a realidade objetiva da ciência, que é só um a parte da
totalidade.
C ertam ente as lim itações da concepção estética de Lukács
são responsáveis pela dificuldade que ele sem pre teve em com ­
preender as vanguardas artísticas, na m edida em que seu m étodo
tende a subestim ar a autonom ia relativa do significado form al.
Por outro lado, a consideração epistem ológica do fenôm eno es­
tético — considerado sem pre com o “um reflexo da realidade”,
em bora cristalizado no particular —tornou o m étodo crítico de
Lukács não apenas fecundo para analisar a grande arte do passa­
do, com o para vislum brar a linha de continuidade no desenvol­
vim ento artístico.
Em síntese, há um a tensão ohjetivista que p erpassa sua te­
oria estética, a qual reduz a arte ao conhecim ento objetivo da
realidade h istó rico -so cial (que ela realm en te contém , em bora
não esgote o p ro b lem a da arte). A dim ensão subjetiva da arte,
com sua m argem de criação livre, na qual ela nada reflete de

16 4
objetivo, m as in stau ra um a realidade e um significado com ple­
tam ente novos, não é contem plado pela concepção lukacsiana.
N esse sentido, a arte poderia ser pensada, talvez, a p artir da
catego ria filosófica de trabalho, e não apenas com o m odalidade
do conhecim ento.

“A concepção dialética no interior do materialismo, por­


tanto, insiste, por um lado, nesta unidade conteudística e
formal do mundo refletido, enquanto, por outro, sublinha
o caráter não mecânico e não fotográfico do reflexo, isto é,
atividade que se impõe ao sujeito (sob a forma de questões
e problemas socialmente condicionados, colocados pelo
desenvolvimento das forças produtivas e modificados pelas
transformações das relações de produção) quando ele cons­
trói concretamente o mundo do reflexo”.5

O que Lukács procura estabelecer com o prem issa m ateria­


lista é a prioridade da realidade objetiva com um , a qual seria re­
velada sob form as diferentes; de um lado, pelo reflexo científico
(que faria um m ovim ento pendular entre o universal e o singu­
lar) e, de outro, pelo reflexo estético (que teria a particularidade
com o categoria central). Porém , a inegável prioridade ontológica
do ser em relação à consciência, a partir do m om ento em que a
filosofia m aterialista adota a noção fundam ental de p rá x isy não
pode ser traduzida para o terreno epistem ológico com o simples
reflexo da objetividade na consciência, m esm o que se considere
esse reflexo com o não m ecânico e não fotográfico.
N esse ponto, parece que Lukács dá um passo atrás em re­
lação a H egel, em bora este tenha m istificado o papel da consci­
ência pelo pressuposto do “Espírito A bsoluto” e a conseqüente
transcendência m ística do conceito. Portanto, é preciso reconhe­
cer não só que a categoria do conhecimento é insuficiente em rela­

5 LUKÁCS, Georg. Qp. c i t p. 160.

165
ção à arte, pois esta envolve um a p rá x is, isto é, um a atividade de
m útua produção entre sujeito e objeto (o que im plica a noção
de trabalho, que é m ais abrangente), m as tam bém que a ideia de
“reflexo” é inadequada e parcial para indicar o próprio conheci­
m ento em cujo processo o hom em se apropria subjetivam ente
da realidade.
As ciências naturais tendem para a objetividade, para a re­
velação da coisa em si. N o entanto, jam ais poderão esgotá-la. A
condição para a revelação da objetividade é a atividade subjetiva,
a posição teleológica do sujeito e sua tendência a um a apropria­
ção crescente do m undo. Mas a subjetividade, aqui, por um lado
é um pressuposto necessário (sob o ponto de vista ontológico
da práxis) e, por outro lado, é um resíduo decrescente (sob o ân ­
gulo epistem ológico), em bora seja inelim inável exatam ente por
ser um pressuposto.
As ciências sociais ou hum anas, por seu turno, constituem
um a revelação da objetividade na qual a subjetividade (ou a ideo­
logia, dito de m odo m ais específico) que a pressupõe não se m a­
nifesta com o um resíduo, mas com o um a dim ensão intrínseca à
teoria e que a constitui com o um conteúdo necessário e legítim o.
Aquilo que na objetividade natural aparece com o probabilidade,
na sociedade realiza-se com o liberdade. Por isso, a adesão a um a
ou outra possibilidade do real, da parte dos sujeitos que o inves­
tigam , é tanto condição para que seja revelado o objeto com o
um aspecto constitutivo desse objeto.
A subjetividade ou a ideologia, portanto, deixam de ser um
resíduo decrescente para tornarem -se subjetividade objetivada ou,
se quiserm os, objetividade subjetivada. M as, de qualquer form a,
a dim ensão teleológica torna-se, além de condição fundante do
saber, tal com o nas ciências naturais, parte integrante da elabora­
ção teórica das ciências sociais.

166
As mesmas categorias para uma nova problem ática

M as o que nos interessa, acim a de tudo, na teoria lukacsia-


na da arte, é a transposição das categorias utilizadas para a ela­
boração de um a teoria do jornalism o. As lim itações da estética
proposta por Lukács, com base em categorias em inentem ente
epistem ológicas, reforça a ideia de que as categorias utilizadas
por ele (singular, particular e universal) são mais fecundas para
caracterizar as representações que se referem estritam ente a for­
m as de conhecim ento.
Ao contrário do que ocorre em relação à arte, essas ca­
tegorias podem fornecer o axiom a teórico para um a teoria do
jornalism o. Os conceitos de singular, particular e universal ex­
pressam dim ensões reais da objetividade e, por isso, representam
conexões lógicas fundam entais do pensam ento, capazes de dar
conta, igualm ente, de m odalidades históricas do conhecim ento segundo
as m ediações que estabelecem entre si e as suas form as predo­
m inantes de cristalização.
A ciência, o conhecim ento teórico em geral, constitui uma
dessas m odalidades do conhecimento. No entanto, ao contrário
de Lukács, não pensam os que o conhecimento científico fixa-se
“de acordo com suas finalidades concretas”, nos extrem os do uni­
versal ou do singular.6 É a especificação crescente do objeto e a
especialização do saber, m ovim ento que ocorre paralelo e é com ­
plem entar ao processo de generalização e abstração, que fornece a
im agem falseada de que existe ou tende a existir um conhecimento
científico cristalizado no singular. Por mais específico que seja o
objeto e por mais especializado que seja o saber, o conhecimento
científico aspira sempre ao universal. Ele se projeta nessa aspira­
ção e recebe sempre sua form ulação adequada com base na busca
da determ inação de um a pluralidade ilimitada.

6 Idem, p. 159.

167
A s inform ações que circulam entre os indivíduos na com u­
nicação cotidiana apresentam , norm alm ente, um a cristalização
que oscila entre a singularidade e a particularidade. A singulari­
dade se m anifesta na atm osfera cultural de um a im ediaticidade
com partilhada, um a experiência vivida de m odo m ais ou m enos
direto.
A particularidade se propõe no contexto de um a atm os­
fera subjetiva m ais abstrata no interior da cultura, a partir de
pressupostos universais geralm ente im plícitos, mas de qualquer
m odo naturalm ente constituídos na atividade social. Som ente o
aparecim ento histórico do jornalism o im plica um a m odalidade
de conhecim ento social que, a p artir de um m ovim ento lógico
oposto ao m ovim ento que anim a a ciência, constrói-se delibe­
rada e conscientem ente na direção do singular. Como ponto de
cristalização que recolhe os m ovim entos, para si convergentes,
da particularidade e da universalidade.
No caso da arte, trata-se de um a singularidade arbitrária,
um ponto de partida no cam inho da criação estética, cujo ter­
m o conclusivo coincide com a superação da singularidade pela
instauração do típico —o particular estético. Para o jornalism o, a
singularidade, além de não ser arbitrária é um ponto de chegada
que coincide com a superação do particular e do universal, que
sobrevivem enquanto significados no corpo da notícia e sob a
égide do singular. E nesse contexto que a seguinte afirm ação de
Lukács sobre a arte possui validade tam bém para o jornalism o:
“se um fenôm eno qualquer deve, enquanto fenôm eno, expressar
a essência que está em sua base, isto só é possível se se conserva
a singularidade” .7
Lukács dem onstra que foi H egel o prim eiro pensador a co­
locar no centro da lógica a questão das relações entre a singu­
laridade, a particularidade e a universalidade. H egel tom a com o

7 Idem, p. 164.

168
seu objeto de reflexão o processo da revolução burguesa com o
expressão da dialética histórica. O anríen régime tem pretensões
de ser universal, mas representa interesses particulares. A classe
revolucionária, a burguesia, o Terceiro Estado, que para H egel
constituem o verdadeiro universal, são reduzidos à particularida­
de. A revolução burguesa é a solução desse im passe. H egel com ­
partilha daquilo que M arx ironizou com o “ilusões heróicas”: a
burguesia se pensa com o encarnação a-histórica da vontade uni­
versal.8
A partir dessa “ilusão heróica”, o pensam ento idealista de
H egel vê-se induzido a m istificar as relações dialéticas, que ele
m esm o esclareceu, entre a singularidade, a particularidade e a
universalidade. Q uando procura “deduzir” logicam ente as ins­
tituições particulares da Prússia da época, ou seja, a m onarquia
constitucional com todos os seus aspectos reacionários, ficam
evidenciados os lim ites idealistas da dialética hegeliana.
Em H egel, “o processo de determ inação é sem pre um ca­
m inho que leva do universal ao particular”.9 Sua concepção en­
volve um a dialética na qual, em bora sem pre em conexão com o
particular e o singular, o universal tem um a precedência lógica e
se torna, de fato, um pressuposto ontológico.
A dialética, por isso, aparece encerrada no interior do uni­
versal com o se o particular e o singular fossem apenas níveis
degradados da universalidade e, nessa m edida, essencialm ente
direcionados por ela e vocacionados para a ela retornarem . Não
há verdadeira criação da essência, pois o desenvolvim ento é a
especificação e realização de um conteúdo pressuposto.
O avanço do pensam ento de H egel é ter com preendido a
interpenetração dialética e a identidade contraditória entre o sin­
gular, o particular e o universal com o m om entos que constituem

8 Idem, p. 39-40.
9 Idem, p. 64.

169
a realidade objetiva e form am o concreto. Tais relações não são
entendidas apenas no sentido quantitativo, m as com o transfor­
m ação e determ inação através das m ediações que estabelecem
entre si. São essas categorias, entendidas em suas relações, que
fornecem as bases fundam entais para a form ulação de um a teo­
ria do jornalism o, desde que arrancadas do contexto m istificador
do sistem a hegeliano e inseridas num a concepção m aterialista
da práxis. É nessa direção que pode ser form ulada um a fecunda
teoria m arxista do jornalism o, capaz de dar conta dos diversos
aspectos im plicados no fenômeno.
Para o entendim ento correto da cristalização da inform a­
ção jornalística no singular, é preciso estabelecer as relações des­
se conceito com os dem ais que a ele estão indissoluvelm ente
ligados. Existe, com o já foi apontado pelas reflexões preceden­
tes, um a relação dialética entre singularidade, particularidade e
universalidade, categorias lógicas que representam aspectos o b ­
jetivos da realidade.
Cada um desses conceitos é um a expressão das diferentes
dim ensões que com põem a realidade e, ao m esm o tempo, com ­
preende em si os dem ais. São form as de existência da natureza
e da sociedade que se contém reciprocam ente e se expressam
através dessas categorias e de suas relações lógicas.
N o universal,' estão contidos e dissolvidos os diversos fenô­
m enos singulares e os grupos de fenôm enos particulares que o
constituem . N o singular., através da identidade real, estão p resen­
tes o particular e o universal dos quais ele é parte integrante e ati­
vam ente relacionada. O p a rticu la r é um ponto interm ediário entre
os extrem os, sendo tam bém um a realidade dinâm ica e efetiva.10
Podem os exem plificar isso da seguinte form a: em cada
hom em sin gu larm en te considerado estão presentes aspectos

10 GENRO FILHO, Adelmo. Questões sobre jornalism o e ideologia. /«: Jornal M Ra^ão.
Santa Maria, 22 out., 1977, p. 8.

170
universais do gênero hum ano que dão conta da sua identidade
com todos os dem ais; na id eia universal de gên ero hum ano, por
outro lado, estão presentes — com o se “disso lvid o s” — todos
os indivíduos singulares que o constituem ; o p articular, então,
pode ser a fam ília, um grup o , um a classe social ou a nação à
qual o indivíduo pertença. O p articular é m ais am plo que o sin­
gular, m as não chega ao universal. Podem os dizer que ele m an­
tém algo dos extrem os, m as fica situado lo gicam ente a m eio
cam inho entre eles.
N os fatos jornalísticos, com o em qualquer outro fenôm e­
no, coexistem essas três dim ensões da realidade articuladas no
contexto de um a determ inada lógica. Tom em os o caso de uma
greve na região do ABC, em São Paulo. Ao ser transform ada em
notícia, em prim eiro plano e explicitam ente, serão considerados
aqueles fatos m ais específicos e determ inados do m ovim ento,
ou seja, os aspectos m ais singulares. Q uem , exatam ente, está em
greve, quais são as reivindicações, com o está sendo organizada a
paralisação, quem são os lideres, qual a reação dos em presários e
do governo, etc.; são algum as das perguntas im ediatas que terão
de ser respondidas. Mas a notícia da greve terá de ser elaborada
com o pertinente a um contexto político particular, levando em
conta a identidade de significado com outras greves ou fenô­
m enos sociais relevantes. Será um acontecim ento que, de modo
m ais ou m enos preciso, terá de ser situado num a ou m ais “clas­
ses” de eventos, segundo um a análise conjuntural que pode ser
consciente ou não.
N esse sentido, a particularidade do fato —em bora subor­
dinada form alm ente ao singular, pois é ele que dá vida à notícia
—estará relativam ente explicitada. N o entanto, a universalidade
desse fato político, em que pese não seja explicitada, estará ne­
cessariam ente presente enquanto conteúdo. Ou seja, com o pres­
suposto que organizou a apreensão do fenôm eno e com o signifi­

171
cado m ais geral da notícia, terem os um a determ inada concepção
sobre a sociedade, sobre a luta de classes e a história.
Portanto, tom ando essas relações com o prem issa teórica,
podem os afirm ar que o singular é a m atéria-prim a do jo rnalis­
mo, a form a pela qual se cristalizam as inform ações ou, pelo
m enos, para onde tende essa cristalização e convergem as deter­
m inações particulares e universais.
Assim , o critério jornalístico de um a inform ação está indis-
soluvelm ente ligada à reprodução de um evento pelo ângulo de
sua singularidade. M as o conteúdo da inform ação vai estar asso­
ciado (contraditoriam ente) à particularidade e universalidade que
nele se propõem , ou m elhor, que são delineadas ou insinuadas
pela subjetividade do jornalista. O singular, então, é a form a do
jornalism o, a estrutura interna através da qual se cristaliza a sig­
nificação trazida pelo particular e o universal que foram supera­
dos. ( ) particular e o universal são negados em sua preponderância
ou autonom ia e m antidos com o o horizonte do conteúdo.

172
C apítulo VIII

Capitalismo e jornalismo:
convergências e divergências

Foi na segunda m etade do século X IX que, na Europa


e nos Estados Unidos, ocorreram grandes transform ações na
im prensa, coincidindo com a expansão m undial do capitalism o
e o aparecim ento de inovações tecnológicas ligadas direta e in­
diretam ente à reprodução e circulação das inform ações. Nesse
período, o jornalism o sofreu m odificações profundas.

“Até então o jornalismo era um instrumento nas lutas so­


ciais e políticas, identificado com os partidos, difusor de
opiniões, escritos em estilo literário, que apenas reservava
espaço para a informação”.1

O capitalism o lançava as bases m ateriais e sociais para um


novo tipo de jornalism o.
“Alguns inventos e inovações tecnológicas, como o telégra­
fo (1840), a rotativa (1864), o cabo submarino (1850), a ex­
pansão das linhas férreas (1928-1850), a linotipo (1886), o
aperfeiçoamento da fotografia (1897), permitiram melhorar
o jornalismo e produzi-lo em menos tempo. O crescimento
da população urbana, a diminuição do analfabetismo e o
desenvolvimento do correio contribuíram para aumentar o

1 RAN G EL, Eleazar Diaz. A notícia na Am érica Latina: mudanças de form a e conteúdo.
In: Comunicação <&Sociedade. São Paulo, Cortez/IM S, 1981 n° 5 p. 91.

173
número de leitores. A utilização dos avanços técnicos e o
aumento da circulação, que foi impulsionado com a baixa
do preço do exemplar, aumentaram sensivelmente os gas­
tos. O próprio desenvolvimento do capitalismo mostrou a
solução através da publicidade. Os anunciantes se encarre­
gariam de financiar os custos”.2

Estava nascendo o jorn a lism o inform ativo ou, se preferirm os,


o “jornalism o p o r excelência”.3 A ideia sim plista de que “os fatos
são sagrados” e de que a opinião pertence a um a órbita autôno­
m a, tornou-se a expressão prosaica do que viria a ser a “ ideo ­
logia da objetividade”, m arcando o fim de um a época na qual a
notícia sem pre se escrevia entrem eada de com entários e salpica­
da de adjetivos. Tam bém os tem as da notícia vão m udando g ra­
dualm ente. Ao lado das questões políticas, econôm icas, literárias
ou científicas, surgem as inform ações sobre acontecim entos b a­
nais que, cada vez m ais, despertam interesse nos novos leitores e
ocupam um espaço crescente nos jornais.4
N a Am érica Latina, esse processo está ligado, com o indica
Fernando Reyes M atta5, à dependência inform ativa que se g e ­
rou com base na integração e subordinação econôm ica, política
e cultural aos E stados Unidos. D esde o final do século X V III,
quando nasceu —diz o referido autor —, a im prensa latino-am e­
ricana era entendida com o um a corrente de opinião, tendo se
constituído em expressão significativa das lutas pela indepen­
dência e libertação nacional. N o século passado, quando a im ­
prensa norte-am ericana já tinha um caráter sensacionalista, a

2 Idem, p. 92.
3 O que não significa que os jornais de opinião, de análises, form ação teórico-ideológica
ou de agitação e propaganda política não façam propriam ente jornalism o. Mas apenas que
eles se definem com i) tal pelo tratamento jornalístico dado às inform ações e nao pela
função política que pretendem cumprir.
4 RANGKL, Eleazar Diaz. Op. cit., p. 93.
5 MATTA, Fernando Reyes. E l concepto de noticia en A m érica Latina: valore dom inantes y
perspectivas de cambio. México, Instituto Latinoam ericano de Estúdios Transnaciona-
les, 1977 (Mimeo) p. 3.

17 4
im prensa latino-am ericana seguia seu estilo literário e opinativo.
A p artir dos anos trinta, com a presença m ercante do rádio, co­
m eça a im por-se o conceito de notícia objetiva. Principalm ente
pela integração econôm ica, cultural e política crescente da A m é­
rica Latina, o que se produzia era um a crescente dependência
inform ativa. E m 1920, a U nited P ress (hoje LTPI) conseguiu seu
prim eiro acordo com o diário L a P rensa de Buenos Aires.
A tonalidade nacionalista dos argum entos de Reyes M atta
deixa transparecer, no entanto, mais do que a sim ples constata­
ção do fato histórico. E le pretende sugerir, ao que parece, que
teria ocorrido um a arbitrária im portação cultural e, através dela,
a ruptura de um a tradição que poderia (ou até deveria) ser pre­
servada para sem pre, não fosse a dom inação im perialista. Na
verdade, o processo de expansão im perialista dos E stados U ni­
dos e a conseqüente subordinação econôm ica, política e cultural
da A m érica L atina coincide, em linhas gerais, com o processo
de urbanização e industrialização dos países m ais adiantados do
continente. P ara esses países - entre os quais se inclui o B rasil -
a subordinação ao im perialism o correspondeu a um a form a de
integração no contexto m undial do capitalism o e da civilização
que ele patrocinou. Por isso, em função tam bém de condições
internas e n ão apenas externas, o “conceito objetivo de notícia”
acabaria se im pondo - ainda que m ais tarde - , po r derivar de
Por trás dessa recusa do “conceito objetivo de notícia”, que
orienta o fazer jornalístico contem porâneo, está a tese de que o
próprio jornalism o não passa de um epifenôm eno do capital.
Um exem plo que tipifica essa abordagem nos é dado, outra vez,
por M arcondes Filho:

“O aparecimento do jornal está subordinado ao desenvol­


vimento da economia de mercado e das leis de circulação
econômica. Ou seja, o jornal surge como o instrumento de
que o capitalismo financeiro e comercial precisava para fa­

175
zer que as mercadorias fluíssem mais rapidamente e as in­
formações sobre exportações, importações e movimento
do capital chegassem mais depressa e mais diretamente aos
componentes do circuito comerciar'.6

O problem a é que essa tese, correta em seu sentido geral,


vale tanto para o jornalism o com o para o telégrafo, o autom óvel,
a televisão, a estrada de ferro, etc.

A cidadania real e a imaginária

Em bora só no século X IX tenham surgido alguns inventos


que favoreceram diretam ente o jornalism o, o papel apareceu no
O cidente no século X II, a im prensa em 1450 e os prim eiros jor­
nais (que ainda não eram diários) já circulavam no século XVI.
N aturalm ente, foram os banqueiros e os m ercadores os p rim ei­
ros interessados em receber e utilizar os jornais.7
Com a invenção de G utem berg é que com eçam a se es­
p alh ar pela E uropa (prim eiro Itália e A lem anha), a p artir do
século X V II, as gazetas sem anais. E m bora tenham nascido, de
fato, à som bra do in teresse dos b anqueiro s e m ercadores, essas
gazetas sem anais que se espalharam p ela E uropa (e foram p re­
cursoras do nascim ento, ainda no sécu lo X V II, dos prim eiros
jo rn ais diários) já apontavam para u m a vo cação em ergente do
jornalism o.

“Para estes novos jornais, nao se trata já unicamente de in­


formar, mas de distrair e divertir um leitor mundano, cada
vez mais culto e curioso. Promoções, anúncios e críticas de

6 M ARCONDES PILHO, Ciro J. R. O capital da tiotiáa\ jornalism o como produção social


de segunda natureza. Tese de Livre Docência apresentada ao D epartam ento de jo rn a­
lismo e Editoração da Escola de Comunicação e A rtes da Universidade de São Paulo.
Setembro, 1983. (Fotocópia) p. 76.
7 FABRE, Maurice. H istória da comunicação. 2. ed. L isboa, M oraes, 1980. (Col. Pistas/Pro­
blemas Sociais) p. 50.

176
espetáculos, nomeações, poesias, enigmas e discursos acadê­
micos, misturam-se aí, de uma página a outra”.8

A diversificação indica a razão de fundo do sucesso dos jor­


nais, que é aquilo que nos interessa situar. O público é cada vez
m ais “m undano” e curioso. É que esse público, com a universali­
zação progressiva das relações m ercantis e capitalistas, está cada
vez m ais ligado, efetivam ente, a um a m ultiplicidade de fenôm e­
nos que ocorrem em todos os lugares e, de diferentes m aneiras,
passam a interferir na vida das pessoas.
Referindo-se aos vários jornais periódicos que surgiram na
E uropa, todos na prim eira m etade do século X V II, N ilson Lage
observa: “Basta reparar o breve intervalo entre essas datas para
concluir que a im prensa periódica vinha atender um a necessida­
de social difusa” .9 E acrescenta que, nesses jornais prim itivos, já
o incom um e o sensacional apareciam nos textos.
Pode-se supor que essa distinção nítida entre as “notícias
sérias” (sobre o com ércio, espetáculos, acontecim entos oficiais,
etc.) e aquelas sobre “curiosidades” ou fatos incom uns, o que
parece ter atribuído um a am bivalência ao conteúdo desses jor­
nais, possuía um a base histórico-social concreta. A dificuldade
para captar o particular e o universal sob a égide do singular, isto
é, dos “ fatos”, certam ente está ligada a um a lim itação histórica.
N o período do m ercantilism o não havia ainda a dinâm ica radi­
cal da conversão entre o singular, o particular e o universal. Os
fatos apareciam com o se fossem estanques, encerrados num a
determ inada dim ensão da realidade. Por exem plo, um a decisão
do governo poderia levar m eses ou anos para interferir na vida
de um indivíduo e gerar todas as suas conseqüências.
A dinâm ica radical desse processo som ente vai ocorrer
m ais tarde, com o capitalism o. Portanto, o significado social dos
fatos m ais diversos não era evidente, já que eles apresentavam
8 Idem, p. 51.
9 LAGE, Nilson. Jáeologia e técnica da notícia. Petrópolis, Vozes, 1979. p. 18.

177
m ediações obscuras, longínquas e até m ísticas com seus con­
textos particulares e com a totalidade histórico-social. Os sig­
nificados sociais só se revelavam quando os fatos nasciam com
um a cruz na testa, m arcados pela autoridade dos acontecim en­
tos econôm icos, expressam ente culturais ou datados e assinados
pelo poder espiritual ou tem poral.
Som ente m ais tarde, a partir da segunda m etade do século
X IX , é que as relações sociais vão im plantar um a nova dinâ­
m ica na com plexa rede de determ inações entre os indivíduos e
a sociedade, condicionando um a série de obrigações e direitos
que tencionam no -sentido da igualdade form al como garantia da
desigualdade real.

“O sentido individual da leitura jornalística se situa, assim,


ao nível da cidadania: condição imaginária do indivíduo na
sociedade, o qual através desse procedimento se inteira da­
quilo que diz respeito ao meio de que é ‘sócio”’.1"

Pode-se, aqui, apenas corrigir a afirm ação de que a cidada­


nia patrocinada pela sociedade burguesa é uma “condição im a­
gin ária”. Ao contrário, a cidadania no capitalism o desenvolvido
é, via de regra, um a relação histórica real e efetiva. O que é im a­
ginário ou, m ais precisam ente, jurídico-form al é a igualdade que
ela im plica. A cidadania burguesa é constituída por relações efe­
tivas entre os indivíduos, cuja base são as necessidades do capital
de assalariar e subm eter trabalhadores “livres”.
N a perspectiva m arxista, essa cidadania apresenta, então,
aspectos form ais (relativos à igualdade) que devem ser concreti­
zados e, de outro lado, aspectos concretos (exploração e opres­
são) que devem ser erradicados. Portanto, essa relação social
envolve dim ensões objetivas de universalidade que transcendem

10 SERRA, Antonio. O desvio nosso de cada dia: a representação do cotidiano num jornal
popular. Rio de Janeiro, Achiamé, 1980. p. 25.

178
a sociedade burguesa e se projetam com o exigência política re­
volucionária, situada historicam ente na perspectiva da explicita­
ção e autoprodução do gênero humano. E envolve, igualm ente,
aspectos particulares referentes à dom inação de classe, que situ­
am a estrutura social com o politicam ente antagônica às próprias
possibilidades da totalidade. É o fenôm eno que Lukács chamou
de “centralidade ontológica do presente” .
A ssim , a universalidade referida aqui nada tem a ver com
a tese da “dem ocracia com o valor universal”, defendida pelos
eurocom unistas e outros que pretendem apenas reform ar as ins­
tituições burguesas para transitar de m odo ordeiro e pacífico ao
reino do socialism o.11 As dim ensões concretas da cidadania bur­
guesa que apontam para o futuro, no sentido da verdadeira igual­
dade, estão assentadas nas relações de trabalho cada vez mais
socializadas e na própria igualdade form al. M as tanto um a como
a outra estão inseridas num a totalidade cujas relações sociais são
de exploração e opressão da grande m aioria da sociedade pelos
detentores do capital.
A necessidade do jornalism o inform ativo envolve, portan­
to, essa contradição entre a cidadania real e, digam os, a “cidada­
nia potencial” que é constituída pelo capitalism o. A cidadania
burguesa im plica um a situação prática e efetiva de universalidade
dos indivíduos. U m a universalidade que, em graus variáveis, vai
atingir a todos. M as essa cidadania está com prom etida com a
desigualdade econôm ica, social e política. O jornalism o infor­
m ativo encarna essa am bivalência, cuja explicação está na rela­
ção dialética entre a particularidade e universalidade do próprio
m odo de produção capitalista.
Por um lado, o jornalism o vem suprir necessidades profun
das dos indivíduos e da sociedade que, teoricam ente, indcpen
11 Ver: GENRO FILHO, Adelmo. A dem ocracia como valor operário e popular: ivsp< mia
a Carlos N elson Coutinho. In: Kevista E ncontros com a Civilização Brasiüra. Rio de ji uu ih »,
Civilização Brasileira, 1979. n. 17.

I7*>
dem das relações m ercantis e capitalistas, em bora tenham sido
necessidades nascidas de tais relações e determ inadas por elas.
N ão se trata, então, de carências m eram ente subjetivas ou ideo ­
lógicas dos indivíduos que, através do jornalism o, teriam refor­
çada sua “condição im aginária” de cidadania. Por outro lado, em
virtude do caráter de classe da sociedade burguesa, o jornalism o
cum pre um a tarefa que corresponde aos interesses de reprodu­
ção objetiva e subjetiva da ordem social.
N esse sentido, o jornalism o desem penha seu papel ideo ­
lógico de reforçar tam bém determ inadas condições im aginárias de
cidadania, preparando os indivíduos e as classes para a adesão
ao sistem a. Isso ocorre, tanto através da produção de um conhe­
cim ento que coincide com a percepção positivista que em ana
espontaneam ente das relações reificadas do capitalism o, com o
pela reprodução e am pliação dessa percepção, a fim de garantir
que a universalidade conquistada pelo capital continue sob a égi­
de particular dos interesses capitalistas.
E essa contradição que form a a base histórica para que o
jornalism o seja um fenôm eno am bivalente, já que esse confli­
to atravessa a lógica jornalística. E esse fenôm eno que autoriza
pensar num jornalism o inform ativo feito sob um a ótica de classe
oposta e antagônica à ótica burguesa, assim com o abre brechas
para certas posturas críticas à ordem burguesa nos veículos con­
trolados pelas classes dom inantes. Esse últim o aspecto depende,
não apenas da capacidade teórica e técnica do jornalism o, da
sua ideologia e talento, m as tam bém de um a dupla relação de
forças: a luta política interna na redação e a luta mais am pla - e
fundam ental - pela influência e o controle sobre os m eios de co­
m unicação. São batalhas que se travam nas redações e sindicatos
das categorias, m as basicam ente fazendo com que o m ovim ento
operário e popular assim ile e adote bandeiras políticas vincula­
das a essa questão.

180
A notícia como produto industrial

Para um a abordagem teórica do jornalism o, é im prescin­


dível delim itar com precisão o conceito de notícia, ao invés de
generalizá-lo com o fazem a m aioria dos autores. N ilson Lage
afirm a que se considerarm os que

notícia, no sentido mais amplo e desde o tempo mais


antigo, tem sido o modo corrente de transmissão da ex­
periência —isto é, a articulação simbólica que transporta a
consciência do fato a quem não o presenciou —parecerá
estranho que dela não se tenha construído uma teoria”.12

A notícia jorn a lística não pode ser considerada com o um a


m odalidade da inform ação em geral. Não foi a transm issão g e ­
nérica da experiência —o que sem pre ocorreu em sociedade —e
sim a transm issão sistem ática, por determ inados m eios técnicos,
de um tipo de inform ação necessária à integração e universaliza­
ção da sociedade, a partir da em ergência do capitalism o, que deu
origem à notícia jornalística.
“Mudou, de fato, o modo de produção da notícia: crenças
e perspectivas nela incluídas não são mais as do indivíduo
que a produzia, mas da coletividade hoje produtora, cujas

12 1>AGK, Nilson. Ideologia e técnica da noticia. Petrópolis, Vozes, 1979. p. 33 —Alguns autores
defendem a tese de que os antecedentes do jornalismo podem ser encontrados desde a
antiguidade, na Grécia, Roma e antigo Egito. Ver: QU1ROS, Eelipe Torroba Berlando
de. \m información y elperiodism o. 2. ed. Buenos Aires, Editora Universitária, 1969, p. 26
- O utros acreditam que o jornalism o iniciou na pré-história: “D esde hace mucho tiempo el
hombre ejerce elpenodism o sin saberlo. I ms inscripciones e incisiones mágicas de la plástica prehistórica
(en las cuevas de A ltamira, verbigraáa) son signos, es decir tienen un significado p a ra la comuni-
cación humana. In: M UJICA, Hector, Em império de la noticia. —Caracas, Ediciones de la
Biblioteca de la Universidad Central de Venezuela, 1967. p. 11. (Coleccion Avande; 15);
—E há aqueles que recuam ainda mais, retrocedendo na própria escala zoológica, para
encontrar os primórdios do jornalism o: “Aos animais inferiores não faltava uma espécie
de comunicação, que tinha certa sem elhança com a notícia. O cacarejo da galinha é
com preendido pelos pintos com o sinal de perigo ou alimento e os pintos lhes respon­
dem ” . Ver: PARK, Robert E. A notícia como forma de conhecimento: um capítulo da
sociologia do conhecimento. In: STEINBERG, Charles S. (org.). M eios de comunicação de
M assa, Sao Paulo, Cultrix, 2. ed., p. 181.

181
tensões refletem contradições de classe ou de cultura. Pro­
vavelmente uma boa razão para o descrédito contemporâ­
neo de uma teoria da notícia se encontre no caráter coledvo,
industrial, da produção desse bem simbólico”.13

O ra, o m otivo desse suposto descrédito apontado por Lage


—o caráter coletivo e a produção industrial da notícia —é preci­
sam ente a consideração básica e prelim inar para um a teoria do
jornalism o e da notícia enquanto form a de conhecim ento histo­
ricam ente condicionada.
O jornalismo, enquanto form a específica de transm issão de
inform ações, requer um meio técnico apropriado capaz de m ulti­
plicar e transportar a m esm a inform ação em proporções de espa­
ço e tempo radicalm ente diferentes da com unicação interpessoal
direta ou dos m étodos artesanais. Por isso, a “indústria da infor­
m ação” surge com o um a extensão da indústria propriam ente dita
e encontra nela sua base material, seu corpo de existência.
A distinção entre jornalism o e im prensa, consequentem en­
te, é fundam ental: a im prensa é o corpo m aterial do jornalism o,
o processo técnico do jornal —que tem sua contrapartida na tec­
nologia do rádio, da TV, etc. —e que resulta num produto final,
que podem ser m anchas de tinta num papel ou as ondas de ra­
diodifusão. O jornalism o é a m odalidade de inform ação que sur­
ge sistem aticam ente destes m eios para suprir certas necessidades
histórico-sociais que, conform e já indicam os, expressam um a
am bivalência entre a particularidade dos interesses burgueses e a
universalidade do social em seu desenvolvim ento histórico.
Assim com o os produtos industriais diferem dos artesanais,
tanto pelas relações sociais em que estão inseridos com o pelas
características intrínsecas que decorrem nos produtos, a com uni­
cação jornalística tem sua natureza própria, distinta da com uni­
cação interpessoal e das dem ais form as pré-industriais.

13 LAGE, Nilson. Op. c i t p. 33.

182
/
E bastante com um a crítica liberal de que o jornalism o
m oderno está alicerçado num a estéril “im pessoalidade”, pois o
em issor nào se apresenta com o um indivíduo em carne e osso,
com nom e e endereço. E sse tipo de crítica situa-se num a lar­
ga tradição de crítica do capitalism o industrial, seja quanto aos
objetos m ateriais de consum o com o em relação aos produtos
culturais e artísticos. Sua fonte ideológica é, no que diz respeito
aos consum idores, aristocrática.
J á vim os com o a E scola de Frankfurt acaba defendendo
um a posição elitista em term os culturais. Podemos observar
tam bém certos segm entos burgueses que cultuam um a tradição
aristocrática com o elem ento de diferenciação dentro das pró­
prias classes dom inantes, valorizando m óveis ou objetos orna­
m entais “feitos à m ão” e, por isso, “originais” . Porém , no que
diz respeito aos produtores diretos, essa crítica da “despersona-
lização” da atividade jornalística possui outra fonte ideológica:
ela expressa o saudosism o dos artesãos e pequenos-burgueses
que perderam sua identidade ao longo do processo que os sub­
jugou ao capital com o trabalhadores assalariados. O corre que o
jornalista, atualm ente, deixou de ser um “intelectual” no sentido
adjetivo dessa palavra, tornado-se alguém que —salvo exceções
—é apenas um “trabalhador intelectual” (no sentido substantivo)
especializado. As velhas gerações de jornalistas, principalm ente,
não se conform am com essa perda de status in telectual.14
A crítica da “despersonalização” do jornalism o inform ati­
vo dem onstra, apenas, que a essência da questão não foi sequer
tocada por tais análises e, conduz, geralm ente, a um a apologia,
aberta ou velada, do jornalism o do passado, quando a subjetivi­

14 A ideia de que o jornalism o é um gênero literário está presente em vários livros, ensaios e
artigos. Ver: OLINTO, Antonio .Jornalism o e ! iteratura. Rio de Janeiro, Edições de Ouro,
s. d. I.IM A, Alceu Amoroso. ( ) jornalism o como gênero literário. 2. ed. Rio de Janeiro,
Agir, 1969. (Col. Ensaios; 8); NEPOM UCENO, Eric. Literatura e jornalism o: uma guer­
ra que nào acaba nunca. In: Leia. Joruês out. 1986. n. 96.

183
dade e as idiossincrasias dos redatores eram o aspecto dom inan­
te na notícia. Os fatos singulares que, supostam ente, estavam
sendo inform ados, precisavam ser procurados com o a um pe­
queno pássaro verde num a floresta exuberante, entre adjetivos,
m etáforas, paráfrases, anacolutos e literatices diversas.
O problem a central é que, assim com o os produtos in ­
dustriais não são m ais confeccionados pelo m odesto artesão e
suas ferram entas individuais, mas coletivam ente num a linha de
m ontagem , a inform ação jornalística m anifesta - predom inante­
m ente —um a percepção de classe ou grupo social. O talento, a
capacidade técnica e a visão ideológica pessoal de cada jornalista
são im portantes, com o já foi acentuado, e poderão até prestigiá-
-lo diante de seus colegas e do público, não tanto com o criador,
m as principalm ente com o intérprete de um a percepção social da
realidade, que ele vai reproduzir e alargar.
Enfim, o aspecto estético, ou essencialm ente criador —
quando se trata de jornalism o - , em bora tenha seu espaço g a­
rantido em qualquer atividade do espírito (m esm o na aridez da
ciência), será sem pre subordinado ao processo de conhecim ento
cristalizado no singular. Isso quer dizer que os aspectos lógicos
subjacentes à apreensão do real através do singular-signijicante se­
rão predom inantes na atividade jornalística tom ada em seu con ­
junto.

Sob a inspiração de Benjamin

J á referim os, na discussão sobre a E scola de Frankfurt,


que Adorno, H orkheim er e M arcuse form am um a vertente im ­
portante nas tentativas de teorização sobre a cultura de m assa
e o jornalism o. A s agudas críticas à superestrutura ideológica e
cultural do capitalism o m onopolista e do “socialism o” stalinista
possuem m éritos teóricos e políticos inquestionáveis. O jo rn alis­

184
mo, por seu turno, foi tratado com o um dos aspectos da “indús­
tria cultural” e desprezado com o fenôm eno distinto. E m conse­
qüência, o pressuposto da cultura com o m anipulação e, além disto,
a falta de especificidade no tratam ento do fenôm eno jornalístico
im pediram um a abordagem capaz de transcender a m era crítica
do jornalism o com o reprodução da ideologia burguesa.
Portanto, resgatar W alter Benjam in —em bora ele não tenha
avançado na questão particular do jornalism o15—é tom ar um outro
caminho. Permite iniciar um a crítica a determ inados pressupostos
que im pedem a com preensão teórica do problema. Benjam in per­
cebe as enorm es potencialidades culturais e estéticas que nascem
com a reprodutibilidade técnica, ao m esmo tempo que se dissolve
a “aura” das obras de arte, que estaria ligada à ideia do “original” e
teria suas origens longínquas na magia. Ele reconhece, no terreno
cultural e estético, as inovações tecnológicas como parte de uma
práx is que ultrapassa a m anipulação de classe a que presentem ente
servem tais instrum entos, ou seja, enquanto criação histórica de
possibilidades culturais socialistas e comunistas.
Fortem ente influenciado por Benjam in, H ans-M agnus En-
zensberger indica as potencialidades político-revolucionárias dos
m eios eletrônicos de com unicação, confrontando igualm ente
com a tradição de Frankfurt. Para E nzensberger os meios de
com unicação não podem ser considerados com o sim ples instru­
m entos de consum o ou m anipulação. “ Em princípio, sem pre são
ao m esm o tem po m eios de produção. E um a vez encontrando-
-se nas m ãos das m assas, são m eios de produção socializados”.16

15 “Para Benjam in, o jornalism o é a expressão da mudança de função da linguagem no ca­


pitalism o tardio. A frase feita é a marca mercantil que torna o pensam ento transacioná-
vel. De um modo muito característico para o seu pensamento, Benjam in encontra nessa
negatividade a possibilidade m esm a de um salto para o oposto a isso: a transformação
da cópia num instrum ento de produção”. Ver: KOTHE, Flávio. Para ler Benjamin. Rio de
Janeiro, Francisco Alves, 1976. p. 83.
16 ENZENSBERGF.R, Hans-Magnus. H lementospara urna teoria dos m eios de comunicação. Rio
de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978. (Biblioteca Tempo Universitário; 56) p. 56.

185
E le nota um a função dos m eios que ultrapassa as necessidades
estritas de reprodução do capital:
“Os meios eletrônicos nào devem seu irresistível poder a
nenhum artifício ardiloso, mas à força elementar de profun­
das necessidades sociais, que se manifestam mesmo na atual
forma depravada de tais meios”.17

Sob o influxo dessa perspectiva teórica, tom ada em seu


sentido geral e não pelas conclusões particulares extraídas pelos
auto res18, talvez seja possível dar um passo à frente. Q uer dizer,
reconhecer as potencialidades dos m eios de com unicação m o­
dernos não só no que tange às configurações culturais e políticas
que estão nascendo —e apontam para o futuro —, m as igualm ente
em relação a um a nova form a de conhecim ento.
N outras palavras, adm itir o surgim ento de um a nova form a
social de conhecim ento com o, por exem plo, foi o caso da ciência e
da arte (em bora esta últim a não se lim ite a essa função). Tais
form as de conhecim ento surgem com base no desenvolvim ento
tecnológico e correspondem a determ inadas “necessidades so­
ciais profundas”, para repetir a expressão de E nzensberger. São,
então, incorporadas historicam ente com o novas m odalidades de
apropriação subjetiva do m undo e transcendem o m odo de pro ­
dução que está na sua origem . N outro plano, m as de m odo se­
m elhante, surgem m uitas disciplinas científicas novas com o, por
exemplo, nasceu a antropologia no contexto do colonialism o. E,
hoje, ela está se legitim ando cada vez m ais com o um a abordagem
original e im prescindível à com preensão da sociedade, inclusive
com um a forte corrente anticolonialista e anti-im perialista.

17 Wm, p. 95-96.
18 N o caso de Benjam in, a tese que nos parece inaceitável é a ideia da dissolução da arte nas
m anifestações culturais coletivas e a previsão do desaparecim ento do autor individual;
no caso Enzensberger, além das citadas, a profecia de que a escrita tornar-se-á uma
“técnica secundária” e que, além disso, cada um poderá ser um “m anipulador” direto
dos meios de comunicação.

186
O surgim ento do jornalism o pode ser situado no contexto
desse m odelo dialético. N ão se trata de um fenôm eno eterno,
dotado de um a essência apriorística ligada ao conceito m etafí­
sico do hom em , mas tão som ente de um fenôm eno histórico
que ultrapassa a base social im ediata que o constitui, a saber, o
capitalism o. A essência do hom em é, ela tam bém , um processo
e não um a substância inerte. O u, o que significa a m esm a coisa,
a substância essencial do ser hum ano é precisam ente o processo
—seu processo de autoconstrução.
A ciência, tal com o era concebida, ou seja, um ram o especu­
lativo da filosofia, foi superada pela ciência m oderna, baseada na
experim entação e sujeita a determ inados preceitos lógicos e sis­
tem áticos. Esse tipo de ciência, um dia poderá vir a ser superada
por outra form a de saber que consiga, talvez, um a reintegração
com a filosofia em novas bases, fazendo da ciência contem porâ­
nea um m om ento subordinado desse novo patam ar do conheci­
mento. N ão im porta, neste caso, qual seja o futuro, m as apenas
assinalar que ele será diferente do passado e do presente. E que
o jornalism o, algum dia, poderá tam bém vir a ser radicalm ente
transform ado. Mas o que estam os procurando acentuar é que o
jornalism o não desaparecerá com o fim do capitalism o e que,
ao contrário, ele está apenas com eçando a insinuar suas im ensas
possibilidades e potencialidades histórico-sociais no processo de
autoconstrução hum ana.
Com o form a histórica de percepção e conhecim ento ele
está no fim do com eço, não no com eço do fim. N outras pala­
vras, no entardecer do capitalism o, em que estam os adentrando,
o jornalism o recém está chegando à sua juventude.

A fecundidade do singular e a necessidade da manipulação

O jornalism o m oderno possui não só um potencial crítico


e revolucionário na luta contra o im perialism o e o capitalism o,

187
m as um “potencial desalienador” insubstituível para a constru­
ção de um a sociedade sem classes. Ele perm ite, pela natureza
m esm a do conhecim ento que produz, um a im prescindível p arti­
cipação subjetiva no processo de significação do ser social.
N o capitalism o, as singularidades em que se m anifestam os
fenôm enos sociais tendem , pela interpenetração e a dinâm ica de
tais m anifestações, a expressar cada vez com mais vigor e evi­
dência as contradições fundam entais da sociedade. Além disso,
existem contradições (em bora não antagônicas) entre a ideologia
pequeno-burguesa dos setores assalariados ligados ao trabalho
intelectual, com o os jornalistas, e os interesses políticos do capi­
tal m onopolista, reproduzindo visões diferenciadas e percepções
críticas dos fenôm enos sociais. Finalm ente, em virtude do agu-
çam ento das contradições globais do m odo de produção capita­
lista, das lutas econôm icas que surgem espontaneam ente e das
lutas políticas prom ovidas conscientem ente pelas vanguardas,
aum enta a capacidade crítica das m assas em geral e do proleta­
riado em particular. Isso proporciona um a possibilidade m aior
de apreensão das conexões que o jornalism o burguês procura
obscurecer ou distorcer.
Em conseqüência dos fatores apontados acim a, a tendência
do jornalism o hegem onizado pelos interesses da burguesia m o­
nopolista é a instituição crescente de form as planejadas e delibe­
radam ente m anipulatórias.
Por sua lógica intrínseca de perseguir o singular e expressar sua
significação imediata, o jornalismo ao refletir a hegemonia da ideo­
logia dominante, expressa também as contradições com as quais ela
se debate, à medida que é obrigado a respeitar certa hierarquia obje­
tiva dos fenômenos. O u seja, enquanto se aprofundam as contradi­
ções do capitalismo, o jornalismo tende a refletir espontaneamente
aspectos críticos da própria objetividade que reproduz. A solução é
o controle mais estrito e ideologicamente mais cuidadoso dos meios
de comunicação e das informações elaboradas.

188
Em síntese, o caráter objetivo das contradições que se avo­
lum am no capitalism o, lança sem entes de crise na própria “ob­
jetividade burguesa” do jornalism o, reforçando a necessidade da
m anipulação. Aliás, a utilização da inform ática, cada vez mais
intensa, am plia essas possibilidades de controle e hierarquização
do processo inform ativo.
A inform ação jornalística, vale insistir, e a base técnica para
sua produção (im prensa, rádio e TV) nasceram no bojo do m es­
m o processo de desenvolvim ento das relações m ercantis. Sur­
giu, então, o jornalism o com o um a form a social de percepção e
apropriação da realidade, correspondendo a um aspecto deter­
m inado da p rá x is hum ana.
O corre que o objeto da apropriação prática dos homens
é, cada vez mais, a totalidade do m undo social e natural. Cada
indivíduo exerce sua atividade não apenas sobre um a parcela
dessa realidade, mas sobre a totalidade, através das m ediações
objetivas e subjetivas que se constituem com o avanço das forças
produtivas e a socialização da produção.
Portanto, cada indivíduo, em algum a m edida, precisa apro­
xim ar-se dessa realidade através de um a relação tanto m ediata
com o im ediata. Sabem os que o “im ediato” que ele percebe pelos
m eios de com unicação não é, realm ente, algo dado im ediatam en­
te, mas um a realidade elaborada sistem aticam ente em função de
certas técnicas e segundo um ponto de vista ideológico. Trata-se,
portanto, do resultado do processo de apreensão e elaboração
feito por interm ediários. M as sabem os, do m esm o modo, que
o “im ediato” que ele vê com seus próprios olhos —quer dizer,
que ele percebe diretam ente pelos sentidos —a rigor, tam pouco
é um a realidade sem m ediações.
Entre o sujeito individual e o objeto p erm eia todo um
m undo histórico —o cérebro dos m ortos oprim e o cérebro dos
vivos, com o disse M arx —, a cultura, os conhecim entos e concei­

189
tos acum ulados e a própria ideologia. A ssim , todo o im ediato é
tam bém m ediato, com o todo o m ediato, no final da cadeia de
percepções, é apreendido com o im ediato em relação às m edia­
ções precedentes e subsequentes.
O que diferencia um do outro, relativamente, é o grau de
generalidade cristalizada na form ulação que vai subsidiar o conhe­
cimento, conform e a predom inância do singular, do particular ou
do universal. A lém disso, há que se considerar tam bém a natureza
das mediações: se são apenas aquelas introjetadas através da cul­
tura (como na percepção individual direta) ou se existem objetiva­
m ente enquanto instrum entos, atividade social e m étodo atuantes
na m ediação (tal com o ocorre no jornalism o). Neste últim o caso,
o problem a da linguagem torna-se crucial para a com preensão e a
caracterização da form a de conhecimento, já que ela vai expressar
a organização racional das m ediações em seu conjunto.
O processo de m ediação inerente ao conhecim ento jor­
nalístico, que envolve instrum entos adequados a um a atividade
social organizada, exige um a linguagem que otim ize a predom i­
nância da singularidade. A “funcionalidade” da linguagem jorna­
lística, a que se referem certos autores, pode ser explicada funda­
m entalm ente tom ando por critério essa exigência.
E verdade que a linguagem jornalística deve ser pertinente
tanto ao “registro fo rm al” com o ao “registro coloquial”19, bus­
cando ao m esm o tem po obter o m áxim o de inform ação em m e­
nor espaço, através de um estilo conciso, claro e preciso. M as o
que oferece sentido a essas exigências e estabelece um a lógica
entre elas é a natureza do conhecim ento que o jornalism o p ro ­
duz. A final, a concisão, a clareza e a precisão são im portantes em
m uitas outras form as de com unicação e não só no jornalism o.
A densidade inform ativa tam bém é exigida em outras form as de

19. LAGE, Nilson. L inguagem jornalística. São Paulo, Atica, 1985. p. 38.

190
com unicação. Um relatório eficiente ou um a ata bem elaborada
não podem dispensar nenhum a das qualidades referidas acima.
N o jornalism o não se pode dizer, por exem plo, que “a bur­
guesia procura reprim ir as greves porque elas am eaçam a repro­
dução am pliada do capital”, afirm ação que poderia caber num
ensaio de ciências sociais. D ir-se-á algo como:

“[.„]os diretores da Ford, fulano e beltrano, pediram a inter­


venção do Exército para reprimir os piquetes grevistas, de­
pois que a proposta patronal foi rejeitada numa assembleia
de cinco mil trabalhadores, realizada ontem à tarde no pátio
da empresa.

A linguagem científica tem um a configuração universal. Ela


busca dissolver as singularidades e particularidades, para m antê-
-las superadas nos conceitos e categorias universais e nas form a-
/
lizações universalizantes. E claro que, na ciência, não está em
jogo um a espécie de universal puro, o que seria um a concepção
idealista. À m edida que as singularidades e particularidades são
superadas, elas passam a existir com o determ inações virtuais do
universal, recolhidas pelo conceito em sua concreticidade.
A linguagem jornalística quer apreender a singularidade,
m as só pode fazê-lo no contexto de um a particularidade deter­
m inada, ou seja, no contexto de generalizações e conexões lim i­
tadas capazes de atribuir sentido ao singular sem , no entanto,
dissolvê-lo enquanto fenôm eno único e irrepetível.
Por um lado, os conceitos científicos ou teóricos tendem a
diluir a força da experiência im ediata —o singular —no interior
de um a abstração ou m esm o de um a concretitude intangível à
percepção dos indivíduos. Por outro lado, a adjetivação excessiva
tende ao form alism o do universal-abstrato ou a um a ética pura­
m ente norm ativa. Se afirm o, por exemplo, que um determ inado
hom em que espancou sua m ulher praticou “um ato de cruelda­
de”, estou qualificando universalm ente o fato, isto é, tornando-o

191
sim plesm ente um exem plar do gênero de “atos cruéis” já sobe­
jam ente conhecidos. A ssim , não perm ito que o próprio evento
contribua com sua singularidade para com plexificar, acrescentar
ou negar, com sua determ inação irrepetível, a com preensão par­
ticular e universal que o público tem da crueldade. Perde-se a
fecundidade do singular com o dim ensão legítim a e criadora da
realidade e do conhecim ento.

192
C apítulo IX

O segredo da pirâmide
ou a essência do jornalismo

A crítica da “ideologia da objetividade” é feita por muitos


autores. Porém, em geral, ela não vai ao fundo da questão, resu­
m indo-se a aspectos sociológicos e psicológicos referentes à inevi­
tabilidade da opinião. É o caso de Hector M ujica, quando afirma
que toda a inform ação “tiene un contenido, una carga de opinión que
deriva de las actitudes y opiniones de las personas que la p ro p orà on a n y de las
actitudesy opiniones de quien la escribe” } Esse tipo de crítica não atinge
os aspectos ontológicos e epistem ológicos do problem a. Pode-
-se, a partir de tais críticas, propor a busca da m aior objetividade
e im parcialidade possíveis, em barcando no m esm o simplismo da
ideologia do jornalism o burguês que se pretendia combater.
M uitos entre aqueles que se colocam num a perspectiva crí­
tica em relação ao capitalism o não conseguem se livrar do mito
que m ais com batem : a “inform ação objetiva” . E m geral fecham
a porta da frente e deixam entreaberta a porta dos fundos, por
onde penetra sinuosam ente a ideia irresistível da objetividade
pura finalm ente revelada. Ciro M arcondes Filho é um deles. A
ideia de um a inform ação objetiva - pelo m enos enquanto m eta
- é acalentada pelo autor com o possibilidade teórica, em bora

1 M UJICA, Hector. E I império de la noticia-, algunos problemas de la inform ación en el


m undo contemporaneo.Caracas, Ediciones de la Biblioteca/Universidad Central de Ve­
nezuela, 1967. (Colección Avance) p. 44-45.

193
reconheça a im possibilidade de realizá-la plenam ente. E sta ob­
jetividade estaria situada num plano relativista, a partir de um
distanciam ento crítico dos interesses e enfoques parciais.
D iz M arcondes Filho que
“[...]uma objetividade possível (enquanto meta) só pode­
ria ser conseguida, ainda concordando com Cavalla, com a
busca da informação como aquela que evita a denúncia de
sofismas, instrumentos de persuasão ocultos, afirmações in-
justificadamente peremptórias; que difunde outras interpre­
tações dos fatos diferentes dos dominantes, a fim de mos­
trar o caráter meramente parcial e hipotético dos mesmos;
que declara explicitamente o caráter questionável da própria
escolha e da própria valoração”.2

A m aioria dos autores reconhece que a objetividade plena é


im possível no jornalism o, m as adm ite isso com o um a lim itação,
um sinal da im potência hum ana diante da própria subjetividade,
ao invés de perceber essa im possibilidade com o um sinal da po­
tência subjetiva do hom em diante da objetividade.

A construção social dos fatos jornalísticos

Assim como cada disciplina científica constrói os fatos com


os quais trabalha, a notída é a unidade básica de informação do jor­
nalismo. São os fatos jornalísticos, objeto das notícias, que constituem
a m enor unidade de significação. O jornalismo tem um a maneira
própria de perceber e produzir “seus fatos”. Sabemos que os fatos
não existem previamente como tais. Existe um fluxo objetivo na re­
alidade, de onde os fatos são recortados e construídos obedecendo
a determinações ao m esm o tempo objetivas e subjetivas.

2 MARCONDES M LH O , (Aro J. R. 0 capital da noticia-, jornalism o como produção social


de segunda natureza. Tese de Livre Docência apresentada ao D epartam ento de Jorn alis­
mo e Lditoraçao da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Set.
1983. (Fotocópia) p. 20.

19 4
Isso quer dizer que há certa m argem de arbítrio da subjeti­
vidade e da ideologia, em bora lim itada objetivam ente. A objetivi­
dade oferece um a m ultidão infinita de aspectos, nuances, dim en­
sões e com binações possíveis para serem selecionadas. A lém
disso, a significação dos fenôm enos é algo que, constantem ente,
vai se produzindo pela dialética dos objetos em si m esm os quan­
to da relação sujeito-objeto.
C) m aterial do qual os fatos são constituídos é objetivo, pois
existe independente do sujeito. O conceito de fato, porém , im ­
plica a percepção social dessa objetividade, ou seja, na significa­
ção dessa objetividade pelos sujeitos, Essa prem issa m aterialista
pode ser desdobrada dialeticam ente em determ inadas teses que
são im portantes para a discussão do jornalism o:

a) A própria realidade objetiva é, em certa m edida, inde­


term inada. O universo é probabilístico, com o já o de­
m onstrou a física m oderna. A sociedade, com o parte
desse universo, tom ada enquanto sim ples objetividade,
tam bém é probabilística. Contudo, além de ser objetiva,
ela envolve sujeitos hum anos enquanto processo de au-
tocriação consciente, isto é, o reino da liberdade. A ssim ,
a realidade social deve ser entendida com o totalidade
con creta1, com o transform ação da possibilidade e pro­
babilidade em liberdade através da criação e superação
perm anente de necessidades por m eio de trabalho.
b) O conhecim ento constitui-se com o processo infinito.
N ão é possível conhecer exaustivam ente sequer um a
parte da realidade, pois isso im plicaria conhecer todo o
universo e o conjunto de relações com a parte conside­
rada. E não se pode adm itir, nem m esm o teoricam en­
te, o conhecim ento integral do todo, já que ele é um a

3 KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 2. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p. 44.

195
“totalidade em processo de totalização”, autoprodução
perm anente e eterna.
c) N o caso da realidade histórico-social há outra questão:
os sujeitos hum anos, com sua m argem de arbítrio sobre
o curso dos fenômenos, participam conscientem ente na
indeterm inação objetiva do universo, à m edida m esm o
que podem determ iná-lo subjetivamente. Desse modo, o
conhecim ento “científico” da sociedade contém, intrinse-
cam ente, a subjetividade como dim ensão inseparável do
objeto e da teoria que busca apreendê-lo. Isso significa
que o conhecim ento sobre a realidade histórico-social é
sempre com prom etido politicam ente, pois ele se configu­
ra solidário com certas possibilidades do real e adversário
de outras. Se o conhecimento das ciências naturais ten­
de a expressar a objetividade, em bora jamais consiga ser
exaustivo, o conhecim ento da sociedade converge para o
m om ento de m útua criação entre a objetividade e a subje­
tividade, tendo a práx is com o seu verdadeiro critério. Pelo
conhecim ento da práx is, a objetividade pode ser revela­
da em seu movimento, como tendências e possibilidades
concretas. A subjetividade, então, reconhece-se a si m esm a
e toma consciência das suas lim itações e potencialidades.
d) A relação sujeito-objeto é um a relação na qual o sujeito
não só produz o seu objeto com o tam bém é produzido
por ele. A o se produzir livrem ente nos lim ites da obje­
tividade, ele produz a própria objetividade do mundo.
Ou seja, o hom em não só escolhe o seu destino ao atuar
objetivam ente sobre o m undo, m as tam bém transform a
o m undo à m edida que escolhe seu destino, pois ele m es­
m o —corpo e espírito —é parcela desse mundo.
e) Os fa tos jorn alísticos são um recorte no fluxo contínuo,
um a parte que, em certa m edida, é separada arbitraria-

196
m ente do todo. N essa m edida, é inevitável que os fatos
sejam , em si m esm os, um a escolha. M as, para evitar o
subjetivism o e o relativism o, é im portante agregar que
essa escolha está delim itada pela m atéria objetiva, ou
seja, por um a substância histórica e socialm ente cons­
tituída, independentem ente dos enfoques subjetivos e
ideológicos em jogo. A verdade, assim , é um processo de
revelação e constituição dessa substância. Vejam os um
exem plo extrem o: ocorreu um fato que envolve Pedro e
João, no qual o últim o resultou m ortalm ente ferido por
um tiro disparado pelo primeiro. Posso interpretar que
Pedro “m atou”, “assassinou” ou “tirou a vida de Jo ão ”.
Ou, ainda, que Pedro apenas executou, sob coação, um
crim e prem editado por terceiros. N ão posso esconder,
entretanto, que Pedro atirou contra Jo ão e que este resul­
tou morto.

N ão há dúvida que a cham ada “objetividade jornalística”


esconde um a ideologia, a ideologia burguesa, cuja função é re­
produzir e confirm ar as relações capitalistas. E ssa objetividade
im plica um a com preensão do m undo com o um agregado de
“fatos” prontos e acabados, cuja existência, portanto, seria an­
terior a qualquer form a de percepção e autônom a em relação
a qualquer ideologia ou concepção de mundo. C aberia ao jor­
nalista, sim plesm ente, recolhê-los escrupulosam ente como se
fossem pedrinhas coloridas. Essa visão ingênua, conform e já foi
sublinhado, possui um fundo positivista e funcionalista. Porém,
não é dem ais insistir, essa “ideologia da objetividade” do jorna­
lism o m oderno esconde, ao m esm o passo que indica, um a nova
m odalidade social do conhecim ento, historicam ente ligado ao
desenvolvim ento do capitalism o e dotado de potencialidade que
o ultrapassam .

197
“A ideologia do evento expressa, na realidade, um feixe ide­
ológico peculiar. Em primeiro lugar, tal ideologia propõe
uma divisão da história extremamente rígida e previsível sob
um véu de flexibilidade e inesperabilidade. A rigidez, e a pre­
visibilidade se originam de uma suposição única: a história
humana se constitui por uma sucessão de ‘fatos’ que são
uma alteração do estado anterior”.4

A apreensão do senso com um , que corresponde à expe­


riência cotidiana dos indivíduos, é dada pela significação m era­
m ente “ funcional” no universo social vivido. Logo, em term os
epistem ológicos, a base na qual o fato será assentado e contex-
tualizado tende a reproduzir de m aneira latente a universalidade
social tal com o é vivida im ediatam ente. N ão é por outro m oti­
vo que a ideologia das classes dom inantes é norm alm ente he­
gem ônica e o senso com um tende a decodificar os fatos num a
perspectiva conservadora. Isso ocorre espontaneam ente na so­
ciedade, à m edida que a reprodução social das pessoas, segundo
padrões estabelecidos, aparece com o se fosse, diretam ente, a re­
produção biológica de cada indivíduo. A ssim , a “notícia crítica”,
que apanha os fatos num a perspectiva revolucionária, constitui a
singularidade com o algo que transborda sua relação m eram ente
funcional com a reprodução da sociedade.

A história e os mitos sobre a pirâm ide

A prim eira notícia redigida segundo a técnica da “pirâm ide


invertida” teria aparecido no The N e 2r York Times em abril de
1861. A partir da segunda m etade no século X X , alguns dos mais
im portantes periódicos latino-am ericanos passaram a publicar
notícias das agências norte-am ericanas, redigidas segundo esse

4 NEVES, Luiz Baeta. Prim eira página: descoberto o m ito do jornalism o objetivo. In:
Revista de Cultura \ 'o^es. Petrópolis, Vozes, 1980. LXXIV, p. 16.

198
m odelo.5 N esse período, essa técnica se espalhou gradativam en-
te, tendo chegado no Brasil exatam ente em 1950, pela iniciadva
do jornalista Pom peu de Sousa.6
A lguns aceitam a tese de que a “pirâm ide invertida” surgiu
por um a deficiência técnica7, um acaso que contem plou, ao m es­
mo tem po, o com odism o dos leitores e o interesse dos jornais
em suprim ir os parágrafos finais quando chegava um anúncio de
últim a hora.

“A narração cronológica —diz Eleazar Diaz Rangel que


dominou o que poderia chamar-se toda uma primeira eta­
pa na evolução da notícia, respeitava a ordem em que se
sucederam os fatos e era necessário ler todo o relato para
inteirar-se do que havia ocorrido. Para os novos leitores que
a imprensa conquistou, resultava muito mais práúco essa es­
trutura da ‘pirâmide invertida”’.8

M ais adiante, o autor com plem enta que o leitor, assim , in-
form a-se brevem ente e não pergunta pelas circunstâncias dos fa­
tos. E ssa nova estrutura da notícia não foi planejada para cham ar

5 RANGEL, Eleazar Diaz. A notícia na América Latina: mudanças na form a e conteúdo.


In: Revisto Comunicação <&Sociedade. Sào Paulo, Cortez/IM S, 1981. n° 5, p. 91.
6 “O k ad foi introduzido por mim para substituir nariz-de-cera. Representou uma subver­
são da técnica redacional. Naquele tempo, a notícia ficava no pé da matéria. A abertu­
ra era um comentário, uma opiniào, uma mistura de informação, interpretação e tudo
mais, menos notícias. Aquilo que precisava mudar. Era absolutam ente necessário uma
reform a. Eu a projetei no carnaval de 1950. Naquela época, chefiava a redação do Diário
C.arioca, que me ocupava muito. No carnaval, como fiquei mais folgado sentei na m á­
quina e com ecei escrever o que os americanos chamavam de style book”. Pompeu de
Souza Brasil, em entrevista à Cláudia Lysias. Revisto de Comunicação, A gora Comunicação
Integrada, ano 2, número 7, 1986, p. 22.
7 Vários autores afirmam que o kad surgiu em virtude dos defeitos técnicos que ocasiona­
vam interrupções nas linhas telegráficas. Os editores ordenavam, então, que seus corres­
pondentes relatassem prim eiro os fatos principais. Eleazar Diaz R angel se refere a essa
circunstância no artigo já citado. N o entanto, se a “pirâmide invertida” foi introduzida
no jornalism o desse modo pitoresco, isso não explica sua generalização e permanência,
mesmo se levarmos em conta o suposto “com odism o” dos leitores no sentido de se
inform arem de maneira mais fácil, rápida e superficial. (Sobre o assunto, ver: WARRKN,
Carl. G ênerosperiodísticos informativos. 2. ed. Barcelona, ATE, 1975. HOHEM BERG, John.
0 jornalism o profissional. Rio de Janeiro, Interam ericana, 1981.)
8 RAN G EL, Eleazar Diaz. Op. cit., p. 95.

199
o leitor à reflexão, mas apenas "para informá-lo superficialmen­
te, para adormecê-lo, fazê-lo indiferente e evitar que pense”9.
Deixemos de lado o simplismo da tese segundo a qual a "pi­
râmide invertida” teria nascido de uma circunstância tecnológica
e se generalizado por comodismo ou para impedir a consciência
crítica dos leitores. Vejamos um comentário crítico pertinente,
lembrado pelo próprio Diaz Rangel:
“De todos, o mais importante é aquele que diz que essa
maneira de estruturar a notícia cria uma tendência a uni­
formizar os primeiros parágrafos, os kads, e desestimula a
criatividade, e iniciativa dos repórteres”.1"
Sem dúvida, esse problema existe. Mas ele decorre muito
mais da perspectiva empirista patrocinada pela “pirâmide inver­
tida” e o k a d —o que leva a maioria dos redatores a pensar que se
deve sempre responder monótona e mecanicamente as famosas
“seis perguntas” no primeiro parágrafo —do que realmente pela
apreensão singularizada do fato, na qual o lead seria apenas a ex­
pressão mais aguda e sintética.
A ideia da “pirâm ide invertida” pretende encarnar uma teo­
ria da notícia mas, de fato, não consegue. Ela é apenas uma hipó­
tese racional de operação, uma descrição empírica da média dos
casos, conduzindo, po r esse motivo, a uma redação padronizada
e não à lógica da exposição jornalística e à compreensão da epis-
temologia do processo. Somente uma visão realmente teórica do
jornalismo pode, ao mesmo tempo que oferecer critérios para a
operação redacional, não constranger as possibilidades criativas
mas, ao contrário, potencializá-las e orientá-las no sentido da efi­
cácia jornalística d a comunicação.
De fato, o lea d , como momento agudo, síntese evocati­
va da singularidade, norm alm ente deverá estar localizado no

9 Idem, p. 104.
10 Idem, p. 106.

200
começo da notícia. Porém, nada impede que ele esteja no se­
gundo ou até no últim o parágrafo, como dem onstram certos
redatores criativos.
A tese da “pirâmide invertida” quer ilustrar que a notícia
caminha do “mais im portante” para o “menos importante”. Há
algo de verdadeiro nisso. Do ponto de vista meramente descri­
tivo, o lead, enquanto apreensão sintética da singularidade ou
núcleo singular da informação, encarna realmente o momento
jornalístico mais importante. Não obstante, sob o ângulo epistemológico
—que é ofundam ental —a pirâm ide invertida deve ser revertida, quer di^er,
recolocada com os p és na terra. N esse sentido, a noticia caminha não do
m ais importante p a ra o menos importante (ou vice-versa), m as do singular
para o particular; do cume pa ra a base. O segredo da pirâmide é que
ela está invertida, quando deveria estar como as pirâmides secu­
lares do velho Egito: em pé, assentada sobre sua base natural.
Podemos considerar, para efeito de uma demonstração grá­
fica, que o triângulo equilátero fornece o modelo da estrutura
epistemológica da menor unidade de informação jornalística: a
notícia diária (Figura A). Tomaremos essa figura como referência
para indicar suas variações. A igualdade dos três ângulos indica
um equilíbrio entre a singularidade do fato, a particularidade que
o contextualiza e, com base nessa relação, uma certa racionalidade
intrínseca que estabelece seu significado universal. Essa raciona­
lidade pode ser contraditória com a positividade do social, se for
elaborada numa perspectiva crítico-revolucionária, ou funcional
em relação a essa positividade, o que definirá seu caráter conserva­
dor. Sempre que um fato se torna notícia jornalística, ele é apreen­
dido pelo ângulo da sua singularidade, mas abrindo um determi­
nado leque de relações que formam o seu contexto particular. E,
na totalidade dessas relações que se reproduzem os pressupostos
ontológicos e ideológicos que direcionaram sua apreensão.
O que o triângulo equilátero quer representar, portanto,
não é o conteúdo ideológico da notícia, como se a estrutura jor­

201
nalística que ele pretende indicar coincidisse, necessariam ente,
seja com a “notícia funcional” ao sistem a, seja com a “notícia
crítica” em relação a ele. U m a notícia diária, considerada confor­
m e a natureza do veículo e a m aneira com o se insere no sistem a
jorn alísticon, pode atingir certo equilíbrio entre a singularidade e
particularidade —obtendo um certo nível de eficácia jornalística
— independentem ente do seu conteúdo ideológico. Aqui entra
em jogo não apenas o problem a de um a linguagem adequada,
mas, principalm ente, o enfoque epistem ológico que vai presidir
essa linguagem e perm itir sua eficácia. Há um grau m ínim o de
conhecim ento objetivo que deve ser proporcionado pela signifi­
cação do singular (pelo singular-significante), que exige um m ínim o
de contextualização do particular, p ara que a notícia se realize
efetivam ente com o form a de conhecim ento. A partir dessa re­
lação m inim am ente harm ônica entre o singular e o particular,
a notícia p oderá — dependendo de sua abordagem ideológica —
tornar-se uma apreensão crítica da realidade.
Falseando essa necessidade estrutural elem entar, o sensa-
cionalism o é, inevitavelm ente, conservador e até profundam ente
reacionário, m esm o quando se tenta instrum entalizá-lo com in ­
tenções dem ocráticas ou socialistas12. Porém , m esm o quando a
notícia atinge essa relativa harm onia entre o singular e o particu­
lar (representada pelo triângulo equilátero), ela pode ainda situ­
ar-se na perspectiva da ideologia dom inante, como é o caso da
m aioria das notícias produzidas pelos jornais “sérios” da grande
im prensa. Mas há um a tendência histórica subjacente à “lógica
jornalística” —lem brem os que ela é fruto dos interesses b urgue­
ses e tam bém de “necessidades sociais profundas” —no sentido

11 Essa noção é usada aqui precisam ente no sentido sugerido pela cibernética, para acen­
tuar a interdependência e a funcionalidade dos veículos que o constituem em cada m o­
mento histórico considerado.
12 O semanário Hora do Povo (e a própria degeneraçào política-ideológica do grupo que
se expressava através dele) constitui um exem plo eloqüente do fracasso dessa “tática” .
GENRO FILHO, Adelmo, et ai. H ora do Povo: um a vertente para o fascismo. Sao Paulo,
Brasil Debates, 1981.

202
de um conflito potencial com a m era reprodução ideológica das
relações vigentes.13
A partir dessa referência (puram ente convencional e conve­
niente) ao triângulo equilátero com o padrão estrutural da notícia
diária, é possível sugerir duas variações. Prim eiro, um triângulo
isósceles com a base m enor que os lados (Figura B), represen­
tando a notícia sensacionalista, ou seja, excessivam ente singula-
rizada. D epois, o caso oposto: um triângulo isósceles com a base
m aior que os lados, representando a abertura de um ângulo de
generalização m aior do singular ao particular (Figura C). Aqui,
terem os um a abertura que será inversam ente proporcional tanto
ao público quanto ao ciclo de reprodução da m atéria. Um jornal
sem anal (ou um program a jornalístico na TV de igual periodici­
dade) não deverá elaborar suas notícias e inform ações na estru­
tura do triângulo equilátero.
O contexto de particularização que vai atribuir o próprio
significado ao singular ou, noutras palavras, que vai construir o fa to
jorn alístico, deverá ser m ais am plo e rico em conexões. Um jornal
m ensal terá de abrir ainda m ais esse ângulo de contextualização e
generalização, aum entando, portanto, a base do triângulo (Figura
D). Seguindo o cam inho dessa representação, podem os ilustrar
graficam ente com o os pressupostos ontológicos e ideológicos
que orientaram a apreensão e construção do fato jornalístico,
geralm ente de m odo espontâneo e não consciente, são sugeridos
e projetados através da notícia (Figura E).

13 “Enquanto as chacinas realizadas pelos franceses há vinte e cinco anos atrás em M a­


dagascar, com cerca de cem mil mortos, só chegaram ao conhecim ento dos leitores
de \j . M onde na seção de notícias diversas, tendo por isso passado despercebidas e sem
conseqüências na metrópole, hoje em dia os mesmos meios levam as guerras coloniais
aos próprios centros do imperialismo. As potencialidades diretam ente mobilizadas dos
meios se manifestam de m aneira ainda mais clara onde são utilizadas de forma cons­
cientem ente subversiva. Sua presença m ultiplica, hoje, o caráter de dem onstração de
qualquer ação política”. FN ZEN SBURG ER, Hans-Magnus. E lementos p a ra uma Teoria
dos M eios de Comunicação. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978. (Biblioteca Tempo Uni­
versitário 56) p. 106.

203
REPRESENTAÇÃO DA ESTOUTURA DA NOTÍCIA
Figura A
x

Figura C
x

1;igura D
x

Figura

\ x’ /
\ /
\ /
\ /
\ ✓
\ /

x —O núcleo singular da notícia,


y —A base de contextualizaçào particular.
x’ - Os pressupostos ontológicos e ideológicos que orientaram a produção da notícia,
y ’—A projeção ideológica e ontológica que em ana ou é superior pela notícia.

20 4
A necessidade do lead como epicentro do singular

H ohem berg afirm a que “há um m al-entendido básico so­


bre a pirâm ide invertida” . E acrescenta: “Os jornalistas inexpe­
rientes supõem que ela sem pre separa os fatos na ordem de im ­
portância, com o fato principal no topo da pirâm ide. N ão é bem
assim . G eralm ente há diversos acontecim entos que devem ser
coordenados para estruturar um lea d detalhado, cada um deles
docum entado no topo da m atéria”.14
O autor consegue intuir que nem tudo é tão preciso no
m odelo da “pirâm ide invertida”, em bora sem apontar o motivo.
G problem a é que a “pirâm ide invertida” corresponde a um a
descrição form al, em pírica, que nem sem pre corresponde à rea­
lidade, exatam ente porque não capta a essência da questão. Não
se trata, necessariam ente, de relatar os fatos m ais im portantes
seguidos dos m enos im portantes. Mas de um único fato tom a­
do num a singularidade decrescente, isto é, com seus elem entos
constitutivos organizados nessa ordem , tal com o acontece com
a percepção individual na vivência im ediata. O processo de co­
nhecim ento teórico, com o indicou M arx, vai do abstrato ao con­
creto. A im ediadcidade da percepção, no entanto, vai da form a
ao conteúdo, do fenôm eno à essência, do singular ao geral. O
lead funciona com o princípio organizador da singularidade. A
rigor, ele pode, inclusive, não estar localizado no início da notí­
cia, em bora isso seja o m ais com um . Sua localização no com eço
da notícia corresponde ao processo de percepção em sua ordem
m ais natural, pois tom a com o ponto de partida o objeto recons­
tituído singularm ente para, a seguir, situá-lo num a determ inada
particularidade.
O lead é um a im portante conquista da inform ação jornalís­
tica, pois representa a reprodução sintética da singularidade da

14 HOHEMBERG, John. O jornalism o profissional. Rio de Janeiro, Interamericana, 1981, p. 10S,

205
experiência individual. As formulações genéricas são incapazes
de reproduzir essa experiência.
O caráter pontual do leady sintetizando algumas inform a­
ções básicas quase sempre no início da notícia, visa à reprodu­
ção do fenômeno em sua manifestação empírica, fornecendo
um epicentro para a percepção do conjunto. E por esse motivo
que o lead tom a a notícia mais comunicativa e mais interessante,
pois otimiza a figuração singularizada da reprodução jornalísti­
ca. Eventualmente, como foi dito, esse momento mais agudo da
síntese pode estar localizado no segundo parágrafo, no meio ou
mesmo no fim da notícia, obtendo-se efeito semelhante.
De qualquer modo; a reprodução jornalística não pode de­
compor analiticamente um evento a ponto de destruir sua forma
de manifestação. E no corpo mesmo do fenômeno que a notícia
insinua o conteúdo, sugere uma universalidade através da sig­
nificação que estabelece para o singular no contexto do parti­
cular. Na face do singular, através da mediação do particular, o
universal se mostra num claro-escuro, como indícios, sugestões
e pálidas imagens, que constituem a herança deixada pelos pres­
supostos filosóficos e ideológicos que presidiram a apreensão e
reprodução do fenômeno. De fato, essa conexão com a particu­
laridade é fundamental para a definição do conteúdo.
O jornal sensacionalista, por exemplo, singulariza os fatos
ao extremo. Esse singular, no entanto, não fica destituído de sua
significação já que, de maneira subjacente, ele envolve um con­
texto de particularidade e uma sugestão universal. A singularida­
de extrema pressupõe e reforça as categorias do próprio senso
comum, quer dizer, a predominância da ideologia burguesa. A
percepção do mundo como um agregado de coisas e eventos
independentes, do livre-arbítrio metafísico como pressuposto
das ações individuais, da “norm a” e o “desvio” como padrões
éticos de referência, a concepção mística do acaso e do destino,
as ideias de “ordem ” e “perturbações” como categorias da aná­

206
lise social, a impressão de naturalidade e eternidade das relações
sociais vigentes, tudo isso já está contido no senso comum e
é reproduzido e reforçado pela radicalização do singular. Não
apenas enquanto omissão, mas como presença real — embora
subjacente —no tecido da singularidade extrema.
Não é por acaso que esse tipo de jornalismo recebe o nome
de sensacionalista. Se a informação jornalística reproduz as con­
dições de uma “experiência im ediata”, as sensações têm um im ­
portante papel nessa forma de conhecimento. Aliás, o que o jor­
nalismo busca é uma forma de conhecimento que não dissolva a
“sensação da experiência im ediata”, mas que se expresse através
dela. Porém, na singularização extrema, isto é, no sensacionalis-
mo, ocorre uma distorção do concreto através dos seus aspectos
sensíveis no contexto da percepção e da apropriação subjetiva.
A sensação assume um papel destacado na reprodução da reali­
dade e o fundamento histórico e dialético do fenômeno, ao invés
de ser sugerido, é diluído na superfície do sensível.
A singularidade transforma-se no conteúdo que, dessa for­
ma, afirma a reprodução, o mundo como algo dado. Ao propor
a singularidade radical, ou seja, o aspecto sensível do fenômeno
como conteúdo, a universalidade que se reforça é a mesma sub­
jacente ao senso comum, que vê o mundo preponderantemen­
te como positividade. A singularização extrema, em si mesma,
possui um conteúdo conservador. Além disso, os jornais sen­
sacionalistas geralmente produzem um discurso de reforço dos
valores, como meio para excitar não apenas as sensações como
também os preconceitos morais do público.

A reportagem e a velha questão do “novo jornalismo”


/

E preciso buscar um conceito de reportagem que não seja


apenas “operacional” para o editor. Quase sempre ela é conside­

207
rada com o um a “notícia grande” ou m atéria que exige investiga­
ção m ais dem orada, sem considerações de ordem epistem ológica
capazes de esclarecer sua essência com o m odalidade jornalística.
N ilson Lage classifica reportagem com o investigação (que
parte de um fato para revelar outros que estão ocultos, um perfil
ou situação de interesse); interpretação, em que um conjunto de
fatos é analisado na perspectiva m etodológica de um a ciência,
especialm ente sociológica e econôm ica (seria pertinente acres­
centar “antropológica” ao enfoque de Lage); ou literária, que por
tais m étodos, busca revelar algo essencial de m odo que não seja
teórico-científico.15
Porém , o essencial na reportagem , e que estabelece um
nexo entre aqueles aspectos apontados por N ilson Lage, é que a
particularidade (enquanto categoria epistem ológica) assum e um a
relativa autonom ia ao invés de ser apenas um contexto de signi­
ficação do singular. E la própria busca sua significação na tota­
lidade da m atéria jornalística, concorrendo com a singularidade
do fenôm eno que aborda e dos fatos que o configuram . Essa
s

significação autônom a pode ser estética (com o em “A Sangue


Frio”, de T rum an C apote, para citar um exem plo extrem o), teô-
rico-científica (com o num a reportagem sobre m ortalidade infantil
utilizando estatísticas ou outros m étodos das ciências sociais)
ou inform ativa (com o no caso das revistas sem anais que, m uitas
vezes, contam a “história da notícia” a que o público já assistiu
pela T V e leu nos jornais diários, com m aior riqueza de nuances
e detalhes, fornecendo um quadro mais com plexo da situação na
qual o fato foi gerado).
N a reportagem , a singularidade atinge a particularidade
sem , no entanto, superar-se ou diluir-se nela. Fenôm eno sem e­
lhante ocorre na arte, tal com o foi discutido no capítulo VII.
M as essa preservação do singular pode se dar, na reportagem ,

15 LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 83.

208
não só num a totalidade estética com o igualm ente num a totalida­
de sintético-analítica, que tanto pode propiciar um nível de apre­
ensão teórico-científica propriam ente dita, com o sim plesm ente
intuitiva. N o caso da apreensão teórico-científica, po r exemplo,
teríam os a reportagem já referida sobre a m ortalidade infantil,
utilizando m étodos ou categorias das ciências sociais. No caso
de um a apreensão intuitiva teríam os um a reportagem contando
com o nasceu o “Plano C ruzado”, por exemplo, desde sua con­
cepção, passando pelos corredores da Fundação G etúlio Vargas
e chegando num certo café da m anhã do Presidente da Repú­
blica onde teria sido tom ada a decisão. A reportagem não nega
a preponderância da singularidade no jornalism o em geral, mas
im plica um gênero no qual se eleva do singular um a particulari­
dade relativam ente autônom a que coexiste com ele.
A questão das relações entre o jornalism o e a literatura ou,
mais am plam ente, entre o jornalism o e a arte sem pre gerou di­
vergências. O problem a não é saber se o jornalism o envolve ou
pode envolver a literatura e a arte —o que parece ser consenso —,
mas se ele é ou não um gên ero artístico ou literário. A rigor, qualquer
atividade hum ana (inclusive as m ais prosaicas) torna-se grande
quando condim entada pelo talento artístico. A arte penetra as
ciências e a filosofia, a tecnologia e a religião. Com o jornalism o
não poderia ser diferente. Portanto, não é o caso de perguntar se
o talento literário ou artístico pode contribuir para o exercício da
atividade jornalística.
O fato do jornal im presso estar ligado historicam ente à ex­
pansão da literatura, a interpenetração entre um e outro (através
dos folhetins e da participação dos escritores nos jornais), a m ú­
tua influência entre as técnicas jornalísticas e literárias, tudo isso
criou um a confusão que ainda persiste.
U m escritor pode fazer um a notícia ou um a reportagem
excepcional, se dom inar a lógica jornalística. U m jornalista com ­

209
petente é capaz de fazer um a boa notícia ou um a reportagem in ­
teressante, m esm o sem talento artístico. O aspecto decisivo, no
entanto, é que nem o jornalista será capaz de escrever um bom
rom ance se não tiver talento literário, nem o escritor poderá fa­
zer um a boa reportagem se desconhecer as técnicas jornalísticas.
O “novo jornalism o” que apareceu nos Estados U nidos
na década de 60 trouxe elem entos literários da novela norte-
-am ericana: H em ingway, Faulkner, Steinbeck, Joh n dos Passos
e outros. Seus criadores foram jornalistas que se consideravam
novelistas frustrados ou então “escritores de futuro” . Segundo
Tom Wolfe, eles passavam dias inteiros, sem anas, com as pessoas
sobre as quais estavam escrevendo. Pretendiam reunir todo o
m aterial que pudesse interessar a um jornalista e, ainda, ir mais
adiante. Q ueriam estar presentes durante os acontecim entos, em
intim idade com os fatos, para captar diálogos, expressões faciais
e outros detalhes do am biente. Além de fornecer um a descrição
objetiva com pleta, pretendiam oferecer algo que os leitores en­
contravam apenas na literatura: um a vivência subjetiva e em ocio­
nal junto aos personagens.16
Com o se pode notar pelo depoim ento de Tom Wolfe, o
“novo jornalism o” recorreu às form as literárias para obter um
reforço da reportagem , para dizer algo que não estava sendo dito
pelas form as usuais do jornalism o e que, por tais form as, seria
quase im possível dizê-lo. O p a rticu la r estético —ou o típico —per­
m itia, então, a percepção de certos aspectos que o sim ples relato
jornalístico cristalizado n a singularidade não com portava.
Porém , m esm o nesse gênero de reportagem que delibera­
dam ente se socorreu da literatura, o típico não funciona com o
categoria preponderante, em bora ele seja alcançado nos m e­
lhores casos. O recurso literário, aqui, é um instrum ento para a
dram atização do acontecim ento e a revelação m ais explícita —e

16 WOLF, Tom. E l nuevoperíodism o. 2. ed. Barcelona: A nagram a, 1981, p. 35.

210
não apenas insinuada ou pressuposta — do conteúdo universal
do fenôm eno reproduzido. Se a preponderância do singular, no
jornalism o, perm ite ao redator da notícia diluir-se no público,
dissim ular-se entre os espectadores, a conquista do típico pela
reportagem literária conduz o espectador a vivenciar os perso­
nagens e as situações com o se fosse partícipe do acontecim ento.
Contudo, de m aneira ainda m ais evidente do que na arte, ele não
deixa de ser um espectador, pois sabe que os fatos são reais e que
ele não os viveu, em bora pudesse tê-los vivido.
N a arte, ao contrário, ele pode vivenciar a “realidade” dos
fatos, personagens e situações com o se fosse m esm o um parti­
cipante, já que essa realidade não é m ais do que um “sonho” do
autor, que ele tam bém pode sonhar. Sua participação, portanto,
é tão “verdadeira” quanto a própria história relatada.
Esse efeito da arte tradicional, segundo Brecht, é capaz de
produzir um a catarse no espectador ao invés de conscientizá-lo, o
que deveria ser superado pela arte revolucionária. Sem discutir o
m érito mais geral dessa tese de Brecht, pode-se dizer que o “novo
jornalism o” ou o jornalism o literário, que se situa na região fron­
teiriça entre a arte e o jornalism o, consegue (talvez sem o saber)
um resultado sem elhante ao “distanciam ento brechtiano”. Aliás,
não é por acaso que as obras dessa fase de Brecht utilizam -se de
certas técnicas do jornalism o m oderno. A indiscutível eficácia re­
volucionária de tais obras e, igualm ente, do jornalism o literário
realizado com o talento que o gênero exige deve-se, sobretudo,
ao fato de que despertam um a percepção da realidade que sin­
tetiza —de m aneira equilibrada —aspectos lógicos e emocionais.
O espectador sente-se com o participante e testem unha de fatos
reais. Porém, depois do m estre, a “arte brechtiana”, na m aioria das
vezes, se transform ou num a caricatura insípida.
Q uanto ao jornalism o literário, as boas exceções confir­
m am a regra: não vale a pena substituir um bom jornalism o por

21 1
m á literatura. Sem dúvida, trata-se de um gênero muito difícil,
pois exige uma superposição do talento literário e de apuradas
técnicas de investigação e redação jornalística, uma vez que o
resultado deve articular harmonicamente os efeitos estéticos e
jornalísticos, sem que um supere o outro. Logo, não se trata de
um caminho que possa ser generalizado como substitutivo da
arte ou do jornalismo, pois ele se constitui precisamente na difí­
cil confluência de dois gêneros relativamente autônomos.

2 12
C apítulo X

Jornalismo e Comunismo:
considerações finais

Para McLuhan, os meios de comunicação são como ex­


tensões dos sentidos humanos. Fies se constituem de todo o
aparato que une os homens entre si. Ao se modificar, esse apa­
rato transforma o “meio ambiente” do homem e sua forma de
percepção da realidade. Por isso, os efeitos sociais dos meios
não dependem do conteúdo das mensagens, mas da natureza
técnica desses meios. O desenrolar da história é uma função das
transformações dos meios de comunicação. Com o advento dos
meios eletrônicos, é superada a comunicação fragmentada e line­
ar e se atinge uma nova percepção, mais direta e autentica, uma
percepção integral da realidade. O mundo, então, do ponto de
vista dos sentidos se transforma numa aldeia.1 A história de toda
a sociedade até hoje é a história das lutas dos meios de comuni­
cação. “E essas lutas são também devastadoras guerras internas
dos sentidos”.2
Nessa bizarra concepção do “profeta das comunicações”,
não são as lutas de classe e os conflitos sociais que movem a

1 COHN, Gabriel. O meio é a mensagem: análise de McLuhan. ln\ COHN, Gabriel, org.
Comunicação e indústria cultural. São Paulo, Companhia Editora Nacional/Editora da Uni­
versidade de São Paulo. 1971.
2 EINKFXSTEIN, Sidney. Mcl^uham a filosofia da insensatez. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1969, p. 35.

213
história, mas tecnologias da comunicação que travam entre si
batalhas épicas. Além do mais, os sentidos humanos não estão
associados historicamente ao processo global da atividade hu­
mana (Marx), mas as tecnologias específicas que surgem nesse
processo.
Certamente os meios de comunicação não podem ser con­
siderados apenas como extensão dos sentidos, nem os sentidos
humanos apenas como uma função dos meios, pois isso im pli­
caria um reducionismo inadmissível tanto de um como de outro.
No entanto, em bora os meios de comunicação não travem
as batalhas devastadoras imaginadas por McLuhan, eles cons­
tituem um sistema (a exemplo do que ocorre com os sentidos
humanos), no qual se pode falar da predominância de um sobre
os demais. Atualmente, a televisão é o veículo predominante e
hegemônico não apenas no sistema formado pelos meios de co­
municação, tal como sugere McLuhan, mas igualmente no sistema
jornalístico alicerçado nesses meios.
O jornalismo, aqui tratado como modalidade social do co­
nhecimento, aparece com os meios de comunicação da era in­
dustrial, com base na imprensa. Mais tarde, ela vai originar os
modernos diários impressos. Porém, essa identificação do jo rn a ­
lismo com a imprensa e o jornal é apenas de caráter histórico. A
produção social do conhecimento jornalístico não está incorpo­
rada fixamente a um único ou principal veículo. C) jornal impres­
so, notadamente o moderno diário, é o veículo que tipifica ini­
cialmente o jornalismo, o suporte técnico originário no qual ele
adquire suas características essenciais. À medida que vão surgin­
do outros veículos adequados ao jornalismo, vai se configurando
uma totalidade articulada e em constante desenvolvimento, na
qual cada veículo vai ocupando um determinado papel. Assim,
com a televisão hegemonizando o sistema jornalístico, o jornal e o
rádio tendem a um a reacomodação buscando suas novas fun­

214
ções, cada vez mais adequadas aos seus potenciais específicos no
terreno do jornalismo.
“A força (assim como a possível e eventual fraqueza) da te­
levisão - dizem Carlos Alberto M. Pereira e Ricardo Mi­
randa —parece estar diretamente vinculada a seu constante
registro do imediato, a sua atualidade. A informação a partir
da qual a televisão constrói o material a ser utilizado está
voltada para o cotidiano, para o dia a dia”.
E acrescentam: “A TV tem, assim, um ritmo marcadamen-
te jornalístico —e mais, de um jornalismo que dispensa o texto
escrito .
Exatamente pela sua capacidade de reprodução do mediato
no espaço como imediato, de maneira rápida ou até instantânea,
o que determina seu “ritmo marcadamente jornalístico” e sua
potencialidade de singularização, a televisão é o meio hegemô­
nico do sistema jornalístico. Quando um veículo é desbancado de
sua hegemonia, como ocorreu com o jornal pelo rádio e, depois,
ambos pela TV, ele parece que vai tornar-se supérfluo ou redun­
dante, o que em determinados aspectos é verdadeiro. Depois,
vai definindo melhor sua função no contexto do sistema, apro­
veitando melhor suas características, tanto aquelas que poderiam
ser indicadas como suas “vantagens” ou como suas “limitações” .
No entanto, o papel exato que o rádio e o jornal estão assumindo
no atual sistema jornalístico hegemonizado pela TV —e que pode­
rão assumir no futuro —é um assunto que exigiria não apenas
uma reflexão teórica, mas uma investigação empírica.
Com o desenvolvimento das forças produtivas materiais e
espirituais —e não apenas pelo desenvolvimento dos meios de
comunicação —há uma alteração histórica dos sentidos huma­
nos, uma ampliação e um aprofundamento da percepção e das
possibilidades do conhecimento em geral. O jornalismo, nesse

3 PEREIRA, Carlos Alberto M. & MIRANDA, Ricardo. Televisão: as imagens e os sons/No ar; o
Brasil. Sào Paulo, Brasiliense, 1983. (Série O Nacional e o popular na Cultura Brasileira) - 23.

215
sentido, é a cristalização de um a nova m odalidade de percepção
e conhecim ento social da realidade através da sua reprodução
p elo ângulo da singularidade. Essa reprodução é um processo
que tem um a base histórica objetiva e subjetiva. A ssim , aquilo
que, em si m esm o, constituía um a singularidade há alguns anos,
com o um transplante cardíaco, por exem plo, hoje não é mais.
Para torná-lo notícia, será preciso descobrir alguns aspectos que
diferenciam esse transplante dos outros. Por outro lado, um sim ­
ples acidente de autom óvel, sem vítim as, poderia ter interesse
jornalístico no início do século quando estavam sendo fabri­
cados os prim eiros veículos. Hoje, no entanto, em geral valerá
com o um evento estatístico e não em si m esm o.
Além disso, o que pode ser singular para um a com unidade
especializada (cientistas, por exem plo), talvez signifiquem um a
abstração genérica, aborrecida e im penetrável para os leigos. O
im portante a ser assinalado aqui é que a relação entre o singu­
lar, o particular e o universal não só é dialética intrinsecam ente,
com o está sujeita, tam bém , a um a dialética histórica e social que
será o quadro da referência da prim eira.

A desintegração do real e a formação da experiência

Para A dorno e H orkheim er, “a cultura capitalista leva obri­


gatoriam ente à desintegração social e política”4. O próprio Ben-
jam in, em bora tenha sugerido que a frase feita do jornalism o
aponta para a transform ação da cópia num instrum ento de pro ­
dução, liberando novas potencialidades sociais, não deixou de
criticar a fragm entação produzida pela abordagem jornalística.
Flávio Kothe sintetiza essa crítica originária de Benjam in:

4 SWINGEWOOD, Alan. O m ito da cultura de massa. Rio de Janeiro, Interciência, 1978, p.


99-100.

216
“A informação jornalística se caracteriza por quatro elemen­
tos: novidade, concisão, comunicabilidade e não relaciona­
mento das informações isoladas. Em si, ela é contrária à for­
mação da experiência, pois esta se constitui pela correlação
e elaboração de dados diversos, obtidos na trajetória entre
um estado de carência, que faz com que se constitua um
desejo ou um anelo, e a realização —ou não —dessa meta”.5

A tese m uito difundida de que o jornalism o “não relacio­


na as inform ações” e, por isso, seria contrária à form ação da
experiência é até curiosa. O ra, qualquer form a de conhecim en­
to ou expressão conceituai da realidade, desde a m ais elem entar
percepção hum ana, se dá em bases relacionais. O que varia é
som ente o grau de am plitude e profundidade dos relacionam en­
tos percebidos e com unicados. Levada às últim as conseqüências,
essa tese interditaria não apenas o jornalism o, m as todas as for­
mas de conhecim ento e discurso que não sejam expressam ente
filosóficos. A final, só a filosofia tem com o objeto as relações
universais da totalidade.
N o jornalism o, a im pressão de um a reprodução fragm entá­
ria da realidade é forte porque as inform ações são configuradas
pelo ângulo da singularidade. No entanto, o relacionam ento é
real e efetivo e subjaz à form a autônom a em que são apresenta­
das as notícias e reportagens. O conteúdo das inform ações, dada
pela particularidade e pela universalidade que dela se projeta,
im plica um profundo relacionam ento entre as diversas m atérias
- form alm ente fragm entadas - de um a m esm a edição, de um
m esm o veículo e, inclusive, dos veículos em seu conjunto.
A elaboração de um a notícia ou de um a reportagem , seja
qual for o veículo, pressupõe todo um processo de abstração
feito por repórteres, redatores e editores - segundo um a deter­
m inada linha editorial - , o que envolve um a com plexa rede de

5 KOTHE, Flávio R. Para k r Benjamin. Rio de janeiro, Francisco Alves, 1976, p. 84.

217
V

relações pressupostas e outras reveladas no processo. A propor­


ção que as inform ações vão sendo consideradas em conjuntos
cada vez m aiores (as notícias de um setor do jornal na m esm a
edição, o conjunto de inform ações de um a edição, de um veículo
em sucessivas edições ou do sistem a jo rn a lístico), a consciência in ­
dividual do relacionam ento entre elas torna-se mais diluída. Po­
rém , o relacionam ento entre as inform ações continua existindo
orientado, geralm ente, pela ideologia dom inante.
Por isso, a inform ação jornalística não é contrária à form a­
ção da experiência: trata-se, inclusive, de um a experiência que
já vem , em algum a m edida, “pré-form ada” pelos m ediadores e
pelo sistem a jo rn a lístico no qual estão inseridos; noutro sentido,
essa experiência “p ré-form ada” não resulta pronta e acabada,
m as convida o público a com pletá-la com o um fenôm eno que
estivesse sendo percebido diretam ente. A sua significação un i­
versal está apenas sugerida ao invés de form alm ente fixada. A
concepção ingênua de que o jornalism o inevitavelm ente frag­
m enta o real e, em conseqüência, é necessariam ente m anipula-
tório e alienante, sequer consegue notar que a singularidade é
um a dim ensão objetiva da realidade e, além disso, que o singular
tam bém contém o particular e o universal.
Assim , reproduzir o real sob o ângulo da singularidade não
im plica que o conteúdo seja aprisionado na dim ensão definida
por essa categoria, isto é, dissolvido com o tal. U m conteúdo p u­
ram ente singular seria um a contradição lógica, um absurdo.
C iro M arco n d es F ilh o p ro cu ra estab elecer um nexo e n ­
tre a reificação p ro d u z id a p ela so cied ad e b u rgu esa e a fo rm a
jo rn alística.

“Tal fragmentação (que é a forma geral de disposição do


mundo na perspectiva burguesa) produz igualmente menta-
lidades fragmentadas, diluídas, difusas, que veem o contexto
social, a realidade, sem nenhum nexo, sem nenhum fio or-

218
denador. Para a mentalidade fragmentada, a fragmentação
noticiosa cai como uma luva”/1

E acrescenta mais adiante: “A quebra da unidade, da totalida­


de na apresentação jornalística, torna os homens objetos incons­
cientes das estruturas de dom inação que criam diariam ente”.7
Para M arcondes Filho, a inform ação reificada é o corres­
pondente jornalístico do fetichism o geral da m ercadoria no
m odo de produção capitalista. Vejamos de m odo m ais preciso o
significado do conceito de reificação, segundo G oldm ann:
“Em grande número de textos, Marx insiste sobre o fato
de que, numa economia mercantil, o que caracteriza o va­
lor de troca é que ele transforma a relação entre o trabalho
necessário à produção de um bem e esse bem mesmo em
qualidade objetiva do objeto; é o próprio processo de rei­
ficação”/

A ssim , um a relação social definida, estabelecida entre os


hom ens, assum e a form a fantasm agórica de um a relação entre
coisas. Foi dessa m aneira que M arx definiu o fetichism o da m er­
cadoria. Elas adquirem , aparentem ente, vida própria. Sua lógica
foge ao controle consciente dos hom ens e passa a encarnar um
m istério. Logo, se a reificação é, do ponto de vista analítico, um a
condição do fetichism o, por outro lado, a reificação só assum e
significação psicológica autônom a no processo de alienação
quando o capitalism o am adurece. O u, com o preferem alguns,
no capitalism o tardio. N essa época, as relações entre as “coi­
sas” - isto é, as relações sociais em seu conjunto - aparecem

6 MARCONDHS FILHO, Caio J. R. O capital da notícia, jornalism o com o produção social


de segunda natureza. Tese de Livre Docência apresentada ao D epartam ento de Jornalis­
m o e Editoração da Escola de Comunicação e Artes da U niversidade de São Paulo. Set
198.3. (Fotocópia) p. 52-53.
7 Jdem, p. 55.
8 GO LD M AN N , Lucien. Dialética e cultura. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. (Col. Pensa­
m ento Crítico; 32) p. 114.

2 19
igualm ente com o coisas. A sociedade passa a ser percebida com o
pura positividade e factualidade, com o um objeto natural.
Portanto, quando se pretende afirm ar que o jornalism o,
através da “fragm entação noticiosa”, produz necessariam ente
inform ações reificadas e que isso corresponde ao fetichism o
geral da m ercadoria, deve-se, antes, perguntar se realm ente a
fragm entação form al corresponde a um conteúdo reificado das
notícias.
A ideia de fragm entação e de reificação diz respeito ao con ­
teúdo e não apenas à form a. A questão é saber se a “fragm enta­
ção noticiosa” reforça m esm o a percepção do m undo com o algo
natural, com o um agregado de fatos ou coisas estritam ente o b ­
jetivas. Ora, a lógica da reprodução jornalística, sua abordagem
pelo viés do singular —se deixarm os de lado a vulgaridade de que
ela não relaciona expressam ente os fenôm enos entre si —aponta
para o sentido oposto ao da reificação.
Os novos m eios de com unicação, que em prestam as con­
dições técnicas para a realização do jornalism o, estão orientados
para a ação e a dinâm ica das relações sociais, não para a con ­
tem plação e a estática.9 O jornalism o é a expressão m ais radical
dessa potencialidade. A ideia de fluxo, de um m ovim ento no qual
os atores aparecem diariam ente (no im presso está diretam ente)
em ação, m uitas vezes instantaneam ente, as infinitas possibilida­
des de com binação das inform ações jornalísticas que saturam
o m eio social, tudo isso oferece enorm es possibilidades para a
negação da reificação ao invés de reforçá-la inexoravelm ente.
A ideologia burguesa, pelo conteúdo predom inante que
atribui ao conjunto das inform ações que circulam na sociedade,
reforça o fetichism o (notadam ente pela publicidade) e a reifi-

9 ENZENSBERGER, Hans-M agnus. E lementos pa ra uma teoria dos meios de comunicação. Rio
de Janeiro? Tempo Brasileiro, 1978. (Biblioteca Tempo Brasileiro; 56) p. 75.

22 0
cação, m as encontra na potencialidade social que em ana da na­
tureza técnica dos m eios e da lógica inerente ao jornalism o um
obstáculo, um a contradição que se repõe a cada ato.

A luta de classes e o conteúdo do singular

A crítica de que o jornalism o, ao separar as notícias e tratá-


-las de form a descontínua, desintegra e atom iza o real favore­
cendo a superficialidade da reflexão e a alienação, tornou-se um
lugar com um que recebe, em cada autor, um verniz teórico di­
ferente.
J á indicam os que a integridade do real não é um dado a p rio-
ri na percepção, mas se revela através da abstração e do conheci­
mento. O jornalism o não desintegra e atom iza a realidade, pelo
sim ples m otivo que essa realidade não se oferece im ediatam ente
à percepção com o algo íntegro e totalizado. K no processo do
conhecim ento que a realidade vai sendo integrada, já que ela se
m ostra prim eiro com o caos, com o algo desconhecido e im pre­
visível. J á m ostram os tam bém , até a exaustão, que no jornalism o
o singular se abre para um contexto particular e sugere um a sig­
nificação universal, um conteúdo. N a sociedade, a notícia, assim
com o a percepção individual de um fenôm eno singular, vai se
inserir em determ inadas cosm ovisões pré-existentes. H á, com o
sabem os, um a cosm ovisão dom inante. M as ela não é destituída
de contradições. Nas sociedades de classe existe sem pre um an­
tagonism o polídco e ideológico tensionando o sistem a. Por isso,
existe a possibilidade de um ângulo oposto ao da reprodução
para a apreensão do singular-significante.
Partindo dessa prem issa é que se pode pensar a cultura em
geral e o jornalism o em particular com op rá x isy não apenas como
m anipulação e controle. D e um lado, em virtude da propriedade
privada dos m eios de com unicação e da h egem onia ideológica

221
da burguesia, o jornalism o reforça a cosm ovisão dom inante. D e
outro, a apreensão e reprodução do fato jornalístico podem estar
alicerçadas na perspectiva de um a cosm ovisão oposta e de um a
ideologia revolucionária.
Além disso, com o o novo aparece sem pre com o singulari­
dade, e esta sem pre com o o aspecto novo do fenôm eno, a tensão
para captar o singular abre sem pre um a perspectiva crítica em re­
lação ao processo. A singularidade tende a ser crítica porque ela
é a realidade transbordando do conceito, a realidade se recriando
e se diferenciando de si m esm a.
N o processo constante de transform ação da realidade, o
novo aparece sem pre sob a form a do singular, com o fenôm eno
isolado, com o exceção. Por isso, o singular é a form a originária
do novo. Ide é a diferenciação da m esm ice, aquilo que escapa da
m era reprodução e da sim ples identidade em relação ao universal
já constituído. Assim , a abordagem jornalística tende a apanhar a
realidade pelo m ovim ento e este com o produção do novo. C on­
tra essa potencialidade da abordagem jornalística, procurando
neutralizá-la e subm etê-la, volta-se a ideologia burguesa, patroci­
nando form as cada vez m ais intensas e sofisticadas de controle e
m anipulação do processo inform ativo.
M esm o se considerarm os estritam ente a ideologia burguesa
que se m anifesta no jornalism o, verem os que ela não atua com
a lógica destrutiva que C iro M arcondes Filho atribui à im prensa.

“A lógica da imprensa no capitalismo - afirma o autor —é


exatamente a de misturar as coisas, de desorganizar qualquer
estruturação racional da realidade, e jogar ao leitor o mundo
como um amontoado de fatos desconexos e sem nenhuma
lógica interna”.10

M esm o o jornalism o sensacionalista, que singulariza ao


extrem o os fatos, acaba reforçando um a certa racionalidade já

10 MARCONDES FILHO, Ciro J. R. Op. cit., p. 26.

222
presente na ideologia dom inante e nos preconceitos em geral.
O jornalism o “sério”, ao contrário do que diz M arcondes, pro ­
cura organizar um a estruturação racional da realidade, e jogar o
leitor num m undo cujos fatos estão articulados por um a lógica
—a lógica instrum ental que em ana da p ositividadc do capitalismo.
Porém, à m edida que se reduz o jornalisrm o ao aspecto mani-
pulatório, com o aniquilador da reflexão e da consciência críti­
ca, ele deve ser visto, fundam entalm ente, com o um fenôm eno
que desestrutura a consciência. N a verdade, m uito m ais do que
criar débeis m entais (em bora isso tam bém ocorra), o capitalism o
produz o consentim ento e a adesão ideológica a determ inada
racionalidade e a certos valores. Q uer dizer, o sistem a capitalista
reproduz a consciência e a atitude burguesas m uito m ais do que
o caos intelectual e subjetivo.

O desvendamento do sujeito coletivo

A ntônio Serra aponta outra questão bastante discutida nas


críticas ao jornalism o:

“Partiremos da consideração de que o meio de informação


busca produzir um efeito de apresentação da realidade, isto
é, coloca-se exatamente como ‘meio’ através do qual os fa­
tos reais seriam transmitidos ao público. Tal efeito se apoia
(verificar nova ortografia), pois, num truísmo: o meio seria,
de fato, meramente um meio, uma ampliação dos órgãos
sensórios, perceptivos e experienciais do leitor o qual, atra­
vés dele, alcança uma realidade afastada e por seus próprios
meios individuais, inalcançáveis”.11

Esse “efeito de apresentação da realidade”, para usar a


expressão do autor —essencial ao jornalism o —na m aioria das

11 SERRA, Antonio. O desvio nosso de cada dia: a representação do cotidiano num jornal
popular. Rio de Janeiro? Achiamé, 1980. (Serie Universidade; 7) p. 17.

223
vezes é considerado exclusivam ente pelas possibilidades m ani-
pulatórias que oferece. E sse “efeito” é entendido som ente com o
um reforço da ideologia burguesa da “objetividade jornalística”,
que pretende inculcar que os fatos apresentados são puram ente
objetivos, não sendo percebidos em suas potencialidades episte-
m ológicas e até políticas. O resultado, quase sem pre, é um a p o s­
tura saudosista m ais ou m enos velada, em defesa da inform ação
personalizada e artesanal.
A denúncia de que o jornalism o burguês esconde o sujeito
que produz as inform ações, com o se não existissem in term e­
diários entre os fatos e a sua percepção pelo público, para fins
basicam ente m anipulatórios, é a crítica política decorrente.12 A
proposta resultante, geralm ente vai no sentido da “revelação do
sujeito” da inform ação, entendido enquanto sujeito individual,
com o antídoto ideológico.
Em prim eiro lugar, no jornalism o m oderno, em virtude da
produção coletiva e industrial da inform ação, não é realm ente
um sujeito individual que fala. Trata-se, de fato, de um sujeito
social que pode ser identificado no âm bito das contradições de
classe e interesses de grupos. Em segundo lugar, à m edida que o
público vai com preendendo essas contradições e a lógica dos in ­
teresses, os veículos são progressivam ente identificados em sua
postura ideológica e política, especialm ente de parte dos setores
m ais participantes e politizados.13 O sujeito é “desvendado” tal
qual sua natureza social, ou seja, com o sujeito que corresponde
a classes sociais ou grup o s econôm icos e políticos. A personali­
zação dos indivíduos que elaboram diretam ente as inform ações
é secundária, pois não corresponde na verdade aos sujeitos que

12 Essa crítica é feita por: BARBERO, Jesús M artin. C om unicaàón masivcr. discurso y poder.
Quito? Época, 1978, p. 159.
13 Ver: SILVA, Carlos Eduardo da. M uito além do Jardim botânico: um estudo sobre a audiên­
cia do Jornal N acional da G lobo entre os trabalhadores. São Paulo, Summus, 1985. (Col.
N ovas Buscas em Com unicação; 6).

22 4
concretam ente estão se expressando pelos m eios de com unica­
ção. E m síntese, a im pessoalidade das inform ações jornalísticas
não constitui em pecilho para a descoberta dos verdadeiros sujei­
tos. A o contrário, até facilita a identificação dos interesses mais
am plos das classes e grupos sociais.
O desvendam ento desse sujeito social e político que está
por trás de cada veículo, ou m esm o de cada inform ação, só pode
ser realizado num processo que envolve, inclusive, um a partici­
pação consciente e deliberada dos setores m ais atuantes e politi­
zados. A possibilidade dessa ação está baseada em alguns fatores
já existentes na própria realidade, seja de m aneira efetiva ou ape­
nas com o potencialidade:
a) A participação m ais ou m enos consciente na luta de
classes possibilita identificar os interesses em jogo, bem
com o a origem dos discursos e das diversas abordagens
da realidade.
b) Através da diversidade ou pluralidade que sempre existe,
pelo menos m inim am ente, é possível c o n fr o n t a r e com pa­
rar as abordagens dos meios para que revelem os sujeitos
políticos e sociais que estão por trás da suposta imparciali­
dade. Assinale-se que essa diversidade é, em certa medida,
criada conscientem ente pelos setores antiburgueses ou de
oposição ao status quo, seja através de veículos sob o con­
trole desses segm entos ou das inform ações que “passam ”
nos meios de propriedade burguesa.
c) N a explicitação editorial dos próprios veículos, m esm o
que procurem dem onstrar que suas opiniões em nada al­
teram os “fatos im parcialm ente relatados”, surge a pos­
sibilidade do público relacionar aquelas posições abertas
com o enfoque velado que preside as dem ais matérias.
d) Finalm ente, p ela criação de um a consciência política e
teórica de que a inform ação jornalística não é nem pura­
m ente objetiva, nem im parcial ou neutra.

225
Práxis , comunicação e jornalismo

A com unicação social só pode ser abordada com o um dos


aspectos da dim ensão ontológica do hom em , não como um atri­
buto ou um a qualidade adquirida. A com unicação, sob o ponto
de vista analítico, é um aspecto do trabalho e, m ais particular­
m ente, expressa a form a social de produção do conhecim ento.
Portanto, um aspecto da essência do hom em com o ser que tra­
balha e se apropria coletivam ente do m undo de m odo prático e
teórico. N um a palavra, a com unicação é um m om ento da práxis.
O hom em é um ser que dom ina e com preende o m undo sim ul­
taneam ente e, nessa m edida, transform a a si m esm o e am plia o
seu universo. A com unicação está no âm ago da atividade prática
coletiva, da produção social do conhecim ento que em ana dessa
atividade e, ao m esm o tem po, a pressupõe. Portanto, está no
âm ago da produção histórica da sociedade e da autoprodução
hum ana.
As m áquinas de inform ação estão, necessariam ente, enqua­
dradas por um sistem a que delim ita ontologicam ente sua fun­
cionalidade. Os circuitos eletrônicos, as ondas eletrom agnéticas,
os fios, as m oléculas do ar, os jornais, etc., são m eios que podem
transm itir efeitos e, por isso, inform ações. Os hom ens, porém ,
sem pre são partícipes da “transm issão” das inform ações. E isso
ocorre não com o um a espécie de resíduo subjetivo indesejável
ou porque, psicologicam ente, os indivíduos não conseguem se
livrar de suas m otivações sociais, políticas ou ideológicas.
N a verdade, a questão é anterior: a com unicação hum ana
envolve a objetividade da base m aterial e a subjetividade da au­
toconstrução histórica. M as o conceito de inform ação im plica,
tão som ente, o aspecto quantitativo desse processo, isto é, a di­
m ensão objetiva que é plenam ente form alizável. Esse conceito
(de inform ação) é fundam ental para a ação operativa sobre a

226
realidade, mas não consegue totalizar a com unicação com o um a
dim ensão concreta do processo histórico da autoconstrução ob­
jetiva e subjetiva dos hom ens. A sociedade hum ana, com o já foi
sublinhado antes, não é um sistem a que busca som ente a sua re­
produção e o equilíbrio, m as um fazer histórico prioritariam ente
prático que se abre, a cada instante, em novas possibilidades aos
sujeitos, em bora ela apresente em seu processo de reprodução,
sem qualquer dúvida, determ inados m om entos e aspectos niti­
dam ente sistêmicos.
São esses pressupostos, que com preendem a com unicação
no interior da práxis, que nos perm item superar os enfoques
a-históricos ou puram ente ideológicos do jornalism o, conce-
bendo-o enquanto estrutura de com unicação historicam ente
condicionada e form a social de conhecim ento articulada à auto-
produção histórica do hom em . Tanto um a com o outra, em bora
geradas no ventre do capitalism o, correspondem a necessidades
e determ inações bem m ais duradouras e am plas do que o dom í­
nio burguês e seus interesses particulares de classe exploradora.

Lênin e Trótski: intuições e limites

Sabem os que a reprodução jornalística está intim am ente


ligada à realidade im ediata. Assim , a m argem para a determ ina­
ção ideológica do jornalism o está dem arcada pela necessidade de
m anter certos laços com as m anifestações objetivas dos fenôm e­
nos singulares. Em contrapartida, os fatos só adquirem sentido
num contexto particular que precisa - em certa m edida - ser
posto subjetivam ente, não apenas dando am pla m argem à ideo­
logia com o exigindo-a necessariam ente. N um a configuração di­
versa daquela que ocorre na arte —que singulariza livrem ente em
busca do p a rticu la r estético^ conservando superados tanto o universal
quanto o singular - , o jornalism o, para reproduzir a realidade so-

227
ciai, apreende m anifestações singulares objetivas e, através delas,
repõe im plicitam ente opiniões, ideias e juízos universais.
J á vim os que a origem da confusão teórica e sem ântica —
em parte conscientem ente patrocinada - da “objetividade jor­
nalística”, está localizada na própria ideologia que em ana p o siti­
vam ente das relações de produção capitalistas, da reificação que
está na base dessa ideologia. (Trata-se, aqui, evidentem ente, do
conteúdo da percepção do social e não da fo r m a fragm entada
das notícias.) Q uando se diz que o jornalism o deve se ater “ex­
clusivam ente aos fatos”, está im plícito um determ inado critério
de elaboração m ental alicerçado na cosm ovisão e na ideologia
burguesas. A com preensão da inform ação jornalística sob outro
ângulo ideológico, ou seja, com o apreensão de um a realidade
não reificada, reconhecendo seu processo dialético e apostando
em suas m elhores possibilidades, exige que o m undo seja enten­
dido com o produção histórica em que se constroem e se revelam
sujeito e objeto. E xige um a perspectiva revolucionária.
N o entanto, o esforço de alguns no sentido de extrair um a
teoria do jornalism o de escritos ocasionais dos autores clássicos
do m arxism o está fadado ao fracasso. A o tem po de M arx, o ob­
jeto a que estam os nos referindo (o “jornalism o inform ativo”)
m al estava nascendo, a rigor, era ainda “invisível” para a teo­
ria. Pretender que ele possa ter desvendado o fenôm eno seria a
m esm a coisa que im aginar o nascim ento da econom ia política,
com o ciência autônom a, antes do desenvolvim ento do m odo de
produção capitalista, ou seja, antes que o seu objeto existisse
autonom am ente.
Por outro lado, a R ússia, m esm o no século X X , ainda era
um país atrasado em term os capitalistas. A lém disso, o fato de
estar em curso um a revolução burguesa condicionava a vanguar­
da socialista a pensar na im prensa exclusivam ente sob o ângulo
da intervenção político-ideológica direta. O problem a do “jor­

228
nalism o inform ativo” só vai surgir depois da Revolução. E, as­
sim m esm o, ele é apenas percebido precariam ente por Lênin e
Trótski, sendo tratado de m odo incipiente e circunstancial.
As opiniões de Lênin sobre a im prensa, antes da tom ada
do poder, oscilavam segundo as necessidades políticas de orga­
nização, discussão teórico-ideológica ou propaganda e agitação
de m assas. Os fatos deveriam servir com o objeto de análise ou
com o ilustração para as denúncias políticas. N esse período, ele
captou o grande potencial revolucionário da im prensa, enquanto
instrum ento de organização da vanguarda e com o ligação desta
com os segm entos avançados das massas. Por isso, Lênin é o
m ais legítim o sucessor —agora do ponto de vista do proletariado
revolucionário - da tradição do jornalism o político da burguesia
em sua luta contra a aristocracia feudal.
A pós a R evolução, entretanto, ele parece observar que
algo m ais específico foi introduzido pelo jornalism o, tanto no
que diz respeito às técnicas quanto ao gênero das inform ações.
N um artigo do Pravda, em 20 de setem bro de 1918, ele con ­
clam a:
“l Por quê no decir en 20 ó 10 renglones lo que ocupa 200 ó 400;
cosas tan simples, notorias, claras, suficientemente conocidas ya p or la
masa como la min traiáón de los mencheviques lacayos de la burguesia,
como la invasión de los ingleses y japoneses para restablecer los sagra­
dos derechos dei capital, como las amena%as de los multimilonarios
norte-americanos que muestran los dientes e los alemanes, etc., etc.?
E s necesario hablar de elo, senalar cada hecho nuevo, pero no se trata
de escribir artículos, repetir argumentos, sino de destacar en unos pocos
renglones, (en estilo telegráfico \ las nuevas manifestaciones de esa vieja
política,ya conociday caracterizada”}4

E acrescenta adiante:

14 LÊNIN, V. I. P ren sa y literatura. M adrid, Akal, 1976, p. 157.

229
“Más economia. Vero no en form a de argumentos ‘g enerales \ ensayos
científicos, estruturas intelectuales y absurdos p o r el estilo, como p or
desdicha ocurre con demasiada jrecuencia. Necesitamos reunir hechos
sobre la construcáón real de la nueva vida, verificados en detalle (grifos
no original)y estudiarlos” .15

Lênin chega, inclusive, a colocar a questão do cotidiano.

“Prestamos poca atención a lo cotidiano (grifo no original) en la vida


interna de las fábricas, en el campo y el ejéráto,y allí es donde se cons-
truye en mayor medida lo nuevo, lo que merece fundamental atención,
difusión, que debe ser criticado desde elpunto de vista social, combaten­
do los defectos y llamando a aprender de los mejores ejemplo/\Ui

N ão obstante, quem apontou m ais agudam ente que o fenô­


m eno jornalístico im plicava um a form a nova de abordar a reali­
dade, m esm o sem apreendê-lo teoricam ente, foi Trótski. N o seu
livro Q uestões do m odo de vida, escrito após a Revolução Russa, ele
recom enda aos jornalistas soviéticos:

“Caros colegas jornalistas, os leitores suplicam-vos que evi­


tem dar-lhes lições, fazer-lhes sermões, dirigir-lhes apóstro­
fes ou ser agressivos, mas antes que lhes descrevam e expli­
quem clara e inteligentemente o que se passou, onde e como
se passou. As lições e exortações ressaltarão por si mesmas...
Um jornal nào tem o direito de não se interessar pelo que
interessa às massas, à multidão operária... E indubitável que,
por exemplo, os processos e o que se chama os faits divers
- desgraças, suicídios, crimes, dramas passionais, etc. - sen­
sibilizam grandemente largas camadas da população. E isso
por uma razão muito simples: são exemplos expressivos da
vida que se faz”.17

15 Idew, p. 158.
16 Idem, p. 159.
17 TROTSKY, Leon. Apud: SILVA, Carlos Eduardo da. jornalism o popular no Rio Ciran­
de do Norte. Jn: Comunicação e Sociedade. São Paulo: Cortez, 1981. n. 6, p. 66-67.

230
O jornalismo e a “consumação da liberdade ”

Para que se possa com preender as potencialidades que são


liberadas pelo jornalism o, as carências que ele vem suprir no
processo histórico global, é preciso perceber que está em jogo
um a nova dim ensão do relacionam ento entre o indivíduo e o
gênero humano. U m a dim ensão que foi inaugurada pelo desen­
volvim ento da sociedade capitalista, m as equacionada segundo
os interesses particulares da classe dom inante. A ssim , sob a capa
da ideologia e da m anipulação que ela procura im prim ir ao pro­
cesso, surge um a m odalidade de conhecim ento - um a form a de
conhecim ento e um a estrutura de com unicação - , que deve ser
com preendida e recuperada na perspectiva revolucionária e no
sentido hum anizador.

“A individualidade —ensina Lukács —já aparece como cate­


goria do ser natural, assim como o gênero. Usses dois polos
do ser orgânico podem se elevar a pessoa humana e o gêne­
ro humano no ser social tão somente de modo simultâneo,
tão somente no processo que torna a sociedade cada vez
mais social”.18

A transform ação plena da m era individualidade em “pessoa


hum ana” e do sim ples gênero em “ser social” supõe a progres­
siva socialização objetiva da sociedade, coisa que o capitalism o
já im plem entou. A integração radical do indivíduo e do gênero,
a m útua dependência e penetrabilidade, as am plas e com plexas
m ediações entre um e outro, enfim , a nova dinâm ica que em er­
giu com o capitalism o entre o singular, o particular e o universal
- tudo isso, significa que as condições para a transform ação da

18 LUKÁCS, Georg. As bases ontológícas do pensamento e da atividade do homem. In:


Temas de Ciências Humanas. Sào Paulo: Ciências Humanas, 1978. n.4, p. 13.

231
individualidade em “pessoa” e do gênero em “hum anidade” es­
tão concretam ente colocadas.19
Para realizá-la, além das barreiras políticas e sociais que de­
vem ser rem ovidas, é necessário que cada indivíduo tenha acesso
à im ediaticidade do todo no qual está inserido (na versão im ­
pressa - 2a edição - está “à im ediaticidade do todo”). E que
possa participar, de form a im ediata, na qualificação desse todo
em cada m om ento no qual ele está se constituindo com o algo
novo. As influências que os fatos m ais distantes exercem entre a
vida dos indivíduos de todo o planeta não esperam , nem deve­
riam esperar, interpretações “técnicas” ou “científicas” oficiais
ou autorizadas. N a m aioria dos casos elas são quase instantâne­
as. Por isso, os indivíduos precisam viver tais fenôm enos com o
algo pessoal, pela feição indeterm inada e inovadora do singular,
com o realidade que está se desenrolando, se autoproduzindo e
que não apresenta um sentido fechado e nitidam ente delim itado.
Tal com o vai germ inando a árvore verde da vida.
Q uando ainda jovem M arx observou: “A im prensa em geral
é a consum ação da liberdade hum ana”.20 Todos sabem os que as
reflexões do jovem M arx nesses escritos sobre a im prensa estão
m arcadas pelo idealism o hegeliano. D em ocrata-revolucionário,
ele parte de um a essência hum ana pressuposta racionalm ente
para denunciar a autocracia. A “verdadeira lei” , a “liberdade”

19 “Se no século XVIII, na ‘sociedade burguesa’, as diversas form as do conjunto social


passaram a apresentar-se ao indivíduo como simples meio de realizar seus fins priva­
dos, com o necessidade exterior. Todavia, a época que produz este ponto de vista, o do
indivíduo isolado, é precisam ente aquela na qual as relações sociais (e, deste ponto de
vista, gerais) alcançaram o mais alto grau de desenvolvim ento”. M ARX, Karl. Para a
crítica da economia política/ Introdução. 3.ed. São Paulo, Abril Cultural, 1985, p.
104. (Col. Os Pensadores). Ver tam bém a Introdução, de M assim o Canevacci, em Dialética
do Indivíduo, na qual ele procura resgatar para o m arxism o a irredutibilidade da relação
entre o indivíduo e o gênero humano, embora acabe assum indo um a posição idealista
ao desprezar a eficácia das m ediações concretas, em especial do partido. CANEVACCI,
Massimo. (Introd. e org. D ialética do Indivíduo!o indivíduo na natureza, histórica e cultura, São
Paulo: Brasilíense, 1981).
20 M ARX , Karl. A liberdade de imprensa. Porto Alegre: L& PM , 1980, p. 34.

232
e o “E stado” são as categorias prioritárias para sua crítica das
leis reais, da falsa liberdade e do Estado autocrático. Porém, há
nessas reflexões um a sugestiva preocupação ontológica. Se in ­
verterm os a sentença citada terem os um a tese que aponta cla­
ram ente o sentido que percorreu este trabalho: “A consum ação
da liberdade hum ana exige o desenvolvim ento da im prensa em
geral”. Vale acrescentar: em especial\ do jorn alism o. Para pensar e
atuar efetivam ente com o sujeito individual e social no interior
do gênero hum ano —para tornar-se um a “pessoa”, na acepção
dada por Lukács —, o hom em precisa viver am plam ente, e não
apenas através das m ediações particulares e universais da arte e
da ciência, a totalidade do m undo hum ano pelas determ inações
significativas do singular. A realização do com unism o, portanto,
não pode ser pensada sem o pleno desenvolvim ento dessa form a
social de apropriação da realidade a que cham am os “jornalism o
inform ativo”.

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