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O SEGREDO DA PIRÂMIDE
Para uma teoria marxista do jornalismo
Florianópolis
EDITORA INSULAR
E ditora Insular
0 SEGREDO DA PIRÂMIDE
Para uma teoria marxista do jornalismo
' Jú lia Pasqualini G enro e Bruna Pasqualini G enro
Série Jornalismo a Rigor
Diretor
Fiduardo M editsch
Conselho Consultivo
A lfredo V igeu —I J I Pl i
A ntonio H ohlfeldt —PIJC-RS
Carlos /ranciscato —l ! l ;.V
Christa B erger —Vnisinos
\idson S penthof ~ í 'I CO
João Batista de A breu - O/ I '
Joaquim I 'idalgo - UAI, Portugal
Jorge Pedro Sousa - l IP'P, Portugal
Jo sé M arques de M elo - í JMI iSP
Sergio M attos —f '/ 'R/l
Sônia V irginiaMoreira —Ul i RJ
l 'ictor Cientil/i - l II i :.V
Revisão de originais
Carlos Neto
240 p.
ISBN 978-85-7474-625-8
CDD 0070
EditCr^ Insular
Rodovia João Paulo, 226 —CEP S.8030-300 —Florianópolis/SC
Fone/Fax: (48) 3334-2>7? - 3232-9591
editora@ insular.com .br —www.insular.com.br —twitter.com /Editoralnsular
Sumário
P refácio............................................................................................................. 9
jAdelmo Genro Filho
Introdução...................................................................................................... 13
C apítulo I - O fu n c io n a lism o e a c o m u n ic a ç ã o :
c o n s id e ra ç õ e s p re lim in a re s ................................................................... 25
A imprensa com o “função social”.................................................... 28
B i b l io g r a f i a ............................................................................................................2 3 4
Prefácio
9
zação torna-se a expressão de um diálogo, não de surdos, mas
de m udos: um não consegue falar ao outro. A prática, por sua
lim itação natural, jam ais soluciona a teoria. E la apenas insiste,
através de suas evidências e contradições, que deve ser ouvida.
M as só pode se expressar racionalm ente através da teoria.
R esponsabilidade m aior, portanto, cabe à própria teoria
que está m uda em relação às evidências e contradições da práti
ca, quando deveria transform á-las num a linguagem racional. Isto
é, elucidar e direcionar a prática num sentido crítico e revolucio
nário.
O objetivo m aior do presente trabalho é propor, certam en
te com lim itações, um enfoque teórico capaz de apreender ra
cionalm ente tanto as m isérias quanto a grandeza da prática que
/
é seu objeto e critério. E a tentativa de iniciar um diálogo, tendo
presente que a responsabilidade integral pela iniciativa e pela fe-
cundidade ou não dos conceitos cabe à teoria.
Trata-se, a rigor, de um ensaio que pretende fornecer ele
m entos para um a teoria do jornalism o, entendido este com o
um a fo r m a social de conhecim ento, historicam ente condicionada pelo
desenvolvim ento do capitalism o, mas dotada de potencialidades
que ultrapassam a m era funcionalidade a esse m odo de produ
ção. O jornalism o que tratam os aqui, portanto, não é um a ati
vidade ligada exclusivam ente ao jornal, em bora tenha sido tipi
ficado pelos diários que nasceram a partir da segunda m etade
do século passado, já com características em presariais e voltados
para a diversificação crescente das inform ações.
O enfoque teórico, situado na perspectiva da dialética m ar
xista, está alicerçado nas categorias do “singular”, “particular”
e “universal” —noções de larga tradição no pensam ento filosó
fico, especialm ente na filosofia clássica alem ã — que atingiram
sua plena riqueza de determ inações lógicas no pensam ento de
H egel, apesar de inseridas dentro de seu sistem a idealista. Sob
10
a inspiração da estética de Lukács, que definiu a arte com o um a
form a de conhecim ento cristalizada no “particular” (típico), o
jornalism o é caracterizado com o um a form a de conhecim ento
centrada no “singular”. U m a form a de conhecim ento que sur
ge, objetivam ente, com base na indústria m oderna, mas se tom a
indispensável ao aprofundam ento da relação entre o indivíduo e
o gênero hum ano nas condições da sociedade futura. A ssim , a
proposta de um “jornalism o inform ativo”, ideologicam ente an-
tiburguês, transform a-se num a possibilidade política efetiva.
Inicialm ente, são criticados alguns pressupostos do fun
cionalism o que estão subjacentes ao tratam ento pragm ático
que norm alm ente é dado ao problem a das técnicas jornalísticas
e, igualm ente, à questão da “objetividade e im parcialidade” da
inform ação. Incluída na m esm a linhagem teórica do funciona
lism o, à cham ada Teoria G eral dos Sistem as é apontada como
inadequada para a abordagem crítica da com unicação hum ana
em geral e do jornalism o em particular, à m edida que reduz a
ontologia do ser social às propriedades sistêm icas referidas pela
cibernética.
A E scola de Frankfurt, que nos legou um a im portante he
rança teórica de crítica da cultura, da com unicação e da ideologia
no capitalism o desenvolvido, é denunciada em sua unilaterali-
dade ao abordar tais questões exclusivam ente sob o ângulo da
manipulação. N essa perspectiva, são discutidas ideias do jovem
H aberm as a respeito do jornalism o e algum as posições de auto
res contem porâneos situados nessa tradição.
M ais adiante, um a corrente que se pretende m arxista, cha
m ada por nós de “reducionism o ideológico” —que trabalha com
as prem issas naturalistas do staünism o —é analisada em seu ca
ráter m anipulatório e conseqüências a-éticas no terreno político.
Os últim os capítulos, com base nos pressupostos form ula
dos ao longo do balanço crítico, propõem um a rediscussão dos
11
conceitos de lead, notícia e reportagem , assim com o um a revisão
do significado da “pirâm ide invertida” . Finalm ente, num a abor
dagem das relações do jornalism o com a sociedade capitalista e,
m ais am plam ente, com a perspectiva histórica de um a sociedade
sem classes, são delineadas suas potencialidades socializantes e
hum anizadoras.
12
Introdução
13
As abordagens que predom inaram nas últim as décadas g i
ram em torno da com unicação de m assa, da publicidade e das
técnicas de inform ação, sem destacar o jornalism o com o um
objeto específico a ser desvendado. E m geral, o jornalism o tem
sido considerado com o sim ples m odalidade da com unicação de
m assa e m ero instrum ento de reprodução da ideologia das clas
ses dom inantes.
O tto G roth definiu claram ente o objeto sobre o qual erigiu
sua teoria:
iCHay que advertir que para Groth la Cienáa Periodística dehe investi
ga r todas laspuhlicaciones que aparegcam periodicamente como un solo
fenômeno en sus elementos. Su obra tiene siempre presente la \unidad
confirmada historicamente de revistas y periódicos’, p or lo que Groth
propone para los dos el nomhre de periodik \ Este término abarca no
solo el periódico sino la prensa en conjunto”?
14
su autolegalidad. Los fines que fundan así la Cultura derivan de las
diferentes demandas humanas y de las normas válidas”d
15
A qui já temos, portanto, outra delimitação teórica do objeto,
distinta daquela construída por Groth. E um outro método: já
não se trata apenas de distinguir a racionalidade de um a com uni
dade subjetiva de indivíduos que trocam bens simbólicos, mas de
com preender como as condições históricas —em primeiro lugar,
as condições objetivas —produziram a necessidade dessa recipro
cidade subjetiva e, sobretudo, a especificidade dos bens sim bóli
cos que nasceram dela. Trata-se de, sob esse prism a, descobrir as
am bigüidades e contradições do fenômeno jornalístico diante da
dom inação e da luta de classes no capitalismo, buscando inclusive
perscrutar as potencialidades que se abrem ao futuro.
M as voltem os ao problem a do método. E im portante in
sistir sobre a bússola que vai nortear esse trabalho. J á é quase
senso com um nas ciências, hoje em dia, a ideia de que o “objeto
teórico” (ou “objeto do conhecim ento”) é distinto do “objeto
real”, entendido este apenas enquanto m anifestação fenom ênica.
N ão obstante, essa prem issa é interpretada de m aneiras diferen
tes, dependendo dos pressupostos filosóficos dos quais se parte.
H á duas interpretações agnósticas sobre a questão que de
vem ser descartadas. A p rim eira delas, extrai dessa prem issa um a
conclusão de fundo neopositivista, isto é, a realidade é tom ada
sim plesm ente para efeitos operatórios, com o um “construto”
relativam ente arbitrário. A segunda, a partir da distinção entre
“objeto teórico” e “objeto real”, assum e um a postura franca
m ente idealista, ou seja, o real é entendido com o dotado de um a
essência inacessível ao conhecim ento.
A posição assum ida neste trabalho reconhece que, analitica-
m ente, o “objeto teórico” é distinto do “objeto real” e interpreta
essa sentença no sentido que foi claram ente indicado por M arx
em Para a crítica da econom ia p olítica /’ Isso quer dizer que o real,
6 M arx, Karl. Irr. K arl M arx. 3. ed. Sào Paulo, Abril Cultural, 1985. (Col. Os Pensadores) p.
116-117.
16
para o conhecim ento, não aparece im ediatam ente em sua con-
creticidade. N ão é a objetividade evidenciada diretam ente pelos
sentidos que consdtui o concreto, mas a síntese de suas m últiplas
determ inações enquanto concreto pensado, em bora a concre-
ticidade que o constitua seja o verdadeiro ponto de partida. O
percurso do conhecim ento vai do abstrato ao concreto, das abs
trações m ais gerais produzidas pelos conhecim entos anteriores,
através das quais o sujeito para apreender a particularidade do
objeto, até o m om ento da síntese realizada pelo conceito para
apanhá-lo em suas determ inações específicas, isto é, com o con-
/
ereto pensado. E o que afirm a, num a linguagem hegeliana, Jean
Ladrière:
7 LAD RIÈRE, Jean. Filosofia ep rá x is áentífica. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978. p. 23.
17
um e outro, m'as um a transform ação constante e progressiva d o
“objeto real” em “objeto teórico” e vice-versa. É se apropriando
do m undo que o hom em vai realizando essa transform ação e, atra
vés dela, revelando a verdade do objeto real por m eio da teoria.
O percurso da teoria, em conseqüência, não pode partir de
um conceito exaustivo do objeto (no caso, o jornalism o), para
em seguida derivar suas determ inações, pois isso seria adiantar
com o prem issa ideal aquilo que se pretende —em bora com m ui-
/
tas lim itações —desenvolver na totalidade da reflexão. E reco
m endável, ao que nos parece, que o percurso da exposição não
violente a lógica da apreensão teórica, em bora não deva ser coin
cidente com ela, a fim de evitar os tropeços e descam inhos que
a teoria foi obrigada a percorrer. O m elhor rum o da exposição
parece ser um cam inho lógico presidido pelas conclusões teófi-
cas já obtidas, não reveladas inteiram ente de antem ão, em bota
delineadas previam ente a fim de que sirvam com o vetor para a
com preensão.
Avancemos, então, em direção ao nosso objeto pela Via
delicada da aproxim ação excludente. O objeto deste trabalho
não é a com unicação em geral, o que poderia enfeixar todo um
conjunto heterogêneo de processos físicos, biológicos e sociais,
abordados sob a ótica da C ibernética e da Teoria da Inform a
ção. Tam pouco se pretende dar conta do conjunto de relações
hum ano-sociais indicado sob o título genérico de Com unicação
Social, m as apenas de um a de suas determ inações históricas, a
saber, o “jornalism o in form ativo”, tom ado com o m odelo â °
próprio conceito de jornalism o.8
A escassez de estudos teóricos sobre o jornalism o (tenho
presente a exceção de O tto G roth) nos obriga a discutir a ques
8 O “jornalism o inform ativo” produzido em qualquer veículo, especialm ente aquele que
apresenta uma periodicidade pelo m enos diária, é o fenômeno que tipifica nosso objet°-
Trata-se da manifestação mais característica do fenômeno que pretendem os analisar>
servindo como principal referência do nosso “objeto real” no sentido já apontado.
18
tão no contexto de categorias e referências m ais am plas. Assim,
o critério usado para o balanço dos conhecim entos existentes
está alicerçado em duas prem issas: os pressupostos teóricos as
sum idos e a adoção privilegiada - para efeitos da crítica - de
certas correntes de pensam ento que, a nosso juízo, produziram
conceitos relativam ente abrangentes sobre o jornalism o. D iscu
tirem os aspectos de três grandes correntes: o “funcionalism o norte-
-am ericano”, a “H scola de F ra n k fu rt e um a espécie de concepção
sobre o jornalism o que se autoproclam a m arxista, que será cha
m ada de “reducionism o ideológicd\ E sta concepção está inserida na
tradição stalinista e encontra seu com plem ento teórico nas teses
de A lthusser.9
A “escola francesa” de Jacques Kaiser, que seria conside
rada m ais tarde com o precursora do estruturalism o 10, e os es
tudos sem iológicos inspirados na lingüística estrutural de Saus-
sure, na lingüística de Jakobson, na lingüística transform acional
de Chom sky, na psicanálise de Lacan e na antropologia de Lévi-
-Strauss não serão discutidos. A p artir da década de 60, na Eu
ropa, e principalm ente na França, esboçou-se nos pesquisadores
universitários “o sonho m egalôm ano de um a decodificação geral
dos sistem as de signos; e com o toda a m anifestação hum ana é
um sistem a de signos... Imaginou-se. um a ciência geral da nar
rativa, que se encaixaria num a ciência geral das artes, que se en
caixaria num a ciência geral da linguagem , abarcando sociedade
e inconsciente” .11 Pela natureza desse enfoque, que privilegia o
m undo enquanto “linguagem ”, “textos”, “articulação de signos”,
9 Mais adiante veremos que as ideias de Althusser, mais harm ônicas com a concepção que
denom inam os “reducionismo ideológico”, também influenciaram as análises do belga
Arm and M attelart, em bora estas, no seu conjunto, estejam mais identificadas com a
tradição de “Frankfurt” .
10 CASASUS, José Maria. I d eo lo gia j anâlisis de medios de cumumcaàón. Barcelona. DOPESA,
1972. p. 20.
11 M OISÉS, Leila Perrone. K oland Barthes. São Paulo, Brasiliense, 1983. (Col. Encanto radi
cal; 23) p.43.
19
o jornalism o é investigado, via de regra, com o produção ideoló
gica que em ana das estruturas subjacentes em que se organiza a
m ensagem . Em conseqüência, para os objetivos do nosso traba
lho que é situar o jornalism o como fenôm eno histórico-social
concreto e não apenas com o organização form al da linguagem
que m anifesta conteúdos explícitos ou im plícitos, tais enfoques
apresentam um insanável vício de origem , que é a parcialidade na
apreensão do fenômeno.
Inicialm ente farem os um balanço crítico no qual as nossas
hipóteses irão sendo apresentadas. Os capítulos finais abordarão
a “pirâm ide invertida”, o le a d 2, as relações entre jornalism o e
arte e, finalm ente, as perspectivas históricas do jornalism o. Na
questão das relações entre jornalism o e ideologia, por um a op
ção epistem ológica, e tam bém política, o conteúdo das notícias
é tom ado em seus opostos extrem os (“funcional” ou “crítico-re-
volucionário”), em bora seja necessário reconhecer que a dialéti
ca social estabelece todo um leque de gradações e am bigüidades.
Para abordar o jornalism o com o m odalidade de conhecim ento,
são utilizadas três categorias de larga tradição no pensam ento
filosófico desde a A ntiguidade e, em especial, na filosofia clássica
alem ã: o singular; o p a rticu la r e o universal. Elas foram aplicadas
po r Lukács, com relativo êxito, na form ulação de um a estética
m arxista. N ossa intenção é aplicá-las para a constituição de uma
teoria do jornalism o.13
N ossa abordagem postula a aplicação do m étodo dialético-
-m aterialista, tom ada esta expressão não no sentido do “redu-
12 M esm o sendo expressões usuais no dia a dia dos jornalistas, cabe inform ar o seu signifi
cado aos leitores de outras áreas. A “pirâmide invertida” é a representação gráfica de que
a notícia deve ser elaborada pela ordem decrescente de im portância das informações. O
lead designa “o parágrafo sintético, vivo, leve, com que se inicia a notícia, na tentativa de
fisgar a atenção do leitor”.
13 Para quem não esdver familiarizado com tais categorias, seria interessante iniciar a leitura
pelo capítulo VII, onde se discute o sentido que elas adquirem em Hegel e M arx, e onde
são apresentadas algumas reservas ao uso que delas fez Lukács em sua estética.
20
cionism o econom icista” ou do “naturalism o dialético”14 —o que
conduz a um enfoque de m atiz positivista —m as num a perspec
tiva m arxista que tom a as relações p rá tica s de produção e reprodu
ção da vida social com o ponto nodal da autoprodução hum a
na na história. O u seja, trata-se de um a m aneira de considerar
a realidade histórico-social que com preende as determ inações
subjetivas com o algo real e ativo, um a dim ensão constituinte da
sociedade, mas que só pode ser apanhada logicam ente em sua
dinâm ica com o m om entos de um a totalidade que tem na objeti-
vação seu eixo central. Em síntese, um enfoque que tom a a práxis
com o categoria fundam ental.
A dificuldade m aior é que inexiste um a tradição teórica
integrada e solidam ente constituída sobre o jornalism o, como
já foi indicado, em que pesem alguns avanços significativos em
problem áticas paralelas ou áreas lim ítrofes. A Teoria da Infor
m ação, por um lado, e a C om unicação de M assa, por outro, en
volvem investigações relativam ente recentes e bastante desen
contradas. O fundam ento com um , enunciado e discutido pelos
estudiosos de am bas as áreas, é ainda por dem ais incipiente para
que se possa reconhecer a existência de um a inequívoca unidade
teórica. Persiste, entre a T eoria da Inform ação e as investigações
filosóficas, sociológicas e sem iológicas da com unicação hum ana,
um a terra de ninguém , um vácuo atorm entado por dúvidas e
im precisões.
E ntre o form alism o da prim eira e a generalidade dos de
m ais enfoques, não é de se adm irar, portanto, que o jornalism o
—fenôm eno que nasceu no bojo da com unicação de m assa —seja
tão carente de explicações teóricas e tão farto em considerações
em piristas e m oralizantes. O que tem acontecido é que as abor
dagens sociológicas ou filosóficas contornam , ou sim plesm ente
14 GENRO FILHO, Adelmo. Introdução à crítica do dogmatismo. In: Teoria e Política. Sào
Paulo, Brasil Debates, 1980. n .l.
21
ignoram , as questões form ais propostas pela Teoria da Inform a
ção. E sta, por seu lado, tende a exercer um a espécie de “redução
ontológica” da sociedade para inseri-la em seus m odelos.
A cham ada “Teoria G eral dos Sistem as”, pela m etodolo
gia abrangente e reducionista que propõe, é um dos polos desse
dilem a teórico.15 Os m al-entendidos que se produziram com a
participação de Lucien G oldm ann num debate com cientistas de
diversas áreas sobre “o conceito de inform ação na ciência con
tem porânea” 16 , indicam o reverso da m edalha, isto é, a dificulda
de dos enfoques “h um anistas” em incorporar o aspecto objetivo
e m atem ático im plicado no conceito de inform ação.
A ssim , pode-se perceber que a ausência de um a teorização
axiom ática sobre o jornalism o não ocorre por acaso, mas num
contexto de reflexões heterogêneas e até paradoxais sobre o pro
blem a da com unicação. Tam pouco essa lacuna é destituída de
conseqüências políticas e sociais: em geral, os posicionam entos
nascidos dessa indigência teórica capitulam diante do em pirism o
estreito —cam inho m ais curto até a apologia — ou assum em o
distanciam ento de um a crítica supostam ente radical que resum e
tudo no engodo e na m anipulação.
A ingenuidade dessas propostas, que desprezam as m edia
ções especificam ente jornalísticas e propõem a panaceia de “de
volver a palavra ao povo”, denuncia a inconsistência teórica das
prem issas. E certo que a ideologia burguesa está em butida na
justificação teórica e ética das regras e técnicas jornalísticas ado
tadas usualm ente. M as isso não autoriza, com o m uitos parecem
im aginar, que se possa concluir que as técnicas jornalísticas são
m eros epifenôm enos da dom inação ideológica. E ssa conclusão
não é legítim a nem do ponto de vista lógico nem histórico.
15 Cf. BUCKLEY, Walter. A sociologia e a moderna teoria dos sistemas. 2. ed. Sào Paulo, Cultrix,
s/d.
16 G O LDM AN N, Lucien. Sobre o conceito de consciência possível. In: 0 conceito de infor
mação na áência contemporânea. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1970. (Série Ciência, e Inform a
ção; 2).
22
U m enfoque verdadeiram ente dialédco-m aterialista deve
buscar a concreticidade histórica do jornalism o, captando, ao
m esm o tempo, a especificidade e a generalidade do fenômeno.
D eve estabelecer um a relação dialética entre o aspecto histórico-
-transitório do fenôm eno e sua dim ensão histórico-ontológica.
Q uer dizer, entre o capitalism o (que gestou o jornalism o) e a
totalidade hum ana em sua autoprodução. D ito de outro modo,
o jornalism o não pode ser reduzido às condições de sua gênese
histórica, nem à ideologia da classe que o trouxe à luz. Parafrase
ando Sartre: a notícia é um a m ercadoria, mas não é um a m erca
doria qualquer.17 O capitalism o não é um acidente no processo
histórico, mas um m om ento da totalidade em seu devir. Suas
determ inações culturais (no sentido am plo do term o) envolvem
um a dialética entre a particularidade dos interesses da classe do
m inante e a constituição da universalidade do gênero humano.
A quem pertencem , hoje, as obras de Balzac, Flaubert, Zola e
tantos outros? A am bivalência do jornalism o decorre do fato de
que ele é um fenôm eno cuja essência ultrapassa os contornos
ideológicos de sua gênese burguesa, em que pese seja uma das
form as de m anifestação e reprodução da hegem onia das classes
dom inantes.
O que farem os nas reflexões subsequentes é discutir o jor
nalism o com o produto histórico da sociedade burguesa, mas um
produto cuja potencialidade a ultrapassa e se expressa desde ago
ra de form a contraditória, à m edida que se constituiu com o uma
nova m odalidade social de conhecim ento cuja categoria central ê o singular.
Porém , o conceito de conhecim ento não deve ser entendido na
acepção vulgar do positivism o, e sim com o m om ento da prá-
xís, vale dizer, com o dim ensão sim bólica da apropriação social
23
do hom em sòbre a realidade. N osso ponto de partida, portanto,
pode ser ilustrado pela assertiva final do livro de N ilson LageNE.
E le intuiu corretam ente o cam inho a seguir e o expressou de
m odo incisivo: “Os jornais, em suma, nào têm saída: sào veículos de
ideologias práticas, mesquinharias. Mas têm saída: há neles indícios da
realidade e rudimentos de filosofia prática, crítica militante, grandeza
submetida, porém insubmissa”.1*1Orações imponentes de um jornalis
ta talentoso. Talvez o kad de uma nova abordagem.
N E Uma nova edição da obra de N ilson Lage foi publicada em 2012 no Volume 5 desta Série
Jornalism o a Rigor.
18 LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. Petrópolis, Vozes, 1979, p. 112 (Violette M orin
aponta no mesmo sentido: “ Parece que el tratamiento periodístico, em su versión actual, encierra
alguna ‘virtud’ cuya intensidad, aún m a l definida, podría un dia rivalizar con la ya reconocida de sus
‘vícios’. Es éste, en todo caso, elsentim iento que este trabajo contribuye a sugerir'. Ver: El tratamien
to periodístico de la inform ación. M adrid, A.T.E., 1974. (Col. Libros de Comunicación
Social), p. 10.
24
C apítulo I
25
de Lévi-Strauss.1 Foi, porém , nos Estados U nidos que suas ideias
tornaram -se precursoras da form ação de um cam po teórico mais
definido e sistem atizado, especialm ente através de Talcott Par-
sons e R obert K. M erton, nom es que podem ser considerados
clássicos no estrutural-funcionalism o norte-am ericano.
D ürkheim procura distinguir a explicação “causai” da ex
plicação “funcional” dos fatos sociais. A prim eira tenta esclare
cer a sucessão dos fenôm enos, enquanto a segunda quer definir
o papel que é atribuído a cada fenôm eno pelas necessidades do
organism o social. V ejam os o sentido m ais preciso desse últim o
tipo de explicação, o qual nos interessa salientar aqui.
1 GID EEM S, Anthony. A.s idéias de Dürkheim. Sao Paulo, Cultrix, 1978. (Mestres de M o
dernidade) p. 1.
26
foi o que Dürkheim tentou levar a cabo em sua discussão do
desenvolvimento da divisão do trabalho”.2
2 Idem, p. 28.
S Thom as, Louis-Vincent. A etnologia: mistificação e desmistificação. br. CHÃTELET. A
filosofia das ciências sociais. Rio de Janeiro, Zahar, 1974. p. 167.
27
“La primera escuela norteamericana que se preocupo preferentemente
de los médios de comunicación se inicia bacia 1930 con Bernard Be-
relson, H arold Eassivell y sus colaboradores. Kecogían la experiência
tecnológica dei gran pionero H artleyy la tendencia pragmática de los
primeros 1analistas' intuitivos, pero les animaba el aján de reducir al
mínimo la subjetividad dei investigador. En todos sus planteamientos
metodológicos puede observarse un interés especial en lograr que el ana
lista parta de unos supuestos puramente objetivos V
28
averiguar as causas do atraso no desenvolvim ento da im prensa
colonial em nosso país7. O livro de M arques de M elo procura
situar o surgim ento da im prensa e do jornalism o em função das
necessidades produzidas pela sociedade na sua dim ensão global.
Para realizar essa tarefa, o autor faz um a “descrição” histórica, a
fim de explicar o aparecim ento de tais necessidades sociais. Por
isso, alguns aspectos levantados em seu trabalho, principalm ente
em relação ao surgim ento da im prensa no O cidente, tornam -se
úteis —em que pese a m etodologia confessadam ente funcionalis-
ta —com o elem entos iniciais de reflexão.
A relação estabelecida pelo autor entre a sociedade e o desen
volvim ento da im prensa, a partir de necessidades globais, ressal
ta um aspecto do problem a geralm ente m al compreendido. Não
obstante, com o será indicado no final deste capítulo, o método
funcionalista que é subjacente a essa abordagem com prom ete o
desdobram ento crítico da análise. Vejamos alguns pontos:
“O certo, no entanto, é que a imprensa veio atender às ne
cessidades crescentes de produção de livros, a fim de satisfa
zer às solicitações da elite intelectual forjada pelas universi
dades renascentistas. Mas, não somente com essa finalidade,
apesar de os registros dos estudiosos enfatizarem de tal
modo esse aspecto, tornando-o muitas vezes único e exclu
sivo. As atividades de impressão serviram também como
suporte para o desenvolvimento das atividades da nascente
burguesia comercial e industrial, dando letra de forma aos
instrumentos da sua complexa engrenagem burocrática (le
tras de câmbio, recibos, contratos, modelos contábeis, tabe
las de preços, etc.). Ou, então, atenderem as necessidades
da organização administrativa das cidades e dos principados
(guias para o recolhimento de impostos, editais, proclama
ções, avisos, formulários, etc.)”.8
29
O desenvolvim ento da im prensa aparece, aqui, articulado
com o crescente interesse pelos livros a p artir do Renascim ento
e, de outra parte, com as dem andas burocráticas e institucionais
da burguesia em ascensão. M as com relação aos “periódicos”,
que foram os precursores do jornalism o contem porâneo, as n e
cessidades sociais apontadas são m ais difusas:
() Idem, p. 37.
30
Isso traz duas conseqüências básicas: a procura de m ais in
form ações e, pelo fato de que tais inform ações não podem ser
obtidas diretam ente pelos indivíduos, surge a possibilidade de
uma indústria da inform ação. Q ue tais em presas sejam privadas
e que as notícias sejam transform adas em m ercadorias não é de
se estranhar, pois, afinal, tratava-se precisam ente do desenvol
vim ento do m odo de produção capitalista. Logo, desde o seu
nascim ento, o jornalism o teria de estar perpassado pela ideologia
burguesa e, do ponto de vista cultural, associado ao que foi cha
m ado m ais tarde de “cultura de m assa” ou “indústria cultural”.
Segundo M argaret Aston, passou-se um largo período de
tem po antes que a im prensa tivesse influência decisiva como
m eio de revolucionar a inform ação e o conhecim ento sobre
acontecim entos recentes, ou então o conhecim ento de fatos an
tigos apreciados à luz de novos elem entos111. Vejamos: aum enta
a dem anda de inform ações sobre acontecim entos que, de uma
form a ou de outra, influem m ais ou menos rapidam ente sobre
os indivíduos. N o entanto, tais acontecim entos não podem ser
vividos diretam ente pela experiência. Sua dinâm ica exige que se
jam apreendidos, constantem ente, enquanto fenôm enos e que se
jam continuam ente totalizados.
A ssim com o os fenôm enos im ediatos que povoam o co
tidiano, os acontecim entos precisam ser percebidos com o pro
cessos incom pletos que se articulam e se superpõem para que
possam os m anter um a determ inada “abertura de sentido” em
relação a sua significação. M esm o que o sentido seja produzido
sempre num a determ inada perspectiva ideológica, assim como
qualquer outra significação atribuída ao m undo social, isso não
invalida a im portância dessa “abertura de sentido” que lhe é sub
sistente.
31
N o m odo de produção capitalista, os acontecim entos im
portantes do m undo, em virtude da contiguidade objetiva no
espaço social, tornaram -se tam bém “fenôm enos im ediatos que
povoam o cotidiano” . Portanto, essa am bigüidade da in fo rm a
ção jornalística, que apresenta algo já acontecido com o se ainda
estivesse acontecendo, reconstitui um fenôm eno que não está
sendo diretam ente vivenciado com o se o estivesse, que trans
m ite acontecim entos através de m ediações técnicas e hum anas
com o se produzisse o fato original; essa am bigüidade não é ape
nas produto m aquiavélico do interesse burguês. A possibilidade
de m anipulação decorre dessa relação tensa entre o objetivo c o
subjetivo, que está na essência da inform ação jornalística.
Os veículos de com unicação, com o a im prensa, o rádio, a
fotografia, o cinem a, a TV, etc., trouxeram conseqüências pro
fundas para as form as de conhecim ento e com unicação até en
tão existentes. O exem plo m ais característico é o da arte, cujas
transform ações evidentes são objeto de um a polêm ica que já se
prolonga por várias décadas. A s novas form as de arte, as m oder
nas técnicas pedagógicas, os novos gêneros de lazer e as outras
m odalidades de relacionam ento social produzidos pela im prensa
e, m ais acentuadam ente, pelos m eios eletrônicos de com unica
ção, foram incorporados com o objetos teóricos com certa natu
ralidade.
N o entanto, o jornalism o, que é o filho m ais legítim o des
se casam ento entre o novo tecido universal das relações sociais
produzido pelo advento do capitalism o e os m eios industriais de
difundir inform ações, isto é, o produto m ais típico desse consór
cio histórico, não é reconhecido em sua relativa autonom ia e in
discutível grandeza. D e um lado, ele é visto apenas com o in stru
m ento particular da dom inação burguesa, com o linguagem do
engodo, da m anipulação e da consciência alienada. Ou sim ples
m ente com o correia de transm issão dos “aparelhos ideológicos
32
de E stado”, com o m ediação servil e anódina do poder de um a
classe, sem qualquer potencial para uma autêntica apropriação
sim bólica da realidade. D e outro lado, estão as visões m eram ente
descritivas ou m esm o apologéticas —tipicam ente fiincionalistas
—em geral suavem ente coloridas com as tintas do liberalism o: a
atividade jornalística com o “crítica responsável” baseada na sim
ples divulgação objetiva dos fatos, um a “função social” voltada
para “o aperfeiçoam ento das instituições dem ocráticas” . N a lin
guagem m ais direta do m estre (D ürkheim ), um a atividade volta
da para a denúncia e correção das “patologias sociais”, portanto,
para a coesão e a reprodução do estado “norm al” da sociedade,
ou seja, o capitalism o.
Buscando um a síntese, podem os dizer que o funcionalismo
indica o caráter socializante do m aterial impresso e dos meios de
com unicação em geral, percebendo inclusive a determ inação das
necessidades sociais difusas no desenvolvimento do jornalismo.
Chega até, com o foi indicado, a situar o jornalism o com o “forma
de conhecim ento”. Mas atribui a essa expressão um sentido vulgar
e pragm ático, vinculado apenas à reprodução da sociedade. Ao
rebaixar desse m odo o conhecim ento assim produzido, desapa
rece o próprio objeto delineado como “função” , dissolvendo-se
sua especificidade no elem entarism o de certas técnicas e regras do
“bom jornalism o”. A visão funcionalista percebe que a socieda
de capitalista tem necessidades difusas de um volum e enorm e de
inform ações e que o jornalism o surgiu no bojo desse fenômeno.
Mas o curto fôlego teórico de suas premissas não perm ite res
ponder, exceto com meras constatações e obviedades, por que o
jornalismo assum iu determ inadas configurações específicas na or
ganização das inform ações e na estrutura de sua linguagem . Não
consegue, tampouco, equacionar a questão da luta de classes, da
hegem onia ideológica das classes dom inantes na produção jorna
lística e das contradições internas desse processo.
33
Enfim, à medida que o funcionalismo “consiste na deter
minação da correspondência existente entre um fato conside
rado e as necessidades gerais do organismo social em que está
inserido”11 , não perm ite notar a autonomia relativa do fenôme
no jornalístico e suas perspectivas históricas mais amplas. Ficam
obscurecidas as contradições: sua inclusão na luta de classes e os
limites e possibilidades que daí decorrem.
34
C apítulo II
Do pragmatismo jornalístico
ao funcionalismo espontâneo
I NETTO, José Paulo. Capitalismo e reificação. Sào Paulo, Ciências Humanas, 1981.
35
certo ponto, é inevitável que a teorização espontânea dos homens
“práticos”, quando refletem sobre questões sociais baseados na sua
própria experiência, adquira contornos funcionalistas. O espírito
“pragm ático” da grande m aioria dos jornalistas, em parte devido
à defasagem do acúmulo teórico em relação ao desenvolvimento
das “técnicas jornalísticas” e, em parte, devido ao caráter insolente
e prosaico que em ana naturalm ente da atividade (produzindo nos
jornalistas um a consciência correspondente), não poderia gerar
um a outra form a de teorização. Mesmo quando pretendem ape
nas relatar sua experiência pessoal com o profissionais ou elabo
rar “manuais práticos” da disciplina. Vejamos alguns exemplos.
Prim eiram ente dois “clássicos” norte-am ericanos que modelaram
várias gerações de profissionais, tanto nos listado s Unidos como
na América Latina, seja diretam ente com seus livros ou através
de tantos outros feitos à sua imagem e semelhança. É claro que
tais obras, à medida que fornecem indicações com alguma eficácia
operacional, contêm elem entos e intuições im portantes para um
esforço teórico que busque ultrapassá-las. Tomaremos, agora, tão
som ente alguns aspectos que denotam suas limitações empiristas
e a perspectiva funcionalista que assum em , m esm o sem apresen
tarem pretensões teorizantes.
36
lidade dos m anuais elaborados nesse período ten h a m udado
significativam ente.
H ohenberg afirm a que é im possível conceituar a notícia
porque o conceito varia em função do veículo.
“Para os matutinos é o que aconteceu ontem; para os ves
pertinos, o fato de hoje. Para as revistas, o acontecimento da
semana passada. Para as agências noticiosas, emissoras de
rádio e televisão, é o que acabou de ocorrer”.3
37
da “sociedade civil”, no sentido atribuído por G ram sci a essa ex
pressão, isto é, entre aquelas entidades que reproduzem a hege
m onia burguesa. A responsabilidade é o respeito às leis e preceitos
gerais da ordem estabelecida. A decência significa, com o diz o
próprio autor, “ la censura d ei buen g u s td H\ ou seja, o reconheci
m ento da hipocrisia que fundam enta a m oral burguesa com o um
valor digno de ser reverenciado e acatado. N ão é por casualidade
que ele define as funções principais do jornalism o nos seguintes
term os: inform ar, interpretar, guiar e divertir.7
O ra, o jornalism o deve ser “im parcial\ m as deve “interpre
tar** os fatos e “guiar*' seus leitores. Fica evidente que há uma
interpretação e um sentido que devem brotar naturalm ente dos
próprios fatos, com base, portanto, nos preconceitos e concep
ções dom inantes na sociedade, que se m anifestam no cham ado
“bom senso”, expressão individual da ideologia hegem ônica.
Q uanto às classificações da notícia, são as mais arbitrárias
possíveis, em bora certos tem as se repitam constantem ente. Para
Fraser Bond os fatores que determ inam o valor da notícia são
quatro: “a oportunidade”, “a proxim idade”, “o tam anho” (o
m uito pequeno e o m uito grande atraem a atenção, diz ele) e “a
im portância” (o autor adverte que a notícia trivial, se revestida
de interesse, com frequência terá mais valor que os anúncios im
portantes e significativos que são repetitivos). Com o principais
elem entos de interesse da notícia ele aponta doze itens: “inte
resse próprio”, “din h eiro ”, “sexo”, “conflito”, “insólito”, “culto
do herói e da fam a”, “in certeza”, “interesse hum ano”, “aconte
cim entos que afetam grandes grupos organizados”, “com petên
cia”, “descobrim ento e invenção” e “delinqüência”8. Q uanto aqs
elem entos “de valor” da notícia o autor alinha m ais doze pontos'y
6 ldem , p. 21.
7 ldem , ib.
8 ldem , p. 99-102.
38
D e qualquer modo, as listas de quaisquer dessas classificações,
pelo critério em pirista que preside sua elaboração, não só podem
ser trocadas um as pelas outras, com o o núm ero de itens arrola
dos pode ser aum entado ou dim inuído indefinidam ente.
Seguindo outra sistem atização, com o m esm o conteúdo
ideológico, Luiz Am aral indica as “funções do jornalism o”: polí
tica, econôm ica, educativa e de entretenim ento seriam as quatro
principais. Vale a pena citar duas delas:
“Por função política, entendem -se os m eios de inform a
ção, em sua ação crescente, com o instrum ento de direção dos
negócios públicos, e com o órgãos de expressão e de controle da
opinião”9. Sobre a “função econôm ica e social” ele afirm a:
l) AMARA í., ] Aii?,. Técnica d ejo rn a l eperiódico. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1969. p. 17.
10 Idem, p. 19.
39
veracidade, interesse hum ano, raio de influência, raridade, curio
sidade e proxim idade.
Segundo M ário L. E rbolato, no livro T écnicas de codificação
em jornalism o, há necessidade de separarm os os três aspectos da
divulgação de um fato: “inform ação, interpretação e opiniãd\ E cita
L ester M arkel, editor dom inical de The N ew York Times, para sus
tentar seu argum ento em defesa dessa tese curiosa:
“ Io É notícia, informar que o Kremlim está lançando uma ofensiva
de pag. 2° E interpretação, explicar porq u e o Kremlim tomou essa
atitude. 3° E opinião, d fier que qualquer proposta russa deve ser re
chaçada sem maiores considerações. A interpretação —acentuou l ester
Markel —é parte essencial das colunas de notícias. Porém, a opinião
deve ficar confinada, quase religiosamente, nas colunas editoriais
!I I ;, R B ()) .ATO, Mário L. Técnicas de codificação em jornalism o. Petrópolis, V07.es, 1978. p. 34.
40
Portanto, quando M ário Erbolato afirm a que “a evolução
e a adoção de novas técnicas no jornalism o, elevado à profissão
e não m ais praticado por sim ples diletantism o, levaram a um a
conquista autêntica: a separação entre, de um lado, o relato e a
descrição de um fato, dentro dos lim ites perm itidos pela nature
za hum ana e, de outro, a análise e o com entário da m esm a ocor
rência” 12, ele está, por linhas tortas, percebendo um a evidência
que as críticas m eram ente ideológicas do jornalism o burguês não
reconhecem .
É claro que não se trata do sim ples “relato” e “descrição”
de um fato, dentro de supostos “lim ites perm itidos pela natureza
hum ana”, separado da análise e do comentário. Trata-se, sim , de
um a nova m odalidade de apreensão do real, condicionada pelo
advento do capitalism o, m as, sobretudo, pela universalização das
relações hum anas que ele produziu, na qual os fatos são percebi
dos e analisados subjetivam ente (norm alm ente de m aneira espon
tânea e autom ática) e, logo após, reconstruídos no seu aspecto
lenom ênico.
O discurso analítico sobre os acontecim entos que são ob
jetos do jornalism o diário, que tom am os com o referência típica,
se ultrapassar certos lim ites estreitos é im pertinente à atividade
jornalística sob vários aspectos. O principal problem a é que, se
a análise se pretender exaustiva e sistem ática, desem bocará, no
caso lim ite, nas diversas ciências sociais e naturais, o que já é
outra coisa bem diferente do jornalism o. D a m esm a form a, um a
abordagem m oralista ou grosseiram ente propagandística sob o
aspecto ideológico acaba desarm ando o jornalism o de sua eficá
cia específica e, quase sem pre, tornando-se intolerável para os
leitores, sejam quais forem.
É preciso asseverar, no entanto, que o exposto não exclui
<>tato de que jornais analíticos e polêm icos ou abertam ente ide
41
ológicos possam cum prir papéis relevantes na luta política e se
jam , até, indispensáveis nesse sentido. A tese de Lênin sobre a
necessidade do jornal partidário enquanto “organizador coleti
vo ”, com funções de análise crítica, luta ideológica, propaganda
e agitação é, ainda presentem ente, insuperada em seus funda
m entos.
O que se pretende afirm ar é que há um a tarefa m ais am pla
do jornalism o tipificado nos diários, que deve ser pensada em
sua especificidade. E m bora o jornalism o expresse e reproduza
a visão burguesa do m undo, ele possui características próprias
enquanto form a de conhecim ento social e ultrapassa, por sua
potencialidade histórica concretam ente colocada, a m era funcio
nalidade ao sistem a capitalista.
D e outra parte, tanto os jornais diários com o os dem ais
m eios veiculam , ao lado de notícias e reportagens características
do jornalism o propriam ente dito, análises sociológicas, políticas, eco
nôm icas, interpretação de especialistas, artigos, ensaios, colunas,
editoriais, cartas de leitores, poem as, crônicas, opinião de jorna
listas ou pessoas proem inentes, enfim , um a série de abordagens
e de discursos que podem ter um grau m aior ou m enor de apro
xim ação do discurso jornalístico que estam os tratando.
Há, evidentem ente, um a graduação que parte do jornalism o
típico em direção às diversas form as de representação sim bólica
da realidade. As duas referências fundam entais dessa graduação
podem ser indicadas com o sendo a ciência e a arte, sem , contu
do, excluir outras. O “novo jornalism o”, que surgiu na década de
60 nos Estados U nidos, trabalha nas fronteiras com a literatura.
A s propostas de jornalism o rotuladas norm alm ente com o “opi-
nativo” , “interpretativo” ou “crítico” atuam , em algum grau, nas
áreas lim ítrofes com as diversas ciências sociais.
M as voltem os à discussão da visão “pragm ática” dos jorna
listas sobre sua atividade e as incipientes tentativas de sistem ati-
42
zação. Publicado m ais recentem ente e contando já com edições
sucessivas, o livro de Clóvis Rossi O que é o jo rn a lism o^ , escrito
com a perícia de um profissional experim entado, apresenta algu
mas pretensões teóricas que m erecem consideração.
I ^ ROSSI, Clóvis. 0 que éjornalism o. 4. ed. Sào Paulo, Brasiliense, 1984. (Prim eiros Passos;
15).
1-I Idem, p. 10.
I S Idem, ib.
43
N ota-se que o quadro teórico no qual Rossi situa seu enfo
que das relações de poder não é o das contradições ideológicas,
do antagonism o das classes, ou m esm o da oposição de “gran
des gru p o s” de interesses políticos e econôm icos, mas algo bem
m ais ingênuo: os parentes e am igos. Rossi adm ite que o exercício
da objetividade com relação aos fatos de grande “incidência po
lítica e/ou social” não é m ais do que “um m ito” .16 E nessa busca,
a rigo r im possível de ser plenam ente concretizada, no sentido de
relatar os fatos de m aneira im parcial, ele aponta a “lei dos dois
lados” : “Em tese, a justiça dessa ‘lei’ é inquestionável” .17
( ) problem a central da concepção de Clóvis Rossi sobre a
objetividade jornalística está alicerçada em dois pressupostos de
natureza “espontaneam ente funcionalista” . O primeiro, é que ele
considera as necessidades de inform ação do organism o social do
ponto de vista de um a dem ocracia liberal, isto é, parece tomar o
capitalism o como m odo “norm al” e aceitável de sociedade. Isso
vai im plícito em toda sua argum entação: “Parece claro que a ques
tão da liberdade de inform ação, entendida em seu sentido lato, só
poderá ser resolvido no quadro das liberdades dem ocráticas em
geral. Isto é, só haverá realm ente liberdade de inform ação quando
houver am pla prática das liberdades dem ocráticas, coisa que, no
Brasil, tem acontecido apenas rara e episodicam ente”.18
O segundo pressuposto falso, decorrente do prim eiro, é que
os fa tosjorn a lísticos são, em si m esm os, objetivos. Por isso, com o foi
assinalado, dependendo da relevância do assunto, a objetividade
é até possível. E nquanto que a “im parcialidade”, m esm o difícil,
em ana com o a própria razão de existir do jornalism o. A ssim , o
“m ito da objetividade” é criticado sob o ângulo puram ente psi
cológico, com o se a subjetividade do jornalista fosse um a espécie
16 ldem , p. 10-11.
17 ldem , p. 12.
18 ldem, p. 63.
44
de resíduo que se interpõe entre o fato, tal com o aconteceu, e
seu relato neutro. Portanto, segue logicam ente que a tarefa do
jornalista é buscar o m áxim o de objetividade e isenção possíveis.
O que Rossi não percebe —porque, teoriza a p artir do “sen
so com um ” da ideologia burguesa e da sua relação pragm ática
com as técnicas jornalísticas —é que os próprios fatos, por per
tencerem à dim ensão histórico-social, não são p uram en te objetivos.
N ão se trata, então, da sim ples interferência das em oções
no relato —o que constituiria um a espécie de “desvio” produzido
pela subjetividade —mas da dim ensão ontológica dos fatos sociais
antes m esm o de serem apresentados sob a form a de notícias ou
reportagens. Existe um a abertura de significado na m argem de li
berdade intrínseca à m anifestação de qualquer fenôm eno enquan
to fato social. Portanto, há um com ponente subjetivo inevitável
na com posição m esm a do fato, por mais elem entar que ele seja.
A ssim , o julgam ento ético, a postura ideológica, a interpre
tação e a opinião não form am um discurso que se agrega aos
fenôm enos som ente depois da percepção, mas são sua pré-con-
dição, o pressuposto m esm o da sua existência com o fato social.
Não há um fato e várias opiniões e julgam entos, m as um m esmo
fenôm eno (m anifestação indeterm inada quanto ao seu significado)
e um a pluralidade de fa tos, conform e a opinião e o julgam ento.
Isso quer dizer que os fenôm enos são objetivos, m as a essência
só pode ser apreendida no relacionam ento com a totalidade. E
com o estam os falando de fatos sociais, a totalidade é a história
com o autoprodução hum ana, totalidade que se abre em possibi
lidades cuja concretização depende dos sujeitos.
Por isso, captar a essência im plica, necessariam ente, um
grau de adesão ou solidariedade em relação a um a possibilidade
determ inada, tanto da totalidade histórica quanto do fenôm eno
que inserido nela vai adquirir seu sentido e significado. M esm o
nos fatos m ais sim ples com o num acidente de trânsito em que
45
não há parentes ou am igos envolvidos, conform e o exem plo ci
tado por Rossi, o relato exige um a form a de conhecim ento que,
em algum a m edida, im plica a revelação de sua essência. O u seja,
do significado que em ana das suas relações com a totalidade do
com plexo econôm ico, social e político onde está situado. Para
evitar m al-entendidos, vale prevenir que não se trata de propor
que o jornalista faça um ensaio sociológico para noticiar um
atropelam ento. O que estam os afirm ando é que existem diferen
tes form as, igualm ente jornalísticas, de se tratar assuntos dessa
natureza, desde a coleta dos dados, o enfoque a ser escolhido até
a linguagem e a edição, e que tais form as não são inocentes ou
neutras em term os político-ideológicos.
A ssim , o com plem ento lógico dessa visão ingênua e em pi-
rista da objetividade, para dar vazão ao liberalism o, não poderia
ser m uito diferente: “a teoria dos filtros” . D epois da “lei dos dois
lad o s” com o critério justo, pelo m enos “teoricam ente”, tem os
então outros elem entos que dificultam a honorável postura da
im parcialidade jornalística:
“O copidesque não é o único e talvez sequer seja o mais
importante filtro entre o fato, tal como o viu o repórter, e a
versão que finalmente aparece publicada no jornal ou revista
ou difundida na TV ou rádio. Há outros filtros sucessivos:
inicialmente, o editor, que é o chefe de seção (Editoria) para
o qual trabalha o repórter".19
19 Idem, p. 42.
46
por editores e pelos chefes de Redação, “na m aior parte dos ca
sos” estão em basadas pelo “critério jornalístico”.20 Ressalvando
apenas que, “quando o assunto é de grande relevância, entra em
ação um segundo critério, que se sobrepõe ao prim eiro: o julga
m ento político, em função das posições que cada jornal adota”.21
Em síntese, o “funcionalism o espontâneo” dos cham ados
“jornalistas com petentes” que se põem a teorizar com base no
pragm atism o da profissão, em bora com doses variáveis de libe
ralismo, não vai m uito longe em qualquer sentido. C lóvis Rossi,
por exem plo, não questiona a propriedade privada dos meios
de com unicação. C onsidera isso, im plicitam ente, um a situação
“norm al”. Tanto que não vê m aiores conseqüências em relação
ao conteúdo do jornalism o, exceto “quando o assunto é de gran
de relevância” e a em presa im põe, então, seu julgam ento políti
co. M as esse acontecim ento é circunstancial, talvez um “acidente
de percurso” com o dizem os delicados com entaristas políticos
das grandes redes privadas de com unicação em nosso país.
N ão obstante, a alegação dos em presários de que os com i
tês de redação seriam , na prática, “sovietes” de jornalistas, que
se apossariam , aos poucos, do jornal, revista ou T V em que se
instalassem , m udando as posições editoriais que seus donos de
fendem, Rossi acha que
Idem, p. 45.
.’ I Idem, ib.
.y2 Idem, p. 65.
^ Idem, ib.
47
Q uer dizer, a propriedade privada dos jornais, em issoras
de rádio, TV, seu caráter com ercial, não com prom ete necessa
riam ente a im parcialidade. M as os com itês de redação, estes sim,
segundo Rossi, trazem o risco da im posição ideológica.
Porém , basta um pouco de reflexão para se perceber que
Rossi não está sendo desonesto. Para grande parte dos jornalis
tas, hoje a m aioria, a colisão com os interesses fundam entais da
em presa é, efetivam ente, um “acidente de percurso”. Eles colo
cam seú talento, honestidade e ingenuidade a serviço do capital
com a m esm a naturalidade com que com pram cigarros no bar
da esquina.
48
C apítulo III
49
cadas e referidas às ocasiões de seu aparecimento. Mas, em
geral, quanto menos analisamos uma coisa e quanto menor
o número de suas relações que percebemos, menos sabemos
acerca dessa coisa e mais do dpo de trato é a nossa familiari
dade com ela. As duas espécies de conhecimento, portanto,
como o espírito humano praticamente as exerce, são termos
relativos. Isto é, a mesma ideia de uma coisa pode denomi
nar-se conhecimento acerca dessa coisa, em confronto com
uma ideia mais simples, ou de trato com ela em comparação
com uma ideia dela ainda mais articulada e explícita”.3
50
de fatos de ordem histórica, m as apenas a alusão a um “aconte
cim ento” .
Com o form a de conhecim ento, a notícia, segundo Park,
não cuida essencialm ente nem do passado nem do futuro, mas
do presente. “Pode-se dizer que a notícia só existe nesse presen
te.” E prossegue:
51
cam ente, fora das relações concretas de dom inação e alienação.
D a m aneira com o Park o define im plica, inevitavelm ente, um
determ inado conteúdo. Trata-se daquela esfera da vida cotidia
na na qual a “práxis utilitária” configura os fenôm enos da vida
social com o se fossem dados naturais e eternos, o m undo da
pseudoconcreticidade . s Por isso, a divisão sugerida por Jam es, e as
sum ida por Park, é redutora, pois supõe um a espécie de “ senso
com um ” isento de contradições internas, cuja função seria so
m ente reproduzir e reforçar as relações sociais vigentes, integrar
os indivíduos na sociedade.
O ponto de referência inicial do contínuo onde se localiza o
conhecim ento jornalístico constitui, de fato, um “gênero” e não
apenas um “grau ” de abstração. N o entanto, o aspecto central
desse gênero de conhecim ento é a apropriação do real pela via
da singularidade, ou seja, pela reconstituição da integridade de sua
dim ensão fenom ênica. N ão é sim plesm ente, com o quer o autor,
um a espécie de conhecim ento “que faz cada um de nós sentir-se
a vontade no m undo que escolheu ou no qual está condenado a
viver”.9 O conteúdo atribuído por Park é o de um conhecim ento
elem entar e, ao m esm o tem po, “positivo” nos term os em que foi
definido por A uguste C om te.U)
Se é verdade que o gênero de conhecim ento produzido pelo
jornalism o corresponde, em certo sentido, às “m esm as funções
52
que realiza a percepção para o indivíduo”, essa com paração não
pode ser levada às últim as conseqüências. N a percepção indivi-
ilual, a im ediaticidade do real, o m undo enquanto fenôm eno é o
ponto de partida. N o jornalism o, ao contrário, a im ediaticidade é
o ponto de chegada, o resultado de todo um processo técnico e
racional que envolve um a reprodução sim bólica. Os fenôm enos
são reconstruídos através das diversas linguagens possíveis ao
jornalism o em cada veículo. C onsequentem ente, não podem os
falar de um a correspondência de funções entre o jornalism o e a
percepção individual, mas sim de um a “sim ulação” dessa corres
pondência. E a partir dessa sim ulação que surge propriam ente
um gên ero de conhecim ento, pois enquanto se tratar da relação im e
diata dos indivíduos com os fenôm enos que povoam o cotidiano,
da experiência sem interm ediação técnica ou racional instituída
sistem aticam ente, o que tem os é realm ente a percepção tal como
a psicologia a descreve." Q uer dizer, um grau determ inado de
conhecim ento, um nível de abstração elementar.
A nteriorm ente, indicam os o processo de reificação que se
desenvolve com o fundam ento m ercantil das relações sociais no
capitalism o contem porâneo. Porém , nem a percepção individu
al nem o “senso com um ” são níveis de apropriação sim bólica
qualitativam ente hom ogêneos, livres das contradições políticas,
ideológicas e filosóficas que perpassam a sociedade de classes
em seu conjunto.
Existe, de fato, na percepção individual um a predom inância
tio aspecto “positivo” (no sentido com teano) do fenôm eno ou
da coisa. N o “senso com um ” há um a hegem onia do “bom sen
so”, isto é, das noções que im plicam um a apreensão funcional
e orgânica do m undo tal qual ele se apresenta. M as a insensatez
I 1 O termo percepção é tomado, aqui, com o aquela apreensão imediata do real que fornece
os elem entos que, através da generalização em maior ou m enor grau, vão constituir os
conceitos e as ideias mais abstratas.
53
que se apoderou das m assas na queda da B astilha, na França de
1789, ou na tom ada do Palácio de Inverno, em 1917 na R ús
sia, não se produziu no patam ar da teoria ou da ciência, em bora
am bas tenham cum prido seu insubstituível papel. A “insensatez
revolucionária” das m assas hum anas que se tornam , de repente,
protagonistas das grandes transform ações históricas nascem de
elem entos explosivos que estão latentes, em bora norm alm ente
subordinados, no interior do processo de percepção e das no
ções que form am o “senso com um ” nas sociedades dotadas de
antagonism o de classes.
A partir de tais elem entos potencialm ente explosivos que
atravessam todas as dim ensões da produção sim bólica de um a
p rá x is socialm ente dilacerada é que surge, de um lado, o reco
nhecim ento da ideologia espontânea das classes dom inadas e, de
outro, a possibilidade de expansão da ideologia revolucionária a
p artir daquela.12
Ao não com preender essa questão, Robert \l. Park acaba
definindo o conhecim ento produzido pelo jornalism o com um
m ero reflexo em pírico e necessariam ente acrítico, cuja função é
som ente integrar os indivíduos no “status quá\ situá-lo e adap
tá-lo na organicidade social vigente. O jornalism o teria, assim ,
um a função estritam ente “positiva” em relação à sociedade ci
vil burguesa, tom ada esta com o referência universal. Da m esm a
m aneira que ele tom a a noção de W illiam Jam es sobre o “co
nhecim ento de trato” com o um gênero de saber através do qual
o indivíduo reproduz a si m esm o e ao sistem a, ele supõe que
o jornalism o é um a form a de conhecim ento que realiza social
m ente as m esm as funções. N ota-se, claram ente, que o conceito
de conhecim ento, tanto num caso com o no outro, está lim itado
ao seu sentido vulgar de “reflexo” subjetivo de um a relação m e
12 GENRO EU .HO, Adelmo. A ideologia da M arilena Chauí. In\ Teoria e Política. Sào Paulo,
Brasil Debates, 1985. p. 69-88.
54
ram ente operacional com o m undo, de um a intervenção estrita
m ente m anipulatória.
Tal acepção, com o é sobejam ente sabido, foi transform ada
numa categoria “respeitável” da epistem ologia pelo positivis
mo e transladada para a sociologia por D ürkheim . Entretanto,
se tom arm os o conhecim ento com o a dim ensão sim bólica do
processo global de apropriação coletiva da realidade, poderem os
conceber o jornalism o com o um a das m odalidades partícipes
desse processo e, igualm ente, atravessado por contradições.
Marx já indicou de form a inequívoca que a atividade prático-
- crítica dos hom ens está no coração do próprio conhecim ento
e, por isso m esm o, não se pode estabelecer um a contraposição
absoluta entre sujeito e objeto, entre a percepção e a coisa ou, se
preferirm os, entre a atividade social que produz o m undo hum a
no e os conceitos que desvendam o universo:
“O defeito fundamental de todo o materialismo anterior -
inclusive o de beuerbach —está em que só concebe o obje
to, a realidade, o ato sensorial, sob a forma do objeto ou da
percepção, mas não como atividade sensorial humana, como
prática, não de modo subjetivo”.13
55
Schaff, a consciência que existe realm ente passa a ser um a “falsa
consciência”, enquanto que a consciência que nâo existe com o
algo efetivo no conjunto da classe torna-se a “verdadeira” cons
ciência de classe.15
Resulta desse enfoque que a consciência realm ente existen
te, que pode ser detectada em piricam ente nos indivíduos em si
tuação norm al, tem apenas um papel funcional de reprodução da
sociedade. N outras palavras: a consciência revolucionária nasce
de um a possibilidade objetiva dada pela estrutura e suas contra
dições, mas não é constituída (pelo influxo da teoria e da ação de
vanguarda) a partir dos elem entos e contradições originárias e
sim com o algo externo que anteriorm ente já existia em sua ple
nitude. A dialética assim instaurada pressupõe um a concepção
ontológica de natureza hegeliana, isto é, sob a égide e a prece
dência do conceito, o qual é suposto em sua form a pura antes da
dinâm ica concreta da realidade.
A categoria central da crítica da cultura burguesa feita pela
E scola de Frankfurt, especialm ente por A dorno e H orkheim er,
que sugeriram a expressão “indústria cultural”, é a ideia de m a
nipulação. N o capitalism o desenvolvido, todas as m anifestações
culturais, orquestradas pela batuta m ercantil, tornar-se-iam p le
nam ente funcionais ao sistem a de dom inação.
Por outro lado, a tese de A lthusser sobre os “aparelhos
ideológicos de E stado”, enfocando o m esm o problem a sob o
ângulo das instituições que preservam a dom inação de classe, é
o desenvolvim ento lógico da concepção stalinista de que a base
cria a superestrutura para servida. E ntendendo a história com o
um “processo sem sujeito”, A lthusser concebe as classes sociais
com o “funções” do processo de produção e, em conseqüência,
os “aparelhos ideológicos de E stado” são correias de transm is
15 Idem, p. 12.
56
são que se m ovem num único sentido: do todo p ara as p artes.10
Nào é de se estranhar, portanto, que V ladim ir H udec, jornalista e
professor tcheco afirm e que a atividade jornalística deve ser har
m ônica com “as leis objetivas do desenvolvim ento s o cia l”, estabelecen
do desse m odo um a funcionalidade de caráter estritam ente ide
ológico do jornalism o com leis naturais de progresso histórico.17
Se o papel do jornalism o, para Hudec, se insere num a pers
pectiva dinâm ica, m esm o assim ele se torna um epifenôm eno da
ideologia ou do conhecim ento científico. N ão é adm itido como
um m odo de conhecim ento dotado de certa autonom ia episte
m ológica e, em virtude disso, um aspecto da apropriação sim bó
lica da realidade, o que im plica algum a m argem de abertura para
a significação que ele vai produzindo.
16 Km 1976, num texto intitulado Nota sobre os aparelhos ideológicos de Fistado, Althusser tenra
responder às críticas que atribuíram aos seus conceitos certa dim ensão “funcionalis-
ta”, alegando que em seu ensaio de 1969/70 ele sublinhava o caráter “abstrato” de sua
análise e punha explicitam ente no centro de sua concepção a luta de classes. (Ver: AL-
THUSSKR, Kouis. A parelhos ideológicos de listado. 2. ed., Rio de Janeiro, Graal. p. 109-28).
De fato, Althusser reconhecia a existência de contradição nos “AIK”, seja em virtude da
sobrevivência das ideologias antigas ou da em ergência das novas, assim como afirmava a
"‘prim aria de luta de classes sobre as funções e o funcionamento do aparelho de 1istado, dos
aparelhos ideológicos de Kstado”. {Op. cit., p. 109-110). Mas a questão de fundo é que
tais contradições são exteriores ao conceito “abstrato” —como ele m esm o admitiu - de
Aparelhos Ideológicos de listado. São realidades sociais definidas pelo seu aspecto nào
contraditório, o que impede de apreendê-las concretamente na sua dinâm ica intrínseca.
Mais tarde, num texto datado de 1972, ‘Klementos de autocrítica’, Althusser chega a
reconhecer um dos aspectos fundamentais de seu equívoco teórico: a oposição entre
ciência e ideologia. Essa oposição está na base do conceito de “AIK” e do seu cará
ter “orgânico-funcionalista” . Mas Althusser nào vai mais longe. (Ver: Althusser, Louis.
Resposta a John I jjuís! R kmentos de autocrítica!Sustentação de tese em A miens. Rio de Janeiro,
Ciraal, 1978. (Posições 1).
1 11U D KC, Vladimir. O que é jornalism o! I âsboa, Caminho, 1980. (Col. N osso Mundo) p. 44.
57
intim am ente ligada a am bas, a noticia não é H istória nem p olí
tica. N ão obstante, é o m aterial que possibilita a ação política,
distinguida de outras form as de com portam ento coletivo” .19 O
problem a é que o seu conceito de política está, com o os dem ais,
no quadro de um a concepção funcionalista, o que lhe retira qual
quer dim ensão transform adora e propriam ente histórica. M as se
colocarm os a afirm ação de Park no contexto teórico da p rá x is,
tom ando a história não apenas com o historiografia e sim com o
um processo de autoprodução ontológica do gênero hum ano,
e tom arm os a política com o a dinâm ica dos conflitos em torno
da qualificação da prá x is social, o jornalism o vai se revelar sob
nova luz. Vai aparecer, então, em seu potencial desalienante e
hum anizador.
Q uando as cham adas tendências “p ó s-m arxistas” do p en
sam ento co n tem p o rân eo 19 caem na tentação de fazer a ap o lo
gia das “pequenas com u n id ades” com o único m eio dos in d i
víduos reencontrarem sua “auton o m ia”, essas correntes estão
supondo que a lib erdade individual em atrib uir significação aos
fenôm enos, que em ana da p articipação im ediata na sin gulari
dade do m undo vivido, não pode encontrar sucedâneo. A ideia
básica é que o indivíduo não pode ser sujeito efetivo e integral
através das m ediações criadas pelo aparato técnico-científico a
que dão o nom e, em alguns casos, de “h etero n o m ia” em o po
sição à “auton o m ia” , que seria realizável através da vivência
im ed iata.211
Tais concepções esbarram , em prim eiro lugar, nas evidên
cias de um m undo hum ano já universalm ente constituído, cujo
58
com plexo de m ediações não parece passível de regressão.21 Em
segundo lugar, com o indicou M arx, a hum anidade só se colo
ca problem as quando, potencialm ente, já existem as condições
para equacioná-los. A im prensa, e mais intensam ente os meios
eletrônicos de com unicação de m assa, representam os term os
dessa equação. O jornalism o, com o estrutura específica de co
m unicação que daí se origina, inserida no processo global do
conhecim ento, é a m odalidade por excelência que, no dizer de
Violette M orin, encerra virtudes cuja intensidade poderá um dia
rivalizar com a já conhecida dim ensão de seus “vícios” . Por isso,
a m etáfora da “aldeia global” de M cLuhan, expurgada de to
das as sobreposições e ilações de caráter publicitário-im perialista
que lhe atribui o autor, deve ser criticam ente recuperada pelo
pensam ento hum anista e revolucionário.22
59
É nessa perspectiva que o jornalism o se im põe, de m anei
ra angular, com o possibilidade dos indivíduos em participar do
m undo mediato pela via de sua feição dinâm ica e singular, com o
algo sem pre incom pleto, atribuindo significações e totalizando
de m aneira perm anente com o se estivessem vivendo na im edia
ticidade de sua aldeia.
O conteúdo dinâm ico im plícito na ideia de singularidade
confere um a característica evanescente à notícia. D o ponto de
vista estritam ente jornalístico, realm ente “nada é m ais velho do
que um a notícia de o n tem ”, se não for reelaborada com novos
dados constituindo outra notícia: a de hoje.
Assim , a im portância de um “fato” enquanto notícia obe
dece a critérios diferentes em relação aos utilizados na hierar
quização feita pelas ciências sociais ou naturais, de um lado, e
pela arte de outro. N as ciências, os fatos ou eventos são relevan
tes à m edida que vão constituindo a universalidade.23 Q uanto à
arte, os fenôm enos que a com põem são significativos na exata
proporção de sua am bigüidade enquanto realidades irrepetíveis
(singulares) e, ao m esm o tem po, enquanto representação “sensí
vel” da universalidade social onde historicam ente estão situados
23 Deve-se fazer uma resalva para a discussão que se trava em torno da Antropologia,
sobre suas tendências univcrsalizantes e parricularistas. M esm o quando a antropologia
busca a reconstituição específica de realidades sociais particulares, ela parece fazê-lo
através de um processo teórico que visa apreender a concreticidade dos fenômenos
estudados por um m ovim ento de dupla direção: dc um lado, a especificação do ob
jeto, de outro a revelação das universalidades que o com põem intim am ente. Até a
história, que precisa fazer o m ais com pleto inventário dos acontecim entos singulares,
deve fazê-lo sob o prism a da universalização dos conceitos e categorias capazes de
estabelecer nexos e dar sentido aos fatos. “D isseram que a física se ocupa da queda
dos corpos, e zom ba das quedas dos corpos singulares, a queda de cada folha a cada
outono, enquanto a história se ocupa dos fatos singulares, l i um erro, pois, o que
corresponderia à queda de cada folha não é o acontecim ento histórico, com o por
exem plo, o casam ento no século XVII ou em outros, m as sim o casam ento de cada
um dos súditos de Luís X IV .. O ra, a H istória se ocupa disso tanto quanto a Física da
queda de cada um dos corpos...” ím VRYN K, Paul. O inventário das diferenças / História
e sociologia, São Paulo, B rasiliense, 1983. p. 52.
60
e com a qual estão inevitavelm ente com prom etidos.24 O jorna
lism o não produz um tipo de conhecim ento, tal com o a ciência,
que dissolve a feição singular do m undo em categorias lógicas
universais, m as precisam ente reconstitui a singularidade, sim bo
licam ente, tendo consciência que ela m esm a se dissolve no tem
po. O singular é, por natureza, efêmero. O jornalism o tam pouco
elabora um a espécie de representação cujo aspecto singular é
arbitrário, projetado soberanam ente pela subjetividade do autor,
tal com o acontece na arte, onde o típico é o eixo fundam ental de
contato com a realidade. O processo de significação produzido
pelo jornalism o situa-se na exata contextura entre duas variáveis:
1) as relações objetivas do evento, o grau de am plitude e radi-
calidade do acontecim ento em relação a um a totalidade social
considerada; 2) as relações e significações que são constituídas
no ato de sua produção e com unicação.
61
ridade objetiva im pede que o p a rticu la r possa cristalizar-se - pelo
m enos em regra —enquanto categoria estética, com o ocorre na
produção artística. N a arte, o p a rticu la r resulta de um a síntese na
qual a subjetividade se im põe com o ato essencialm ente livre do
criador. Por outro lado, é a exigência da singularidade em m an
ter-se com o tal que im pede o jornalism o de tornar-se um a form a
de conhecim ento científico ou m ero epifenôm eno da ciência.
M as é, tam bém , a m argem colocada ao sujeito para atribuir sen
tido à atividade social e, portanto, para atribuir significado aos
fenôm enos objetivos, que situa o jornalism o na contextura re
ferida anteriorm ente, isto é, frente àquela duplicidade “objetiva-
-subjetiva” dos fatos que ele trabalha.
O caráter específico dessa “duplicidade”, no caso do jornalis
mo, está nitidamente vinculado, ao mesmo tempo, com nexos de
probabilidade (quantitativas) e de liberdade (qualitativas) em relação
ao todo social. Para discutir essa especificidade é necessário clarifi
car a manifestação desse fenômeno no dia a dia do jornalismo.
62
é o totalm ente inesperado que surge na notícia”, certam ente o
autor está reconhecendo, pelo m enos, a insuficiência do enfoque
probabilístico.
A inserção qualitativa a q u e estam os nos referindo só é pos
sível porque há um a dim ensão subjetiva da práxis, pois não é a
sociedade, em si m esm a, que possui um a essência teleológica,
mas precisam ente os hom en s enquanto seres pensantes.26 D is
so decorre que as p ossibilidades do desenvolvim ento histórico
não se expressam apenas p ela probabilidade mas, em seu fun
dam ento especificam ente hum ano, pela liberdade de opção dos
indivíduos. Ao nível m ais concreto, pela ação e o conflito das
classes e grupos sociais. Portanto, o “referencial sistêm ico” para
quantificar a probabilidade de um evento e suas conexões de am
plitude e radicalidade com o to d o social não é estritam ente objetivo,
nem único. Ele varia segu rtio os diferentes projetos sociais ins
critos com o possíveis na Aoncreticidade do presente. Em con
seqüência, a qualidade de urna in fo rm ação envolve exatam ente a
totalidade do social (o que in lp lic a um a projeção) escolhida como
referência teórica. Por isso, a noção de sistem a é reducionista
quando aplicada à sociedade. R etira a historicidade do processo
social a partir de prem issas objetivistas.
A o equiparar realidades o ntológicas de ordens distintas, ou
seja, as m áquinas de in fo rm ar e os organism os biológicos com
a sociedade hum ana estão fazen do im plicitam ente um a opção
qualitativa que não quer ou n ão consegue revelar. E sta opção,
naturalm ente, é pela sociedade positivam en te considerada, isto é,
alheia à autoprodução de sua próp ria essência.
A questão da qualidade d a inform ação que decorre, como
vimos, da subjetividade e da liberdade que a história encerra,
ultrapassa a noção de sistem a e se liga ao conceito de totalidade
-.6 LUKÁCS, Georg. As bases ontológicas do pensam ento e da atividade do homem. ln\
Revista Temas de Ciências Humanas. Sào Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas Ltda.,
1978, n 4. p. 6.
63
concreta, ao todo considerado em processo de totalização objetiva
e subjetiva.27
O significado social de u m a inform ação jornalística está
intim am ente relacionado tanto ao aspecto quantitativo quanto
ao qualitativo. Um evento com probabilidade próxim a de zero
é jornalisticam ente im portante m esm o que não esteja vinculado
às contradições fundam entais d a sociedade. Por exemplo, um
hom em que conseguisse vo ar sem qualquer tipo de aparelho ou
instrum ento.
Um evento de elevada p robabilidade, com o novas prisões
políticas no Chile de P inochet, é significativo e im portante em
virtude de seu enraizam ento am p lo e radical num processo que
expressa tendências reais do desenvolvim ento social. A significa
ção desse fato, seria desn ecessário acrescentar, depende tam bém
do aspecto subjetivo: a solidariedade ou oposição às tendências
e possibilidades nas quais os eventos estão inseridos. Aqui entra
não só a m argem de im p o rtân cia que ideologicam ente é atribuí
da aos fatos, com o tam bém um espaço determ inado de arbítrio
ideológico para a própria significação em term os qualitativos. As
novas prisões no Chile de P ino chet, para os jornais do governo
chileno, podem significar que o regim e está disposto a “m anter
a ordem e a segurança dos cid ad ão s” . Para um jornal liberal po
dem representar “m ais um ato de arbítrio de um governo sem
legitim idade”. N as páginas de u m jornal de esquerda podem sig
nificar que “está se am pliando a resistência revolucionária do
povo chileno” .
Em que pesem algum as sugestões criativas de Robert E.
Park, as bases funcionalistas do referencial teórico que ele adota
e, inclusive, suas opiniões exp lícitas sobre a “função” da notícia,
64
nfio deixam qualquer dúvida sobre o conteúdo conservador e
lim itado de suas concepções. “A função da notícia —diz Park —é
orientar o hom em e a sociedade num m undo real. N a m edida
em que o consegue, tende a preservar a sanidade do indivíduo
e a perm anência da sociedade”.28 E ntenda-se, evidentem ente, o
“m undo real” com o a form a pela qual ele está estruturado no
presente. A “sanidade” com preenda-se com o um a m entalidade
com petitiva, m esquinha e consum ista. Por “conservação da so
ciedade” entenda-se a preservação do capitalism o e do “m odo
de vida norte-am ericano” .
65
C apítulo IV
I Ycr especialmente: BUCKLEY, Walter. A sociologia e a moderna teoria dos sistemas. São Paulo,
( ãiltrix e VON BERTALANFFI, Ludwig. Teoria Geral dos sistemas. Petrópolis, Vozes,
1977. (Col. Teoria dos Sistemas, 2).
67
indicam a necessidade de conceitos e teorias que consigam dar
conta das m odalidades “cibernéticas” dos fenôm enos que vão
sendo desvendados.
N o entanto, no plano da filosofia, a ideia de totalidade não é
nova e contém um a riqueza de determ inações que os “sistem is-
tas” ainda não alcançaram . O significado dessa categoria na dia
lética hegeliana —e depois no m arxism o —ultrapassa largam ente
o sentido objetivista que lhe é atribuído pela cibernética, em bora
seja m enos preciso e operacionalizável que a m oderna ideia de
sistem a.
N orbert W iener foi o prim eiro a apontar as im plicações
m ais gerais da cibernética.2 Em bora desde a década de trinta a
B iologia tenha com eçado a utilizar o conceito de sistem a em seu
sentido atual, a partir do desenvolvim ento dos com putadores é
que se constituíram as condições para um a utilização mais am pla
dessa categoria e, m esm o, para torná-la m ais definida em suas
qualidades básicas, tanto funcionais com o estruturais. A partir
daí, o “sistem ism o” poderia iniciar o seu percurso de legitim ação
filosófica sem, a princípio, declará-lo form alm ente, mas apenas
pela progressiva expansão de sua aplicabilidade técnica e teórica.
A partir da década de cinqüenta, as m áquinas “deixam de
ser destinadas apenas aos cálculos científicos e passam a ser em
pregadas em toda espécie de tratam ento lógico das inform ações.
O s ‘calculadores eletrônicos’ adotam então e, sobretudo nesses
casos, o nom e de ‘ordenadores’ ou, mais vulgarm ente, com pu
tadores” .3 A ciência que se desenvolveu em torno do problem a
desse processam ento, transm issão e arm azenam ento autom ático
das inform ações, classificada como um ram o da cibernética, foi
denom inado de Inform ática. A Teoria da Inform ação, voltada
2 W IEN ER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso hum ano de seres humanos. São Paulo,
Cultrix, s/d.
3 BAZERQUE, G. & TRULLEN , C. Chaves da informática. Rio de Janeiro, Civilização B ra
sileira, 1972. (Col. Chaves da Cultura Atual; 6) p. 11.
68
para o estudo do com portam ento estatístico dos sistem as de
com unicação, assum e um a generalidade e um a abstração mais
elevada, fornecendo tam bém certas prem issas teóricas para o
que viria a ser, m ais tarde, a Teoria G eral dos Sistem as, com sua
suposta abrangência universal.
N orbert W iener percebeu, com a cibernética, que estava
sendo desencadeado um processo de conseqüências previsíveis
em term os de autom ação, m as im previsíveis em diversos cam
pos da sociedade. De qualquer m odo, observou que seus efeitos
seriam profundos e definitivos na história hum ana, tanto na re
lação dos hom ens entre si com o na/relação da sociedade com
a natureza. W iener chegou a o b se rv lr que os processos de co
m unicação assum iriam um peso cref/cente nos padrões de com
portam ento e no sistem a social corr.b um todo.4 Podem os dizer,
hoje, que ele não exagerou nas perspectivas apontadas.
Partindo, tal com o fez W iener, da sem elhança (em certos
aspectos considerados fundam entais) entre os hom ens e as m á
quinas de inform ação —e tom ando as diferenças apenas como
graus de com plexidade estrutural ou organizacional —a Teoria
dos Sistem as propõe categorias de análise que, efetivam ente, são
mais flexíveis que os m odelos anteriorm ente utilizados pela so
ciologia de tradição em pirista e positivista. Trata-se de um a pro
posta que possui tanto um a dim ensão filosófica (em bora não se
reconheça explicitam ente com o filosofia), com o um a dimensão
m etodológica e operatória.
N esse sentido, con fo rm e alguns de seus defensores, se
ria um prolongam ento da tradição dialética na busca de uma
racionalidade totalizante, m as com um rigo r e um a precisão
que as dialéticas h egelian a e m arxista não teriam conseguido
atingir. E ssa tese, entretanto, é apenas um a autoilusão teórica
69
do “sistem ism o” , pois a dialética h egelian a-m arxista concebe
um a teleo lo gia de o utra ordem . C onsidera que os fins da so cie
dade não decorrem das propriedades universais dos sistem as,
m as são produzidos na p ró p ria história. N o caso de H egel, com o
realização e revelação do “E spírito A b so lu to ” que subjaz à ati
vid ad e h istórica dos hom ens. Para M arx, com o resultado da
práxis, através de hom ens concretos e reais, em consonância
com as tendências que nascem da vida m aterial e de sua n eces
sária reprodução.
O problem a central da Teoria dos Sistem as é o “contro
le ” dos fenôm enos com plexos, considerados m ultidim ensionais,
infinitam ente variáveis e autorreguláveis. Trata-se de um a m eto
dologia sustentada por um conjunto de teorias de alcance geral
e m édio que procura, através de categorias analíticas, dar conta,
cientificam ente, dos fenôm enos referidos. D escobrir os princí
pios e leis gerais de todos os sistem as, seja qual for sua natureza
ou com posição especial, constitui sua m eta prim ordial. N essa
busca de identificação de fenôm enos e processos tão díspares, a
tentativa de produzir m odelos m atem áticos possui im portância
decisiva, pois significa um m eio efetivo de encontrar a objetivi
dade com um a diversos cam pos da realidade.
Há duas noções básicas envolvidas nessa teleologia ineren
te aos sistem as: a integridade e a funcionalidade. A partir delas,
considerando a sociedade hum ana com o um “sistem a socio-
cultural” poderíam os, então, extrair certas conseqüências teóri
cas e práticas no cam po da sociologia. A conseqüência teórica
m ais im portante é a redução ontológica efetuada na história e
na sociedade, que passam a ser enfocadas com o processos ex
clusivam ente objetivos. E starão presentes, então, as prem issas
fundam entais da epistem ologia positivista e de um a sociologia
coerente com a tradição do funcionalism o.
70
A teoria dos sistemas e a dialética
S RUYER, Raymond. A cibernética e a origem da informação. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1972,
p. 7.
71
sentido absolutam ente intangível. O resultado seria a eterna re
corrência do conhecim ento e da consciência hum ana com o atu
alização e realização das finalidades de integração e funcionalidade
inerentes à objetividade do sistem a. A lgo com parável à tese de
H egel sobre a relação da atividade dos hom ens na história com
o desenvolvim ento do “E spírito” no tem po, m as infinitam ente
m enor em sua grand eza teórica e potencialidades m etodológicas
no terreno das ciências sociais.
N ão se pretende afirm ar, em contrapartida, que cada in
divíduo seja o produtor soberano e a origem absoluta da infor
m ação. M as tão som ente que os indivíduos —com o realidades
irredutíveis que são - não podem ser dissolvidos, nem no supos
to “E spírito A bsoluto” que subjaz à história, nem nas relações
sociais em que estão integrados. M uito m enos, na dim ensão sis
têm ica na qual eles são funções e partes. Se, do ponto de vista
epistem ológico, o todo é superior às partes, tem os que adm itir
que, em certo sentido, o todo é tanto superior quanto inferior às
partes. Isso quer dizer que a superação nasce de um duplo m ovi
m ento real e concom itante: do todo para as partes e destas para
o todo. A liás, a própria ideia de totalidade, na acepção da dialética
m arxista, im plica um todo estruturado que se desenvolve e se
cria, e não na sim ples pressuposição holista de que o todo é su
p erio r à som a das p artes.6 O ra, se o todo se desenvolve e se cria,
sendo por isso um a totalidade dialética, isso envolve contradições
internas que são as verdadeiras fontes do desenvolvim ento e da
transform ação, o que contraria a ideia de um a antologia m era
m ente funcional das partes em relação ao todo.
O “sistem ism o” se propõe a superar o funcionalism o, à
m edida que acusa este de privilegiar ou absolutizar a dim ensão
de com plem entariedade e funcionalidade do sistem a, relegando
os conflitos e contradições para o terreno da anom alia ou da
6 KOSIK, K arel. D ialética do concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p. 43.
72
patologia. N outro sentido, o sistem ism o se dispõe a substituir
a dialética. N ão o b stan te, no pensam ento sistêmico existe um
limite para o conflito. Isto é, os conflitos existem , mas são sem
pre superáveis e m an ejáveis, de form a a não levar à ruptura do
sistem a. Seria, assim , u m a espécie de dialética não antagônica ou,
com o afirm a Pedro D em o , o sistem ism o fica apenas com o pé
não antagônico da d ialética.7
Portanto, tem os já dois aspectos que diferenciam a Teoria
dos Sistem as da d ialética: a questão das contradições, que ficam
reduzidas a conflitos n ão antagônicos, e o problem a do sujeito
histórico que, com o v im o s, fica relegado ao papel de agente do
sistem a, subordinado essencialm en te a ele.
“A máquina só pode funcionar, - diz Ruyer - não pode
nunca determinar por si mesma a totalidade das regras que
aplica e sim apenas uma parte, estritamente prevista no con
junto de suas montagens e não realmente escolhida”.8
/ DEMO, Pedro. Introdução à m etodologia da ciência. São Paulo, Atlas, 1985, p. 110.
H RUYER, Raymond. Op. cit., p. 32.
73
reproduzem com o realidades já dotadas previam ente —respectiva
m ente pela natureza ou pelos hom ens —de um sentido que as
subm ete e direciona.
O “princípio da totalização”, tal com o é entendido na Te
oria dos Sistem as, pretende um enfoque estritam ente objetivo,
independente do hom em com o sujeito. V ejam os o que diz K arel
Kosik:
74
cando abolido o próprio sujeito que realiza a totalização pelo
pensam ento. Se o capitalism o é um sistem a integrado e articula
do que tende a reproduzir-se à m argem de fins hum anos cons
cientem ente definidos, nem p o r isso a história, enquanto totalida
de que possui um passado e futuros possíveis pode ser reduzida
ao autom atisrno sistêm ico desse m odo de produção. V oltem os a
nos socorrer de Kosik:
75
O s pressupostos éticos que podem ser extraídos da Teo
ria dos Sistem as, à m edida que pretende incluir a sociedade e
a história, não adm item a perspectiva de rupturas qualitativas
radicais. Os critérios antológicos de “integração” e “funcionali
dades” não deixam m argem para um a crítica ética e política que
tenha origem em valores criados historicam ente pelas classes so
ciais e pelos indivíduos. A fronteira entre os aspectos estruturais
e funcionais fica dissolvida em parâm etros form ais estritam ente
quantitativos, induzindo a que se pense a revolução nos lim ites
da norm alidade evolutiva e cotidiana, sendo esta, então, falsam ente
elevada ao patam ar da m udança qualitativa.
76
sal dos sistem as antientrópicos, que é seu pressuposto, esconde
a singularidade do processo histórico-social, isto é, o hom em
com o ser que se originou da p rá x is e cam inha sobre ela.
Por outro lado, a m útua redução entre inform ação e pro
babilidade, realizada pela Teoria da Inform ação, adquire outro
sentido no contexto das relações constituídas na p rá x is hum a
na. Para o hom em , um ser que se constrói criticam ente, a cons
ciência da probabilidade, sendo um aspecto do ato cognitivo
propriam ente dito, é apenas um pressuposto do ato prático. O
pressuposto da cibernética é a unidade existente entre os sis
tem as antientrópicos, de um lado, e, de outro, todo o restante
do universo dotado de entropia positiva. D esvendando assim ,
abstratam ente, um a contradição sum am ente im portante, entre
um a porção da realidade que, dentro de certos lim ites, tende
para m anter e reproduzir sua auto-organização, e o restante do
universo que cam inha para a desorganização e o caos. Trata-se,
certam ente, de um a teoria que abrange aspectos bastante am plos
da realidade, retom ando um a unidade que foi sendo perdida pela
particularização divergente das especialidades científicas. N ão há
com o subestim ar a im portância e a am plitude das descobertas
patrocinadas pela cibernética em todos os cam pos da ciência e,
muito m enos, dos avanços técnicos que ela potencializa.
N o entanto, o universo antientrópico não é contínuo, pos
suindo um a ruptura que, do ponto de vista filosófico, é mais
essencial do que sua contradição com o universo em decadên
cia. T rata-se do fenôm eno hum ano que, dotado de consciência,
elevou-se acim a do m undo físico, da objetividade em geral, não
só porque é capaz de pensar esse m undo, m as igualm ente de
produzi-lo com o realidade apropriada, com o realidade hum ana
e hum anizada.
Logo, o que explica a realidade não é a “totalidade sistêm i
ca” e sim a “totalidade concreta” não é a “inform ação ” e sim a
77
“p rá x is” . Essas são as categorias que expressam o axiom a teórico
fundam ental para desvendar o m undo e suas conexões m ais g e
rais. A p rá x is expressa a síntese mais profunda da relação entre o
hom em e o universo, na m edida em que capta tanto a diversida
de com o a unidade, de um ângulo ontologicam ente superior, ou
seja, do ângulo da apropriação crescente do m undo natural pela
atividade e o pensam ento hum anos.11
N a verdade, a aplicação da Teoria da Inform ação ao fenô
m eno da com unicação social e, m ais especificam ente, ao fenô
m eno jornalístico12 , pressupõe - de m aneira explícita ou não
—aceitação das teses da T eoria G eral dos Sistem as. Tal transpo
sição tem, ideologicam ente, um a base de classe. Trata-se de um a
abordagem que interessa à burguesia com o classe dom inante
que pretende eternizar as relações capitalistas de produção. A
finalidade política intrínseca a esse aporte teórico - e em certa
m edida seu efeito —é a m anipulação e o controle, a redução das
classes dom inadas e dos indivíduos em geral a sim ples elem entos
derivados das equações econôm icas e políticas do poder, isto é,
a m áquinas produtivas perfeitam ente previsíveis em seus atos.
Há um a hierarquia de contradições na sociedade, mas os
processos se conjugam e alternam sua principalidade definindo
conjunturas, abrindo-se, então, diferentes possibilidades para a
ação consciente dos sujeitos, os quais nunca são neutralizados
com pletam ente pela lógica reprodutiva do sistem a enquanto tal.
Isso torna o “sistem a social” qualitativam ente diferente dos m o
delos cibernéticas e dem ais sistem as conhecidos, na m edida em
que se fundem níveis da realidade social num a m esm a totalidade
histórica tangível aos sujeitos.
11 Sobre essa concepção de práxis, ver: GENRO FILHO, Adelmo. Do medo à dialética. In:
Marxismo, filosofia profana. Porto Alegre, Tchê!, 1986, p. 25-47.
12 Uma das tentativas de aplicação da Teoria Geral dos Sistem as ao jornalism o é o traba
lho de: LIM A, Edvaldo Pereira. 0 jornalism o impresso e a teoria g era ! dos sistemas: um modelo
didático de abordagem. D issertação de M estrado, apresentada na U niversidade de Sao Paulo
—USP —EGA. São Paulo, 1981. (De qualquer modo, em algum a medida esse paralelismo
é feito em grande parte das obras acadêmicas sobre com unicação e jornalismo).
78
A incom preensão da especificidade do hom em com o sín
tese dos diversos níveis de sua existência objetiva e subjetiva,
isto é, de sua natureza biológica, antropológica e, sobretudo, h is
tórica (econôm ica, cultural, política, ideológica e ética) induz a
graves distorções teóricas. A tentativa de aplicação da Teoria da
Inform ação para explicar o fenôm eno jornalístico é um a delas.
Há um a frase m uito difundida nos m anuais de jornalism o que
pode ilustrar, através de um a caricatura, o problem a apontado:
“Se um cão m orde um hom em não é notícia, mas se um hom em
morde um cão então tem os um a notícia”. Realm ente, a proba
bilidade de que um hom em avance a dentadas contra um cão
é bem m enor, por exem plo, do que a probabilidade de novas
violações dos direitos hum anos pelo exército salvadorenho. Por
tanto, a prim eira notícia seria m ais im portante, do ponto de vista
jornalístico, do que esta últim a, na m edida em que contém m aior
quantidade de inform ação, segundo os critérios m atem áticos da
Teoria da Inform ação. N o entanto, é fácil perceber que a notí
cia sobre El Salvador tem m ais significado e im portância, pelo
fato de conter m ais universalidade e estar ligada às contradições
fundam entais de nossa época. Por isso, em bora seja um evento
de m aior probabilidade, o que na Teoria da Inform ação significa
menos inform ação, será um a notícia qualitativam ente superior.
N a sociedade, nem tudo que representa m uita inform ação
em term os m atem áticos (eventos de pouca probabilidade), reve
la-se significativo no processo global das relações sociais. E m se
tratando da sociedade, não im porta unicam ente o aspecto quan
titativo da inform ação para que seja eficaz e significativa. Inte
ressa, antes, que ela esteja vinculada aos processos fundam entais
c suas contradições. A dialética entre qualidade e quantidade
aparece, aqui, em sua riqueza e am plitude.
O processo global que serve com o critério de qualificação
tias inform ações é a própria história, dim ensão totalizante do ser
79
e do fazer hum anos. E nfim , se um hom em qualquer m orde um
cão qualquer, isso não terá m aior significado por ser um fato
singular que não contém a necessária universalidade. N ão indica
um a tendência na evolução ou na transform ação da sociedade.
É evidente que, se m uitos hom ens com eçarem a m order os cães,
a qualidade de tais notícias será alterada pela quantidade. O m es
m o acontecerá, por exem plo, se o presidente dos Estados U ni
dos tom ar essa atitude, em bora fosse um caso isolado. Então, se
o singular é a m atéria-prim a do jornalism o, a form a pela qual se
cristalizam as inform ações que ele produz, o critério de valor da
notícia vai depender (contraditoriam ente) da universalidade que
ela expressar. 0 singular; portanto, é a form a do jorn a lism o e não o seu
conteúdo. 13
13 GENRO FILHO, Adelmo. Q uestões sobre jornalism o e ideologia. ín\ Jorn a l A Ra^ão.
Santa M aria, 22 de out. 1977. p. 8.
80
(em bora isso, a rigor, seja im possível) não apresenta, em geral,
interesse jornalístico. O fato de que o com ércio vai funcionar
norm alm ente num a segunda-feira não m erece ser noticiado.
Em bora isso possa ter interesse jornalístico se estiverm os em
m eio a um a greve geral.
Por outro lado, o grau de probabilidade de um evento en
volve um a das variáveis que hierarquizam a im portância de um a
inform ação jornalística. Um fato de probabilidade extrem am en
te baixa, m esm o que não ocorra num a hierarquia relevante dos
processos sociais, pode transform ar-se em algo significativo.
O fato de um hom em qualquer apresentar, por exem plo, po
deres paranorm ais é, por si m esm o, um fenôm eno de real in
teresse jornalístico. N ão se trata de um a m era curiosidade ou
sim plesm ente de um fato insólito para vender jornais, em bora,
norm alm ente, seja tratado dessa form a pela im prensa capitalista.
Há, ou pode haver um conteúdo de universalidade latente nas
singularidades extrem as ou aberrantes. O “insólito”, o “sensa-
cionalism o”, o “acredite se quiser”, que aparecem na im prensa,
não indicam que o singular é necessariam ente um a feição do real
que se presta a m era m anipulação, mas, apenas, que ele pode ser
m anipulado e arrancado de sua relação efetiva com as particula
ridades e universalidades reais, para funcionar com o suporte das
configurações propostas pela ideologia dom inante. N esse caso,
o singular pode servir para falsear totalidades, sim ular contradi
ções inexistentes, esconder outras efetivam ente existentes, além
de dissim ular tendências reais e apontar outras que são falsas.
Se tem os um jogo de futebol entre duas equipes, A e B>
sendo que A é reconhecidam ente superior e sem pre venceu a
equipe B com larga vantagem , o resultado m ais im portante, jor-
nalisticam ente, seria a vitória da equipe B por 8 x 0 e não o inver
so. A vitória surpreendente da equipe B coloca potencialm ente
algum as questões que tendem à universalidade, à conexão com
81
outros fenôm enos e à m udança de conceitos estabelecidos. Teria
h avido corrupção? B oicote dos jogadores da equipe A que es-
tavam com os salários atrasados? A equipe 13, por algum m otivo
técnico ainda obscuro, teria se tornado repentinam ente m ais efi
caz? Q ual a lógica, desta vez, da sabida falta de lógica do futebol?
O que é o futebol, afinal?
Porém , um a coisa é certa; um a greve geral no país, o sui
cídio de um a personalidade pública ou a aprovação de um a
nova lei sobre a refo rm a agrária, em geral, serão notícias m ais
im portantes que qualquer resultado (puram ente esportivo) do
jo go entre as equipes A e B. A prioridade, neste caso, tem sua
justificativa na questão da totalidade histórico-social com o um
todo estruturado, envolvendo um a determ inada hierarquia dos
seus processos. A natureza da inform ação jornalística está inti
m am ente ligada aos dois aspectos: 1) a indeterm inaçâo real dos
processos sociais e naturais; 2) a qualidade e o grau das possi
bilidades concretas de escolha que se colocam para os hom ens
dian te das alternativas nascidas da indeterm inaçâo do processo
objetivo que eles vão constituindo. A isso pode-se cham ar, em
sentido filosófico, liberdade.
O conceito de liberdade, com preendido nessa dim ensão
teórica, é com pletam ente exterior e alheio ao sistem ism o. As
distintas possibilidades concretas de totalização da história, que
se colocam aos sujeitos, im plicam a dim ensão qualitativa da in
form ação, o que não ocorre nos sistem as biológicos ou ciber
néticos, cujas possibilidades de desenvolvim ento não incluem a
questão da liberdade.
O problem a fundam ental da transposição, para a socieda
de, das noções da T eoria da Inform ação, buscando definir a n o
tícia jornalística pelos critérios m atem áticos da probabilidade, é
exatam ente a natureza singular do “sistem a social”. O conceito
de sistem a, com o já foi visto, não consegue dar conta da socie
82
dade com o totalidade concreta,, m as apenas de alguns aspectos de
sua m anifestação. A ideia de sistem a (ver especialm ente Buckley)
pressupõe finalidades objetivam ente consideradas, o que signi
fica um “projeto” plenam ente m anipulável do ponto de vista
externo. O ra, a sociedade não apresenta um desenvolvim ento
teleológico objetivam ente dado. São os hom ens, através do tra
balho, que atribuem aos seus atos um a perspectiva teleológica.
Os projetos hum anos, individuais ou coletivos, não são determ i
nados pela realidade objetiva, m as apenas condicionados por ela e
determ inados subjetivam ente. A consciência, com o “m om ento
separatório”, é o lugar da produção relativam ente arbitrária das
finalidades no interior da práxis coletiva. O conceito de sistem a
propõe, por conseguinte, a exterioridade na consideração das fi
nalidades, o que é avesso à essência do existir e do fazer-se do
hom em na história.
14 TAUFIC, Camilo. Periodismo y lucha de clases/\m inform aáón como form a d ei p o d er político.
Buenos Aires, Ediciones de La Flor, 1974.
15 Idem , p. 11.
83
m eu). A qui ele já atribui à inform ação um significado m eram en
te “sistêm ico”, apartado da práxis de autoconstruçâo hum ana, a
qual envolve a apropriação prática do m undo e o conhecim ento
com o sua apropriação teórica. A inform ação que circula na so
ciedade, para o referido autor, é apenas instrum ento de orienta
ção e controle. A im possibilidade de realizar um a crítica eficaz
e profunda a p artir de tais pressupostos coloca, de im ediato,
Taufic diante da necessidade de se socorrer de outros princípios
absolutam ente alheios aos da cibernética: “ /m comunicación dejó de
ser com unión desde e l m om ento en que se inició la exploración d ei trabajo
a jem P . E prossegue, m ais adiante: “ Esfe desequilíbrio transform o la
cofnunicación en inform ación, en e l sentido aristotêlico d ei término, esto es,
en Hmposición de f o r m a s 16
E ssa distinção parte de um pressuposto m etafísico. E for
çoso reconhecer que qualquer trânsito de inform ação entre os
hom ens im plica com unicação, pois os indivíduos são duplam en
te produtores de inform ação. Prim eiro, analiticam ente, em sua
relação elem entar e em pírica com o exterior. D epois, a partir das
suas relações m ediadas pelo universo de significados, ou seja,
pelas inform ações já elaboradas e codificadas, sendo incluídos
aqui a linguagem , os conhecim entos acum ulados e a totalidade
dos significados configurados pela cultura. É evidente que esses
dois níveis só podem ser distinguidos sob o ângulo analítico,
através da abstração, pois existem interpenetrados e dialetica-
m ente relacionados.
/
E o próprio Taufic quem declara seu ecletism o teórico:
84
no puede abarcar toda la complejidad de esos procesos; sólo permite
evidenciar algunos rasgos generaks de la dirección de la vida social, y el
papel qne le corresponde en ellos elperiodismo ”.17
“Su objetivo es el conocimiento dei (estado dei sistema dirigido ', para lo
qual recolecta y distribuye noticias en todos los âmbitos de la sociedad;
luego, permite a la clase dirigente ‘e legir la marcha deseable para el
proceso en relación con el estado dei sistema \y, seguida, hace posible las
correcciones, detectando en la base social y en los organismos estatales
todo sintoma que indique que (e lproceso marcha indebidamente,r. E l
periodismo es, pues, una form a de dirección política, y su carácter de
clase está determinado p o r el de la organiyación social”18
17 Idem , p. 20.
18 Idem, p. 21.
85
la matéria; p o r conseguinte, es natural que dei nexo entre substancia
material y reflejo surja la unidad de los procesos de dirección e infor-
• * v 19
macion .
19 ídem, p. 24-25.
86
das\ pttes ‘cuando las masas Io conocen todo, pueden ju lg a r de todo y
se resueven conáentemente a todo ’ (Lenin), sin que nadie pueda mani
puladas como a una máquina sin voluntad ni conciencid' r y]
20 Idem, p. 28.
21 O “naturalism o” stalinista propõe que o marxismo deve descobrir as “leis objetivas do
desenvolvimento social” e apresentar soluções “científicas” para a transform ação e a
gestão da sociedade. N a linha desse raciocínio, caberia aos dirigentes do partido ou do
Estado - que dominam a “ciência m arxista” —decidir soberanamente o que as massas
devem ou nào saber para que a história avance. Ver: STALIN, J. M aterialism o dialético e
materialismo histórico. 2. ed. São Paulo, Global, 1979. (Col. Bases; 10).
87
das classes revolucionárias — podem tornar-se alternativas tão
aceitáveis quanto quaisquer outras.
É claro que a negação dessa abordagem cibernética da in
form ação, não pode levar a um a visão idealista da “com unica
ção pela com unicação”, do “jornalism o objetivo, im parcial ou
neutro”, da produção e circulação das inform ações na sociedade
com o um processo acim a dos interesses e da luta de classes. A
ideologia é sem pre, em cada sociedade determ inada, um conte
údo que atravessa todas as criações da cultura: concepções cien
tíficas, filosóficas, estéticas, jurídicas, religiosas, políticas, éticas,
além de m anifestar-se no senso com um , nas obras de arte, nas
leis, na m oral, no jornalism o, etc. Esse conteúdo ideológico é
contraditório e representa, em suas polarizações extrem as, os
interesses das classes antagônicas. O que se quer dizer, é que
com unicação, o jornalism o ou as inform ações não podem ser
julgadas a partir de pressupostos que elim inem o problem a da
verdade, ou seja, apenas em term os de “controle e organização”
do “sistem a social” .
Em síntese, com o já foi apontado, a ideia de autoconstru-
ção não pode ser substituída pela de sistem a., a ideia de p rá x is não
pode ser abandonada pela de inform ação e, m uito m enos, a ideia
do hom em com o sujeito pela ideia do hom em como p a rte de um
sistem a, passível de controle e m anipulação absolutos.
Em alguns aspectos —com o verem os no capítulo seguinte
—a abordagem cibernética coincide com a tradição da “E scola
de F rankfurt”. A com unicação de m assa é definida, exclusiva
m ente, em term os de m anipulação. O jornalism o, por seu turno,
é entendido com o a form a de com unicação mais dinâm ica e de
term inante no contexto da com unicação de m assa. A tese da m a
nipulação recebe, inclusive, um a base m ais precisa, puram ente
m atem ática, o que é, aliás, um em pobrecim ento radical das teses
sociológicas de A dorno e H orkheim er. A lém disso, a discussão
da com unicação e da cultura em term os de análise abstrata do
“em issor-receptor” constitui, tam bém , um a lim itação com um à
“E scola de Frankfurt”.
“L a com unicación de m asas se caracteriza p o r tener una m uy alta
salida y una m uy baja entrada, es decir, que emite m ensajes en una m agni-
tud drásticam ente superior a Ia de los que recibe\ 22 Essa conceituação
ingênua conduz, inevitavelm ente, a um a com paração com a co
m unicação interpessoal (em que a retroalim entação em geral é
bastante alta), em favor dessa últim a.
O ra, a questão fundam ental, que está no cerne da hegem o
nia cultural e ideológica das classes dom inantes, não é a retroa
lim entação em term os cibernéticos, isto é, a questão do retorno
alto ou baixo, m as da qualidade da inform ação produzida pelos
meios de com unicação de m assa e, ao m esm o tem po, a qualidade
da relação do “em issor” com o “receptor”, ou seja, dos m eios
com as m assas, através de seus órgãos de poder político e de
suas fontes de criação cultural. Os m eios de com unicação m o
dernos, a TV, o rádio, o cinem a, a im prensa em geral, os jornais,
etc. são form as centralizadas de em issão de inform ações e pro
dução cultural. Sem pre terão um a “saída” incom paravelm ente
maior do que a “entrada”. Caso contrário, eles perderiam exata
mente a vantagem que possuem em relação aos m eios artesanais
de com unicação. N ão é isso que os torna antidem ocráticos ou
instrum entos de controle e m anipulação a serviço das classes
dom inantes. O dom ínio da linguagem , o controle da escrita, o
m onopólio da técnica de oratória e outras tantas prerrogativas
das classes dom inantes sem pre foram , igualm ente, instrum entos
de persuasão, controle e opressão.
A questão essencial é o dom ínio político dos m eios de co
m unicação pelas organizações das m assas revolucionárias, como
condição para que a qualidade das inform ações produzidas pelos
89
centros em issores, em term os políticos, ideológicos e culturais
sejam coincidentes com determ inadas m etas históricas definidas
coletivam ente. N ão se trata, neste caso, de objetivos específicos,
táticos ou m esm o estratégicos — que podem constituir aspec
tos do problem a —, m as de objetivos históricos, definidos em
term os de possibilidades concretas e valores revolucionários e
hum anistas.
Tais metas, colocadas nos term os da práxis, aparecem
com o finalidades que se constituem internam ente ao processo
histórico, pela atividade p olítica , das classes revolucionárias e dos
indivíduos que assum em suas lutas e perspectivas.
Enfim , os m eios de com unicação de m assa podem produ
zir, em term os quantitativos e qualitativos, um universo cultural
e inform ativo superior àquele elaborado de m odo natural, es
pontâneo e artesanal. N ão obstante, esse processo precisa ser
qualificado conscientem ente, com o ação das instâncias políticas
e técnicas, sob hegem onia da ideologia revolucionária e articu
ladas dialeticam ente com os interesses e consciência das m as
sas. Através dos m odernos m eios de com unicação radicaliza-se
a possibilidade das transform ações na consciência e na cultura.
Portanto, aum enta a possibilidade do sujeito coletivo agir dire
tam ente sobre si m esm o, a partir de suas diferenças internas,
contradições e potencialidades daí decorrentes.
Em últim a análise, as possibilidades de m anipulação, pro
porcionadas pelos m eios de com unicação de m assa, são tão sig
nificativas quanto as potencialidades de desalienação e de au-
toconstrução consciente se tais m eios forem pensados num a
perspectiva revolucionária e efetivam ente socialista.
90
C apítulo V
A tradição de Frankfurt
e a extinção do jornalismo
91
das relações capitalistas, no bojo da cultura de m assa, e expressa,
hegem onicam ente, um a ideologia que visa ao controle e à eterna
reprodução da sociedade burguesa.
Vejamos, agora, com o a “E scola de F rankfurt”, que
produziu um a sólida tradição acadêm ica, trata o problem a do
✓
jornalism o. E preciso ressalvar, no entanto, que não se preten
de, aqui, um balanço exaustivo dos m últiplos pensam entos que
constituem essa tradição (Adorno, H orkheim er, M arcuse, Ben-
jam in, H aberm as e outros), nem das im portantes contribuições
que nos legaram . N osso objetivo é discutir especialm ente alguns
aspectos do pensam ento de Adorno, H orkheim er e H aberm as,
sobretudo naqueles pontos que dizem respeito ao fenôm eno jor
nalístico e, a partir daí, analisar algum as abordagens contem po
râneas que estão situadas nessa tradição.1
1 Para uma análise da form ação e das ideias principais da E scola de Erankfurt, ver: SLA-
TER, Phil. Origem e significado da Hscola de I rankfurt. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.
2 BARBERO, Jesus Martin. Comunicación masiva: discurso ypoder. Quito, Kpoca, 1978, p. 62.
3 AXELO S, Costa. Adorno e a Hscola de Frankfurt. Jtr. ADORNO, Theodor. Ht a l H u
manismo e comunicação de massa. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1970. (Col. Com unica
ção; 2) p. 41.
92
quanto do stalinism o. Portanto, para que o pensam ento não con
sagre esse m ovim ento totalitário no terreno político, é preciso
uma ideia de Totalidade aberta e m ultidim ensional, a “Totalidade
da não-T otalidade” .4
/
E em torno dessa questão que se define o relacionam ento
de A dorno com a concepção hegeliana.
93
A unidade do E spírito com o m undo, do sujeito com o
objeto, pensada por H egel com o tendência inexorável do real
à totalização, perceptível ao nível dos fenôm enos do m undo, é
assum ida por A dorno com o necessária e im possível. Q uer dizer,
com o horizonte abstrato e nostálgico da crítica e superação per
m anentes. O apregoado “saudosism o” e “elitism o” de A dorno
em não perceber as potencialidades dem ocráticas e a realidade
contraditória, geradas pelos m eios de com unicação de m assa do
capitalism o m oderno, encontra suas prem issas filosóficas nessa
ideia de um a Totalidade que jam ais existiu e, não obstante, assu
m ida com o um a perda.
A ideia de cultura com o manipulação e do jornalism o com o
fenôm eno redutível a sua form a m ercantil, dotado de conteúdo
essencialm ente alienado e alienador, é um a das conseqüências
teóricas dessa suposta unidade em processo de fragm entação ra
dical e irresistível.
Por isso, a crítica de Jam eson às concepções de A dorno é
tím ida e insuficiente e acaba desviando o problem a de fundo. As
posições políticas dom esticadas que se originaram da Teoria crítica
da sociedade —que é o rótulo assum ido por H orkheim er e seus co
laboradores desde 1937 - , em que pesem suas contribuições na
luta contra a dogm atização stalinista, não podem ser creditadas
a certos traços de caráter ou aos temas que m obilizavam as aten
ções dos autores. A dorno, H orkheim er e a m aioria dos teóricos
da E scola de F rankfurt jam ais assum iram qualquer com prom is
so consistente —m esm o teórico —com a práxis revolucionária
concreta. A ssim , a perspectiva circunstancial em que Jam eson
coloca as lim itações políticas de A dorno é inaceitável.
94
ênfase exagerada, mais do que qualquer outra coisa, que pa
rece explicar, para mim, a ausência de compromisso político
que os estudantes radicais reprovaram em Adorno ao fim
de sua vida”.7
7 Idem, p. 51.
95
O “pessimismo” que emana das ideias de Adorno (e
Horkheimer) não pode ser atribuído apenas a uma expectati
va pessoal diante do curso da história. A posição de Adorno/
Horkheimer sobre a cultura e a arte no capitalismo avançado
envolve um “pessimismo” crítico e humanista, cujos pressupos
tos estão contidos naquela ideia de uma Totalidade cindida, que
deve ser pensada sob a forma de uma totaüzação aberta e essen
cialmente negativa. Uma de suas conseqüências aparece no con
ceito de “indústria cultural”, sugerido por eles para caracterizar
a cultura do capitalismo moderno. Esse conceito pretende evitar
a falsa impressão de que se trata de uma cultura democrática,
feita pelas próprias massas, como poderia induzir a expressão
“cultura de massa”.
Vejamos alguns traços dessa caracterização da “indústria cul
tural”, feita por Adorno e Horkheimer. Trata-se de uma forma de
cultura que deixou de ser “também mercadoria”, para tornar-se
essencialmente mercadoria. Ocorre, agora, uma tal determinação
das relações mercantis sobre o processo cultural e artístico que,
não apenas a circulação sobre influência das leis do mercado, mas
a produção e distribuição cultural ficam submetidas aos ditames
do capital. A “arte superior” é degradada e a “arte inferior” é es
terilizada em seu potencial crítico. O consumidor não é o “rei”,
o sujeito, mas o objeto, o escravo dessa indústria. O primado do
lucro que está na gênese dessa cultura penetra em seus poros e
corrompe sua autonomia. Essa cultura é industrial, entendido esse
conceito mais no sentido das formas alienadas de organização do
trabalho nos escritórios, ao invés, simplesmente, da racionalização
no sentido tecnológico. A técnica envolvida não é interna à consti
tuição da obra de arte, não está a seu serviço, mas é externa: serve
para apresentar um simulacro como se fosse obra de arte.
Os meios de comunicação de massa reforçam a ordem es
tabelecida e o status quo. Seu efeito de conjunto é uma espécie
96
de anti-iluminismo. Toda a produção e reprodução da cultura é
realizada em função dos meios eletrônicos de comunicação (TV,
rádio, cinema, etc.), que passam a orquestrar todo o processo em
virtude de sua abrangência e dinamismo. Existe uma tendência
crescente à padronização e homogeinização das manifestações
culturais e artísticas, sendo superada a espontaneidade da criação
e da relação entre o artista e o público. Os temas e estilos fol
clóricos ou populares são assimilados no contexto da ideologia
dominante. Os temas clássicos das grandes obras são reproduzi
dos como um padrão, às custas de um radical empobrecimento
estético e humano, através do kitsch. Ao invés de expressar a
complexidade que é própria da vida e da grande arte, ela é redu
zida a um elementar maniqueísmo ético, ideológico e político.8
Os aspectos sociais, técnicos e artísticos não podem ser tra
tados isoladamente na questão da “indústria cultural”, pois eles
constituem uma unidade que implica uma mútua determinação
sob a égide das leis do mercado. A TV, por exemplo, em função
de suas qualidades técnicas, permite aproximar-se da meta que
é ter de novo a totalidade do mundo sensível através de uma
imagem ao alcance da mão, o sonho sem estar dormindo, sem
estar sonhando. Mas permite introduzir furtivamente, na dupli
cata, aquilo que se pretende seja tomado como real. A força da
TV radica nessa totalidade do mundo sensível que ela amplia ao
infinito. Mas é somente no conjunto de todos os procedimentos
nitidamente afinados e, contudo, divergentes quanto à técnica e
ao efeito, que se forma o clima da “indústria cultural”.
A TV, certamente, não faz das pessoas aquilo que quer, mas
acentua e aprofunda aquilo que as pessoas já são. As imagens da
TV oferecem o brilho que falta ao cotidiano cinzento da alie
97
nação, sem exigir esforço da atenção ou do pensam ento, com o
um a propriedade que é usufruída de m odo desatento, na form a
de aparências que se projetam . A “linguagem das im agens”, que
dispensa a m ediação conceituai, é m ais prim itiva que a das pala
vras. Por isso, ela favorece —tendo em vista a m aneira com o se
insere a T V no capitalism o —o irracionalism o e a ilusão sobre o
m undo. A voz que fala através dela é o discurso da im ediaticida-
de, do m undo presente com o algo natural e eterno, com o um a
espécie de voz do “espírito objetivo” . Sobre o futuro, A dorno
é reticente: “N ão é possível prever o que virá a ser a televisão;
aquilo que ela é hoje não depende do invento, nem m esm o das
form as pardculares da sua utilização com ercial, mas sim do todo
no qual está inserida” .9
ILssa últim a afirm ação contesta algum as análises apressadas,
que acusam A dorno de considerar a tecnologia avançada dos
m eios de com unicação com o um m al em si m esm o, indepen
dente das relações sociais onde está inserida. Ao contrário, ele
acredita que o potencial das novas tecnologias da com unicação é
integralm ente apropriado pelos interesses burgueses, na m edida
em que se torna um aspecto do todo que constituem as relações
m ercantis do capitalism o avançado. Trata-se, consequentem ente,
de um a espécie de “relativism o sociológico”, que dissolve com
pletam ente a ontologia do ser social em determ inadas relações
históricas de dom inação.
A dorno parece não acreditar no im pacto do desenvolvi
m ento tecnológico e científico, ou seja, das forças produtivas
sobre as relações de produção, por m eio das potencialidades so
ciais que são liberadas e das contradições resultantes. A técnica
não é entendida com o algo desum ano, m as com o um fenôm eno
“neutro”, que recebe integralm ente o seu significado (negativo)
98
cias relações sociais. Ora, se é verdade que a tecnologia não pode
ser considerada abstratam ente com o algo “bom ” ou “ru im ”, em
term os absolutos, tam pouco pode ser entendida com o “neutra”,
se esse conceito pretender indicar passividade e relativism o total.
C om o verem os mais adiante, as análises de B enjam in e,
mais recentem ente, de E nzensberger, apontam noutra direção:
para o reconhecim ento das im ensas potencialidades artísticas e
políticas decorrentes da reprodudbilidade técnica, em que pese
a função que desem penha na hegem onia cultural e ideológica.
M as A dorno e H orkheim er veem um a orquestra afinada
dem ais, para que possa liberar potencialidades efetivas e apro
fundar contradições polídcas e ideológicas. A tese de que o capi
talism o gerou um caos cultural é falsa, afirm am . Film es, rádios,
jornais, paisagem urbana, “celebram o ritm o do aço” , a raciona
lidade dos cartéis, expressando o poder do capital.
Para os capitalistas, a estandardzação seria produto inevi
tável da própria técnica necessária ao atendim ento do consum o.
M as A dorno e H orkheim er advertem : “A racionalidade técnica
hoje é a racionalidade do próprio dom ínio, é o caráter repressivo
da sociedade que se autoaliena” .10 Por outro lado, a constitui
ção do público, que teoricam ente e de fato favorece o sistem a
da indústria cultural, sempre usado com o justificativa, faz par
te do sistem a e não o desculpa. Q uer dizer, a indústria cultural
produz tam bém o seu público, através do em botam ento cultural
e da esterilização político-ideológica das m assas. E depois, usa
esse m esm o público como critério m ercadológico para definir
e justificar a qualidade e o gênero das suas produções. Porém , o
consórcio que delim ita a indústria cultural é m ais am plo do que a
relação de vassalagem do público pelo produtor im ediato.
99
“A dependência da mais potente sociedade radiofônica à in
dústria elétrica, ou a do cinema aos bancos define a esfera
toda, cujos setores singulares, sao ainda, por sua vez, cointe-
ressados e interdependentes”.11
100
teatro, m úsica e pintura) é assum ida com o único paradig
m a da “arte elevada” . N ão ficam sequer indicados, por
tanto, cam inhos viáveis para o enfrentam ento de classes
no plano cultural e artístico, exceto a crítica ideológica à
“indústria cultural” e à alienação que ela produz.
5) Finalm ente, a expressão “indústria cultural” cunhada
para evitar um a confusão, pode gerar outra: ela insinua
que é a base industrial, por si m esm a, independente das
relações sociais de produção, que atribui à cultura um
caráter m anipulatório e degradante.
12 SW INGEW OOD, Alan. O mito da cultura de massa. Rio de Janeiro, Interciência, 1978, p.
14-15.
101
do totalitarism o m oderno, a rem oção de toda a oposição gen uí
na às tendências reificadoras do capitalism o m oderno”.13
Para Sw ingew ood, não existe um a “indústria cultural” ou
um a “cultura de m assa”, no sentido de um a m anipulação or
questrada racionalm ente de cim a para baixo, m as um a hegem o
nia burguesa na cultura e um a “ideologia da cultura de m assa”
—da qual a própria ideia da m anipulação absoluta, sugerida pela
E scola de Frankfurt, é um aspecto. G randes potencialidades cul
turais e dem ocráücas foram produzidas pelo capitalism o m oder
no e, especialm ente, pelos m eios de com unicação de massa. M as
o capitalism o não pode cum prir a sua prom essa cultural em bora
forneça as condições objetivas para que seja im plem entada.
“O ideal de uma cultura democrática universal baseada na
pardcipaçao ativa de todos os estratos sociais é incompatível
com o capitalismo, uma vez que, como uma forma de do
minação, ele se assenta na crença no governo de elites cuja
sabedoria superior subjuga as ‘massas passivas’. O mito da
massa é um alicerce tão necessário para a legitimação do ca
pitalismo moderno quanto o mito de uma cultura de massa
universal, igualitária e socialmente integradora.”14
13 Idem, p. 18.
14 Idem, p. 96.
102
genuína parecem ser a tendência natural do capitalism o, em bora
faça a ressalva que essa tendência não pode se realizar in tegral
m ente na sociedade burguesa.
Sobre a crítica de Sw ingew ood, m uitas das indagações le
vantadas por Albino Rubim são pertinentes.15 Hoje, se repõe no
plano da com unicação e da cultura a contradição entre as forças
produtivas liberadas pelo capitalism o e as relações de produção.
N ão se trata mais, no capitalism o avançado, de um a contradição
com o aquela que tipificou a transição do feudalism o ao modo
de produção burguês: as forças produtivas criando, diretam ente,
os elem entos explosivos da ordem feudal pelo sim ples desenvol
vim ento da indústria, da tecnologia e da ciência. Mas, nem por
isso, deixa de ser um a contradição concreta. As forças produtivas,
hoje, por si m esm as, não conscientizam a classe que, fundam en
talm ente, antagoniza o capital (o proletariado industrial) nem au
m entam seu poderio m aterial. N ão obstante, as potencialidades
e possibilidades efetivas geradas pela indústria, pela tecnologia e
a ciência am pliam e aprofundam as contradições ideológicas e
políticas do m odo de produção capitalista.
A prom essa de consumo, conforto e felicidade, cuja distân
cia da realidade das massas é cada vez m aior (mesmo nos países
de capitalism o avançado), gera expectativas crescentes que podem
ser m obilizadas em term os revolucionários. O capitalism o atual,
no alto de sua fase im perialista e m onopolista, precisa prom eter o
“paraíso”, em bora não possa cumpri-lo. Não obstante, em certo
sentido, tenha gerado as condições materiais para realizá-lo.16
Os teóricos de Frankfurt não perceberam as “forças produ
tivas” dem ocratizantes e hum anizadoras que estavam surgindo
103
no cam po da com unicação. Por outro lado, devem os reconhe
cer que Sw ingew ood não atentou devidam ente para a dim ensão
bloqueadora das relações de produção que, pela prim eira vez,
incluem na sua hegem onia ideológica e cultural um forte com
ponente racional e m anipulatório. Isso significa que o caráter
restritivo das relações de produção do capitalism o avançado,
com respeito ao processo artístico e cultural, não se define ape
nas em term os da propriedade ou controle dos m eios m ateriais
e espirituais para realizá-lo —com o sem pre ocorreu —, mas tam
bém com o produção cultural, em grande parte, planejada e dire
cionada especificam ente para os “de baixo” .
Esse planejam ento tem seu dinam ism o im pulsionado pela
necessidade do capital de reproduzir-se e é realizado em função
de critérios basicam ente m ercantis. Mas seria ingenuidade pen
sar que, além disso, não entra nesse processo, com o elem ento
consciente, a prescrição ideológica.
D e qualquer m odo, a questão central da crítica levanta
da por Sw ingew ood parece ser irrespondível pelos adeptos de
Frankfurt: não pode haver um conceito abrangente, que preten
da dar conta das m anifestações culturais de toda um a época, que
não reconheça a dim ensão contraditória inerente à p rá x is que o
conceito de cultura necessariam ente contem pla.
D e outra parte, tem os que adm itir que a im portância ain
da hoje atribuída aos teóricos de Frankfurt pelo pensam ento de
esquerda não é casual. O fracasso de um a reflexão densa que
se propõe a um a crítica radical e hum anista, nunca pode ser to
tal. H á um patrim ônio a ser recuperado pela dialética da crítica
debruçada sobre a crítica. A final, H orkheim er, A dorno, M arcu-
se e outros, não estiveram anos a fio refletindo e escrevendo a
respeito de um a m iragem . H á, de fato, um a série de fenôm enos
peculiares da m oderna cultura burguesa, produzida nos m oldes
industriais em larga escala, que foram denunciados e dissecados
104
pela E scola de Frankfurt. O predom ínio do critério m ercantil
desde a concepção até a produção das obras, o forte traço m ani-
pulatório da ideologia dom inante nessa cultura, sua tendência à
padronização e ao rebaixam ento do nível estético da m aioria de
seus produtos são algum as das características indiscutivelm ente
reais da cultura burguesa atual.
A conclusão que parece se im por é a seguinte: existe um
fenôm eno cultural peculiar ao capitalism o avançado que exige
um a conceituação teórica, seja em term os de “cultura de m as
sa” ou “indústria cultural”. N o entanto, essa conceituação não
pode pretender abranger a totalidade do fenôm eno cultural, pois
a cultura jam ais se deixa subm eter integralm ente pela categoria
m ercantil. Se isso pudesse ocorrer, a cultura deixaria de ser um a
práxis e, portanto, deixaria de ser cultura.
Assim , prelim inarm ente, um a noção pertinente de “cultura
de m assa” poderia ser pensada em três direções: 1. C om o tendên
cia intrínseca ao capitalism o avançado, no sentido de dissolver a
produção cultural na lógica m ercantil, de negar a própria essên
cia da cultura, tendência jam ais realizável integralm ente. 2. Com o
ideologia m aniqueísta e m anipulatória dom inante no conjunto da
produção cultural, cum prindo o papel de reprodução e reforço
do status quo. 3. Corno sendo um dos polos de um a contradição
mais am pla no interior da cultura burguesa contem porânea, que
não é unívoca ou hom ogênea, mas dotada de contradições que
se reproduzem e se am pliam no processo.
A base objetiva das contradições geradas especificam en
te no plano da cultura pode ser indicada por dois fenôm enos.
Primeiro, pelo potencial cada vez m ais sociali^ante e dem ocrático
desenvolvido pelas novas tecnologias da com unicação. E m se
gundo lugar, em virtude da própria lógica m ercantil que, em bora
secundariam ente, tende a reproduzir tam bém as obras com po
tencial crítico e transform ador. A lém disso, é necessário referir
105
que as contradições estruturais da sociedade tam bém aparecem
e tendem a se reproduzir no terreno cultural.
A lógica econôm ica desse m ovim ento contraditório, que
coloca lim ites ao dom ínio do capital sobre a cultura, foi desen
volvida num interessante ensaio de A lbino R ubim .17 H á um a
tendência crescente da m ercadoria em subjugar a obra de arte e,
de m odo m ais am plo, do capital avassalar e esterilizar a com uni
cação e a cultura. Mas o que denuncia as lim itações teóricas da
Escola de Frankfurt é que essa tendência jam ais pode se realizar
integralm ente e, além disso, ela m esm a cria suas “contra-tendên-
cias” e abre brechas para que sejam am pliadas e radicalizadas.
N o âm bito dessa discussão é que aparecem as duas perspec
tivas de análise do jornalism o. Aceitas globalm ente as prem issas
teóricas da Escola de Frankfurt sobre a “indústria cultural” não
há como propor um futuro m elhor para o jornalism o. Ou ele
permanece na m esquinharia que o caracteriza atualm ente, en
quanto instrum ento de dom inação, ou será extinto juntam ente
com o capitalismo.
Vejamos isso em sua seqüência lógica: se a cultura capi
talista é, essencialm ente, um a “cultura de m assa” nos term os
frankfurtianos; se a “cultura de m assa” é um m ecanism o de m a
nipulação, controle e alienação; se o jornalism o teve sua gênese
como “cultura de m assa” e desta é parte integrante e legítim a,
não há o que resgatar do jornalism o. Para pensá-lo criticam ente é
necessário condená-lo à m orte, propor sua extinção, pelo m enos
naqueles aspectos que hoje o caracterizam , seja em term os da
sua linguagem ou da sua form a de apreensão da realidade. N ão é
possível teorizar na perspectiva de continuidade do fenôm eno jor
nalístico, exceto no sentido estrito da im prensa com o tecnologia.
Tampouco, pode-se adm itir, obviam ente, a tese de um jornalis
106
mo revolucionário, crítico e desaüenador, exceto se deixar de ser
jornalism o, e tornar-se outra coisa. Essa avaliação específica do
jornalism o, num a perspectiva essencialm ente negativa, vai adqui
rir sistem aticidade em H aberm as.
107
“Neste momento —diz Habermas, sobre esse segundo perí
odo —,a intenção de obter lucros econômicos através de tais
empreendimentos caiu geralmente para um segundo plano,
indo contra todas as regras de rentabilidade e sendo, com
frequência, desde o começo, atividades deficitárias”.19
19 Idem, p. 214.
20 Jdem, p. 216.
108
te crescente do espaço de seu jornal para anúncios. A esta
terceira fase da evolução se aplica a conhecida definição de
Bücher de que o "jornal assume o caráter de um empreen
dimento que produz espaço para anúncios como uma mer
cadoria que se torna vendável através da parte reservada à
redação”’.21
21 I d m , p. 214-216.
22 Idem, p. 217-218.
109
cas que o tipificam atualm ente, não m ereceria ser preservado e
desenvolvido em seus aspectos inovadores e peculiares.
A sua unilateralidade 11 a análise histórica do jornalism o
m anifesta-se, sobretudo, na passagem da segunda fase (política)
p ara a terceira (com ercial-publicitária), quando o único sujeito
efetivo é o capital. Só ele pratica a ação e realiza as m udanças.
V ejam os com o isso acontece:
“Se, no começo, dentro de uma imprensa diária motivada
em primeiro lugar politicamente, a reorganização de certas
empresas sobre uma base exclusivamente comercial podia
representar tão somente uma simples possibilidade de in
vestimento capaz de gerar lucros, em breve isto se tornou
uma necessidade para todos os editores. A ampliação e o
aperfeiçoamento da base de capital, uma elevação do risco
econômico e, necessariamente, a subordinação da política
empresarial a pontos de vista da economia de mercado”.23
110
m ente, novas necessidades, m uitas delas falsas e degradan tes,25
e os produtos correspondentes para supri-las. Seguindo esse
raciocínio, só há duas alternativas a serem consideradas. Ou
as m odernas em presas jo rn alísticas criaram nos consum idores
a falsa n ecessidade das notícias e inform ações, tal com o são
elaboradas atualm ente, ou então seguiram a ten dên cia do m er
cado que estava se criando com o surgim ento de novas n eces
sidades reais.
Q uer dizer, ou os capitalistas inventaram , conform e seu ar
bítrio, o m oderno jornalism o e as necessidades que ele satisfaz,
ou perceberam as novas e reais necessidades (da inform ação de
tipo jornalístico) e fizeram delas um a fonte de lucros, lis ta últim a
alternativa parece mais viável, inclusive porque não vê a história
sendo feita m aquiavelicam ente segundo a vontade soberana e
autônom a do capital.
O fato de que os jornais vendem espaço publicitário aos
anunciantes, por m eio do espaço ocupado pelas notícias, indica
apenas que são em presas capitalistas com o as dem ais, funcio
nando segundo o critério do lucro e o objetivo da acumulação.
Indica que o seu produto final, com o quase tudo no capitalis-
Continuaçáo da nota 24
dia, praticam ente nulo, pois, serve exclusivamente à manipulação e distorção. Deve-se
concordar que, até o presente, o problem a das determinações do valor de troca sobre o valor
de uso —tarefa específica do marketing m oderno na administração de em presas —não foi
suficientem ente estudado. Não obstante, partir do suposto que, no caso do jornalismo,
essa determ inação é absoluta, tornando nulo qualquer valor de uso autêntico ou real, é
uma tese inconsistente. Para sustentá-la, seria necessário dem onstrar que o jornalismo
atual oferece um produto com pletam ente supérfluo. Ver: M ARCON DES FILHO, Ciro
J. R. O capital da notícia!Jornalism o como produção social de segunda natureza. (Tese de Livre
D ocência apresentada no D epartam ento de Jornalism o e Editoração da Escola de Co
municação e Artes da Universidade de São Paulo). Set., 1983. (Fotocópias).
25 Não com partilham os da ideia, com um ente aceita, de que o capitalismo cria, principal
mente, “ falsas necessidades” . Ao contrário, pensamos como Enzensberger que há uma
espécie de distorção mercantil sobre as reais necessidades que vão sendo criadas pelo de
senvolvimento da ciência, da tecnologia e de novas relações sociais. Ver: EN ZEN S
BERGER, Hans-Magnus. Elementos p a ra uma teoria dos meios de comunicação. Rio de Janeiro,
Tempo Brasileiro, 1978. (Ver especialm ente o Capítulo 11).
111
mo, é m ercadoria. M as nada nos diz, ainda, sobre a natureza do
produto, o valor de uso que lhe é subsistente. A lém disso, o fato
de que o valor de troca é dim ensão determ inante da notícia jor
nalística, subm etendo seu valor de uso, não constitui um traço
distintivo em relação às dem ais em presas do capitalism o con
tem porâneo, adm inistradas sob o ponto de vista do marketing. A
m ercadoria-notícia, ou seja, a inform ação jornalística com erciali
zada continua tendo um valor de uso cujo conteúdo, p o r definição,
jam ais pode ser dissolvido ou abolido, pois ele é condição para
a realização do produto com o valor de troca. M ais concretam ente,
essa persistência do valor de uso da notícia se m anifesta do seguin
te m odo: o espaço ocupado pelas notícias e reportagens, m esm o
que secundários conform e a ótica puram ente econôm ica, deve
corresponder a um a necessidade do público consum idor para que
o espaço publicitário seja valorizado.
Portanto, aquelas análises — na perspectiva de H aberm as
- que tentam explicar o jornalism o com o veículo e form a da
difusão publicitária no capitalism o (em bora haja um a concreta
articulação ideológica entre publicidade e conteúdo dom inante
nas notícias), acabam abolindo o objeto que pretendem explicar.
N a análise de H aberm as, as três fases da evolução do jor
nalism o aparecem separadas, ou m elhor, vinculadas tão som ente
po r necessidades exteriores: econôm icas num prim eiro m om en
to, políticas no segundo e, finalm ente, econôm ico-sociais. Mas
estas necessidades que fazem surgir o jornalism o m oderno (na
sua funcionalidade “in dustrial”, sua form a de apreensão da rea
lidade e sua linguagem ) estão ligadas, principalm ente, a interes
ses publicitários e m anipulatórios. Sua análise não percebe um
m ovim ento efetivo de superação dialética. N a terceira fase do
desenvolvim ento do jornalism o, quando ele é exercido já nos
m oldes atuais, há um a negação e incorporação dos dois m om en
tos anteriores através da constituição de um a necessidade nova.
112
N ão se trata m ais de um a questão estritam ente econôm ica ou
estritam ente política, m as de um a sociedade cujas relações so
ciais — em virtude do m ovim ento econôm ico e político que a
transform ou —carecem de inform ações de natureza jornalística.
Tem os que considerar, portanto, que os dois prim eiros m o
m entos são etapas constitutivas do jornalism o - am bos form am
sua “pré-história” —, pois nestas duas prim eiras fases o jorna
lism o responde fundam entalm ente às necessidades de classe da
burguesia (prim eiro econôm icas, depois políticas) e não a um a
carência ontológica da com plexidade e integração universal que
se constitui a partir do capitalism o.
26 M ARCO N DES, FILHO. Ciro J. R. Im prensa e Capitalismo. In: M ARCO N D ES, FI
LHO, C. J. R., (org.). Imprensa e capitalismo. Sào Paulo, Kairós, 1984, p. 16.
113
A im prensa e o capitalism o, diz M arcondes Filho perem p-
toriam ente, “são pares gêm eo s”.27 Ora, a im prensa surgiu com o
desenvolvim ento do capitalism o, mas daí a dizer que são “pares
gêm eo s” vai um a distância que som ente um m arxism o dim inu
ído —utilizando o m étodo do “não é m ais que” —poderia per
correr.28 A im prensa “não é m ais que” fruto do processo de p ro
dução capitalista! O jornalism o “não é m ais que” a inform ação
transform ada em m ercadoria! A noticia “não é m ais que” um a
form a de circulação da ideologia burguesa!
Esse tipo de raciocínio salta do im ediato à generalidade
abstrata, desprezando as m ediações que se constituem com o um
m ovim ento pelo qual o concreto é apanhado em sua produção
histórica, com o um a espécie de “sedim entação” ontológica da
realidade social. Será que Balzac “não é mais que” um escritor
pequeno-burguês irresponsável e notívago? O u é um artista que
o m undo burguês em ascensão elevou à condição de um lega
do para a H um anidade posterior? Poder-se-ia questionar: m uito
bem , o jornalism o é inform ação transform ada em m ercadoria.
M as nem todas as m ercadorias são iguais. A lém disso, será que
todo o jornalism o será sem pre, inevitavelm ente, m ercadoria?
N o capitalism o, o jornalism o é atravessado pela ideologia
burguesa com o um a fruta é passada por um a espada —se me per
m ite Jo ão Cabral. O u seja, de m odo flagrante, evidente e dolo
roso. N em por isso fruta será sinônim o de espada. A lógica m er
114
cantil com plexificou e unificou o m undo dos hom ens, tornou-o
mais dinâm ico e universalm ente integrado. E la preside os rum os
desse processo em todos os cam pos da atividade social. Logo, é
o econôm ico que pressupõe e direciona o desenvolvim ento das
necessidades coletivas da inform ação em geral e, em particular,
do jornalism o. Porém , o m odo de produção capitalista não existe
apenas para satisfazer os interesses particularistas da burguesia,
m as tam bém com o um m om ento da história universal. U m a di
m ensão significativa da sua existência é perm anente e, outra, é
perecível e será destruída se forem conquistados o socialism o e
o com unism o.
A ssim , as necessidades geradas pelo capitalism o são tam
bém m oedas de duas faces: um a particular, específica do sistem a
burguês, e outra universal, que se agrega ao gênero —ou, pelo
m enos, a um longo período da história posterior. N esse sentido,
o capitalism o im planta um a tal necessidade e possibilidade da in
form ação em term os quantitativos que qualquer sociedade pos
terior (se não for a barbárie pós-guerra nuclear) necessariam ente
terá de herdar esse legado.
Em term os qualitativos a questão se repõe: o capitalism o
produziu a necessidade de um gênero de inform ação —por meio
do qual tam bém reproduz as bases econôm icas e ideológicas do
sistem a —, que é precisam ente fruto do jornalism o contem porâ
neo, o qual será herdado por qualquer sociedade que suceder a
atual.
D epois de reduzir inteiram ente a im prensa ao capitalismo, o
jornalism o à em presa e a notícia à mercadoria, M arcondes Filho
é com pelido a sugerir a possibilidade de extinção do jornalismo.
115
mando informações em mercadorias e colocando-as trans
formadas, alteradas, às vezes mutiladas segundo orientações
ideológico-políticas de seus artífices, à venda. Neste senddo
ela é estruturalmente montada como empresa capitalista e
desaparece com a supressão das condições de sobrevivência
do capitaF\29
116
cussões potídco-partidárias, em que se envolveu a imprensa
no século XIX. As formas de jornalismo oposicionista, sin
dical, partidário operam a imprensa - sem ser jornalistica-
mente, na forma apontada no parágrafo anterior —buscan
do recuperar ou desenvolver a transmissão de informações
não conformistas”.3"
30 ldim , ib.
31 G EYRH O FER, Friedrich. Aquiles com pólvora e chumbo: a fisionomia do jornalismo.
Apud: M ARCO N D ES FILHO, Ciro J. R. O capital da notícia/Jornalism o como produção social
de segunda natureza. (Tese de Livre Docência apresentada no D epartam ento de jornalism o
e Editoração da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo). Set.,
1983. (Fotocópia).
117
retrocesso ao “jornalism o literário” do século passado. Se o te
órico da saúde pública aplicasse o m esm o m étodo ao problem a
dos rem édios, teria de propor a abolição de todos aqueles atual
m ente vendidos nas farm ácias.
32 H ERZ, Daniel e M ÜLLER, Carlos. O contexto de A rm and M attelard. In: Revista Comu
nicação e Política. São Paulo, Paz e Terra, mar-mai. 1983. v. 1, n. 1, p. 86.
118
vinculações entre um a visão crítica da com unicação e da cultura,
com o form as de dom inação, e as práticas políticas de enfrenta-
m ento e busca de alternativas populares e dem ocráticas.
M attelart não se considera ligado a nenhum a escola de pen
sam ento, acha que a linha de suas reflexões é produto quase ex
clusivo de suas experiências e preocupações práticas.33 Porém,
M attelart não criou nenhum a nova teoria da com unicação ou da
cultura. Seus tem as —e o enfoque pelo qual são abordados —são
m uito característicos da Escola de Frankfurt: crítica à dom inação
ideológica e cultural através dos m eios de com unicação de m as
sa, considerada em oposição à espontaneidade da cultura popu
lar, no caso, às culturas nacionais34; crítica ao sistem a industrial
e financeiro do capitalism o avançado (no caso, o im perialism o),
entendido com o a base m aterial para um a cultura totalm ente
m anipulada:
33 Jdem, p. 99. (Na entrevista Mattelard afirma: “M i evolución no es p o r médio de textos o de leitu
ras. Es uma reflexión muchas veces imperfecta de ló que estoy hacientlo, de ló que otros están haciendd'").
34 M ATTELART, Armand. I m comunicación m asiva en elp ro ceso de liberaáón. México, Siglo
Veinduno, 1981.
35 M ATTELARDT, Armand. M ultinacionais e sistemas de comunicação: os aparelhos ideológi
cos do imperialismo. São Paulo, Ciências Humanas, s/d. p. X.
119
entre em issor e receptor (que seria a m esm a entre produtor e
consum idor), da linguagem repressiva e publicitária que veicula
essa ideologia, e do universo fragm entado que reproduz com o
um reforço da ordem burguesa e dos seus m itos.36
Pode-se observar que, de fato, m esm o sem pretender iden
tificar-se com um a corrente determ inada de pensam ento, as
reflexões de M attelart — seus tem as e as principais categorias
que utiliza - estão, sem dúvida, situadas no contexto form ado
pela tradição da E scola de Frankfurt. A diferença é que M atte
lart escreveu do interior de um a práxis política, preocupado e
com prom etido com ela, enquanto que a m aioria dos teóricos de
F rankfurt (notadam ente A dorno e H orkheim er) exerciam um a
crítica puram ente intelectual. Assim, ao invés do “pessim ism o”
e de um a certa tendência “elitista” que perpassa os textos destes
últim os, M attelart se propôs a pensar alternativas no sentido de
“devolver a palavra ao povo”.
U m a das críticas pertinentes às ideias de M attelart foi rea
lizada por Ciro M arcondes Filho, indicando que o conceito de
“im perialism o cultural” que norteia grande parte dos seus escri
tos baseia-se, tão som ente, num a transposição da realidade eco
nôm ica e tecnológica para o cam po cultural e ideológico.
“Assim insuficientes e superficiais passam a ser as compila
ções realizadas por Armand Mattelart, particularmente a par
tir de 1974 (quando findou sua experiência política com os
MCM no Chile sob o governo de Allende) e suas investidas
na tentativa de abarcar o fenômeno da interferência america
na na cultura latino-americana e suas conseqüências”.37
120
A esse reducionism o tecnológico da dom inação ideológica
se deve tam bém , com o aponta M arcondes Filho, sua posição
am bígua sobre os m odernos m eios de com unicação de m assa,
sugerindo às vezes um conteúdo antitecnológico ao seu conceito
de “com unicação alternativa”. E acrescenta mais adiante:
38 Idem, p. 80-81.
39 Idem, p. 81.
121
unívoco, um a form a de produção de m ercadorias que cria ape
nas “um a aparência de valor de uso”40. M as voltem os às ideias
de A rm and M attelart:
“Em sua interpretação simplista enfatiza-se de tal maneira
a característica de dependência —diz Ingríd A. Sarti —que
se afasta a essência do problema, ou seja, sua natureza capi
talista. Como a dependência passa a ser a essência e nào o
complemento, considera-se todo aspecto de uma ideologia
capitalista como contrário aos interesses da América Lati
na na medida em que reforça a ‘dependência7 e contraria
o curso ‘natural7 do desenvolvimento latino-americano. Na
sua perspectiva mecanicista, os teóricos da ‘dependência
cultural7 não puderam tampouco evitar o determinismo ao
considerar a relação entre o ‘centro7 e a periferia do capita
lismo, numa abordagem que privilegia o ‘externo7 e acaba
por transformar o imperialismo numa luta entre nações77/1’
122
subordinação) do capitalism o na sua etapa im perialista.42 V eja
m os o que diz o próprio M attelart:
123
m unicação não só com o reprodutores das relações sociais, mas
tam bém com o lugares de produção” .44
“É aí que vão aparecer problemas - acrescenta Mattelart -
que, em geral, temos deixado de lado. Por exemplo, o fato
de que a cultura de massa, se é um lugar de negação da cul
tura dos setores subalternos, também é um lugar em que os
setores dominantes são obrigados a aceitar a existência de
outras culturas dentro de sua sociedade”.45
12 4
“revolução cultural” chinesa e suas propostas “alternativas” de
com unicação e produção cultural.46
Sua concepção sobre o '"jornalism o burguês” e a proposta
que apresenta em oposição a ele estão, sem dúvida, perfeitam en
te inseridas na tradição de Frankfurt e, especialm ente, no tipo de
enfoque feito por H aberm as.
125
de H aberm as — endossada por M arcondes Filho —de um jor
nalism o crítico sem elhante ao jornalism o partidário do século
passado. Em com um , nota-se a desconsideração das m ediações
especificam ente jornalísticas, cujas técnicas foram desenvolvidas
pelo m oderno jornalism o em presarial, sob a égide de um a ideo
logia da “objetividade” e “neutralidade” da notícia. As técnicas
do jornalism o burguês m oderno, em função dessa tom ada de
consciência da ideologia que as justifica, são integralm ente des
cartadas com o m ero subproduto ideológico.
/
E verdade que M attelart, às vezes, se refere às m ediações
técnicas no sentido jornalístico e reivindica sua apropriação p e
las m assas. N o entanto, trata a questão com o se tais técnicas
fossem elem entares e pudessem ser rapidam ente assim iladas
p o r m ilhões de operários e cam poneses.49 Isso é verdade apenas
em parte. Ou m elhor, é apenas um a pequena parte da verdade.
U m a certa dose de talento e um a capacitação elem entar fazem
um “jornalista m edíocre”, com o de resto fazem um m édico, um
engenheiro ou um advogado m edíocres. M as para form ar um
jornalista com petente é necessário ou um grande talento (que
não surge aos m ilhares) ou, pelo m enos, um a boa capacitação
técnica e profissional. O ra, se o jornalism o com prom etido com
o status quo atingiu esse nível de elaboração, não há por que exigir
m enos de um jornalism o situado na perspectiva dos interesses
proletários e populares.
A ssim , dar realm ente a palavra ao povo significa, de fato,
com o diz M attelart, m uito m ais do que oferecer o m icrofone ou
a m áquina de escrever aos populares, pois isso já é feito hoje, em
49 Idem , p. 67-68. M attelart reconhece que não se trata, sim plesm ente, de perm itir aos indi
víduos explorados o acesso aos jornais, emissoras de rádio e TV. Ele sugere a apropria
ção das massas, sobre as técnicas inerentes aos meios de comunicação. Ora, isso só é
possível em relação aos “m eios” com pouca densidade tecnológica ou de manejo pouco
complexo. Quando aos dem ais, os “especialistas” são indispensáveis. Sua im portância
para difusão das ideias proletárias e populares sem dúvida é enorm e, especialmente nos
períodos de transição.
126
certa m edida, pelos jornais (cartas à redação), rádios e T V s (en
trevistas, pesquisas, etc.). Trata-se, fundam entalm ente, de criar
as m ediações e os canais adequados para que os conteúdos sociais
(o plural aqui é indispensável) que, antes eram desprezados na
com unicação, passem a ter hegem onia no processo. O que é di
ferente de m anipular o m eio de com unicação diretam ente.
E sses “canais” e essas “m ediações” constituem precisa
m ente o patrim ônio técnico-científico, que envolve desde a
eletrônica até as técnicas e (em algum a m edida) as artes jorna
lísticas. Subestim ar esses fatores na sociedade contem porânea
é com o pensar que o artesanato poderá substituir a indústria
m oderna ou, então, que nesta últim a os trabalhadores poderão
dispensar os engenheiros e técnicos.
Vale assinalar, tam bém , outro aspecto da concepção de
M attelart. Ele acredita que lim itar-se a “descrever” os fatos tal
com o ocorre com o jornalism o burguês, significa “deixar à ins-
titucionalidade repressiva e ao m arco valorativo da dom inação a
dinâm ica da decodificação”. N a verdade, essa descrição já con
tém , internam ente, sua própria valoração coincidente com os
m arcos do sistem a. Intrinsecam ente, o relato jornalístico de um
fato singular já contém um a dim ensão de particularidades e uni
versalidade, sob a form a viva do acontecim ento.
N ão se trata de um sim ples “fragm ento”, um “átom o”,
descrito positivam ente com o algo isolado e, por isso, recebendo
a valoração com o um influxo externo da ideologia dom inante.
Todo o relato jornalístico, toda notícia ou reportagem , reproduz
os fatos através de um a com plexa operação subjetiva. O resulta
do desse processo será, sem pre, aquilo que podem os cham ar de
singular significativo^ isto é, o produto de um a m odalidade de apre
ensão subjetiva que supera o particular e o universal no interior
da singularidade do fato jornalístico. Por isso, um fato jornalís
tico não é um a objetividade tom ada isoladam ente, fora de suas
127
relações históricas e sociais, mas, ao contrário, é a interiorização
dessas relações na reconstituição subjetiva do fenômeno descrito.
C olocado o problem a dessa m aneira podem os conceber a
possibilidade de um jornalism o inform ativo —que se utilize de
m uitas conquistas técnicas e funcionais adotadas pelos jornais
burgueses —com outra perspectiva de classe e outra ideologia.
50 idem , p. 68.
128
evidente. Ela corresponde, sem dúvida que em nível diferente, à
tese da autogestão sobre a econom ia, proposta de índole peque-
no-burguesa que tom a a solução da alienação m ercantil de m odo
absolutam ente idealista. O u seja, com o o controle im ediato dos
indivíduos sobre as “suas” condições de produção, não perce
bendo aquilo que o capitalism o avançado tornou óbvio: que as
condições de produção de quaisquer trabalhadores, seja onde
for, constituem parte de um a rede universal de relações, um a
totalidade que só pode ser dom inada, politicam ente, na relação
com esse todo. E se é verdade que, em certo sentido, a distância
entre em issor e receptor é a m esm a que existe entre produtor e
consum idor —com o já afirm ava a E scola de F rankfurt e M atte
lart repete —, o proletariado e os setores revolucionários devem
controlar o conjunto das condições de produção, incluindo aí a
inform ação e a cultura com o um a totalidade, isto é, politicam en
te. O que é m uito distinto de “devolver a palavra ao povo”, um a
ideia ingênua que, entre outras coisas, não leva em conta que
o “povo” ja m a is teve acesso ao tipo de “palavra” que agora se
pretende devolver-lhe: os jornais, o rádio, a televisão e os dem ais
m eios-eletrônicos de com unicação.
A lém disso, a generalidade da expressão “povo” im plica
conseqüências políticas. O povo, com o declarou o poeta, não é
o cão, enquanto o patrão é o lobo. “A m bos são povo. E o povo
sendo am bíguo é o seu próprio cão e lobo”.51
M ais adiante, M attelart acrescenta: “L a definición d eip u eb lo en
tanto protagonista implica, sobre todo, que las clases trabajadoras elaboren
sus noticias j las discutan. E so significa que p u ed a ser e l em isor directo
de sus p ro p ia s noticias, de su com unicación \52 M as ele reconhece que
essa m eta pode ser viável apenas em term os de um a com unica
51 SA N T’AN N A, Afonso Romano de. Q u e p a ís é este? 3. ed. São Paulo, Brasiliense, 1984, p.
17.
52 M ATTELART, Armand. Op. cit., p. 72-73.
129
ção artesanal. E, além disso, que existem jornalistas profissio
nais, inclusive de esquerda, trabalhando em veículos m odernos
e representativos, sem que essa representavidade, 110 entanto, te
nha sido form alm ente hom ologada pelas bases populares. Após
asseverar que, no socialism o, em bora não deva desaparecer o
jornalista, deverá desaparecer o “periodism o representativo, ta l como lo
concibe la burguesid\ oferece um conselho aos jornalistas:
“En la nueva perspectiva —j con ritmos m uj distintos —se trata de
que el periodista reciva su mandato dei p oder p op u la ry no merced a
una delegadón form al, sino integrando todas las líneas que permitam
que através de él, el pueblo no sea defraudado en su expresión; que
cumpla el papel de monitor dei sentido” P
13 0
H á um a dialética entre o centro do sistem a e todas as suas
partes (que podem assum ir conteúdos diversos), conduzindo à
produção e reprodução da cultura e da inform ação, na qual o
papel das classes, dos grupos organizados e dos indivíduos é
sem pre irredutível. M as o centro, o núcleo do poder que qualifica
o processo no seu conjunto e lhe fornece os rum os, é constituí
do pelos m eios de com unicação de massa.
A questão fundam ental, portanto, para construir novos
rum os e outra hegem onia ideológica para o conjunto da cultu
ra, na transição ao socialism o, é a definição e o controle, pelas
m assas revolucionárias organizadas, da política cultural que vai se
expressar pelos m eios de com unicação avançados. E ssa política
vai determ inar inclusive, a absorção da criatividade das m assas no processo
em seu conjunto.
A ssim , m ais im portante que a “com unicação alternativa”,
lim itada em seu potencial técnico, é a luta pelos espaços no sis
tem a de com unicação de m assa e a conquista de veículos tecni
cam ente avançados.
O problem a é que M attelart entende os m eios de com uni
cação apenas com o m eios, ou seja, m ediações usurpadas pelas
classes dom inantes, im pedindo que o povo fale diretam ente a
si m esm o. A lgum as dessas m ediações, inclusive pela sua nature
za técnica, são consideradas instrum entos de fragm entação das
m assas, favorecendo a m anipulação coletiva e a ruptura de rela
ções sociais m ais criativas.
Im plicitam ente, o m odelo de com unicação adotado como
paradigm a é o m esm o de Frankfurt: o m odelo tradicional da
cultura que, basicam ente, envolvia relações interpessoais diretas,
tanto n a com unicação em geral com o na arte. H oje, essas rela
ções se libertaram da im ediaticidade a que estavam confinadas e,
objetivam ente, assum em um a dim ensão universalm ente h um a
na, bem com o um potencial hum anizador jam ais atingido antes.
131
A o não considerar a am bivalência da cultura no capitalism o
contem porâneo, ficando nos m arcos de um a crítica da m anipula
ção im perialista; ao não reconhecer a im possibilidade das m assas
assim ilarem todas as com plexas m ediações técnicas e artísticas
dos m eios de com unicação avançados, caindo num a espécie
de subjetivism o populista; enfim , ao não perceber as im ensas
potencialidades culturais, artísticas, políticas e inform ativas dos
m eios de com unicação de m assa, M attelart ficou im pedido de
esclarecer a especificidade do fenôm eno do jornalism o e seus
desdobram entos históricos.
54 M EDINA, Cremilda de Araújo. Notícia-, um produto à venda. Sào Paulo, Alfa-O m ega,
1978. (Biblioteca Alfa-O m ega de Comunicação e Artes; 1, série 2a) p. 20.
132
dinâm ica social, liberando potenciais dem ocratizantes. N o en
tanto, os lim ites ideológicos e teóricos de sua divergência com
o pessim ism o da E scola de F rankfurt é que ela pensa o desen
volvim ento de tais potenciais em term os “evolucionistas” e não
num a perspectiva revolucionária. E m bora recorra a B enjam in e
E nzensberger, sua filiação teórica está m ais próxim a do funcio
nalism o do que do m arxism o.
Q uando se propõe a discutir um m odelo de análise dos
elem entos do processo de codificação da m ensagem , ela o faz
adotando um a classificação tipicam ente funcionalista. O pro
blem a da “angulação” no jornalism o —que coloca a dim ensão
ideológica da apreensão do real, sendo inseparável da questão da
luta de classe —, aparece decom posto em “nível g ru p ai” (em pre
sa jornalística), “nível m assa” (necessidade da grande indústria
levar em conta o consum o de m assa das inform ações) e o “nível
pessoal” (originalidade, estilo e talento pessoais na elaboração da
m ensagem ).
E ssa classificação e a outra definindo subcategorias da “an-
gulação” (inform ativa, interpretativa, opinativa, etc.) não ultra
passam o nível incipiente de um a racionalização em pirista e arbi
trária. O preço desse ecletism o é que o jornalism o, através de um
processo teoricam ente reducionista, vai perdendo sua especifici
dade e concreticidade histórica. Prim eiro, ele é tratado com o um
aspecto da indústria cultural, depois com o um a m odalidade de
“linguagem ” e, finalm ente, essa linguagem é considerada com o
um a gradação da linguagem com um . “Então é possível estudar a
cham ada com unicação indireta —diz Crem ilda —com o m ais um a
etapa dessas gradações naturais de se com unicar”.55
Podem os, de fato, dem onstrar que, ao nível lingüístico, o
jornalism o é “de certo m odo” um a extensão da linguagem co
tidiana e com um . A m bas são linguagens centradas na singulari
55 ídem , p. 107.
133
dade dos eventos e processos. A contece que, “de certo m odo”,
a filosofia é um a form a de religião; a arte, um a form a de m agia;
o cinem a, um a form a de teatro. Por isso m esm o a essência da
filosofia, da arte e do cinem a não pode ser entendida senão a
p artir de um a distinção crucial com a religião, a m agia e o teatro,
respectivam ente.
N o jornalism o tem os um a linguagem indiciai que envol
ve um a contiguidade diferente daquela que está na base da lin
guagem cotidiana. Se neste últim o caso tem os a m ediação da
linguagem e da cultura interiorizada no processo de apreensão
da im ediaticidade, no jornalism o tem os ainda mais duas ordens
de m ediação. C om o condicionante histórico-social do processo
tem os a integração da sociedade hum ana num único e dinâm ico
sistem a, ou m elhor, num a única e com plexa totalidade.
O desenvolvim ento capitalista integrou de m aneira irrever
sível a hum anidade, fazendo com que cada fenôm eno singular
esteja agora objetivam ente m ediado pelo todo. Isso quer dizer
que, atualm ente, qualquer acontecim ento, num a aldeia ou num
subúrbio é, potencialm ente, um evento m undial em term os ob
jetivos. Q uem duvidar disso que se lem bre do exem plo de Cher-
nobjl. Por outro lado, um a decisão do presidente dos Estados
U nidos pode transform ar qualquer aldeia ou subúrbio do plane
ta num am ontoado de cinzas.
A segunda ordem de m ediações constitui-se por um aspec
to dessas forças produtivas, que condensou o m undo na sua di
nâm ica unidade atual: os m eios de com unicação de m assa. Esse
aparato técnico e social perm ite transportar a dim ensão feno-
m ênica e singular dos acontecim entos, rom pendo barreiras de
tem po e espaço.
N a linguagem usual e cotidiana, o que se busca apreender
e com unicar são os fatos singulares vividos im ediata e coletiva
m ente. D e um m odo geral, ela gira em torno de acontecim en
134
tos próxim os no tem po e no espaço. Tem os aqui a m ediação
dos significados e da cultura com o conteúdos interiorizados na
subjetividade dos indivíduos. Em qualquer situação, a realidade
jam ais é percebida de m odo direto, com o algo natural\ à m argem
das m ediações histórico-sociais. M as através do jornalism o te
m os a reprodução dos acontecim entos a partir da reconstituição
fenom ênica e singular, com o algo que estivesse sendo im ediata
m ente vivido.
A m ediação, neste caso, não apenas está interiorizada subje
tivam ente por em issores e receptores, de form a sim ultânea, mas
se exterioriza em term os m ateriais, técnicos, sociais e lógicos
precisam ente para reproduzir a m ediaticidade do m undo, atra
vés das notícias com o algo im ediato. A linguagem jornalística,
no sentido am plo, que pode envolver quaisquer dos m odernos
m eios de com unicação de m assa, é estruturada para cum prir essa
tarefa. Eis a sua razão de ser e o horizonte histórico-social capaz
de explicar sua organização lógica e lingüística.
H á aqui, sem dúvida, um a espécie de “simulação”, mas não
um a farsa ou um a falácia inevitável. De qualquer modo, a ime-
diaticidade é sem pre um a espécie de “sim ulação”. O que aparece
na relação im ediata é o aspecto fenomênico e singular do real. À
m edida que o fenôm eno é apenas um a face do concreto, ele tanto
revela quanto esconde a essência. O singular, da m esm a forma,
não é mais do que um a das dim ensões do concreto, sendo um ele
m ento constituinte do universal e tam bém seu produto: não exis
te relação hum ana sem m ediações objetivas e subjetivas. Quando
indivíduos presenciam diretam ente um fato, a rigor, entre eles e
o fato está a totalidade da história hum ana já percorrida, as alter
nativas sociais que se abrem concretam ente para o futuro e, além
disso, as incertezas e opções individuais e sociais. Isso quer dizer
que o im ediato e o m ediato são duas faces de um a m esm a moeda,
m om entos inseparáveis de um a m esm a relação hum ana.
135
A relação interpessoal “direta” ou a percepção “im ediata”
da realidade não é m ais pura ou autêntica, quanto ao seu caráter
objetivo ou subjetivo, do que a relação m ediada externam ente
p o r aparatos técnicos, instituições e pessoas. H á, inclusive, uma
vantagem nessa exteriorização objetiva das m ediações produzi
das pelos m eios de com unicação de m assa: pela prim eira vez
nasce, coletivam ente, a consciência de que existem m ediações
fundam entais na relação aparentem ente im ediata dos indivíduos
com o m undo natural e social.
Pode-se, então colocar a questão da “autenticidade” ou
“inautenticidade” da apreensão da realidade do mundo, da co
m unicação e dos significados que ela produz e trafica. Que essa
questão seja colocada, num primeiro m om ento, em term os ingê
nuos, opondo a suposta autenticidade das relações tradicionais
(nas quais as m ediações estão basicamente interiorizadas) a um a
não m enos suposta inautenticidade das relações produzidas pelos
m eios de com unicação de massa, é um fato perfeitam ente com
preensível. Afinal, o dom ínio espiritual e a hegem onia ideológica
das classes dom inantes concretiza-se em aparatos técnicos, proce
dim entos socialmente identificados e pessoas que, sem qualquer
véu sagrado, exercem tais atividades. É natural que esses aparatos
surjam , à prim eira vista, com o intrinsecam ente m aus e alienantes,
pois é através deles que a alienação se torna visível.
N os m odernos m eios de com unicação vêm à tona o aspec
to persuasivo e psicológico da dom inação ideológica, que nas
sociedades pré-capitalistas estavam interiorizados e eram geral
m ente im perceptíveis. A postura de aberta desconfiança e disfar
çada hostilidade frente aos m eios de com unicação de m assa, tal
com o foi dom inante na E scola de Frankfurt, corresponde - no
plano intelectual - a um a reedição das lutas dos trabalhadores
contra a m aquinaria ao longo dos séculos X V II e XVIII. R epre
sentam , portanto, ao m esm o tempo, um a dim ensão saudável de
protesto e denúncia, e outra de conservadorism o.
136
Por outro lado, a tese de R ousseau sobre a origem da so
ciedade em term os de um “contrato social” - m esm o entendido
com o um pressuposto estritam ente lógico, com o ele advertiu no
Contrato S ocial —parece hoje bastante pueril para qualquer cida
dão m edianam ente intelectualizado. Isso ocorre pela evidência
do com plexo objetivo de m ediações que não apenas se interpõe
entre os indivíduos, mas constitui as prem issas da própria exis
tência individual.
D e qualquer modo, a singularidade reproduzida no jorna
lism o através do sistem a de transm issão e reprodução técnica
dos m eios de com unicação, não é a m esm a experim entada ou
percebida no âm bito da vivência pessoal. A exteriorização téc
nica e social da m ediação im plica um a racionalização e especi
ficação dos procedim entos, incluídos aí a linguagem jornalística
tanto no sentido am plo com o no sentido restrito, referente a
cada m eio em particular.
/
56 Idem, p. 109.
137
rente a um processo social de outra ordem . E la realiza a repro
dução e o transporte de um a singularidade com o algo prestes a
ser vivido diretam ente. Para tanto, ela está subordinada a norm as
e procedim entos técnicos que a distinguem da espontaneidade
y
57 Idem, p. 137.
58 Idem, p. 143.
59 Idem, p. 149.
138
a síntese da confusão feita pela autora: a essência do jornalismo in
dustrial seria a “angulação-massa”, que estaria em oposição à frase
racionalizada que busca a objetividade dos fatos noticiados.
Para C rem ilda, a m ensagem /consum o tende a absorver o
espaço dedicado à m ensagem -opinião, porque aquela se aproxi
m a m ais da m ensagem -tipo de indústria cultural. Se é verdade
que a m ensagem -consum o tende a se generalizar, ela não se opõe
à m ensagem -opinião, m as tão som ente em relação às opiniões
individuais que não se ajustam ao status quo. E tam pouco o jor
nalism o pode ser identificado integralm ente com o m ensagem -
consum o, em bora ele produza notícias enquanto m ercadorias e
sua estrutura de produção seja capitalista-industrial.
N em toda a m ensagem -consum o é jornalismo e nem a infor
m ação jornalística obedece, exclusivam ente, a critérios de consu
mo m ercantil. A necessidade da inform ação jornalística surgiu na
form a de um mercado consum idor de notícias, à m edida que, com a
em ergência do capitalismo, todas as necessidades sociais aparecem
com o m ercado consum idor e todos os valores de uso na form a de
mercadorias. Portanto, a relação do fenôm eno jornalístico com a
indústria cultural —definida esta segundo A dorno/H orkheim er —é
de unidade e contradição. Um a relação tensa, de m útua pertinên
cia em certos m om entos, mas de não identidade.
139
ciente, ou a ideia de que a objetividade possui um significado
inerente à sua positividade e autônom o em relação aos sujeitos.
E ssa últim a hipótese é m ais harm ônica em relação às tendências
positivistas e funcionalistas que são dom inantes no conjunto do
pensam ento burguês, sendo aquela que realm ente sustenta as tí
m idas e sofríveis teorizações em torno da ideologia do jornalis
m o objetivo. Os m anuais de jornalism o até adm item que não é
possível elim inar de todo a subjetividade do repórter, mas que
deve ser realizado um esforço para lim itá-la ao máximo. Isso
ocorre, na m edida em que a função ideológica do jornalism o
burguês é sim plesm ente reiterar o m ovim ento de reprodução
das relações capitalistas vigentes.
140
m o da interm ediação. M as o autor reconhece certas “vantagens
práticas” nas técnicas decorrentes do m ito da objetividade e im
parcialidade jornalística:
62 Idem, p. 25-26.
141
que um a técnica nascida da inspiração de um a teoria equivocada
tornou-se tão eficaz e im portante socialm ente?
A contece que, por trás dessa técnica, não existe apenas um a
visão equivocada que supõe a possibilidade de um conhecim en
to puram ente objetivo, m a, sobretudo, um processo histórico de
constituição de um a necessidade social qualitativam ente nova —
a necessidade da inform ação de caráter jornalístico. Um a nova
form a de conhecim ento social cristalizado no singular, que im
plica um a radical integração da totalidade social, um novo dina
m ism o e a atividade dos sujeitos individuais e particulares com o
constitutiva dessa totalidade. O desenvolvim ento das relações
m ercantis e a expansão do m odo de produção capitalista, que
estão na base desse processo histórico, colocam a necessidade de
um volum e de inform ações que corresponda a essa integração
universal dos indivíduos e dos grupos sociais.
Por outro lado, a natureza dessa inform ação não pode ser
arbitrária, pois deve corresponder ao dinam ism o que está asso
ciado a essa integração e, ao m esm o tem po, à contigw dade efetiva
criada pela integração da sociedade hum ana através de m edia
ções técnicas que rom pem as barreiras do tem po e do espaço. É
evidente que, historicam ente, esse tecido social que conduziu a
um a totalidade integrada e dinâm ica foi realizado em função da
m ercadoria, com o é igualm ente evidente que sua perm anência
independe da m ercadoria.
O desenvolvim ento capitalista im põe o surgim ento de um a
form a de conhecim ento social cristalizado no singular, recolo
cando num a qualidade inteiram ente nova a questão da relação
dos indivíduos com os fenôm enos que se propõem de m aneira
im ediata na experiência cotidiana. Essa form a de conhecim ento
se, po r um lado, possibilita a m anipulação externa dos aparatos
do processo de com unicação, por outro, encarna um a possibi
lidade duplam ente revolucionária: 1) a possibilidade da crítica
142
radical sobre essa m anipulação que se exteriorizou; 2) e o caráter
incom pleto que decorre da natureza essencial dessa m odalidade
de conhecim ento; por m ais que ela pressuponha e direcione um
determ inado ponto de vista político, ideológico, m oral e filosó
fico, o singular convida a subjetividade a integrá-lo num a tota
lidade m ais am pla dotada de sentido e valores. A essência, de
qualquer m odo, não é oferecida com o um a substância pronta,
ela adm ite um a certa pluralidade de desdobram entos de parte da
subjetividade.
A análise de N ilson Lage sobre o jornalism o não ultrapassa
os aspectos lingüísticos e lógicos do fenômeno. M as ela indica
a existência de um a tensão entre as determ inações ideológicas e
m anipulatórias do jornalism o e as potencialidades técnicas que
ele desperta, em consonância com as necessidades de inform ação
colocadas pela sociedade m oderna. N ão obstante, a contradição
fica apenas assinalada, já que ele não encontra um a síntese teóri
ca adequada, capaz de unir as am bigüidades e contradições numa
totalidade lógica abrangente. Lage procura livrar-se da tradição
de Frankfurt, que reduz a notícia à m ercadoria e o jornalism o
à m anipulação, evitando a apologia do individualism o artesanal
que norm alm ente está por trás das críticas da “esquerda” acadê
m ica. Tam pouco em barca na canoa do tecnicism o em pirista que
considera o jornalism o com o um a atividade neutra, im parcial e
capaz de revelar a autêntica “objetividade dos fatos” .
E verdade, com o diz N ilson Lage, que a com unicação
jornalística é, por definição, referencial, isto é, fala de algo no
m undo, exterior ao em issor, ao receptor e ao processo de com u
nicação em si. “Isto im põe o uso quase obrigatório da terceira pes
soa” .63 M as, resta saber por que m otivo a com unicação jornalísti
ca é “referencial”. Talvez essa indagação possa ser respondida se
relem brarm os que o jornalism o é, em certo sentido, um a espécie
63 LAGE, Nilson. L inguagem jornalística. Sào Paulo, Atica, 1985. (Série Princípios) p. 39.
143
de “ sim ulação” da im ediaticidade, já que a realidade distante é
reconstituída enquanto singularidade.
N as relações im ediatas da aldeia pré-capitalista a totalidade
restrita do m undo social envolvia de m odo significativo os indi
víduos que se com unicavam . Todos eram partes legitim am en
te integrantes da singularidade fenom ênica do real. O m esm o
ocorre, hoje, ao nível das relações pessoais diretas. N este caso, os
em issores e receptores são partícipes de um a m esm a dim ensão
da realidade, ou seja, da realidade im ediata. A personalização do
processo com unicativo, por isso, é um aspecto necessário dos
significados que vão sendo construídos. As em oções e os juí
zos de valor explicitam ente colocados pelos indivíduos que se
com unicam envolvem significados pertinentes ao m esm o nível
da realidade. N o jornalism o, porém , os interm ediários (inclusive
os jornalistas) não integram objetivam ente a m esm a ordem de
significados dos fenôm enos noticiados (reproduzidos artificial
m ente com o im ediaticidade) e assim transportados ao público.
A rigor, os interm ediários não são mais —fundam entalm ente —
indivíduos, mas classes e grupos sociais.
D e qualquer m odo, trata-se de coletividades, de m ediações
sociais, que produzem industrialm ente as inform ações jornalísti
cas. O repórter, o redator, o editor, etc., atuam com o m om entos
dessa coletividade industrial. Assim , a presença pessoal de cada
um na notícia deve, hum ildem ente, corresponder a esse distan
ciam ento efetivo da realidade que está sendo reproduzida. Por
tanto, a linguagem do jornalism o é “referencial” na m edida em
que ela fala de algo que, de fato, é concretam ente exterior tanto
ao em issor quanto ao receptor individualm ente considerados.
144
C apítulo VI
145
“Primeiro, porque bastará ler esse primeiro parágrafo para
que o leitor fique inteirado do acontecimento; segundo, por
que mesmo que não haja tempo de ler os restantes parágrafos
fica sempre fixado o essencial da informação no primeiro”3.
3 Idem, p. 20-1.
146
teoria, que vai apanhar o concreto pela sua reprodução lógica,
m as recom posto pela abstração e pelas técnicas adequadas num a
cristalização singular e fenom ênica plena de significação, para
então ser percebido com o experiência vivida.
C onform e Ricardo Cardet, a principal condição do jorna
lism o é a veracidade:
“Por isso, a principal condição da informação jornalística
não é nem a brevidade, nem a clareza, nem a simplicidade
da linguagem, mas sim a veracidade dos dados. A essência
de qualquer notícia é que o fato seja verdadeiro, mesmo que
esteja redigido com erros de ortografia”4.
4 Idem, p. 47.
147
por V ladim ir Hudec. A questão é colocada corretam ente: “qual
a essência do jornalism o, qual a lógica interna desse fenôm eno
social?”5 Em parte, diz H udec, a resposta pode ser dada através
da prática das redações, com base na experiência. “M as só a p es
quisa científica e a análise teórica das com plexas leis internas que
existem objetivam ente no jornalism o, com o em qualquer outro
fenôm eno social, é que determ inam a sua essência, funciona
m ento, origem histórica, desenvolvim ento e perspectivas, per
m item explicar todos os problem as na sua globalidade ”6 Este
seria o objeto, segundo o autor, da “teoria geral do jornalism o” .7
Inicialm ente os jornais traziam m ais inform ações sobre a
produção e os negócios do que sobre a vida política. “O ob
jetivo principal dessas com pilações de notícias publicadas pe
riodicam ente era o de auxiliar vastos círculos de produtores a
avaliarem corretam ente as tendências futuras da produção e os
com erciantes a venderem com êxito vários gêneros de m ercado
rias” .5 “O feudalism o foi incapaz de evitar o nascim ento, no seu
seio, das relações de produção capitalistas, m as só mais tarde,
quando o feudalism o já se tornara dem asiadam ente estreito para
as relações de produção capitalistas mais desenvolvidas, é que a
burguesia se lançou ao ataque no cam po político, num a tentativa
de gan h ar poder tam bém na vida política” .9
E perfeitam ente lógico que os prim eiros jornais tratassem ,
principalm ente, das questões m ercantis, a oferta e a procura de
produtos, preços, novas m ercadorias e possíveis m ercados. Isso,
não só em função das necessidades práticas evidentes em si m es
m as, m as tam bém porque as relações m ercantis que se expan
diam eram a form a elem entar da universalização e integração da
sociedade hum ana e dos indivíduos que a constituíam .
5 HUD EC, Vladimir. O que é o jornalism o. Iisb o a, Caminho, 1980. (Col. N osso Mundo).
6 Idem, p. 11-12.
7 Idem, p. 12.
8 Idem, p. 16-17.
9 Idem, p. 17.
148
D e fato, num a prim eira etapa, o m undo se am pliou prin
cipalm ente para os industriais e grandes negociantes. Foi para a
burguesia ascendente, em função de suas necessidades específi
cas, que se realizou objetivam ente um a globalização da existên
cia. N o entanto, as relações econôm icas são a base de relações
sociais em sentido amplo. Por isso, a globalização sociopolítica
da existência de todos os indivíduos seria um a decorrência na
tural do desenvolvim ento das relações m ercantis e capitalistas.
O jornalism o opinativo, de com bate político aberto, que
teve seu apogeu na prim eira m etade do século X IX —indicado
por H aberm as com o a segunda fase do jornalism o e a m ais sig
nificativa entre as três —é exatam ente o m om ento histórico no
qual vem à tona, de m odo m ais evidente, a dim ensão particular
do fenôm eno, isto é, seu caráter de classe. E claro que a teoria
não pode deixar de lado essa dim ensão, sob pena de não perce
ber ou não levar em conta a ideologia hegem ônica na atividade
jornalística desde o seu surgim ento. O erro, porém , é tom ar essa
fase com o a própria essência do jornalism o, tal com o fazem Ha
berm as e tantos outros seguidores.
A fase abertam ente política do jornalism o, quando ele foi,
sobretudo, um instrum ento direto de com bate ideológico e po
lítico contra o poder feudal, é a m enos representativa de sua
essência com o fenôm eno universal. A mais representativa é a
terceira fase que se consubstancia na especificidade do jornalis
mo m oderno a partir da m etade do século passado. N a verdade,
tanto a prim eira fase do jornalism o (notícias m ercantis) com o a
terceira (atual) expressam m ais plenam ente o conteúdo do con
ceito do que a segunda, que apenas indica com nitidez seu caráter
de classe, sua form a particular de existência no m odo de produ
ção capitalista, num dado m om ento histórico. Isso não significa
desprezar a necessidade política e ideológica de jornais (e outros
m eios) de explícito com bate antiburguês, com o instrum entos de
propaganda, denúncia, educação, form ação e organização.
149
Q uer dizer, veículos articulados estratégica ou taticam ente a
determ inados objetivos político-ideológicos ou teóricos (tal como
o foram os jornais burgueses na sua luta contra o feudalismo), que
se utilizem —em m aior ou m enor grau —de técnicas jornalísticas
propriam ente ditas. O que se pretende afirm ar, tão somente, é
que — numa perspectiva histórica m ais am pla, que ultrapassa o
próprio capitalism o —, não é o modelo do “jornalism o opinativo”
que deve suceder ou substituir o m oderno jornalism o burguês.
N a m edida das possibilidades concretas da esquerda revolucioná
ria e socialista, a luta deve ser travada, tam bém , no terreno desse
m oderno jornalism o, que não é abertam ente propagandístico ou
organizativo —assim com o não o são os grandes jornais burgueses
em período de relativa estabilidade política —, mas que patrocina
um a forma específica de conhecim ento da realidade social. Essa
batalha pode e deve ser travada dentro dos jornais e veículos sob
controle da burguesia, a partir do escasso, mas significativo espa
ço individual dos repórteres e redatores em relação às editorias, e
do espaço igualm ente im portante das redações no seu conjunto
frente a diretores e proprietários, ('.orno pode e deve tam bém ser
travada, especialm ente em m om entos de transição revolucionária,
m as não apenas nesses casos, em veículos de comunicação massi-
va sob o controle das forças operárias e populares.
Km qualquer caso, no entanto, é preciso, em prim eiro lu
gar, reconhecer que existe a possibilidade e a necessidade de
um jornalism o inform ativo m oderno, que não seja m eram ente
propagandístico ou form alm ente opinativo. Isto é, reconhecer a
possibilidade e a necessidade de um jorn a lism o inform ativo com ou
tro caráter de classe, elaborado a partir de outros pressupostos
ideológicos e teóricos, m as cuja m issão principal não seja apenas
a de propagandear tais pressupostos. Em segundo lugar, é pre
ciso saber fazê-lo, sendo que, para tanto, antes de m ais nada, é
im prescindível com preendê-lo do ponto de vista teórico.
150
As três fases e as três dimensões do fenômeno
10 Idem, p. 2 1.
151
pode nos levar ao equívoco de acreditar que sua autenticidade
está contida apenas na segunda fase, em virtude do papel politi
cam ente progressista que desem penhou.
N a verdade, as três fases da história do jornalism o nos per
m item captar três dim ensões do fenôm eno que com põem sua
essência, ou seja, sua universalidade e especificidade concreta.
A prim eira indica a com posição historicam ente particular
de relações econôm icas que colocariam , m ais tarde, a necessida
de universal de inform ações jornalísticas para toda a sociedade e
não m ais exclusivam ente para os burgueses.
A segunda dem onstra que, im plícita ou explicitam ente, o
jornalism o é tam bém um instrum ento utilizado segundo interes
ses de classe, um elem ento im portante da luta política.
A terceira fase supera as duas prim eiras em função de um a
necessidade social em ergente, a partir da segunda m etade do
século passado, tornando-se o jornalism o fundam entalm ente
inform ativo, sem anular suas características precedentes. As no
tícias não são m ais, predom inantem ente, sobre assuntos m er
cantis, m as elas próprias transform am -se em m ercadorias e, so
bretudo, valorizam com o m ercadoria o espaço publicitário dos
veículos nos quais a atividade jornalística se desenvolve.
O valor de uso das inform ações sobre os m ais variados as
pectos da vida social transform a-se em valor de troca em dois sen
tidos: com o coisa vendável em si m esma e, principalm ente, como
valorização do veículo para a divulgação puram ente mercantil. A
propaganda com ercial tem, em geral, pouco valor de uso. Por isso,
a eficiência da publicidade comercial está intim am ente ligada aos
valores de uso que a ela são associados, ou seja, o acesso efetivo
que o veículo proporciona à cultura em geral, à arte, ao lazer e,
especialm ente, às inform ações de caráter jornalístico.
N ão está em questão aqui a hegem onia ideológica (bur
guesa) dessa cultura, dessa arte, desse lazer e das inform ações
15 2
veiculadas, m as sim o fato de que correspondem a certas neces
sidades e form am a condição básica para que tenham eficácia
tanto a publicidade com ercial quanto o reforço ideológico que
se m anifesta através delas. Se não houvesse essas necessidades,
os donos de veículos jam ais investiriam , por exem plo, em toda
a infraestrutura necessária à inform ação. Um a dúzia de lacaios
ideológicos seria suficiente, em cada veículo, para m anipular a
alienação da m assa e torná-la receptiva à propaganda com ercial
e político-ideológica.
A separação feita pelos veículos de com unicação de m assa
entre a parte referente ao jornalism o, a parte referente à opinião
(editorial ou não) e aquela referente à publicidade, por si só, sim
boliza as três fases históricas do jornalism o e sua articulação na
nova totalidade que caracteriza o jornalism o inform ativo.
A própria ideologia do jornalism o burguês, que destaca a
m issão inform ativa com o prioritária em relação às outras duas,
dem onstra que esse m ito é necessário para a respeitabilidade do
veículo e, em conseqüência, para sua valorização publicitária. As
inform ações, obviam ente, não são puram ente objetivas, sequer
im parciais ou neutras. Mas é a necessidade universal e efetiva de
inform ações de natureza jornalística que condiciona a possibili
dade e a funcionalidade desse m ito, quando, a partir da segunda
m etade do século XIX, as relações sociais se globalizam e os
indivíduos de todos os recantos se tornam indivíduos inseridos
num a única Hum anidade.
A ideologia da objetividade e im parcialidade do jornalis
m o corresponde não ao fato ou possibilidade real da existência
desse tipo de inform ação, mas, ao contrário, ao fato de que as
necessidades sociais objetivas e universais de inform ação só po
dem ser supridas conform e um a visão de classe. É a carência
objetiva da sociedade com o um todo que fornece as bases para
o m ito ideológico de que o jornalism o pode vincular-se direta e
153
abstratam ente a essas necessidades gerais, segundo um interesse
político global da sociedade, que se revela com o m esquinho in
teresse da m anutenção da ordem burguesa. Ora, sabem os que,
num a sociedade dividida em classes, a universalidade sem pre se
m anifesta m ediada por interesses particulares.
11 Icíem, p. 22.
154
m ente ideológicos. O papel revolucionário da classe operária
está escrito em determ inadas leis férreas do desenvolvim ento
histórico. Essas leis são objeto da ciência. Portanto, a vanguarda
(real ou autodenom inada) política e científica vai interpretar tais
leis e definir a verdade dos fenôm enos conform e o contexto his
tórico pré-determ inado, fora da p rá x is e sem a participação real
das massas.
Em certo m om ento, H udec reconhece que o jornalism o
surgiu de um a necessidade social. “E sta resultaria de todo um
conjunto de fatores socioeconôm icos e assim o jornalism o pas
sou gradualm ente a fazer parte da vida social” 12. Porém , a par
tir de prem issas que com preendem o jornalism o exclusivam en
te pela sua função ideológica, com o necessidade da classe em
ascensão de estabelecer um a nova organização política da vida
social —sem perceber que se inaugura um a com plexidade e um a
dinâm ica de ordem superior nas relações sociais, que ultrapassa a
lógica m ercantil e capitalista —, o autor não consegue explicar de
que m aneira o jornalism o “passou a fazer parte da vida social”.
Se a jornalism o é apenas um instrum ento de afirm ação e
hegem onia burguesa, no socialism o será, tão som ente, “um in s
trum ento proletário” e, num a sociedade sem classes, não terá
razão de existir. Sua concreticidade, para H udec, está inevita
velm ente ligada aos interesses de classe que ele representa: “O
jornalism o não existe num a form a abstrata. É sem pre concreto,
ligado a um a certa classe social cujos interesses expressa, defen
de e apoia de um m odo m ais ou m enos preciso”13.
E ssa conclusão do autor pode ser entendida em dois níveis.
Se for tom ada no sentido de que o jornalism o é apenas um in s
trum ento da luta de classes, terem os com o conseqüência que ele
será estritam ente um epifenôm eno da ideologia. Seu estudo seria
12 Idem, p. 23.
13 Idem, p. 25-26.
155
um capítulo da discussão teórica sobre a ideologia, um a das for
m as de m anifestação e luta ideológica. N ão haveria possibilidade
de um a teoria do jorn a lism o propriam ente dita, já que ele teria de
ser explicado em função da luta de classes.
Se tom arm os a conclusão do autor no sentido de que o
fenôm eno do jornalism o está sem pre vinculado a determ inados
interesses de classe, em bora isso não esgote a sua essência, tere
m os um a afirm ação elem entar e óbvia. U m a assertiva que pode
ser aplicada para o problem a da ciência, da arte, da engenharia
m ecânica e da criação de galinhas. N um a sociedade dividida em
classes tudo está, de um a form a ou de outra, “de m odo m ais ou
m enos preciso”, vinculado a interesses de classe.
Entretanto, H udec não recua diante de conseqüências para
doxais que possam ser extraídas de suas teses e afirm a: “jornalis
m o é.um fenôm eno, próprio apenas da cultura m oderna, de tipo
expressam ente id eológico' }A(Grifo meu).
Q uando o autor fala do jornalism o socialista, aparecem
com m aior nitidez as conseqüências m anipulatórias de sua con
cepção teórica: “Q uanto ao jornalism o socialista, a visão cien
tífica do m undo que constitui sua espinha dorsal im prim e-lhe
a m arca da veracidade e do otim ism o histórico decorrentes do
objetivo realista e cientificam ente fundam entado de criar um a
sociedade sem classes” .15
E interessante verificar que a “veracidade” e o “otim ism o”
não decorrem de um a possibilidade contida nos próprios fatos, mas
de qualidades que são consideradas, aprioristicam ente, com o ine
rentes ao “objetivo realista e cientificam ente fundam entado de
criar um a sociedade sem classes”. Em outras palavras, os fatos
servirão somente para ilustrar com otim ism o um a espécie de vera
cidade que já foi estabelecida como prem issa ideológica e filosófi
14 Idem, p. 36.
15 Idem, p. 34.
156
ca. Essa perspectiva reduz os fatos ao significado fechado que, de
antemão, foi atribuído à totalidade histórica. D esse modo, os fatos
são apreendidos e relatados jornalisticam ente com o cenas de um
filme do qual já se conhece o final e, portanto, portadores de um
conteúdo integralm ente constituído e indiscutível.
Os fatos, por si m esm os, não encerram um significado ob
jetivo totalm ente independente do sujeito que os percebe e ela
bora com o m ensagem codificada, ou com pletam ente desligado
das concepções e ideologias sobre a totalidade histórica. N ão
obstante, tem os que adm itir que os m om entos de um processo
ou as partes de um todo são, efetivam ente, constituintes desse
processo e desse todo, em que pesem sejam igualm ente produto
da totalidade. Isso representa que, de algum modo, a dim ensão
objetiva dos fatos tem sem pre algo a dizer. E o que é mais im
portante, algo novo a dizer. Por exemplo, atribuir a um fracasso
econôm ico ou político o caráter de um a vitória —na m edida em
que as derrotas “sem pre nos ensinam algo” —, é um a evidente
m anipulação que despreza não só o bom senso com o as evidên
cias objetivas de fato. N o entanto, essa derrota econôm ica ou
política, no caso de um governo supostam ente socialista, pode
ser tratada sob dois enfoques ideológicos: com o insinuação de
que o socialism o é inevitavelm ente ineficiente ou inviável, ou
com o indicação de que é necessário m aior com petência ou no
vos rum os para a construção do socialismo.
Ao invés de reconhecer a singularidade dos fatos e a relati
va autonom ia de significado que eles expressam , com o configu
ração de possibilidades concretas em relação ao futuro, Hudec
prefere indicar previam ente um a classificação segundo um fu
turo pressuposto. “Tudo o que aponta para o futuro, isto é, os
rebentos do desenvolvim ento futuro, m erece a m aior atenção
entre todos os acontecim entos que ocorrem hoje” 16. A seleção
16 Jàem, p. 40.
157
dos fatos jornalísticos obedece exclusivam ente a um critério
exterior ao processo, a um critério estritam ente ideológico que
deve ser harm ônico “com a im portância objetiva da inform ação
decorrente das leis do desenvolvim ento social”17.
D e um lado, as “leis” do desenvolvim ento social parecem
ser puram ente objetivas e exatas, de outro, os fatos apenas ser
vem para confirm á-las. Cabe ao jornalism o socialista, confor
m e o autor, dem onstrar por interm édio dos fatos o curso geral
da história no sentido previsto. N ão há nenhum a abertura de
sentido ou questionam ento realm ente novo colocado pelos fatos
jornalísticos:
O “objetivism o” e o “cientificismo”
como renúncia da crítica
158
dências opostas ou diferentes da realidade. Portanto, cada fato
tom ado em sua singularidade e particularidade expressa a reali
dade em , pelo m enos, três níveis: 1) As possibilidades concretas
encarnadas pela totalidade histórico-social na qual o fato está
inserido. E um a escolha necessária entre os valores de tais pos
sibilidades. 2) A tendência específica da particularidade que este
fato expressa de m odo predom inante. 3) A contradição que, ne
cessariam ente, ele contém dentro de si, ainda que expresse um a
tendência dom inante da particularidade e seja reproduzido con
form e um a escolha ao nível da totalidade.
N o prim eiro nível, aceita a premissa de que existe mais de
um a possibilidade objetiva em relação ao futuro, apesar de tais
possibilidades não serem arbitrárias nem infinitas, coloca-se o pro
blem a da opção subjetiva ou, m ais especificam ente, da ideologia.
Em relação ao segundo e terceiro níveis, o processo de apre
ensão da realidade será, principalm ente, indutivo e não dedutivo.
Nestes dois níveis, os fatos terão de ser tratados, basicam ente, en
quanto objetividade, ouvindo e respeitando aquilo que eles têm a
dizer, o significado novo que eles inevitavelmente agregam à rea
lidade. Por exemplo: é possível relatar a derrota de um a determ i
nada luta pela reform a agrária, assum indo im plicitam ente a pers
pectiva dos camponeses e dos operários urbanos que lutam por
ela. M as não é possível nem desejável deixar de reconhecer que se
tratou de um a derrota (tendência específica da particularidade do
fato). A lém disso, é necessário reconhecer a contradição apanhada
em seu m ovim ento vivo, ou seja, que um a derrota jam ais é algo
absoluto (contradição inerente à singularidade).
E ssa contradição aparece porque, a partir das possibilida
des globais da totalidade indicada no prim eiro nível, sobrevive,
inevitavelm ente, um aspecto secundário, m as im portante: uma
cham a subordinada, mas real, que aponta no sentido oposto à
determ inação dom inante na particularidade. A ssim , tam bém as
159
vitórias jam ais poderão ser absolutas porque sem pre terão algo a
ensinar, um elem ento novo que não foi previsto.
H á um a diferença im portante entre a “ideologia da obje
tividade”, que vigo ra no jornalism o burguês, e a “ideologia do
jornalism o científico”, que H udec nos apresenta com o a alterna
tiva socialista. N a prim eira, os fatos devem falar por si m esm os,
contextualizados e hierarquizados subjetivam ente com base no
senso com um e na ideologia burguesa, para que sua apreensão
e reprodução jornalística atuem com o reforço da ordem e do
status quo positivam ente existentes. N a segunda, os fatos tam bém
devem “falar por si m esm os”, porém não m ais através das evi
dências percebidas pelo senso com um , m as com o um boneco
nas m ãos de um ventríloquo. Isto é, os fatos devem revelar aqui
lo que já está previsto pelas leis objetivas do desenvolvim ento
social, devem ilustrar essas leis em cada m om ento conjuntural.
N o prim eiro caso, a objetividade im ediata e alienada em
sua positividade sem pre vai reproduzir a ideologia burguesa que
a pressupõe. N o segundo, um a ideologia norm ativa, pretensa-
m ente científica, vai selecionar, m anipulatoriam ente, aqueles as
pectos e m om entos da im ediaticidade que confirm am a prem issa
ideológica estabelecida. Esta últim a concepção, que não ultra
passa a perspectiva “ funcional” da com unicação e do jornalism o,
encontra sua m elhor expressão teórica no conceito de A lthusser
sobre os “aparelhos ideológicos de E stado” , que seriam com o
correias ideológicas da reprodução social. Porém , tanto num a
com o noutra visão, perdem -se as m elhores potencialidades epis-
tem ológicas dessa form a de conhecim ento. Precisam ente aque
las potencialidades críticas e desalienadoras m ais específicas do
jornalism o.
160
C apítulo VII
1 HOHEM BERG, John. O jorna lista profissional. 4. ed. Rio de Janeiro, Interam eticana,
1981. p. 95.
161
m ente a particularidade e a universalidade sugeridas pela im edia
ticidade e reproduzidas pela ideologia dom inante. A ssim , a busca
da “especificidade” na atividade jornalística lim ita-se a um a re
ceita técnica de fundo m eram ente em pírico, um a regra operativa
que os jornalistas devem seguir sem saber o motivo, tornando-
-se presa fácil da ideologia burguesa e da fragm entação que ela
proporciona. A realidade transform a-se num agregado de fenô
m enos destituídos de nexos históricos e dialéticos. A totalidade
torna-se m era som a das partes; as relações sociais, um a relação
arbitrária entre atitudes individuais. O m undo é concebido com o
algo essencialm ente im utável e a sociedade burguesa com o algo
natural e eterno, cujas disfunções devem ser detectadas pela im
prensa e corrigidas pelas autoridades.
Até o presente, as tentativas de abordagem sobre o fenô
m eno jornalístico, com seus variados enfoques — funcionalista,
ideológico, econôm ico, sem iológico, etc. — não ultrapassaram
certos lim ites teóricos. U m a vez que o jornalism o inaugura h is
toricam ente um a nova possibilidade epistem ológica, um a teoria
capaz de abrangê-lo deve propor claram ente o problem a em sua
conexão com categorias filosóficas, situando os aspectos histó-
rico-sociais no contexto de um a reflexão de alcance ontológico
sobre o desenvolvim ento social.
No seu livro intitulado Introdução a um a estética m arxista, pla
nejado inicialm ente com o parte de um a obra m aior sobre estéti
ca, Lukács discute a natureza da arte, “a sua diferença em relação
ao reflexo científico da realidade objetiva e em relação ao reflexo
que se realiza na vid a cotidiana”.2 U m dos pressupostos funda
m entais da teoria lukacsiana sobre a arte é o de que “o reflexo
científico e o reflexo estético refletem a ?nesma realidade objeti
va” . E disso resulta, segundo o autor em questão, “que devem
2 LUKÁCS, Georg. Introdução a uma estética marxista/ Sobre a categoria de particularidade. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1968. (Col. Perspectiva do Homem; 33 - Série Estética) p. 1.
162
ser os m esm os não só os conteúdos refletidos, m as as próprias
categorias que os form am ” .3
As concepções de Lukács estão inseridas num a velha (e
ainda atual) polêm ica sobre a arte no interior do marxismo. Essa
discussão tem sua origem nos breves escritos de M arx e Engels
(principalm ente cartas) m anifestando opiniões ou preferências em
torno de obras de arte de seu tempo, especialmente da literatura.4
Plekanov, Lênin, Trótski, Adorno, Benjamin, Brecht, G oldm ann e
tantos outros, são alguns nom es significativos desse debate.
3 ídem y p. 3.
4 M ARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Sobre literatura e arte. 2. ed. São Paulo, G lobal, 1980.
(Col. Bases; 16).
163
objetividade, para a revelação do em si do objeto, esse é o m o
vim ento que a caracteriza. A arte funde sujeito e objeto no con
texto de um a totalidade particular, m as cujo conteúdo, em bora
não seja exaustivo, refere-se sem pre à totalidade m ais am pla da
existência histórica e ontológica dos hom ens e da sociedade.
A diferença da arte em relação à filosofia é que, ao fundir
sujeito e objeto num a reflexão única, a arte não dissolve a singu
laridade das figuras nos conceitos e nas categorias. A arte, como
o indicou o próprio Lukács, supera a im ediaticidade em pírica do
singular e a abstração generalizante do universal, conservando-os
subordinados na particularidade estética, quer dizer, no típico.
Assim , em bora cristalize sua representação no particular e
não no universal com o tendem a fazer as ciências e, de m aneira
evidente, a filosofia, ela se volta para “a m esm a realidade” da
filosofia - um a relação de totalidade entre sujeito e objeto —e
não para a realidade objetiva da ciência, que é só um a parte da
totalidade.
C ertam ente as lim itações da concepção estética de Lukács
são responsáveis pela dificuldade que ele sem pre teve em com
preender as vanguardas artísticas, na m edida em que seu m étodo
tende a subestim ar a autonom ia relativa do significado form al.
Por outro lado, a consideração epistem ológica do fenôm eno es
tético — considerado sem pre com o “um reflexo da realidade”,
em bora cristalizado no particular —tornou o m étodo crítico de
Lukács não apenas fecundo para analisar a grande arte do passa
do, com o para vislum brar a linha de continuidade no desenvol
vim ento artístico.
Em síntese, há um a tensão ohjetivista que p erpassa sua te
oria estética, a qual reduz a arte ao conhecim ento objetivo da
realidade h istó rico -so cial (que ela realm en te contém , em bora
não esgote o p ro b lem a da arte). A dim ensão subjetiva da arte,
com sua m argem de criação livre, na qual ela nada reflete de
16 4
objetivo, m as in stau ra um a realidade e um significado com ple
tam ente novos, não é contem plado pela concepção lukacsiana.
N esse sentido, a arte poderia ser pensada, talvez, a p artir da
catego ria filosófica de trabalho, e não apenas com o m odalidade
do conhecim ento.
165
ção à arte, pois esta envolve um a p rá x is, isto é, um a atividade de
m útua produção entre sujeito e objeto (o que im plica a noção
de trabalho, que é m ais abrangente), m as tam bém que a ideia de
“reflexo” é inadequada e parcial para indicar o próprio conheci
m ento em cujo processo o hom em se apropria subjetivam ente
da realidade.
As ciências naturais tendem para a objetividade, para a re
velação da coisa em si. N o entanto, jam ais poderão esgotá-la. A
condição para a revelação da objetividade é a atividade subjetiva,
a posição teleológica do sujeito e sua tendência a um a apropria
ção crescente do m undo. Mas a subjetividade, aqui, por um lado
é um pressuposto necessário (sob o ponto de vista ontológico
da práxis) e, por outro lado, é um resíduo decrescente (sob o ân
gulo epistem ológico), em bora seja inelim inável exatam ente por
ser um pressuposto.
As ciências sociais ou hum anas, por seu turno, constituem
um a revelação da objetividade na qual a subjetividade (ou a ideo
logia, dito de m odo m ais específico) que a pressupõe não se m a
nifesta com o um resíduo, mas com o um a dim ensão intrínseca à
teoria e que a constitui com o um conteúdo necessário e legítim o.
Aquilo que na objetividade natural aparece com o probabilidade,
na sociedade realiza-se com o liberdade. Por isso, a adesão a um a
ou outra possibilidade do real, da parte dos sujeitos que o inves
tigam , é tanto condição para que seja revelado o objeto com o
um aspecto constitutivo desse objeto.
A subjetividade ou a ideologia, portanto, deixam de ser um
resíduo decrescente para tornarem -se subjetividade objetivada ou,
se quiserm os, objetividade subjetivada. M as, de qualquer form a,
a dim ensão teleológica torna-se, além de condição fundante do
saber, tal com o nas ciências naturais, parte integrante da elabora
ção teórica das ciências sociais.
166
As mesmas categorias para uma nova problem ática
6 Idem, p. 159.
167
A s inform ações que circulam entre os indivíduos na com u
nicação cotidiana apresentam , norm alm ente, um a cristalização
que oscila entre a singularidade e a particularidade. A singulari
dade se m anifesta na atm osfera cultural de um a im ediaticidade
com partilhada, um a experiência vivida de m odo m ais ou m enos
direto.
A particularidade se propõe no contexto de um a atm os
fera subjetiva m ais abstrata no interior da cultura, a partir de
pressupostos universais geralm ente im plícitos, mas de qualquer
m odo naturalm ente constituídos na atividade social. Som ente o
aparecim ento histórico do jornalism o im plica um a m odalidade
de conhecim ento social que, a p artir de um m ovim ento lógico
oposto ao m ovim ento que anim a a ciência, constrói-se delibe
rada e conscientem ente na direção do singular. Como ponto de
cristalização que recolhe os m ovim entos, para si convergentes,
da particularidade e da universalidade.
No caso da arte, trata-se de um a singularidade arbitrária,
um ponto de partida no cam inho da criação estética, cujo ter
m o conclusivo coincide com a superação da singularidade pela
instauração do típico —o particular estético. Para o jornalism o, a
singularidade, além de não ser arbitrária é um ponto de chegada
que coincide com a superação do particular e do universal, que
sobrevivem enquanto significados no corpo da notícia e sob a
égide do singular. E nesse contexto que a seguinte afirm ação de
Lukács sobre a arte possui validade tam bém para o jornalism o:
“se um fenôm eno qualquer deve, enquanto fenôm eno, expressar
a essência que está em sua base, isto só é possível se se conserva
a singularidade” .7
Lukács dem onstra que foi H egel o prim eiro pensador a co
locar no centro da lógica a questão das relações entre a singu
laridade, a particularidade e a universalidade. H egel tom a com o
7 Idem, p. 164.
168
seu objeto de reflexão o processo da revolução burguesa com o
expressão da dialética histórica. O anríen régime tem pretensões
de ser universal, mas representa interesses particulares. A classe
revolucionária, a burguesia, o Terceiro Estado, que para H egel
constituem o verdadeiro universal, são reduzidos à particularida
de. A revolução burguesa é a solução desse im passe. H egel com
partilha daquilo que M arx ironizou com o “ilusões heróicas”: a
burguesia se pensa com o encarnação a-histórica da vontade uni
versal.8
A partir dessa “ilusão heróica”, o pensam ento idealista de
H egel vê-se induzido a m istificar as relações dialéticas, que ele
m esm o esclareceu, entre a singularidade, a particularidade e a
universalidade. Q uando procura “deduzir” logicam ente as ins
tituições particulares da Prússia da época, ou seja, a m onarquia
constitucional com todos os seus aspectos reacionários, ficam
evidenciados os lim ites idealistas da dialética hegeliana.
Em H egel, “o processo de determ inação é sem pre um ca
m inho que leva do universal ao particular”.9 Sua concepção en
volve um a dialética na qual, em bora sem pre em conexão com o
particular e o singular, o universal tem um a precedência lógica e
se torna, de fato, um pressuposto ontológico.
A dialética, por isso, aparece encerrada no interior do uni
versal com o se o particular e o singular fossem apenas níveis
degradados da universalidade e, nessa m edida, essencialm ente
direcionados por ela e vocacionados para a ela retornarem . Não
há verdadeira criação da essência, pois o desenvolvim ento é a
especificação e realização de um conteúdo pressuposto.
O avanço do pensam ento de H egel é ter com preendido a
interpenetração dialética e a identidade contraditória entre o sin
gular, o particular e o universal com o m om entos que constituem
8 Idem, p. 39-40.
9 Idem, p. 64.
169
a realidade objetiva e form am o concreto. Tais relações não são
entendidas apenas no sentido quantitativo, m as com o transfor
m ação e determ inação através das m ediações que estabelecem
entre si. São essas categorias, entendidas em suas relações, que
fornecem as bases fundam entais para a form ulação de um a teo
ria do jornalism o, desde que arrancadas do contexto m istificador
do sistem a hegeliano e inseridas num a concepção m aterialista
da práxis. É nessa direção que pode ser form ulada um a fecunda
teoria m arxista do jornalism o, capaz de dar conta dos diversos
aspectos im plicados no fenômeno.
Para o entendim ento correto da cristalização da inform a
ção jornalística no singular, é preciso estabelecer as relações des
se conceito com os dem ais que a ele estão indissoluvelm ente
ligados. Existe, com o já foi apontado pelas reflexões preceden
tes, um a relação dialética entre singularidade, particularidade e
universalidade, categorias lógicas que representam aspectos o b
jetivos da realidade.
Cada um desses conceitos é um a expressão das diferentes
dim ensões que com põem a realidade e, ao m esm o tempo, com
preende em si os dem ais. São form as de existência da natureza
e da sociedade que se contém reciprocam ente e se expressam
através dessas categorias e de suas relações lógicas.
N o universal,' estão contidos e dissolvidos os diversos fenô
m enos singulares e os grupos de fenôm enos particulares que o
constituem . N o singular., através da identidade real, estão p resen
tes o particular e o universal dos quais ele é parte integrante e ati
vam ente relacionada. O p a rticu la r é um ponto interm ediário entre
os extrem os, sendo tam bém um a realidade dinâm ica e efetiva.10
Podem os exem plificar isso da seguinte form a: em cada
hom em sin gu larm en te considerado estão presentes aspectos
10 GENRO FILHO, Adelmo. Questões sobre jornalism o e ideologia. /«: Jornal M Ra^ão.
Santa Maria, 22 out., 1977, p. 8.
170
universais do gênero hum ano que dão conta da sua identidade
com todos os dem ais; na id eia universal de gên ero hum ano, por
outro lado, estão presentes — com o se “disso lvid o s” — todos
os indivíduos singulares que o constituem ; o p articular, então,
pode ser a fam ília, um grup o , um a classe social ou a nação à
qual o indivíduo pertença. O p articular é m ais am plo que o sin
gular, m as não chega ao universal. Podem os dizer que ele m an
tém algo dos extrem os, m as fica situado lo gicam ente a m eio
cam inho entre eles.
N os fatos jornalísticos, com o em qualquer outro fenôm e
no, coexistem essas três dim ensões da realidade articuladas no
contexto de um a determ inada lógica. Tom em os o caso de uma
greve na região do ABC, em São Paulo. Ao ser transform ada em
notícia, em prim eiro plano e explicitam ente, serão considerados
aqueles fatos m ais específicos e determ inados do m ovim ento,
ou seja, os aspectos m ais singulares. Q uem , exatam ente, está em
greve, quais são as reivindicações, com o está sendo organizada a
paralisação, quem são os lideres, qual a reação dos em presários e
do governo, etc.; são algum as das perguntas im ediatas que terão
de ser respondidas. Mas a notícia da greve terá de ser elaborada
com o pertinente a um contexto político particular, levando em
conta a identidade de significado com outras greves ou fenô
m enos sociais relevantes. Será um acontecim ento que, de modo
m ais ou m enos preciso, terá de ser situado num a ou m ais “clas
ses” de eventos, segundo um a análise conjuntural que pode ser
consciente ou não.
N esse sentido, a particularidade do fato —em bora subor
dinada form alm ente ao singular, pois é ele que dá vida à notícia
—estará relativam ente explicitada. N o entanto, a universalidade
desse fato político, em que pese não seja explicitada, estará ne
cessariam ente presente enquanto conteúdo. Ou seja, com o pres
suposto que organizou a apreensão do fenôm eno e com o signifi
171
cado m ais geral da notícia, terem os um a determ inada concepção
sobre a sociedade, sobre a luta de classes e a história.
Portanto, tom ando essas relações com o prem issa teórica,
podem os afirm ar que o singular é a m atéria-prim a do jo rnalis
mo, a form a pela qual se cristalizam as inform ações ou, pelo
m enos, para onde tende essa cristalização e convergem as deter
m inações particulares e universais.
Assim , o critério jornalístico de um a inform ação está indis-
soluvelm ente ligada à reprodução de um evento pelo ângulo de
sua singularidade. M as o conteúdo da inform ação vai estar asso
ciado (contraditoriam ente) à particularidade e universalidade que
nele se propõem , ou m elhor, que são delineadas ou insinuadas
pela subjetividade do jornalista. O singular, então, é a form a do
jornalism o, a estrutura interna através da qual se cristaliza a sig
nificação trazida pelo particular e o universal que foram supera
dos. ( ) particular e o universal são negados em sua preponderância
ou autonom ia e m antidos com o o horizonte do conteúdo.
172
C apítulo VIII
Capitalismo e jornalismo:
convergências e divergências
1 RAN G EL, Eleazar Diaz. A notícia na Am érica Latina: mudanças de form a e conteúdo.
In: Comunicação <&Sociedade. São Paulo, Cortez/IM S, 1981 n° 5 p. 91.
173
número de leitores. A utilização dos avanços técnicos e o
aumento da circulação, que foi impulsionado com a baixa
do preço do exemplar, aumentaram sensivelmente os gas
tos. O próprio desenvolvimento do capitalismo mostrou a
solução através da publicidade. Os anunciantes se encarre
gariam de financiar os custos”.2
2 Idem, p. 92.
3 O que não significa que os jornais de opinião, de análises, form ação teórico-ideológica
ou de agitação e propaganda política não façam propriam ente jornalism o. Mas apenas que
eles se definem com i) tal pelo tratamento jornalístico dado às inform ações e nao pela
função política que pretendem cumprir.
4 RANGKL, Eleazar Diaz. Op. cit., p. 93.
5 MATTA, Fernando Reyes. E l concepto de noticia en A m érica Latina: valore dom inantes y
perspectivas de cambio. México, Instituto Latinoam ericano de Estúdios Transnaciona-
les, 1977 (Mimeo) p. 3.
17 4
im prensa latino-am ericana seguia seu estilo literário e opinativo.
A p artir dos anos trinta, com a presença m ercante do rádio, co
m eça a im por-se o conceito de notícia objetiva. Principalm ente
pela integração econôm ica, cultural e política crescente da A m é
rica Latina, o que se produzia era um a crescente dependência
inform ativa. E m 1920, a U nited P ress (hoje LTPI) conseguiu seu
prim eiro acordo com o diário L a P rensa de Buenos Aires.
A tonalidade nacionalista dos argum entos de Reyes M atta
deixa transparecer, no entanto, mais do que a sim ples constata
ção do fato histórico. E le pretende sugerir, ao que parece, que
teria ocorrido um a arbitrária im portação cultural e, através dela,
a ruptura de um a tradição que poderia (ou até deveria) ser pre
servada para sem pre, não fosse a dom inação im perialista. Na
verdade, o processo de expansão im perialista dos E stados U ni
dos e a conseqüente subordinação econôm ica, política e cultural
da A m érica L atina coincide, em linhas gerais, com o processo
de urbanização e industrialização dos países m ais adiantados do
continente. P ara esses países - entre os quais se inclui o B rasil -
a subordinação ao im perialism o correspondeu a um a form a de
integração no contexto m undial do capitalism o e da civilização
que ele patrocinou. Por isso, em função tam bém de condições
internas e n ão apenas externas, o “conceito objetivo de notícia”
acabaria se im pondo - ainda que m ais tarde - , po r derivar de
Por trás dessa recusa do “conceito objetivo de notícia”, que
orienta o fazer jornalístico contem porâneo, está a tese de que o
próprio jornalism o não passa de um epifenôm eno do capital.
Um exem plo que tipifica essa abordagem nos é dado, outra vez,
por M arcondes Filho:
175
zer que as mercadorias fluíssem mais rapidamente e as in
formações sobre exportações, importações e movimento
do capital chegassem mais depressa e mais diretamente aos
componentes do circuito comerciar'.6
176
espetáculos, nomeações, poesias, enigmas e discursos acadê
micos, misturam-se aí, de uma página a outra”.8
177
m ediações obscuras, longínquas e até m ísticas com seus con
textos particulares e com a totalidade histórico-social. Os sig
nificados sociais só se revelavam quando os fatos nasciam com
um a cruz na testa, m arcados pela autoridade dos acontecim en
tos econôm icos, expressam ente culturais ou datados e assinados
pelo poder espiritual ou tem poral.
Som ente m ais tarde, a partir da segunda m etade do século
X IX , é que as relações sociais vão im plantar um a nova dinâ
m ica na com plexa rede de determ inações entre os indivíduos e
a sociedade, condicionando um a série de obrigações e direitos
que tencionam no -sentido da igualdade form al como garantia da
desigualdade real.
10 SERRA, Antonio. O desvio nosso de cada dia: a representação do cotidiano num jornal
popular. Rio de Janeiro, Achiamé, 1980. p. 25.
178
a sociedade burguesa e se projetam com o exigência política re
volucionária, situada historicam ente na perspectiva da explicita
ção e autoprodução do gênero humano. E envolve, igualm ente,
aspectos particulares referentes à dom inação de classe, que situ
am a estrutura social com o politicam ente antagônica às próprias
possibilidades da totalidade. É o fenôm eno que Lukács chamou
de “centralidade ontológica do presente” .
A ssim , a universalidade referida aqui nada tem a ver com
a tese da “dem ocracia com o valor universal”, defendida pelos
eurocom unistas e outros que pretendem apenas reform ar as ins
tituições burguesas para transitar de m odo ordeiro e pacífico ao
reino do socialism o.11 As dim ensões concretas da cidadania bur
guesa que apontam para o futuro, no sentido da verdadeira igual
dade, estão assentadas nas relações de trabalho cada vez mais
socializadas e na própria igualdade form al. M as tanto um a como
a outra estão inseridas num a totalidade cujas relações sociais são
de exploração e opressão da grande m aioria da sociedade pelos
detentores do capital.
A necessidade do jornalism o inform ativo envolve, portan
to, essa contradição entre a cidadania real e, digam os, a “cidada
nia potencial” que é constituída pelo capitalism o. A cidadania
burguesa im plica um a situação prática e efetiva de universalidade
dos indivíduos. U m a universalidade que, em graus variáveis, vai
atingir a todos. M as essa cidadania está com prom etida com a
desigualdade econôm ica, social e política. O jornalism o infor
m ativo encarna essa am bivalência, cuja explicação está na rela
ção dialética entre a particularidade e universalidade do próprio
m odo de produção capitalista.
Por um lado, o jornalism o vem suprir necessidades profun
das dos indivíduos e da sociedade que, teoricam ente, indcpen
11 Ver: GENRO FILHO, Adelmo. A dem ocracia como valor operário e popular: ivsp< mia
a Carlos N elson Coutinho. In: Kevista E ncontros com a Civilização Brasiüra. Rio de ji uu ih »,
Civilização Brasileira, 1979. n. 17.
I7*>
dem das relações m ercantis e capitalistas, em bora tenham sido
necessidades nascidas de tais relações e determ inadas por elas.
N ão se trata, então, de carências m eram ente subjetivas ou ideo
lógicas dos indivíduos que, através do jornalism o, teriam refor
çada sua “condição im aginária” de cidadania. Por outro lado, em
virtude do caráter de classe da sociedade burguesa, o jornalism o
cum pre um a tarefa que corresponde aos interesses de reprodu
ção objetiva e subjetiva da ordem social.
N esse sentido, o jornalism o desem penha seu papel ideo
lógico de reforçar tam bém determ inadas condições im aginárias de
cidadania, preparando os indivíduos e as classes para a adesão
ao sistem a. Isso ocorre, tanto através da produção de um conhe
cim ento que coincide com a percepção positivista que em ana
espontaneam ente das relações reificadas do capitalism o, com o
pela reprodução e am pliação dessa percepção, a fim de garantir
que a universalidade conquistada pelo capital continue sob a égi
de particular dos interesses capitalistas.
E essa contradição que form a a base histórica para que o
jornalism o seja um fenôm eno am bivalente, já que esse confli
to atravessa a lógica jornalística. E esse fenôm eno que autoriza
pensar num jornalism o inform ativo feito sob um a ótica de classe
oposta e antagônica à ótica burguesa, assim com o abre brechas
para certas posturas críticas à ordem burguesa nos veículos con
trolados pelas classes dom inantes. Esse últim o aspecto depende,
não apenas da capacidade teórica e técnica do jornalism o, da
sua ideologia e talento, m as tam bém de um a dupla relação de
forças: a luta política interna na redação e a luta mais am pla - e
fundam ental - pela influência e o controle sobre os m eios de co
m unicação. São batalhas que se travam nas redações e sindicatos
das categorias, m as basicam ente fazendo com que o m ovim ento
operário e popular assim ile e adote bandeiras políticas vincula
das a essa questão.
180
A notícia como produto industrial
12 1>AGK, Nilson. Ideologia e técnica da noticia. Petrópolis, Vozes, 1979. p. 33 —Alguns autores
defendem a tese de que os antecedentes do jornalismo podem ser encontrados desde a
antiguidade, na Grécia, Roma e antigo Egito. Ver: QU1ROS, Eelipe Torroba Berlando
de. \m información y elperiodism o. 2. ed. Buenos Aires, Editora Universitária, 1969, p. 26
- O utros acreditam que o jornalism o iniciou na pré-história: “D esde hace mucho tiempo el
hombre ejerce elpenodism o sin saberlo. I ms inscripciones e incisiones mágicas de la plástica prehistórica
(en las cuevas de A ltamira, verbigraáa) son signos, es decir tienen un significado p a ra la comuni-
cación humana. In: M UJICA, Hector, Em império de la noticia. —Caracas, Ediciones de la
Biblioteca de la Universidad Central de Venezuela, 1967. p. 11. (Coleccion Avande; 15);
—E há aqueles que recuam ainda mais, retrocedendo na própria escala zoológica, para
encontrar os primórdios do jornalism o: “Aos animais inferiores não faltava uma espécie
de comunicação, que tinha certa sem elhança com a notícia. O cacarejo da galinha é
com preendido pelos pintos com o sinal de perigo ou alimento e os pintos lhes respon
dem ” . Ver: PARK, Robert E. A notícia como forma de conhecimento: um capítulo da
sociologia do conhecimento. In: STEINBERG, Charles S. (org.). M eios de comunicação de
M assa, Sao Paulo, Cultrix, 2. ed., p. 181.
181
tensões refletem contradições de classe ou de cultura. Pro
vavelmente uma boa razão para o descrédito contemporâ
neo de uma teoria da notícia se encontre no caráter coledvo,
industrial, da produção desse bem simbólico”.13
182
/
E bastante com um a crítica liberal de que o jornalism o
m oderno está alicerçado num a estéril “im pessoalidade”, pois o
em issor nào se apresenta com o um indivíduo em carne e osso,
com nom e e endereço. E sse tipo de crítica situa-se num a lar
ga tradição de crítica do capitalism o industrial, seja quanto aos
objetos m ateriais de consum o com o em relação aos produtos
culturais e artísticos. Sua fonte ideológica é, no que diz respeito
aos consum idores, aristocrática.
J á vim os com o a E scola de Frankfurt acaba defendendo
um a posição elitista em term os culturais. Podemos observar
tam bém certos segm entos burgueses que cultuam um a tradição
aristocrática com o elem ento de diferenciação dentro das pró
prias classes dom inantes, valorizando m óveis ou objetos orna
m entais “feitos à m ão” e, por isso, “originais” . Porém , no que
diz respeito aos produtores diretos, essa crítica da “despersona-
lização” da atividade jornalística possui outra fonte ideológica:
ela expressa o saudosism o dos artesãos e pequenos-burgueses
que perderam sua identidade ao longo do processo que os sub
jugou ao capital com o trabalhadores assalariados. O corre que o
jornalista, atualm ente, deixou de ser um “intelectual” no sentido
adjetivo dessa palavra, tornado-se alguém que —salvo exceções
—é apenas um “trabalhador intelectual” (no sentido substantivo)
especializado. As velhas gerações de jornalistas, principalm ente,
não se conform am com essa perda de status in telectual.14
A crítica da “despersonalização” do jornalism o inform ati
vo dem onstra, apenas, que a essência da questão não foi sequer
tocada por tais análises e, conduz, geralm ente, a um a apologia,
aberta ou velada, do jornalism o do passado, quando a subjetivi
14 A ideia de que o jornalism o é um gênero literário está presente em vários livros, ensaios e
artigos. Ver: OLINTO, Antonio .Jornalism o e ! iteratura. Rio de Janeiro, Edições de Ouro,
s. d. I.IM A, Alceu Amoroso. ( ) jornalism o como gênero literário. 2. ed. Rio de Janeiro,
Agir, 1969. (Col. Ensaios; 8); NEPOM UCENO, Eric. Literatura e jornalism o: uma guer
ra que nào acaba nunca. In: Leia. Joruês out. 1986. n. 96.
183
dade e as idiossincrasias dos redatores eram o aspecto dom inan
te na notícia. Os fatos singulares que, supostam ente, estavam
sendo inform ados, precisavam ser procurados com o a um pe
queno pássaro verde num a floresta exuberante, entre adjetivos,
m etáforas, paráfrases, anacolutos e literatices diversas.
O problem a central é que, assim com o os produtos in
dustriais não são m ais confeccionados pelo m odesto artesão e
suas ferram entas individuais, mas coletivam ente num a linha de
m ontagem , a inform ação jornalística m anifesta - predom inante
m ente —um a percepção de classe ou grupo social. O talento, a
capacidade técnica e a visão ideológica pessoal de cada jornalista
são im portantes, com o já foi acentuado, e poderão até prestigiá-
-lo diante de seus colegas e do público, não tanto com o criador,
m as principalm ente com o intérprete de um a percepção social da
realidade, que ele vai reproduzir e alargar.
Enfim, o aspecto estético, ou essencialm ente criador —
quando se trata de jornalism o - , em bora tenha seu espaço g a
rantido em qualquer atividade do espírito (m esm o na aridez da
ciência), será sem pre subordinado ao processo de conhecim ento
cristalizado no singular. Isso quer dizer que os aspectos lógicos
subjacentes à apreensão do real através do singular-signijicante se
rão predom inantes na atividade jornalística tom ada em seu con
junto.
184
mo, por seu turno, foi tratado com o um dos aspectos da “indús
tria cultural” e desprezado com o fenôm eno distinto. E m conse
qüência, o pressuposto da cultura com o m anipulação e, além disto,
a falta de especificidade no tratam ento do fenôm eno jornalístico
im pediram um a abordagem capaz de transcender a m era crítica
do jornalism o com o reprodução da ideologia burguesa.
Portanto, resgatar W alter Benjam in —em bora ele não tenha
avançado na questão particular do jornalism o15—é tom ar um outro
caminho. Permite iniciar um a crítica a determ inados pressupostos
que im pedem a com preensão teórica do problema. Benjam in per
cebe as enorm es potencialidades culturais e estéticas que nascem
com a reprodutibilidade técnica, ao m esmo tempo que se dissolve
a “aura” das obras de arte, que estaria ligada à ideia do “original” e
teria suas origens longínquas na magia. Ele reconhece, no terreno
cultural e estético, as inovações tecnológicas como parte de uma
práx is que ultrapassa a m anipulação de classe a que presentem ente
servem tais instrum entos, ou seja, enquanto criação histórica de
possibilidades culturais socialistas e comunistas.
Fortem ente influenciado por Benjam in, H ans-M agnus En-
zensberger indica as potencialidades político-revolucionárias dos
m eios eletrônicos de com unicação, confrontando igualm ente
com a tradição de Frankfurt. Para E nzensberger os meios de
com unicação não podem ser considerados com o sim ples instru
m entos de consum o ou m anipulação. “ Em princípio, sem pre são
ao m esm o tem po m eios de produção. E um a vez encontrando-
-se nas m ãos das m assas, são m eios de produção socializados”.16
185
E le nota um a função dos m eios que ultrapassa as necessidades
estritas de reprodução do capital:
“Os meios eletrônicos nào devem seu irresistível poder a
nenhum artifício ardiloso, mas à força elementar de profun
das necessidades sociais, que se manifestam mesmo na atual
forma depravada de tais meios”.17
17 Wm, p. 95-96.
18 N o caso de Benjam in, a tese que nos parece inaceitável é a ideia da dissolução da arte nas
m anifestações culturais coletivas e a previsão do desaparecim ento do autor individual;
no caso Enzensberger, além das citadas, a profecia de que a escrita tornar-se-á uma
“técnica secundária” e que, além disso, cada um poderá ser um “m anipulador” direto
dos meios de comunicação.
186
O surgim ento do jornalism o pode ser situado no contexto
desse m odelo dialético. N ão se trata de um fenôm eno eterno,
dotado de um a essência apriorística ligada ao conceito m etafí
sico do hom em , mas tão som ente de um fenôm eno histórico
que ultrapassa a base social im ediata que o constitui, a saber, o
capitalism o. A essência do hom em é, ela tam bém , um processo
e não um a substância inerte. O u, o que significa a m esm a coisa,
a substância essencial do ser hum ano é precisam ente o processo
—seu processo de autoconstrução.
A ciência, tal com o era concebida, ou seja, um ram o especu
lativo da filosofia, foi superada pela ciência m oderna, baseada na
experim entação e sujeita a determ inados preceitos lógicos e sis
tem áticos. Esse tipo de ciência, um dia poderá vir a ser superada
por outra form a de saber que consiga, talvez, um a reintegração
com a filosofia em novas bases, fazendo da ciência contem porâ
nea um m om ento subordinado desse novo patam ar do conheci
mento. N ão im porta, neste caso, qual seja o futuro, m as apenas
assinalar que ele será diferente do passado e do presente. E que
o jornalism o, algum dia, poderá tam bém vir a ser radicalm ente
transform ado. Mas o que estam os procurando acentuar é que o
jornalism o não desaparecerá com o fim do capitalism o e que,
ao contrário, ele está apenas com eçando a insinuar suas im ensas
possibilidades e potencialidades histórico-sociais no processo de
autoconstrução hum ana.
Com o form a histórica de percepção e conhecim ento ele
está no fim do com eço, não no com eço do fim. N outras pala
vras, no entardecer do capitalism o, em que estam os adentrando,
o jornalism o recém está chegando à sua juventude.
187
m as um “potencial desalienador” insubstituível para a constru
ção de um a sociedade sem classes. Ele perm ite, pela natureza
m esm a do conhecim ento que produz, um a im prescindível p arti
cipação subjetiva no processo de significação do ser social.
N o capitalism o, as singularidades em que se m anifestam os
fenôm enos sociais tendem , pela interpenetração e a dinâm ica de
tais m anifestações, a expressar cada vez com mais vigor e evi
dência as contradições fundam entais da sociedade. Além disso,
existem contradições (em bora não antagônicas) entre a ideologia
pequeno-burguesa dos setores assalariados ligados ao trabalho
intelectual, com o os jornalistas, e os interesses políticos do capi
tal m onopolista, reproduzindo visões diferenciadas e percepções
críticas dos fenôm enos sociais. Finalm ente, em virtude do agu-
çam ento das contradições globais do m odo de produção capita
lista, das lutas econôm icas que surgem espontaneam ente e das
lutas políticas prom ovidas conscientem ente pelas vanguardas,
aum enta a capacidade crítica das m assas em geral e do proleta
riado em particular. Isso proporciona um a possibilidade m aior
de apreensão das conexões que o jornalism o burguês procura
obscurecer ou distorcer.
Em conseqüência dos fatores apontados acim a, a tendência
do jornalism o hegem onizado pelos interesses da burguesia m o
nopolista é a instituição crescente de form as planejadas e delibe
radam ente m anipulatórias.
Por sua lógica intrínseca de perseguir o singular e expressar sua
significação imediata, o jornalismo ao refletir a hegemonia da ideo
logia dominante, expressa também as contradições com as quais ela
se debate, à medida que é obrigado a respeitar certa hierarquia obje
tiva dos fenômenos. O u seja, enquanto se aprofundam as contradi
ções do capitalismo, o jornalismo tende a refletir espontaneamente
aspectos críticos da própria objetividade que reproduz. A solução é
o controle mais estrito e ideologicamente mais cuidadoso dos meios
de comunicação e das informações elaboradas.
188
Em síntese, o caráter objetivo das contradições que se avo
lum am no capitalism o, lança sem entes de crise na própria “ob
jetividade burguesa” do jornalism o, reforçando a necessidade da
m anipulação. Aliás, a utilização da inform ática, cada vez mais
intensa, am plia essas possibilidades de controle e hierarquização
do processo inform ativo.
A inform ação jornalística, vale insistir, e a base técnica para
sua produção (im prensa, rádio e TV) nasceram no bojo do m es
m o processo de desenvolvim ento das relações m ercantis. Sur
giu, então, o jornalism o com o um a form a social de percepção e
apropriação da realidade, correspondendo a um aspecto deter
m inado da p rá x is hum ana.
O corre que o objeto da apropriação prática dos homens
é, cada vez mais, a totalidade do m undo social e natural. Cada
indivíduo exerce sua atividade não apenas sobre um a parcela
dessa realidade, mas sobre a totalidade, através das m ediações
objetivas e subjetivas que se constituem com o avanço das forças
produtivas e a socialização da produção.
Portanto, cada indivíduo, em algum a m edida, precisa apro
xim ar-se dessa realidade através de um a relação tanto m ediata
com o im ediata. Sabem os que o “im ediato” que ele percebe pelos
m eios de com unicação não é, realm ente, algo dado im ediatam en
te, mas um a realidade elaborada sistem aticam ente em função de
certas técnicas e segundo um ponto de vista ideológico. Trata-se,
portanto, do resultado do processo de apreensão e elaboração
feito por interm ediários. M as sabem os, do m esm o modo, que
o “im ediato” que ele vê com seus próprios olhos —quer dizer,
que ele percebe diretam ente pelos sentidos —a rigor, tam pouco
é um a realidade sem m ediações.
Entre o sujeito individual e o objeto p erm eia todo um
m undo histórico —o cérebro dos m ortos oprim e o cérebro dos
vivos, com o disse M arx —, a cultura, os conhecim entos e concei
189
tos acum ulados e a própria ideologia. A ssim , todo o im ediato é
tam bém m ediato, com o todo o m ediato, no final da cadeia de
percepções, é apreendido com o im ediato em relação às m edia
ções precedentes e subsequentes.
O que diferencia um do outro, relativamente, é o grau de
generalidade cristalizada na form ulação que vai subsidiar o conhe
cimento, conform e a predom inância do singular, do particular ou
do universal. A lém disso, há que se considerar tam bém a natureza
das mediações: se são apenas aquelas introjetadas através da cul
tura (como na percepção individual direta) ou se existem objetiva
m ente enquanto instrum entos, atividade social e m étodo atuantes
na m ediação (tal com o ocorre no jornalism o). Neste últim o caso,
o problem a da linguagem torna-se crucial para a com preensão e a
caracterização da form a de conhecimento, já que ela vai expressar
a organização racional das m ediações em seu conjunto.
O processo de m ediação inerente ao conhecim ento jor
nalístico, que envolve instrum entos adequados a um a atividade
social organizada, exige um a linguagem que otim ize a predom i
nância da singularidade. A “funcionalidade” da linguagem jorna
lística, a que se referem certos autores, pode ser explicada funda
m entalm ente tom ando por critério essa exigência.
E verdade que a linguagem jornalística deve ser pertinente
tanto ao “registro fo rm al” com o ao “registro coloquial”19, bus
cando ao m esm o tem po obter o m áxim o de inform ação em m e
nor espaço, através de um estilo conciso, claro e preciso. M as o
que oferece sentido a essas exigências e estabelece um a lógica
entre elas é a natureza do conhecim ento que o jornalism o p ro
duz. A final, a concisão, a clareza e a precisão são im portantes em
m uitas outras form as de com unicação e não só no jornalism o.
A densidade inform ativa tam bém é exigida em outras form as de
19. LAGE, Nilson. L inguagem jornalística. São Paulo, Atica, 1985. p. 38.
190
com unicação. Um relatório eficiente ou um a ata bem elaborada
não podem dispensar nenhum a das qualidades referidas acima.
N o jornalism o não se pode dizer, por exem plo, que “a bur
guesia procura reprim ir as greves porque elas am eaçam a repro
dução am pliada do capital”, afirm ação que poderia caber num
ensaio de ciências sociais. D ir-se-á algo como:
191
sim plesm ente um exem plar do gênero de “atos cruéis” já sobe
jam ente conhecidos. A ssim , não perm ito que o próprio evento
contribua com sua singularidade para com plexificar, acrescentar
ou negar, com sua determ inação irrepetível, a com preensão par
ticular e universal que o público tem da crueldade. Perde-se a
fecundidade do singular com o dim ensão legítim a e criadora da
realidade e do conhecim ento.
192
C apítulo IX
O segredo da pirâmide
ou a essência do jornalismo
193
reconheça a im possibilidade de realizá-la plenam ente. E sta ob
jetividade estaria situada num plano relativista, a partir de um
distanciam ento crítico dos interesses e enfoques parciais.
D iz M arcondes Filho que
“[...]uma objetividade possível (enquanto meta) só pode
ria ser conseguida, ainda concordando com Cavalla, com a
busca da informação como aquela que evita a denúncia de
sofismas, instrumentos de persuasão ocultos, afirmações in-
justificadamente peremptórias; que difunde outras interpre
tações dos fatos diferentes dos dominantes, a fim de mos
trar o caráter meramente parcial e hipotético dos mesmos;
que declara explicitamente o caráter questionável da própria
escolha e da própria valoração”.2
19 4
Isso quer dizer que há certa m argem de arbítrio da subjeti
vidade e da ideologia, em bora lim itada objetivam ente. A objetivi
dade oferece um a m ultidão infinita de aspectos, nuances, dim en
sões e com binações possíveis para serem selecionadas. A lém
disso, a significação dos fenôm enos é algo que, constantem ente,
vai se produzindo pela dialética dos objetos em si m esm os quan
to da relação sujeito-objeto.
C) m aterial do qual os fatos são constituídos é objetivo, pois
existe independente do sujeito. O conceito de fato, porém , im
plica a percepção social dessa objetividade, ou seja, na significa
ção dessa objetividade pelos sujeitos, Essa prem issa m aterialista
pode ser desdobrada dialeticam ente em determ inadas teses que
são im portantes para a discussão do jornalism o:
3 KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 2. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p. 44.
195
“totalidade em processo de totalização”, autoprodução
perm anente e eterna.
c) N o caso da realidade histórico-social há outra questão:
os sujeitos hum anos, com sua m argem de arbítrio sobre
o curso dos fenômenos, participam conscientem ente na
indeterm inação objetiva do universo, à m edida m esm o
que podem determ iná-lo subjetivamente. Desse modo, o
conhecim ento “científico” da sociedade contém, intrinse-
cam ente, a subjetividade como dim ensão inseparável do
objeto e da teoria que busca apreendê-lo. Isso significa
que o conhecim ento sobre a realidade histórico-social é
sempre com prom etido politicam ente, pois ele se configu
ra solidário com certas possibilidades do real e adversário
de outras. Se o conhecimento das ciências naturais ten
de a expressar a objetividade, em bora jamais consiga ser
exaustivo, o conhecim ento da sociedade converge para o
m om ento de m útua criação entre a objetividade e a subje
tividade, tendo a práx is com o seu verdadeiro critério. Pelo
conhecim ento da práx is, a objetividade pode ser revela
da em seu movimento, como tendências e possibilidades
concretas. A subjetividade, então, reconhece-se a si m esm a
e toma consciência das suas lim itações e potencialidades.
d) A relação sujeito-objeto é um a relação na qual o sujeito
não só produz o seu objeto com o tam bém é produzido
por ele. A o se produzir livrem ente nos lim ites da obje
tividade, ele produz a própria objetividade do mundo.
Ou seja, o hom em não só escolhe o seu destino ao atuar
objetivam ente sobre o m undo, m as tam bém transform a
o m undo à m edida que escolhe seu destino, pois ele m es
m o —corpo e espírito —é parcela desse mundo.
e) Os fa tos jorn alísticos são um recorte no fluxo contínuo,
um a parte que, em certa m edida, é separada arbitraria-
196
m ente do todo. N essa m edida, é inevitável que os fatos
sejam , em si m esm os, um a escolha. M as, para evitar o
subjetivism o e o relativism o, é im portante agregar que
essa escolha está delim itada pela m atéria objetiva, ou
seja, por um a substância histórica e socialm ente cons
tituída, independentem ente dos enfoques subjetivos e
ideológicos em jogo. A verdade, assim , é um processo de
revelação e constituição dessa substância. Vejam os um
exem plo extrem o: ocorreu um fato que envolve Pedro e
João, no qual o últim o resultou m ortalm ente ferido por
um tiro disparado pelo primeiro. Posso interpretar que
Pedro “m atou”, “assassinou” ou “tirou a vida de Jo ão ”.
Ou, ainda, que Pedro apenas executou, sob coação, um
crim e prem editado por terceiros. N ão posso esconder,
entretanto, que Pedro atirou contra Jo ão e que este resul
tou morto.
197
“A ideologia do evento expressa, na realidade, um feixe ide
ológico peculiar. Em primeiro lugar, tal ideologia propõe
uma divisão da história extremamente rígida e previsível sob
um véu de flexibilidade e inesperabilidade. A rigidez, e a pre
visibilidade se originam de uma suposição única: a história
humana se constitui por uma sucessão de ‘fatos’ que são
uma alteração do estado anterior”.4
4 NEVES, Luiz Baeta. Prim eira página: descoberto o m ito do jornalism o objetivo. In:
Revista de Cultura \ 'o^es. Petrópolis, Vozes, 1980. LXXIV, p. 16.
198
m odelo.5 N esse período, essa técnica se espalhou gradativam en-
te, tendo chegado no Brasil exatam ente em 1950, pela iniciadva
do jornalista Pom peu de Sousa.6
A lguns aceitam a tese de que a “pirâm ide invertida” surgiu
por um a deficiência técnica7, um acaso que contem plou, ao m es
mo tem po, o com odism o dos leitores e o interesse dos jornais
em suprim ir os parágrafos finais quando chegava um anúncio de
últim a hora.
M ais adiante, o autor com plem enta que o leitor, assim , in-
form a-se brevem ente e não pergunta pelas circunstâncias dos fa
tos. E ssa nova estrutura da notícia não foi planejada para cham ar
199
o leitor à reflexão, mas apenas "para informá-lo superficialmen
te, para adormecê-lo, fazê-lo indiferente e evitar que pense”9.
Deixemos de lado o simplismo da tese segundo a qual a "pi
râmide invertida” teria nascido de uma circunstância tecnológica
e se generalizado por comodismo ou para impedir a consciência
crítica dos leitores. Vejamos um comentário crítico pertinente,
lembrado pelo próprio Diaz Rangel:
“De todos, o mais importante é aquele que diz que essa
maneira de estruturar a notícia cria uma tendência a uni
formizar os primeiros parágrafos, os kads, e desestimula a
criatividade, e iniciativa dos repórteres”.1"
Sem dúvida, esse problema existe. Mas ele decorre muito
mais da perspectiva empirista patrocinada pela “pirâmide inver
tida” e o k a d —o que leva a maioria dos redatores a pensar que se
deve sempre responder monótona e mecanicamente as famosas
“seis perguntas” no primeiro parágrafo —do que realmente pela
apreensão singularizada do fato, na qual o lead seria apenas a ex
pressão mais aguda e sintética.
A ideia da “pirâm ide invertida” pretende encarnar uma teo
ria da notícia mas, de fato, não consegue. Ela é apenas uma hipó
tese racional de operação, uma descrição empírica da média dos
casos, conduzindo, po r esse motivo, a uma redação padronizada
e não à lógica da exposição jornalística e à compreensão da epis-
temologia do processo. Somente uma visão realmente teórica do
jornalismo pode, ao mesmo tempo que oferecer critérios para a
operação redacional, não constranger as possibilidades criativas
mas, ao contrário, potencializá-las e orientá-las no sentido da efi
cácia jornalística d a comunicação.
De fato, o lea d , como momento agudo, síntese evocati
va da singularidade, norm alm ente deverá estar localizado no
9 Idem, p. 104.
10 Idem, p. 106.
200
começo da notícia. Porém, nada impede que ele esteja no se
gundo ou até no últim o parágrafo, como dem onstram certos
redatores criativos.
A tese da “pirâmide invertida” quer ilustrar que a notícia
caminha do “mais im portante” para o “menos importante”. Há
algo de verdadeiro nisso. Do ponto de vista meramente descri
tivo, o lead, enquanto apreensão sintética da singularidade ou
núcleo singular da informação, encarna realmente o momento
jornalístico mais importante. Não obstante, sob o ângulo epistemológico
—que é ofundam ental —a pirâm ide invertida deve ser revertida, quer di^er,
recolocada com os p és na terra. N esse sentido, a noticia caminha não do
m ais importante p a ra o menos importante (ou vice-versa), m as do singular
para o particular; do cume pa ra a base. O segredo da pirâmide é que
ela está invertida, quando deveria estar como as pirâmides secu
lares do velho Egito: em pé, assentada sobre sua base natural.
Podemos considerar, para efeito de uma demonstração grá
fica, que o triângulo equilátero fornece o modelo da estrutura
epistemológica da menor unidade de informação jornalística: a
notícia diária (Figura A). Tomaremos essa figura como referência
para indicar suas variações. A igualdade dos três ângulos indica
um equilíbrio entre a singularidade do fato, a particularidade que
o contextualiza e, com base nessa relação, uma certa racionalidade
intrínseca que estabelece seu significado universal. Essa raciona
lidade pode ser contraditória com a positividade do social, se for
elaborada numa perspectiva crítico-revolucionária, ou funcional
em relação a essa positividade, o que definirá seu caráter conserva
dor. Sempre que um fato se torna notícia jornalística, ele é apreen
dido pelo ângulo da sua singularidade, mas abrindo um determi
nado leque de relações que formam o seu contexto particular. E,
na totalidade dessas relações que se reproduzem os pressupostos
ontológicos e ideológicos que direcionaram sua apreensão.
O que o triângulo equilátero quer representar, portanto,
não é o conteúdo ideológico da notícia, como se a estrutura jor
201
nalística que ele pretende indicar coincidisse, necessariam ente,
seja com a “notícia funcional” ao sistem a, seja com a “notícia
crítica” em relação a ele. U m a notícia diária, considerada confor
m e a natureza do veículo e a m aneira com o se insere no sistem a
jorn alísticon, pode atingir certo equilíbrio entre a singularidade e
particularidade —obtendo um certo nível de eficácia jornalística
— independentem ente do seu conteúdo ideológico. Aqui entra
em jogo não apenas o problem a de um a linguagem adequada,
mas, principalm ente, o enfoque epistem ológico que vai presidir
essa linguagem e perm itir sua eficácia. Há um grau m ínim o de
conhecim ento objetivo que deve ser proporcionado pela signifi
cação do singular (pelo singular-significante), que exige um m ínim o
de contextualização do particular, p ara que a notícia se realize
efetivam ente com o form a de conhecim ento. A partir dessa re
lação m inim am ente harm ônica entre o singular e o particular,
a notícia p oderá — dependendo de sua abordagem ideológica —
tornar-se uma apreensão crítica da realidade.
Falseando essa necessidade estrutural elem entar, o sensa-
cionalism o é, inevitavelm ente, conservador e até profundam ente
reacionário, m esm o quando se tenta instrum entalizá-lo com in
tenções dem ocráticas ou socialistas12. Porém , m esm o quando a
notícia atinge essa relativa harm onia entre o singular e o particu
lar (representada pelo triângulo equilátero), ela pode ainda situ
ar-se na perspectiva da ideologia dom inante, como é o caso da
m aioria das notícias produzidas pelos jornais “sérios” da grande
im prensa. Mas há um a tendência histórica subjacente à “lógica
jornalística” —lem brem os que ela é fruto dos interesses b urgue
ses e tam bém de “necessidades sociais profundas” —no sentido
11 Essa noção é usada aqui precisam ente no sentido sugerido pela cibernética, para acen
tuar a interdependência e a funcionalidade dos veículos que o constituem em cada m o
mento histórico considerado.
12 O semanário Hora do Povo (e a própria degeneraçào política-ideológica do grupo que
se expressava através dele) constitui um exem plo eloqüente do fracasso dessa “tática” .
GENRO FILHO, Adelmo, et ai. H ora do Povo: um a vertente para o fascismo. Sao Paulo,
Brasil Debates, 1981.
202
de um conflito potencial com a m era reprodução ideológica das
relações vigentes.13
A partir dessa referência (puram ente convencional e conve
niente) ao triângulo equilátero com o padrão estrutural da notícia
diária, é possível sugerir duas variações. Prim eiro, um triângulo
isósceles com a base m enor que os lados (Figura B), represen
tando a notícia sensacionalista, ou seja, excessivam ente singula-
rizada. D epois, o caso oposto: um triângulo isósceles com a base
m aior que os lados, representando a abertura de um ângulo de
generalização m aior do singular ao particular (Figura C). Aqui,
terem os um a abertura que será inversam ente proporcional tanto
ao público quanto ao ciclo de reprodução da m atéria. Um jornal
sem anal (ou um program a jornalístico na TV de igual periodici
dade) não deverá elaborar suas notícias e inform ações na estru
tura do triângulo equilátero.
O contexto de particularização que vai atribuir o próprio
significado ao singular ou, noutras palavras, que vai construir o fa to
jorn alístico, deverá ser m ais am plo e rico em conexões. Um jornal
m ensal terá de abrir ainda m ais esse ângulo de contextualização e
generalização, aum entando, portanto, a base do triângulo (Figura
D). Seguindo o cam inho dessa representação, podem os ilustrar
graficam ente com o os pressupostos ontológicos e ideológicos
que orientaram a apreensão e construção do fato jornalístico,
geralm ente de m odo espontâneo e não consciente, são sugeridos
e projetados através da notícia (Figura E).
203
REPRESENTAÇÃO DA ESTOUTURA DA NOTÍCIA
Figura A
x
Figura C
x
1;igura D
x
Figura
\ x’ /
\ /
\ /
\ /
\ ✓
\ /
20 4
A necessidade do lead como epicentro do singular
205
experiência individual. As formulações genéricas são incapazes
de reproduzir essa experiência.
O caráter pontual do leady sintetizando algumas inform a
ções básicas quase sempre no início da notícia, visa à reprodu
ção do fenômeno em sua manifestação empírica, fornecendo
um epicentro para a percepção do conjunto. E por esse motivo
que o lead tom a a notícia mais comunicativa e mais interessante,
pois otimiza a figuração singularizada da reprodução jornalísti
ca. Eventualmente, como foi dito, esse momento mais agudo da
síntese pode estar localizado no segundo parágrafo, no meio ou
mesmo no fim da notícia, obtendo-se efeito semelhante.
De qualquer modo; a reprodução jornalística não pode de
compor analiticamente um evento a ponto de destruir sua forma
de manifestação. E no corpo mesmo do fenômeno que a notícia
insinua o conteúdo, sugere uma universalidade através da sig
nificação que estabelece para o singular no contexto do parti
cular. Na face do singular, através da mediação do particular, o
universal se mostra num claro-escuro, como indícios, sugestões
e pálidas imagens, que constituem a herança deixada pelos pres
supostos filosóficos e ideológicos que presidiram a apreensão e
reprodução do fenômeno. De fato, essa conexão com a particu
laridade é fundamental para a definição do conteúdo.
O jornal sensacionalista, por exemplo, singulariza os fatos
ao extremo. Esse singular, no entanto, não fica destituído de sua
significação já que, de maneira subjacente, ele envolve um con
texto de particularidade e uma sugestão universal. A singularida
de extrema pressupõe e reforça as categorias do próprio senso
comum, quer dizer, a predominância da ideologia burguesa. A
percepção do mundo como um agregado de coisas e eventos
independentes, do livre-arbítrio metafísico como pressuposto
das ações individuais, da “norm a” e o “desvio” como padrões
éticos de referência, a concepção mística do acaso e do destino,
as ideias de “ordem ” e “perturbações” como categorias da aná
206
lise social, a impressão de naturalidade e eternidade das relações
sociais vigentes, tudo isso já está contido no senso comum e
é reproduzido e reforçado pela radicalização do singular. Não
apenas enquanto omissão, mas como presença real — embora
subjacente —no tecido da singularidade extrema.
Não é por acaso que esse tipo de jornalismo recebe o nome
de sensacionalista. Se a informação jornalística reproduz as con
dições de uma “experiência im ediata”, as sensações têm um im
portante papel nessa forma de conhecimento. Aliás, o que o jor
nalismo busca é uma forma de conhecimento que não dissolva a
“sensação da experiência im ediata”, mas que se expresse através
dela. Porém, na singularização extrema, isto é, no sensacionalis-
mo, ocorre uma distorção do concreto através dos seus aspectos
sensíveis no contexto da percepção e da apropriação subjetiva.
A sensação assume um papel destacado na reprodução da reali
dade e o fundamento histórico e dialético do fenômeno, ao invés
de ser sugerido, é diluído na superfície do sensível.
A singularidade transforma-se no conteúdo que, dessa for
ma, afirma a reprodução, o mundo como algo dado. Ao propor
a singularidade radical, ou seja, o aspecto sensível do fenômeno
como conteúdo, a universalidade que se reforça é a mesma sub
jacente ao senso comum, que vê o mundo preponderantemen
te como positividade. A singularização extrema, em si mesma,
possui um conteúdo conservador. Além disso, os jornais sen
sacionalistas geralmente produzem um discurso de reforço dos
valores, como meio para excitar não apenas as sensações como
também os preconceitos morais do público.
207
rada com o um a “notícia grande” ou m atéria que exige investiga
ção m ais dem orada, sem considerações de ordem epistem ológica
capazes de esclarecer sua essência com o m odalidade jornalística.
N ilson Lage classifica reportagem com o investigação (que
parte de um fato para revelar outros que estão ocultos, um perfil
ou situação de interesse); interpretação, em que um conjunto de
fatos é analisado na perspectiva m etodológica de um a ciência,
especialm ente sociológica e econôm ica (seria pertinente acres
centar “antropológica” ao enfoque de Lage); ou literária, que por
tais m étodos, busca revelar algo essencial de m odo que não seja
teórico-científico.15
Porém , o essencial na reportagem , e que estabelece um
nexo entre aqueles aspectos apontados por N ilson Lage, é que a
particularidade (enquanto categoria epistem ológica) assum e um a
relativa autonom ia ao invés de ser apenas um contexto de signi
ficação do singular. E la própria busca sua significação na tota
lidade da m atéria jornalística, concorrendo com a singularidade
do fenôm eno que aborda e dos fatos que o configuram . Essa
s
208
não só num a totalidade estética com o igualm ente num a totalida
de sintético-analítica, que tanto pode propiciar um nível de apre
ensão teórico-científica propriam ente dita, com o sim plesm ente
intuitiva. N o caso da apreensão teórico-científica, po r exemplo,
teríam os a reportagem já referida sobre a m ortalidade infantil,
utilizando m étodos ou categorias das ciências sociais. No caso
de um a apreensão intuitiva teríam os um a reportagem contando
com o nasceu o “Plano C ruzado”, por exemplo, desde sua con
cepção, passando pelos corredores da Fundação G etúlio Vargas
e chegando num certo café da m anhã do Presidente da Repú
blica onde teria sido tom ada a decisão. A reportagem não nega
a preponderância da singularidade no jornalism o em geral, mas
im plica um gênero no qual se eleva do singular um a particulari
dade relativam ente autônom a que coexiste com ele.
A questão das relações entre o jornalism o e a literatura ou,
mais am plam ente, entre o jornalism o e a arte sem pre gerou di
vergências. O problem a não é saber se o jornalism o envolve ou
pode envolver a literatura e a arte —o que parece ser consenso —,
mas se ele é ou não um gên ero artístico ou literário. A rigor, qualquer
atividade hum ana (inclusive as m ais prosaicas) torna-se grande
quando condim entada pelo talento artístico. A arte penetra as
ciências e a filosofia, a tecnologia e a religião. Com o jornalism o
não poderia ser diferente. Portanto, não é o caso de perguntar se
o talento literário ou artístico pode contribuir para o exercício da
atividade jornalística.
O fato do jornal im presso estar ligado historicam ente à ex
pansão da literatura, a interpenetração entre um e outro (através
dos folhetins e da participação dos escritores nos jornais), a m ú
tua influência entre as técnicas jornalísticas e literárias, tudo isso
criou um a confusão que ainda persiste.
U m escritor pode fazer um a notícia ou um a reportagem
excepcional, se dom inar a lógica jornalística. U m jornalista com
209
petente é capaz de fazer um a boa notícia ou um a reportagem in
teressante, m esm o sem talento artístico. O aspecto decisivo, no
entanto, é que nem o jornalista será capaz de escrever um bom
rom ance se não tiver talento literário, nem o escritor poderá fa
zer um a boa reportagem se desconhecer as técnicas jornalísticas.
O “novo jornalism o” que apareceu nos Estados U nidos
na década de 60 trouxe elem entos literários da novela norte-
-am ericana: H em ingway, Faulkner, Steinbeck, Joh n dos Passos
e outros. Seus criadores foram jornalistas que se consideravam
novelistas frustrados ou então “escritores de futuro” . Segundo
Tom Wolfe, eles passavam dias inteiros, sem anas, com as pessoas
sobre as quais estavam escrevendo. Pretendiam reunir todo o
m aterial que pudesse interessar a um jornalista e, ainda, ir mais
adiante. Q ueriam estar presentes durante os acontecim entos, em
intim idade com os fatos, para captar diálogos, expressões faciais
e outros detalhes do am biente. Além de fornecer um a descrição
objetiva com pleta, pretendiam oferecer algo que os leitores en
contravam apenas na literatura: um a vivência subjetiva e em ocio
nal junto aos personagens.16
Com o se pode notar pelo depoim ento de Tom Wolfe, o
“novo jornalism o” recorreu às form as literárias para obter um
reforço da reportagem , para dizer algo que não estava sendo dito
pelas form as usuais do jornalism o e que, por tais form as, seria
quase im possível dizê-lo. O p a rticu la r estético —ou o típico —per
m itia, então, a percepção de certos aspectos que o sim ples relato
jornalístico cristalizado n a singularidade não com portava.
Porém , m esm o nesse gênero de reportagem que delibera
dam ente se socorreu da literatura, o típico não funciona com o
categoria preponderante, em bora ele seja alcançado nos m e
lhores casos. O recurso literário, aqui, é um instrum ento para a
dram atização do acontecim ento e a revelação m ais explícita —e
210
não apenas insinuada ou pressuposta — do conteúdo universal
do fenôm eno reproduzido. Se a preponderância do singular, no
jornalism o, perm ite ao redator da notícia diluir-se no público,
dissim ular-se entre os espectadores, a conquista do típico pela
reportagem literária conduz o espectador a vivenciar os perso
nagens e as situações com o se fosse partícipe do acontecim ento.
Contudo, de m aneira ainda m ais evidente do que na arte, ele não
deixa de ser um espectador, pois sabe que os fatos são reais e que
ele não os viveu, em bora pudesse tê-los vivido.
N a arte, ao contrário, ele pode vivenciar a “realidade” dos
fatos, personagens e situações com o se fosse m esm o um parti
cipante, já que essa realidade não é m ais do que um “sonho” do
autor, que ele tam bém pode sonhar. Sua participação, portanto,
é tão “verdadeira” quanto a própria história relatada.
Esse efeito da arte tradicional, segundo Brecht, é capaz de
produzir um a catarse no espectador ao invés de conscientizá-lo, o
que deveria ser superado pela arte revolucionária. Sem discutir o
m érito mais geral dessa tese de Brecht, pode-se dizer que o “novo
jornalism o” ou o jornalism o literário, que se situa na região fron
teiriça entre a arte e o jornalism o, consegue (talvez sem o saber)
um resultado sem elhante ao “distanciam ento brechtiano”. Aliás,
não é por acaso que as obras dessa fase de Brecht utilizam -se de
certas técnicas do jornalism o m oderno. A indiscutível eficácia re
volucionária de tais obras e, igualm ente, do jornalism o literário
realizado com o talento que o gênero exige deve-se, sobretudo,
ao fato de que despertam um a percepção da realidade que sin
tetiza —de m aneira equilibrada —aspectos lógicos e emocionais.
O espectador sente-se com o participante e testem unha de fatos
reais. Porém, depois do m estre, a “arte brechtiana”, na m aioria das
vezes, se transform ou num a caricatura insípida.
Q uanto ao jornalism o literário, as boas exceções confir
m am a regra: não vale a pena substituir um bom jornalism o por
21 1
m á literatura. Sem dúvida, trata-se de um gênero muito difícil,
pois exige uma superposição do talento literário e de apuradas
técnicas de investigação e redação jornalística, uma vez que o
resultado deve articular harmonicamente os efeitos estéticos e
jornalísticos, sem que um supere o outro. Logo, não se trata de
um caminho que possa ser generalizado como substitutivo da
arte ou do jornalismo, pois ele se constitui precisamente na difí
cil confluência de dois gêneros relativamente autônomos.
2 12
C apítulo X
Jornalismo e Comunismo:
considerações finais
1 COHN, Gabriel. O meio é a mensagem: análise de McLuhan. ln\ COHN, Gabriel, org.
Comunicação e indústria cultural. São Paulo, Companhia Editora Nacional/Editora da Uni
versidade de São Paulo. 1971.
2 EINKFXSTEIN, Sidney. Mcl^uham a filosofia da insensatez. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1969, p. 35.
213
história, mas tecnologias da comunicação que travam entre si
batalhas épicas. Além do mais, os sentidos humanos não estão
associados historicamente ao processo global da atividade hu
mana (Marx), mas as tecnologias específicas que surgem nesse
processo.
Certamente os meios de comunicação não podem ser con
siderados apenas como extensão dos sentidos, nem os sentidos
humanos apenas como uma função dos meios, pois isso im pli
caria um reducionismo inadmissível tanto de um como de outro.
No entanto, em bora os meios de comunicação não travem
as batalhas devastadoras imaginadas por McLuhan, eles cons
tituem um sistema (a exemplo do que ocorre com os sentidos
humanos), no qual se pode falar da predominância de um sobre
os demais. Atualmente, a televisão é o veículo predominante e
hegemônico não apenas no sistema formado pelos meios de co
municação, tal como sugere McLuhan, mas igualmente no sistema
jornalístico alicerçado nesses meios.
O jornalismo, aqui tratado como modalidade social do co
nhecimento, aparece com os meios de comunicação da era in
dustrial, com base na imprensa. Mais tarde, ela vai originar os
modernos diários impressos. Porém, essa identificação do jo rn a
lismo com a imprensa e o jornal é apenas de caráter histórico. A
produção social do conhecimento jornalístico não está incorpo
rada fixamente a um único ou principal veículo. C) jornal impres
so, notadamente o moderno diário, é o veículo que tipifica ini
cialmente o jornalismo, o suporte técnico originário no qual ele
adquire suas características essenciais. À medida que vão surgin
do outros veículos adequados ao jornalismo, vai se configurando
uma totalidade articulada e em constante desenvolvimento, na
qual cada veículo vai ocupando um determinado papel. Assim,
com a televisão hegemonizando o sistema jornalístico, o jornal e o
rádio tendem a um a reacomodação buscando suas novas fun
214
ções, cada vez mais adequadas aos seus potenciais específicos no
terreno do jornalismo.
“A força (assim como a possível e eventual fraqueza) da te
levisão - dizem Carlos Alberto M. Pereira e Ricardo Mi
randa —parece estar diretamente vinculada a seu constante
registro do imediato, a sua atualidade. A informação a partir
da qual a televisão constrói o material a ser utilizado está
voltada para o cotidiano, para o dia a dia”.
E acrescentam: “A TV tem, assim, um ritmo marcadamen-
te jornalístico —e mais, de um jornalismo que dispensa o texto
escrito .
Exatamente pela sua capacidade de reprodução do mediato
no espaço como imediato, de maneira rápida ou até instantânea,
o que determina seu “ritmo marcadamente jornalístico” e sua
potencialidade de singularização, a televisão é o meio hegemô
nico do sistema jornalístico. Quando um veículo é desbancado de
sua hegemonia, como ocorreu com o jornal pelo rádio e, depois,
ambos pela TV, ele parece que vai tornar-se supérfluo ou redun
dante, o que em determinados aspectos é verdadeiro. Depois,
vai definindo melhor sua função no contexto do sistema, apro
veitando melhor suas características, tanto aquelas que poderiam
ser indicadas como suas “vantagens” ou como suas “limitações” .
No entanto, o papel exato que o rádio e o jornal estão assumindo
no atual sistema jornalístico hegemonizado pela TV —e que pode
rão assumir no futuro —é um assunto que exigiria não apenas
uma reflexão teórica, mas uma investigação empírica.
Com o desenvolvimento das forças produtivas materiais e
espirituais —e não apenas pelo desenvolvimento dos meios de
comunicação —há uma alteração histórica dos sentidos huma
nos, uma ampliação e um aprofundamento da percepção e das
possibilidades do conhecimento em geral. O jornalismo, nesse
3 PEREIRA, Carlos Alberto M. & MIRANDA, Ricardo. Televisão: as imagens e os sons/No ar; o
Brasil. Sào Paulo, Brasiliense, 1983. (Série O Nacional e o popular na Cultura Brasileira) - 23.
215
sentido, é a cristalização de um a nova m odalidade de percepção
e conhecim ento social da realidade através da sua reprodução
p elo ângulo da singularidade. Essa reprodução é um processo
que tem um a base histórica objetiva e subjetiva. A ssim , aquilo
que, em si m esm o, constituía um a singularidade há alguns anos,
com o um transplante cardíaco, por exem plo, hoje não é mais.
Para torná-lo notícia, será preciso descobrir alguns aspectos que
diferenciam esse transplante dos outros. Por outro lado, um sim
ples acidente de autom óvel, sem vítim as, poderia ter interesse
jornalístico no início do século quando estavam sendo fabri
cados os prim eiros veículos. Hoje, no entanto, em geral valerá
com o um evento estatístico e não em si m esm o.
Além disso, o que pode ser singular para um a com unidade
especializada (cientistas, por exem plo), talvez signifiquem um a
abstração genérica, aborrecida e im penetrável para os leigos. O
im portante a ser assinalado aqui é que a relação entre o singu
lar, o particular e o universal não só é dialética intrinsecam ente,
com o está sujeita, tam bém , a um a dialética histórica e social que
será o quadro da referência da prim eira.
216
“A informação jornalística se caracteriza por quatro elemen
tos: novidade, concisão, comunicabilidade e não relaciona
mento das informações isoladas. Em si, ela é contrária à for
mação da experiência, pois esta se constitui pela correlação
e elaboração de dados diversos, obtidos na trajetória entre
um estado de carência, que faz com que se constitua um
desejo ou um anelo, e a realização —ou não —dessa meta”.5
5 KOTHE, Flávio R. Para k r Benjamin. Rio de janeiro, Francisco Alves, 1976, p. 84.
217
V
218
denador. Para a mentalidade fragmentada, a fragmentação
noticiosa cai como uma luva”/1
2 19
igualm ente com o coisas. A sociedade passa a ser percebida com o
pura positividade e factualidade, com o um objeto natural.
Portanto, quando se pretende afirm ar que o jornalism o,
através da “fragm entação noticiosa”, produz necessariam ente
inform ações reificadas e que isso corresponde ao fetichism o
geral da m ercadoria, deve-se, antes, perguntar se realm ente a
fragm entação form al corresponde a um conteúdo reificado das
notícias.
A ideia de fragm entação e de reificação diz respeito ao con
teúdo e não apenas à form a. A questão é saber se a “fragm enta
ção noticiosa” reforça m esm o a percepção do m undo com o algo
natural, com o um agregado de fatos ou coisas estritam ente o b
jetivas. Ora, a lógica da reprodução jornalística, sua abordagem
pelo viés do singular —se deixarm os de lado a vulgaridade de que
ela não relaciona expressam ente os fenôm enos entre si —aponta
para o sentido oposto ao da reificação.
Os novos m eios de com unicação, que em prestam as con
dições técnicas para a realização do jornalism o, estão orientados
para a ação e a dinâm ica das relações sociais, não para a con
tem plação e a estática.9 O jornalism o é a expressão m ais radical
dessa potencialidade. A ideia de fluxo, de um m ovim ento no qual
os atores aparecem diariam ente (no im presso está diretam ente)
em ação, m uitas vezes instantaneam ente, as infinitas possibilida
des de com binação das inform ações jornalísticas que saturam
o m eio social, tudo isso oferece enorm es possibilidades para a
negação da reificação ao invés de reforçá-la inexoravelm ente.
A ideologia burguesa, pelo conteúdo predom inante que
atribui ao conjunto das inform ações que circulam na sociedade,
reforça o fetichism o (notadam ente pela publicidade) e a reifi-
9 ENZENSBERGER, Hans-M agnus. E lementos pa ra uma teoria dos meios de comunicação. Rio
de Janeiro? Tempo Brasileiro, 1978. (Biblioteca Tempo Brasileiro; 56) p. 75.
22 0
cação, m as encontra na potencialidade social que em ana da na
tureza técnica dos m eios e da lógica inerente ao jornalism o um
obstáculo, um a contradição que se repõe a cada ato.
221
da burguesia, o jornalism o reforça a cosm ovisão dom inante. D e
outro, a apreensão e reprodução do fato jornalístico podem estar
alicerçadas na perspectiva de um a cosm ovisão oposta e de um a
ideologia revolucionária.
Além disso, com o o novo aparece sem pre com o singulari
dade, e esta sem pre com o o aspecto novo do fenôm eno, a tensão
para captar o singular abre sem pre um a perspectiva crítica em re
lação ao processo. A singularidade tende a ser crítica porque ela
é a realidade transbordando do conceito, a realidade se recriando
e se diferenciando de si m esm a.
N o processo constante de transform ação da realidade, o
novo aparece sem pre sob a form a do singular, com o fenôm eno
isolado, com o exceção. Por isso, o singular é a form a originária
do novo. Ide é a diferenciação da m esm ice, aquilo que escapa da
m era reprodução e da sim ples identidade em relação ao universal
já constituído. Assim , a abordagem jornalística tende a apanhar a
realidade pelo m ovim ento e este com o produção do novo. C on
tra essa potencialidade da abordagem jornalística, procurando
neutralizá-la e subm etê-la, volta-se a ideologia burguesa, patroci
nando form as cada vez m ais intensas e sofisticadas de controle e
m anipulação do processo inform ativo.
M esm o se considerarm os estritam ente a ideologia burguesa
que se m anifesta no jornalism o, verem os que ela não atua com
a lógica destrutiva que C iro M arcondes Filho atribui à im prensa.
222
presente na ideologia dom inante e nos preconceitos em geral.
O jornalism o “sério”, ao contrário do que diz M arcondes, pro
cura organizar um a estruturação racional da realidade, e jogar o
leitor num m undo cujos fatos estão articulados por um a lógica
—a lógica instrum ental que em ana da p ositividadc do capitalismo.
Porém, à m edida que se reduz o jornalisrm o ao aspecto mani-
pulatório, com o aniquilador da reflexão e da consciência críti
ca, ele deve ser visto, fundam entalm ente, com o um fenôm eno
que desestrutura a consciência. N a verdade, m uito m ais do que
criar débeis m entais (em bora isso tam bém ocorra), o capitalism o
produz o consentim ento e a adesão ideológica a determ inada
racionalidade e a certos valores. Q uer dizer, o sistem a capitalista
reproduz a consciência e a atitude burguesas m uito m ais do que
o caos intelectual e subjetivo.
11 SERRA, Antonio. O desvio nosso de cada dia: a representação do cotidiano num jornal
popular. Rio de Janeiro? Achiamé, 1980. (Serie Universidade; 7) p. 17.
223
vezes é considerado exclusivam ente pelas possibilidades m ani-
pulatórias que oferece. E sse “efeito” é entendido som ente com o
um reforço da ideologia burguesa da “objetividade jornalística”,
que pretende inculcar que os fatos apresentados são puram ente
objetivos, não sendo percebidos em suas potencialidades episte-
m ológicas e até políticas. O resultado, quase sem pre, é um a p o s
tura saudosista m ais ou m enos velada, em defesa da inform ação
personalizada e artesanal.
A denúncia de que o jornalism o burguês esconde o sujeito
que produz as inform ações, com o se não existissem in term e
diários entre os fatos e a sua percepção pelo público, para fins
basicam ente m anipulatórios, é a crítica política decorrente.12 A
proposta resultante, geralm ente vai no sentido da “revelação do
sujeito” da inform ação, entendido enquanto sujeito individual,
com o antídoto ideológico.
Em prim eiro lugar, no jornalism o m oderno, em virtude da
produção coletiva e industrial da inform ação, não é realm ente
um sujeito individual que fala. Trata-se, de fato, de um sujeito
social que pode ser identificado no âm bito das contradições de
classe e interesses de grupos. Em segundo lugar, à m edida que o
público vai com preendendo essas contradições e a lógica dos in
teresses, os veículos são progressivam ente identificados em sua
postura ideológica e política, especialm ente de parte dos setores
m ais participantes e politizados.13 O sujeito é “desvendado” tal
qual sua natureza social, ou seja, com o sujeito que corresponde
a classes sociais ou grup o s econôm icos e políticos. A personali
zação dos indivíduos que elaboram diretam ente as inform ações
é secundária, pois não corresponde na verdade aos sujeitos que
12 Essa crítica é feita por: BARBERO, Jesús M artin. C om unicaàón masivcr. discurso y poder.
Quito? Época, 1978, p. 159.
13 Ver: SILVA, Carlos Eduardo da. M uito além do Jardim botânico: um estudo sobre a audiên
cia do Jornal N acional da G lobo entre os trabalhadores. São Paulo, Summus, 1985. (Col.
N ovas Buscas em Com unicação; 6).
22 4
concretam ente estão se expressando pelos m eios de com unica
ção. E m síntese, a im pessoalidade das inform ações jornalísticas
não constitui em pecilho para a descoberta dos verdadeiros sujei
tos. A o contrário, até facilita a identificação dos interesses mais
am plos das classes e grupos sociais.
O desvendam ento desse sujeito social e político que está
por trás de cada veículo, ou m esm o de cada inform ação, só pode
ser realizado num processo que envolve, inclusive, um a partici
pação consciente e deliberada dos setores m ais atuantes e politi
zados. A possibilidade dessa ação está baseada em alguns fatores
já existentes na própria realidade, seja de m aneira efetiva ou ape
nas com o potencialidade:
a) A participação m ais ou m enos consciente na luta de
classes possibilita identificar os interesses em jogo, bem
com o a origem dos discursos e das diversas abordagens
da realidade.
b) Através da diversidade ou pluralidade que sempre existe,
pelo menos m inim am ente, é possível c o n fr o n t a r e com pa
rar as abordagens dos meios para que revelem os sujeitos
políticos e sociais que estão por trás da suposta imparciali
dade. Assinale-se que essa diversidade é, em certa medida,
criada conscientem ente pelos setores antiburgueses ou de
oposição ao status quo, seja através de veículos sob o con
trole desses segm entos ou das inform ações que “passam ”
nos meios de propriedade burguesa.
c) N a explicitação editorial dos próprios veículos, m esm o
que procurem dem onstrar que suas opiniões em nada al
teram os “fatos im parcialm ente relatados”, surge a pos
sibilidade do público relacionar aquelas posições abertas
com o enfoque velado que preside as dem ais matérias.
d) Finalm ente, p ela criação de um a consciência política e
teórica de que a inform ação jornalística não é nem pura
m ente objetiva, nem im parcial ou neutra.
225
Práxis , comunicação e jornalismo
226
realidade, mas não consegue totalizar a com unicação com o um a
dim ensão concreta do processo histórico da autoconstrução ob
jetiva e subjetiva dos hom ens. A sociedade hum ana, com o já foi
sublinhado antes, não é um sistem a que busca som ente a sua re
produção e o equilíbrio, m as um fazer histórico prioritariam ente
prático que se abre, a cada instante, em novas possibilidades aos
sujeitos, em bora ela apresente em seu processo de reprodução,
sem qualquer dúvida, determ inados m om entos e aspectos niti
dam ente sistêmicos.
São esses pressupostos, que com preendem a com unicação
no interior da práxis, que nos perm item superar os enfoques
a-históricos ou puram ente ideológicos do jornalism o, conce-
bendo-o enquanto estrutura de com unicação historicam ente
condicionada e form a social de conhecim ento articulada à auto-
produção histórica do hom em . Tanto um a com o outra, em bora
geradas no ventre do capitalism o, correspondem a necessidades
e determ inações bem m ais duradouras e am plas do que o dom í
nio burguês e seus interesses particulares de classe exploradora.
227
ciai, apreende m anifestações singulares objetivas e, através delas,
repõe im plicitam ente opiniões, ideias e juízos universais.
J á vim os que a origem da confusão teórica e sem ântica —
em parte conscientem ente patrocinada - da “objetividade jor
nalística”, está localizada na própria ideologia que em ana p o siti
vam ente das relações de produção capitalistas, da reificação que
está na base dessa ideologia. (Trata-se, aqui, evidentem ente, do
conteúdo da percepção do social e não da fo r m a fragm entada
das notícias.) Q uando se diz que o jornalism o deve se ater “ex
clusivam ente aos fatos”, está im plícito um determ inado critério
de elaboração m ental alicerçado na cosm ovisão e na ideologia
burguesas. A com preensão da inform ação jornalística sob outro
ângulo ideológico, ou seja, com o apreensão de um a realidade
não reificada, reconhecendo seu processo dialético e apostando
em suas m elhores possibilidades, exige que o m undo seja enten
dido com o produção histórica em que se constroem e se revelam
sujeito e objeto. E xige um a perspectiva revolucionária.
N o entanto, o esforço de alguns no sentido de extrair um a
teoria do jornalism o de escritos ocasionais dos autores clássicos
do m arxism o está fadado ao fracasso. A o tem po de M arx, o ob
jeto a que estam os nos referindo (o “jornalism o inform ativo”)
m al estava nascendo, a rigor, era ainda “invisível” para a teo
ria. Pretender que ele possa ter desvendado o fenôm eno seria a
m esm a coisa que im aginar o nascim ento da econom ia política,
com o ciência autônom a, antes do desenvolvim ento do m odo de
produção capitalista, ou seja, antes que o seu objeto existisse
autonom am ente.
Por outro lado, a R ússia, m esm o no século X X , ainda era
um país atrasado em term os capitalistas. A lém disso, o fato de
estar em curso um a revolução burguesa condicionava a vanguar
da socialista a pensar na im prensa exclusivam ente sob o ângulo
da intervenção político-ideológica direta. O problem a do “jor
228
nalism o inform ativo” só vai surgir depois da Revolução. E, as
sim m esm o, ele é apenas percebido precariam ente por Lênin e
Trótski, sendo tratado de m odo incipiente e circunstancial.
As opiniões de Lênin sobre a im prensa, antes da tom ada
do poder, oscilavam segundo as necessidades políticas de orga
nização, discussão teórico-ideológica ou propaganda e agitação
de m assas. Os fatos deveriam servir com o objeto de análise ou
com o ilustração para as denúncias políticas. N esse período, ele
captou o grande potencial revolucionário da im prensa, enquanto
instrum ento de organização da vanguarda e com o ligação desta
com os segm entos avançados das massas. Por isso, Lênin é o
m ais legítim o sucessor —agora do ponto de vista do proletariado
revolucionário - da tradição do jornalism o político da burguesia
em sua luta contra a aristocracia feudal.
A pós a R evolução, entretanto, ele parece observar que
algo m ais específico foi introduzido pelo jornalism o, tanto no
que diz respeito às técnicas quanto ao gênero das inform ações.
N um artigo do Pravda, em 20 de setem bro de 1918, ele con
clam a:
“l Por quê no decir en 20 ó 10 renglones lo que ocupa 200 ó 400;
cosas tan simples, notorias, claras, suficientemente conocidas ya p or la
masa como la min traiáón de los mencheviques lacayos de la burguesia,
como la invasión de los ingleses y japoneses para restablecer los sagra
dos derechos dei capital, como las amena%as de los multimilonarios
norte-americanos que muestran los dientes e los alemanes, etc., etc.?
E s necesario hablar de elo, senalar cada hecho nuevo, pero no se trata
de escribir artículos, repetir argumentos, sino de destacar en unos pocos
renglones, (en estilo telegráfico \ las nuevas manifestaciones de esa vieja
política,ya conociday caracterizada”}4
E acrescenta adiante:
229
“Más economia. Vero no en form a de argumentos ‘g enerales \ ensayos
científicos, estruturas intelectuales y absurdos p o r el estilo, como p or
desdicha ocurre con demasiada jrecuencia. Necesitamos reunir hechos
sobre la construcáón real de la nueva vida, verificados en detalle (grifos
no original)y estudiarlos” .15
15 Idew, p. 158.
16 Idem, p. 159.
17 TROTSKY, Leon. Apud: SILVA, Carlos Eduardo da. jornalism o popular no Rio Ciran
de do Norte. Jn: Comunicação e Sociedade. São Paulo: Cortez, 1981. n. 6, p. 66-67.
230
O jornalismo e a “consumação da liberdade ”
231
individualidade em “pessoa” e do gênero em “hum anidade” es
tão concretam ente colocadas.19
Para realizá-la, além das barreiras políticas e sociais que de
vem ser rem ovidas, é necessário que cada indivíduo tenha acesso
à im ediaticidade do todo no qual está inserido (na versão im
pressa - 2a edição - está “à im ediaticidade do todo”). E que
possa participar, de form a im ediata, na qualificação desse todo
em cada m om ento no qual ele está se constituindo com o algo
novo. As influências que os fatos m ais distantes exercem entre a
vida dos indivíduos de todo o planeta não esperam , nem deve
riam esperar, interpretações “técnicas” ou “científicas” oficiais
ou autorizadas. N a m aioria dos casos elas são quase instantâne
as. Por isso, os indivíduos precisam viver tais fenôm enos com o
algo pessoal, pela feição indeterm inada e inovadora do singular,
com o realidade que está se desenrolando, se autoproduzindo e
que não apresenta um sentido fechado e nitidam ente delim itado.
Tal com o vai germ inando a árvore verde da vida.
Q uando ainda jovem M arx observou: “A im prensa em geral
é a consum ação da liberdade hum ana”.20 Todos sabem os que as
reflexões do jovem M arx nesses escritos sobre a im prensa estão
m arcadas pelo idealism o hegeliano. D em ocrata-revolucionário,
ele parte de um a essência hum ana pressuposta racionalm ente
para denunciar a autocracia. A “verdadeira lei” , a “liberdade”
232
e o “E stado” são as categorias prioritárias para sua crítica das
leis reais, da falsa liberdade e do Estado autocrático. Porém, há
nessas reflexões um a sugestiva preocupação ontológica. Se in
verterm os a sentença citada terem os um a tese que aponta cla
ram ente o sentido que percorreu este trabalho: “A consum ação
da liberdade hum ana exige o desenvolvim ento da im prensa em
geral”. Vale acrescentar: em especial\ do jorn alism o. Para pensar e
atuar efetivam ente com o sujeito individual e social no interior
do gênero hum ano —para tornar-se um a “pessoa”, na acepção
dada por Lukács —, o hom em precisa viver am plam ente, e não
apenas através das m ediações particulares e universais da arte e
da ciência, a totalidade do m undo hum ano pelas determ inações
significativas do singular. A realização do com unism o, portanto,
não pode ser pensada sem o pleno desenvolvim ento dessa form a
social de apropriação da realidade a que cham am os “jornalism o
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