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na Antiguidade cristã
Resumo
Durante o século V, acesos debates agitaram as Igrejas do Oriente a respeito da natureza de
Cristo. As especulações teológicas procuravam responder a questão de como se realizava a união
entre o Logos divino e a natureza humana assumida na incarnação. Na tentativa de responder a
essa questão, duas tendências opostas se formaram nas duas grandes escolas teológicas de
Antioquia e Alexandria, a saber: o difisismo e o monofisismo, respectivamente. Todavia, esses
termos eram vagos, podendo compreender doutrinas condizentes ou não com a tradição cristã,
dependendo do conceito que se fazia do termo physis. No auge das discussões, realizaram-se dois
Concílios a fim de dirimir a questão: o de Éfeso, em 431, e o de Calcedônia, em 451. Embora
tivessem definido a doutrina ortodoxa, algumas regiões não aceitaram as decisões conciliares,
rompendo a comunhão eclesiástica, movidas sobretudo por questões culturais e políticas. Tendo
isso em vista, o presente estudo visa explanar sobre os conceitos-chave que levaram a estas
discussões dentro de seu contexto histórico, bem como suas causas e consequências. Para maior
clareza, serão brevemente expostos os precedentes imediatos: as controvérsias anti-arianas, o
apolinarismo e as escolas teológicas antioquena e alexandrina. Por fim, pretende-se demonstrar o
quanto tais querelas que levaram aos cismas eclesiásticos se fundamentaram num problema de
linguagem e de formulação, sem que a essência do dogma fosse alterada.
Introdução
Foi no século II que o cristianismo tomou contato com a filosofia helênica, quando alguns
convertidos de cultura grega passaram a encarar a sua nova fé com as perspectivas filosóficas. O
Evangelho de São João, bem como as cartas de São Paulo, continham muito material que propunha
um verdadeiro diálogo da fé com a filosofia. Desse modo, os filósofos cristãos passaram a usar a
linguagem filosófica para explanar e refletir o cristianismo, dando sem dúvida um sentido novo a
muitos conceitos e expressões. Um dos intuitos era tornar a doutrina cristã palatável aos pensadores
“pagãos”.
Na tentativa de harmonizar os dados da revelação com os da razão, produziu acirradas
controvérsias referentes aos princípios fundamentais da fé cristã: a unicidade da natureza divina na
1 O autor é formado em Letras Clássicas na área de Língua e Literatura Latina pela Universidade de São Paulo. Sua
linha de pesquisa é Filosofia, História e Literatura Patrística e Medieval, abrangendo a Europa latina, as civilizações
bizantina e islâmica e a cultura judaica. É membro do Grupo de Tradução e Pesquisa/CNPQ “Filosofia Árabe e
História do Pensamento”, liderado pelo Prof. Dr. Miguel Attie Filho, da Área de Língua e Literatura Árabe (USP),
no qual desenvolve uma pesquisa referente à versão latina da Metafísica de Avicena, filósofo muçulmano do século
X. É colaborador da Área de Língua e Literatura Armênia da mesma Universidade.
trindade de pessoas e a incarnação do Logos divino ou na divindade de Cristo. A ideia central estava
em conservar a unicidade da natureza divina tão solenemente proclamado pelo Antigo Testamento e
repetido como uma “profissão de fé” pelos judeus: “Escuta, ó Israel, o Senhor é nosso Deus, o
Senhor é Único”2. Seria o Filho e o Espírito Santo uma mera manifestação do único Deus na relação
com o mundo (modalismo), seria Jesus um simples homem, adotado por Deus e divinizado
(adopcionismo)? Estaria o Filho e o Espirito Santo subordinados ao Pai como deuses inferiores
(subordinacionismo) ou eram meras criaturas do Pai (arianismo)? Estas e outras questões agitaram
os cristãos dos primeiros séculos. A mais forte corrente foi o arianismo, no século IV, que ensinava
que o Logos fora criado pelo Pai e usado como instrumento para a criação do mundo.
No presente estudo, abordaremos as controvérsias cristológicas do século V, que tratam de
como se realizou a união do Logos divino com a natureza humana assumida na incarnação e,
portanto, a questão sobre qual é a verdadeira natureza de Cristo, e suas consequências históricas.
Observamos que adotamos o termo Logos ao invés de “Verbo”, por nos parecer mais
expressivo o termo no original grego que significa “discurso”, “razão”, “pensamento”, quanto que
“Verbo” não tem essa carga significativa, não sendo outra coisa que um nome próprio da segunda
Pessoa divina, perdendo sua carga semântica e teológica original. Nos textos citados respeitamos os
tradutores conservando o termo “Verbo”.
2 Cf. Dt 6, 5.
3 Fragmenta ex Thalia, in Enchiridion Patristicum, nº 648ss, citado em: BETTENCOURT, E., Curso de
Cristologia. Rio de Janeiro, p. 77.
4 Cf. DS 150.
O arianismo foi uma das maiores crises, senão a maior, enfrentada pelo cristianismo na
Antiguidade. Mesmo condenado, não se diluiu facilmente, tornando-se também uma forte facção
política no interior do Império5. Quase todos os Padres da Igreja desse período o combateram
violentamente, entre outros, Santo Atanásio, Santo Hilário, São Jerônimo e Santo Ambrósio.
Atanásio, bispo de Alexandria, foi praticamente a alma do Concílio de Niceia. Chamado o
“Campeão da ortodoxia nicena”, refutou vivamente o arianismo em seus vários escritos, enfatizando
sempre a divindade do Logos e sua incarnação pela assunção de um corpo:
Assumiu, no entanto, um corpo como o nosso e não o fez simplesmente, mas o quis nascido de
uma virgem sem pecado, imaculada, intacta. Era puro o corpo, inteiramente alheio a qualquer
união humana. Sendo poderoso e criador do universo, edificou para si, na Virgem, qual um
templo, um corpo. Dele se apropriou, fê-lo um instrumento para se dar a conhecer e onde habitar.
E assim, de algo que é nosso, tomou um corpo semelhante ao nosso, e como estamos todos
sujeitos à corrupção da morte, Ele o entregou à morte, em prol de todos, apresentando-o ao Pai 6.
Querendo responder aos gnósticos, a quem o corpo de Cristo era aparente 7, Atanásio
enfatizou o corpo a fim de evidenciar a realidade da incarnação; insistiu no corpo como instrumento
do Logos, uma peculiaridade de seu pensamento, que na tradição patrística mais antiga só se
encontra em Tertuliano, e que se tornará característica da escola alexandrina, como veremos
adiante. Contudo, seu silêncio à respeito da alma de Cristo, embora não a negasse, teve
consequências nas discussões cristológicas posteriores.
I.2. O Apolinarismo
Os grandes debates cristológicos referentes à natureza de Cristo, que agitaram as Igrejas do
Oriente no decorrer de todo o século V, tiveram, como precedentes, as controvérsias anti-arianas
que ainda estavam bem acesas mesmo após o arianismo ter sido condenado pelo Concílio de Niceia,
em 325. O ponto de partida foi dado por Apolinário quando este reagiu contra polemistas anti-
arianos antioquenos que realçavam excessivamente a distinção entre as duas naturezas de Cristo.
Apolinário era amigo de Atanásio e fora eleito bispo de Laodiceia (361), na Síria, sua cidade
5 A corrente do arianismo foi um dos muitos elementos de romanização e cristianização dos povos germânicos, em
que o cristianismo já se fazia presente desde muito cedo, como por exemplo, entre os godos. O curioso Wulfila,
cristão grego de cultura goda, tendo sido sagrado bispo por Eusébio de Nicomédia, de tendência ariana, acabou por
aderir ao arianismo e levou a cabo uma grande atividade missionária entre os godos, constituindo até mesmo uma
Igreja gótica ariana, com uma liturgia própria, que mais tarde seria introduzida na Hispânia por ocasião da conquista
visigótica, levando a um forte antagonismo entre a Igreja gótica ariana e a Igreja católica romano-hispânica. Outros
povos, como os burgúndios, os ostrogodos e os longobardos, eram de fé ariana, provocando fortes dissenções com a
população dominada romano-católica. Curiosamente foram bárbaros pagãos, como os francos sálios, mais tarde
convertidos ao catolicismo, em que os galo-romanos, de fé católica, se apoiaram contra as investidas gótico-arianas.
6 ATANÁSIO, S., A Incarnação da Verbo, II, 8, 3-4.
7 Desde os seus primórdios, a Igreja teve de enfrentar a heresia docetista (do grego dókesis, “aparência”), à qual já se
refere escritos do Novo Testamento, que atribuía a Cristo um corpo apenas aparente, negando assim a realidade da
incarnação e consequentemente a redenção.
natal, pela facção nicena. Era exegeta de Sagrada Escritura e seguia a escola antioquena. Ele
sustentava que havia em Cristo uma única physis, isto é, “natureza”, entendida concretamente como
princípio operativo, fonte de ação. Segundo ele, Cristo não poderia ter duas naturezas completas,
pois, a união entre dois perfeitos não pode redundar em verdadeira união, mas apenas numa
justaposição. Levantava-se, então, a seguinte questão: Que tipo de homem é Jesus Cristo, visto ser
ele o Logos incarnado? Apolinário procurava responder da seguinte maneira:
Não confessamos que o Verbo de Deus veio num homem santo, como acontecia com os profetas,
mas que o próprio Verbo se fez carne sem assumir um intelecto humano, um intelecto mutável e
prisioneiro de raciocínios sórdidos, sendo Ele próprio o intelecto divino, imutável e celeste.
O Filho, que é uno, não é duas naturezas, uma adorável e outra não adorável, mas uma só
natureza, a do Verbo de Deus incarnado 8 e adorado, juntamente com a carne dele, numa única
adoração9.
O próprio Verbo se fez carne, embora continuasse a existir na condição de Deus. Em favor dos
homens, Ele se fez homem segundo a carne em Maria [...] Este Salvador não teve um corpo
inanimado ou carente de sentidos, nem um corpo privado de alma. Não era possível que existisse,
no Senhor feito homem por causa de nós, um corpo sem alma, pois por Ele foi realizada a
salvação não só do corpo, mas também da alma […] Nem devemos distinguir aquele que
ressuscitou Lázaro, e aquele que perguntou a respeito de Lázaro, pois era o mesmo aquele que
disse como homem: “Onde está sepultado Lázaro?” e aquele que, como Deus, o ressuscitou 11.
8 O grifo é nosso. Essa frase será a base para as disputas cristológicas que se seguiram.
9 Citado em: BETTENCOURT, E., Curso de Cristologia. Rio de Janeiro, p. 79.
10 Cf. Epístola 101,87.
11 ATANÁSIO, S., Tomo aos Antioquenos, 7.
O apolinarismo foi condenado pelo Sínodo de Alexandria, em 362, como também pelo Papa
Dâmaso I, em 377 e 382, e, em 381, a condenação foi confirmada pelo Concílio ecumênico de
Constantinopla I. Todavia, embora enfraquecido o apolinarismo, a fórmula “uma só natureza do
Logos divino incarnado” foi divulgada pelos discípulos de Apolinário como sendo de autoria de
Santo Atanásio. Isso rebentaria mais tarde na crise monofisita.
16 Cf At 11,19-20.
17 Cf. At 10, 1-48.
18 Cf. At. 11, 26.
19 No sentido de povo judeu, nação judaica.
20 No sentido amplo de não judeus, “pagãos”.
21 Os cristãos de Jerusalém eram predominantemente de origem judaica e exigiam que todos os convertidos aceitassem
a circuncisão e as práticas judaicas. Isso levou a uma certa desconfiança para com a comunidade antioquena que
cada vez mais abandonava todas as práticas judaicas e aceitava numerosos gregos, “pagãos”, ao batismo.
pensamento teológico e filosófico do cristianismo antigo, pois, nem todas as suas teses eram tão
antitéticas que não poderiam se complementar e moderar os excessos que uma ou outra parte
poderiam tomar. Enquanto que a corrente alexandrina tendia ao misticismo, a antioquena se
encaminhava ao racionalismo, ambas as tendências igualmente perigosas se radicalizadas e ambas
foram berços das correntes heterodoxas que se digladiavam em torno da questão da natureza de
Cristo e que mais tarde foram agrupadas sob os termos monofisismo e difisismo.
Convém lembrar que essas duas correntes de pensamento não estavam restritas aos
complexos geográficos que lhe deram origem: o Egito e a Síria, respectivamente. Orígenes, o
grande mestre alexandrino, fundou mais tarde uma escola em Cesareia da Capadócia que também se
tornou centro de irradiação do pensamento alexandrino. Os pensadores mais importantes que lá se
formaram, foram: São Basílio, São Gregório Nazianzeno e São Gregório de Nissa, os chamados
Padres capadócios, que juntamente com São João Crisóstomo, de tradição antioquena,
fundamentaram a tradição teológica da Igreja bizantina, sintetizada no século VIII por São João
Damasceno, em pleno domínio islâmico.
Quanto ao pensamento estritamente antioqueno, teve seu desenvolvimento sobretudo entre
os cristãos sírio-orientais da Pérsia por influência da corrente nestoriana, embora não tivessem
adotado exatamente as teses heterodoxas de Nestório. Todavia, a sua preferência pelo cultivo da
filosofia aristotélica e de uma teologia racionalizante esteve na base da formação do mutazilismo 22 e
na origem da recepção das obras filosófico-aristotélica pelos árabes.
Podemos sintetizar o que até aqui foi dito sobre as duas escolas teológicas, alexandrina e
antioquena, no seguinte quadro sinótico:
Escolas Teológicas
Alexandrinos Antioquenos
Linha exegética Alegórica Literal
Método filosófico Platônico Aristotélico
Cristologia Descendente (joaneia) Ascendente (paulina)
22 Corrente teológica racionalista do Islam que berçou a formação da falsafa, a filosofia entre os árabes.
A questão medular que provocou as grandes discussões cristológicas estava no conceito que
os teólogos heleno-cristãos faziam de physis ou “natureza” humana. Havia duas tendências, não
necessariamente ligadas a uma ou outra escola, que se defrontavam:
a) physis é a natureza em sentido concreto como princípio operativo ou fonte de ação; a
natureza humana consiste num corpo orgânico animado cujo principio vital (psyché, alma) é
idêntico a um nous (intelecto, espírito, mente);
A partir disso, levantava-se a seguinte questão: a união do Logos divino com a natureza
humana assumida na incarnação resultou em Cristo duas physis (difisismo) ou uma physis
(monofisismo)? A resposta dependia do conceito que se fazia de physis e que podemos reduzir a
quatro teses: duas monofisitas e duas difisistas, em que cada uma apresentava uma tese ortodoxa e
outra heterodoxa e, portanto, havia duas teses ortodoxas e duas heterodoxas. Abaixo serão expostas
as teses em questão.
III.1. O Monofisismo
O termo monofisismo23 foi cunhado muito tardiamente para designar a doutrina da única
natureza de Cristo. Todavia, isso se presta a equívocos, pois, sendo um termo genérico, abarca pelo
menos três teses distintas e, até certo ponto, contrárias: o apolinarismo, o miafisismo e o
eutiquianismo. Pode-se, no entanto, afirmar que o monofisismo não é tanto uma doutrina, mas uma
tendência ligada à escola alexandrina que colocava em evidência a divindade de Cristo em relação à
sua humanidade, vista como instrumento passivo do Logos24.
O ponto de partida das teses monofisitas estava na polivalente fórmula de Apolinário, que
seus discípulos atribuíram a Santo Atanásio: Mía phýsis tou Theou Lógou sesarkooménee, “uma
só natureza do Logos divino incarnado”. Como já vimos, Apolinário negava que Cristo possuía uma
alma racional, função assumida pelo Logos, e, portanto, tinha uma natureza humana incompleta.
Quanto ao miafisismo e ao eutiquianismo, estas teses surgiram como réplica às tendências
extremadas dos antioquenos que se ocupavam de tal modo em distinguir a divindade da humanidade
de Cristo, colocando em risco a noção da unidade de pessoa.
Não afirmamos que a natureza [physis] do Verbo se tenha transformado para tornar-se carne.
Também não afirmamos que a natureza do Verbo se tenha transformado para tornar-se um
homem completo, constituído de corpo e alma. Mas professamos que o Verbo uniu a si
hipostaticamente25 [kath'hypostasin] uma carne animada por uma alma racional e se fez homem
de modo inexplicável e incompreensível, e assim assumiu o título de Filho do Homem não por
simples vontade ou benevolência, nem simplesmente porque assumiu uma pessoa.
Afirmamos, além disso, que, embora as duas naturezas sejam diferentes uma da outra, elas se
uniram em verdadeira união, de tal modo que de ambas resulta um só Cristo e Filho. Isto não
quer dizer que desapareceu a diferença das naturezas por causa da união, mas, sim, que a
Divindade e a humanidade, por um misterioso concurso em prol da unidade, constituem um só
Senhor e Cristo […]
Não se diga que num primeiro momento nasceu da Santa Virgem um homem, no qual, num
segundo momento, desceu o Verbo26. Mas, sim, afirmamos que desde o seio materno o Verbo se
uniu à carne humana numa concepção carnal, de tal maneira que tornou sua a geração carnal […]
E assim os Santos Padres não hesitaram em chamar Theotókos27 a Santa Virgem. Isto não
significa que a natureza do Verbo ou a sua Divindade tenha tido origem no seio da Santa Virgem,
mas, sim, que foi gerado por ela o corpo santo, animado e racional, ao qual se uniu
hipostaticamente28 [kath'hypostasin] o Verbo; em consequência, este foi gerado segundo a
carne29.
30 Arquimandrita, do grego archós, “superior”, mandra, “monastério”, o mesmo que abade nas Igrejas gregas.
31 Cf. BETTENCOURT, E., Curso de Cristologia. Rio de Janeiro, p. 85.
32 Sufi, corrente mística islâmica. Vale lembrar que a modalidade de cristianismo conhecida por Maomé e pelos
primeiros muçulmanos foram certamente os monofisitas e nestorianos.
São Cirilo acima exposta, afirma a dualidade divino-humana de Cristo: “Isto não quer dizer que
desapareceu a diferença das naturezas por causa da união, mas, sim, que a Divindade e a
humanidade, por um misterioso concurso em prol da unidade, constituem um só Senhor e Cristo”. A
fórmula apolinarista pseudo-atanasiana, porém, era um obstáculo à afirmação da união de duas
physis em Cristo numa única hypostasis. E, por outro lado, uma afirmação difisista pareceria
incorrer no erro dos antioquenos que afirmavam as duas physis ou pessoas em Cristo. Era
necessário uma maturação das ideias, algo sempre muito arriscado.
Para maior clareza, colocamos no quadro sinótico abaixo, uma síntese das três teses
monofisitas:
III.2. O Difisismo
O termo difisismo, diofisismo ou diafisismo designa a doutrina da escola antioquena das
duas “naturezas” de Cristo. Possui suas raízes nos primeiros escritos cristãos que distinguem, em
Cristo, um elemento divino (pneuma-logos), e um elemento humano (sarx)33. Com as disputas
contra o paganismo e as heresias dos séculos II e III, reforçou-se a ideia de uma dualidade em
Cristo: Melitão de Sardes falava de duas ousiai, isto é, duas “essências” ou “substâncias”; Origines,
de duas physis ou “atributos” e Tertuliano, de duas substantiae, “substâncias” ou “naturezas”.
A controvérsia anti-ariana contribuiu para o desenvolvimento da concepção de geração
divina distinta da humana, induzindo à elaboração mais acurada dos conceitos das duas naturezas e
das duas consubstancialidades. Levantava-se então o problema de como se realizam a união das
duas naturezas num único Cristo. A escola antioquena procurava ressaltar a natureza humana
distinguindo-a da divina em franca oposição às teses alexandrinas, quer contra o apolinarismo, quer
contra Cirilo de Alexandria.
A tese difisista tem como principais mentores Diodoro de Tarso e Teodoro de Mopsuéstia,
discípulo do anterior. Teodoro entendia por physis uma natureza completa subsistente num sujeito
agente. Portanto, reconhecia, em Cristo, duas naturezas distintas e dois sujeitos. Preocupado,
todavia, com o divisionismo que a doutrina poderia redundar e que era criticada pelos apolinaristas,
negava a afirmação de haver dois Senhores e dois Filhos. Ensinava que as duas naturezas estão
33 Termos gregos: pneuma, “espírito”; logos, “razão”, “intelecto”, “pensamento”; sarx, “corpo”.
unidas de modo inefável e eternamente indissolúvel num único prosopon34, que a união não destrói
a distinção das physis, nem a distinção não impede que as duas physis sejam um Cristo.
Na verdade, porém, existem duas teses difisistas distintas: o nestorianismo e a doutrina do
Concílio de Calcedônia, fundada na definição do Papa Leão I, o Grande. A primeira, heterodoxa, é
uma radicalização das teses de Teodoro de Mopsuéstia; a segunda, ortodoxa, assemelha-se à
doutrina cirílico-efesita, dita em termos antioquenos, e se aproxima da fórmula de união assinada
por São Cirilo e por João de Antioquia após o Concílio de Éfeso, que trataremos a seguir.
III.2.1. O Nestorianismo
Nestório, piedoso monge e sacerdote de Antioquia, era discípulo de Teodósio de Mopsuéstia.
Em 427, foi nomeado arcebispo de Constantinopla. Era conhecido por suas excelentes qualidades
de orador e pelos ataques violentos aos hereges. Levando as teses difisistas ao extremo, condenou a
devoção popular, muito difundida entre os monges e os fieis, a Maria “Mãe de Deus”, Theotókos,
pois a considerava apolinarista e não dava, segundo ele, o devido reconhecimento à natureza
humana de Cristo. Ensinava que Maria era Christotókos, “Mãe de Cristo”35, ou seja, Mãe de Jesus
em sua união com o Logos, mas proibia que se dissesse anthopotókos, mãe do homem Jesus, para
se evitar o perigo do adopcionismo. Eis um texto de Nestório:
Com frequência é suscitada entre nós uma dificuldade: “Deve-se falar da Theotókos, isto é, de
uma mulher que tenha gerado Deus, Maria, ou antes se deve falar de uma mulher que deu à luz
um homem, anthropotókos? Mas será que Deus tem mãe?” […] Uma criatura não pode dar à luz
o Criador, mas deu à luz um homem, instrumento da Divindade […] Mas mesmo assim, Jesus é
um Deus para mim, visto que encerra Deus. Adoro o vaso por causa do seu conteúdo, a
vestimenta por causa do que ela cobre36.
34 Prosopon, em grego: “aparência”, “aspecto externo”, “figura”, e por extensão, “pessoa”, mas em sentido não
equivalente a hypostasis.
35 Cf. nota 26. Tokein, “parir”, “dar a luz”.
36 Sermão 9. Citado em: BETTENCOURT, E., Curso de Cristologia. Rio de Janeiro, p. 81.
terminologia que realçava a distinção entre o homem e Deus.
Confessamos que nosso Senhor Jesus Cristo, Filho Único de Deus, é Deus perfeito e homem
perfeito, [composto] de alma racional e corpo, gerado pelo Pai antes dos séculos segundo a
Divindade, e nos últimos dias por nós e pela nossa salvação, nascido da Virgem Maria segundo a
natureza humana. Ele é consubstancial com o Pai por sua Divindade, e é consubstancial conosco
por sua humanidade. Já que havia a união das duas naturezas, confessamos um só Senhor, um só
Cristo e um só Filho. Visto que compreendemos esta união realizada sem confusão de uma parte
com a outra, confessamos que a Santa Virgem é Theotókos, pois o Verbo de Deus se incarnou e
se fez homem, e desde o momento de sua concepção, uniu a si o templo que dela assumiu.
Quanto às expressões dos Evangelhos e dos Apóstolos concernentes ao Senhor, sabemos que os
teólogos ora as usam no singular como referentes à única pessoa de Jesus, ora usam no plural
aludindo às duas naturezas; atribuem à Divindade de Cristo as que se aplicam à Deus, e a sua
humanidade as que exprimem humilhação37.
Esta fórmula, ao expressar a ortodoxia de Éfeso, serve-se de um vocabulário apto a não ferir
os adversários de Cirilo. Assim, por exemplo, não fala de uma união kath'hypostasin, “hipostática”,
mas professa a união, sem confusão, de duas naturezas. Não fala de uma natureza do Logos feito
carne, expressão de Apolinário que Cirilo julgava ser de Santo Atanásio. É perceptível a réplica a
Apolinário na afirmação “Deus perfeito e homem perfeito, [composto] de alma racional e corpo”. A
fórmula fala de duplo nascimento: um a partir do Pai, o outro a partir da Virgem Maria, mas
reconhece um só Senhor, Filho e Cristo. Faz uma alusão também ao Concílio de Niceia quando
menciona a consubstancialidade com o Pai e a consubstancialidade conosco.
Seguindo os Santos Padres, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho, Senhor
nosso, o mesmo perfeito no tocante à Divindade, e perfeito no tocante à humanidade: Deus
verdadeiro e homem verdadeiro em corpo e alma, consubstancial ao Pai quanto à divindade e
consubstancial conosco quanto à humanidade; semelhante em tudo a nós, exceto no pecado;
gerado pelo Pai segundo a divindade desde todos os séculos, e nos últimos tempos gerado de
Maria Virgem Theotokos, por causa de nós e de nossa salvação. O mesmo e único Cristo, Senhor
e Filho Unigênito em duas naturezas sem confusão, nem divisão, nem mudança, nem separação,
há de ser o termo de nosso reconhecimento, sem que de algum modo desapareça a diferença de
naturezas por causa da união, antes salvando-se as propriedades de cada natureza, embora as
duas se encontrem numa única pessoa e subsistência. Não separado nem dividido em duas
pessoas, mas uma só Pessoa, que é o único e mesmo Verbo, Deus, Filho Unigênito e Senhor
Jesus Cristo41, como em outros tempos nos ensinavam os Profetas a respeito dele, e o próprio
Jesus Cristo ensinou a respeito de si mesmo, e como nos transmitiu o símbolo de fé dos Padres 42.
Uma vez redigidas todas estas coisas com todo cuidado e diligência e em todos os seus aspectos,
este Santo Concílio Ecumênico as define, de modo que a ninguém é lícito professar outra fé, ou
escrever, compreender, sentir ou transmitir outra crença aos seus semelhantes43.
A fim de que fique mais claro o teor da definição conciliar, dispomo-la num quadro sinótico,
que evidenciam bem a natureza divina e a natureza humana num só Cristo44:
41 O grifo é nosso.
42 Refere-se ao Símbolo Niceno-Constantinopolitano, que sintetiza a definição de fé aprovada pelos dois primeiros
concílios da Igreja, Niceia (325) e Constantinopla (381) e ainda hoje usada e solenemente cantada na Liturgia
dominical em todos os ritos eclesiásticos do Oriente e do Ocidente.
43 DS 301-303.
44 Cf. BETTENCOURT, E., Curso de Cristologia. Rio de Janeiro, p. 87-88.
Percebe-se que a primeira parte desta definição confirma o Concílio de Éfeso, professando a
unidade em Cristo. A segunda parte acrescenta a doutrina típica de Calcedônia: as duas naturezas,
sem confusão, nem divisão ou mudança.
A comunicação ou comunhão de propriedades é professada, na medida em que é
reconhecida a unidade de pessoa (de sujeito ou de “eu”). É o mesmo “eu” de Jesus que por sua
natureza humana, chora sobre Lázaro, e, por sua natureza divina, o ressuscita. Evitemos a confusão,
pois, Deus, como Deus, não pode chorar, e o homem, como homem, não pode ressuscitar um morto.
Este Santo Concílio ecumênico aceita fielmente e recebe de braços abertos a fórmula que propôs
ao mui piedoso e fiel Imperador Constantino o mui santo e bem-aventurado Papa da antiga
Roma, Agatão: rechaçou nominalmente aqueles que proclamavam e ensinavam haver uma só
vontade e operação em Cristo, nosso verdadeiro Deus […] Apregoamos duas vontades em Cristo
e duas operações, sem divisão, sem separação, segundo a doutrina dos Santos Padres, todavia
duas vontades não opostas entre si […] A vontade humana de Jesus segue, sem resistência, nem
oposição, a vontade divina, à qual está sujeita, pois é toda poderosa […] Assim como a carne de
Jesus é a carne de Deus, assim também confessamos que a vontade natural própria da sua carne é
do Verbo de Deus […] Assim como a carne de Jesus, santíssima e sem mancha, não foi extinta
por estar divinizada, mas permaneceu dentro dos seus limites e da sua identidade, assimtambém a
vontade humana não foi extinta por estar divinizada, mas, ao contrário, substitui usufruindo da
salvação47
50 A partir de então se estabeleceu o Simbolo Niceno-Constantinopolitano que a partir do século VI passou a ser
cantado em todas as liturgias dominicais das Igrejas do Oriente. Nas Igrejas ocidentais seria introduzido mais tarde.
51 O Papa Leão I protestará contra este cânon e não será aceito em no Ocidente por toda a Idade Média. Ele será o
início de um longo processo que separará da Sé de Roma a Igreja de Constantinopla, que carregará consigo toda a
Igreja grega, incluso os patriarcados de Jerusalém e Antioquia, formando a Igreja Ortodoxa grega separada da Igreja
Católica Romana.
52 O Concílio de Constantinopla II se reuniu em 553, mas teve pouca importância cristológica.
VI. As consequências históricas
A condenação das teses nestorianas pelo Concílio de Éfeso (431) levou à ruptura dos
cristãos sírio-orientais do Império Sassânida (persa), que seguiam a escola antioquena - ainda que
não adotassem as teses heterodoxas de Nestório - por lhes parecerem um tanto apolinarista a
fórmula cirílico-efesita. Isso contribuiu para que muitos nestorianos bizantinos emigrassem para as
regiões da Pérsia.
Desde o século IV, a Igreja persa – que se autodenominava de “Igreja do Oriente” -
mantinha uma certa autonomia, tendo a sua frente o arcebispado de Ctesifonte-Selêucia 53,
localizado ao sul da Mesopotâmia, na confluência dos rios Tigre e Eufrates. Num concílio realizado
em 410, ela declara (ou confirma) formalmente sua autonomia da “Igreja do Ocidente”, isto é, da Sé
arquiepiscopal de Antioquia, da qual era teoricamente dependente, e introduz os cânones do
Concílio de Niceia (325). Nessa mesma ocasião, o arcebispo de Ctesifonte-Selêucia se intitula
“catholicôs”54, fazendo-se, desse modo, chefe da Igreja do Oriente. No concílio de 422, a então
Igreja Assíria do Oriente declara definitivamente sua independência da Igreja de Antioquia e mais
tarde, em 486, rompe a comunhão eclesiástica por não reconhecer as definições do Concílio de
Éfeso55, ocasião em que seu chefe assume o título de “catholicôs-patriarca”. Sem dúvida, causas
políticas tiveram um grande peso nesse cisma, visto que a Igreja sírio-oriental pertencia a um outro
Estado rival do Império romano-oriental (bizantino).
Com o fechamento da escola de Edessa, considerada foco de doutrina nestoriana, seus
teólogos e filósofos se transferem para Nísibis, em território persa. Daí por diante, a Igreja Assíria
do Oriente tem um grande desenvolvimento, seus missionários a expandem desde a Armênia até a
Índia e a China, convertendo muitos curdos e outras tantas tribos mongólicas. Com eles, um grande
patrimônio do pensamento helênico, sobretudo a filosofia aristotélica, com obras em grego e em
siríaco, são conservadas e ensinadas a outros povos, continuando a obra de Alexandre Magno na
disseminação do helenismo em toda a Ásia central. A princípio, os cristãos persas terão forte
prestígio na corte sassânida, mas posteriormente, sofrerão inúmeras perseguições, motivadas pela
influência que pouco a pouco exercerão os jacobitas 56. Isso contribuirá para que os cristãos assírios
apoiem os árabes durante a expansão islâmica na Mesopotâmia e na Pérsia. No período do califado
abássida57, a Igreja Assíria do Oriente será a grande responsável pela transmissão da filosofia
aristotélica ao mundo árabe. Nesse período, a sede patriarcal será transferida para Bagdá58.
Nos últimos tempos, após o alegre anúncio do Arcanjo Gabriel, Ele desceu ao útero de Maria e,
tendo tomado corpo, alma e mente a partir da natureza dela, realizou uma nova e inefável união
com Sua divindade. Após o desenvolvimento no útero por nove meses como uma criança, Ele
mais tarde em 1445 no Concílio de Florença. No século XVIII, o Papa Bento XIV reconhece a instituição do
Patriarca-Catholicôs dos católicos de rito armênio.
63 Do árabe, al copta, corruptela do grego aegipiticós, “egípcio”, são os cristãos miafisitas que adotam a velha língua
egípcia e tradições nativas em oposição à cultura helênica vertendo a esta língua os textos litúrgicos e patrísticos.
Colaborarão com os árabes contra os bizantinos por ocasião da expansão islâmica. O cisma entre eles também teve
forte influência política por ser uma região tradicionalmente separatista e ciosa de sua autonomia frente à corte
imperial de Constantinopla. Também entre eles haverá um grupo que se unirá a Roma, constituindo os coptas
católicos com seu próprio patriarcado. Quanto aos greco-ortodoxos de Alexandria e os greco-antioquenos ortodoxos,
terão uma parte que se reunirão à Igreja Romana no século XVIII, constituindo a Igreja greco-melquita católica com
seu patriarcado em comunhão com a Sé Romana.
64 Que também terão um ramo unido a Igreja Católica Romana.
65 Monges que seguiam as regras e instituições de São Maron e habitavam as regiões montanhosas do Líbano.
66 Confissão de fé consiste num documento escrito contendo uma síntese dos artigos fundamentais da doutrina cristã.
nasceu perfeito Deus e perfeito Ser Humano, com essência não confundida e união indivisível,
um Cristo, e sua única Pessoa unida a partir de duas naturezas67.
Cremos que Nosso Senhor Jesus Cristo, o Verbo, Filho de Deus, veio na Sua própria pessoa. Ele
não assumiu uma pessoa humana, mas Ele Próprio por união hipostática68 tomou plena e
perfeitamente a natureza humana, corpo e alma racional, sem pecado, da Virgem Maria, através
do Espírito Santo. Ele constituiu sua própria humanidade numa natureza encarnada e uma
encarnada hipostasia com sua Divindade no exato momento da encarnação através da verdade
natural da união hipostática. Sua Divindade não se separou da sua Humanidade nem por um
momento, nem por um piscar de olhos. Esta união é superior à descrição e percepção. Quando
falamos de “uma natureza encarnada do Verbo de Deus” não queremos dizer Sua Divindade
em separado ou Sua Humanidade em separado, isto é, uma única natureza, mas falamos de uma
união divina-humana natural em Cristo sem mutação, sem mistura, sem confusão, sem divisão e
sem separação. As propriedades de cada natureza não mudam nem são destruídas por causa da
sua união, as naturezas se distinguem uma da outra exclusivamente em pensamento.
No quadro abaixo, exporemos duas declarações conjuntas entre a Igreja Católica e as Igrejas
Copta e Sírio-Orotodxa (jacobita). A primeira, foi assinada em 1973 pelo Papa Paulo VI e pelo
Patriarca copta Shenouda III, por ocasião de sua visita ao Vaticano; e a segunda, pelo Papa João
Paulo II e o Patriarca sírio-ortodoxo Zakka Iwas I, em 1986, também em visita ao Vaticano:
Confessamos que nosso Senhor e Deus, Salvador e Queremos reafirmar solenemente nossa profissão de
Rei de todos nós, Jesus Cristo, o Verbo incarnado, é fé na incarnação de nosso Senhor Jesus Cristo, tal
perfeito na sua divindade e perfeito na sua como a declararam em 1971 o Papa Paulo VI e o
humanidade. Ele fez da sua humanidade e da sua Patriarca Moran Mar Ignatius Jacoub III. Negaram
divindade uma só coisa; esta união é real, perfeita, que exista uma diferença na fé que eles professam no
sem mistura, sem interferência, sem confusão, sem mistério de Verbo de Deus feito carne e realmente
alteração, sem separação. A sua divindade não foi homem. Por nossa vez, confessamos que Ele se
separada da sua humanidade em nenhum momento, incarnou por nós, tomando para si um corpo real
nem pelo tempo de um piscar de olhos. Ao mesmo com uma alma racional. Compartilhou em tudo a
tempo condenamos com o anátema as doutrinas de nossa humanidade, exceto o pecado […] Nele estão
Nestório e de Eutiquio. (Paulo VI e Shenouda III) unidas de maneira real, perfeita, indivisível e
inseparável a humanidade e a Divindade, e todas as
propriedades de uma e outra nele estão presentes e
atuantes. (João Paulo II e Zakka Iwas I)
67 O grifo e nosso.
68 União das duas naturezas, humana e divina, na única Pessoa de Jesus Cristo (nota do tradutor).
Conclusão
As querelas teológicas que agitaram as Igrejas na antiguidade cristã se deram sobretudo pela
elasticidade dos conceitos filosóficos que não estavam definidos, podendo ter mais de uma
interpretação, mesmo que opostas entre si. Todavia, essas controvérsias tiveram importante função
na história da filosofia por ter definido conceitos como de “natureza” e “pessoa”, ainda não claros
na filosofia clássica.
Com as divisões eclesiásticas e o consequente surgimento de Igrejas separadas de Bizâncio
contribuiu para a formação de uma reflexão filosófica em língua siríaca, que usava o platonismo e o
aristotelismo em termos cristãos, formando um patrimônio greco-siríaco que estaria na base da
formação da falsafa, isto é, a filosofia em língua árabe desenvolvida na civilização islâmica e que
séculos mais tarde seria vertida ao latim e penetraria no Ocidente cristão contribuindo para os
fundamentos da modernidade.
Questões sociais e políticas tiveram grande peso nesses debates em que determinadas
doutrinas era assumida como um símbolo nacionalista ou étnico contra o imperialismo bizantino,
onde os interesses cristãos pouco contava, levando às grandes divisões que ainda hoje não foram
completamente superadas, embora as questões teológicas foram reconhecidas como
desentendimento de linguagem.
As massas sírio-cristãs, quer jacobitas, quer persas, por afinidade racial, por rejeição à
helenização forçada imposta pelo Estado bizantino, receberam os árabes muçulmanos contribuindo
para o estabelecimento do Império Islâmico, tanto polítoco, como intelectualmente, e, desse modo,
concorreram indiretamente para que Bizâncio se convertesse cada vez mais em uma nação grega,
preparando as bases do que seria a Grécia moderna.
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