Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Rafael Escobar Gustavo, brigado mesmo por ter pilhado essa entrevista aqui. Sobre
essa pergunta, eu realmente não curto me colocar na posição de alguém que “fala sobre
a cena”, do passado ou do presente. Sei que eu, pelo menos, por enquanto, não consigo
achar que eu esteja fazendo qualquer grande coisa, e sento pra escrever só pra ver de
quantas maneiras ridículas, bizarras, esdrúxulas, eu posso colocar o que eu sinto, o que
eu penso, o que eu não sinto, o que eu não penso, e qualquer outra ideia que eu por
acaso tenha. Não é que eu não “me leve a sério”, mas eu simplesmente não consigo no
momento escrever muito seriamente sobre qualquer coisa sem ter uma autoconsciência
da possibilidade de ser apenas uma estupidez, e expor isso no texto, ou escrever muito
estupidamente sobre qualquer coisa sem ter a autoconsciência da possibilidade de existir
alguma seriedade, e também expor isso no texto.
Rafael Escobar Tanto o título do livro quanto o próprio conteúdo dele e tal, não sei se
são uma tiração de sarro dos intelectualismos que existem por aí, talvez tudo isso seja
também um devaneio intelectualoide disfarçado em bobagens absurdas. Pra mim, me
parece mais adequado pensar que qualquer coisa pode ser encarada de qualquer jeito, se
a gente fizer alguns movimentos mentais. Bem essa relativização que tu falou. Gosto de
pensar que algo que eu acho maravilhoso também pode ser considerado uma porcaria a
partir de tal ou tal ponto de vista, e o contrário também. Adoro trabalhar com a ideia de
avacalhar tudo quanto é coisa, talvez até principalmente aquelas onde eu boto mais fé.
Eu gosto muito de filosofia, em vários sentidos, e procuro explorar esse interesse de
diferentes maneiras, uma delas é através de escrituras confusas e autoavacalhadoras. No
livro que eu tô escrevendo agora tem alguns trechos de um livro teórico que um
personagem escreveu, e é tudo colocado de um jeito bem sério, apesar de algumas ideias
serem absurdas ou inusitadas. Acho legal fingir que existe uma certeza sobre algo, tipo
um “sei lá, foda-se” disfarçado de “penso isso e aquilo” através de uma voz incerta,
incoerente. Não acho que todas essas coisas sejam encheção de linguiça, só não consigo
confiar muito em qualquer coisa, muito menos nas que eu faço, e acho que eu também
tô defendendo algo com o que eu escrevo, só não sei exatamente o quê, e gosto de pular
de um pensamento pra outro, talvez até oposto, e ficar perdido nesse lance fazendo as
coisas como vão vindo. Não consigo traçar um objetivo de onde quero chegar, e talvez
essa não seja uma maneira muito boa de encarar as coisas nos assuntos mais objetivos
da vida, mas na arte pra mim é assim que é mais prazeroso.
Gustavo Matte Esse caráter de busca por liberdade criativa, no sentido de não encarar a
ficção como um percurso narrativo preestabelecido, também me parece uma marca forte
do Elogio. É como se as noções de "início", "meio" ou "fim" não tivessem qualquer
importância, e o teu narrador funciona meio que como um flâneur
caminhando pelo texto e com o texto só pra ver onde ele vai dar. Mas, ao mesmo tempo,
é um texto que possui uma "memória" muito clara de si mesmo, obsessiva até, que não
deixa o leitor ficar perdido no meio do caos (ou da falta) do enredo. Pelo contrário:
elementos deixados em suspenso e detalhes aparentemente desimportantes são sempre
retomados, como se tudo estivesse sob controle. Na minha opinião, é um livro que
consegue a feliz tarefa de ser absolutamente delirante e, ao mesmo tempo, incrivelmente
metódico, rigoroso e obsessivo. Isso tem algo a ver com o teu processo criativo? Pode
falar mais sobre ele?
Rafael Escobar Acho que entendo bem o que tu quer dizer e, realmente, eu sei muito
pouco sobre o que vou escrever quando decido escrever. O meu planejamento tem uma
distância máxima bem curta. Sou o oposto daqueles escritores que planejam muito bem
as coisas antes de sentar pra escrever, de fato. O que eu gosto é justamente de ver aonde
a coisa vai indo, de um jeito meio sem querer mesmo. Agora, algo que eu faço o tempo
todo enquanto tô escrevendo um livro, ou um texto menor, é reler ele. Me obrigo a volta
e meia sentar e reler tudo, pra perceber coisas, ter novas ideias, me ligar em coisas que
podem ser recuperadas depois, acrescentar em partes anteriores coisas que dizem
respeito a algo que escrevi depois, e assim que eu acho que vai surgindo essa “costura”
que tu falou. Pra mim é assim que funciona. Em vez de um plano já elaborado que vou
colocando em prática, eu tenho mais um planejamento constante que vai mudando o
tempo todo, mas não sei se funciona direito, não sei se é pra funcionar direito.
Gustavo Matte Depende do ponto de vista (risos). Bem, é óbvio que uma cena não se
faz só de escritores, tampouco só de leitores, mas também – o que é essencial – de
lugares e plataformas para circulação das obras e encontro entre o escritor e seu público.
Como tem sido isso pra ti? Como e onde tu encontrou e segue encontrando os teus
leitores? Tem havido trocas, retorno, conversa?
Rafael Escobar Acho que foi em 2009 que eu fiz meu primeiro blog, e depois dele
vieram vários outros. Em 2012 fiz o blog Fragmento de Frase, onde eu postava os
textos que também postava no Face. Em 2013 apaguei o blog e criei a página no Face.
A internet sempre foi minha plataforma, foi onde eu construí alguma espécie de coisa, e
até hoje não consigo e nem quero me desvincular disso. Por mais que eu tenha meus
projetos de publicação em papel, pelo jeito não consigo parar de publicar coisas no
Facebook. É na internet também que eu leio muitas pessoas, conheço outros escritores,
etc. Sou fascinado pela ideia de literatura na internet, e acho uma pena que os supostos
preocupados com literatura contemporânea normalmente deem pouca ou nenhuma
atenção pra isso tudo. Existem sim muitas trocas, não tenho ideia de quantos artistas de
tudo quanto é tipo de arte eu já conheci por causa da internet, inclusive alguns que se
tornaram amigos.
Gustavo Matte Concordo. Também acho uma pena. Tem alguma coisa que tu gostaria
de dizer e que talvez as minhas perguntas não tenham te dado chance?