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VIII ENCONTRO DE CORTES SUPREMAS

DOS ESTADOS-PARTES DO MERCOSUL E ASSOCIADOS

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (PRESIDENTE)

- Boa tarde. Retomando os nossos trabalhos, tenho o prazer

de apresentar e deixar com os Colegas a nossa Colega

Ministra Cármen Lúcia, que vai nos dirigir a palavra

representando o Supremo Tribunal Federal.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Boa tarde

a todos. Tenho a honra de reiterar, aqui, as boas-vindas

que o Presidente deste Supremo Tribunal já manifestou,

certamente, a todos os Senhores e, em meu próprio nome,

também reitero, ainda uma vez, a nossa enorme honra de

poder contar com a presença de todos os Senhores e podermos

discutir alguns dos problemas que são comuns e as soluções

que podemos dar a esses que seriam os problemas comuns a

todos nós. Vou considerar que todos se sintam individual e

pessoalmente cumprimentados por mim nessa hora.

Trabalhamos num primeiro painel, agora à

tarde, sobre os direitos fundamentais exatamente nos nossos

Estados do Mercosul, e gostaria, então, de fazer algumas

observações para, na sequência, todos nós podermos

participar e trocar as experiências dos diferentes países.

Farei isso fazendo a primeira apresentação

do que temos pensado sobre o tema de direitos fundamentais

na jurisdição constitucional brasileira; e não apenas na


jurisdição, mas como pensamos o tema dos direitos

fundamentais neste momento, não apenas da América Latina,

mas do mundo em geral. Farei a primeira apresentação e, na

sequência, todos nós, então, poderemos nos ouvir para

chegarmos a algum consenso sobre esse tema.

Gostaria de começar as minhas observações,

portanto, não citando a Constituição brasileira ou algum

jurista de renome, mas um poeta brasileiro chamado Ferreira

Gullar, que tem um poema denominado "Nós, latino-

americanos", que tem muito a ver exatamente com o tema dos

direitos humanos e com as nossas experiências. Ele afirma

que somos todos iguais, nós latino-americanos, não porque

seja o mesmo o sangue que no corpo levamos. O que tem sido

o mesmo é o modo como o derramamos. Historicamente nós nos

irmanamos não apenas no sangue do corpo, mas no sangue

derramado do corpo que, na nossa história, tem sido

constante e mais ou menos com características comuns.

Parto disso para fazer essas observações

iniciais e, na sequência, todos nós podermos fazer uma

troca das nossas experiências e do nosso pensamento sobre

essa matéria que é fundamentalíssima.

Gostaria de começar dizendo que, talvez,

haja três pontos que eu observaria inicialmente. O primeiro

é que me parece que não dá para pensar direitos humanos, em

nenhum lugar do planeta, hoje, sem previamente pensar na

ética do Estado e da sociedade, porque, primeiro, esse tema


é um ponto crucial, penso, das organizações estatais e até

das instituições supranacionais. E mesmo nós, do Poder

Judiciário, penso que não temos nem o direito nem a falta

de percepção de que a ética realmente perpassa todas as

instituições. Penso que agora não é qual a ética, mas como

se garantir a ética que garantirá relações nacionais e

relações internacionais seguramente comprometidas com os

objetivos fundamentais não de cada Estado, mas de todos os

Estados para todos os cidadãos.

Tenho dito que é a ética ou o caos, como se

tem, aliás, como o título de um livro de um autor francês.

E, no nosso caso brasileiro, observamos de uma forma muito

peremptória que a ética é imprescindível para que tenhamos

direitos fundamentais, porque alguns dos direitos

fundamentais dependem basicamente do atendimento dos

princípios éticos. Os recursos públicos que não vão para o

público, que não se voltam para o público por força da

corrupção, acabam fazendo com que direitos fundamentais,

especialmente direitos sociais, não sejam plenamente

atendidos.

Ainda temos um deficit, por exemplo, de

saúde e de educação, que é histórico e que, em grande

parte, realmente se deve ao não cumprimento dos princípios

éticos. Parece-me que - não está escrito na Constituição,

no caso brasileiro, a não ser em algumas Constituições de

alguns entes da Federação - todo cidadão tem direito ao


governo honesto e que o governo honesto garantirá todos os

direitos fundamentais, porque há uma ligação, realmente,

imprescindível entre esses dois dados: a ética e os

direitos fundamentais.

A segunda observação que eu faria

inicialmente - e aí é uma observação pessoal - é que penso

que não estamos vivendo um tempo de mudanças, porque, se

pegarmos desde a Antiguidade até agora, veremos que todo

mundo, no seu tempo, achou que estava vivendo um tempo de

mudanças. Penso que estamos vivendo a mudança de tempos. É

outro momento da História e com paradigmas absolutamente

novos tanto do ponto de vista político quanto do ponto de

vista social, do ponto de vista do conhecimento e de

tecnologias. E isso tem tudo a ver conosco, juízes, porque

não adianta pensar num modelo de Judiciário que desconheça

esse novo momento que a humanidade atravessa, quer dizer,

nós, juízes brasileiros, em grande parte, somos pessoas que

lidam com o computador como se fosse máquina de escrever de

luxo, mas o jovem, hoje, raciocina de uma maneira

diferente, ele pensa de uma maneira diferente, ele

verbaliza de maneira diferente, expressa isso de maneira

diferente e esse é um cidadão para o qual preciso atentar.

Então essa mudança de tempos, para mim, também tem uma

imbricação direta com os direitos humanos e como vamos

prestar jurisdição nestes tempos de tantas mudanças.


Cito um exemplo do que vivo como Vice-

Presidente do Tribunal Superior Eleitoral: estamos numa

eleição e, no caso brasileiro, comparecendo às urnas cento

e trinta e cinco milhões de pessoas; temos 27 Estados na

Federação e, nas eleições de 2008, só o meu Estado de Minas

Gerais teve sessenta e sete mil candidatos a vereadores que

formam o Poder Legislativo local. Há três semanas, tivemos

que decidir se o twitter e o blog eram direito à informação

e garantiriam o direito à resposta. Numa eleição que tem

cento e trinta e cinco milhões de pessoas, há de se

imaginar o que isso representa em termos de demandas

judiciais para a jurisdição eleitoral. E não adianta eu

desconhecer, como juíza, que essa é uma realidade do meu

tempo e tenho que achar uma solução para não inviabilizar a

jurisdição e para não frustrar a cidadania. O cidadão vive

no mundo de hoje com essa realidade, inclusive tecnológica.

E o terceiro dado que eu ainda chamaria a

atenção inicialmente, antes de fazer as observações sobre

direitos fundamentais no Mercosul e que faz parte, no

fundo, de um pensamento sobre direitos fundamentos neste

início de século XXI, é que penso que estamos vivendo

também mudanças sociais para o Estado e não como até,

digamos, o início do século XX, em que o Estado pensava as

suas mudanças.

Para os Senhores terem uma ideia, já tivemos

julgamentos, nesse ano de 2010, aqui no Supremo, em que um


enorme número de cidadãos compareceu e ficou em volta do

Supremo durante o julgamento. Como os Senhores sabem, nem

precisaria da presença física, porque as nossas sessões são

televisionadas e, por isso mesmo, podem ser assistidas por

todo mundo. Com isso o cidadão opina sobre o que fazemos.

Eu, que ando muito de táxi e tudo o mais,

escuto, às vezes, a crítica de uma pessoa que é leiga mas

que, de todo o jeito, é a vida dela quando eu decido.

Escuto os seus comentários sobre essas decisões, nem sempre

bem compreendidas, mas é o que ela compreendeu e o que pode

repercutir para a sua vida. Essa mudança social, a meu ver,

impõe uma mudança, realmente, do Estado como um todo e do

Poder Judiciário.

Já tivemos decisões, por exemplo, em

fevereiro desse ano, sobre a execução de penas no Brasil,

em que o país inteiro discutiu o tema. Havia programas de

rádio perguntando para o povo o que ele achava do que os

onze Ministros do Supremo tinham decidido, sendo que o

Direito é uma matéria técnica - mas é sobre a vida de todo

o mundo - e o Direito Constitucional muito mais. E aí

escutávamos todo o tipo de opinião, todo o tipo de retorno

nos foi dado. Alguns até muito agressivos, que é um direito

deles de se expressarem e de falarem.

Então, até aqui eu sempre encontrava uma

dificuldade enorme de fazer mudanças nas instituições

estatais, porque mudarmos de dentro para fora, até


pessoalmente, é difícil, imagine o Estado mudar. Era mais

ou menos um processo de querer mudar com muitos cuidados. A

imposição e a presença da sociedade para impor a mudança,

para nós, realmente é um fator novo, é uma democracia

participativa direta e que, no caso brasileiro, tem sido

sentida e vista o tempo todo.

Várias vezes os cidadãos comparecem, ficam

em frente ao Supremo dizendo que estão nos assistindo e

tudo o mais. Essa é uma mudança, portanto, social e com

impacto direto sobre a forma de agir. Como sempre digo, o

cidadão tem o direito de gritar, mas o juiz não tem o

direito de julgar segundo esse grito, uma vez que ele é

escravo da Constituição. Mas, de todo o jeito, não posso

desconhecer que a cidadania mudou e impõe uma mudança,

portanto, para todos nós.

E a partir disso é que, então, pensamos os

direitos fundamentais no Mercosul - e aqui também chamaria

a atenção inicialmente para o que me parece ser uma mudança

de paradigma do Estado constitucional, também neste momento

que estamos vivendo, do final do século XX ao início desse

século XXI. Tínhamos o constitucionalismo com a soberania

como ideia forte e hoje temos o constitucionalismo

cooperativo, que pode chegar até a um constitucionalismo

integrativo, como é o da União Europeia, que dá surgimento

ao direito comunitário, mas é certo que a ideia de

soberania que fazia com que cada Estado fosse estanque,


isolado, parece-me superada. Daí a constitucionalização do

Direito Internacional e a internacionalização do Direito

Constitucional.

O Supremo Tribunal Federal, no nosso caso,

que tem no artigo 1º da nossa Constituição que a República

Federativa do Brasil tem como fundamento a soberania, o

Supremo lê a soberania popular e não a soberania estatal. O

Brasil é, sim, um Estado soberano aberto a todos os outros

Estados.

Digo isso porque, na sequência, nós temos no

mesmo título da Constituição o artigo 4º que estabelece,

textualmente, exatamente, que nas relações internacionais o

Brasil tem como princípios o respeito à independência dos

povos, o respeito aos direitos humanos, e um parágrafo que

fixa, impõe, portanto, não a governos, mas ao Estado

brasileiro o cumprimento de uma aliança ou de uma formação

da comunidade latino-americana. Exatamente porque, muitas

vezes, nós, latino-americanos nos aliamos a Estados

europeus. Ao invés de, eu digo, dançarmos tango, muitas

vezes, nós resolvemos dançar o que estava na moda em Nova

Iorque ou em Paris, quando era muito mais próprio da nossa

alma exatamente o que estava mais perto de nós.

Acho que esta mudança da forma de atuar é

uma mudança deste tempo e, no caso brasileiro, é uma

imposição constitucional. Esse constitucionalismo

cooperativo determina mesmo uma nova forma de aliança entre


nós, digo de aliança porque é uma soberania aberta, nós

queremos garantia à cultura local e aos interesses locais

com o outro e não isoladamente. Quer dizer, não por

imposição da globalização apenas do ponto de vista

econômico ou mercantil, mas do ponto de vista do ser

humano. Esta mudança é muito significativa. Eu digo sempre

que o Estado não é mais uma autorreferência, mas uma alter

referência; é a referência do outro e com o outro, não um

fim em si mesmo e buscar fechar-se especialmente na matéria

jurídica, especialmente nesse campo.

Por isso que os direitos fundamentais para

mim são esse fio que conduz a nossa aliança, essa

comunidade que faz com que a base da comunidade não seja

precária, nem seja algo de momento, porque não é

governamental, é realmente da sociedade para o Estado e do

Estado para o Estado irmão. Essa é uma mudança que faz com

que nós interpretemos a Constituição, digo, nós juízes

brasileiros, interpretemos a Constituição levando em

consideração a nossa ponte permanente com o outro.

E, neste caso, nós temos na integração as

instituições nacionais, as instituições estatais, mas,

também, um grande número de organismos cooperantes.

Então, eu fico vendo que algumas formas hoje

de solucionar problemas, de solucionar conflitos, por

exemplo, através da mediação, ficam ao lado do Poder

Judiciário formal, mas que nós estamos pensando em convidar


a sociedade a dizer o Direito no caso concreto sem,

necessariamente, precisar de vir à Justiça formal, aos

órgãos de Justiça formal.

No caso brasileiro nós temos tido a cada

ano, no mês de dezembro, uma semana que nós chamamos semana

da conciliação. Os últimos anos têm sido com o slogan

"Conciliar é legal". E o próprio Supremo Tribunal Federal e

o Conselho Nacional de Justiça convidam o povo, naquela

semana, a fazer um mutirão para solução de conflitos.

Isto tem sido feito internamente, e temos

pensando que esses mutirões na áreas de fronteiras dos

Estados talvez possam vir a ser soluções muito benéficas

para os cidadãos dos Estados e mesmo para que tenhamos

soluções mais rápidas de conflitos que podem, realmente,

chegar a um bom resultado com aplicação do Direito com

respeito a todos os povos.

E, finalmente, temos um item para ser levado

em consideração e para ser pensado no caso do Mercosul,

especificamente, que é o princípio do efeito direto dos

atos assinados pelos Estados-partes. Quer dizer, enquanto

isto na Europa já é algo que se consolidou, no nosso caso,

nós precisamos, ainda, de passar pelo Direito interno. Isso

nem sempre tem aceitação imediata, nem tem eficácia

imediata, mas me parece que, para conseguirmos conciliar

todos os direitos dos Estados soberanos que formam o

Mercosul, talvez seja importante o efeito direto das


decisões tomadas no Mercosul, que, realmente, possamos

andar um pouco mais e com uma certa rapidez nisso.

Fico lembrando-me que Bobbio afirmava que -

no início da década de 90 - o problema já não era quanto a

direitos humanos, de conquistar novos direitos, mas de dar

eficácia aos direitos que nós conseguimos conquistar, e que

este é o desafio do nosso tempo. E dar eficácia aos

direitos humanos, no âmbito do Mercosul e até dos Estados

associados, parece-me o ponto crucial e, aí, o princípio do

efeito direto talvez seja um ponto que tenhamos que avançar

muito mais do que conseguimos avançar até agora,

especialmente porque é aí que a jurisdição teria eficácia

plena e que o cidadão sentiria que, realmente, recebe

aquilo que lhe é devido e que foi reconhecido como devido.

Há quinze dias atrás, exatamente, na sexta-

feira, dia 12, os Ministros da Justiça dos Estados do

Mercosul e de mais seis Estados assinaram um documento -

que é um passo adiante do que nós temos até hoje em termos

de captura e entrega de presos, que hoje para nós depende

do processo de extradição, no caso brasileiro pelo Supremo,

às vezes extremamente demorado com a pessoa presa, o

extraditando preso -, firmando o que foi chamado de

"Mandado Mercosul de Captura", e, portanto, de acordo com o

Direito de todos esses Estados, o mandado será cumprido,

imediatamente, desde que verificado que é uma ordem

judicial da parte requerente, sem precisar do processo


inicial de extradição, mas dando sequência a ele e

guardados alguns dos princípios fundamentais da extradição,

que é um processo pesado, demorado, às vezes, e nós temos

discutido, no Brasil, que um preso brasileiro pode ter de

ser solto por excesso de prazo de prisão. No entanto, o

extraditando, às vezes o cidadão do nosso Estado irmão,

fica preso muito mais tempo porque, enquanto durar o

processo de extradição, excesso de prazo não conta.

Então, esse tipo de conduta - como esse que

foi adotado pelos Ministros da Justiça no âmbito do

Mercosul - talvez seja um passo adiante realmente

necessário para repensarmos até o peso dessa jurisdição

formalizada para a qual queremos segurança, mas também

eficácia e celeridade.

Acho que, portanto, a questão da eficácia

dos direitos fundamentais, no âmbito específico do

Mercosul, depende realmente de novos modelos processuais,

não no sentido do peso de um processo, mas de uma leveza e

de uma celeridade maior.

Fico sempre pensando que eu não sei se nós

precisamos de tantos papéis e de tantas burocracias para

dar segurança num mundo em que falamos com o Japão apenas

com uma tecla de telefone e não tem insegurança, ou pelo

menos não tem mais do que a insegurança normal da vida. Por

que nós precisamos manter essas situações? Já tivemos

situações de extraditandos presos durante três anos, sendo


que não sabemos se continua lá o processo, se realmente

teve sequência e tudo mais.

Então, a eficácia dos direitos fundamentais

é o tema mais importante, agora, para que consigamos,

efetivamente, pensar cada um desses institutos.

O ponto de partida, a meu ver, para que

tenhamos um avanço na jurisdição constitucional e na

jurisdição dos direitos fundamentais nos Estados do

Mercosul, talvez seja ter uma pauta mais concreta do que

nós queremos. Nós estamos discutindo carta e declarações

que eu acho necessárias. Eu canso de dizer, como professora

de Direito Constitucional, vi tantas críticas à

Constituição brasileira quando entrou em vigor em 88. Muita

gente criticava dizendo: "É direito demais!" Não. A

Constituição é necessária, o documento é necessário, a

pessoa saber onde vai para buscar qual o direito é

imprescindível. Mas não é suficiente.

Da mesma forma, só ter cartas, documentos,

leva-me sempre a uma fala de Montesquieu que dizia que

tanto mais corrupto é o povo que tenha mais leis e mais

normas para serem cumpridas, porque é mais fácil descumpri-

las, sob a alegação de desconhecer.

Ninguém conhece todas as leis quando as leis

são demasiadas num Estado. Então, o ponto-chave é ter uma

agenda concreta de direitos fundamentais em pontos que

precisam ser atacados e que seriam comuns e com uma


resposta mais pronta e mais inovadora do ponto de vista da

formalização dos processos.

E, neste caso, sempre me preocupa um dado

sobre quais são as urgências sociais, regionais que nós

temos. Volto ao que dizia o poeta, quais são as nossas

dores maiores para termos mais esperanças de ter soluções

para elas? Quer dizer, essas urgências sociais são

diferentes do que é a Europa, são diferentes do que é a

África, nós temos as nossas próprias dificuldades mais

iminentes e de maior premência. Acho que fixar essa pauta,

essa agenda, talvez desse mais concretude, mais eficácia e

fôssemos capazes de pensar soluções mais próximas para que

nós mesmos chegássemos à eficácia desses direitos

fundamentais.

Eu sempre levo em consideração, neste caso,

a questão do mínimo existencial necessário para todos nós,

pelo menos dos Estados do Mercosul. Digo isso porque, no

nosso caso, o mínimo existencial é muito diferente do que é

para um alemão, por exemplo, ou para um finlandês. O nosso

mínimo existencial, no caso brasileiro, mesmo no nosso

Estado é diferente. Nós temos pessoas que vão para o

trabalho de helicóptero e ainda temos brasileiros que não

têm nem o ônibus para chegar ao seu local de trabalho.

Então, essa mesma defasagem que eu tenho aqui dentro nós

temos, também, nos diferentes Estados hoje no mundo.


Portanto, acho que saber qual é a urgência

regional, social, talvez nos desse um enfoque mais rápido

para que pudéssemos chegar a esta carta, a esses documentos

e fazer com que pudéssemos andar juntos de uma forma mais

eficiente.

E, neste caso, tenho pensado que a garantia

dos direitos fundamentais do bloco latino-americano,

especificamente do Mercosul, talvez pudesse propiciar uma

multiplicação da cidadania, ao que eu chamo de "múltiplos

da cidadania e da cidadania múltipla".

O Mercosul surgiu, claro, muito em termos de

coisas, dos negócios, do comércio, dos dinheiros, da livre

circulação nesse sentido, mas não da livre circulação de

direitos ou da não recriação dos direitos no âmbito de todo

Mercosul. E considerando as diferenças, eu me lembro bem

quando nós discutimos a questão dos direitos do consumidor,

como alguns Estados eram muito diferentes dos outros, nós

não conseguimos chegar a um patamar. Em termos de direitos

fundamentais, no entanto, este patamar mínimo precisa ser

devidamente resguardado porque, aí, todas as Constituições

resguardam, garantem e expressam os direitos fundamentais,

a dignidade da vida, e o que seja a dignidade da vida. Acho

que nesse sentido é que nós poderíamos, talvez, construir

os Tribunais mesmo, aberturas e possibilidades, até com a

tecnologia, com as novas formas de conhecimento, para que

pudéssemos andar mais depressa e garantir a todos os


cidadãos as condições realmente de efetivar os direitos sem

precisar desse ônus maior.

Neste caso, o Protocolo de Olivos cumpriu um

papel, foi uma etapa importante. Acho que, talvez, se as

opiniões consultivas forem devidamente orientadas - no

nosso caso é pelo Supremo -, no caso de direitos

fundamentais, nós consigamos que a resposta tenha, não a

vinculação que tem já na Europa com o reenvio prejudicial,

mas eu acho que nós conseguiríamos, realmente, ter uma

melhor condição de, através dessas primeiras experiências,

ter um equacionamento mais equilibrado de como atentar e

dar eficácia aos direitos fundamentais.

As Constituições dos Estados do Mercosul

todas têm uma previsão de supranacionalidade, ainda que em

sentido muito diferenciado, Argentina e Paraguai já muito

mais avançado, Uruguai falando em integração social, e o

Brasil, que tinha no artigo 4º o nosso ponto de apoio,

avançou com a Emenda Constitucional nº 45, que é de 2004,

porque foi introduzido - nós já tínhamos a previsão

constitucional dos direitos e garantias que são de uma

listagem muito fecunda do artigo 5º da Constituição - que

além daqueles previstos teriam outros decorrentes de

tratados. Mas sempre ficou no Brasil a dúvida sobre qual

era a importância desses outros direitos, reconhecidos em

tratados, para fins de uma superconstitucionalidade, de um

vigor maior. Então, houve uma mudança acrescentando-se dois


parágrafos a este artigo 5º, fixando, expressamente, que os

direitos fundamentais decorrentes de tratados, quando

votados por dois terços do Congresso Nacional, têm o mesmo

efeito de uma emenda constitucional, e, portanto, integram

o núcleo duro da Constituição brasileira e nem podem mais

ser mudados agora, a não ser por outra Constituinte.

Com isso, tivemos um avanço muito grande no

patamar de reconhecimento jurisdicional dos direitos

fundamentais. Acho que isso, portanto, faz com que aquela

proposta, que faço, de que tivéssemos direitos fundamentais

reconhecidos pelos tribunais, e que através, talvez, das

opiniões consultivas mesmo, pudéssemos fazer com que os

outros tribunais chegassem a pensar aquelas soluções dadas

por um dos tribunais ou por mais de um Estado, que

realmente se consiga chegar a essa agenda.

Nesse caso, listei alguns temas que me

parecem realmente os mais graves, pelo menos na pauta

brasileira de direitos fundamentais.

Essas urgências, no caso brasileiro,

primeiro estão postas numa crise penitenciária permanente

no Brasil, que é gravíssima, e sei que não é só do Brasil.

É o que me atinge de uma forma mais direta, é o meu caso,

porque temos um problema, realmente, que demanda não apenas

soluções legislativas, mas soluções judiciais. Temos mais

de quatrocentas mil pessoas em penitenciárias, o que é um

número enorme. Este número não se cumpre com penitenciárias


em condições humanas. Tivemos em mutirões carcerários,

feitos pelo Conselho Nacional de Justiça, a triste

conclusão de que tinham pessoas com mais de dois, três anos

presas sem processo, sem sequer ter a culpa, portanto, em

condições graves. Como digo, temos essas situações

internas, mas situações, por exemplo, nas fronteiras em que

não se consegue saber muito bem em que condições estão,

portanto, temos de repensar. Eu até tenho dito que talvez

seja a hora de se reconhecer que Beccaria morreu e que nós

precisamos de um novo Beccaria. O sistema de delitos e de

penas, realmente, precisa ser repensado; e, no caso do

Brasil, nós ainda não repensamos, e não é só no caso

brasileiro. Mas estamos a discutir isso, exatamente, pelas

vicissitudes, pelos erros que conseguimos detectar. Em

grande parte, também, porque, pelo número de processos que

nós temos, temos um deficit judicial muito grande que, no

processo penal, atinge a vida e a liberdade dessas pessoas.

O que é grave, mas que eu acho, também, não é uma realidade

só brasileira, embora, como eu digo, o que me afete, de uma

forma mais direta, seja o que eu não dou conta de cumprir

com eficiência.

Por outro lado, temos violências sociais

graves que atingem os direitos fundamentais. Por exemplo,

temos que tomar medidas cada mais graves, e temos tomado,

não apenas do ponto de vista legislativo, mas judicial,

relativamente à violência contra crianças e adolescentes,


em grande parte decorrente de um fenômeno mundial, o

gravíssimo problema das drogas, que no caso nosso do

Mercosul, também, é um caso de todos. Não é um caso isolado

de ninguém, que não tem uma solução, e não terá uma solução

isolada de nenhum Estado, até porque pelas fronteiras é,

exatamente, que todos os Estados acabam sendo serventes à

profícua proliferação deste mal. Os jovens são os

apanhados, e temos, cada vez mais, com a globalização a

facilidade enorme de maior criminalização desse fenômeno.

Temos a destruição de jovens com o crack, agora. O crack

destrói rapidissimamente, e são jovens de todos os lugares.

Temos a violência de rua, a questão da

segurança ou insegurança física mesmo nas ruas, que também

todas as grandes cidades do mundo têm, mas que talvez

devêssemos repensar. Afinal o Estado moderno foi fundado,

exatamente, levando em consideração a liberdade física, e

nem esta estamos conseguindo dar, especialmente nas grandes

cidades.

A violência contra a mulher continua sendo

um ponto comum na América do Sul, mais comum do que em

outros Estados. Eu não acredito que nenhuma democracia do

mundo vai se realizar, com a população que temos, se nós

não repensarmos isso e não nos comprometermos. Acho que é

preciso se pensar, talvez, em mecanismos de prevenções, ou

de acentuar a jurisdição constitucional em todas as formas

de marginalização e de preconceitos contra os velhos,


contra os índios, os quais temos ainda em grande

quantidade, enfim, contra todas as formas de discriminação

e de racismo. E acho que, talvez, o que se possa fazer em

termos, realmente, de mudança de comportamento da

jurisdição seja, no caso, primeiro, introduzir na pauta dos

direitos fundamentais um novo ator, que é a sociedade,

porque sempre se pensava - como dizia no início - de dentro

para fora: o Estado pensando e imaginando qual a solução

que daria. Hoje, temos a sociedade querendo falar sobre os

seus direitos, em todo lugar, de todo jeito, e é exatamente

o cidadão que pode nos introduzir o que ele quer, e com que

rapidez ele quer a resposta judicial aos seus principais

problemas.

Por outro lado, hoje, pelo menos a

experiência brasileira tem sido nesse sentido de, em grande

parte, fazer com que a sociedade converse com as

instituições, por exemplo, o Judiciário.

Como eu disse, tivemos alguns julgamentos

aqui; e, no ano passado, tivemos um julgamento que foi de

grande repercussão para os brasileiros, sobre uma reserva

indígena, a Reserva Raposa Serra do Sol. E nós, o então

Presidente Gilmar Mendes, eu e outro Ministro da Casa,

fomos até o local, conversamos com os índios, verificamos a

situação para saber como interpretar a Constituição, e o

que havia de fato ou de discurso jurídico, naquilo que nos

era entregue para solucionar. Quer dizer, tenho dito que o


juiz, cada vez mais, vai ter de ir aonde o povo está, e não

esperar que aquele único cidadão venha aqui, até porque, em

termos de direitos fundamentais, não é cada um que diz:

onde houver alguém com os seus direitos, de alguma forma

violentados, dói em todos nós e é comprometimento de todos

nós?

Acho que a questão, portanto, de direitos

fundamentais para o Mercosul talvez seja estreitar as

pautas mais concretas e, principalmente, pensar soluções

que possam ser mais eficazes, de maneira mais rápida, para

que se dê resposta aos cidadãos de uma maneira geral.

Eu diria, e apenas para escutar os senhores,

que, como toda instituição humana, o Mercosul e o

Judiciário no Mercosul não é um construído, é uma

construção permanente. Se nós já andamos, e no caso

brasileiro eu digo como juíza, faço mea culpa que há muito

a andar, há muito a conquistar e de uma forma muito rápida,

porque a reclamação social cresce muito mais na medida em

que a democracia se fortalece. Quanto mais democrática a

sociedade, mais o cidadão participa e quer uma resposta do

Estado, especialmente do Estado juiz. Nesse caso, temos de

dar essa resposta, exatamente pensando novas formas, porque

temos uma Justiça, inclusive uma Justiça Constitucional

artesanal para uma sociedade de massa. Essa incoerência não

nos leva a uma solução fácil. Costumo brincar que o cidadão

quer que eu leia, estude e dê, se possível, por escrito, a


solução para o caso dele com rapidez. Mas ele quer isso, e

mais setenta milhões de brasileiros querem, que é a média

do número de processos em andamento no Brasil. Temos cento

e oitenta e cinco milhões de brasileiros, e na posse do

Ministro Cezar Peluso, ele fez uma referência de que

estariam em tramitação setenta milhões de ações, ou de

processos, eu não diria de ações porque há os recursos; o

que significa que tenho a sociedade litigiosa demandado a

reposta do Poder Judiciário, querendo que cada juiz leia o

seu caso, mas é impossível, se tenho quase um terço de

brasileiros em juízo.

Isso, portanto, é o grande desafio,

especialmente no campo dos direitos fundamentais, porque

esse não pode esperar. Costumo dizer que quem tem fome tem

pressa, porque a fome dói e a dor é contra a dignidade da

pessoa humana. Quem precisa de um remédio não pode esperar,

e no caso brasileiro isso chega aqui no Supremo Tribunal, a

demanda chega aqui, e precisamos, portanto, dar essa

resposta. Esse é o desafio: dar resposta com rapidez, com

celeridade, mas, também, com segurança, porque o direito

tem um tempo próprio, mas a sociedade tem uma pressa

própria, e precisamos chegar exatamente a este equilíbrio.

Na área da jurisdição constitucional,

portanto, tenho que o Mercosul tem desafios grandes demais,

talvez mais do que no início do Mercosul, quando foi

formado, porque a sociedade mudou com rapidez enorme na


parte do conhecimento, tanto mais informados dos seus

direitos, quanto mais os cidadãos vêm ao Judiciário buscar

a sua resposta. O que é bom. O problema é a gente saber dar

essa resposta.

Por outro lado, acho que, também, a

sociedade e as condições atuais de conhecimento, de

informações, nos dão condições de oferecer alternativas

melhores, mas para isso é preciso que se pense um

Judiciário novo. Qual é esse Judiciário e para qual o

jurisdicionado é o grande desafio.

Mas tenho realmente uma enorme esperança de

que sejamos capazes juntos, sabendo dessas urgências

nossas, de acumular nossas informações, nossos

conhecimentos, para que se pense essas alternativas novas,

que quanto mais juntas forem, melhor para os cidadãos

latino-americanos, especialmente esses que compõem a

América do Sul.

Comecei citando um poeta e vou terminar

citando um escritor moçambicano, Mia Couto, que tem uma

literatura muito próxima da nossa brasileira. E ele fala de

histórias "abensonhadas", que é uma palavra que ele criou,

porque ele dizia que em Moçambique tinha sempre o sonho da

chuva, para eles terem as soluções para os seus problemas,

e quando a chuva caia era uma benção; por isso ele criou a

palavra "abensonhada", de benção e de sonho. Acho que o

Direito Constitucional é o Direito "abensonhado" nesse


sentido. É uma benção, quando ele é eficaz, eficiente, o

ser humano se sente seguro, e é o Direito das utopias

possíveis, porque conseguimos conquistar os direitos, e

fazer com que eles valham; o que melhora a vida da gente é

a possibilidade de se buscar ser feliz. Mas para isso é

preciso que nós, principalmente juízes, sejamos capazes da

criação e da recriação dessas instituições, que, a meu ver,

realmente estão a demandar um repensamento rápido, porque

aprendi que ou vivemos com o nosso tempo ou o tempo vive

sem nós.

Mais de uma vez, na experiência brasileira,

quando o Judiciário não deu respostas, nas décadas de

sessenta e setenta, tivemos até experiências de

linchamentos na sociedade, porque, à falta de uma resposta

do Estado, a sociedade fez justiça pelas próprias mãos; e,

aí, esse é um desafio em que nós nos colocamos

permanentemente.

Por isso, a honra de recebê-los para esse

encontro, e de poder agora escutar quais as alternativas e

as propostas que podemos pensar para ter uma mudança, ou se

é uma continuação, mas, enfim, dos modelos de prestação da

jurisdição em termos de direitos humanos.

Agradeço a paciência dos senhores de terem

me ouvido, mas eu queria muito, agora, escutar, talvez a

partir daqui, as experiências e o que os Senhores teriam a


oferecer para que possamos pensar e pautar alguma coisa

mais concreta para os direitos fundamentais no Mercosul.

Agradeço e vou passar a palavra. Vou

escutar. Todos nós vamos falar, exatamente, sobre essa

experiência.

(Exposições)

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Eu

gostaria de até fazer algumas considerações e voltar.

Acontece que a Ministra Ellen Gracie, minha Colega, que na

sequência continuará com outro painel, já está há algum

tempo a nos aguardar.

Faria apenas algumas observações brevíssimas

para agradecer a presença e a oportunidade que tive de

poder estar aqui e ouvir os Senhores e poder falar, dizer

que me aparecem duas coisas das ideias todas, e que seriam

muito mais se nós tivéssemos tido, evidentemente, mais

tempo.

Primeiro que é, sim, competência dos

tribunais constitucionais. Eu acho que, no Estado moderno,

a se tomar só realmente a partir das revoluções, portanto,

séculos XVII e XVIII, vamos ver que o Estado começou com o

Legislativo forte. A própria doutrina da separação de

poderes, em grande parte, enfatizava o Legislativo, porque

havia quase um fetichismo pela lei. Se houvesse lei, não


haveria ruptura alguma a direitos. Depois, nós tivemos, no

final do século XIX e século XX, uma ênfase no Executivo,

porque era o garantidor da segurança individual e social, e

também os serviços públicos que cresceram e era o Executivo

que os prestava. E chega-se a isso que no início eu

lembrava citando Bobbio. É preciso ter os direitos

conquistados formalmente mesmo nas constituições, mas é

preciso que as constituições sejam cumpridas rigorosamente.

E quem garante esse cumprimento é o Poder Judiciário em

última instância.

Então, eu acho que a legitimidade do Poder

Judiciário, a efetividade do Poder Judiciário,

especialmente daqueles que têm competência constitucional,

é a garantia do cidadão de o que está na lei será cumprido,

o que está na Constituição será observado e,

principalmente, os seus direitos não serão discurso ou

retórica de uma legislação numa prateleira, mas serão

efetivamente cumpridos, observados e a sua inobservância

encontrará alguém que fará garantir o retorno ao estado de

legalidade.

É claro que, no momento que nós vivemos,

temos desafios maiores, porque nós precisamos não apenas de

saber que não é mais só o Estado violador, mas as relações

particulares que violam direitos fundamentais e que não

estavam na ordem das preocupações até mesmo dos

constituintes de vinte anos atrás. Nem por isso se pode


imaginar que os tribunais constitucionais não serão capazes

de interpretar a norma para atender as finalidades a que

ela se destina. Portanto, teremos capacidade para repensar

a forma de atuação e atuar de maneira que a Constituição

seja cumprida nos seus objetivos básicos.

Acho que todo caminho, como dizem os

chineses, mais longo ou mais curto, começa pelos primeiros

passos. Estarmos reunidos aqui - que já não é a primeira

vez - não é um primeiro passo. É um passo a mais de muitos

outros que nós teremos de dar, mas certamente essas ideias,

com certeza, irão de alguma forma fecundar para que

cheguemos às melhores conclusões e a boas alternativas e

possamos nos acrescentar.

Agradeço muitíssimo. Gostaria realmente de

poder prolongar o debate, mas convido a Ministra Ellen

Gracie a vir assumir a presidência.

Peço licença aos senhores para me ausentar.

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