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Estatuto da cidade: para que serve?

Por Flávio Villaça (*) 19/10/2012 00:00

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Estatuto-da-cidade-para-que-serve-
%250D%250A/4/26206

É da “tradição” brasileira que qualquer dúvida a respeito de uma lei só possa ser sanada
através de outra lei. Também é “tradição” atribuir isso a nossa “cultura”. Essas são formas
altamente suspeitas de se passar a ideia de que é bom nos acostumarmos com isso, porque,
sendo da “cultura”, seria algo permanente e intrínseco ao nosso povo, portanto, difícil de ser
alterado. É uma maneira de deixar a sociedade como está. Um modo de esconder as
possibilidades de alteração dessa “tradição” ou dessa “cultura”, ou seja, é uma posição
conservadora.

Nesse sentido, há entre nós uma excessiva produção de leis. Não são raras as leis
desnecessárias, os dispositivos legais inúteis ou inofensivos, os de cumprimento facultativo
e os de cumprimento impossível. Muito do Estatuto da Cidade se enquadra nessas
categorias de dispositivos. O Estatuto da Cidade nasceu da necessidade de ser atendido o
disposto no artigo 182 da Constituição de 1988, cujo parágrafo 4º diz:

“É facultado ao Poder Municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor,
exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado
ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente
de [...]”. Seguem-se três penalidades.

Há então três necessidades explicitadas no mesmo parágrafo: lei específica, área incluída
no Plano Diretor e lei federal. As duas primeiras são da alçada municipal. A terceira, da
alçada federal. Treze anos foram necessários para que essa tal lei federal aparecesse. Ela
veio a ser o Estatuto da Cidade. Era de se esperar que servisse apenas para regular a
exigência de lei federal disposta na Constituição. Mas não; desnecessariamente, ela foi
muito além disso.

O Estatuto criou dificuldades para a aplicação do artigo 182 e se tornou uma dessas leis
detalhadas que no Brasil aparecem para regular outra lei. Veio para atender a ilusória crença
de que uma lei detalhada e supostamente completa evitaria dúvidas, distorções, abusos e
seria de compreensão, aplicação e fiscalização mais fáceis.

Ilusão. Em primeiro lugar porque, em geral, esse tipo de lei pretende ser completa e esgotar
um tema. Em segundo lugar, porque tal detalhamento envelhece logo e precisa ser
substituído. Em terceiro lugar porque este aumenta os espaços para as dúvidas e
contestações, em vez de diminui-los. Em oposição ao detalhamento, há os princípios gerais.
Estes, ao contrário, correm menor risco de ser incompletos, demoram mais tempo para
envelhecer e se tornar obsoletos e, finalmente, são menos vulneráveis a dúvidas e
contestações.

Uma lei básica, como o Estatuto da Cidade, quanto mais detalhada pior. Se algo escapa à
“lei completa”, aumenta-se as dúvidas. O Estatuto da Cidade não pensou, por exemplo, em
definir o que é a “propriedade urbana” à qual se refere o parágrafo 2º do artigo 182. É a
propriedade (de imóveis, imagina-se) localizada na zona urbana? Então um restaurante,
posto de gasolina ou motel localizado – como há às centenas – em zona rural às margens
de uma rodovia não é propriedade urbana? As dúvidas aumentam em vez de diminuir.

O artigo 2 do Estatuto tem nada menos que 16 itens que procuram definir o que se entende
por “função social da cidade e da propriedade urbana”. Trata-se de um conceito fundamental
e, por isso, deveria ser tratado na Constituição. Essa longa listagem, além de se assemelhar
a um mau compêndio de urbanismo, contém diretrizes gerais inúteis, abstratas, acadêmicas
e que não guardam qualquer relação com a nossa realidade social. É um bom exemplo do
detalhamento falso, perigoso e ilusoriamente necessário.

O detalhamento, em vez de diminuir a insegurança, aumenta-a. O item VI, do art. 2, por


exemplo, fala em “ordenação e controle do uso do solo”. O que é ordenação do uso do solo?
Não bastaria falar “controle do uso do solo”? Será que esse controle visaria a
“desordenação”? Esse item diz que essas “ordenação e controle” destinam-se a evitar,
dentre outras coisas, “o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou
inadequados em relação à infraestrutura urbana”. Tema para compêndio de urbanismo. No
entanto, não temos notícia de qualquer projeto de parcelamento do solo que preveja seu
uso “adequado” em relação à infraestrutura.

Quanto ao envelhecimento da lei, tome-se, por exemplo, a questão ambiental. A


Constituição de 1988 foi gestada antes do tema ganhar o destaque que tem hoje. A pouca
importância relativa dada ao assunto pela Carta Magna tornou-o obsoleto? Ela não tem
princípios gerais que possam abrigá-lo? Se for assim, teremos que ter uma nova
Constituição a cada dez anos. A obsolescência da lei detalhada é mais rápida que a dos
princípios gerais. A questão ambiental pode ser enquadrada em alguns dos princípios gerais
que aparecem na Constituição e em eventuais decisões posteriores dos tribunais. Os
princípios gerais demoram para envelhecer. A lei detalhada, não.

Grande parte do Estatuto procura definir princípios ou conceitos que já estão, ou deveriam
estar, em nossas Constituições federal e estaduais e mesmo nas Leis Orgânicas Municipais.
O lugar correto para a definição das atribuições da federação, dos estados e dos municípios
é a Constituição Federal. Os princípios e listagens que definem essa distribuição de
atribuições e que estão em nossa Carta Magna são para isso suficientes.

No entanto, o Estatuto da Cidade entra na questão da atribuição dos municípios, através de


inúmeros “ poderás”. Os “poderás” que aparecem no Estatuto são diferentes daqueles do
parágrafo 4º anteriormente citado. Quando este diz que “[...] é facultado ao poder municipal
nos termos da lei federal [...]”, ele está criando uma condicionante. A lei, no caso, cria um
“poderá”, porém, sob condições (nos termos da lei federal). No Estatuto, o “poderá” ou
faculta ou permite o que não é proibido.

Os artigos 32, 34, 35 etc., por exemplo, dizem o que se “poderá” fazer. Artigos inúteis, pois
o “poderá”, nesse caso, não tem o sentido de conferir atribuição ou definir condicionantes,
mas o de facultar. Quando essa lei diz que “lei municipal poderá”, está querendo dizer “é
facultado ao município”, sem para isso criar condições. O município poderá ou não se utilizar
dessa faculdade. Trata-se, portanto, de dispositivo que contraria o princípio elementar de
que tudo o que não é proibido é permitido.

Uma característica do Estatuto – como de muitas leis no Brasil – é que ele vem de cima para
baixo, vem da razão pura para a prática social, do pensamento para a sociedade. Assim,
em vez de emanarem da sociedade (virem de baixo para cima), muitas leis pretendem
corrigi-la pela implantação do “certo”, vindo de cima para baixo. Muito do Estatuto da Cidade
procura dirimir hipotéticas dúvidas ou polêmicas originadas na razão abstrata e não na
prática social, originadas nas disputas e contestações levadas aos tribunais.

Abrange, por exemplo, questões como o direito de preempção, outorga onerosa do direito
de construir, operações urbanas, transferência do direito de construir e impacto de
vizinhança, temas sobre os quais quase não há experiência no Brasil e, portanto, poucas
dúvidas emanadas da prática. Poucas contestações na Justiça. Entretanto, pode haver – e
na realidade há – inúmeras dúvidas emanadas da razão pura. Apegando-se a estas, o
Estatuto é uma lei que vem de cima para baixo.

Apresenta inúmeros dispositivos irreais de cumprimento impossível ou infiscalizável,


destinados a serem ignorados pelos que deveriam cumpri-los. Apoia-se fortemente, por
exemplo, no desmoralizado e pouco utilizado Plano Diretor – que nesse caso mais dificulta
do que ajuda. Se por um lado, por meio do seu artigo 41 o Estatuto da Cidade amplia muito
sua inútil obrigatoriedade, definida originalmente naquele mesmo artigo 182, por outro, exige
algo que a Constituição já exigia, ou seja, um Plano Diretor para os municípios que
pretendessem utilizar instrumentos previstos no parágrafo 4º do artigo 182.

Abundam no Estatuto as exigências de leis específicas ou de áreas delimitadas no Plano


Diretor. Com isso, sobrecarrega-se – uma prática incompreensível, para dizer o mínimo –
um instrumento que não existe, aprovado por lei, na maioria dos municípios onde é
obrigatório. O capítulo III aumenta os requisitos para a elaboração desses planos, bem como
a já longa lista dos municípios para os quais eles são obrigatórios. Ou seja, o Estatuto agrava
uma exigência já desmoralizada, pois é grande o número de municípios que não têm Plano
Diretor aprovado por lei, apesar de obrigados a tê-lo.

Em pelo menos um aspecto o Estatuto da Cidade foi um clamoroso retrocesso. Pôs fim ao
caráter social e distributivo contido na experiência paulistana das operações interligadas,
subordinando-as (agora sob o nome de Operações Urbanas Consorciadas) aos interesses
imobiliários. Isso ocorreu ao se introduzir no texto a exigência contida no parágrafo 1º do
item VII do art. 33, que determina que os recursos obtidos através de uma operação “serão
aplicados exclusivamente na própria operação urbana consorciada”.

Com isso, os recursos que a experiência paulistana canalizava para moradias de interesse
social – em geral, localizadas longe das valorizadas áreas das Operações Urbanas – agora
serão destinados a valorizar ainda mais a própria área da operação, ou seja, a área de
interesse dos empreendedores imobiliários. Na verdade, as Operações Urbanas constituem
um instrumento colocado à disposição do setor imobiliário para ser utilizado segundo suas
conveniências. Assim sendo, não é surpreendente que tenham fracassado aquelas
Operações sem interesse para o setor, como as Operações Urbanas Centro e Anhangabaú,
em São Paulo, e que tenham sido um sucesso (para o capital imobiliário) as Operações
Urbanas Águas Espraiadas e Faria Lima, também na capital paulista.

Conclusão: estamos diante de um tipo de lei que mais dificulta do que facilita. Além disso,
há no Estatuto inúmeros dispositivos sem sanções para aqueles que não os cumprirem.
Exigências que nasceram para ser desmoralizadas, já que nada acontece para quem não
as cumprir. Depois dizem que no Brasil há leis que “pegam” e leis que “não pegam”. O fato
é que há leis que já nascem para “não pegar”. Lamentavelmente o Estatuto se insere nesse
rol.

Para concluir, um comentário a respeito das leis federais que pretendem regular o uso da
propriedade imobiliária urbana. Estranhamente, elas levam muitos anos, mais de dez, para
ser aprovadas, arrastando-se por nossas casas legislativas. Assim, levaram (e ainda levam)
mais de dez anos nessas casas:

- A Lei 6766/79 – conhecida como Lei Lehmann –, que regulou loteamentos. Em 1969 (dez
anos antes, portanto) os diretores do Senam (Serviço Nacional dos Municípios) e do Cepam
(Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal, do governo do Estado de São
Paulo) informavam que o anteprojeto da lei já havia sido enviado “pelo Sr. Ministro do
Interior, à consideração do Sr. Presidente da República”. (Seminário sobre o uso do solo e
loteamento urbano. São Paulo, 1969).

- O Estatuto da Cidade (de 1988 a 2001)

- O Projeto de Lei no 3057/2000 – a chamada Lei de Responsabilidade Territorial – sobre


parcelamento do solo urbano e regulação fundiária “sustentável”(?) vem se arrastando em
Brasília há 12 anos.

(*) Professor Emérito e Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade


de São Paulo.

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