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UM JUDEU NO VATICANO II *
A jew in Vatican II
RESUMO: O desejado“aggiornamento” que João XXIII propôs para o Vaticano II seria incompleto
se não firmassem posições positivas diante de diversos ambientes sociais de então. Sentia-se
necessidade de que o concílio estabelecesse bases das novas exigências éticas e de coerência
teológica, no diálogo se impunha, inclusive com o judaísmo e os judeus. Por isso, foi confiada a
Johannes Oesterreicher, um judeu convertido e então cardeal, foi confiada, a tarefa de escrever
um texto com as verdades que deveriam reger a relação entre o povo de Israel e a Igreja – o
que veio a ser a base de “Nostra Aetate”. As seculares tensões entre cristãos e judeus, mesmo
durante o Concílio, incluindo Paulo VI, foram revividas muitas vezes, inclusive por lobbies árabes.
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Todavia a Igreja deu passos significativos para uma aproximação aos irmãos mais velhos”, graças
à contribuição de grandes homens, como Oesterreicher.
ABSTRACT: The so called and wanted “aggiornamento” that John XXIII proposed for the Vatican
II, would be incomplete if it would not establish positive positions before the several social
environments of its time. It was a quite felt need that the Concilium should establish the bases
for the new ethical and theological coherence demands, in the proposed dialogue including
the Judaism and the Jews. In this segment, it was entrusted to Johannes Oesterreicher, a former
Jew - converted, and a Cardinal - the task to compose a text on the fundamental truths which
should guide the relation between the people of Israel and the Church – that came to stand as
the basis of ‘’Nostra Aetate’’. The secular tensions between Christians and Jews, even during the
Concilium, as to also mention Paul VI, were revived many times, even by Arabic Lobbies.
Nevertheless, the Church walked at spaces of meaningful cores for an approaching of historic
meaning to the‘’older brothers’’, all of it, thanks to the contribution of great men, as Oesterreicher.
* Este artigo foi publicado nos Jornais Visão Judaica e Universidade (Instituto Ciência e Fé) no ano de 2012, em
Curitiba.
* * Antonio Carlos Coelho é professor de Ecumenismo e Judaísmo do Studium Theologicum e diretor do Instituto
Ciência e Fé. Estudou em Israel arqueologia bíblica e tradição judaica. Tem artigos publicados em diversos jornais
e revistas. Lançou “Encontros Marcados com Deus - Expressão da Unidade do Povo de Deus” pela Paulinas, em
abril de 1990.
Recebi do meu amigo Szyja Lorber, editor do Jornal Visão Judaica, um
artigo sobre a participação do cardeal Johannes Oesterreicher na elaboração
do principal documento da Igreja que estabelece as relações entre católicos e
judeus, o Nostra Aetate. Não haveria nenhuma novidade se o referido cardeal
não fosse um judeu convertido ao cristianismo e não tivesse o papel que teve
nas relações entre a Igreja e o Judaísmo.
Foi por essa razão que o Papa João XXIII o chamou para compor a
“Secretaria Unidade” durante a preparação do Concílio Vaticano II em 1962.
Encarregou-o de escrever um documento expondo as verdades básicas que
deveriam reger a relação entre o povo de Israel e a Igreja. Documento que
serviu de base para o futuro “Nostra Aetate”.
Papa João XXIII tratou de conduzir essa mudança de forma sábia com
gestos concretos de aproximação. Primeiramente chamou “um judeu” o Cardeal
Johannes Oesterreicher para redigir um documento expondo as verdades
básicas que deveriam reger a relação entre o povo de Israel e a Igreja. O Cardeal
Osterreicher era a pessoa certa. Vinha de família judaica, de uma região onde
o antijudaismo era fortemente sentido pelas comunidades. Como convertido
acreditou, por um tempo, que os seus irmãos israelitas deveriam passar pelo
mesmo processo. Depois percebeu a insanidade dessa ideia. Juntou-se a outros
judeus convertidos para lutar contra o antijudaísmo e o nazismo através de seu
programa de rádio. Portanto, experiência não lhe faltava e João XXIII percebeu a
força que possuía para dar início a uma transformação histórica.
6 Jules Isaac – 1877-1963 – historiador, foi inspetor geral da instrução pública na França, perseguido
pelo regime de Vichy por sua origem hebraica, perdeu sua mulher e filhos nas perseguições
nazistas.
7 Beozzo, José O., História do Concílio Vaticano II, vol. 1, p.390, Ed. Vozes, Petrópolis, 1995.
8 De Judaeis, decreto – é o nome dado a uma série de projetos de documentos do Concílio
Vaticano II de encaminharam a Igreja para o diálogo com o judaísmo. Serviram de base para
o documento final “Nostra Aetate”, que é uma pequena parte do que apresentou o decreto De
Judaeis.
9 Chaim Wardi, havia feito intervenções no Conselho Ecumênico das Igrejas em Nova Déhli, em
1961, participando da elaboração de uma declaração contra o antissemitismo. Dr. Wardi morava
em Israel e teve sua indicação tanto do Congresso Judaico Mundial como dos Ministérios do Ex-
terior e dos Assuntos Religiosos, o que deu uma conotação fortemente política na sua indicação
como representante judaico junto ao Concílio.
a relação Igreja-judeus estavam sendo tratadas com discrição, mas quando se
pensou em enviar representantes judeus ao Concílio, na condição de hóspedes
do Secretariado (órgão responsável pelo preparo da documentação sobre as
relações judaico-cristãs), houve resistência da parte da ortodoxia judaica. Portanto,
as pressões vinham de ambos os lados. Do judaísmo ortodoxo, que preferia ver
seus irmãos longe das questões da Igreja e, doutro lado, os árabes que temiam
a aproximação do Vaticano a Israel, prenunciando o reconhecimento do Estado.
João XXIII foi sucedido pelo Cardeal Giovanni Maria Montini, que escolheu
o nome Paulo VI para ocupar a Sé de Pedro. A ele coube dar continuidade do
Concílio Vaticano II. Apesar de ter mantido o mesmo espírito de aggiornamento10
iniciado pelo seu antecessor, não manifestou o mesmo carisma e simpatia às
relações da Igreja com o judaísmo.
10 Aggiornamento – termo usado por João XXIII para definir a adaptação e a nova apresentação
dos princípios católicos ao mundo atual e moderno, sendo o objetivo fundamental do Concílio
Vaticano II.
“Ora ló spirito e Il cuore di tutti sono chiamati a meditare alquanto, e in
raccoglimento, Il brano Del santo Vangelo teste letto”.
“È uma pagina grave e triste. Narra, infatti, lo scontro fra Gesù e Il popolo
ebraico. Quel popolo, predestinato a ricevere Il Messia, che Lo aspettava da
migliaia di anni ed era completamente assorto in questa speranza e in questa
certezza, al momento giusto, quando, cioè, Il Cristo viene, parla e si manifesta, non
solo non lo riconosce, ma ló combate, ló calunnia ed ingiuria; e, infine, lo ucciderà”
(Osservatore Romano de 7 de abril de 1965)
Na visita que Paulo VI fez a Israel, apesar de ter sido recebido e acolhido
pelo governo, não fez nenhuma menção ao Estado de Israel. E, após seu retorno,
11 Il Concilio Vaticano II: quarto período, 1965, p. 287, Ed “La Civiltà Cattolica”, Roma, 1968.
agradeceu a acolhida, por telegrama, ao presidente de Israel, no entanto não usa
o termo “presidente” e sim, senhor Zalman Shazar.
Com espírito de boa vontade poderia dizer que Paulo VI agiu desta forma
motivado pela situação política entre árabes e israelenses e, que não queria dar
uma dimensão política nas relações entre a Igreja, o povo judeu e o Estado de
Israel. Todavia, a realidade era outra. Paulo VI, apesar de ter dado continuidade
ao Concílio e mantido o espírito do “aggiornamento”, não estava convencido da
necessidade de se fazer uma reabilitação das relações com Israel e o povo judeu.
A Paulo VI faltava a sensibilidade e a amizade que abundava em João XXIII, João
Paulo II e Bento XVI em relação aos judeus.