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Banca Examinadora
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RESUMO
ABSTRACT
This study aimed to examine the educational bumpy path of students who study
the regular high school in the period night on the network of state public
education, these trajectories characterized by abandonment and return, to the
extent that these young people, for little or long time, once or several times, left
the school and then returned to regular classes. The basics procedures for the
collection of data were interviews, conducted in 2007, with four students (two
male and two female), who were in that situation, in a school located in the city
of Osasco, by means of which were collected information about the family life,
school and work, and the main social relationships they fought. How procedure
enhancement, were interviewed two teachers and educational coordinator
responsible for the nocturnal period, to collect information both about their views
on these students, and there were actions that seek some kind of strategy for
the resolution of this problem. Data analysis was performed based on the
contributions of Bourdieu (1982, 1989, 1998), especially as it pertains to these
differentiations students in terms of cultural capital of origin, the influence of
social relationships built, as well as the actual trajectory pregressa school. The
main findings of this research can be summarized thus: both the expectations of
the social fate of students who had dropped out and returns to school seem
much more marked by the social position of origin than by the level of education
achieved, the students incorporated the prospect of that the difficulties
encountered in school say much respect themselves than the processes of
education, but the educators find these problems, both individually as
collectively do not create any initiative for a possible referral.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 10
INTRODUÇÃO 14
ANEXOS 161
ANEXO 1 – Quadro geral – Alunos com trajetórias acidentadas – Número de
evasões e repetências 162
ANEXO 2 – Quadro específico – Distribuição por série 163
ANEXO 3 – Roteiro de entrevistas com alunos 166
ANEXO 4 – Roteiro de entrevista com o corpo docente 168
ANEXO 5 – Questionário dirigido à coordenação pedagógica 169
ANEXO 6 – Entrevista dirigida à coordenação pedagógica 172
ANEXO 7 – Termo de Autorização 175
9
APRESENTAÇÃO
Insisti junto dela que não seria a melhor opção naquele momento, pois
com dezesseis anos (a completar no ano seguinte) ela teria a oportunidade de
arrumar um emprego que propiciasse condições de sobrevivência para a
família, como na alimentação, no aluguel, plano de saúde, enfim, ajudar seu
pai, visto que seriam os dois agora responsáveis pela irmã caçula. Contudo,
naquele momento de sua vida, era impossível realizar as duas coisas ao
mesmo tempo: estudar e cuidar da irmã.
Tudo o que fiz então, foi pedir a ela que voltasse a me procurar em
alguns dias, pois estava decidida a pensar em “algo” para ajudá-la, mas não
sabia ao certo o quê exatamente. Ela prometeu retornar.
Minha primeira iniciativa foi a de recorrer ao corpo docente da escola.
Estávamos em horário de HTPC (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo),
quando explanei o problema em questão aos demais professores que a
conheciam, pois eles também pertenciam ao quadro de profissionais da 1ª
série. Três dos professores presentes disseram estar de acordo em apoiar,
desde que a eles fosse apresentada uma proposta nesse sentido. Entretanto,
os cinco restantes argumentaram que as faltas em excesso não poderiam ser
repostas, havendo ainda o problema da não apropriação dos conteúdos e, por
último que, ela era um caso, mas certamente dentro da escola existiriam outros
semelhantes, de forma que se buscássemos uma “saída” para aquela situação,
outras certamente surgiriam.
Dessa forma, a reunião terminou sem que se conseguisse uma solução.
Entendi os argumentos dos meus colegas, afinal nada do que disseram fugia
às regras de funcionamento instituídas à escola.
Decidi por procurar a Direção da Unidade Escolar. Expus a problemática
e obtive a seguinte resposta:
– Reúna o Conselho da Escola, caso exista uma possibilidade, podem
contar com meu apoio.
Assim fiz. Aleguei que, se nada fizéssemos, teríamos mais um caso de
retenção por evasão e, o mais grave, o que faria aquela jovem após desistir da
escola, cataria papelões também junto de seu pai, para continuarem
12
sobrevivendo? Seria justo permitir que tal situação se efetivasse, haja vista que
faltavam apenas cinco meses para que ela terminasse a série em que se
encontrava?
Solicitaram-me que fizesse uma proposta nesse sentido, e após dois
dias sugeri ao grupo de docentes membros do Conselho Escolar que os
professores da jovem solicitassem trabalhos de pesquisa sobre os conteúdos
relativos a um período de quinze dias, e que seria dada a ela a oportunidade de
realizar estas pesquisas na própria biblioteca da escola. Dada a permissão da
Direção da escola, ela poderia também trazer sua irmãzinha quando da
impossibilidade de ter quem a cuidasse. Quinzenalmente, ela entregaria os
resultados das pesquisas a mim e eu trataria de repassá-los ao corpo docente.
Comprometi-me ainda de ministrar aulas de Língua Portuguesa à jovem fora do
meu horário de trabalho, também na biblioteca da escola. Para minha surpresa,
aceitaram a proposta.
Dias depois, voltei a vê-la e após conversar com ela sobre os
procedimentos aprovados pelo Conselho, deixei claro que se não cumprisse
prontamente com o estabelecido, nada mais poderia ser feito. Sua resposta foi
o suficiente para eu saber que não tinha sido em vão:
– A senhora não se decepcionará comigo!
Tudo aconteceu como previsto nos cinco meses que se seguiram a este
dia. Apenas um infortúnio veio culminar na vida da jovem e da sua família,
foram despejados e por dois meses e meio residiram, se assim posso dizer,
sob uma ponte que faz divisa da cidade de Osasco com a de São Paulo. Nem
assim ela nos decepcionou, como havia prometido.
Terminado o ano, ela foi matriculada na série seguinte. Já no início do
mesmo ela empregou-se numa pequena empresa na cidade de Osasco.
Alugou dois cômodos e, embora seu pai ainda por muito tempo tivesse que
continuar a atividade de antes, ela concluiu os seus estudos normalmente, pois
agora era ele quem cuidava da pequena no período noturno.
Poucos meses depois, quando a jovem encontrava-se cursando a 2ª
série da escolarização média, recebi a visita de seu pai (mãos dadas com a
13
filha mais nova), que até então não os conhecia, e ouvi dele as seguintes
palavras:
– A senhora mudou a nossa vida!
Essas palavras marcaram o início de uma inquietação que passou a
fazer parte da minha vida profissional e doravante pretendo esclarecer, mais
propriamente na introdução deste trabalho de pesquisa.
Para concluir, esta ex-aluna hoje, depois de alguns anos, trabalha numa
multinacional em Alphaville, Barueri, como secretária. Seu pai não mais exerce
a atividade antes mencionada e ela tem diversos cursos especializados, muito
embora sua pretensão no momento seja se formar em Hotelaria.
Não caberia agora questionar se o que fizemos foi o mais correto, prefiro
repetir para mim mesma a pergunta que não se cala:
Estaria ela hoje fazendo o quê se não tivéssemos imputado a nós
mesmos a responsabilidade de refletir sobre a nossa condição de educadores
e formadores de cidadãos ativos na sociedade?
14
INTRODUÇÃO
Não é menos comum este jovem deixar, numa segunda vez, o âmbito
escolar, pois estas dificuldades se apresentam como um forte argumento para
a sua desistência.
A análise bibliográfica inicial que realizei parece indicar que não existem
pesquisas sobre esses retornos reiterativos, bem como sobre a readaptação
deste aluno ao meio escolar. Os estudos efetuados sobre a evasão escolar
concentram-se, em grande número, no Ensino Fundamental, o que parece
mostrar que não tem se dado a relevância necessária a este tipo de
comportamento pertinente ao Ensino Médio.
Deste ponto de partida, comecei a definir um trabalho de pesquisa que
procurasse investigar determinantes intra e extra-escolares que pudessem
estar corroborando para tal comportamento, pois se a evasão parece apontar
para um descrédito da escola, estes retornos reiterativos parecem,
contraditoriamente, indicar que há também uma valorização dela.
Por outro lado, durante o próprio desenvolvimento da pesquisa pude
verificar que essas trajetórias irregulares não pareciam propiciar o mesmo tipo
de dificuldades, tanto em relação à sua profissionalização, quanto a uma
inserção social mais ampla.
Nesse sentido, ampliei a coleta de dados no sentido de investigar, além
dos dados sobre a escolarização pregressa desses alunos, tanto fatores
familiares quanto sociais, no sentido de verificar a inter-relação entre eles e as
expectativas e destinos sociais que se afiguravam como singulares.
A pesquisa foi efetivada durante o ano letivo de 2007, com alunos que
cursavam o Ensino Médio noturno na Escola Estadual “Vicente Peixoto”,
localizada no município de Osasco, região da Grande São Paulo.
A referência teórica utilizada foi as contribuições de Pierre Bourdieu,
especialmente os conceitos de capital cultural, social e escolar.
Essa dissertação está dividida em três capítulos.
No primeiro, efetua-se uma discussão teórica a respeito do fracasso
escolar no Brasil, bem como dos problemas que afligem o Ensino Médio e a
escolarização da juventude, entremeada pela incorporação das contribuições
16
CAPÍTULO I
Na última década do século XX, anos 90, Bahia (2002, p. 20) retoma a
questão da exclusão escolar associada à exclusão social, apontando que
1
A deliberação CEE/SP nº 09/97 instituiu no Sistema de Ensino do Estado de São Paulo o
regime de Progressão Continuada no Ensino Fundamental, adotado pela Secretaria de Estado
da Educação. A progressão continuada permite que a organização escolar seriada seja
substituída por um ou mais ciclos de estudos, favorecendo a diminuição dos índices de
repetência e evasão. Dessa forma, a retenção dos alunos que antes se dava ao final de cada
ano letivo, deveria acontecer apenas ao final da última série de cada ciclo.
27
Porém, a duração mínima citada, bem como o fato desta etapa final não
possuir caráter obrigatório, como ocorre no Ensino Fundamental, pode se
constituir num dos agravantes do processo de evasão escolar, o que propicia
ao jovem a flexibilidade de matricular-se, posteriormente evadir-se, e retornar
quando julgar necessário, pois, como observa Zago (2003, p. 25-6),
Esta proposição é realçada por Bueno (2000, p. 51) ao afirmar que, sob
a perspectiva do pensamento dominante, está prevista a subordinação
controlada da função social da educação, às demandas do capital, ao passo
que,
deve ser base para a formação tanto dos que já estão inseridos no mercado de
trabalho quanto daqueles que nele ainda irão se inserir e se opõe à formação
técnica e específica para o exercício de uma determinada função ou para a
ocupação de postos de trabalho determinados. [...] A velocidade do progresso
científico e tecnológico e das transformações dos processos de produção torna
os conhecimentos rapidamente superados, exigindo-se uma atualização
contínua e colocando novas exigências para a formação do cidadão
(ABRAMOVAY e CASTRO, 2003, p. 155).
2
Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas
sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900-
1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a arte Pop
nos anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura
ocidental. E amadurece, hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano
44
A escola não seria uma instância neutra que transmitiria uma forma de
conhecimento intrinsecamente superior às outras formas de conhecimento, e
que avaliaria os alunos com base em critérios universalistas; mas, ao contrário,
ela é concebida como uma instituição a serviço da reprodução e da legitimação
da dominação exercida pelas classes dominantes. (BOURDIEU, 2006, p. 83)
conjunto de recursos atuais ou potenciais que são ligados à posse de uma rede
durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e
de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como
conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns
(passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles
mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis
(BOURDIEU, 2007, p. 47).
tece-se nos diferentes espaços sociais dos quais os jovens participam – a rua,
onde se constitui uma cultura voltada para os diferentes modos de utilização do
54
tempo livre, a casa, a escola, assim como as áreas de lazer – e nas redes de
relações que aí são estabelecidas. São elementos que se combinam de
diferentes maneiras produzindo estilos e modos de ser singulares e distintos
entre os vários universos juvenis. É na tensão entre esses elementos, e entre
eles e os contextos em que vivem os jovens, que podem ser buscadas as
linhas de formação e de constituição dos subgrupos juvenis.
pode-se dizer que a maior parte desses programas está centrado na busca de
enfrentamento dos “problemas sociais” que afetam a juventude (...), mas no
fundo, tomando os jovens eles próprios como problemas sobre os quais é
necessário intervir, para salvá-los e reintegrá-los à ordem social (ABRAMO,
1997, p. 26).
E ainda:
sucesso escolar, pois é tido como natural para elas, além do fato delas não
lutarem necessariamente pela ascensão social, pois já cumprem um papel
dominante na sociedade.
É, portanto, a partir de teorias como estas acima descritas e de estudos
sobre as singularidades que perfazem as relações dos jovens com as demais
instâncias sociais, a saber: o trabalho, a escola e a família, que possamos
conceber a relação entre o jovem e o meio escolar.
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CAPÍTULO II
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Quadro 1
Situação Quantidade
Alunos matriculados 57
Alunos transferidos para outras unidades escolares 58
Fonte: Ata bimestral de Conselho e Série da Secretaria da escola.
Tabela 1
Tabela 2
Tipo Quantidade
Do diurno para o noturno 48
Do noturno para o diurno 15
Total 63
Fonte: Ata bimestral de Conselho e Série da Secretaria da escola.
3
Nível socioeconômico: conjunto de variáveis pesquisadas pelo Saresp que inclui grau de
instrução de pai e mãe dos alunos e a posse de bens indicativa de renda familiar. O índice NSE
utilizado é uma adaptação do Critério Brasil. Ele é definido com a soma das pontuações
variando de 0 a 26. No caso do Saresp, a escala foi segmentada em 5 níveis socioeconômicos.
Os estratos denominados de A (23 a 26 pontos), B (18 a 22 pontos), C (13 a 17 pontos), D (8 a
12 pontos) e E (0 a 7 pontos) indicam, numa ordem decrescente, as condições de vida das
famílias dos alunos.
75
Tabela 3
Para ele, não se pode esperar que as crianças oriundas das famílias
mais desprovidas econômica e culturalmente tenham acesso aos diferentes
níveis do sistema escolar e, em particular, aos mais elevados, sem que com
isso, se modifique o valor econômico e simbólico dos diplomas.
Ao que consta, são esses alunos que ao final da trajetória escolar,
marcada duramente por sacrifícios, obterão um diploma desvalorizado. Àqueles
que fracassam, resta-lhes a marca da exclusão, mais estigmatizante e total do
que já o era antes, pois “deram-lhe a chance” e “falharam”.
É nesse contexto que o autor nos aponta para a desvalorização dos
alunos e mesmo das famílias para com a escola, haja vista que para eles ela é
“uma espécie de terra prometida, semelhante ao horizonte, que recua na
medida em que se avança em sua direção” (BOURDIEU, 1998, p. 221).
79
Essa ilusão pode durar até mesmo após finalizados os estudos, pois as
dificuldades de serem classificados em alguns campos sociais, imprecisos e
indeterminados, só então, parecer-lhes-á que o tempo escolar não passou de
tempo perdido.
Segundo Bourdieu (1998), é esse um dos efeitos mais potentes e mais
ocultos da instituição escolar e de suas relações com o espaço das posições
sociais às quais, supostamente, deve dar acesso:
Ela produz um número cada vez maior de indivíduos atingidos por essa
espécie de mal-estar crônico instituído pela experiência – mais ou menos
completamente recalcada – do fracasso escolar, absoluto ou relativo, e
obrigados a defender, por uma espécie de blefe permanente, diante dos outros
e também de si mesmos, uma imagem de si constantemente maltratada,
machucada ou mutilada (BOURDIEU, 1998, p. 222).
Para ela, há de se reconhecer que o Ensino Médio não tem sido para
todos, e que embora o compromisso do Estado deva ser com a sua
universalização, sabe-se que essa é uma tarefa somente para as próximas
décadas.
Será preciso, portanto, sem perder de vista a universalização,
estabelecer um compromisso com o estabelecimento de metas realistas para
os próximos anos. Para Kuenzer, a democratização do Ensino Médio só será
possível numa sociedade na qual os jovens possam exercer o direito à
diferença, sem que isso se constitua em desigualdade.
Contudo,
Dessa forma, o período noturno fica, para estes jovens, entre a única
oportunidade para eles prosseguirem os estudos na expectativa de uma
ocupação relativamente qualificada e a visão nebulosa de que esta “única
oportunidade” parece não ser efetivamente um caminho para isto.
Sendo assim, o parecer da escola pesquisada sobre os objetivos da
escolarização média para o período noturno, bem como acerca da frágil
relação que o aluno mantém com a escola quanto à sua real valorização,
parecem não ser consonantes com as expectativas dos jovens que nela se
matriculam e posteriormente a abandonam.
2.3.1. Os alunos
Tabela 4
Quantidade
Situação
Nº %
Evasões + Repetências 39 85
Evasões 7 15
Total 46 100
Fonte: Pasta individual dos alunos – Secretaria da escola.
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Tabela 5
Masculino 4 57 24 61 28 61
Feminino 3 43 15 39 18 39
Total 7 100 39 100 46 100
Fonte: Pasta individual dos alunos – Secretaria da escola.
Tabela 6
Tabela 7
Nível
Situação Ensino Ensino
Fundamental Médio
Evasão 13 07
Retenção 07 39
Total 20 46
Fonte: Pasta individual dos alunos – Secretaria da escola.
89
Tabela 8
uma jovem de 22 anos – 2ª série, que justificou naquele momento não estar
disponível para encontros fora da escola, pois se encontrava com o filho
adoentado e não sabia exatamente se freqüentaria a escola nos dias que
seguiriam a essa nossa conversa. Ela julgou mais prudente não confirmar sua
participação, mas afirmou que o faria se, após alguns dias, eu novamente a
procurasse e ela se encontrasse em condições mais favoráveis para tal.
Os demais prontamente aceitaram prestar depoimentos sobre suas
trajetórias escolares, familiares, sociais e profissionais, apresentando, inclusive,
interesse especial nesse sentido, como se fosse aquele um momento único
para relatar suas experiências de vida. Não houve, portanto, necessidade
alguma de insistir junto deles nesse intuito.
Resolvi iniciar as entrevistas com esses quatro jovens, deixando, dessa
forma, outros dois para o final das mesmas. Todavia, depois de realizadas as
quatro entrevistas, duas com jovens do sexo masculino e duas com o sexo
oposto e, com um número acentuado de informações, julguei ter material
suficiente para proceder às posteriores análises.
Os quatro alunos selecionados, doravante tratados por Célia, Elisa,
Odair e Marcelo4, com idades que variam entre os 19 e 29 anos e distribuídos
aleatoriamente pelas três séries, vêm apresentando contínuas ausências,
conforme notificado pelo corpo docente da escola, de forma que há
probabilidade de não concluírem as séries em que se encontram matriculados.
Segue abaixo um quadro síntese do perfil de cada um deles.
Quadro 2
4
Nomes fictícios.
92
2.3.3. As educadoras
Quadro 3
Horas
Nome Sexo Idade Est. Civil Formação Nº de escolas
trabalho dia
Dalva Fem. 35 Solteira Superior 08 02
Claudia Fem. 39 Casada Mestrado 14 02
A professora Dalva leciona apenas duas noites nesta escola, pois sua
carga horária concentra-se no período diurno. As demais noites ela leciona
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Quadro 4
Est. Horas Nº de
Nome Sexo Idade Formação
Civil trabalho dia escolas
Gilda Fem. 38 Casada Pós-Graduação 14 02
5
Nome fictício.
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2.4. As entrevistas
CAPÍTULO III
3.1. Os rapazes
...é engraçado... na minha família sempre foram as mães que deram influência,
o pai sempre critica, mas as nonas sempre fazem os nonos ajudarem os filhos
deles.
gostou de livros de natureza, que conta a história do país... [...] Minha mãe
gosta de romances, principalmente da Agatha Christie, mas eu prefiro o jornal...
Cresceu, e seu pai quis então que Odair se formasse doutor para
realizar o sonho de seus pais:
Eu vou te botar pra fora, você já é homem, então se vira, vai ter que
andar com as suas próprias pernas... Não é só por causa do dinheiro, nem
precisa dar dinheiro em casa, é pra ter dignidade, mais nada.
Quanto ao seu avô, Odair diz que se referia a ambos, como um bom
italiano: Vagabundo pra cá, vagabundo pra lá... – Era uma maravilha!
Embora seu avô hoje esteja morando em outra cidade e ainda sustente
sua família, Odair entende que as muitas brigas entre seu pai e ele prende-se
ao fato do medo que ele tem que seu filho venha a ser igual a ele. Sua mãe
terminaria o ensino superior no ano em que os dados foram coletados e já
ajuda nas despesas há algum tempo, trabalhando como inspetora de alunos
numa escola municipal em Osasco. Odair diz que não pretende viver nas
102
costas do pai toda uma vida, como ele fez com seu avô e acrescenta: Vou
vencer por orgulho mesmo, pra mostrar pro meu pai e sei que vou conseguir!
Diz ter sido advertido e suspenso diversas vezes. Para ele, a escola era
um lugar de lazer e não necessariamente pra estudar. Em 2002, ele iniciou o
103
hoje em dia esta escola é uma das escolas que é a melhor que tem na cidade
de Osasco ou mesmo do Estado, acho que é por isso que a gente tem que ter
essa seleção legal dentro da escola. Então eu nunca tive nenhum tipo de
recuperação não.
E é por isso que, em 2004, ele resolveu voltar. Odair diz que ao iniciar o
ano suas intenções eram as melhores, ou seja, concluir a 1ª série do Ensino
Médio. Neste ano, a escola promoveu um festival estudantil e, ao participar,
descobriu o interesse pelo teatro.
Por isso, iniciou aulas de dramaturgia numa Cia. de teatro na cidade de
São Paulo, chamada Teatro Mágico e, segundo ele: já não encontro mais tempo
para a escola, fui desistindo de freqüentar e acabei evadido.
6
JUCO – Juventude Cívica de Osasco – Agente de Integração Empresa-Escola, fundada em
26 de abril de 1962, tem como objetivos a Educação, Disciplina, Civismo e Iniciação ao
aprendizado profissional de adolescentes da cidade de Osasco, na faixa etária de 14 a 17 anos
e que estejam cursando o ensino médio.
104
Portanto, Odair não acredita que qualquer diploma de Ensino Médio seja
garantia de bom emprego, mas que o que poderia auxiliar seria a freqüência a
uma boa escola, além de valorizar bons relacionamentos sociais:
Se eu acabar ficando retido eu sei que o ano que vem eu não continuo
dentro da escola, né? Isso aí é uma coisa que já foi passada pra mim no
começo do ano pelo próprio diretor e é uma das minhas consciências, a gente
sabe que... por isso que também eu estou me dedicando, eu to... sabe, eu não
105
me vejo em outra escola, se eu sair dali e for tentar estudar em outra escola
não vou desenvolver, sei que vou acabar tendo desistência de novo... é como
se fosse a minha vida ali, ela quase inteira está dentro desta escola.
Foi onde eu acabei indo fazer teatro realmente e ter aulas de teatro e...
gostando mais do teatro do que da música. Acabei subindo no palco na cidade
de Osasco, como amador, mas como ator e acabei pegando o gosto e hoje eu
quero que o teatro faça parte da cultura da vida dos meus filhos [...] É uma
coisa bem gostosa de se ver: o ator ali na frente. O teatro é mágico, porque
você vive a história e você está dentro da história também. É diferente daquela
coisa mecanizada da televisão.
106
E acrescenta: eu não me vejo nem doutor, nem advogado, nem médico... não
é a minha cara! Mas, como ele diz: pra ganhar um dinheirinho por minha própria
conta... passou a fazer curso de informática e a mexer com manutenção de
computadores.
Em seguida, por intermédio de um antigo amigo de escola foi admitido
numa firma comercial – contabilidade e administração imobiliária, como office-
boy. Em três meses, foi promovido a auxiliar administrativo, mas não
permaneceu por muito tempo, pois não era exatamente o que ele gostava de
fazer e, segundo ele, pediu pra sair. Nas suas próprias palavras:
107
Todo mundo leva umas patadas na vida, mas as que eu tomei não
foram por causa de estudo, foi por causa, eu acho, do meu temperamento, do
meu jeito de ser; se eu vejo que o que estou fazendo não me agrada, eu já
relaxo e digo pro dono da empresa e peço pra sair. Tem gente que não muda,
eu nunca tive esse problema não.
Mas, segundo ele, foi uma fase passageira. Tempos depois, sua
diversão maior tornou-se o teatro, seguido do cinema, cujos filmes de comédia
são até hoje os que mais gosta. Tentou montar uma banda de rock, mas
desistiu logo que percebeu sua inclinação pelo teatro.
O fato de ser extrovertido o faz crer que se relaciona bem com todos ao
seu redor, inclusive com professores e demais funcionários da escola, mesmo
deixando-os “loucos” com suas traquinagens.
Segundo ele, seu pai é a pessoa mais difícil de se relacionar, porque ele
sempre deu mais ouvidos para o que os outros falam do que para mim mesmo. E,
embora seu avô seja, como ele diz: “italiano difícil de lidar”, sempre achou mais
simples conversar com ele, pois acredita que seu avô confia nele e seu pai,
não. Foi inclusive a influência de seu avô no seu meio social que tem facilitado
sua investida política nos últimos anos.
Odair conta, inclusive, com um terceiro amigo do tempo de infância que
está terminando a faculdade de publicidade e propaganda para fazer seu
marketing na próxima campanha eleitoral.
De toda a trajetória deste jovem, pode-se retirar as seguintes
conseqüências:
• Sendo Odair de origem de meio social com relativas posses, ele não
aparenta preocupação com sua subsistência, mesmo com 21 anos de
idade; todavia, apesar de não valorizar a questão econômica, não
percebe que o que garantiu a sua trajetória foi exatamente as condições
financeiras de seu avô, isto é, suas possibilidades de inserção social
estão muito mais calçadas no capital econômico de sua família (com
base nas atividades comerciais do avô), do que no capital cultural;
109
passou a viver de rendas. O avô apenas cedia espaço em uma das suas
casas, mas não contribuía com qualquer ajuda financeira, embora tivesse
condições para isso – ele era meio muquirana – sempre alegando que seu filho
deveria por um final ao vício.
Seu pai tinha Ensino Fundamental completo, e o jovem acredita que ele
tenha feito algum curso profissionalizante de usineiro e torneiro mecânico, pois
sempre teve conhecimento nesse assunto. Arrumava emprego com facilidade,
mas não ficava muito tempo devido à bebida. Por diversas vezes mudou de
cidade para recomeçar a vida, o que significava morar por vezes em Ribeirão
Preto, outras no Paraná e São Paulo.
Quando ele estava sóbrio era gentil para com todos, desculpava-se com
seus filhos e nunca tocou em nenhum deles. Por um longo tempo seu pai atuou
na lavoura, como trabalhador rural, pois não conseguia admissão nas fábricas
no interior paulista, nem mesmo no Paraná.
A família de sua mãe era bastante humilde e seus parentes moravam
todos no interior. Ela cursou somente até a 5ª série do Ensino Fundamental e
não contava com eles para qualquer tipo de ajuda e também não intervinha nas
decisões do marido, pois ele era o centro das atenções na família, pois mesmo
sendo alcoólatra, todos o respeitavam.
Quando a situação da família ficava seriamente comprometida, Marcelo
diz que
Eles moraram por diversas vezes em casa de parentes, “de favor”, por
isso não ficavam muito tempo em um mesmo local. Com essas idas e vindas,
os filhos mais velhos acabavam por perder o ano letivo escolar e a filha menor
demorou a entrar na escola.
112
Conforme o jovem, sua mãe nunca deu importância para a escola, mas
em compensação seu pai sempre considerou que a escola é tudo, que é só lá
que se aprenderia de verdade as coisas.
O jovem se recorda de que na infância, o pai gostava muito de gibis e
sempre que possível os trazia, de forma que eram lidos por ele e seus dois
filhos. Anos mais tarde, seria a leitura da página esportiva do jornal, trazido
diariamente por seu irmão e a Bíblia que substituiriam os gibis. Entretanto, ele
não se recorda de ter em casa revistas, livros paradidáticos e qualquer outro
material de leitura.
Mesmo a pedido da escola, só uma vez leu na íntegra uma adaptação
da obra “Os Lusíadas”. Diz que gostou, mas foi só essa vez, porque, em geral,
os livros “causam sono demais”, ponto de vista esse também compartilhado por
seu irmão.
Contudo, ele diz que seu pai sempre foi muito inteligente para aprender
as coisas, e quando ele se encontrava com 13 anos, morando de aluguel numa
casa de 02 cômodos, o dono da casa alugou um salão nos fundos para um
jovem abrir sua própria firma de comunicação visual.
Seu pai, que se encontrava desempregado, resolveu ajudá-lo: foi uma
mudança completamente radical na nossa vida.
Enfrentando dificuldades, em pouco tempo o rapaz desistiu do negócio e
seu pai, com o auxílio dos dois filhos, resolveu dar continuidade aos negócios,
recebendo apoio do proprietário, mesmo este sabendo que ele possuía o vício
do álcool.
Este estabelecimento foi montado inicialmente em Barueri e, a partir de
então ele não mais bebeu, ensinou aos filhos o que sabia, o que resultou em
bons resultados, tanto que até hoje eles se dedicam a esta atividade,
resolvendo transferi-lo para Osasco.
Eu acho que depois de muito tombo, muito tombo mesmo, meu pai
decidiu parar de beber. E foi sozinho, sem ajuda de ninguém, só da família que
pegava no pé dele direto.
113
Seu irmão mais velho formou-se no Ensino Médio numa escola da rede
pública estadual em Osasco e a irmã caçula, depois de passar por algumas
escolas particulares voltadas a crianças especiais e uma escola municipalizada
em Barueri, está agora fora da escola, pois não seu deu bem em nenhuma
escola estadual de Osasco.
Toda a família freqüentou por um tempo uma igreja evangélica, mas, no
momento da coleta de dados, somente a mãe ainda a freqüentava.
A família ainda mora em casa de aluguel, próxima ao estabelecimento, e
segundo Marcelo,
nossa vida mudou muito depois disso, é uma sensação de estabilidade, a casa
é maior e agora, pela primeira vez, temos um carro que é dividido entre os três
para as nossas necessidades.
porque ele foi para uma escola mais fraca e eu sempre preferi escola mais
forte, mesmo que repetisse, contrário do meu irmão que preferiu passar mesmo
sem saber nada. Matéria dada faz diferença. Meu irmão quase não entrava e
estava garantido, onde eu estudava não, ou eu ia mais ou menos ou não
passava. Ele não, 90% das aulas ele não ia e passava. Meu irmão sabia que
se fizesse uns trabalhinhos iria passar de qualquer jeito por isso ele ficou lá.
Por isso ele estudava na Lapa, disseram a ele que mesmo sendo o
ensino à noite, a escola era rígida e com qualidade de ensino. Ele diz que
sentia muitas dificuldades para aprender algumas matérias e tinha muita coisa
que ensinavam na escola que ele nunca tinha ouvido falar.
Como aluno, ele disse que nunca freqüentou a Diretoria de escola
nenhuma e nunca seus pais foram chamados também. Eu sou o tipo de aluno
que não dou problemas pros pais nem pra escola.
Na 2ª série, ainda na Lapa, ele foi novamente retido por faltas, mas diz
que o motivo foi bem diferente de antes:
De acordo com o Marcelo, ele era maior de idade, então eles não
chamavam os pais, às vezes falavam com os alunos, mas era raro isso
acontecer, e quando acontecia era o professor que falava, a Direção não
chamava mesmo.
O professor na hora da chamada falava das faltas mas era só, nunca
chegou a chamar fora da sala. E ele nunca dizia nada, só concordava com a
cabeça e ficava nisso.
116
porque passou, mas não foi fácil não. Nesta época, ele participou de uma feira
cultural e adorou fazer isso, afirmando que não apresentou nada, mas ajudou a
elaborar e foi bom, por que nunca tinha feito nada disso antes.
Agora, que está na 3ª série, diz que piorou muito, os professores agora
pegam muito mais no pé e eu estou receoso, acho tudo muito difícil, principalmente a
matéria de português. Ele já pensou em fazer igual ao irmão e buscar uma
escola mais fácil, mas acaba sempre desistindo da idéia.
Diz que este ano também tem ausências significativas e que procura
usar do direito de entrar na segunda aula, mas, que muitas vezes, não
consegue evitar as faltas nas demais aulas do dia, por causa do emprego.
Seu desempenho não está lá aquelas coisas, mas nunca perde a
esperança. Este ano ele está com medo da retenção e sabe que ficará
decepcionado com ele mesmo se isso acontecer, por isso está tentando se
dedicar mais, pois é o último ano, e considera difícil pensar em refazer tudo.
Ele se diz muito tímido para procurar solucionar seus problemas junto
aos professores com os quais está tendo dificuldades e sempre acaba adiando
este procedimento, mesmo sabendo que o ano pode estar em risco.
Por um lado, acha que tal procedimento de nada vai adiantar junto a
certos professores e, por outro, que tentou até fazer seminário, coisa muito
difícil pra ele, cujo resultado não foi bom, o deixando mais desmotivado ainda.
Diz que se for reprovado este ano vai voltar pra mesma escola, que
agora não troca mais, pois acha que ela é boa, e ele é que deveria ser um
pouco diferente.
Afirma que, de jeito nenhum, faria supletivo:
Não traz conhecimento algum, não mesmo, eu conheço gente que fez
supletivo, e diz que é só fazer trabalho de pesquisa e entregar, não precisa
mostrar que aprendeu alguma coisa, é isso, por isso não quero, só em último
caso mesmo.
regras e normas que têm nas escolas. Outra coisa é a idade da maioria, pois
embora no Peixoto tenha alunos com mais de 19 anos, o número é bem menor
do que tinha na Lapa. Lá todo mundo era mais velho, todos os alunos eram
aqueles que ficaram só trabalhando e depois decidiram estudar, mas isso não
é bom não, eles já têm costumes que não são bons para os mais jovens.
Por outro lado, no Peixoto, pra quem é mais velho fica mais difícil o
convívio porque a conversa é mais de adolescente mesmo: ou eles se encaixam
a sua conversa ou você a deles.
Quanto a dar continuidade aos estudos, o jovem pretende se
especializar naquilo que trabalha e precisa de tempo pra isso; acha que
faculdade vai demorar um pouco porque quer primeiro abrir outra firma que
seja só sua. Considera que é preciso se modernizar e, para isso, o curso
superior é importante, pretendendo “um dia” ingressar em curso de publicidade
e propaganda ou de designer gráfico.
Acha que os cursos técnicos são fundamentais e as escolas deveriam
ter, pois ajudaria muita gente a se colocar no mercado mais facilmente. Pouca
coisa do que se aprende na escola tem a ver com a profissão, mas considera
que “esse restante” não deixa de ser importante.
Com 16 anos, fez um estágio numa firma também em Osasco, por dois
ou três meses, por indicação de seu irmão. Mas o pai já havia aberto uma firma
de comunicação visual, que trabalha com toldos e placas e o colocou para
aprender a profissão:
Eu, meu pai e meu irmão, a gente sempre trabalhou como soldador, e
tinha um salão que foi alugado pra um rapaz que trabalhava com tudo isso e
meu pai estava desempregado e começou a trabalhar com ele e aprendeu, a
gente também aprendeu porque foi junto com ele. A gente meteu as caras e
deu certo.
Na infância, ele diz ter feito poucos amigos. Brincava mais com o irmão
porque tinham praticamente a mesma idade e gostavam das mesmas coisas:
• Embora Marcelo relate as poucas amizades que fez, fica claro em seu
depoimento que, assim como no passado, as dificuldades com a bebida
de seu pai foram o centro de uma conturbada vida familiar, as
possibilidades apresentadas pelo novo negócio foram centrais na sua
trajetória social; o que ele não consegue enxergar é que esta
oportunidade de um negócio promissor foi se construindo não apenas
porque seu pai passou a lutar contra o alcoolismo (sem dúvida, um fator
importantíssimo), mas também porque possuía capital cultural suficiente
para levar à frente um empreendimento comercial; Bourdieu (1998), ao
abordar a importância da transmissão do capital cultural nas trajetórias
dos indivíduos, nos aponta que, além da ajuda direta que seus pais
possam lhes dar, eles herdam padrões culturais de maneira totalmente
dissimulada e inconsciente, que permanecem marcados por suas
condições primitivas de aquisição;
3.2. As mulheres
Aos 21 anos, Célia quer recuperar o que ela chama de “tempo perdido”.
A depressão, conseqüência da morte de seu irmão e das lembranças da
infância, está quase superada:
A família de Célia era formada por seu pai, mãe e mais dois irmãos até
os sete anos de idade, quando perde seu pai, vitimado pela Aids.
Com 11 anos ganhou uma irmã, fruto de uma segunda união de sua
mãe, mas perdeu seu irmão caçula, que faleceu, possivelmente vítima de uma
mistura de álcool com drogas.
Nos primeiros sete anos, quem sustentava a casa era sua mãe que
trabalhava como diarista, sem registro em carteira, inclusive nos finais de
semana. Sua mãe estudou até a 4ª série e, segundo Célia, ela nunca falou em
dar continuidade aos estudos. Seu pai sempre foi viciado em drogas, tendo
ocorrências na polícia por seu envolvimento com elas. Ele maltratava sua mãe
com agressões verbais e físicas, acusando-a sempre de adultério. Ele nunca
trabalhou e nos primeiros anos do casamento, a família contava com a ajuda
da avó paterna, que cedia a eles um barraco para morarem na favela do
Baronesa, bairro distante do centro da cidade de Osasco. Contudo, conforme
124
Célia, sua avó costumava sempre apoiar o filho, sugerindo que a responsável
por tudo o que acontecia era sua mãe. Mas,
quando eu tinha quatro anos minha mãe conseguiu montar uma casa numa
favela que é atrás do INSS, hoje. Era terreno invadido e aí minha mãe
conseguiu um pedacinho e montou um barraco lá e a gente viveu até
praticamente meus sete anos.
...aí como minha mãe perdeu o barraco, a minha avó não deu mais a casa pra
ela morar, lá no Baronesa, a gente teve que morar na casa de apoio, de
aidéticos, mesmo não sendo aidéticos, nem eu nem meus irmãos e nem a
minha mãe. Então minha mãe trabalhava lá por um prato de comida e uma
dormida pra mim e pra eles.
por tudo por causa deles, era como se eles representassem uma punição.
Enfim, era uma pessoa triste.
Anos depois, a mãe passou a conviver com outro homem e teve uma
filha. Ele também era dependente de crack e costumava espancar sua mãe,
assim como a ela e seus irmãos, menos sua filha legítima, portanto, o
relacionamento entre eles era muito ruim, mas a mãe geralmente o apoiava.
Nas palavras de Célia,
ele trazia as coisas pra casa sim, mas tanto trazia como tirava, porque ele
usava muita droga né...
Seus irmãos iam mal nos estudos e a mãe nunca falava nada, eles
desistiram e ela dizia que, se tinha de ser assim, que assim fosse. O
falecimento de seu irmão mais novo trouxe mudanças na vida de todos.
Sua mãe passou quatro meses sem trabalhar e
a gente tava perdendo tudo, a gente já não tinha mais nada pra comer... minha
mãe parasitou. [...] Eu comecei a engordar de tanta depressão, meu outro
irmão ficou ainda mais violento e era a diretora da escola que dava cesta
básica pra gente...
Quando sua irmã mais nova completou 10 anos, seu padrasto faleceu.
Seu irmão foi morar sozinho e quase não mantém contato com a mãe e irmãos.
Passa a maior parte do tempo desempregado, é irritante, não convive bem com
ninguém.
126
Aos 07 anos, ela foi matriculada na escola municipal que fica próxima ao
centro de Osasco, mais propriamente na Vila Osasco. Ela gostava muito dessa
escola porque mantinha bom relacionamento com as pessoas de lá, inclusive
eles a ajudavam com cestas básicas para a família. Permaneceu nesta escola
até a 4ª série do Ensino Fundamental. Sua mãe dificilmente ia às reuniões
porque trabalhava muito. Nas três séries seguintes mudou-se para a E. E.
Professor Vicente Peixoto, mas na 8ª série transferiu-se para a escola Oswaldo
Valder, localizada no município de Boa Vista, São Paulo, por situar-se próxima
à sua residência, no Jardim Conceição, pois, dessa forma, não precisava mais
pagar condução.
Nesta época, era ela quem resolvia os eventuais problemas na escola,
tanto dela quanto de seus irmãos. A mãe mantinha sempre o mesmo
comportamento distanciado. Tanto numa escola quanto na outra, Célia afirma
ter sido uma ótima aluna, com bom rendimento, apesar dos problemas
familiares.
Iniciou a 1ª série do Ensino Médio no período noturno na escola
Oswaldo Valder porque já trabalhava, mas diz que a turma da sala era muito
bagunceira e ela acabou se enturmando:
127
Ela disse não ter mais “cabeça para os estudos”. Essas tentativas de
retorno significavam buscar na escola um lugar que a fizesse distrair, mas nada
lhe chamava a atenção e voltava pra casa, às vezes nem sequer entrava,
segundo ela, voltava do portão.
Por vezes, tentava entregar as atividades solicitadas pelos professores,
mas desistia assim que percebia que o resultado das mesmas não seria
positivo. Só tirava nota quando o trabalho era em grupo e os outros faziam e
colocavam o seu nome. Nunca leu nenhum livro recomendado pela escola e
nenhuma vez pensou em falar sobre o assunto com ninguém, pois acreditava
que de nada adiantaria.
Em 2006, resolveu mudar de escola e voltar para a que antes já
estudara: E. E. Prof. Vicente Peixoto – por gostar muito do ambiente desta
escola, mas seu comportamento continuou o mesmo, ou seja, ou desistia de
entrar e voltava pra casa ou entrava, mas não conseguia acompanhar: sentia-
me perdida em sala de aula. [...] E olha, faltou uma pessoa pra chegar e falar: você vai
continuar, aquilo que você começa, você termina...
128
Se você quer se alguém na vida tem que correr atrás do prejuízo, então
você entra pra dentro da escola, vai estudar que é o melhor que você faz da
sua vida. Aí depois desse dia eu não faltei mais.
Perto do término do ano letivo de 2006, suas notas não eram boas, e ela
sabia que seria retida mas ainda assim persistiu: sabia que ia repetir de ano, mas
fiquei lá firme e forte.
Encontra-se matriculada neste ano, 2007, na 1ª série, na mesma escola
e apresenta ainda as mesmas dificuldades de rendimento escolar de antes:
Ela diz que, embora tenha algumas faltas, tem atestado médico que as
justificam e agora faz as lições sozinhas. Ela pensa que, se conseguiu fazer da
1ª a 4ª série direitinho, e da 5ª a 8ª, porque não conseguir do 1ª ao 3ª do
Ensino Médio, também. Ela acredita que o grau de escolaridade faz diferença
na hora de encontrar um emprego e ter um diploma é muito importante.
Segundo ela,
Eu sou uma das mais velhas da sala, então sempre tem piadinha,
brincadeirinhas que são desagradáveis. [...] Ah, a Célia sabe, pergunta pra
Célia, entendeu? Parece que a Célia sabe tudo, é a professora da sala, então
fica meio complicado... qualquer coisa que acontece foi a Célia que falou ou a
Célia que fez... entendeu?
Mas ela diz que vai persistir e um dia fará faculdade de pedagogia, pois
adora crianças e tem experiência na educação de crianças, visto que
praticamente criou seus irmãos, sozinha.
Segundo a jovem, ela começou a fazer “bicos” para ajudar nas despesas
da casa a partir dos 13 anos de idade. Passava o dia fazendo faxina, igual à
sua mãe, e de 6ª a domingo ajudava numa pizzaria.
Ela parou de trabalhar quando resolveu morar com um companheiro.
Quanto ao motivo de ter parado e o que passou a desempenhar, é melhor
reproduzir com suas próprias palavras:
Quando criança, Célia diz não ter tido amigos, pois ela passava a maior
parte do tempo em companhia dos irmãos, já que era ela quem cuidava dos
mesmos. Só saía para ir à escola.
Quase não havia diálogo com os pais, pois de acordo com a jovem, sua
mãe só retornava para casa à noite: ela sempre foi de pouco diálogo, de pouco
carinho, não conversava muito, era raro.
E seu pai estava sempre em companhia de outros homens, geralmente
se drogando. A mãe trabalhava inclusive nos finais de semana e ela, portanto,
como filha mais velha, ficava em casa para cuidar dos irmãos.
Na adolescência, ela passou a sair com os irmãos para quermesses e
shoppings. Adorava trazer pizzas para eles, ou seja, agradá-los.
Na escola, a situação era diferente, pois era muito reservada e por vezes
encrenqueira:
Eu sei que eu tinha que ter me relacionado mais com pessoas da minha
idade pra ver que a minha vida não era igual a delas, ver que tem pais e mães
bons, ver que tem gente que não bebe, não fuma, não usa droga, então eu
tinha que me relacionar com pessoas diferentes de mim, de nível, daquilo que
eu vivi, só que eu não consegui. [...] A morte do meu irmão também deixou um
vazio muito grande...[...] Eu gosto das pessoas, só que no meu jeito de ser e as
pessoas não gostam do meu jeito de ser.
Ela diz que deixou de se envolver com alguns homens por sentir
dificuldades em expor seus sentimentos e por se julgar inferior a eles.
Entretanto, aos 17 anos, passou a viver com um jovem que possuía diploma de
técnico de som e era dono de uma eletrônica. Segundo Célia, ele fez de tudo
por ela, mas ela não correspondeu e esse relacionamento terminou, inclusive
sem filhos.
Atualmente, ela participa de todos os eventos que acontecem dentro da
escola, mas diz nunca ter ido assistir a uma peça de teatro. Porém, ir ao
cinema é o que mais gosta de fazer e não importa o gênero; costuma ir com
uma amiga que mora próximo à sua casa e com sua irmãzinha para assistir
filmes infantis. Por morar no mesmo bairro há bastante tempo, diz se sentir
muito bem lá, onde todos a conhecem e é onde ela se acha realmente
comunicativa. Ela acrescenta que:
Antigamente minha casa era pequena, né, porque era muita gente.
Hoje, graças a Deus eu tenho condição maior e melhor, hoje eu moro numa
casa de quatro cômodos, eu tenho um quarto só pra mim.
Em suma, Célia acha que sua vida melhorou muito. Agora ela já sabe o
que quer para si e principalmente para sua irmã: que ela vá brincar com
crianças da sua idade, aproveitar a infância: quero que ela faça tudo o que minha
mãe não deixou eu fazer ou eu ir porque eu tinha meus irmãos pra cuidar.
132
• Apesar de todas essas condições precárias, considera que sua vida hoje
está muito melhor, por morar em casa de quatro cômodos e de poder
exercer uma profissão em casa menos desvalorizada do que a de
faxineira, enfim, sua visão acerca do significado do que sejam condições
de vida aceitáveis foi construída com base na posição social de sua
família.
Eu falo pra minha mãe que o meu amor por ele é tanto que chega a
doer. Eu tenho é que cuidar dele, porque ele vale a pena!
134
estudar se a escola fosse próxima de casa. Por este motivo, além dela, mais
dois irmãos retomaram os estudos tardiamente.
Aos 18 anos ela se casou com um rapaz funcionário de uma empresa de
móveis em Osasco. Moravam de aluguel numa pequena casa, mas segundo
Elisa, embora eles não passassem por dificuldades financeiras, seu marido não
a levava para passear em lugar algum.
Ele havia estudado até a 3ª série do Ensino Fundamental, e este era um
dos constantes motivos de briga entre o casal. Para ela, ele deveria continuar
estudando para ter um futuro melhor, mas ele nunca quis. Depois de cinco
anos eles tiveram um filho.
Quando bebê, seu filho foi vítima de graves queimaduras e Elisa foi
acusada pelo marido de negligência. Seus pais nunca foram favoráveis à união
dos dois, e agora ela diz ter sido uma ilusão: eu quebrei a minha cara e muito!
Segundo Elisa, o que sua mãe queria é que ela não ficasse igual a ela,
só dona de casa, entendeu? Ela decidiu se separar, mas estava desempregada
e, segundo suas palavras,
ele passava na minha cara direto que eu não ia me separar dele por causa que
eu não tinha onde cair morta e meu pai não ia me aceitar de volta, ia me
expulsar – de fato ia mesmo. Mas aí eu falava pra ele que ia dar a volta por
cima...
Hoje, dois de seus irmãos moram distantes dos outros, mas segundo
Elisa, são todos extremamente unidos. Ela, no momento, mora com dois
irmãos e próxima à sua mãe, o que a tem ajudado a enfrentar esse problema.
Ela permanece em tratamento psiquiátrico, mas afirma que aos poucos está
retomando sua vida porque quer a felicidade de seu filho.
Ele sempre falava pra mim: pequena, você é muito inteligente e não
pode ficar sem estudar, você tem que estudar! Volta a estudar, pequena.
Então, quando eu me matriculei aqui no Peixoto eu vi, ou melhor, eu achei que
ninguém ia me pegar por causa da minha idade, mas eu me matriculei, aí
quando saiu a seleção e que eu vi o meu nome, eu fiquei muito contente e saí
contando.
Neste ano, 2007, a jovem diz se sentir mais confiante, agora parece
saber o que realmente deseja. Está matriculada nesta mesma escola, diz sentir
muitas dificuldades no que concerne à aprendizagem em algumas disciplinas:
Hoje, quem tem só a 8ª série pode desistir, viu? Não consegue nada
mesmo, pelo que vejo tem que tá cursando o Ensino Médio ou ter terminado,
ou ter pelo menos um tipo de curso técnico de qualquer coisa, porque não ta
fácil não.
Ela diz que a retenção pode vir a acontecer e tem receio, mas não culpa
ninguém por isso, pois acredita que a escola deva selecionar “os bons alunos”,
aqueles que realmente sabem o que querem, que lutam por seus objetivos e
seguem em frente.
Por isso não tem faltado muito, e apesar da sua idade, ela quer concluir
o Ensino Médio num curso regular, pois acredita que um curso supletivo não
seria o ideal para quem deseja fazer faculdade de Enfermagem:
Se você faz um supletivo eles não ensinam totalmente o que você vai
precisar... já a escola de período integral, inteiro, é bem melhor.
Na infância, Elisa sempre brincou muito com seus irmãos e irmãs, tanto
na época que morava no Recife, como aqui em Osasco. Segundo a jovem, eles
sempre foram muito unidos, tanto na adolescência como na vida adulta.
Considera a mãe uma grande amiga, pois não tem segredos para com ela.
141
Diz que não tinha amigas nem no bairro nem na escola, era somente a
família, e sabia que eles ficariam decepcionados, principalmente sua mãe. Ela
explica, chorando:
Eu vou ser alguém, vou mostrar pra todos que eu consegui vencer, que
eu posso.
É muito difícil porque os alunos que estão presentes também não estão
com um bom rendimento, é difícil você mudar a cabeça deles, principalmente
na 1ª série, que eles estão vindo da 8ª série, e estão acostumados a passar de
um ano pra outro sem ficar retido em nenhuma série. Acho que esta questão
da retenção não é uma questão de castigo pro aluno, embora muitos pensem
que seja, eu acho que é o momento do aluno se auto-avaliar: “se eu não fui
bem neste bimestre tenho de me esforçar pra recuperar no próximo.”
Não seria uma opção viável para eles? [...] Lá o professor tem que ir
devagar porque o aluno parou de estudar a muito tempo... é claro que você não
consegue passar tudo que seria viável para seus alunos, porque se em 1 ano
não dá, imagina em um semestre...
No caso desses alunos que têm muita dificuldade, o que acontece é que
eles fazem o que eu passo, mas eles vão copiar de outros alunos porque eu já
sei, vão entregar essas atividades para mim e eu vou fingir que foi ele que
fez...vou atribuir uma nota azul porque é isso que a escola quer que eu faça e é
isso que ele quer que eu faça.
Eu acredito que de alguma forma isso prove que a escola ainda faça
sentido por mais que as pessoas digam que não. Eu acredito no seguinte, que
eles esperam... porque eu ouço o que eles falam: todos desejam fazer
faculdade. [...] Então eu fico pensando assim: Meu Deus, como é que essas
crianças vão... elas não sabem nem ler nem escrever né, mas elas almejam,
elas sonham, então a escola ainda faz algum sentido pra elas.
Claudia acrescenta que no início de sua carreira ela dava aulas numa
escola da rede pública localizada também na região central da cidade de
Osasco. Naquela época a comunidade que freqüentava os bancos escolares
era a comunidade local, então era a sua classe social que estava lá, porque ela
também foi aluna da rede pública: Então eu me identificava muito e acho que é
muito diferente de hoje. E, a partir da reforma de 97, na gestão de Rose
Neubauer, o público que freqüentava a escola pública mudou e as pessoas,
segundo ela, fazem das tripas corações, mas pagam qualquer coisa, nem que seja
uma porcaria, mas pagam uma escola privada.
O que aconteceu:
A impressão que eu tenho é que ela está pior. Eu não tinha contato com
essa camada social antes, então essa camada social estava numa escola
150
muito distante, bem na periferia e vieram pro centro por causa dessa
remodelação aí do sistema educacional. Então o que mudou é que eu estou
lidando com uma camada social que é diferente daquela que eu lidava há 15
anos atrás e aí me choca, é lógico.
pois coloca em primeiro plano as necessidades dos professores. Mas isso não
significa que ela não registre e torne público consideráveis ausências, quando
tem conhecimento sobre as mesmas. Em alguns casos, os professores
solicitam trabalhos de reposição, mas que segundo ela
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
162
ANEXO 1
ANEXO 2
ANEXO 3
I – ESCOLARIZAÇÃO
II – AMBIENTE FAMILIAR
B – AS EVASÕES E OS RETORNOS
ANEXO 4
ANEXO 5
Grau de Escolaridade:
Magistério ( ) Ensino Superior ( ) Pós-Graduação (X )
Qual o procedimento?
...................................................................................................................
....................................................................................................................
....................................................................................................................
Como você analisa o comportamento dos professores em relação à
possível proposta de readaptação destes alunos?
....................................................................................................................
....................................................................................................................
....................................................................................................................
Quem fez ou faz as orientações neste sentido?
....................................................................................................................
....................................................................................................................
....................................................................................................................
Qual a sua opinião pessoal sobre o projeto de enfrentamento da
problemática evasão escolar e sobre o projeto de readaptação destes
jovens à instituição escolar?
...................................................................................................................
172
ANEXO 6
ANEXO 7
Termo de Autorização
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