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DULCINÉA JANÚNCIO MARUN

EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO:

um estudo sobre trajetórias escolares acidentadas

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


São Paulo
2008
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DULCINÉA JANÚNCIO MARUN

EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO:

um estudo sobre trajetórias escolares acidentadas

Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Pós-graduados


em Educação: História, Política, Sociedade da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como parte dos requisitos
para obtenção do título de Mestre, sob a orientação do Prof. Dr.
José Geraldo Silveira Bueno.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


São Paulo
2008
3

Banca Examinadora

__________________________

__________________________

__________________________
4

Agradeço carinhosamente a todos aqueles que contribuíram


para a realização deste trabalho, em especial, ao meu querido
professor orientador José Geraldo Silveira Bueno e a meus filhos,
Renata Marun e Edson Marun Junior.
5

RESUMO

Este trabalho teve por objetivo analisar a trajetória educacional acidentada de


alunos que cursam o Ensino Médio regular no período noturno na rede pública
estadual de ensino, trajetórias essas caracterizadas pelo abandono e retorno
reiterativos, na medida em que esses jovens, por pouco ou longo tempo, uma
vez ou várias vezes, deixaram a instituição escolar e a ela, posteriormente,
retornaram às classes regulares. Os procedimentos básicos para a coleta de
dados foram as entrevistas, realizadas em 2007, com quatro alunos (dois do
sexo masculino e duas do sexo feminino), que se encontravam nessa situação,
em uma escola situada no município de Osasco, por meio das quais foram
coletadas informações a respeito da vida familiar, escolar e profissional, bem
como das principais relações sociais por eles travadas. Como procedimento
acessório, foram entrevistadas duas professoras e a coordenadora pedagógica
responsável pelo período noturno, para coletar informações tanto a respeito de
suas visões sobre esses alunos, bem como se existiam ações que
procurassem algum tipo de estratégia para a resolução desse problema. A
análise dos dados foi efetuada com base nas contribuições de Bourdieu (1982,
1989, 1998), especialmente no que tange às diferenciações desses alunos em
termos de capital cultural de origem, da influência das relações sociais
construídas, assim como da própria trajetória escolar pregressa. Os principais
achados desta investigação podem ser assim sintetizados: tanto as
expectativas quanto o destino social de alunos que apresentaram abandonos e
retornos reiterativos à escola parecem muito mais marcados pela posição
social de origem do que pelo grau de escolaridade alcançado; os alunos
incorporaram a perspectiva de que as dificuldades encontradas na
escolarização dizem muito mais respeito a si próprios do que aos processos de
ensino; embora os educadores constatem esses problemas, tanto
individualmente quanto coletivamente não criam qualquer iniciativa para um
possível encaminhamento.

Palavras-chave: Ensino Médio. Trajetórias escolares. Fracasso escolar.


6

ABSTRACT

This study aimed to examine the educational bumpy path of students who study
the regular high school in the period night on the network of state public
education, these trajectories characterized by abandonment and return, to the
extent that these young people, for little or long time, once or several times, left
the school and then returned to regular classes. The basics procedures for the
collection of data were interviews, conducted in 2007, with four students (two
male and two female), who were in that situation, in a school located in the city
of Osasco, by means of which were collected information about the family life,
school and work, and the main social relationships they fought. How procedure
enhancement, were interviewed two teachers and educational coordinator
responsible for the nocturnal period, to collect information both about their views
on these students, and there were actions that seek some kind of strategy for
the resolution of this problem. Data analysis was performed based on the
contributions of Bourdieu (1982, 1989, 1998), especially as it pertains to these
differentiations students in terms of cultural capital of origin, the influence of
social relationships built, as well as the actual trajectory pregressa school. The
main findings of this research can be summarized thus: both the expectations of
the social fate of students who had dropped out and returns to school seem
much more marked by the social position of origin than by the level of education
achieved, the students incorporated the prospect of that the difficulties
encountered in school say much respect themselves than the processes of
education, but the educators find these problems, both individually as
collectively do not create any initiative for a possible referral.

Keywords: High school. Trajectories school. School failure.


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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 10

INTRODUÇÃO 14

CAPÍTULO I - EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO 17


1.1. O fracasso escolar no Brasil 17
1.1.1. Passagem da escolarização básica para a escolarização média 28
1.1.2. Os determinantes do fracasso escolar 29
1.1.3. A Lei 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 32
1.1.4. O curso regular noturno 39
1.2. A relação escola e cultura 42
1.3. A relação juventude-educação escolar 50
1.3.1. A juventude brasileira nos dias de hoje 50
1.3.2. A relação juventude-escola 56

CAPÍTULO II - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 69


2.1. A escola investigada 70
2.1.1. Objetivo, organização e desenvolvimento do ensino 74
2.1.2. O Ensino Médio do período noturno 76
2.2. Procedimentos para coleta dos dados 83
2.3. Os sujeitos da pesquisa 85
2.3.1. Os alunos 85
2.3.2. Os alunos entrevistados 90
2.3.3. As educadoras 92
2.4. As entrevistas 94
2.4.1. Entrevistas semi-estruturadas – alunos 95
2.4.2. Entrevistas semi-estruturadas – corpo docente 96
2.4.3. Questionário e entrevista estruturada – coordenação pedagógica 96

CAPÍTULO III - DESTINOS DIFERENTES PARA PERCURSOS ESCOLARES


SEMELHANTES 98
3.1. Os rapazes 99
3.1.1. A trajetória de Odair 99
3.1.1.1. Sua trajetória familiar 100
3.1.1.2. Sua trajetória escolar 102
3.1.1.3. Sua trajetória profissional 105
3.1.1.4. Sua trajetória social 107
3.1.2. A trajetória de Marcelo 109
3.1.2.1. Sua trajetória familiar 110
3.1.2.2. Sua trajetória escolar 113
3.1.2.3. Sua trajetória profissional 118
3.1.2.4. Sua trajetória social 119
3.2. As mulheres 122
3.2.1. A trajetória de Célia 123
3.2.1.1. Sua trajetória familiar 123
3.2.1.2. Sua trajetória escolar 126
3.2.1.3. Sua trajetória profissional 129
3.2.1.4. Sua trajetória social 130
3.2.2. A trajetória de Elisa 133
3.2.2.1. Sua trajetória familiar 134
3.2.2.2. Sua trajetória escolar 137
3.2.2.3. Sua trajetória profissional 139
8

3.2.2.4. Sua trajetória social 140

3.3. Os depoimentos das educadoras 143


3.3.1. O depoimento da professora Dalva 144
3.3.2. O depoimento da professora Claudia 147
3.3.3. O depoimento da coordenadora pedagógica 150

CONSIDERAÇÕES FINAIS 154

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 157

ANEXOS 161
ANEXO 1 – Quadro geral – Alunos com trajetórias acidentadas – Número de
evasões e repetências 162
ANEXO 2 – Quadro específico – Distribuição por série 163
ANEXO 3 – Roteiro de entrevistas com alunos 166
ANEXO 4 – Roteiro de entrevista com o corpo docente 168
ANEXO 5 – Questionário dirigido à coordenação pedagógica 169
ANEXO 6 – Entrevista dirigida à coordenação pedagógica 172
ANEXO 7 – Termo de Autorização 175
9

LISTA DE QUADROS E TABELAS

Nº de matrículas e transferências na E. E. Vicente Peixoto –


Quadro 1
março a setembro – 2007 71

Quadro 2 Perfil dos alunos selecionados para a entrevista 91

Quadro 3 Perfil das professoras 92

Quadro 4 Perfil da coordenadora pedagógica 93

Proveniência dos alunos matriculados na E. E. Vicente


Tabela 1
Peixoto – março a setembro – 2007 71

Transferências entre períodos – E. E. Vicente Peixoto – março a


Tabela 2
setembro – 2007 72

Distribuição, por período, das aprovações, reprovações e


Tabela 3
abandonos totais por período – E. E. Vicente Peixoto – 2005 76

Indicadores de trajetórias acidentadas – E. E. Vicente Peixoto –


Tabela 4
2007 86

Evasões e retenções no Ensino Médio, por sexo – E. E. Vicente


Tabela 5
Peixoto – 2007 87

Alunos com trajetórias acidentadas no Ensino Médio por idade


Tabela 6
e gênero – E. E. Vicente Peixoto – 2007 88

Evasões e retenções dos alunos, por nível de ensino – E. E.


Tabela 7
Vicente Peixoto – 2007 88

Tabela 8 Quantidade de evasões no Ensino Fundamental e Médio 89


10

APRESENTAÇÃO

Há alguns anos, um fato ocorrido no período noturno na escola da rede


pública estadual que ministro aulas fez-me refletir sobre incidências que
ocorrem no espaço escolar e que nem sempre é possível ser solucionado pelos
agentes envolvidos no processo educacional.
Uma jovem, com quinze anos de idade, cursando a 1ª série do Ensino
Médio, inesperadamente começou a se ausentar na escola. Estas faltas
contínuas chamaram-me a atenção pelo fato desta garota ser uma aluna
freqüente, bem como apresentar resultados satisfatórios em todas as
disciplinas desde o Ensino Fundamental. Suas ausências tornaram-se
acentuadas de forma que, após uma semana consecutiva sem vê-la na sala de
aula, passei a me preocupar com esse procedimento contraditório.
Quando ela retornou às aulas, pedi, num momento em que nos
encontrávamos sozinhas, uma justificativa pelas suas ausências, quando ela
me respondeu:
– Minha mãe morreu!
Apesar de ser uma informação desagradável, ainda assim muitos alunos
passam por este mesmo problema e não se constituía, portanto, numa
justificativa plausível.
Indaguei uma segunda vez, e ela explicou-me que, há meses sua mãe
padecia de uma doença incurável (câncer), mas que mesmo assim cuidava de
uma irmãzinha sua, com apenas três anos de idade, à noite, período em que
ela deveria estar na escola. O pai que sustentava a família era catador de
papelões nas ruas da cidade de Osasco, e somente retornava à sua casa após
as 23h.
Decorrido o falecimento de sua mãe, era impossível para seu pai
permanecer com a criança até altas horas nas ruas, fato que a tinha levado a
se ausentar da escola e que, naquele momento de nossa conversa, parecia ser
certa para ela, uma decisão já tomada: deixaria a escola definitivamente.
11

Insisti junto dela que não seria a melhor opção naquele momento, pois
com dezesseis anos (a completar no ano seguinte) ela teria a oportunidade de
arrumar um emprego que propiciasse condições de sobrevivência para a
família, como na alimentação, no aluguel, plano de saúde, enfim, ajudar seu
pai, visto que seriam os dois agora responsáveis pela irmã caçula. Contudo,
naquele momento de sua vida, era impossível realizar as duas coisas ao
mesmo tempo: estudar e cuidar da irmã.
Tudo o que fiz então, foi pedir a ela que voltasse a me procurar em
alguns dias, pois estava decidida a pensar em “algo” para ajudá-la, mas não
sabia ao certo o quê exatamente. Ela prometeu retornar.
Minha primeira iniciativa foi a de recorrer ao corpo docente da escola.
Estávamos em horário de HTPC (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo),
quando explanei o problema em questão aos demais professores que a
conheciam, pois eles também pertenciam ao quadro de profissionais da 1ª
série. Três dos professores presentes disseram estar de acordo em apoiar,
desde que a eles fosse apresentada uma proposta nesse sentido. Entretanto,
os cinco restantes argumentaram que as faltas em excesso não poderiam ser
repostas, havendo ainda o problema da não apropriação dos conteúdos e, por
último que, ela era um caso, mas certamente dentro da escola existiriam outros
semelhantes, de forma que se buscássemos uma “saída” para aquela situação,
outras certamente surgiriam.
Dessa forma, a reunião terminou sem que se conseguisse uma solução.
Entendi os argumentos dos meus colegas, afinal nada do que disseram fugia
às regras de funcionamento instituídas à escola.
Decidi por procurar a Direção da Unidade Escolar. Expus a problemática
e obtive a seguinte resposta:
– Reúna o Conselho da Escola, caso exista uma possibilidade, podem
contar com meu apoio.
Assim fiz. Aleguei que, se nada fizéssemos, teríamos mais um caso de
retenção por evasão e, o mais grave, o que faria aquela jovem após desistir da
escola, cataria papelões também junto de seu pai, para continuarem
12

sobrevivendo? Seria justo permitir que tal situação se efetivasse, haja vista que
faltavam apenas cinco meses para que ela terminasse a série em que se
encontrava?
Solicitaram-me que fizesse uma proposta nesse sentido, e após dois
dias sugeri ao grupo de docentes membros do Conselho Escolar que os
professores da jovem solicitassem trabalhos de pesquisa sobre os conteúdos
relativos a um período de quinze dias, e que seria dada a ela a oportunidade de
realizar estas pesquisas na própria biblioteca da escola. Dada a permissão da
Direção da escola, ela poderia também trazer sua irmãzinha quando da
impossibilidade de ter quem a cuidasse. Quinzenalmente, ela entregaria os
resultados das pesquisas a mim e eu trataria de repassá-los ao corpo docente.
Comprometi-me ainda de ministrar aulas de Língua Portuguesa à jovem fora do
meu horário de trabalho, também na biblioteca da escola. Para minha surpresa,
aceitaram a proposta.
Dias depois, voltei a vê-la e após conversar com ela sobre os
procedimentos aprovados pelo Conselho, deixei claro que se não cumprisse
prontamente com o estabelecido, nada mais poderia ser feito. Sua resposta foi
o suficiente para eu saber que não tinha sido em vão:
– A senhora não se decepcionará comigo!
Tudo aconteceu como previsto nos cinco meses que se seguiram a este
dia. Apenas um infortúnio veio culminar na vida da jovem e da sua família,
foram despejados e por dois meses e meio residiram, se assim posso dizer,
sob uma ponte que faz divisa da cidade de Osasco com a de São Paulo. Nem
assim ela nos decepcionou, como havia prometido.
Terminado o ano, ela foi matriculada na série seguinte. Já no início do
mesmo ela empregou-se numa pequena empresa na cidade de Osasco.
Alugou dois cômodos e, embora seu pai ainda por muito tempo tivesse que
continuar a atividade de antes, ela concluiu os seus estudos normalmente, pois
agora era ele quem cuidava da pequena no período noturno.
Poucos meses depois, quando a jovem encontrava-se cursando a 2ª
série da escolarização média, recebi a visita de seu pai (mãos dadas com a
13

filha mais nova), que até então não os conhecia, e ouvi dele as seguintes
palavras:
– A senhora mudou a nossa vida!
Essas palavras marcaram o início de uma inquietação que passou a
fazer parte da minha vida profissional e doravante pretendo esclarecer, mais
propriamente na introdução deste trabalho de pesquisa.
Para concluir, esta ex-aluna hoje, depois de alguns anos, trabalha numa
multinacional em Alphaville, Barueri, como secretária. Seu pai não mais exerce
a atividade antes mencionada e ela tem diversos cursos especializados, muito
embora sua pretensão no momento seja se formar em Hotelaria.
Não caberia agora questionar se o que fizemos foi o mais correto, prefiro
repetir para mim mesma a pergunta que não se cala:
Estaria ela hoje fazendo o quê se não tivéssemos imputado a nós
mesmos a responsabilidade de refletir sobre a nossa condição de educadores
e formadores de cidadãos ativos na sociedade?
14

INTRODUÇÃO

Este trabalho de pesquisa nasceu da minha inquietação sobre as


trajetórias escolares acidentadas de alunos do Ensino Médio, que concluem
seus estudos no período noturno. Durante a minha vida profissional voltada à
educação na rede pública de ensino estadual, lecionando para jovens com
idade superior a 15 anos, que residem em áreas periféricas da cidade de
Osasco e mesmo para aqueles que residem próximos ao centro, onde está
instalada a Unidade Educacional em que trabalho atualmente, tenho
presenciado e notificado constantes evasões escolares.
Esta experiência parece indicar que as evasões que ocorrem durante o
percurso escolar desses jovens parecem ser maiores e com mais freqüência
nesta faixa etária e período referido, se comparadas com os alunos que
estudam em outros horários, bem como, com alunos do Ensino Fundamental.
Logo, partindo destas considerações, este passou a ser o meu tema de
pesquisa.
O contato com esses jovens, diariamente, traz à tona seus problemas
pessoais e escolares. Estes problemas apresentam-se, geralmente, sob a
forma de conduta diferenciada dos demais alunos, especialmente nos
resultados escolares obtidos durante a trajetória escolar.
Inquieta-me perceber que esses jovens, prestes a abandonar os
estudos, normalmente o farão sem qualquer tipo de pronunciamento dos
responsáveis pelo processo educativo. Porém, não é menos comum vê-los
retornar à instituição da mesma forma que a deixaram, sem justificativas
plausíveis para a sua ausência temporária.
É notório que essa ausência, por pouco tempo ou um período de tempo
mais prolongado, parece acarretar dificuldades em seu retorno. Este
afastamento costuma distanciá-lo de seus antigos pares, bem como dos
objetivos estabelecidos pela instituição, quanto ao que se é transmitido no ano
em questão.
15

Não é menos comum este jovem deixar, numa segunda vez, o âmbito
escolar, pois estas dificuldades se apresentam como um forte argumento para
a sua desistência.
A análise bibliográfica inicial que realizei parece indicar que não existem
pesquisas sobre esses retornos reiterativos, bem como sobre a readaptação
deste aluno ao meio escolar. Os estudos efetuados sobre a evasão escolar
concentram-se, em grande número, no Ensino Fundamental, o que parece
mostrar que não tem se dado a relevância necessária a este tipo de
comportamento pertinente ao Ensino Médio.
Deste ponto de partida, comecei a definir um trabalho de pesquisa que
procurasse investigar determinantes intra e extra-escolares que pudessem
estar corroborando para tal comportamento, pois se a evasão parece apontar
para um descrédito da escola, estes retornos reiterativos parecem,
contraditoriamente, indicar que há também uma valorização dela.
Por outro lado, durante o próprio desenvolvimento da pesquisa pude
verificar que essas trajetórias irregulares não pareciam propiciar o mesmo tipo
de dificuldades, tanto em relação à sua profissionalização, quanto a uma
inserção social mais ampla.
Nesse sentido, ampliei a coleta de dados no sentido de investigar, além
dos dados sobre a escolarização pregressa desses alunos, tanto fatores
familiares quanto sociais, no sentido de verificar a inter-relação entre eles e as
expectativas e destinos sociais que se afiguravam como singulares.
A pesquisa foi efetivada durante o ano letivo de 2007, com alunos que
cursavam o Ensino Médio noturno na Escola Estadual “Vicente Peixoto”,
localizada no município de Osasco, região da Grande São Paulo.
A referência teórica utilizada foi as contribuições de Pierre Bourdieu,
especialmente os conceitos de capital cultural, social e escolar.
Essa dissertação está dividida em três capítulos.
No primeiro, efetua-se uma discussão teórica a respeito do fracasso
escolar no Brasil, bem como dos problemas que afligem o Ensino Médio e a
escolarização da juventude, entremeada pela incorporação das contribuições
16

de Bourdieu que considerei fundamentais para a análise que se pretendeu


efetivar.
No segundo capítulo estão apresentados os procedimentos
metodológicos utilizados, detalhando a descrição da escola investigada, dos
sujeitos selecionados, bem como procura detalhar as entrevistas utilizadas
para a coleta de dados com os diferentes sujeitos da pesquisa.
No terceiro capítulo procurou-se apresentar os dados coletados nas
entrevistas, antecedidos por uma análise mais global do conjunto de alunos
que apresentavam trajetórias escolares acidentadas no Ensino Médio, não só
no sentido de, entre eles, selecionar os sujeitos a serem entrevistados, como
também para oferecer um panorama mais geral acerca desses alunos.
Além disso, como informações acessórias, estão presentes neste
capítulo excertos dos depoimentos de duas professoras e da coordenadora
pedagógica responsável pelo período noturno, que permitiram verificar tanto as
suas perspectivas a respeito das causas para estas trajetórias, quanto de
possíveis iniciativas que pudessem ter sido colocadas em ação na busca de
soluções para este problema.
Ainda neste capítulo, procurou-se efetuar a análise dos depoimentos
desses sujeitos com base no referencial teórico adotado.
Nas considerações finais, realizou-se uma retomada dos pontos
principais dos capítulos precedentes, bem como a retirada das conseqüências
mais ampliadas dos dados e análise realizadas no último capítulo.
17

CAPÍTULO I

EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO

De um modo geral, o homem tem de andar às


apalpadelas; não sabe de onde veio nem para
onde vai, conhece pouco do mundo e menos
ainda de si mesmo.
(Goethe)

1.1. O fracasso escolar no Brasil

O fracasso escolar, por meio de suas expressões como a permanência


desqualificada, bem como a repetência e a reprovação, tem sido objeto de
interesse de muitos pesquisadores brasileiros (FERRARO, 1999; PATTO,
2002; ABRAMOVAY, 2003; et al).
Como mostra o estudo de Patto (1999, p. 138), nos últimos cinqüenta
anos do século passado, houve a permanência de consideráveis índices de
evasão e repetência na escola pública elementar e paralela a eles, durante
décadas, a recorrência de descrições de determinados aspectos do sistema
escolar e de recomendações que visavam alterar o quadro descrito.
Ela acrescenta que

inúmeras passagens levam à sensação de que o tempo passa mas alguns


problemas básicos do ensino público brasileiro permanecem praticamente
intocados, apesar das intenções demagogicamente proclamadas por tantos
políticos e dos esforços sinceramente empreendidos por muitos pesquisadores
e educadores.

Em discussões acerca da problemática evasão escolar, diversas


iniciativas sempre estiveram presentes, como o aumento considerável no
número de escolas; campanhas voltadas ao treinamento dos professores;
aprimoramento da escola fundamental, evitando as constantes mudanças de
18

professores durante o ano letivo e organização de um corpo docente


especializado; implantação de currículos caracterizados pela prescrição de
disciplinas formais; a duração do período escolar e suas conseqüências sobre
a qualidade do ensino; dentre outras. Porém, parece não terem encontrado
soluções plausíveis.
Um diagnóstico histórico sobre os aspectos que revestem a situação do
fracasso escolar no ensino brasileiro aponta-nos que, com o aumento da
demanda pelo Ensino Fundamental iniciada nos anos 50, a massificação de um
ensino, antes restrito a pequenas parcelas da população, trouxe, segundo
Tiballi (1998, p. 57), modificações substantivas ao sistema de ensino brasileiro.
Para ela, o rápido e desordenado aumento da rede pública de ensino
teria recriado a problemática das desigualdades educacionais, colocando a
necessidade de renovação das explicações para a realidade de um sistema de
ensino que permanecia excluindo da escola a parcela maior da população.
Para tanto,

[...] paralela a discussão individualista que focalizava a criança para nela


investigar o fracasso na escola uma outra se fez, ampliando o debate para o
âmbito social, tomando a escola como objeto e, conseqüentemente, mudando
a natureza das explicações sobre o fracasso escolar. A escola, nessa
concepção foi considerada inadequada e impotente diante dos determinantes
sociais, para cumprir sua tarefa de escolarizar a população. O aluno deixou de
ser o único responsável pelo seu próprio insucesso, sendo esta
responsabilidade atribuída também à escola, cujo fracasso se comprova
através de altas taxas de reprovação, repetência e evasão escolar (TIBALLI,
1998, p. 58).

Esta perspectiva é realçada na pesquisa de Paiva (1998), ao considerar


que a democratização da base não funcionou como verdadeira democratização
porque a qualidade piorou, o fluxo manteve-se retido, permaneceram tanto o
gargalo no Segundo Grau quanto a alta seletividade no Terceiro.
A autora acrescenta que, por meio dos números contabilizados pelo
Ministério da Educação e Cultura, em 1997, podia-se constatar que além do
grande número de repetentes dentro da faixa de escolaridade obrigatória (isto
19

é, dos 7 aos 14 anos), havia mais de 5 milhões de repetentes com mais de 14


anos.
Para ela, a democratização do ensino trouxe conseqüências não
necessariamente pertinentes à democratização, como a desintegração da
escola tradicional a partir da universalização das oportunidades e sua
transformação numa massificada escola popular.
Este resultado foi, antes de tudo, o produto da democratização sem
investimento adequado, num período em que a vida urbana tornou-se mais
violenta, em que as funções da escola se modificaram, e nos quais os padrões
de comportamento também se modificaram profundamente.
Segundo Paiva (1998, p. 52), neste quadro, a questão da aprovação, da
repetência e da reprovação, ou seja, tudo aquilo que tem a ver com a qualidade
de ensino e com o fluxo escolar, ainda é um tema de especial relevância para a
discussão desta nova – velha escola.
A autora propõe que, neste contexto, afirmar que o nível socioeconômico
dos alunos, dos professores e do próprio país é um fator importante na
reprovação e na repetência é algo ao mesmo tempo verdadeiro e simplório.
O sistema público de ensino é amplamente segmentado, no mínimo em
função da localização das escolas e de sua clientela. Portanto, os índices de
reprovação, repetência e permanência nas escolas parecem estar diretamente
ligados à sua localização, principalmente se for levado em consideração um
fator que contribui para estas ocorrências: a instabilidade do transcurso escolar
da maior parte dos alunos, haja vista a intensidade da migração interescolar.
Outro fator a se considerar, segundo a autora, é a questão da
instabilidade das relações escolares, na maioria das vezes provocada pela
ausência dos docentes, substituições no meio do ano e diversos tipos de
licenças. Ao que parece, os alunos tendem a abandonar a escola por razões de
mudança ou para escapar à reprovação. O resultado de toda esta instabilidade
e fragmentação é a impossibilidade de constituir turmas que avancem em
conjunto e que apresentem relações interpessoais estáveis e duradouras, além
da identificação com o mestre e com o processo de ensino-aprendizagem.
20

Em suma, Paiva (1998, p. 98) pontua que

as taxas de reprovação, que em épocas mais remotas poderiam significar certa


petrificação de critérios num cenário elitista de educação para a classe média,
agora devem ser vistas no quadro da ampla democratização deste nível de
ensino e suas conseqüências. A massificação rápida do atendimento trouxe
para dentro da escola novos fatores que podem contribuir para que os índices
de reprovação caiam mais lentamente, pois estamos diante de um aluno mais
pobre, com carências maiores, com outra cultura; de professores menos
preparados; de novas funções sociais a serem preenchidas pelas escolas.

Nos anos 70, os estudos fundamentavam-se em abordagens voltadas


principalmente a influência de fatores extra-escolares no rendimento escolar,
sendo estudadas as características dos alunos (economicamente e
culturalmente desfavorecidos) e de seu ambiente familiar com o desempenho
da escola. Uma das críticas que se fazia nesta época à escola em relação a
alta incidência do fracasso escolar entre as crianças pobres era a de que as
atividades nela desenvolvidas não eram pertinentes nem satisfatórias à sua
clientela. Portanto, a tese da disparidade cultural era tida como explicação para
o fracasso escolar, e atribuía ao aluno a responsabilidade por seu fracasso.
Todavia, segundo Patto (1999, p. 146), nem só da teoria da carência
cultural se fez o pensamento educacional sobre o fracasso escolar dos anos
setenta. Desde a primeira metade desta década, a teoria do sistema de ensino
de Pierre Bourdieu e Passeron já circulava entre filósofos e pesquisadores da
educação no Brasil, sobre a forma de conceber o papel da escola numa
sociedade dividida em classes.
Mais especificamente, eles forneceram

as ferramentas conceituais para o exame das instituições sociais enquanto


lugares nos quais se exerce a dominação cultural, a ideologização a serviço da
reprodução das relações de produção; na escola, o embaçamento da visão da
exploração seria produzido, segundo esta teoria, principalmente pela
veiculação de conteúdos ideologicamente viesados e do privilegiamento de
estilos de pensamento e de linguagem característicos das integrantes das
classes dominantes, o que faria do sistema de ensino instrumento a serviço da
manutenção dos privilégios educacionais e profissionais dos que detêm o
poder econômico e o capital cultural (PATTO, 1999, p. 147).
21

A autora acrescenta que a convivência da teoria da reprodução com a


teoria da carência cultural resultou em distorções conceituais que levaram a
descaminhos teóricos.
O conceito de dominação, por exemplo,

nem sempre pôde ser aprendido em sua essência – ou seja, como


contrapartida cultural da exploração econômica inerente a uma sociedade de
classes regida pelo capital – e passou a ser usado freqüentemente com o
mesmo sentido a-histórico, isto é, como imposição da cultura da maioria a
grupos minoritários ou como imposição dos valores da classe bem-sucedida à
classe malsucedida no contexto urbano, por intolerância, moralismo ou
inadvertência da primeira para com a existência de subculturas distintas da sua
na sociedade inclusiva. A dominação passou a ser entendida como um
desencontro entre dois segmentos culturais distintos que resultava na
segregação dos grupos e classes mais pobres, supostamente portadores de
padrões culturais completamente diferentes dos padrões da classe média
(PATTO, 1999, p. 147).

Em suma, a interpretação do papel social da escola, diante da falta de


explicações sobre os determinantes sociais e estruturais das condições
diferentes de vida, assume uma concepção em desacordo com a teoria
proposta. Nesta época, a pesquisa educacional também assimilou o conceito
de capital cultural através da teoria da carência cultural e, segundo Patto (1999,
p. 149),

a noção do capital cultural foi inicialmente empregada, na pesquisa sobre o


fracasso escolar, como sinônimo de desenvolvimento psicológico consonante
com os critérios de uma psicologia normativa, segundo a qual todos os
resultados de provas psicométricas situados abaixo da média são considerados
indicadores de desenvolvimento deficitário.

Nesta perspectiva, o fracasso escolar frente aos discursos educacionais


esteve associado aos padrões de comportamento dos indivíduos das classes
pobres e vacilavam entre a teoria do déficit e a teoria da diferença, tendo a
produção deste fracasso a inadequação da escola a esta criança carente ou
diferente (PATTO, 1999, p. 150).
22

Embora no início dos anos oitenta o fracasso escolar das crianças


menos favorecidas pareça ainda atrelado a estas concepções, os estudos
iniciados por Bourdieu ao final da década de 60 e que se estenderam por todo
o final do século passado, passaram a desempenhar importante papel na
mudança do pensamento educacional no país:

Em primeiro lugar, colocou em foco a dimensão relacional do processo


de ensino-aprendizagem, abrindo espaço para a percepção da importância da
relação professor-aluno numa época em que predominava uma concepção
tecnicista de ensino, na qual a dimensão psicossocial das relações
pedagógicas era relegada a um plano secundário. Em segundo lugar, chamou
a atenção para a dominação e a discriminação social presentes no ensino,
mesmo que nesse primeiro momento os pesquisadores tenham definido
equivocadamente os interesses em jogo e as classes sociais envolvidas na
dominação. Em terceiro lugar, tornou mais próxima a possibilidade da
educação escolar ser pensada a partir de seus condicionamentos sociais,
contribuindo, assim, para a superação do mito da neutralidade do processo
educativo e abrindo caminho não só para uma melhor compreensão posterior
das próprias idéias reprodutivistas como para a incorporação de teorias que
permitiram inserir a reflexão sobre a escola numa concepção dialética da
totalidade social (PATTO, 1999, p. 151).

Se os aspectos intra-escolares até esta década sempre receberam


pouca importância por parte dos pesquisadores educacionais e mesmo na
vigência da teoria da diferença cultural, a responsabilidade da escola sempre
esteve associada à sua inadequação para com sua clientela. Conforme já
mencionado, as novas pesquisas agora se voltaram a investigar mais
criticamente aspectos da estrutura e do funcionamento do sistema escolar e
apontam para considerações sobre a má qualidade do ensino.
Contudo, atreladas a essas novas pesquisas sobre a situação da escola
e o ensino permanecem as afirmações antes evidenciadas sobre as
características das crianças que freqüentam a escola.
Segundo Patto (1999), em pesquisas datadas deste período, são
freqüentemente encontradas afirmações como: “As dificuldades de
aprendizagem escolar da criança pobre decorrem de suas condições de vida”;
“A escola pública é uma escola adequada às crianças de classe média e o
professor tende a agir, em sala de aula, tendo em mente um aluno ideal” e “Os
23

professores não entendem ou discriminam seus alunos de classe baixa por


terem pouca sensibilidade e grande falta de conhecimento a respeito dos
padrões culturais dos alunos pobres, em função de sua condição de classe
média”.
Estes estudos foram os responsáveis pelo retrato da pesquisa
educacional no início dos anos oitenta sobre evasão e repetência e as
evidências que foram constatadas sobre o fracasso escolar convergiam numa
mesma direção: a da inadequação da escola à realidade da clientela.
Fletcher (1985) se propôs a mostrar que o grande problema da escola
brasileira não estava na evasão, mas sim na reprovação/repetência. Dessa
forma, o autor minimizou o problema do acesso à escola e dando por realizada,
ou quase, a universalização do acesso ao Ensino Fundamental.
Em 1990, Ribeiro retomou a questão da ênfase na reprovação e
repetência em detrimento ao problema do acesso à escola. Segundo ele, a
questão da universalização do acesso já estava praticamente assegurada e
insistia que o grande problema não era a evasão, mas a reprovação,
desqualificando, também, o problema do acesso:

O que este cenário está indicando é que apesar do progresso que


representa a universalização do acesso à educação elementar em nosso país
os mais importantes problemas da educação não foram sequer percebidos
corretamente pela sociedade ou pelos governos. Hoje, matriculados no 1º grau,
está um número de indivíduos ligeiramente superior ao da população de 7 a 14
anos. Mesmo assim continua a se construir escolas como se houvesse ainda
crianças fora da escola por falta de vagas. Ignora-se completamente o
problema que se passa dentro da escola, sua pedagogia, seu descompromisso
com o aprendizado e com a promoção dos alunos (RIBEIRO, 1992, p. 28).

Estudos mais recentes têm procurado oferecer contribuições neste


sentido, como se pode verificar nas constatações de Oliveira (2002, p. 16):

Nota-se, de um modo geral, que nas pesquisas sobre a educação


escolar no Brasil, a temática do fracasso escolar ora é focalizada com base em
discussões que focalizam as causas dos problemas das escolas brasileiras, e,
muitas vezes, que denunciam e apontam os possíveis “culpados do fracasso
escolar” – os alunos, os professores, a estrutura e organização da escola e do
24

sistema de ensino, etc. – ora a análise do problema é realizada através da


crítica aos discursos e às representações sobre o assunto, produzidas no
pensamento educacional sobre o assunto, ou, aquelas presentes no ideário
pedagógico dos atores envolvidos no processo de escolarização.

No estudo de Arroyo (2000, p. 34), o fracasso escolar é visto como uma


expressão do fracasso social, dos complexos processos de reprodução da
lógica e da política de exclusão que perpassa todas as instituições sociais e
políticas, o Estado, os clubes, os hospitais, as fábricas, as igrejas, as escolas...
Segundo ele:

Política de exclusão que não é exclusiva dos longos momentos


autoritários, mas está incrustada nas instituições, inclusive naquelas que
trazem em seu sentido e função a democratização de direitos com a saúde, a
educação. Entretanto, desescolarizar o fracasso não significa inocentar escola
nem seus gestores e mestres, nem seus currículos, grades e processos de
aprovação/reprovação. É focalizar a escola enquanto instituição, enquanto
materialização de uma lógica seletiva e excludente que é constitutiva do
sistema seriado, dos currículos gradeados e disciplinares. Inspira-nos a idéia
de que, enquanto não radicalizemos nossa análise nessa direção e enquanto
não redefinamos a ossatura rígida e seletiva de nosso sistema escolar (um dos
mais rígidos e seletivos do mundo), não estaremos encarando de frente o
problema do fracasso nem do sucesso.

Na última década do século XX, anos 90, Bahia (2002, p. 20) retoma a
questão da exclusão escolar associada à exclusão social, apontando que

as reflexões sobre fracasso escolar ampliaram-se em discussões mais


aprofundadas sobre a má qualidade do ensino, ligando-se às reflexões sobre
exclusão escolar e exclusão social, como conseqüência de uma política
neoliberal excludente, a que todos foram submetidos.

Como se pode constatar a partir dos textos acima, as reflexões sobre


fracasso escolar ampliaram-se em discussões voltadas também à exclusão
social. Porém, esta verificação não isenta a instituição escolar da sua parcela
de responsabilidade que pesa sobre a exclusão de crianças e jovens da escola.
Ferraro (1999) se propõe a realizar um diagnóstico sobre a
escolarização de crianças e adolescentes de 05 a 17 anos, seguido de uma
25

reflexão acerca da alfabetização/escolaridade destes indivíduos. O objetivo da


pesquisa foi analisar dados macro estatísticos sobre a questão da
freqüência/não freqüência à escola, em todo o território nacional.
Com base neste levantamento de dados, o autor aponta discordâncias
em relação a outros autores, como Fletcher (1985), defendendo em seu artigo
que o grande problema da escola brasileira não estava na evasão, mas sim na
reprovação/repetência, minimizando, dessa forma, o problema do acesso e da
exclusão da escola.
Contrapõe-se, também à posição de Castro (1989), que defende a
alternativa da promoção automática, pois segundo ele, se não houvesse
repetência, exceto em alguns casos específicos, não haveria problemas de
quantidade e a preocupação passaria a ser a questão da qualidade do ensino.
Da mesma forma, discorda de Ribeiro (1990) quanto à sua ênfase na
reprovação/repetência, desqualificando explicitamente a problemática do
acesso à escola.
As discordâncias apontadas por Ferraro em relação a estes autores não
se pautavam na ênfase atribuída por eles ao problema da aprovação e
repetência, mas sim ao fato deles insistirem em minimizar, até desqualificar o
problema do acesso à escola e a evasão no Brasil.
Para Ferraro (1999, p. 26), o problema do acesso não se resolveria
apenas com vagas nas escolas e professores. Seria necessário também que
os candidatos tivessem condição de ingressar e de permanecer na escola pelo
tempo a que tem direito.
Com relação ao conceito “exclusão”, este autor considera que a sua
relevância encontra-se no fato dele ter se tornado categoria-chave em
praticamente todas as ciências humanas, na densidade e ao mesmo tempo na
ambigüidade de seu conteúdo.
Em segundo lugar, ele coloca que, sob o prisma histórico, o paradigma
da exclusão e o paradigma de classes não só não são incompatíveis entre si,
como até podem se complementar. Ressalta a sua não-aceitação ao conceito
de exclusão apontado por Alan Touraine, em 1991, para quem o paradigma da
26

exclusão, focalizando a perspectiva dentro-fora, teria substituído o paradigma


de classes, centrado na perspectiva cima-embaixo, dominantes e dominados.
Em terceiro lugar, Ferraro menciona que vem utilizando este termo em
seus últimos estudos nas categorias exclusão da escola e exclusão na escola
(FERRARO, p. 24).
Para ele, a introdução do termo exclusão no estudo do fenômeno
escolar representa uma mudança de perspectiva no plano pedagógico da
escola ou no plano da política educacional ou mesmo no da política em geral,
pois o questionamento acerca do elevado número de crianças excluídas da
escola não é o mesmo que perguntar por que estas crianças não freqüentam a
escola ou dela se evadem.
Ele acrescenta que, da mesma forma, perguntar por que tantas crianças
são submetidas, repetidamente, à exclusão escolar também questiona por que
essas mesmas crianças não conseguem aprovação. Significa, portanto, que o
problema não se encontra tão somente nas crianças que abandonam a escola
ou que têm certa preguiça em desenvolver as atividades escolares, o problema
perpassa o plano científico e político.
No diagnóstico sobre escolarização de crianças e adolescentes no Brasil
(aqui subentendidos como 04 a 17 anos, e em alguns casos grupos etários
superiores a 17 anos), Ferraro define a exclusão/inclusão no processo escolar
mediante a informação censitária sobre freqüência/não freqüência à escola e o
grau e série freqüentada a cada ano de idade.
Apesar de críticas como as de Ferraro em relação a processos artificiais
de não-reprovação escolar, surgiram medidas governamentais na área
educacional, dentre elas o regime de progressão continuada do governo do
Estado de São Paulo1.

1
A deliberação CEE/SP nº 09/97 instituiu no Sistema de Ensino do Estado de São Paulo o
regime de Progressão Continuada no Ensino Fundamental, adotado pela Secretaria de Estado
da Educação. A progressão continuada permite que a organização escolar seriada seja
substituída por um ou mais ciclos de estudos, favorecendo a diminuição dos índices de
repetência e evasão. Dessa forma, a retenção dos alunos que antes se dava ao final de cada
ano letivo, deveria acontecer apenas ao final da última série de cada ciclo.
27

Após a implantação deste regime, o problema do fracasso escolar, pelo


menos no Ensino Fundamental, desloca-se do não-acesso (praticamente
eliminado pela expansão das vagas) e da reprovação/repetência (minimizado
pela adoção do sistema de ciclos e de progressão continuada) para a
permanência desqualificada de grande parte de alunos, que passa a
permanecer na escola, com acesso a séries mais avançadas, mas sem a
correspondente aprendizagem.
Desta forma, Bahia (2002, p. 27) acrescenta que, hoje, a discussão
acerca da exclusão refere-se agora muito mais à situação na escola e a uma
conseqüência deste fator: a “reclusão” dos excluídos.
Esta nova dimensão ou esta nova interpretação do fracasso escolar
parece estar diretamente atrelada à conduta de muitos dos alunos que
abandonam os bancos escolares ou neles permanecem esporadicamente, pois
ora eles se sentem excluídos pela dificuldade em assimilar a proposta
curricular de cada disciplina durante o ano letivo, face às defasagens de
aprendizagem constituídas ao longo de sua trajetória educacional no Ensino
Fundamental, e ora se sentem despreparados para correlacionar novas
informações que lhes apresentam nas séries seguintes.
Neste sentido, os problemas apontados acabam por interferir
diretamente no futuro dos nossos jovens ao iniciarem a escolarização média.
As investigações por mim realizadas sobre o objeto desta pesquisa, junto à
Secretaria da Instituição Escolar, instituição esta que abordarei no capítulo
seguinte, apontam para uma média de abandono e retenção mais significativa
na 1ª série do Ensino Médio (capítulo II, tabela 4), o que sugere uma provável
conseqüência da reclusão dos excluídos, antes mencionada. Embora seja essa
a série que mais apresenta estes indícios, esta evidência se perpetua à medida
que o jovem é promovido para a série posterior. Tal proposição sugere que os
problemas acima mencionados culminam, primordialmente, na iniciação da
escolarização média.
28

1.1.1. Passagem da escolarização básica para a escolarização média

O regime de progressão continuada só foi instituído para o Ensino


Fundamental e, dessa forma, os alunos a partir dos 14 anos, ao ingressarem
no Ensino Médio, vivem uma realidade diferente daquela vivida até a 8ª série,
no ciclo anterior.
Eles passam a enfrentar o sistema da reprovação e repetência, além de
grande parte deles iniciarem esta etapa com uma defasagem de aprendizagem
como conseqüência perversa da implantação de um sistema de manutenção
de alunos na escola, o da progressão continuada, sem que fossem oferecidas
as condições básicas para que ela efetivamente servisse à melhoria da
qualidade de ensino.
É sob a ótica dessa situação complexa e contraditória que Abramovay
(2003, p. 497) aponta que

a repetência é mais grave no período noturno do que no diurno. E que os


alunos tendem a valorizar a repetência como uma experiência positiva,
necessária à mudança de hábitos e importante para seu amadurecimento,
porém, para aqueles que já vivenciaram esta experiência, a sensação é de
frustração, vergonha e rejeição. Todavia, para os professores, ela representa
um instrumento que distingue um aluno dedicado de um aluno com problemas
de rendimento e comportamento inadequado.

Dessa forma, há um paradoxo que norteia a questão da repetência. Ao


mesmo tempo em que os jovens acreditam que ela possa ajudá-los, sentem-se
constrangidos quando se vêem nessa situação, mas admitem serem culpados,
além do fato de que uma conseqüência grave da repetência é a defasagem
idade-série que faz com que o aluno se sinta inadaptado à escola.
Alves e Ortigão (2005) consideram que, vencido o desafio da
universalização do acesso à escola no Ensino Fundamental e o crescente
atendimento no Ensino Médio, a escola passa a ter um papel central no que diz
respeito à atenuação das diferenças sociais. Elas acrescentam que, entretanto,
o Brasil enfrenta ainda uma série de desafios nesta área, dentre os quais se
29

podem destacar os índices não desprezíveis de repetência e evasão escolar.


Sob uma outra ótica, Fernandes (2005) chama a atenção para o fato de que a
seriação e a reprovação não podem, sozinhas, serem tomadas como a causa
do fracasso escolar e, em contrapartida, o ciclo e a promoção serem tomados
como a grande solução para esse problema – como muitas políticas
educacionais sustentam. A autora enfatiza o fato de que a velha preocupação
com o fracasso escolar voltou à cena neste início de século XXI a partir das
diferentes experiências e políticas de ciclos e de progressão continuada
implementados nessa última década.

1.1.2. Os determinantes do fracasso escolar

Para Fernandes (2005), o fracasso escolar pode ser entendido a partir


de diferentes perspectivas. Sob a perspectiva das políticas educacionais, tal
fenômeno tem sido relacionado aos altos índices de reprovação e evasão nas
escolas de todo o Brasil. Em relação à prática pedagógica e aos projetos
político-pedagógicos das Secretarias de educação e das escolas, o fracasso
escolar tem sido justificado através das práticas avaliativas existentes nas
escolas que reforçam as diferenças entre as classes sociais.
A autora argumenta que, apesar de sabermos que o quadro de fracasso
escolar ainda está longe de ser resolvido, é sabido que, ao final do século XX,
o problema do acesso da população em idade escolar ao sistema público do
Ensino Fundamental está quase equacionado. É também notório o avanço de
diferentes experiências que têm como objetivo superar as dificuldades
encontradas pelos alunos em relação à aprendizagem e em relação à
preocupação com uma escola mais inclusiva e democrática. No entanto, ainda
não se tem resultados concretos quanto ao aproveitamento escolar de toda
uma geração de estudantes submetida a tais políticas de ensino e que algumas
pesquisas têm sido feitas neste sentido, mas sem resultados conclusivos. Em
suma, todos estes aspectos que permeiam a problemática do fracasso escolar
30

no Brasil fazem parte de um contexto educacional de longa data, conforme


assegura Oliveira (2002, p. 24),

os problemas relacionados ao fracasso escolar, não são “naturais” à escola da


massificação do ensino, são anteriores ao processo de democratização do
sistema de ensino e dizem respeito a práticas cristalizadas no tempo que
podem ter se evidenciado e assumido novas proporções com a necessidade de
ampla expansão da rede e com a chegada dos novos alunos à escola. Se a
escola já tinha práticas sem sentido, que pouco ou nada tinham a ver com os
objetivos para os quais ela foi criada, ela continuou tendo e isso se somou à
precariedade das condições de trabalho decorrentes da expansão da educação
tal como ela se deu em nosso sistema de ensino.

Pode-se verificar, pelos trabalhos acima, que, quando se afirma que o


acesso e a permanência estão praticamente equacionados, com a
universalização da escola e pela adoção de sistemas de não-repetência, estes
autores estão se voltando, explícita ou implicitamente, ao Ensino Fundamental,
na medida em que, no Ensino Médio, nem o acesso foi totalmente
universalizado, como se manteve o sistema seriado e de avaliação anual.
Historicamente, a preocupação com o processo de evasão escolar
sempre esteve mais voltado ao Ensino Fundamental. Ferraro (1999) aponta
que, segundo o censo de 1980 feito pelo IBGE, o contingente de crianças e
adolescentes de 07 a 14 anos que não freqüentava a escola naquele ano
representava 33% do total de jovens dessa faixa etária. Porém, o censo de
1991 revelou uma expansão do sistema escolar e uma regressão do
analfabetismo.
Houve uma sensível diminuição no número dos não freqüentes, dos 7,6
milhões em 1980 para aproximadamente 5,7 milhões em 1991. Entretanto, esta
redução aplica-se ao número de excluídos da escola de 07 a 14 anos,
mantendo-se quase que inalterado o número de alunos fora da escola na faixa
etária de 15 a 17 anos.
Entre 1991 e 1996, esse autor diagnostica que a redução dos níveis de
exclusão foi ainda mais significativa na primeira fase de escolarização, com
uma redução considerável, principalmente na faixa etária entre 09 a 11 anos e
31

que as taxas de não freqüência aumentavam progressivamente a partir desta


idade até atingir os 17 anos.
Esta constatação, bem como o número de jovens que após se evadirem
não retornam às instituições, ou o fazem muito tempo depois, são também
diagnosticadas por Ferraro (1999, p. 30-2):

De toda a população em idade escolar dos 15 a 17 anos, num total de


aproximadamente 10,4 milhões de jovens, 3,4 milhões não freqüentavam a
escola, sendo que 2,9 milhões desses jovens já haviam freqüentado antes a
escola e posteriormente evadiram-se, constituindo-se em evasões e retornos
constantes e 400 mil nunca freqüentaram efetivamente.

Com base nos dados estatísticos acima mencionados, é possível


constatar que aproximadamente 30% dos jovens em idade superior a 15 anos,
entraram e deixaram a escola, numa trajetória acidentada e passível de
conseqüências, como o abandono definitivo da mesma.
O número apontado acima é substancial e o que aparentemente se
percebe é que, apesar do censo do IBGE (1996) ter introduzido informações
relativas às categorias “já freqüentaram” e “nunca freqüentaram”, parece haver
um descaso neste sentido, pois não há muitos estudos centrados nesta
perspectiva.
As evidências acima mencionadas apontam para fatores intra e extra-
escolares que convergem para a exclusão escolar do jovem estudante. O baixo
rendimento, a desvalorização das atividades escolares, as dificuldades de
aprendizagem ou as dificuldades de relacionamento, a inadequação da escola
à sua clientela majoritária, bem como padrões avaliativos que discriminam e
estigmatizam o aluno pobre, as múltiplas repetências, as deficiências
econômicas do alunado, o sentido da escola, as mudanças freqüentes de
domicílio, o ingresso precoce do adolescente no mercado de trabalho e
aspectos sociais do comportamento juvenil parecem constituir as expressões
de fracasso que marcam a trajetória escolar acidentada desses jovens e que,
por conseguinte, considero relevante proceder a investigação e posterior
análise.
32

Neste sentido, Ferraro (1999, p. 37) oferece uma contribuição bastante


significativa para melhor precisão da expressão exclusão, distinguindo-a em
exclusão da escola e exclusão na escola:

A exclusão na escola compreende todas as crianças e adolescentes


que acusam forte defasagem nos estudos em relação ao padrão esperado, que
apresentam atraso nos estudos em relação à idade, em conseqüência de
sucessivas reprovações, enquanto que a exclusão da escola, pelas
estimativas, continua sendo subestimada, quando se referem a uma suposta
universalização do acesso à escola no Brasil.

Em 1996, as estatísticas evidenciavam que jovens de 17 anos,


representando na época 3,3 milhões dos habitantes, encontravam-se
distribuídos por todas as 13 séries (da 1ª série do 1º grau até a 2ª série do nível
superior), evidenciando que dentro deste rol situam-se os que se encontravam
com nível de escolaridade antecipada à sua faixa etária, até alunos com alto
nível de defasagem entre idade/série.
Entre esses alunos, parece haver um grupo de alunos do Ensino Médio
em que esta defasagem nos estudos deve estar atrelada, entre todos os
fatores antes mencionados, a abandonos e retornos reiterativos desses jovens
bem como repetidas reprovações, o que vem fortalecer o fenômeno da
exclusão escolar. Em suma, a descompassada trajetória escolar de muitos de
nossos jovens na escolaridade média parece estar entre o que Ferraro (1999)
designou de exclusão na escola e da escola.

1.1.3. A Lei 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

O acesso a esta fase da escolaridade é determinado pela Lei 9.394/96


(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que prevê para o Ensino
Médio, etapa final da educação básica, a duração mínima de três anos (Artigo
35 da seção IV) e acrescenta que o Poder Público viabilizará e estimulará o
acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas
e complementares entre si (Artigo 37 § 2º, da Seção V).
33

Porém, a duração mínima citada, bem como o fato desta etapa final não
possuir caráter obrigatório, como ocorre no Ensino Fundamental, pode se
constituir num dos agravantes do processo de evasão escolar, o que propicia
ao jovem a flexibilidade de matricular-se, posteriormente evadir-se, e retornar
quando julgar necessário, pois, como observa Zago (2003, p. 25-6),

ao investigar os percursos escolares não podemos ignorar as contradições


entre o prolongamento da obrigatoriedade escolar e a realidade concreta vivida
por parte significativa da população que, quando inserida na escola, tem uma
trajetória em constantes descompassos com as normas da instituição de
ensino.

Esta autora acrescenta que se deve levar em consideração, também,


outras dimensões da vida do aluno, além da estritamente escolar, entre elas a
participação deste no trabalho e a rede de relações sociais da qual faz parte:

Antigamente a reprodução social não dependia de títulos escolares,


enquanto que na sociedade moderna, o papel dominante é notadamente o
escolar. A inserção no mercado de trabalho é dificultada pela crise do
desemprego o que implica no aumento da demanda de qualificação da força de
trabalho para enfrentar mudanças impostas pelo capital econômico e o sistema
produtivo. Por meio de entrevistas, os depoimentos mostram que há uma difícil
relação entre o mundo do trabalho e o da escola bem como contradições entre
o valor social da escola e a escolarização na sua condição real (ZAGO, 2003,
p. 23-7).

Portanto, há um paradoxo que norteia esta questão: os jovens


matriculam-se no Ensino Médio, portanto, desejam a continuidade dos estudos
e, sendo o Ensino Médio não universal, conforme dito anteriormente, tal atitude
demonstra que a “escola” tem um valor implícito para eles.
Mas, de acordo com a pesquisa realizada por Ferraro (1999), são esses
mesmos jovens que a deixam, num ir e vir, o que parece demonstrar que, por
outro lado, eles a desvalorizam. Parece que o jovem somente percebe o
sentido da escola quando suas expectativas de vida se lhe impõem. Nesse
momento, seu reingresso torna-se necessário e significativo. Esta situação
tende a fragilizar a relação que o aluno mantém com a escola.
34

Assim, embora as matrículas tenham aumentado, concluir o ensino


médio continua a ser um desafio para muitos dos jovens brasileiros:

Em cada 100 daqueles que ingressam no Ensino Fundamental, apenas


59 conseguem concluí-lo e apenas 40 alcançam o diploma do Ensino Médio.
Apesar dos avanços ocorridos entre 1996 e 2000, esse nível de ensino ainda
concentra os maiores índices de distorção idade-série, 53,3%. Em 1996, o
número de alunos do Ensino Médio em atraso escolar era de 55,2% (Inep)
(ABRAMOVAY e CASTRO, 2003, p. 26).

Esta constatação nos faz refletir sobre a expressão “qualidade de


ensino” já antes mencionada, pois se a ocorrência do abandono escolar, do
índice de reprovação e repetência ainda é substancial, em que aspectos o
aproveitamento escolar não contempla as necessidades fundamentais e
básicas do alunado? E se os objetivos para a escola média já foram
delineados, a problemática encontra-se, portanto, na efetivação dos mesmos
ou no entendimento sobre eles?
Neste nível de ensino, a dualidade entre a relação escola e trabalho
sempre esteve presente, visto que a indefinição quanto a preparar o jovem
para uma determinada profissão ou prepará-lo para uma formação abrangente,
que atenda às transformações sociais vigentes, sempre estiveram em
discussão. A Lei 5.692, de 1971, tinha como objetivo a transformação do
Ensino Médio em ensino profissionalizante, objetivo este defendido por alguns
autores, como Kuenzer (2000) e Bueno (2000),
Kuenzer (2000) aponta que a efetiva democratização de um Ensino
Médio que prepare ao mesmo tempo o estudante para o mundo do trabalho e
para a cidadania da forma como proposto na legislação vigente, não condiz às
reais condições materiais do jovem brasileiro, pois, para ela, há

a necessidade de ter as finalidades do Ensino Médio como horizonte a orientar


ações que torne a realidade da escola e do jovem como referência para propor
formas de organização do currículo que, ao considerar o trabalho em sua dupla
dimensão, de práxis humana e de prática produtiva, permitam estabelecer
relações mais imediatas com o mundo do trabalho sempre que os jovens, pela
sua origem de classe, precisem desenvolver competências laborais para
35

assegurar sua sobrevivência e sua permanência na escola (KUENZER, 2000.


p. 42).

Esta proposição é realçada por Bueno (2000, p. 51) ao afirmar que, sob
a perspectiva do pensamento dominante, está prevista a subordinação
controlada da função social da educação, às demandas do capital, ao passo
que,

da perspectiva dos trabalhadores, a luta pela educação implica a apropriação


de conhecimentos e habilidades que permitam a apreensão crítica da realidade
e a garantia de valorização e atendimento de suas necessidades e de seus
interesses sociais. Em outras palavras, o papel da educação – marcado
historicamente pelo conflito dos antagonismos de classe – é uma questão em
aberto no formato atual das relações sociais, tendo em vista o avanço da
diferenciação e da exclusão no panorama mundial.

A autora acrescenta que o cenário do Ensino Médio brasileiro é marcado


por um itinerário bastante acidentado, por aventuras e desventuras, entre a
ficção e a realidade, isto é, que se assemelha a um romance:

[...] contar em forma de romance, isto é, entretecer uma história pitoresca,


quimérica, fabulosa, utópica, que pode assumir o lado mórbido, fantástico e até
sobrenatural do mistério, o entusiasmo, a exaltação e o ardor do épico, o
fatalismo e a amargura da tragédia. Pode igualmente significar a urdidura de
um “enredo de coisas falsas ou inacreditáveis” ou traduzir o individualismo, o
subjetivismo e o predomínio da sensibilidade e da emoção sobre a razão,
característicos da escola literária romântica (BUENO, 2000, p. 177).

E que, nas diversas perspectivas dos formuladores de suas políticas


específicas, seus divulgadores, estudiosos, executores e destinatários podem
assumir uma ou mais dessas faces do romance, enquanto que a realidade
rebelde preserva velhos problemas, contradições, indefinições e preconceitos.
Neste contexto, estas autoras discutem esta fase de escolarização – o
Ensino Médio – sob uma perspectiva teórica política, que vincula educação e
trabalho como sendo os interesses imediatos dos jovens. Contudo, a que tipo
de trabalho elas estão se referindo? Como se configura a necessidade do
36

jovem em relação ao trabalho? É possível instrumentalizar a escola de forma a


fornecer o mínimo necessário para propiciar aos jovens capacitações nas mais
diversificadas atividades profissionais que existem? E estes trabalhos
garantiriam a eles maiores oportunidades no mercado de trabalho e melhor
remuneração?
Portanto, uma educação voltada primordialmente às classes populares
não estaria de fato reforçando a dualidade que se quer combater?
Entretanto, a Lei 9.394/96, de 1996, trouxe uma nova concepção para
essa relação, haja vista a disposição que a LDB propõe no Artigo 35, ou seja,
que a preparação para o trabalho, no Ensino Médio,

deve ser base para a formação tanto dos que já estão inseridos no mercado de
trabalho quanto daqueles que nele ainda irão se inserir e se opõe à formação
técnica e específica para o exercício de uma determinada função ou para a
ocupação de postos de trabalho determinados. [...] A velocidade do progresso
científico e tecnológico e das transformações dos processos de produção torna
os conhecimentos rapidamente superados, exigindo-se uma atualização
contínua e colocando novas exigências para a formação do cidadão
(ABRAMOVAY e CASTRO, 2003, p. 155).

Contrária à Lei 5.692/71, esta lei estabelece também para alunos,


professores e demais membros do corpo técnico pedagógico, tanto de escolas
públicas quanto privadas que o Ensino Médio é um momento de transição,
assim como a sua denominação dá a entender, sendo um complemento do
Ensino Fundamental, com vistas a preparar o aluno para: encarar o mercado
de trabalho, encarar o ensino superior, adquirir uma boa profissão e
desenvolver o senso crítico. Além de ser um complemento, o Ensino Médio é
visto também como aprofundamento de conhecimento já assimilado, como uma
forma de capacitar os jovens a enfrentarem os problemas do dia-a-dia com
mais facilidade, com mais ferramentas.
Esta nova tendência parece exigir uma reorganização curricular que vise
uma flexibilidade compatível às novas diretrizes, no que concerne às
competências necessárias para o pleno desenvolvimento humano e
participação ativa na sociedade. Mas esta proposição traz consigo algumas
37

indagações, diante deste cenário atual: há uma generalizada falta de emprego


no mercado e a não capacitação profissional dos nossos jovens para trabalhos
específicos. Dessa forma, as propostas de inserção no mercado, continuidade
acadêmica e apropriação das novas tecnologias parecem ser apenas para
alguns. Em suma, como é possível para o jovem que freqüenta o curso regular
do Ensino Médio noturno e traz consigo as marcas de trajetórias escolares
acidentadas objetivar tais pleitos?
A dualidade parece reproduzir, dessa forma, as mesmas tendências: a
de indefinição quanto aos objetivos da escolarização média.
E, ainda que uma parte dos jovens desta faixa etária pareça ter por
finalidade primordial a preparação para os vestibulares, a questão que procede
é a de que há uma incompatibilidade entre a flexibilidade pertinente a esta nova
era e a necessidade de se manter os pré-requisitos e a fragmentação das
disciplinas necessárias a atender às exigências dos vestibulares.
Por conseguinte, de que forma o jovem pode priorizar uma finalidade em
detrimento da outra?
Embora a Resolução nº 03/1998/CNE defina que cada escola deverá
elaborar o seu projeto pedagógico, observando as especificidades da
comunidade, as necessidades dos alunos e as possibilidades da própria
escola, Kuenzer (2000) aponta que é preciso se definir com clareza esses
elementos que constituirão essa proposta. O desafio proposto para as
instituições escolares passa a ser um atendimento de qualidade aos jovens,
que vislumbre suas necessidades e identidades, inovando o processo de
ensino-aprendizagem e reduzindo, dessa forma, o índice de abandono e
reprovação.
Enfatizando o que já antes foi mencionado, as políticas voltadas à
organização e funcionamento do Ensino Médio, são, em geral, contraditórias.
As questões argumentadas pelos pesquisadores são quase sempre as
mesmas, como a dualidade, a seletividade, o elitismo, a indefinição, a questão
da qualidade e as exigências da contemporaneidade. Não se pode
desvencilhar do fato de que nossa herança é colonialista e escravocrata e que
38

a idéia de Ensino Médio sempre esteve atrelada à idéia de privilégio. O que


não significa, segundo Bueno (2000, p. 183), que tal característica não
incomode e não sofra críticas recorrentes por parte dos educadores brasileiros
e, até mesmo, sustente algumas iniciativas governamentais – via de regra de
caráter Legal – no sentido de superá-la.
O Ensino Médio, segundo dados divulgados no sítio do INEP e apontados
nos estudos de Cerqueira (2003), nos últimos anos, foi o que mais se expandiu
no Brasil. No período de 1987 a 1997, o crescimento da demanda superou 90%
das matrículas até então existentes. Em 1998, o Ensino Médio do Estado de
São Paulo atendeu aproximadamente 30% dos alunos matriculados em todo o
país, ou seja, 1.900.000 estudantes. Deste universo, 80% eram alunos da rede
estadual de ensino, um total aproximado de 1.600.000 alunos. A grande
expansão, porém, deu-se no período noturno por alunos que estão trabalhando
ou desejam trabalhar. Contudo, essa expansão tem se desenvolvido paralela a
um modelo tradicional, o que só vem a fortalecer seus eventuais traços
negativos. Ao que parece, as instituições escolares ainda privilegiam esta
forma de organização e funcionamento e o corpo docente não costuma
questionar sua prática educativa, valorizando em nível bastante acentuado a
seletividade diante do processo ensino-aprendizagem.

Nesses termos, a reflexão sobre as perspectivas desse nível de ensino


deve ter por referência novas realidades em construção e as formas como elas
“impactam a herança passada”, impregnada na escola existente. “E, ao lado
das exigências de superação do arcaico, há que se enfrentar e dar respostas
às novas situações” (BUENO, 2000, p. 185).

Segundo a autora, os constantes debates e manifestos acerca da


democratização do sistema escolar, pela definição do Ensino Médio e pela
superação de dualidades se esvaem no ar antes mesmo de interferir de forma
concreta no cotidiano. E que,

quando os documentos oficiais “para valer” são formulados e a ação política é


concretizada, percebe-se que o pensamento de festejados educadores, os
achados de eminentes pesquisadores, as sugestões do magistério e as
39

reivindicações dos destinatários são pouco incorporados. Acumulam-se


lembranças, prêmios e homenagens, mas além do nome da escola e do quadro
na parede, pouco espaço sobra para os protagonistas necessários da
educação construírem sua prática (BUENO, 2000, p. 180).

Para ela, é fundamental que qualquer reforma brasileira para o Ensino


Médio tenha como foco central o ensino noturno, já que a predominância de
ensino a jovens trabalhadores encontra-se neste período.

1.1.4. O curso regular noturno

Já em 1998, o Executivo apresentou uma proposta cuja meta era a de


“proceder, em dois anos, a uma revisão da organização didático-pedagógica do
ensino noturno, de forma a adequá-lo às necessidades do aluno-trabalhador,
sem prejuízo da qualidade de ensino” (BRASIL, MEC, 1998, p. 39).
Todavia, segundo Bueno,

tanto o CNE (Conselho Nacional de Educação) quanto o MEC (Ministério da


Educação e do Desporto) abordam tangencialmente a questão. O documento
do Ipea (1997), por sua vez, é bastante explícito quanto a um tratamento
diferenciado do Ensino Médio diurno, dando-lhe um caráter de classe: “Centrar
as funções da escola média (diurna) na continuidade da educação básica para
adolescentes, dispensando-a de operar processos de formação técnico-
profissional específica” (BUENO, 2000, p. 181).

O curso regular noturno, via de regra, apresenta inúmeras distorções


quanto ao seu real propósito e sua prática e, na maioria das vezes, coloca o
jovem numa situação que se situa no meio fio entre acreditar e não acreditar
nesta possível promessa de futuro. A maioria dos jovens que se encontra
nessa situação, trabalha em período integral e reserva o horário noturno para
estudos.
A partir das mudanças ocorridas nas últimas décadas na economia
brasileira, houve um aumento significativo na participação dos jovens, na faixa
etária de 15 a 29 anos, no mercado de trabalho. Segundo Rezende (2001), na
medida em que a situação econômica se deteriorou e a inflação subiu na
40

década de 90, as famílias passaram a depender cada vez mais do salário de


cada um dos seus membros. A pobreza acabou levando a população jovem a
ingressar mais cedo no mercado, com baixo grau de escolaridade, ou sem
qualquer escolaridade, já que a maioria dos jovens acaba abandonando os
estudos em busca de um emprego.
De acordo com este autor,

são muitos os obstáculos enfrentados pelos jovens que estão no mercado de


trabalho e pelos que ainda estão tentando encontrar nele um lugar: más
condições de trabalho, baixa remuneração, longas jornadas de trabalho,
dificuldade de conciliar trabalho e escola, altas taxas de desemprego e
desajuste entre o estudo recebido e as exigências do mercado (REZENDE,
2001).

O trabalho desenvolvido por Souza (2005) mostra a indistinção das


finalidades do Ensino Médio, entre a preparação para o vestibular e a
terminalidade escolar com vistas à inserção no mercado de trabalho. Ele
pontua que diante da intensidade e velocidade com a qual ocorrem
transformações em diversos setores da vida cotidiana, as pessoas com
escassa instrução podem estar sendo direcionadas à marginalização desse
processo. Portanto, dever-se-ia buscar no Ensino Médio, através do
conhecimento, não somente a preparação para o trabalho ou para o vestibular,
mas também a inclusão nessas transformações com autonomia e cidadania.
Sob esta mesma ótica, o artigo de Suhr (2005) se volta para as
diferentes exigências de formação no Ensino Médio, tanto por parte dos alunos
quanto das empresas. Tanto os jovens quanto consultores de empresas
apontaram que a formação de nível médio tem sido exigida no momento da
seleção.
Segundo os recrutadores das empresas, o Ensino Médio é uma das
exigências, haja vista a constatação do alto índice de desemprego, o que
permite às empresas colocarem quesitos cada vez mais elevados para a
contratação, como estratégia de eliminação de candidatos. Apesar das
empresas valorizarem um nível cultural mais elevado em situações específicas
41

de trabalho, para postos de alta rotatividade, com baixo conteúdo intelectual e


de baixa remuneração, esses jovens representam um custo de treinamento
irrisório.
Ou seja, à medida que os jovens passaram a obter cada vez mais
empregos no setor de prestação de serviços, os empregadores puderam cada
vez mais selecionar a partir de um grande número de candidatos, como
também reter ou negar benefícios. Segundo consta no documento (REZENDE,
2001) e, como seria de se esperar, os salários são mais baixos entre os
adolescentes que têm os menores níveis de escolaridade e, melhoram
progressivamente à medida que aumenta o nível de escolaridade.
E, mesmo para aqueles que conseguem superar todas as dificuldades e
terminar uma faculdade, não há garantia de empregos, pois em geral lhes falta
experiência profissional na atividade que se propõem a desempenhar. As
diferenças entre a teoria da escola e a prática no mercado de trabalho acabam
deixando a escolaridade com um papel mais modesto do que o treinamento em
serviço ou estágio na preparação do jovem trabalhador. Em geral, os meios
pelos quais os jovens diplomados conseguem ingressar no mercado de
trabalho são com mais freqüência concurso ou seleção, seguido pelas
indicações pessoais (parentes, amigos, professores e profissionais).
Também os jovens vêem pouca relação do que aprenderam no Ensino
Médio com o conteúdo de seu trabalho, criticam a escola que freqüentaram por
não ter lhes oferecido nem condições concretas de continuidade nos estudos
em nível superior, nem elementos que permitam compreender, de forma mais
ampliada, a realidade na qual vivem.
Sendo assim, tanto o trabalho de Souza (2005) quanto o de Suhr (2005),
reproduzem uma insatisfação em relação às novas propostas defendidas pela
LDB, o que reforça a contradição pertinente a esta fase de escolarização: se
instrumentalizar o Ensino Médio não parece ser a melhor solução, para estes
autores os objetivos propostos na Lei 9.394/96 também não contemplam as
reais necessidades dos nossos jovens que cursam essa etapa de
escolarização.
42

Para tanto, que possibilidades de sucesso o aluno da rede pública de


ensino realmente tem diante da realidade que a ele se apresenta, nesta
sociedade neoliberal?
As problemáticas que permeiam esta fase da escolaridade são muitas e
no centro deste contexto está o aluno, que além de assistir a um cenário de
desigualdade, violência, impunidade, autoritarismo e corrupção nesta
sociedade excludente, convive com as incertezas e as inseguranças de um
futuro acadêmico e profissional para a sua geração.
Paradoxalmente, são esses jovens que insistem em apropriar-se da
cultura acadêmica que é transmitida pelas instituições escolares e que
parecem ainda acreditar que ela poderá vir a ser seu porto seguro. E,
aparentemente, o abandono escolar está vinculado a momentos de fragilidade
em relação a estas perspectivas, da mesma forma que o seu reingresso à
instituição escolar também parece estar atrelado à fragilidade de perspectivas
instauradas em seu meio social.

1.2. A relação escola e cultura

Neste contexto, de que maneira a escola ocupa-se da readaptação


desse jovem ao meio escolar, de forma a garantir-lhe continuidade e
credibilidade no sistema escolar?
Segundo Pérez Gómez (2001), os docentes, no contexto atual, parecem
sem iniciativas e isolados diante do questionamento sobre o sentido da escola,
sua função social e a natureza da sua atividade educativa. As mudanças
radicais, tanto no panorama político e econômico quanto no que diz respeito a
valores, idéias e costumes, colocam os professores em uma situação
conflituosa em relação aos conteúdos e as suas práticas escolares cotidianas.
Consideram-se ultrapassados e, por conseguinte, eles se deparam com a
necessidade de enfrentar as novas exigências.
43

Para ele, as instituições escolares, independente dessas mudanças,


impõem certos modos de conduta, pensamentos e relações singulares a sua
própria natureza:

Os docentes e os estudantes, mesmo vivendo as contradições e os


desajustes evidentes das práticas escolares dominantes, acabam reproduzindo
as rotinas que geram a cultura da escola, com o objetivo de conseguir a
aceitação institucional. Por outro lado, as forças sociais não pressionam, nem
promovem a mudança educativa da instituição escolar porque são outros os
propósitos e as preocupações prioritárias na vida econômica da sociedade
neoliberal e, pelo menos, a escola continua cumprindo bem a função social de
classificação e creche, sem interessar demasiado o abandono de sua função
educativa (PÉREZ GÓMEZ, 2001, p. 11).

O autor acrescenta que a esta nova maneira de se estabelecer as


relações sociais e os intercâmbios informativos deve compreender um novo
modelo de escola, isto é, a recuperação da interpretação cultural da vida social
como eixo da compreensão das interações humanas:

A função educativa da escola é precisamente oferecer ao indivíduo a


possibilidade de detectar e entender o valor e o sentido dos influxos, explícitos
ou latentes, que está recebendo em seu desenvolvimento, como conseqüência
de sua participação na complexa vida cultural de sua comunidade (PÉREZ
GÓMEZ, 2001, p. 18).

A escola é, para ele, um espaço ecológico de cruzamento de culturas


cuja responsabilidade específica é a mediação reflexiva daqueles influxos
plurais que as diferentes culturas exercem de forma permanente sobre as
novas gerações, para facilitar seu desenvolvimento educativo.
Nesse sentido, afirma que há um distanciamento entre o que se ensina e
o que se aprende. Porém, esta é uma relação que não está presente somente
na era pós-moderna2, ela sempre existiu no cotidiano escolar, e o

2
Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas
sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900-
1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a arte Pop
nos anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura
ocidental. E amadurece, hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano
44

neoliberalismo apenas acentuou o fortalecimento da necessidade de se


repensar as novas exigências diante das rápidas mudanças no cenário
mundial. O que se tem hoje é um número elevado de informações, mas que
não necessariamente significam conhecimentos.
A natureza da escola, por tradição, é a de selecionar o que se deve
ensinar, e nesta era pós-moderna, considerada como a era da incerteza, a
racionalidade pertinente à modernidade parece não ocupar espaço neste novo
contexto, isto é, há um distanciamento do discurso culto para com o relativismo
cultural que hoje se faz presente.
Torna-se, dessa forma, mais complicado abordar novas práticas
educativas que atendam a este relativismo cultural porque diferem de quase
tudo que faz parte do universo escolar, como a proposta da escola, do
professor e do próprio aluno. As inferências de fora para dentro da escola e
suas implicações são representativas da “crise” que aparentemente pesa sobre
a escola atual.
Os estudos acerca dos efeitos dos estabelecimentos de ensino, da sala
de aula e do professor sobre as desigualdades escolares, por Pierre Bourdieu,
a partir da década de 60, seguramente contribuíram e continuam a contribuir
para uma possível compreensão desta complexa relação entre a escola e o
indivíduo. Segundo este autor (1989), os indivíduos que compõem o espaço
escolar não são seres autônomos e autoconscientes, e sim, são indivíduos
mecanicamente determinados por forças objetivas e orientados por uma
estrutura incorporada, um habitus, que refletem as características da realidade
social na qual eles foram anteriormente socializados. Porém, não são agentes
inertes, pois dotados de discernimento, são eles que reproduzem e
transformam continuadamente a ordem social.
Segundo Bonnewitz (2003, p. 76), o conceito de habitus é definido por
Bourdieu da seguinte maneira:

programado pela tecnociência (ciência + tecnologia invadindo o cotidiano, desde alimentos


processados até microcomputadores), sem que ninguém saiba se é decadência ou
renascimento cultural (SANTOS, 1986, p. 7-8).
45

[...] sistemas de disposição duradouros e transponíveis, estruturas


estruturadas dispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como
princípios geradores e organizadores de práticas e representações que podem
ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor a visada consciente de
fins e o controle expresso das operações necessárias para atingi-los,
objetivamente “reguladas” e “regulares”, sem ser em nada o produto da
obediência a regras e sendo tudo isso, coletivamente orquestradas sem ser o
produto da ação organizadora de um maestro.

Em sua obra “A Reprodução” (1982), Bourdieu aponta para um conjunto


de reflexões sobre a escola e a estrutura das relações entre as classes. Para
ele, a escola e o trabalho pedagógico só poderiam ser compreendidos quando
relacionados ao sistema das relações entre as classes.

A escola não seria uma instância neutra que transmitiria uma forma de
conhecimento intrinsecamente superior às outras formas de conhecimento, e
que avaliaria os alunos com base em critérios universalistas; mas, ao contrário,
ela é concebida como uma instituição a serviço da reprodução e da legitimação
da dominação exercida pelas classes dominantes. (BOURDIEU, 2006, p. 83)

Para tanto, o ponto de partida para Bourdieu é a noção de arbitrário


cultural. Nenhuma cultura pode ser objetivamente definida como superior a
nenhuma outra, como ocorre na escola. Portanto, significa que a cultura
consagrada e transmitida pela escola não seria superior a nenhuma outra,
constituindo-se, dessa forma, num arbitrário cultural. Contudo, o valor que lhe é
atribuído, embora não seja fundamentado em nenhuma verdade objetiva, é
inquestionável, sendo a cultura escolar reconhecida como cultura legítima e
universalmente válida.
Segundo o autor, só se é possível compreender a conversão de um
arbitrário cultural em cultura legítima quando se considera a relação entre os
vários arbitrários em disputa, em determinada sociedade e as relações de força
entre os grupos ou classes sociais presentes nessa mesma sociedade.

No caso das sociedades de classes, a capacidade de imposição e


legitimação de um arbitrário cultural corresponderia à força da classe social que
o sustenta. De modo geral, os valores arbitrários capazes de se impor como
46

cultura legítima seriam aqueles sustentados pelas classes dominantes.


Portanto, a cultura escolar, socialmente legitimada, seria, basicamente, a
cultura imposta como legítima pelas classes dominantes (BOURDIEU, 2006, p.
84-5).

Nesse sentido, torna-se importante compreender como o arbitrário


cultural de uma classe se transforma em cultura legítima. A tese de Bourdieu
revela que a cultura que prevalece é a cultura da classe dominante que, por um
longo trabalho de legitimação, fez esquecer toda parte de arbítrio que está na
sua base (Bonnewitz, 2003). Cabe ressaltar também que Bourdieu considera a
cultura não apenas como acesso a um patrimônio artístico e cultural, mas
também como uma hierarquia de valores e práticas.
Ele observa que,

a legitimidade da instituição escolar e da ação pedagógica que nela se exerce,


só pode ser garantida na medida em que o caráter arbitrário e socialmente
imposto da cultura escolar é ocultado. Apesar de arbitrária e socialmente
vinculada a certa classe, a cultura escolar precisaria, para ser legitimada, ser
apresentada como uma cultura neutra (BOURDIEU, 2006, p. 85).

Dessa forma, a escola passa a poder exercer, livre de qualquer suspeita,


suas funções de reprodução e legitimação das desigualdades sociais,
privilegiando, dissimuladamente, quem por sua bagagem familiar já é
privilegiado (NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2006).
É nesse contexto que

os professores transmitiriam sua mensagem igualmente a todos os alunos


como se todos tivessem os mesmos instrumentos de decodificação. Esses
instrumentos, no entanto, seriam possuídos apenas por aqueles que têm a
cultura escolar como cultura familiar, e que já são, por isso mesmo, iniciados
nos conteúdos e na linguagem utilizada no mundo escolar (BOURDIEU, 2006,
p. 87).

E, no que concerne aos alunos:


47

As diferenças nos resultados escolares dos alunos tenderiam a ser


vistas como diferenças de capacidade (dons desiguais) enquanto que, na
realidade, decorreriam da maior ou menor proximidade entre a cultura escolar e
a cultura familiar do aluno (BOURDIEU, 2006, p. 87).

Bourdieu (2006) sustenta que a escola sanciona, valoriza e cobra não


apenas o domínio de um conjunto de referências culturais e lingüísticas, mas
também um modo específico de se relacionar com a cultura e com o saber.
Segundo o autor, a sociedade produz (e a escola reproduz) uma oposição
entre dois modos diferentes que os indivíduos apresentam: de acordo com a
sua origem social e o de se relacionar com o mundo da cultura, e isso desde o
nascimento.
O primeiro modo, próprio dos dominantes, define-se por uma relação do
tipo aristocrático, marcada pela familiaridade e pela intimidade com a cultura
legítima, o que resulta numa relação natural com as obras culturais.
Já o segundo modo, próprio dos dominados, define-se por uma relação
do tipo popular, caracterizada pela estranheza e pelo embaraço com as obras
da cultura. Independente da relação, o que a origina é o modo pelo qual a
cultura foi adquirida: por familiarização insensível (no caso dos privilegiados) ou
por inculcação escolar (agentes sociais desfavorecidos).
Todavia, o sistema escolar, consciente ou inconscientemente, ao avaliar
e proferir seus julgamentos, leva em conta, tanto quanto a cultura, a relação
que os alunos têm com ela, ou seja, o modo de aquisição e de uso da cultura
legítima (NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2006). Este procedimento faz com que a
escola privilegie o aluno que atende às exigências da escola sem exibir traços
de esforço pessoal, contrário ao aluno “esforçado” que busca compensar a sua
distância da cultura legítima, dedicando-se totalmente às atividades escolares,
o que Bourdieu (1998) denominou de “desvalorização escolar do escolar”.
A constatação, portanto, da correlação entre as desigualdades sociais e
escolares que pesam sobre a escola não é, para Bourdieu, causal e nem se
explica, sobretudo, por diferenças objetivas de oportunidades de acesso à
escola, pois para ele,
48

essa correlação só pode ser explicada quando se considera que a escola


dissimuladamente valoriza e exige dos alunos determinadas qualidades que
são desigualmente distribuídas entre as classes sociais, notadamente, o capital
cultural e uma certa naturalidade no trato com a cultura e o saber que apenas
aqueles que foram desde a infância socializados na cultura legítima podem ter
(BOURDIEU, 2006, p. 94).

Entretanto, até meados do século XX, predominava, em praticamente


todo o mundo, uma visão otimista que atribuía à escolarização o papel de
construir uma nova sociedade, mais justa, moderna e democrática. A escola
pública e gratuita resolveria o problema de acesso e garantiria, em princípio, a
igualdade de oportunidades entre os indivíduos. Estes competiriam em
condições iguais e os que se destacassem por seus dons individuais
avançariam em suas trajetórias escolares e alcançariam posições de prestígio
na sociedade. Contudo, além de Pierre Bourdieu, a partir da década 60, surge
um conjunto de estudiosos da sociologia (Basil Berstein, Michael Apple,
Machael Young, entre outros) que imprimiram uma perspectiva crítica em
relação à função social da escola.
Dentro desta ótica, as investigações de Pierre Bourdieu apontam para
um novo modo de interpretar a escola. Segundo as pesquisas deste autor
(1982), a escola não só não reduz as desigualdades sociais como também as
reproduz.
A imposição de uma cultura que responde, fundamentalmente, aos
interesses dos grupos e classes dominantes sem que, contudo, sejam
questionados e dados como cultura legitimada, garantem o sucesso escolar
daqueles que detêm esse capital cultural. Isto é, o sucesso escolar é tanto mais
provável quanto mais idênticos e homólogos forem os hábitos dos professores
e dos alunos (BONNEWITIZ, 2003, p. 116).
Para que a escola possa garantir a dominação dos dominantes, ela deve
ser dotada de um sistema de representação fundado na negação dessa
função. Para tanto, a ideologia do dom, compartilhada, segundo este autor,
pelos membros do corpo docente, postula que as desigualdades de sucesso na
escola refletem desigualdades de aptidões, consideradas como inatas. Assim,
49

ela se acompanha da ideologia meritocrática, que afirma que todo indivíduo


pode ter acesso às posições sociais mais elevadas, se seus talentos, seu
trabalho e seus gostos o permitirem.
Segundo Bonnewitz (2003, p. 117), essa afirmação implica que a escola
trate como iguais em direitos e deveres todos os indivíduos, que ela garanta a
igualdade das oportunidades escolares, negando toda diferença de origem
social. Tal proposição reforça a condição de que os critérios do sucesso são
critérios sociais e não escolares.

A hierarquia escolar é, de fato, uma hierarquia social velada pela


ideologia do dom. Esta ideologia é primordial, para que a escola cumpra sua
função de legitimação da ordem social. Ela deve fazer tudo para que o seu
funcionamento seja percebido como legítimo, isto é, fundado num princípio
reconhecido e aceito por todos. Com a ideologia do dom, a escola vai
“naturalizar o social”, transformando desigualdades sociais em desigualdades
de competências (BONNEWITZ, 2003, p. 117).

Dessa forma, a relação pedagógica é uma relação de força fundada em


pressupostos implícitos. Por um lado, o sistema escolar impõe e legitima o
arbitrário cultural dominante; por outro lado, a escola nega as diferenças de
públicos, as diferenças entre habitus.

Ela se mostra “indiferente às indiferenças”, cultiva os subentendidos e o


implícito, acessíveis de fato apenas aos “herdeiros”, a tal ponto que se pode
falar de “pedagogia da ausência de pedagogia”. Esses subentendidos se
referem aos valores, como a autonomia dos alunos, cuja motivação em relação
à escola ou à valorização do saber são consideradas como automáticas
(BONNEWITZ, 2003, p. 119).

Bourdieu (1998) afirma que, ao atribuir aos indivíduos esperanças de


vida escolar estritamente dimensionadas pela sua posição na hierarquia social,
e operando uma seleção que – sob as aparências da equidade formal –
sanciona e consagra as desigualdades reais, a escola contribui para perpetuar
as desigualdades, ao mesmo tempo em que as legitima.
E acrescenta que
50

conferindo uma sanção que se pretende neutra, e que é altamente reconhecida


como tal, a aptidões socialmente condicionadas que trata como desigualdades
de “dons” ou de “mérito”, ela transforma as desigualdades de fato em
desigualdades de direito, as diferenças econômicas e sociais em “distinção de
qualidade”, e legítima a transmissão da herança cultural. Por isso ela exerce
uma função mistificadora. Além de permitir à elite se justificar de ser o que é, a
“ideologia do dom”, chave do sistema escolar e do sistema social, contribui
para encerrar os membros das classes desfavorecidas no destino que a
sociedade lhes assinala, levando-os a perceberem como inaptidões naturais o
que não é senão efeito de uma condição inferior e, persuadindo-os de que eles
devem o seu destino social (cada vez mais estreitamente ligado ao seu destino
escolar, à medida que a sociedade se racionaliza) – à sua natureza individual e
à sua falta de dons (BOURDIEU, 1998, p. 58-9).

Enfim, as “aptidões naturais” ou o “dom” que impregnavam o senso


comum, ou ainda, a teoria do capital humano – revigorada atualmente no
discurso economicista – a partir das investigações de Bourdieu, segundo Silva
(2007), foram rejeitadas por investigadores, embora ainda se façam presentes
no ideário de muitos educadores brasileiros e sejam explicitadas quando
abordam o sucesso ou o fracasso de seus alunos.

1.3. A relação juventude-educação escolar

1.3.1. A juventude brasileira nos dias de hoje

Segundo Zaneti (2001, p. 64), a juventude brasileira vive perplexidades


desconcertantes, perguntas ainda sem respostas, conflitos sem solução:

Vive os problemas de um mundo em processo de globalização


acelerada, onde as ideologias que fundamentavam as convicções e
conformavam a geopolítica da sociedade humana faliram. Vive um mundo que
põe em xeque as identidades culturais nacionais, lança à exclusão social
países e regiões inteiras do planeta e impõe relações de todo tipo,
especialmente econômicas, de maneira supranacional, questionando a efetiva
existência de soberania dos países. Vive, no Brasil, a disputa por vagas
insuficientes, especialmente nas universidades. Vive à procura de um emprego,
que é escasso, para o qual se exige experiência e conhecimento que a
juventude ainda não tem.
51

A falta de perspectiva de futuro é a realidade presente na vida de grande


parte dos nossos jovens. Eles têm que enfrentar desafios como a exclusão
social, o de viver numa sociedade virtual globalizada pela universalização da
televisão e da internet.
Neste contexto, diante da falta de oportunidades e da credibilidade no
sistema educacional, não é difícil uma grande parte dessa juventude cair nas
armadilhas do “ganhar” fácil, de aderir a ondas de vandalismo que incluem as
drogas e a violência. Parece que, na maioria dos casos, é uma tentativa por
parte desses jovens de estabelecer uma identidade e de se auto-afirmarem
como cidadãos.
Nem é menos raro que o envolvimento nessas atividades escusas gere
angústias e conflitos que têm como conseqüência a morte ainda precoce
desses indivíduos.
Dessa forma, neste início do novo século, em que aos jovens,
especialmente àqueles oriundos das camadas populares, a perspectiva de
futuro aparece como nebulosa e incerta, como eles se situam frente a uma
instituição que de um lado parece pouco significar e, de outro, é exigida como
meio para uma inserção social mais satisfatória?
Penso que antes de se procurar dar uma resposta precisa ou pelo
menos que atenda significativamente a essa indagação, seja necessária uma
breve compreensão acerca de como essa temática – juventude – tem sido
abordada nos últimos anos no Brasil.
Hoje, tem-se dedicado aos jovens uma atenção mais especial. Refiro-me
à expressão “mais especial” porque há algumas décadas a abordagem
destinada a compreender e analisar o comportamento dos jovens, por parte da
mídia, dos atores políticos, de instituições governamentais e não-
governamentais bem como de acadêmicos, não era exatamente como a que
nestes últimos tempos se configura.
Há hoje uma série de atividades presentes na mídia, voltadas a este
público, como a produção intensa de programas de auditório com a presença
maciça de adolescentes, com participação direta e indireta nestas atividades.
52

As revistas têm destinado grande parte de seu conteúdo a informações que


parecem interessar a este público-alvo. É comum, em todas elas, o leitor
encontrar páginas e páginas que se destinam a responder questões de
aconselhamento enviadas pelos jovens, sobre os mais diversos assuntos. É
importante ressaltar também os muitos canais de televisão e sites da internet
que têm como temas principais a música, a moda e o esporte, que se
encontram em evidência no mundo jovem.
Contudo, percebe-se uma diferenciação nos modos de tematização dos
jovens nos meios de comunicação. Conforme antes mencionado, quando o
público-alvo são os próprios adolescentes, a tendência é a abordagem de
interesses próprios desta faixa etária, mas se destinados ao público adulto, os
noticiários referem-se, em geral, à abordagem de problemas sociais (violência,
crimes, drogadição, etc.), que, em geral, estão atreladas à figura do jovem. São
noticiários que, ou apresentam tais evidências no cotidiano do cidadão, ou
abordam medidas de combate a tais problemas.
De acordo com Buzzi (1997, p. 167), “a população juvenil sempre se
caracterizou por uma propensão transgressiva maior em relação às normas
morais e legais da sociedade, mas foi nos últimos anos que o distanciamento
entre gerações parece ter aumentado”.
Diferente da geração de 80, que mesmo dando a entender um
inconformismo perante os valores e as normas dominantes, ainda assim podia
ser considerada como parte integrante da sua própria condição de ser jovem,
na geração dos anos 90, o que se verifica é um relaxamento dos princípios
éticos na população juvenil. Alguns desses princípios apontam para uma maior
permissividade social para as relações pré-matrimoniais, para a convivência e
para o divórcio, bem como do enfraquecimento das normas e dos vínculos
sociais associados à sexualidade e ao uso de drogas. Outra marca que
constitui a cultura jovem é a tendência às agremiações juvenis, em sua
multiplicidade, com seus diferentes símbolos, estilos e modos de ser, suas
motivações e modos de representação distintos.
53

Nesse sentido, os indivíduos colocam em ação um outro tipo de capital –


não o econômico nem o cultural – o capital social, que se refere à extensão da
rede de relações que podem efetivamente mobilizar para obter benefícios ou
rendimento do capital econômico e cultural ou simbólico possuído (SILVA,
2007, p. 47).
Para tanto, Bourdieu define capital social como sendo o

conjunto de recursos atuais ou potenciais que são ligados à posse de uma rede
durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e
de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como
conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns
(passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles
mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis
(BOURDIEU, 2007, p. 47).

É na vontade de distinção dos indivíduos e dos grupos de possuir uma


identidade social própria que os permita existir socialmente que faz funcionar o
espaço social:

Trata-se, antes de tudo, de ser reconhecido pelos outros, de adquirir


importância, visibilidade, e finalmente trata-se de ter um sentido. Essa
identidade social repousa sobre o nome de família, a filiação a uma família
(como filiação a uma linhagem), sobre a nacionalidade, a profissão, a religião, a
classe social, filiações que fornecem rótulos, etiquetas para os indivíduos.
Existir socialmente é, essencialmente, ser percebido, isto é, fazer com que
sejam reconhecidas tão positivamente quanto possível as suas propriedades
distintas (BONNEWITZ, 2003, p. 103).

A partir do reconhecimento desse capital, o indivíduo poderá tirar


proveito dessa condição, embora seja importante que ele crie e mantenha uma
reputação que lhe assegure o poder legitimado sobre os dominados – poder
que estes mesmos colocaram em suas mãos.
Guimarães (1997, p. 199) ressalta que essa marca, que se estrutura e
se define nesse século, com a constituição de uma cultura jovem,

tece-se nos diferentes espaços sociais dos quais os jovens participam – a rua,
onde se constitui uma cultura voltada para os diferentes modos de utilização do
54

tempo livre, a casa, a escola, assim como as áreas de lazer – e nas redes de
relações que aí são estabelecidas. São elementos que se combinam de
diferentes maneiras produzindo estilos e modos de ser singulares e distintos
entre os vários universos juvenis. É na tensão entre esses elementos, e entre
eles e os contextos em que vivem os jovens, que podem ser buscadas as
linhas de formação e de constituição dos subgrupos juvenis.

A autora aponta ainda em sua pesquisa a formação de grupos,


genuinamente caracterizados por “galeras”, representativos de jovens que
pertencem a mesmos espaços geográficos e que se configuram pela
apropriação dos mesmos gostos musicais, modos de se vestir e pelos lugares
freqüentados. É neste contexto que as diferentes formas de violência
apontadas nos meios de comunicação quase que diariamente, são recorrentes
deste tipo de agrupamento ou de outra forma: a violência é, geralmente,
explicada no contexto das práticas culturais referidas. No Brasil,
especificamente, as ruas têm ganhado espaço maior, muitas vezes, que a casa
ou a escola, como espaço de socialização.
Por outro lado, as políticas públicas voltadas a essa população são
relativamente recentes, como exemplo, os programas de formação profissional,
serviços de saúde, cultura e lazer.
Há ainda os projetos de instituições e agências de trabalho social que
prestam assistência aos adolescentes considerados em situações de risco
(provenientes de famílias com baixa renda e de comunidades pobres) e, ambos
destinam-se a uma tentativa de diminuir as dificuldades de interação social
desses jovens que se encontram submetidos ou envolvidos com drogas, atos
delinqüentes e exploração sexual. São esses os jovens que enriquecem as
estatísticas dos não matriculados na escola, de repetência e de evasão
escolar. E, certamente, eles não são fruto do acaso, ao contrário, eles são
conseqüência das opções políticas, econômicas e sociais que estão presentes
na vida brasileira, há várias décadas, pois a segregação social na vida das
crianças e jovens das camadas carentes do Brasil começa desde a sua
concepção. É o início de uma triagem que divide a sociedade brasileira em
cidadão e subcidadão. E a triagem continua vida afora. As portas se fecham
para esses meninos e jovens subcidadãos, que só conseguem entrar no
55

submercado de trabalho quando não estão na trilha da vadiagem, na


criminalidade. E, na concepção de Costa (2001), “são eles os procurados pela
polícia na intenção de tornar a sociedade mais segura e tranqüila, pois a
presença dos mesmos em alguns locais é, geralmente, sinônimo de delito”.
Mas, voltemos àqueles órgãos que prestam assistência a estes jovens.
Nas considerações de Abramo,

pode-se dizer que a maior parte desses programas está centrado na busca de
enfrentamento dos “problemas sociais” que afetam a juventude (...), mas no
fundo, tomando os jovens eles próprios como problemas sobre os quais é
necessário intervir, para salvá-los e reintegrá-los à ordem social (ABRAMO,
1997, p. 26).

A autora acrescenta que toda essa atividade gerada pelo imediatismo


parece ainda desarticulada do público adolescente, no que concerne às suas
características, suas questões e modos de experimentar e interpretar essas
situações problemáticas, portanto, faltam questões políticas relativas a eles.
Ao que parece, existe uma grande dificuldade de se considerar os
jovens como sujeitos, embora haja esforços nesse sentido, como a contínua
discussão sobre cidadania, mas em geral, eles são considerados por suas
privações ou por seus desvios. De acordo com Abramo (1997), a
problematização é quase sempre uma problematização moral: o foco real de
preocupação é com a coesão moral da sociedade e com a integridade moral do
indivíduo, integral e funcional a ela. Ela acrescenta que,

na maior parte das vezes a problematização social da juventude é


acompanhada do desencadeamento de uma espécie de “pânico moral” que
condensa os medos e angústias relativos ao questionamento da ordem social
como conjunto coeso de normas sociais (ABRAMO, 1997, p. 29).

Tal proposição é realçada por Sposito (1997, p. 38), ao pontuar que é


preciso reconhecer que, historicamente e socialmente, a juventude tem sido
encarada como fase de vida marcada por uma certa instabilidade associada a
56

determinados “problemas sociais”, mas o modo de apreensão de tais


problemas também muda.
Para tanto, uma breve retrospectiva às décadas passadas mostram que
nos anos 60, a juventude era considerada um “problema” na medida em que
podia ser considerada protagonista de uma crise de valores e de um conflito de
gerações, situado sobre o terreno dos comportamentos éticos e culturais; nos
anos 70, os problemas centravam-se no emprego e na entrada da vida ativa;
na década de 80, a ênfase encontrava-se na violência juvenil, em adolescentes
em situação de exclusão, estendendo-se até a década de 90, porém, tendo as
formas de violência no horizonte da sociabilidade juvenil.
É essa juventude que está efetivamente deixando sua marca na história
brasileira, com valores e comportamentos diferenciados, mas Bourdieu (1998)
já nos apontou os riscos de abordagens que se restringem à experiência
imediata do ator individual, pois estas abordagens individualizadas
contribuiriam para uma concepção ilusória do mundo social que atribuiria aos
sujeitos excessiva autonomia e consciência na condução de suas ações e
interações. Ao contrário, são os próprios indivíduos que tendem a agir de
acordo com o conjunto de disposições típico da posição estrutural na qual eles
foram socializados. Sendo assim, centralizar as investigações nas relações
entre o indivíduo e as demais formas de socialização possa, talvez, dar conta
de compreendermos esse novo sujeito.

1.3.2. A relação juventude-escola

É no contexto dos anos 90 que os estudos sobre o jovem e suas práticas


sociais e familiares tornam-se relevantes, principalmente se pensada em
relação aos jovens que ocupam os bancos escolares do período noturno –
alunos trabalhadores.
Sposito (1997, p. 48) constatou que, embora ainda se verificasse que o
enfoque privilegiado dos estudos voltados à escolarização da juventude
encontrava-se muito mais na escola do que propriamente no aluno, estaria
57

ocorrendo um padrão de esgotamento das análises sobre a escola no Brasil


que privilegiariam apenas a experiência pedagógica e os mecanismos
presentes na distribuição do conhecimento escolar sem levar em conta outras
dimensões e práticas sociais em que está mergulhado o sujeito.

Neste sentido, estudos voltados à relação pobreza, escolaridade e


oportunidades de trabalho passaram a compor o novo cenário nas pesquisas
desta última década, numa perspectiva mais abrangente tal qual nos indica
Marques (1997, p. 67):

Se queremos pensar a identidade dos jovens frente aos outros com os


quais eles se relacionam, se confrontam na família, na escola, no trabalho, no
espaço da rua, temos que pensar qual é a rede de significados que a vida
social constrói no plano simbólico da cultura e que é movida pela própria
dinâmica da sociedade. Rede de significados frente à qual os jovens estão
dizendo quem são eles, se aceitam ou não as identificações que lhe são
atribuídas pelos adultos, se estabelecem campos de negociação com os outros
atores, com os quais confrontam, se transformam ou manipulam as
representações que os outros fazem de si (MARQUES, 1997, p. 67).

Apesar dessas constatações, o estudo levado a efeito por Dayrell (2000,


p. 110) evidenciava que:

O aluno aparece circunscrito ao espaço escolar, com poucos elementos


para compreendê-lo como sujeitos de experiências mais amplas e
diversificadas a partir das quais elaboram determinadas concepções sobre a
vivência escolar.

Apesar dessa advertência de Dayrell, os estudos de Souza (1996),


Palumbo (1996) e Dias (1996), produzidos portanto ao final dos anos de 1990,
são representativos desta nova conceituação. Estes trabalhos investigam as
relações sociais que ocorrem no interior da escola, discutindo as relações de
poder no interior deste espaço ou as possíveis interferências das práticas
escolares na construção dos indivíduos e seus valores ou ainda as abordagens
relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem.
58

O estudo de Souza (1996) analisa as relações de poder existentes e as


formas como os alunos lidam (ou reagem) diante das mesmas, através de
comportamentos e discursos. Ele discute os diferentes sentidos que a palavra
disciplina assume no discurso dos alunos, refletindo sobre as relações de
poder que permeiam o cotidiano escolar. Palumbo (1996) também reflete sobre
as manifestações de poder, mas privilegia aquelas presentes na gestão escolar
e as resistências de professores e alunos a estas práticas.
Já a dissertação de Dias (1996) analisa os possíveis mecanismos de
“violência pedagógica” presentes nas práticas didático-pedagógicas na sala de
aula.
São duas, portanto, as tendências de análise verificadas nestes estudos.
Uma primeira que discute as relações de poder no interior da escola com
ênfase no que elas “produzem” nos alunos. Neste caso, a disciplina aparece
como um processo de inculcação ideológica, numa ação unilateral da estrutura
escolar sobre os estudantes, vistos como agentes passivos, reproduzindo
noções ideológicas da ordem hegemônica (DAYRELL, 2000, p. 103).
A segunda tendência também considera as relações de poder existentes
na escola, mas enfatiza as atitudes e comportamentos de resistência dos
alunos. Segundo Dayrell (2000, p. 103), a disciplina é vista na sua dimensão de
conflito entre a imposição de uma ordem e a oposição ou transgressão à
mesma, ressaltando a postura ativa dos sujeitos.
Ainda sob a perspectiva da disciplina, Carmo (2003) aponta para a
população juvenil mais pobre como vítima da ação de inúmeros tipos de
banditismo, devendo-se associar também a violência à idéia de poder, à
possibilidade de alguém impor sua vontade ou intenção sobre o outro. Segundo
ele, o aumento da violência da nossa sociedade não está hoje apenas na
desigualdade econômica, mas também se alia ao esvaziamento de conteúdos
culturais. Para os jovens de hoje, entediados, resta, na maioria das vezes, a
violência como alternativa de diversão, e fazer parte de uma gangue fortalece a
pessoa que necessita ser reconhecida ou valorizada, o que muitas vezes não
acontece no lar, na rua ou na escola.
59

Para Carmo (2003), assim como a escola, a sociedade se


desuniformizou. É a busca do prazer imediato. Alunos pedem dinamismo na
escola e dificilmente encontrarão, embora ocorram tentativas nesse sentido;
falta educação em casa, os jovens são incapazes, por vezes, de compreender
limites, têm dificuldades de enfrentar riscos, pois lhes faltam um referencial
forte e seguro.
Os jovens estão todo o tempo confrontando o mundo real com o “falso”
mundo da escola e ao resistirem à cultura escolar eles frutificam as sementes
que reproduzem a sua condição social de origem e ao não acreditarem na
promessa de um futuro melhor em troca do sacrifício do tempo presente,
também ficam presos na mesma malha da reprodução. Dessa forma,
aprendem na escola a resistir, subverter a autoridade, ludibriar o sistema, criar
diversões e prazer, e isto é o oposto do que a escola deseja.
Sendo assim,

a herança cultural exerce papel importante na geração das desigualdades


sociais também no ensino. Assim, o grau de aspiração de estudo do filho é
influenciado pela imagem social que a família tem da escola. Na maioria das
vezes, a visão de mundo da escola conflita com a vida cotidiana do aluno
carente (CARMO, 2003, p. 246).

E fica a pergunta: Permanecer ou sair da escola?


É comum encontrar jovens da periferia que abandonam os estudos com
a justificativa do emprego, afinal eles não vêem necessidade de escolarização
prolongada, mas acabam não arranjando ocupação e também não retornam, o
que os levam a perambularem pelas ruas ou prostrarem-se frente à TV,
valorizando, em princípio, o lazer ao capital cultural das escolas.
Carmo (2003) conclui em sua obra que embora as crianças precisem
ultrapassar penosamente suas “desvantagens” culturais para prosseguir com
os estudos, não está afirmando que o patrimônio cultural favorece
automaticamente, nem da mesma forma, todos aqueles que o recebem. Para
ele:
60

A seleção se processa ao longo do percurso da vida de acordo com a


origem social. Tudo se agrava hoje, quando, por mais que os pais de origem
humilde digam que querem um futuro melhor para os filhos pela via
educacional, mais descrentes estão da possibilidade efetiva de sucesso e de
ascensão social (CARMO, 2003, p. 251).

Para tanto, a cultura da rebeldia pode estar associada ao mal-estar


experimentado na escola pelos jovens das famílias menos favorecidas, o que
resulta numa sensação de fracasso e numa atitude de recusa à instituição.
Da mesma forma, Sposito (2005), em seus estudos, enfatiza a
necessidade de se rever os grandes levantamentos ou pesquisas de opinião,
como instrumentos importantes para constituir chaves de compreensão e tornar
visíveis grandes conjuntos populacionais de jovens na sociedade brasileira que
permanecem desconhecidos em suas práticas, seus valores e seus modos de
vida. No que concerne a relação entre juventude e escola, a autora propõe uma
análise que exige incursões tanto no domínio da família, como nas relações
que o jovem tece com o mundo do trabalho sob um recorte analítico em torno
dos sujeitos jovens que vivem, de modo integral, suas experiências não só no
universo escolar, mas na cultura, no lazer, no mundo do trabalho, na família e
nas formas que selecionam para seu aparecimento na vida pública.
Para a autora, é importante examinar a experiência juvenil no Brasil sem
retirá-la da esfera de influência ou minimizando a presença das agências mais
tradicionais – escola e família, mas de situá-la pelo menos sob três óticas. A
primeira diz respeito a uma compreensão dos processos de mutação dessas
agências clássicas, família e escola; a segunda situaria a necessidade de se
considerar que tanto a família como escola perderam seu monopólio na
presença da formação de novas gerações e a terceira, a necessidade de se
investigar os sentidos que os jovens atribuem a suas relações com essas
agências para além de uma submissão aos modelos normativos e
hegemônicos da reprodução cultural ou de uma situação meramente
instrumental e distanciada de seu modo de funcionamento (SPOSITO, 2005).
Ela conclui que:
61

Ao tentar analisar a emergente condição juvenil contemporânea do


Brasil, seremos obrigados a tratar, sob a ótica da diversidade, daquilo que
aparentemente é o mais tradicional da modernidade – trabalho, família e
escola, sem que, necessariamente, estejamos reiterando chaves analíticas
anacrônicas, conservadoras, ou negando horizontes utópicos de cunho
emancipador (SPOSITO, 2005, p. 125).

Como se pôde verificar, estes estudos passaram a analisar o jovem a


partir da sua condição de aluno, pois como afirma Dubet (2000, p. 25),

essa ênfase na condição de estudante ou de aluno é até compreensível e faz


com que os estudos sobre a juventude, sobretudo os de cunho sociológico, se
desloquem, necessariamente para uma análise ou sociologia da escola, “isso
não significa que os jovens não sejam mais definidos por suas origens sociais,
mas que a posição no sistema escolar torna-se um dos fatores essenciais da
organização das experiências juvenis”.

Todavia, Bourdieu (1998) em seus estudos já apontava a necessidade


de se analisar a relação entre as leis de transformação do campo de produção
econômica e as leis de transformação do campo de produção dos produtores,
ou seja, a relação entre a escola e a família, pois a escola tenderia a ocupar
um lugar cada vez mais importante na medida em que o aparelho econômico
se desenvolvesse e ganhasse complexidade maior.
Por conseguinte, seria preciso distinguir a economia, cuja dinâmica
própria está no princípio das mudanças do sistema de cargos e o sistema de
ensino que é o produtor principal das capacidades técnicas dos produtores e
dos diplomas de que são portadores, pois para ele:

a característica pertinente do sistema de ensino no que diz respeito à relação


que mantém com o aparelho econômico reside não no fato de que produz
produtores dotados de uma certa competência técnica, mas no fato de que
dota seus produtos, providos ou não de uma competência técnica,
tecnicamente mensurável, de diplomas dotados de um valor universal e
relativamente intemporal. [...] O tempo do diploma não é o da competência: a
obsolescência das capacidades é dissimulado-negado pela intemporalidade do
diploma. [...] As propriedades pessoais, como o diploma, são adquiridas de
uma só vez e acompanham o indivíduo durante toda a sua vida. Resulta daí a
possibilidade de uma defasagem entre as competências garantidas pelo
62

diploma e as características dos cargos, cuja mudança, dependente da


economia, é mais rápida (BOURDIEU, 1998, p.131-2).

A compreensão sobre as relações entre o sistema de ensino e o


aparelho econômico, na prática, encontra-se no efeito próprio da garantia
escolar sobre o mercado de trabalho, ou na lógica específica das inumeráveis e
diferentes confrontações, porém necessárias, da posição relativa dos agentes
envolvidos nas relações de força que se estabelecem em dado momento e
entre os detentores de determinado diploma e os detentores de um cargo.
Dessa forma, quanto maior for o capital escolar e o capital cultural de quem
vende sua força de trabalho maior será sua probabilidade no mercado. Por
outro lado, os produtores de diplomas também estão interessados em defender
a autonomia e o valor do diploma, pois o valor conferido a ele é coletivo, visto
que, segundo Bourdieu (1998), “não se pode contestar o poder legítimo
conferido por um diploma ao seu portador, sem contestar, ao mesmo tempo, o
poder de todos os portadores de diplomas e a autoridade do sistema de ensino
que lhe dá garantia”.
Bourdieu acrescenta que, numa sociedade dividida em classes, como a
nossa, as taxinomias sociais, os sistemas de classificação que produzem a
representação dos grupos, são, a cada momento, o produto e o objeto das
relações de força entre as classes. As transformações recentes das relações
entre as diferentes classes sociais e o sistema de ensino, com o aumento da
demanda escolar e todas as modificações correlativas do próprio sistema de
ensino, e também todas as transformações da estrutura social que resultam da
transformação de relações estabelecidas entre os diplomas e os cargos, são

o resultado de uma intensificação da concorrência pelos títulos escolares, para


a qual, sem dúvida, tem contribuído muito o fato de que, para assegurar sua
reprodução, as frações da classe dominante e da classe média, tiveram que
intensificar fortemente a utilização que faziam do sistema de ensino
(BOURDIEU, 1998, p. 147).
63

E ainda:

A entrada de frações, até então fracas utilizadoras da escola, na corrida


e na concorrência pelo título escolar, tem tido como efeito obrigar as frações de
classe, cuja reprodução era assegurada principal ou exclusivamente pela
escola, a intensificar seus investimentos para manter a raridade relativa de
seus diplomas e, correlativamente, sua posição na estrutura de classes; nesse
caso, o diploma, e o sistema escolar que o confere, tornam-se assim um dos
objetos privilegiados de uma concorrência entre as classes que engendra um
crescimento geral e contínuo da demanda por educação e uma inflação de
títulos escolares (BOURDIEU, 1998, p. 148).

Dessa forma, pode-se afirmar que as principais vítimas da


desvalorização dos títulos escolares são aqueles que entram no mercado de
trabalho desprovidos de diplomas. Já os portadores de diplomas
desvalorizados sentem-se pouco inclinados a perceber e reconhecer, segundo
o autor, a desvalorização de diplomas aos quais estão fortemente identificados,
ao mesmo tempo, objetivamente e subjetivamente.

Mas a preocupação em garantir a auto-estima que inclina o indivíduo a


se apegar ao valor nominal dos diplomas e cargos não chegaria a sustentar e
impor o irreconhecimento dessa desvalorização se não reencontrasse a
cumplicidade dos mecanismos objetivos, dos quais os mais importantes são,
por um lado, a histerese dos habitus que leva a aplicar, ao novo estado do
mercado de diplomas, determinadas categorias de percepção e de apreciação
que correspondem a um estado anterior de oportunidades objetivas de
avaliação e, por outro, a existência de mercados relativamente autônomos nos
quais o enfraquecimento do valor dos títulos escolares opera-se a um ritmo
menos rápido (BOURDIEU, 1998, p. 160).

Portanto, segundo o autor (1998), a defasagem entre as aspirações que


o sistema de ensino produz e as oportunidades que realmente oferece é um
fato estrutural que afeta o conjunto dos membros de uma geração escolar.
Bourdieu (1998, p. 170) nos adverte de que

a contradição específica do modo de reprodução, com componente escolar,


reside na oposição entre os interesses da classe que a escola serve
estatisticamente e os interesses dos membros da classe que ela sacrifica, isto
é, aqueles que são chamados “fracassados” e estão ameaçados de
64

desclassificação por não deterem os diplomas formalmente exigidos dos


membros que gozam de plenos direitos.

Segundo Bourdieu (1998), cada indivíduo é caracterizado por uma


bagagem socialmente herdada. Assim sendo, essa bagagem inclui
componentes externos ao indivíduo que podem ser postos a serviço do
sucesso escolar. Faz parte desta categoria o capital econômico, tomado em
termos dos bens e serviços a que ele dá acesso, o capital social, definido como
o conjunto de relacionamentos sociais influentes mantidos pela família, além do
capital cultural institucionalizado, formado basicamente pelos títulos escolares.
Entre as diferentes formas de capital, é o capital econômico e o capital
cultural que fornecem os critérios de diferenciação mais pertinentes para
construir o espaço social das sociedades desenvolvidas (BONNEWITZ, 2003).
Entretanto, do ponto de vista de Bourdieu, o capital cultural incorporado
constitui o elemento da herança familiar que teria o maior impacto na definição
do destino escolar (NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2004). A bagagem transmitida
pela família inclui certos componentes que passam a fazer parte da própria
subjetividade do indivíduo, como, por exemplo, a chamada “cultura geral” que
exprimem os gostos em matéria de arte, culinária, decoração, vestuário,
esportes, etc. No capital cultural incorporado destaca-se também outro
elemento constitutivo dessa forma de capital: o domínio maior ou menor da
língua culta e demais informações acerca do mundo escolar.
Segundo o autor, a posse de capital cultural favoreceria, num primeiro
momento, o desempenho escolar na medida em que facilitaria a aprendizagem
dos conteúdos e dos códigos que a escola veicula e sanciona. A educação
escolar, no caso das crianças oriundas de meios culturalmente favorecidos,
seria uma espécie de continuação da educação familiar, enquanto para outras
crianças significaria algo estranho, distante e até ameaçador. Num segundo
momento, a posse do capital cultural favoreceria o êxito escolar porque
propiciaria melhor desempenho nos processos formais e informais de
avaliação. Contudo, cabe destacar a importância de um componente específico
do capital cultural, constituído pelo capital de informações sobre a estrutura e
65

os modos de funcionamento do sistema de ensino, o que não implica em ter


maior ou menor conhecimento da organização formal do sistema escolar, mas,
sobretudo, da compreensão que se tenha das hierarquias mais ou menos sutis
que distinguem as ramificações escolares do ponto de vista de sua qualidade
acadêmica, prestígio social e retorno financeiro (NOGUEIRA & NOGUEIRA,
2004).
Para Bourdieu (1998), o capital econômico e o social funcionam, muitas
vezes, apenas como meios auxiliares na acumulação do capital cultural. O
patrimônio herdado por cada indivíduo não poderia ser entendido simplesmente
como um conjunto mais ou menos rentável de capitais que cada indivíduo
utiliza com base em critérios definidos de modo idiossincrático. Segundo o
autor, cada grupo social, em função das condições objetivas que caracterizam
sua posição na estrutura social, constituiria um sistema específico de
disposições e de predisposições para a ação que seria incorporada pelos
indivíduos na forma do habitus. Ou seja, a partir do acúmulo histórico de
experiências de êxito e de fracasso, os grupos sociais iriam construindo um
conhecimento prático daquilo que está e daquilo que não está ao alcance dos
membros do grupo e das formas mais apropriadas de ação (NOGUEIRA &
NOGUEIRA, 2004).
Por meio de um processo denominado “causalidade do provável”, os
indivíduos iriam internalizando suas chances de acesso a esse ou àquele bem,
numa dinâmica de transformação das condições objetivas em esperanças
subjetivas.

Através dos mecanismos auto-regulados do mercado que revelam a


necessidade previsível e calculável do mundo natural, o “cosmos econômico”,
importado e imposto, exige tacitamente de todos os agentes econômicos
determinadas disposições e, em particular, disposições no que diz respeito ao
tempo, tais como a predisposição e a aptidão para regular suas práticas em
função do futuro e dominar os mecanismos econômicos pela previsão e pelo
cálculo que estão submetidos ao controle exercido, efetivamente, sobre os
mesmos: a propensão prática e, por razão ainda mais forte, a ambição
consciente de apropriar-se do futuro pelo cálculo racional, dependem
estreitamente das chances – inscritas nas condições econômicas presentes –
de conseguir tal apropriação (BOURDIEU, 1998, p. 88).
66

Aplicado à educação, esse raciocínio indica que os grupos sociais, com


base nas experiências e nos exemplos de sucesso e fracasso no sistema
escolar vividos por seus membros, formulam uma estimativa de suas chances
objetivas no universo escolar e passam a adequar, inconscientemente, seus
investimentos a essas chances.

Isto se constata claramente no caso das estratégias de investimento


escolar. Não dispondo de informações suficientemente atualizadas para
conhecer a tempo as “apostas” a serem feitas, nem de um capital econômico
suficientemente importante para suportar a espera incerta dos ganhos
financeiros, nem tampouco de um capital social suficientemente grande para
encontrar uma saída alternativa em caso de fracasso, as famílias das classes
populares e médias (ao menos, nas frações não assalariadas) têm todas as
chances de fazerem maus investimentos escolares (BOURDIEU, 1998, p. 93-
4).

Bourdieu distingue três conjuntos de disposições e de estratégias de


investimento escolar que seriam adotadas tendencialmente pelas classes
populares, classes médias e pelas elites.
Ocupando a posição mais dominada no espaço das classes sociais,
pobre em capital econômico e cultural, encontram-se as classes populares.
Suas condições de existência condicionam, assim, um estilo de vida marcado
pelas pressões materiais e pelas urgências temporais, o que inibe a
constituição de disposições de distanciamento ou de desenvoltura em relação
ao mundo e aos outros. Ao manifestarem sentimentos de incompetência ou de
indignidade cultural, elas dariam provas do reconhecimento da cultura legítima,
o qual, em boa parte, lhes foi inculcado pela própria experiência escolar
restrita, a mesma que lhes negou o conhecimento dessa cultura.
Conseqüentemente, tendem, assim, a encarar a ascensão social menos como
acesso a altas posições sociais e mais como possibilidade de evitar postos
instáveis e degradantes, que não garantem uma vida com dignidade
(NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2004).
As razões que justificariam o investimento relativamente baixo das
classes populares na escola, em primeiro lugar, seria a percepção de que as
67

chances de sucesso escolar são reduzidas, pois faltam, objetivamente, os


recursos econômicos, sociais e, sobretudo, culturais necessários para um bom
desempenho na escola. Isso tornaria o retorno do investimento muito incerto e,
portanto, o risco muito alto. Essa incerteza e esse risco seriam ainda maiores
pelo fato de que o retorno do investimento escolar se dá no longo prazo. Essas
famílias estariam, em função de sua condição socioeconômica, menos
preparadas para suportar os custos econômicos dessa espera, especialmente
o adiantamento da entrada dos filhos no mercado de trabalho.
Acrescenta-se a isso o fato de que o retorno alcançado com os títulos
escolares depende, parcialmente, como já foi dito, da posse de recursos
econômicos e sociais passíveis de ser mobilizados para potencializar o valor
dos títulos. No caso dessas famílias, nas quais esses recursos são reduzidos,
tender-se-ia, naturalmente, a obter um retorno mínimo com os títulos escolares
conquistados. Em resumo, no caso das classes populares, o investimento no
mercado escolar tenderia a oferecer um retorno baixo, incerto e a longo prazo.
Diante disso, as aspirações escolares desse grupo seriam moderadas
(NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2004).
Já as classes médias, na análise de Bourdieu, são constituídas por um
conjunto de categorias sociais que têm como característica comum e
fundamental o fato de ocuparem uma posição intermediária entre os dois pólos
de espaço das classes sociais, o que determina uma situação de tensão e de
equilíbrio instável entre os dominantes e os dominados. O autor considera o
fato de que famílias das classes médias são originárias, em grande parte, das
camadas populares, e tendo ascendido às classes médias por meio da
escolarização, elas nutririam, dessa forma, esperanças de continuarem sua
ascensão em direção às elites. Contudo, o grau dos investimentos que estas
famílias investem na escolarização dos filhos estaria relacionado com a
trajetória ascendente ou descendente da fração de classe média em questão.
As classes dominantes, ou classes superiores, para Bourdieu, são
marcadas por uma forma bem mais descontraída nos investimentos escolares,
porém, pesadas. Elas não dependem de grande esforço para o alcance do
68

sucesso escolar, pois é tido como natural para elas, além do fato delas não
lutarem necessariamente pela ascensão social, pois já cumprem um papel
dominante na sociedade.
É, portanto, a partir de teorias como estas acima descritas e de estudos
sobre as singularidades que perfazem as relações dos jovens com as demais
instâncias sociais, a saber: o trabalho, a escola e a família, que possamos
conceber a relação entre o jovem e o meio escolar.
69

CAPÍTULO II

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Só sabemos com exactidão quando sabemos


pouco; à medida que vamos adquirindo
conhecimentos, instala-se a dúvida.
(Goethe)

Desde a primeira vez que notifiquei a equipe gestora da escola onde


atuo profissionalmente da minha intenção de realizar todos os procedimentos
de pesquisa no interior da mesma, contei com a pronta colaboração de todos
os envolvidos no processo educacional: Vice-Direção, coordenação
pedagógica, corpo docente e discente, bem como as secretárias que
desempenham suas atividades no período noturno da escola.
O diretor, não só me autorizou a me apropriar de todos os dados que
auxiliassem neste trabalho como também deu autorização para tornar público o
nome da referida escola.
Embora minhas entrevistas não tenham sido direcionadas a alunos que
compõem, neste ano, minhas turmas em sala de aula, ainda assim encontro-os
freqüentemente pelos corredores, e em alguns casos, já tive a oportunidade de
lecionar para eles em anos anteriores. Dessa forma, havia a propensão de que
eles se sentiriam “mais à vontade” quando nos encontrássemos fora do recinto
escolar. Propensão esta que se confirmou posteriormente e constatarei adiante
neste trabalho.
Este capítulo destina-se à descrição dos procedimentos metodológicos
utilizados, com a descrição detalhada da escola onde se realizou a
investigação, dos procedimentos para coleta de dados e pelo detalhamento das
entrevistas realizadas com os alunos, professoras e coordenadora pedagógica.
70

2.1. A escola investigada

A Escola Estadual Professor Vicente Peixoto encontra-se localizada na


Vila Osasco (zona central da cidade), São Paulo e pertence à Diretoria de
Ensino de Osasco, criada sob Decreto 51.334 – D.O.E. 29/01/76. O número de
alunos matriculados em 2007 no Médio Regular é de 760, sendo que
aproximadamente 457 destes alunos estão matriculados no período noturno.
Esta unidade escolar, na qual realizei minha pesquisa, apresenta
singularidades diferenciadas das demais escolas localizadas na cidade de
Osasco devido à sua posição geográfica. Parece que o fato desta escola estar
em uma região central torna o cotidiano escolar diferenciado de uma outra
localizada em área periférica.
Ela tem por clientela jovens oriundos de todas as regiões de Osasco,
sendo considerada uma escola de passagem, isto é, uma escola que favorece
o acesso dos alunos, tanto do trabalho para a escola como da escola para as
suas respectivas residências.
Contudo, apesar da procura por vagas neste tipo de instituição escolar
ser bastante significativa, a demanda por transferências para outras escolas e
o alto índice de abandono também fazem parte do seu cotidiano. Muito embora
esta evidência seja preponderante, faz parte também da realidade desta escola
o retorno constante destes mesmos jovens que a deixaram. Aparentemente,
tais atitudes estão atreladas à perspectiva individual do jovem em relação a
esta escola, o que vem fortalecer a tese de que as investigações acerca de sua
vida intra e extra-escolar são necessárias para a compreensão deste processo
de evasão escolar.
Verifica-se, conforme nos mostra o quadro 1, que o número de jovens
que se matriculou neste ano de 2007 após os meses de janeiro e fevereiro,
data que normalmente ocorrem as matrículas dos alunos que comporão o
quadro discente da escola, é praticamente o mesmo daqueles que a deixaram,
solicitando transferências para outras escolas, ou seja, paradoxalmente,
71

embora seja uma escola bastante concorrida, é marcada por um número de


transferências pouco maior do que o da demanda.

Quadro 1

Nº de matrículas e transferências na E. E. Vicente


Peixoto – março a setembro – 2007

Situação Quantidade
Alunos matriculados 57
Alunos transferidos para outras unidades escolares 58
Fonte: Ata bimestral de Conselho e Série da Secretaria da escola.

Os dados sobre o município de origem dos alunos matriculados são


apresentados na tabela 1.

Tabela 1

Proveniência dos alunos matriculados na


E. E. Vicente Peixoto – março a setembro – 2007

Região Localidade Quantidade %


Osasco 35 61,41
São Paulo (Capital) 8 14,04
Grande São Paulo Carapicuíba 4 7,03
Itapevi 2 3,51
Barueri 1 1,75
Campinas 1 1,75
Interior
Suzano 1 1,75
Maceió 2 3,51
Bahia 1 1,75
Outros Estados
Paraíba 1 1,75
Recife 1 1,75
Total 57 100
Fonte: Ata bimestral de Conselho e Série da Secretaria da escola.

Verifica-se que aproximadamente 62% dos jovens que solicitaram


transferência para esta escola vieram de outras localizadas também na cidade
de Osasco. Além desses, mais de 26% dos alunos vieram transferidos de
72

escolas localizadas em municípios próximos e da Capital (Grande São Paulo),


e que apenas 3,5% e 8,76%, respectivamente, de outras cidades do Estado de
São Paulo e de outras unidades da federação. Constata-se, portanto, que a
maioria esmagadora dos alunos transferidos provém do próprio município ou
de cidades muito próximas.
No entanto, não foi possível detectar para quais escolas foram os
alunos que a deixaram, pois esta é uma informação que não consta nos
registros da Secretaria.
Há, ainda, as transferências entre períodos, conforme pode se verificar
na tabela abaixo.

Tabela 2

Transferências entre períodos – E. E. Vicente


Peixoto – março a setembro – 2007

Tipo Quantidade
Do diurno para o noturno 48
Do noturno para o diurno 15
Total 63
Fonte: Ata bimestral de Conselho e Série da Secretaria da escola.

Por essa tabela verifica-se que um número relativamente considerável


de alunos desloca-se do período diurno para o noturno nos meses que se
seguem às suas matriculas, muito superior àqueles que deixam o período
noturno para freqüentarem o médio regular diurno da escola.
Quanto ao espaço geográfico, esta escola ocupa uma grande área e
impõe-se na paisagem local pelas frondosas árvores, e pela arte de seus
alunos, estampada nos seus muros, o que lhe confere um aspecto peculiar.
O seu espaço interior é muito bem cuidado e toda e qualquer sujeira,
como pichações em paredes ou carteiras, eventuais detritos nos corredores e
pátios, evidências de desordem nos banheiros, entre outros, é prontamente
limpa.
73

No pátio central, onde se fornecem as refeições, há uma gravura


idealizada, desenhada e pintada por alunos que retrata a imagem de um vasto
campo florido entrecortado por uma estrada que sugere uma trajetória de paz,
exposta há alguns anos e nela percebe-se apenas uma descoloração, efeito
dos raios do sol, possivelmente, mas não há qualquer indício de rabiscos ou
danificações que implicasse em falta de zelo. Ao lado, em uma área fechada
por telas, há um espaço para leitura, com mesas e bancos de granito
(resistentes, portanto, à ação do clima) com capacidade para aproximadamente
30 alunos, onde se realizam aulas de leituras, de produção de artes, de
experiências na disciplina de ciências, ao ar livre, ou seja, fora das salas de
aulas.
Esta escola conta ainda com uma biblioteca espaçosa, dispondo de um
montante de obras superior à biblioteca central da cidade de Osasco,
totalmente informatizada, o que favorece pesquisas tanto para o aluno quanto
ao professor, com várias mesas dispostas ao centro para uso de alunos nas
suas atividades educacionais.
A sala para apresentação de vídeos é ampla, com capacidade para
aproximadamente 80 alunos, equipada com recursos tecnológicos modernos e
todas as carteiras são novas. Está sempre limpa e recebe constantemente
alunos dos três períodos para atividades das diversas disciplinas. Esta sala é
geralmente solicitada pela Diretoria de Ensino de Osasco para reuniões com
professores das demais escolas da cidade.
No corredor interno que dá acesso às 16 salas de aulas é possível
vislumbrar gravuras de personalidades que marcaram a história da
humanidade, em tamanho consideravelmente grande e em perfeito estado de
conservação. Suas salas são pequenas, mas limpas a cada final de período.
Tais observações nos permitem apontar para uma escola que preza a
organização e a conservação de seus espaços internos e externos. Há quem a
compare, em beleza e cuidados, à escola privada tradicional situada a poucos
metros dela.
74

As famílias dos alunos podem ser consideradas como pertencentes


majoritariamente às classes média e média baixa (41,2% dos alunos
enquadrados no nível C e 31,5% no nível B, conforme dados do SARESP).3
Verifica-se, também, um grupo de famílias com graves dificuldades financeiras
bem como de alguns alunos que vivem em lares de proteção à infância.
Não obstante, a escola tem sido muito procurada e recebido muitos
pedidos de transferência, principalmente de alunos provenientes dos bairros
mais distantes.
Questionados a respeito (sobre as razões que os levam a procurar esta
escola) têm sido unânimes em apontá-la como uma escola que ministra ensino
de qualidade, onde a violência é reduzida, e encontram uma Direção
empenhada em resolver os problemas da escola.

2.1.1. Objetivo, organização e desenvolvimento do ensino

Sendo o objetivo deste trabalho ressaltar apenas dados pertinentes à


escolarização média e período noturno de ensino da escola investigada, todas
as informações que se encontram abaixo mencionadas constam do Regimento
Escolar e Plano Gestão 2006 – 2009 da escola.
O Ensino Médio da E. E. Professor Vicente Peixoto, segundo o
Regimento Escolar referido, procura enfatizar e assegurar a seus jovens
trabalhadores a construção de sua identidade, não desprezando, porém, o
preparo para o ingresso no ensino superior e a orientação para a escolha
profissional.
Segundo o Plano Gestão, a escola deve desenvolver atividades
complementares como turmas de reforço e reclassificação, atribuições estas
pertinentes aos Conselhos de Classe e Série que devem decidir sobre

3
Nível socioeconômico: conjunto de variáveis pesquisadas pelo Saresp que inclui grau de
instrução de pai e mãe dos alunos e a posse de bens indicativa de renda familiar. O índice NSE
utilizado é uma adaptação do Critério Brasil. Ele é definido com a soma das pontuações
variando de 0 a 26. No caso do Saresp, a escala foi segmentada em 5 níveis socioeconômicos.
Os estratos denominados de A (23 a 26 pontos), B (18 a 22 pontos), C (13 a 17 pontos), D (8 a
12 pontos) e E (0 a 7 pontos) indicam, numa ordem decrescente, as condições de vida das
famílias dos alunos.
75

classificação, reclassificação e compensação de ausências. Para os alunos


com defasagem idade/série, o Plano indica que deve ser desenvolvido
programa especial de aceleração de estudos.
O mesmo documento rege que a organização da vida escolar deve
implicar num conjunto de normas que visam garantir o acesso, a permanência
e a progressão nos estudos, bem como a regularidade da vida escolar do
aluno, abrangendo aspectos como freqüência e compensação de ausências, a
reclassificação do aluno em série mais avançada, tendo como referência a
correspondência idade/série e a avaliação de competências nas matérias de
base nacional comum do currículo e com o Parecer CEE 500/98. Estes
procedimentos devem ocorrer a partir de proposta apresentada pelo professor
ou professores dos alunos, com base nos resultados da avaliação diagnóstica
e solicitação do próprio aluno ou seu responsável, mediante requerimento
dirigido ao diretor da escola.

Há ainda regulamentação do controle sistemático da freqüência dos


alunos às atividades escolares e da adoção bimestral de medidas necessárias
para que os alunos possam compensar ausências que ultrapassem o limite de
20% do total das aulas dadas no bimestre letivo. As atividades de
compensação de ausências devem ser programadas, orientadas e registradas
pelo professor de classe ou da disciplina, com a finalidade de sanar as
dificuldades de aprendizagem provocadas por freqüência irregular às aulas.
Estas atividades devem ser oferecidas aos alunos que tiverem suas faltas
justificadas nos termos da legislação.
A referida Unidade Escolar, de acordo com o Regimento Escolar,
considera de vital importância a integração do aluno e da sua comunidade na
escola e para tanto, afirma que procura manter a interação, de forma
sistemática, com as famílias dos alunos, notificando os pais acerca da situação
escolar dos seus filhos, estabelecendo contato com os mesmos quando eles
começam a faltar muito e identificando os motivos que levam estes alunos a
faltar, procurando, dessa forma, proporcionar atividades curriculares para a
compensação dessas ausências.
76

2.1.2. O Ensino Médio do período noturno

Os alunos do período noturno desta escola são na grande maioria


trabalhadores da indústria e de serviços da região, ou de regiões distantes, que
procuram a escola pela facilidade de acesso ou proximidade da residência.
Segundo o plano de gestão, redigido pelo diretor em exercício, os alunos
vêem na escola um mal necessário, uma vez que o mundo do trabalho exige
qualificação acadêmica para desenvolver as atividades profissionais.
Em sua opinião, ele acredita que o cansaço e a descontextualização do
ensino fazem com que o aluno não veja muito sentido nas atividades que lhe
são propostas e procure de todas a formas ludibriar a vigilância e ir mais cedo
para casa. E acrescenta que, para enfrentar esse problema, a escola tem
desenvolvido atividades culturais motivadoras e colocado professores
eventuais com propostas desafiadoras e diferenciadas, de forma a motivar o
aluno a permanecer dentro da escola.
Segundo ele, nem sempre é possível alcançar essas metas, pois a alta
rotatividade do corpo docente implica na descontinuidade de atividades e
projetos. Mas, ainda assim, afirma que a escola investe neste princípio.
Quanto às taxas de aprovação, reprovação e abandono verificadas
nesta escola nos ensinos fundamental e médio, nos períodos diurno e noturno,
o resultado do SARESP 2006 aponta para os seguintes índices:

Tabela 3

Distribuição, por período, das aprovações, reprovações e abandonos totais


por período – E. E. Vicente Peixoto – 2005

Período Situação Fundamental II Médio


Aprovações 96,6 84,9
Diurno Reprovações 2,7 13,7
Abandonos 0,7 1,3
Aprovados - 63,2
Noturno Reprovados - 21,1
Abandonos - 15,8
Total 100 100
Fonte: Levantamento dos resultados finais do ano letivo – cadastro de alunos –
SE/CIE/SP.
77

Em primeiro lugar, verifica-se uma intensificação dos abandonos e


reprovações ocorridos no Ensino Médio, em relação ao Ensino Fundamental:
15% contra 3,4%, no período diurno, e que reflete o resultado das políticas de
não retenção, como o sistema de ciclos e o regime de progressão continuada,
adotados no Ensino Fundamental.
Além disso, os índices de reprovação e abandono do período noturno do
Ensino Médio são muito mais elevados dos apresentados pelo mesmo nível no
período diurno, abrangendo 36,9% do alunado, ou seja, mais do que o dobro.
Por fim, vale a pena destacar que o abandono assume proporções muito
maiores no noturno do que no diurno em relação à retenção, pois enquanto a
retenção não chega a dobrar (21,1% contra 13,7%), o abandono, que no diurno
era praticamente residual, cresce doze vezes no noturno (15,8% contra 1,3%),
e que além de refletir a baixa qualidade, é resultado da não obrigatoriedade de
freqüência.
Este resultado primeiramente evidencia o aumento considerável no
índice de abandono quando reportado ao período noturno. Enquanto no diurno
verifica-se um percentual de 1,3% de abandono para o Ensino Médio, no
período noturno, ele sobe para 15,8%, o que sugere a hipótese de que não há
um projeto nesse sentido dentro da escola, bem como de que o Ensino Médio
noturno não contempla esse tipo de alunado, ou seja, àquele que inicia uma
nova fase em sua vida e precisa da escola para alcançar seus objetivos, muito
embora não devamos esquecer que as singularidades da sua vida pessoal
possam configurar também em prováveis fatores que contribuam para tal
ocorrência. O percentual de retenção apontado nas duas fases de
escolarização também parece indicar que a realidade vivida por esses alunos,
ao iniciar a escolarização média, é diametralmente oposta à vivida no ciclo II,
visto que o índice de reprovação neste ciclo é de 2,7%, subindo para 13,7% no
Ensino Médio diurno e 21,1% no Ensino Médio noturno. Este resultado reforça
a condição de que é neste período que se encontram os maiores problemas,
tanto no quesito reprovação quanto abandono escolar.
78

Bourdieu (1998), ao abordar os efeitos advindos do processo de


democratização da escola fala em efeitos paradoxais desse processo, pois
mesmo após a chegada de uma nova clientela à escola e a difusão da idéia de
que o fracasso escolar não é mais ou não, unicamente, imputável às
deficiências pessoais, ou seja, naturais, dos excluídos, e de que a lógica da
responsabilidade coletiva, aos poucos, suplanta a lógica da responsabilidade
individual (dom natural – inaptidão) e cede lugar a outros fatores sociais, ainda
que mal definidos, como a insuficiência dos meios utilizados pela escola e a
incapacidade ou incompetência dos professores, a estrutura da distribuição
diferencial dos benefícios escolares e dos benefícios sociais correlativos foi
mantida, no essencial, mediante uma translação global das distâncias
(Bourdieu, 1998). Contudo, com uma diferença fundamental:

O processo de eliminação foi diferido e estendido no tempo e, por


conseguinte, como que diluído na duração, a instituição é habitada,
permanentemente, por excluídos potenciais que introduzem nela as
contradições e os conflitos associados a uma escolaridade cujo único objetivo é
ela mesma (BOURDIEU, 1998, p. 221).

Para ele, não se pode esperar que as crianças oriundas das famílias
mais desprovidas econômica e culturalmente tenham acesso aos diferentes
níveis do sistema escolar e, em particular, aos mais elevados, sem que com
isso, se modifique o valor econômico e simbólico dos diplomas.
Ao que consta, são esses alunos que ao final da trajetória escolar,
marcada duramente por sacrifícios, obterão um diploma desvalorizado. Àqueles
que fracassam, resta-lhes a marca da exclusão, mais estigmatizante e total do
que já o era antes, pois “deram-lhe a chance” e “falharam”.
É nesse contexto que o autor nos aponta para a desvalorização dos
alunos e mesmo das famílias para com a escola, haja vista que para eles ela é
“uma espécie de terra prometida, semelhante ao horizonte, que recua na
medida em que se avança em sua direção” (BOURDIEU, 1998, p. 221).
79

Ele acrescenta que a diversificação dos ramos de ensino, associado a


procedimentos de orientação e seleção cada vez mais precoces, tende a
instaurar práticas de exclusão branda:

Para a eliminação brutal o que a troca de dons e contradons é para o


“dá-se a quem dá”: desdobrando o processo no tempo, ela oferece àqueles que
têm tal vivência a possibilidade de dissimular a si mesmos a verdade ou, pelo
menos, de se entregar, com chances de sucesso, ao trabalho de má-fé pelo
qual é possível chegar a mentir a si mesmo sobre o que se faz (BOURDIEU,
1998, p. 222).

Essa ilusão pode durar até mesmo após finalizados os estudos, pois as
dificuldades de serem classificados em alguns campos sociais, imprecisos e
indeterminados, só então, parecer-lhes-á que o tempo escolar não passou de
tempo perdido.
Segundo Bourdieu (1998), é esse um dos efeitos mais potentes e mais
ocultos da instituição escolar e de suas relações com o espaço das posições
sociais às quais, supostamente, deve dar acesso:

Ela produz um número cada vez maior de indivíduos atingidos por essa
espécie de mal-estar crônico instituído pela experiência – mais ou menos
completamente recalcada – do fracasso escolar, absoluto ou relativo, e
obrigados a defender, por uma espécie de blefe permanente, diante dos outros
e também de si mesmos, uma imagem de si constantemente maltratada,
machucada ou mutilada (BOURDIEU, 1998, p. 222).

Ao contrário desses jovens provenientes das famílias mais desprovidas,


que, geralmente são obrigados a se submeter às injunções da estrutura escolar
ou ao acaso para encontrar um caminho, num espaço social e complexo, com
capital cultural reduzido, estão aqueles que o autor denomina de “bem
nascidos”, que possuem uma herança familiar que os auxilia a decidir sobre o
lugar e o momento mais apropriado para aplicar seus investimentos.
É sob esta ótica que Bourdieu pontua:
80

Eis aí um dos mecanismos que, acrescentando-se à lógica da


transmissão do capital cultural, fazem com que as mais altas instituições
escolares e, em particular, aquelas que conduzem às posições de poder
econômico e político, continuem sendo exclusivas como foram no passado. E
fazem com que o sistema de ensino, amplamente aberto a todos e, no entanto,
estritamente reservado a alguns, consiga a façanha de reunir as aparências da
“democratização” com a realidade da reprodução que se realiza em um grau
superior de dissimulação, portanto, com um efeito acentuado de legitimação
social (BOURDIEU, 1998, p. 223).

A expressão “alunos desmotivados”, muito utilizada no interior do espaço


escolar, pode estar relacionada à exclusão branda pela qual esses nossos
jovens, objeto desta pesquisa, têm constituído a sua trajetória escolar
acidentada. Embora, conforme já nos assegurou Bourdieu, o aluno tende a
construir vagarosamente uma definição de si mesmo como excluso de um
sistema em que ele, paradoxalmente, está incluído, contribui para uma
indefinição entre permanecer (uma espécie de: “aguardar o final para ver como
fica”) ou deixá-la, e “arriscar-se” a uma inserção social sem que
necessariamente a vida escolar venha fazer parte desta escolha.
É possível, dessa forma, que o índice de abandono evidenciado no
período noturno, muito superior ao diurno, reflita essa constatação. Eles são,
na sua maioria, trabalhadores que acordam muito cedo, têm pouco tempo livre
para seus afazeres pessoais e uma dedicação exclusiva aos estudos é uma
condição que não faz parte das suas realidades.
Eles contam ainda com defasagens educacionais produzidas pela
distância entre a herança cultural familiar e aquela exigida pela escola, que, ao
invés de procurar oferecer a eles mais do que aos privilegiados, ocupa-se de
cumprir suas atividades, sem levar em consideração este fator.
A difícil superação da dualidade estrutural em uma sociedade dividida e
desigual é realçada na pesquisa de Kuenzer (2000, p. 34), ao constatar que a
dualidade estrutural tem suas raízes na forma de organização da sociedade,
que expressa as relações entre capital e trabalho; pretender resolvê-la na
escola é ingenuidade ou má-fé.
81

Para ela, há de se reconhecer que o Ensino Médio não tem sido para
todos, e que embora o compromisso do Estado deva ser com a sua
universalização, sabe-se que essa é uma tarefa somente para as próximas
décadas.
Será preciso, portanto, sem perder de vista a universalização,
estabelecer um compromisso com o estabelecimento de metas realistas para
os próximos anos. Para Kuenzer, a democratização do Ensino Médio só será
possível numa sociedade na qual os jovens possam exercer o direito à
diferença, sem que isso se constitua em desigualdade.
Contudo,

no Brasil, esta possibilidade está particularmente distante, onde as


oportunidades de trabalho se retraem e, embora tenha aumentado
significativamente o acesso ao Ensino Fundamental, a oferta de Ensino Médio
e superior é ainda muito reduzida. O acesso a esse nível, e em particular aos
cursos nobres, que exigem tempo integral, escolaridade anterior de excelência,
e financiamento de material técnico, bibliográfico, além de cursos
complementares à formação, é reservado àqueles de renda mais alta,
ressalvadas algumas exceções que continuam servindo à confirmação da tese
da meritocracia (KUENZER, 2000, p. 36).

A autora acrescenta que para certas clientelas, o Ensino Médio é


mediação necessária para o mundo do trabalho, e, nestes casos, condição de
sobrevivência. Em suma, para a maioria dos jovens, o exercício de um trabalho
digno será a única possibilidade de continuar seus estudos em nível superior; o
Ensino Médio, portanto, deverá responder ao desafio de atender a estas duas
demandas: o acesso ao trabalho e a continuidade dos estudos.
Por outro lado, em seu estudo, Bueno (2000, p. 74) afirma que, baseado
em modelos estrangeiros, o Ensino Médio no Brasil não conseguiu ultrapassar
“até hoje a figura de um simulacro empobrecido de modelos ou superado as
decorrências do formato da organização das sociedades na região”.
E acrescenta que

os pressupostos explícitos e implícitos de planos e ações em andamento no


Brasil, as principais diretrizes políticas e as propostas específicas para o
82

Ensino Médio e a educação profissional, conforme expressos nos estudos e


documentos oficiais, nos pronunciamentos do CNE e nos acordos de
financiamento firmados com as agências internacionais, traduzem perspectivas
pouco nítidas e encaminhamentos duvidosos. Isso pode preservar, em nova
dimensão, a velha trama de indefinições e dubiedades já tradicional no setor
(BUENO, 2000, p. 107).

Outro fator a se considerar, segundo a autora, é que a universalização


do Ensino Médio é considerada problemática em virtude dos “desafios
absolutamente novos” que o poder público enfrenta: aumento crescente da
demanda, avanço “clandestino” das matrículas na rede pública (mais por
pressão social do que por iniciativa governamental), carência tradicional e
distorções de toda ordem que esse nível de ensino envolve.
O trabalho de pesquisa desenvolvido por Carril (2005) aponta para a
questão da qualidade do ensino, da retenção e do abandono escolar.
Para ela,

outra forma de manutenção da exclusão pode ser o avanço quantitativo quanto


à oferta de vagas, mas sem a garantia da aprendizagem. O fato de passar pela
escola não implica dar oportunidades reais para os jovens das classes menos
favorecidas. É preciso garantir o sucesso escolar, pois, caso contrário,
teremos, em um curto espaço de tempo, apenas portadores de diplomas que
nada expressam (CARRIL, 2005, p. 77).

Em sua pesquisa, ela evidencia que a maioria dos alunos do período


noturno já passou, pelo menos uma vez, pela experiência da reprovação
escolar, fato este que reflete na auto-estima do aluno que, muitas vezes, atribui
às suas próprias limitações, ou às difíceis condições de vida e de estudo o
fracasso escolar que passa.
Segundo Carril (2005, p. 78), alguns fatores explicam esses índices de
reprovação e desistência, sendo que o mais apontado é a questão
socioeconômica:

Esses jovens são obrigados a se inserir muito cedo no mundo do


trabalho e, muitas vezes, não conseguem conciliar escola e trabalho, mesmo
que seja na realização de trabalhos que não exijam qualificação e que não
83

tenha amparo das leis trabalhistas, mas é a sobrevivência o que inviabiliza a


freqüência dentro das normas escolares.

Dessa forma, o período noturno fica, para estes jovens, entre a única
oportunidade para eles prosseguirem os estudos na expectativa de uma
ocupação relativamente qualificada e a visão nebulosa de que esta “única
oportunidade” parece não ser efetivamente um caminho para isto.
Sendo assim, o parecer da escola pesquisada sobre os objetivos da
escolarização média para o período noturno, bem como acerca da frágil
relação que o aluno mantém com a escola quanto à sua real valorização,
parecem não ser consonantes com as expectativas dos jovens que nela se
matriculam e posteriormente a abandonam.

2.2. Procedimentos para coleta dos dados

Com o objetivo de investigar se havia e quantos eram os sujeitos


matriculados que se encontravam em situação de descompasso escolar, ou
seja, em idade e série não equivalentes no Ensino Médio, recorri à Secretaria
da escola para analisar as pastas individuais dos alunos que compõem a
clientela neste ano de 2007 e seus respectivos históricos escolares.
Constatei que, em grande parte deste material, havia documentos
faltantes, como certidão de nascimento, histórico escolar do Ensino
Fundamental, documentos que comprovassem local de residência e outros. Por
este motivo tornou-se, em muitos casos, difícil o levantamento de suas
trajetórias escolares o que me fez, por diversas vezes, recorrer ao próprio
aluno para obter estas informações. Conforme já mencionado, esta é uma
escola que recebe alunos transferidos de todas as regiões de Osasco bem
como de outros lugares (tabela 2, p. 72), e nem sempre os jovens se
apresentam à Secretaria da escola munidos de toda a documentação, o que
permite concluir que as vagas são oferecidas de pronto e a escola permanece
no aguardo destes documentos, sendo, por vezes, exigidos tão somente no ato
84

da conclusão do curso médio. Não me cabe neste momento explicitar o porquê


da demora destes documentos, mas é certo que este fato dificultou bastante a
coleta destas informações.
Inicialmente efetuei a seleção de todos os alunos que apresentavam
idades superiores à série em que se encontram matriculados bem como
cursando o Ensino Médio na presente data.
Após a realização deste levantamento foi possível constatar o que em
princípio ainda era uma hipótese: que grande parte destes sujeitos apresentava
uma trajetória escolar marcada não somente por evasões como também por
sucessivas retenções. Esta singularidade me fez questionar em que medida a
evasão escolar corrobora para um possível processo de retenção quando do
seu retorno à instituição escolar?
A partir desses dados iniciais, pude fazer uma seleção definitiva dos
alunos que apresentavam reiteradas matrículas e evasões no Ensino Médio
dessa escola.
De forma que estes dados pudessem ser melhores compreendidos e
avaliados, optei por especificá-los primeiramente em quadro com informações
gerais acerca das trajetórias escolares destes alunos, no que concerne às
evasões e retenções tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio. Em
seguida, construí quadro mais detalhado com informações específicas sobre a
escolarização no Ensino Médio, detalhando a quantidade de evasões e
retenções ao longo de sua trajetória.
Com base nestes dados, tornou-se possível a construção de tabelas
detalhadas e distintas entre si, que permitiram a tabulação de dados quanto ao
sexo, idade, quantidade de evasões em ambos os ciclos e posteriores retornos
à instituição escolar.
De posse destas informações, selecionei alguns alunos apontados nesta
coleta de dados para posterior entrevista individual com os mesmos. O contato
com estes alunos deu-se no interior da escola e, após a explanação do objetivo
das entrevistas, marcamos encontro fora do espaço escolar.
85

2.3. Os sujeitos da pesquisa

2.3.1. Os alunos

O resultado desta pesquisa apresentou um total de 118 jovens com


defasagem de idade e série, distribuídos ao longo das três séries da
escolarização média regular. De um total de 457 alunos matriculados no
período noturno, este resultado representa aproximadamente 26% dos alunos,
o que pode ser considerado um índice bastante acentuado.
Num primeiro momento, constatei que, desse número evidenciado, 37
casos eram voltados a alunos que foram matriculados tardiamente no Ensino
Fundamental, ou seja, com idade superior a 07 anos, apresentando ainda em
alguns dos casos retenções ao longo da escolarização básica e média. Em
geral, são jovens oriundos das regiões norte e nordeste do país, com raras
exceções.
Dos 81 alunos restantes, 15 deles apresentavam tão somente retenções,
por diversas vezes, em uma ou mais séries. Portanto, nem estes casos nem os
acima citados respondiam ao meu interesse de pesquisa. Havia ainda 20
sujeitos que não me foram possíveis investigar, pois haviam se matriculado
sem, contudo, apresentarem a documentação necessária para tal, o que tornou
impossível reconstituir suas trajetórias escolares. Entretanto, os 46 jovens
restantes apresentavam a marca da evasão e de retornos sucessivos e, na
maioria dos casos, da retenção nesta fase de escolaridade.
Neste contexto, centralizei minhas investigações nestes 46 jovens, posto
que eles apresentavam uma trajetória acidentada marcada por retornos
reiterativos ao meio escolar.
À medida que progressivamente os dados eram obtidos, aumentava a
minha expectativa em reconstruir tais trajetórias, pois elas evidenciavam um
quadro de múltiplas evasões seguidas de retornos e que por diversas vezes
eram novamente interrompidos. Conforme o quadro apresentado no Anexo 1,
coletei informações gerais sobre alunado a ser investigado: nome, idade, sexo,
número de evasões e retenções no Ensino Fundamental, bem como número de
86

evasões e retenções no Ensino Médio. O quadro destaca ainda a série e o


período que ele se encontrava matriculado quando da realização da coleta de
dados (2007).
Havia ainda uma inquietação: haviam esses alunos se evadido em
determinado período do ano letivo e categorizados como “alunos evadidos” no
final do ano em questão? Ou teriam eles interrompido os estudos por períodos
indeterminados e esporádicos, sendo categorizados como “alunos retidos” pela
obtenção de conceitos insatisfatórios? Para tanto, recorri mais uma vez aos
históricos escolares na tentativa de que me fornecessem essa informação.
Contudo, não encontrei resposta imediata. Neste documento, consta evadido
ou retido, tão somente. Não há qualquer menção quanto às ausências e
supostos retornos. Foi necessário recorrer então aos alunos e deles obter essa
informação.
A partir dessas informações, elaborei um segundo quadro (Anexo 2) com
dados específicos sobre cada um dos sujeitos investigados, explicitando a
quantidade de evasões ocorridas ao longo da sua trajetória de escolarização
média e a quantidade de retenções também nesta mesma fase. Foi possível,
dessa forma, ao cotejar os dados fornecidos pelos jovens, verificar que grande
parte deles foi retida por apresentar trajetórias marcadas por sucessivas
ausências e, conseqüentemente, resultados avaliativos insatisfatórios.
A partir desses dois quadros com informações brutas, pude construir
tabelas para análise das diferentes situações.
A tabela 4 aponta para os indicadores de trajetórias acidentadas.

Tabela 4

Indicadores de trajetórias acidentadas –


E. E. Vicente Peixoto – 2007

Quantidade
Situação
Nº %
Evasões + Repetências 39 85
Evasões 7 15
Total 46 100
Fonte: Pasta individual dos alunos – Secretaria da escola.
87

De acordo com esta tabela, verifica-se que, dos 46 sujeitos que


apresentam trajetória escolar acidentada, 39 (85%) deles trazem a marca da
retenção nessa mesma fase de escolaridade e que o número de evasões sem
retenções é muito reduzido (7, ou 15%). Isto é, a trajetória acidentada da
grande maioria dos alunos tem como marca a evasão, ocasionada pela
repetência que gerou o abandono e retorno continuado dos alunos à escola.
A tabela 5 apresenta a distribuição desses alunos por sexo.

Tabela 5

Evasões e retenções no Ensino Médio, por


sexo – E. E. Vicente Peixoto – 2007
Evasões + Total
Evasões
Sexo Retenções
Nº % Nº % Nº %

Masculino 4 57 24 61 28 61
Feminino 3 43 15 39 18 39
Total 7 100 39 100 46 100
Fonte: Pasta individual dos alunos – Secretaria da escola.

Pelos dados acima, verifica-se que o número de homens com trajetórias


acidentadas é muito maior do que de mulheres. Apesar disso, a proporção
entre retornos reiterados com base nas evasões simples e com base no
binômio retenção/evasão é bastante próxima, isto é, não há diferenciação entre
sexos neste aspecto.
A tabela 6 apresenta os dados dos alunos com trajetórias acidentadas
distribuídos por sexo e faixa etária.
88

Tabela 6

Alunos com trajetórias acidentadas no Ensino Médio por idade e


gênero – E. E. Vicente Peixoto – 2007

Masculino Feminino Total


Faixa etária
Nº % Nº % Nº %
15 a 17 anos 01 4 - - 1 2,2
18 a 21 anos 21 75 12 67 33 71,7
Mais de 21 anos 06 21 06 33 12 26,1
Total 28 100 18 100 46 100
Fonte: Pasta individual dos alunos – Secretaria da escola.

Conforme a tabela 6, há uma maior concentração de alunos na faixa


etária de 18 a 21 (praticamente 72%), isto é, paradoxalmente, a situação
acidentada de evasão e retorno atinge mais uma população que se
encontra na faixa etária mais próxima da idade esperada para cursar esse
nível de ensino. Pode-se constatar também que, embora com índices
próximos, a porcentagem de mulheres mais velhas com trajetórias
acidentadas é maior do que dos rapazes, assim como a inexistência de
moças com menos de 15 anos. Estes últimos dados parecem sugerir que o
retorno reiterativo após evasões/repetência deve se esgotar por falta de
resultados. As evasões e retenções dos alunos, por nível de ensino, são
especificadas abaixo:

Tabela 7

Evasões e retenções dos alunos, por nível de


ensino – E. E. Vicente Peixoto – 2007

Nível
Situação Ensino Ensino
Fundamental Médio
Evasão 13 07
Retenção 07 39
Total 20 46
Fonte: Pasta individual dos alunos – Secretaria da escola.
89

De acordo com a tabela 7, um número relativamente alto de alunos


havia apresentado problemas de escolarização no Ensino Fundamental, ou
seja, 20 entre 46 (43%). Outro fator preponderante é o fato de que, ao contrário
do Ensino Médio, as evasões no Ensino Fundamental são em maior número do
que os apresentados na fase de escolarização média.
Neste contexto, fez-se necessária a elaboração de uma tabela que
apresentasse um parâmetro no que concerne à quantidade de vezes que os 46
sujeitos implicados nesta pesquisa evadiram-se, em ambas as fases de
escolaridade:

Tabela 8

Quantidade de evasões no Ensino Fundamental e Médio

Evasões Nível de ensino


Fundamental Médio
1x 02 17
2x 07 12
3x 01 07
4x 02 06
5x - 01
6x 01 01
7x - 01
11x - 01
Total 13 46
Fonte: Pasta individual dos alunos – Secretaria da escola.

Conforme os dados acima apontados, nota-se que menos de um terço


dos alunos se evadiram no Ensino Fundamental, com incidência maior para
alunos que se evadiram duas vezes; mesmo assim, considerando que se trata
do ensino obrigatório, esse índice pode ser considerado alto. Contudo, embora
o número de alunos com apenas uma evasão no Ensino Médio seja o mais
alto, é impressionante o número de alunos que se evadiram entre duas e
quatro vezes (25), assim como os quatro alunos que se evadiram mais de cinco
vezes chegando até a um deles que se evadiu exatamente o número de anos
que compõem o Ensino Fundamental e médio, ou seja, onze vezes.
90

Estes dados demonstram, de forma cabal, que nada é feito no sentido


de verificar e dar encaminhamento para alunos que reiteradamente ingressam
e se evadem da escola, pois mesmo aqueles com apenas uma evasão
parecem ser muito mais sujeitos em potencial para novas reiterações do que
casos que, após uma evasão, tenham se conseguido ingressar num percurso
menos acidentado.
O que se pode depreender de todos os dados acima é que cerca de
10% dos alunos do Ensino Médio noturno da E. E. Prof. Vicente Peixoto
apresentam reiteradas evasões e retornos, o que pode ser considerado uma
taxa altíssima para uma escola que possui condições tão favoráveis quanto a
que ela apresenta, tanto em relação à localização, quanto ao tipo de alunado,
quanto de estrutura física, recursos materiais e qualificação de seus docentes.
Além disso, verifica-se, também, que um número significativo de alunos
(33) não apresentaram uma reprovação ou evasão sequer no Ensino
Fundamental, demonstrando que boa parte dessas trajetórias acidentadas
foram causadas por situações próprias desse nível de ensino.
Por fim, foi com base nesse levantamento estatístico que pude efetuar a
seleção de sujeitos para serem entrevistados, no sentido de levantar aspectos
relacionados à origem familiar, ao ambiente social e ao próprio meio escolar
que pudessem fornecer elementos contributivos para a compreensão de
possíveis fatores que possam ter contribuído para essas trajetórias.

2.3.2. Os alunos entrevistados

Inicialmente foram selecionados seis jovens, tendo por critério idade,


sexo, série que se encontram matriculados e número de evasões. A seleção
destes jovens deu-se, prioritariamente, pelo sexo, por acreditar que os
aspectos familiares e sociais que permeiam a vida dos jovens diferenciam-se
neste quesito. Um desses jovens, do sexo masculino, com 29 anos de idade,
cursando a 3ª série, recusou-se a ser entrevistado alegando ter um passado
obscuro que não lhe permitia ser revelado. Houve, também, um segundo caso,
91

uma jovem de 22 anos – 2ª série, que justificou naquele momento não estar
disponível para encontros fora da escola, pois se encontrava com o filho
adoentado e não sabia exatamente se freqüentaria a escola nos dias que
seguiriam a essa nossa conversa. Ela julgou mais prudente não confirmar sua
participação, mas afirmou que o faria se, após alguns dias, eu novamente a
procurasse e ela se encontrasse em condições mais favoráveis para tal.
Os demais prontamente aceitaram prestar depoimentos sobre suas
trajetórias escolares, familiares, sociais e profissionais, apresentando, inclusive,
interesse especial nesse sentido, como se fosse aquele um momento único
para relatar suas experiências de vida. Não houve, portanto, necessidade
alguma de insistir junto deles nesse intuito.
Resolvi iniciar as entrevistas com esses quatro jovens, deixando, dessa
forma, outros dois para o final das mesmas. Todavia, depois de realizadas as
quatro entrevistas, duas com jovens do sexo masculino e duas com o sexo
oposto e, com um número acentuado de informações, julguei ter material
suficiente para proceder às posteriores análises.
Os quatro alunos selecionados, doravante tratados por Célia, Elisa,
Odair e Marcelo4, com idades que variam entre os 19 e 29 anos e distribuídos
aleatoriamente pelas três séries, vêm apresentando contínuas ausências,
conforme notificado pelo corpo docente da escola, de forma que há
probabilidade de não concluírem as séries em que se encontram matriculados.
Segue abaixo um quadro síntese do perfil de cada um deles.

Quadro 2

Perfil dos alunos selecionados para a entrevista

Instrução Série/ Qtde. Qtde.


Sexo Idade Estado Civil
Pai/Mãe Per. Repr. Ab.
Célia Fem. 21 solteira Fund/Fund 1ª/Not 02 04
Elisa Fem. 29 divorciada Fund/Fund 1ª/Not 02 11
Odair Masc. 21 solteiro Fund/Sup 1ª/Not 02 04
Marcelo Masc. 22 Solteiro Fund/Fund 3ª/Not 02 02

4
Nomes fictícios.
92

Coincidentemente, todos os quatro sujeitos residem em bairros distantes


da escola e este foi o motivo que os levou a aceitarem meu convite para serem
entrevistados em minha residência, nos finais de semana, pois trabalham e não
havia a possibilidade de serem realizadas em dias úteis, mesmo tendo sido
aberta a oportunidade de ocorrerem na escola. Apenas uma jovem preferiu ser
entrevistada no interior da escola.

2.3.3. As educadoras

Quanto ao corpo docente, duas professoras atenderam ao meu convite


para serem entrevistadas. Se, porventura, eu necessitasse que todos os
demais professores participassem desta pesquisa, acredito que não teria
problemas nesse sentido, pois trabalhamos juntos há alguns anos, e o
relacionamento entre nós, isto é, entre o grupo, é muito bom. Dessa forma, o
único parâmetro na escolha dessas profissionais foi o fato de ambas
lecionarem para os alunos desta pesquisa, embora em nenhum momento eu
tivesse mencionado o nome de alguns deles, pois havia a necessidade de
assegurar a privacidade de seus relatos.
Por uma questão ética manterei em sigilo o nome das professoras,
identificando-as a partir de agora por nomes fictícios (Dalva e Claudia), cujas
características seguem no quadro abaixo:

Quadro 3

Perfil das professoras

Horas
Nome Sexo Idade Est. Civil Formação Nº de escolas
trabalho dia
Dalva Fem. 35 Solteira Superior 08 02
Claudia Fem. 39 Casada Mestrado 14 02

A professora Dalva leciona apenas duas noites nesta escola, pois sua
carga horária concentra-se no período diurno. As demais noites ela leciona
93

numa outra escola também estadual na cidade de Osasco. O caso de Claudia


é semelhante, pois no período matutino ela ministra suas aulas numa escola
particular, também nesta cidade e, dessa forma ela divide o período tarde e
noite na E. E. Professor Vicente Peixoto, em dias alternados. Nosso encontro
ocorreu, portanto, num desses intervalos e, obviamente, com tempo
determinado.
A E. E. Professor Vicente Peixoto conta, no momento, com duas
coordenadoras pedagógicas que atuam em horários distintos, mais
precisamente uma para o período diurno e outra para o noturno. Consonante
ao objetivo deste trabalho, destinei tão somente à coordenadora do noturno,
primeiramente, um questionário dirigido (Anexo 5), de forma a obter
informações acerca de possíveis estratégias empreendidas no interior da
escola de readaptação de alunos com histórico de evasões e sucessivos
retornos. Contudo, as respostas aferidas neste questionário não contemplavam
o objetivo deste trabalho. Fez-se, portanto, necessária, num segundo
momento, a aplicação de entrevista dirigida (Anexo 6), de forma a especificar
as singularidades da sua atuação pedagógica.
Segue abaixo, quadro específico de suas características:

Quadro 4

Perfil da coordenadora pedagógica

Est. Horas Nº de
Nome Sexo Idade Formação
Civil trabalho dia escolas
Gilda Fem. 38 Casada Pós-Graduação 14 02

A coordenadora pedagógica Gilda5 encontra-se nesta função há pouco


tempo, aproximadamente 06 meses, visto que tem atuado nos últimos anos
como professora efetiva de Educação Física, atividade que ainda desempenha
em uma escola da rede municipal de São Paulo. Para tanto, ela tem uma carga

5
Nome fictício.
94

horária de aproximadamente 14h aulas semanais. Segundo a mesma, tem sido


difícil conciliar ambas as atividades, haja vista ser a primeira vez que ocupa um
cargo mais próximo da Direção e necessitar de inúmeras leituras que atendam
a esta função, além dos eventuais “contratempos” como ela assim definiu, que
permeiam o cotidiano escolar e constantemente exigem dela uma iniciativa.

2.4. As entrevistas

Em relação aos sujeitos envolvidos na questão das evasões e retornos


reiterativos, este projeto de pesquisa contou com um conjunto de depoimentos
que permitiram estabelecer nexos entre a construção das identidades dos
sujeitos, objetos desta pesquisa, a partir da trajetória escolar, familiar, social e
profissional de cada um. Estes depoimentos foram relevantes também para a
compreensão dos aspectos que os levaram a percorrer esta escolarização
acidentada, enquanto jovens que, por vezes, tiveram de deixar e retornar ao
âmbito escolar.
Num primeiro momento, pretendeu-se que a coleta de dados fosse
efetivada por meio de entrevista semi-estruturada, procurando minimizar o que
Bourdieu (1999) classificou de intrusão sempre um pouco arbitrária no intuito
de reduzir ao máximo a violência simbólica que geralmente pode ser exercida
através dos efeitos de uma entrevista. Para tanto, procurou-se instaurar uma
relação entre o pesquisador e o pesquisado de escuta ativa e metódica, na
apreensão de singularidades da história oral de cada jovem que pudesse
conduzir a adoção de seus pontos de vistas, seus sentimentos e perspectivas.
Em relação ao corpo docente, a metodologia deveria ser a mesma, de
forma a apreender as perspectivas de explicação que têm sobre essas evasões
e retornos e os procedimentos que utilizam para enfrentar essas situações.
À coordenação pedagógica foi aplicada entrevista estruturada que
pretendia obter informações quanto às ações institucionalizadas empreendidas
junto ao corpo docente e educandos.
Dessa forma, foram utilizados os seguintes instrumentos:
95

1. Entrevistas semi-estruturadas com os alunos, com o objetivo de


levantar as razões que os levaram a percorrer essas trajetórias
acidentadas;
2. Entrevistas semi-estruturadas com corpo docente para verificar se
existem e quais são ações empreendidas no sentido de prevenir ou
de corrigir essas constantes evasões e retornos; e
3. Entrevista estruturada com a coordenação pedagógica para verificar
se existem ações institucionalizadas neste sentido e de que forma
elas procedem.

2.4.1. Entrevistas semi-estruturadas – alunos

Cada um dos quatro alunos previamente selecionados aceitou sem


problemas ser entrevistado e dessa forma colaborar com esse projeto de
pesquisa. A partir dessas quatro entrevistas, as quais foram devidamente
gravadas em áudio e posteriormente transcritas, analisá-las-ei de forma a
proceder minhas reflexões e considerações finais com base no referencial
teórico proposto neste trabalho, no próximo capítulo.
Na transcrição, estive atenta às singularidades da linguagem oral, como
pausas, indagações, interjeições e demais peculiaridades. Embora o roteiro
para estas entrevistas semi-estruturadas (Anexo 3) tivesse uma ordem
preestabelecida quanto ao que se esperava do alunado, como sua trajetória
educacional, seu ambiente familiar e suas condições sociais, a entrevista
ocorreu em forma de depoimentos cujos temas específicos, muitas vezes, iam
e vinham no tempo, resgatando fatos e eventuais lembranças que lhe pareciam
importantes naquele momento. Como pesquisadora, tentei, na medida do
possível, acompanhar esse raciocínio e interferir o quanto menos nas suas
colocações.
Foi sob esta perspectiva que, na medida em que ele evoluía em seu
discurso, busquei retirar informações que melhor atendessem a essa proposta
de investigação.
96

2.4.2. Entrevistas semi-estruturadas – corpo docente

Com o objetivo de compreender os fatores intra-escolares que permeiam


essa situação posta em destaque nesta pesquisa, decidi por entrevistar dois
dos professores que compõem o corpo docente da referida escola. A escolha
pelas entrevistas semi-estruturadas, nos mesmos moldes das aplicadas aos
alunos, deu-se pelo fato de que o intuito era muito mais em resgatar as
peculiaridades do cotidiano deste professor, que é quem mais próximo está
destes alunos com defasagem idade e série em classes e ou turmas regulares,
do que exatamente destinar a eles perguntas objetivas sobre o funcionamento
da escola ou estrutura do ensino.
Para tanto, os objetivos eram os de conhecer esse aluno dentro e fora
da escola, por meio de seus professores, bem como a sua atuação pedagógica
frente a este processo de evasão escolar. O roteiro da entrevista, conforme
Anexo 4, possibilitou-me estabelecer junto a eles um breve mas significativo
diálogo no que concerne a compreensão da relação professor-aluno em sala
de aula.

2.4.3. Questionário e entrevista estruturada – coordenação pedagógica

Contrariamente aos sujeitos mencionados anteriormente, os dados junto


à coordenadora pedagógica foram inicialmente coletados por meio de um
questionário, já que o objetivo era o de coletar dados no sentido de saber se
existem ou não ações mediadoras de readaptação ao meio escolar que
atendam a esta clientela descrita neste projeto.
Nesse sentido, apliquei um questionário (Anexo 5) com perguntas
objetivas que me foi devolvido, devidamente preenchido, horas depois.
Entretanto, este documento não contemplava, na íntegra, respostas às
informações solicitadas. Talvez, conforme já mencionado no capítulo I, as
atribulações do cotidiano escolar não lhe tivesse permitido responder com mais
detalhes ao questionamento proposto. Foi, com base nessa hipótese, que voltei
97

a conversar com a professora coordenadora explicitando os objetivos deste


trabalho. Ela mostrou interesse em rever os questionamentos, o que permitiu a
realização de uma entrevista dirigida.
É, portanto, com o resultado desta entrevista dirigida, bem como a
partir dos depoimentos dos professores e alunos que pretendo analisar a
trajetória acidentada dos jovens sujeitos desta pesquisa, objeto do capítulo
seguinte.
98

CAPÍTULO III

DESTINOS DIFERENTES PARA PERCURSOS ESCOLARES


SEMELHANTES

O maior problema de toda arte é produzir


por meio de aparências a ilusão de uma
realidade mais grandiosa.
(Goethe)

Após a apresentação dos procedimentos utilizados e da caracterização


dos alunos com trajetórias escolares acidentadas no Ensino Médio da E. E.
Vicente Peixoto, este capítulo tem por objetivo analisar as informações obtidas
por meio das entrevistas com os quatro sujeitos selecionados.
Nesse sentido, além das entrevistas propriamente realizadas, julgo
importante retomar o momento em que a eles, alunos e professores, esclareci
a finalidade da pesquisa.
Ao aluno, expliquei que ele representava naquele momento muitos
outros jovens na mesma situação: defasagem idade e série, cursando o regular
noturno e propenso, em alguns casos, a uma possível retenção reiterativa. Em
princípio, todos me pareceram acreditar na possibilidade de que “a nossa
entrevista” poderia ser um passo importante para que situações semelhantes
não mais ocorressem. Que, talvez, o “seu problema” não mais pudesse ser
equacionado, mas para outros que viessem a tê-lo, no futuro, fosse válido.
Uma segunda constatação que me parece interessante enfatizar é o fato
deles não entenderem exatamente o que a reconstituição de suas trajetórias de
vida têm em comum com a real situação em que se encontram. A escola, para
eles, é algo “a parte”, ou melhor, nada tem a ver com o que acontece “lá fora”,
com o seu meio social e familiar. Esse juízo de valores ficou evidente nas
quatro entrevistas. Mas, o fator mais contundente das entrevistas foi a fala
carregada de emoção que eles apresentaram ao despertarem para lembranças
remotas, para fatos que visivelmente marcaram suas vidas.
99

Em relação ao professor, o tema desta pesquisa foi prontamente


compreendido, muito embora, por meio de suas falas, como constataremos
adiante, eles tenham admitido que não conseguiam enxergar a relevância da
pesquisa, na medida em que eles eram uma minoria e que fossem inúmeros os
problemas diários que envolviam os alunos que seguiam regularmente o curso.
Eles realçaram também que têm orgulho da profissão de docente,
sabem exatamente qual é o seu papel, mas estão vivenciando um longo
período de apreensões, sentindo-se descaracterizados, não sabendo ao certo
o que o aluno quer ou espera deles. Essa perspectiva parece ser ainda maior
quando se trata dos alunos desta pesquisa.
Entretanto, essas são apenas prévias constatações. A construção do
perfil dos sujeitos desta pesquisa terá como referência as histórias narradas ao
longo da entrevista e apresentadas a seguir. Como o critério de seleção
pautou-se primeiramente na questão de gênero, destacarei a trajetória dos
jovens do sexo masculino, organizando-as em trajetórias familiares, escolares,
profissionais e sociais.

3.1. Os rapazes

Enquanto o primeiro a ser entrevistado – Odair – se revelou dinâmico e


espontâneo, o segundo – Marcelo, é tímido e cauteloso.

3.1.1. A trajetória de Odair

Sempre fui tagarela com todo mundo, com meus


pais, meus tios e amigos, acho que já vim tagarela de
fábrica, já vim com motorzinho...
(Odair)

Com 21 anos, Odair se diz extremamente falante, qualidade que o


acompanha desde a infância, embora esta, segundo ele, tenha durado até os
17 anos, quando costumava brincar com os muitos amigos e primos. A rua
sempre foi seu espaço predileto, como ele afirma:
100

Lá as brincadeiras são de moleque mesmo, diferente do vídeo game, dentro de


casa.

3.1.1.1. Sua trajetória familiar

A família de Odair é numerosa. Quando criança morava com outras 09


pessoas – seus pais, duas irmãs, os avós paternos italianos, seus tios e primo
numa casa no centro da cidade de Osasco, local onde ainda reside. Seu avô foi
um dos primeiros a possuir uma vidraçaria na cidade de Osasco, o que faz com
que a família tenha um nome ainda hoje reconhecido, principalmente no meio
político.
O sonho de seus avós era o de ver os dois filhos formados, como
doutores. Esse sonho não foi realizado, pois ambos deixaram muito cedo a
escola. O pai de Odair estudou até a 7ª série, o que o levou a depender
financeiramente de seu avô durante toda sua trajetória de vida. Ele também
investiu na carreira de autônomo, mas não conseguiu atingir seu objetivo.
Segundo Odair, apesar de ser o avô quem sustentava a casa, e eles viviam em
“berço de ouro”, era a avó quem sempre dava a palavra final:

...é engraçado... na minha família sempre foram as mães que deram influência,
o pai sempre critica, mas as nonas sempre fazem os nonos ajudarem os filhos
deles.

Dessa forma, o avô sempre supriu todas as necessidades da família, de


forma que Odair tinha brinquedos bons e caros, instituição privada na pré-
escola e eram muitos os passeios com a família, para shoppings, cinemas ou
mesmo viagens nos meses de férias. Portanto, uma infância boa. Seu avô tinha
o hábito de trazer jornais para casa e Odair acostumou-se a folheá-los, e com
suas próprias palavras:

O jornal passava de mão em mão, de princípio eu fazia os quadrinhos e


depois eu fui me acostumando a ler o resto do jornal [...] Já o meu pai sempre
101

gostou de livros de natureza, que conta a história do país... [...] Minha mãe
gosta de romances, principalmente da Agatha Christie, mas eu prefiro o jornal...

Cresceu, e seu pai quis então que Odair se formasse doutor para
realizar o sonho de seus pais:

Todos participavam da minha educação, e era rígida, apanhava quando


fazia molecagem na escola! E isso era só comigo, com minhas irmãs era
diferente!

No entanto, por ser “muito agitado” ou “muito elétrico” na escola, ele


passou a levar advertências para casa, seguidas de sucessivas suspensões.
Apanhava do pai a contragosto da mãe, que escondia, sempre que possível,
suas travessuras: Ela sempre foi minha cúmplice nessa parte! O avô chegava
mesmo a chantageá-lo com promessas de recompensas, caso ele se
modificasse. Era tudo em vão. Ocorria que acabava por perder o ano escolar.
Na adolescência ele não só presenciou várias discussões entre seu pai
e seu avô por causa de dinheiro, como também fez parte de muitas delas.
Motivo: seu pai queria vê-lo trabalhando:

Eu vou te botar pra fora, você já é homem, então se vira, vai ter que
andar com as suas próprias pernas... Não é só por causa do dinheiro, nem
precisa dar dinheiro em casa, é pra ter dignidade, mais nada.

Quanto ao seu avô, Odair diz que se referia a ambos, como um bom
italiano: Vagabundo pra cá, vagabundo pra lá... – Era uma maravilha!
Embora seu avô hoje esteja morando em outra cidade e ainda sustente
sua família, Odair entende que as muitas brigas entre seu pai e ele prende-se
ao fato do medo que ele tem que seu filho venha a ser igual a ele. Sua mãe
terminaria o ensino superior no ano em que os dados foram coletados e já
ajuda nas despesas há algum tempo, trabalhando como inspetora de alunos
numa escola municipal em Osasco. Odair diz que não pretende viver nas
102

costas do pai toda uma vida, como ele fez com seu avô e acrescenta: Vou
vencer por orgulho mesmo, pra mostrar pro meu pai e sei que vou conseguir!

3.1.1.2. Sua trajetória escolar

Odair iniciou os estudos na pré-escola – colégio privado – que hoje não


mais existe. Diz guardar boas recordações dessa escola, por ter ido ao Museu
do Ipiranga com seis anos e lembrar-se ainda do passeio. De 1ª a 4ª série
estudou na escola pública estadual E. E. Professor Vicente Peixoto. Na 4ª série
mudou-se para outra escola pública estadual do bairro – Vila Osasco – mas,
retornou a esta no mesmo ano. Diz que, além da proximidade com sua
residência, ele sempre gostou desta escola e não mais a deixou. Diz gostar
demais das professoras e de todos os alunos, pois se relacionava bem com
todos e costumava acompanhar os passeios extraclasse para parques de
diversão.
Ele não se lembra de ocorrências de violência entre os alunos naquela
época, diferente do que ocorre agora. Eram brigas casuais sem maiores
conseqüências. Hoje, para ele, as coisas pioraram nesse sentido, os jovens
estão mais agressivos e os professores já não são tão rígidos quanto eram no
passado. Ele recorda-se de ter levado reguada na mão e os pais apoiaram a
professora, inclusive punindo-o em casa após o fato. Hoje, para ele, tudo
mudou, e isto não é um bom sinal.
O período de 5ª a 8ª série foi marcado por muitas dificuldades de
aprendizagem. Ele afirma ter sido um garoto tagarela e arteiro, o que resultou
em inúmeras convocações de seus pais, por parte de seus professores e
mesmo numa retenção na 8ª série:

Eu não conseguia parar quieto, mexia com um e outro, não prestava


atenção às aulas... não era por vontade minha, era meu jeito mesmo...

Diz ter sido advertido e suspenso diversas vezes. Para ele, a escola era
um lugar de lazer e não necessariamente pra estudar. Em 2002, ele iniciou o
103

Ensino Médio também nesta escola, no período noturno, por motivo de


trabalho. Em função desse emprego – na JUCO6 – ele obteve rendimento
satisfatório na escola, algo não comum até então, mas desistiu de estudar por
acumular faltas e sentir-se cansado.
No ano seguinte, matriculou-se no noturno novamente. Entretanto, a
baderna e a impunidade que ocorria nesse período fez com que se
transferisse para o diurno, mas o resultado não foi positivo como seus pais
esperavam. Ele, por influência dos novos amigos, iniciou sua participação no
movimento punk e, por permanecer até altas horas acordado, não conseguia
levantar cedo para ir à escola e acabou sendo retido por número excessivo de
ausências.
Segundo Odair, ele nunca procurou a escola para justificar tais
ausências nem tampouco os responsáveis pela escola o fizeram. Em sua
opinião, a escola não entra em contato porque ela não tem interesse algum em
recuperar “esse tipo de aluno”.
Mas, acrescenta que

hoje em dia esta escola é uma das escolas que é a melhor que tem na cidade
de Osasco ou mesmo do Estado, acho que é por isso que a gente tem que ter
essa seleção legal dentro da escola. Então eu nunca tive nenhum tipo de
recuperação não.

E é por isso que, em 2004, ele resolveu voltar. Odair diz que ao iniciar o
ano suas intenções eram as melhores, ou seja, concluir a 1ª série do Ensino
Médio. Neste ano, a escola promoveu um festival estudantil e, ao participar,
descobriu o interesse pelo teatro.
Por isso, iniciou aulas de dramaturgia numa Cia. de teatro na cidade de
São Paulo, chamada Teatro Mágico e, segundo ele: já não encontro mais tempo
para a escola, fui desistindo de freqüentar e acabei evadido.

6
JUCO – Juventude Cívica de Osasco – Agente de Integração Empresa-Escola, fundada em
26 de abril de 1962, tem como objetivos a Educação, Disciplina, Civismo e Iniciação ao
aprendizado profissional de adolescentes da cidade de Osasco, na faixa etária de 14 a 17 anos
e que estejam cursando o ensino médio.
104

Nos anos de 2005 e 2006 ele desistiu totalmente de estudar. Somente


agora em 2007, se sentiu inclinado a retomar, afirmando que quer se formar
porque pretende fazer faculdade um dia. Acredita que os conhecimentos
adquiridos na escola podem ajudá-lo a ter uma boa carreira, principalmente na
política, seu objetivo maior. Contudo, diz que atualmente se é possível
encontrar no mercado quem faça por ele aquilo que sozinho não puder
desempenhar, e cita o Presidente da República como referência.
Mas, se puder fazer tudo de próprio punho, sentir-se-á melhor. Por isso
ele não acredita em cursos rápidos, como supletivo ou eliminação de matérias,
e diz:

Se a educação pública já é ruim, imagina se eu faço um supletivo? E


acrescenta: se eu pego um diploma desses não vai valer de nada e se me
perguntarem algo vou passar vergonha e por burro.

Portanto, Odair não acredita que qualquer diploma de Ensino Médio seja
garantia de bom emprego, mas que o que poderia auxiliar seria a freqüência a
uma boa escola, além de valorizar bons relacionamentos sociais:

Há muita gente com diploma e sem emprego como também muitos


jovens prestando concurso público apenas para se garantir e este não é o meu
caso.

Neste ano de 2007, o jovem diz ter poucas ausências porque só


conseguiu a vaga após muita insistência e foi advertido de que, se reprovado
novamente ou evadir-se, não mais estudará nesta escola. Odair diz que apesar
das dificuldades de assimilação em diversas disciplinas, porque precisa
reaprender quase tudo, ele está tentando superar os problemas e pretende
terminar o ano satisfatoriamente, porque, segundo ele:

Se eu acabar ficando retido eu sei que o ano que vem eu não continuo
dentro da escola, né? Isso aí é uma coisa que já foi passada pra mim no
começo do ano pelo próprio diretor e é uma das minhas consciências, a gente
sabe que... por isso que também eu estou me dedicando, eu to... sabe, eu não
105

me vejo em outra escola, se eu sair dali e for tentar estudar em outra escola
não vou desenvolver, sei que vou acabar tendo desistência de novo... é como
se fosse a minha vida ali, ela quase inteira está dentro desta escola.

Além do que, ele não se importa com o tempo do curso, e questiona: se


eu posso terminar em três anos, por que um ano e meio? Não lhe custa nada
terminar no tempo correto, como todo mundo. Só vai demorar um pouco mais...
Como diz seu avô: quanto mais tempo você tiver de vida, mais coisas você vai
aprender e acho que é a mesma coisa com a educação.

3.1.1.3. Sua trajetória profissional

O primeiro emprego de Odair ocorreu aos 16 anos de idade ao efetuar


um teste de conhecimentos básicos de nível Fundamental na JUCO – Agente
de Integração Empresa Escola. Após a aprovação, foi admitido e solicitado a
trabalhar em Jandira, cidade que fica aproximadamente 15 km de Osasco.
Odair diz que saía cedo e retornava quase no início do horário das aulas
noturnas. Sentia-se sempre cansado e freqüentemente perdia ora as primeiras
aulas ora todas elas, motivo este que o levou a abandonar a 1ª série do Ensino
Médio. Contudo, logo em seguida, desistiu também desse emprego.
Nessa época, ele foi indicado por uma ex-vocalista do grupo Axé Blonde
a freqüentar um curso de teatro para obter aulas de interpretação no palco,
pois ela o considerava um bom cantor.
Mas Odair afirma que:

Foi onde eu acabei indo fazer teatro realmente e ter aulas de teatro e...
gostando mais do teatro do que da música. Acabei subindo no palco na cidade
de Osasco, como amador, mas como ator e acabei pegando o gosto e hoje eu
quero que o teatro faça parte da cultura da vida dos meus filhos [...] É uma
coisa bem gostosa de se ver: o ator ali na frente. O teatro é mágico, porque
você vive a história e você está dentro da história também. É diferente daquela
coisa mecanizada da televisão.
106

A atuação como ator amador, é claro, não incluía remuneração e, no ano


seguinte, ele participou também do Festival Estudantil incentivado pela escola,
lembrança que jamais esquecerá, segundo ele.
No período que ficou distante dos bancos escolares, Odair diz que sentiu
a necessidade de procurar alguma coisa mais profissional, por conta da idade e
decidiu então conhecer mais sobre o meio político:

Me filiei a um partido político na cidade de Osasco, que é o PSDB, daí


eu comecei a desenvolver trabalho voluntário, não era remunerado, para
aprender um pouco a mexer com a política, ficar um pouco mais politizado, e
isso fora o teatro que eu ainda estava um tanto envolvido nessa época. [...] Eu
tive duas influências políticas: a primeira foi a JUCO, porque a gente tinha
aulas com políticos e acabou me interessando e a outra foi meu pai, por nós
sermos uma família meio antiga na cidade.

Odair diz que nessa época estava na idade de prestação de serviço


militar, o que dificultava arrumar emprego, embora seu pai insistisse nessa
condição. Contudo, ele não se deixava levar pelas pressões dentro de casa:

Trabalhar eu sempre gostei, mas eu sou um pouco exigente em relação


a serviço, a gente tem que trabalhar naquilo que gosta, pra desenvolver um
trabalho bom.

E acrescenta: eu não me vejo nem doutor, nem advogado, nem médico... não
é a minha cara! Mas, como ele diz: pra ganhar um dinheirinho por minha própria
conta... passou a fazer curso de informática e a mexer com manutenção de
computadores.
Em seguida, por intermédio de um antigo amigo de escola foi admitido
numa firma comercial – contabilidade e administração imobiliária, como office-
boy. Em três meses, foi promovido a auxiliar administrativo, mas não
permaneceu por muito tempo, pois não era exatamente o que ele gostava de
fazer e, segundo ele, pediu pra sair. Nas suas próprias palavras:
107

Todo mundo leva umas patadas na vida, mas as que eu tomei não
foram por causa de estudo, foi por causa, eu acho, do meu temperamento, do
meu jeito de ser; se eu vejo que o que estou fazendo não me agrada, eu já
relaxo e digo pro dono da empresa e peço pra sair. Tem gente que não muda,
eu nunca tive esse problema não.

Sua preferência mesmo é a política:

Eu nunca quis trabalhar na política para ganhar alguma coisa, eu


sempre estive no meio para aprender e pra ter uma noção do que a gente faz.
Já chegaram pra mim em época de campanhas e disseram: se você quiser eu
tenho um cargo pra você, e eu disse pra eles: não, eu to aqui pra aprender, não
pra ter cargo político de confiança, to aqui pra aproveitar...

Hoje, Odair atua como assessor de um nome conhecido na cidade de


Osasco, e pretende sair candidato a vereador nas próximas eleições.

3.1.1.4. Sua trajetória social

Dentre os muitos amigos que Odair fez na infância, dois se destacaram


e o acompanham até os dias de hoje, considerados por ele como irmãos.
Coincidência ou não, eles têm uma trajetória escolar semelhante e, conforme
Odair: nós éramos terríveis.
Um deles mora atualmente no Paraná e mantém contato principalmente
por e-mails. Cursa também a 1ª série do Ensino Médio, e conta com a mesma
idade. O outro mora em Osasco, sendo ele que o indicou para a vaga de office-
boy numa empresa de Contabilidade e Administração Imobiliária. Este último já
terminou os estudos de nível médio, embora conste também no seu histórico
escolar algumas evasões que coincidem com os dois primeiros.
Quando, aos 16 anos, Odair iniciou sua participação no movimento punk
– época em que ele próprio afirma “quando eu tive uma época mais rebelde...” – os
outros dois jovens eram seus companheiros inseparáveis. Costumavam
freqüentar a praça principal da cidade até altas horas da noite:
108

Por causa do corte de cabelo moicano, das roupas que usávamos, os


vizinhos começaram a falar que eu tava usando drogas, que tava maloqueiro,
que tava roubando e isso e aquilo... A gente gostava de sair, de se divertir,
beber, apesar de que hoje não sou mais fã de bebida alcoólica, a gente bebia
pra caramba, jogava baralho, zoava, ouvia música, mas era essa a nossa
diversão...

Mas, segundo ele, foi uma fase passageira. Tempos depois, sua
diversão maior tornou-se o teatro, seguido do cinema, cujos filmes de comédia
são até hoje os que mais gosta. Tentou montar uma banda de rock, mas
desistiu logo que percebeu sua inclinação pelo teatro.
O fato de ser extrovertido o faz crer que se relaciona bem com todos ao
seu redor, inclusive com professores e demais funcionários da escola, mesmo
deixando-os “loucos” com suas traquinagens.
Segundo ele, seu pai é a pessoa mais difícil de se relacionar, porque ele
sempre deu mais ouvidos para o que os outros falam do que para mim mesmo. E,
embora seu avô seja, como ele diz: “italiano difícil de lidar”, sempre achou mais
simples conversar com ele, pois acredita que seu avô confia nele e seu pai,
não. Foi inclusive a influência de seu avô no seu meio social que tem facilitado
sua investida política nos últimos anos.
Odair conta, inclusive, com um terceiro amigo do tempo de infância que
está terminando a faculdade de publicidade e propaganda para fazer seu
marketing na próxima campanha eleitoral.
De toda a trajetória deste jovem, pode-se retirar as seguintes
conseqüências:

• Sendo Odair de origem de meio social com relativas posses, ele não
aparenta preocupação com sua subsistência, mesmo com 21 anos de
idade; todavia, apesar de não valorizar a questão econômica, não
percebe que o que garantiu a sua trajetória foi exatamente as condições
financeiras de seu avô, isto é, suas possibilidades de inserção social
estão muito mais calçadas no capital econômico de sua família (com
base nas atividades comerciais do avô), do que no capital cultural;
109

• Quando o jovem se refere à escola, se volta freqüentemente para a


questão do seu baixo rendimento e dos problemas que apresentava,
mas não consegue ver nela outro espaço: seu gosto pelo teatro iniciou-
se em atividades escolares, mas ele parece não dar importância a isso.
A sua “vocação” entre o teatro e a política parece refletir muito mais uma
forma de inserção social compatível com sua origem que não
dependeria de sua escolarização, o que o faz rejeitar, em princípio,
qualquer expectativa em relação a uma profissão que necessite de um
nível mais elevado de escolarização; enfim, apesar de possuir uma
trajetória escolar marcada por insucessos e de dificuldades, a sua
inserção social se apóia muito mais nas condições sociais da família,
definidas por Bourdieu (1998) como uma rede de ligações orientadas
para a transformação de relações contingentes, como as relações de
vizinhança, de trabalho e mesmo de parentesco;

• Apesar de Odair não ter concluído sequer o nível escolar imediatamente


superior à escolarização obrigatória, temos que considerar que em
países com índices baixos de qualidade de ensino e de nível de
escolarização da população como o Brasil, as conseqüências de uma
escolarização insatisfatória se abatem mais dramaticamente sobre
aqueles que, diferentemente de Odair, dela dependeriam
exclusivamente para ampliar a possibilidade de um destino social
diferente do de sua origem.

3.1.2. A trajetória de Marcelo

Com 17 anos é uma coisa e com 22 é outra, mas


ainda assim os amigos influenciam, seja para o bem
ou para o mal.
(Marcelo)
110

Com 22 anos, Marcelo se diz muito tímido, sente dificuldades em fazer


novas amizades e se expor em público. Embora nunca tenha entendido por
que seu pai, por inúmeras vezes, tenha feito sua mãe sofrer e precisar da ajuda
de terceiros para interceder por ela, ele não se sente à vontade para questioná-
lo a respeito, e afirma: prefiro pensar que tudo ficou para trás, é passado e quero
mesmo esquecer.

3.1.2.1. Sua trajetória familiar

A família de Marcelo é composta de 05 pessoas, sendo seu pai, mãe,


um irmão mais velho com apenas 09 meses de diferença, e uma irmã caçula
com 18 anos, considerada especial por possuir a idade mental de
aproximadamente 13 anos.
A família de seu pai é toda de São Paulo, capital, exceto seu avô
paterno, que mora no Paraná, ao passo que a da sua mãe é de Ribeirão Preto,
interior de São Paulo. Toda a sua história de infância e início da adolescência é
marcada pelo vício da bebida que acompanhou seu pai até aproximadamente
08 anos atrás.

Eu e meu irmão presenciamos diversas brigas feias dos meus pais,


eram agressões verbais e físicas, brigas muito sérias [...] Ele sempre tava
bêbado, mas quando passava, sentava e ficava pedindo desculpas pra gente.

Seu pai, ao casar-se, já era alcoólatra e sua mãe, ao que parece,


sempre teve essa consciência, na medida em que o jovem argumenta que ela
o acompanhou sempre e na maioria das vezes calada. Apesar do vício, ele
sempre trabalhou, mas a bebida acabava sempre atrapalhando a profissão dele. A
bebida não deixava ele parar em emprego nenhum.
Quando pequeno, Marcelo morou na casa de seu avô paterno no
Paraná, a gente morou na casa do meu avô durante 01 ano e 07 meses mais ou
menos. Seu avô foi proprietário de vários lotes de terra, mas depois do
falecimento precoce de sua avó (doença de chagas), ele vendeu as terras e
111

passou a viver de rendas. O avô apenas cedia espaço em uma das suas
casas, mas não contribuía com qualquer ajuda financeira, embora tivesse
condições para isso – ele era meio muquirana – sempre alegando que seu filho
deveria por um final ao vício.
Seu pai tinha Ensino Fundamental completo, e o jovem acredita que ele
tenha feito algum curso profissionalizante de usineiro e torneiro mecânico, pois
sempre teve conhecimento nesse assunto. Arrumava emprego com facilidade,
mas não ficava muito tempo devido à bebida. Por diversas vezes mudou de
cidade para recomeçar a vida, o que significava morar por vezes em Ribeirão
Preto, outras no Paraná e São Paulo.
Quando ele estava sóbrio era gentil para com todos, desculpava-se com
seus filhos e nunca tocou em nenhum deles. Por um longo tempo seu pai atuou
na lavoura, como trabalhador rural, pois não conseguia admissão nas fábricas
no interior paulista, nem mesmo no Paraná.
A família de sua mãe era bastante humilde e seus parentes moravam
todos no interior. Ela cursou somente até a 5ª série do Ensino Fundamental e
não contava com eles para qualquer tipo de ajuda e também não intervinha nas
decisões do marido, pois ele era o centro das atenções na família, pois mesmo
sendo alcoólatra, todos o respeitavam.
Quando a situação da família ficava seriamente comprometida, Marcelo
diz que

ela fazia bicos para ajudar, trabalhando em casa de família de empregada,


cuidando de crianças ou mesmo trabalhando na lavoura, lá no Paraná. Às
vezes, ela vendia objetos pessoais para comprar alimentos quando dormíamos
na casa de parentes e não tínhamos nada pra comer.

Eles moraram por diversas vezes em casa de parentes, “de favor”, por
isso não ficavam muito tempo em um mesmo local. Com essas idas e vindas,
os filhos mais velhos acabavam por perder o ano letivo escolar e a filha menor
demorou a entrar na escola.
112

Conforme o jovem, sua mãe nunca deu importância para a escola, mas
em compensação seu pai sempre considerou que a escola é tudo, que é só lá
que se aprenderia de verdade as coisas.
O jovem se recorda de que na infância, o pai gostava muito de gibis e
sempre que possível os trazia, de forma que eram lidos por ele e seus dois
filhos. Anos mais tarde, seria a leitura da página esportiva do jornal, trazido
diariamente por seu irmão e a Bíblia que substituiriam os gibis. Entretanto, ele
não se recorda de ter em casa revistas, livros paradidáticos e qualquer outro
material de leitura.
Mesmo a pedido da escola, só uma vez leu na íntegra uma adaptação
da obra “Os Lusíadas”. Diz que gostou, mas foi só essa vez, porque, em geral,
os livros “causam sono demais”, ponto de vista esse também compartilhado por
seu irmão.
Contudo, ele diz que seu pai sempre foi muito inteligente para aprender
as coisas, e quando ele se encontrava com 13 anos, morando de aluguel numa
casa de 02 cômodos, o dono da casa alugou um salão nos fundos para um
jovem abrir sua própria firma de comunicação visual.
Seu pai, que se encontrava desempregado, resolveu ajudá-lo: foi uma
mudança completamente radical na nossa vida.
Enfrentando dificuldades, em pouco tempo o rapaz desistiu do negócio e
seu pai, com o auxílio dos dois filhos, resolveu dar continuidade aos negócios,
recebendo apoio do proprietário, mesmo este sabendo que ele possuía o vício
do álcool.
Este estabelecimento foi montado inicialmente em Barueri e, a partir de
então ele não mais bebeu, ensinou aos filhos o que sabia, o que resultou em
bons resultados, tanto que até hoje eles se dedicam a esta atividade,
resolvendo transferi-lo para Osasco.

Eu acho que depois de muito tombo, muito tombo mesmo, meu pai
decidiu parar de beber. E foi sozinho, sem ajuda de ninguém, só da família que
pegava no pé dele direto.
113

Seu irmão mais velho formou-se no Ensino Médio numa escola da rede
pública estadual em Osasco e a irmã caçula, depois de passar por algumas
escolas particulares voltadas a crianças especiais e uma escola municipalizada
em Barueri, está agora fora da escola, pois não seu deu bem em nenhuma
escola estadual de Osasco.
Toda a família freqüentou por um tempo uma igreja evangélica, mas, no
momento da coleta de dados, somente a mãe ainda a freqüentava.
A família ainda mora em casa de aluguel, próxima ao estabelecimento, e
segundo Marcelo,

nossa vida mudou muito depois disso, é uma sensação de estabilidade, a casa
é maior e agora, pela primeira vez, temos um carro que é dividido entre os três
para as nossas necessidades.

3.1.2.2. Sua trajetória escolar

O jovem terminou o Ensino Fundamental com 16 anos, visto que sua


família deslocava-se de um lugar para outro e ele acabava perdendo o ano, ou
por falta de vagas, ou por não acompanhar os conteúdos. Estudou a maior
parte do tempo na cidade de Ribeirão Preto, mas concluiu esse nível de ensino
em Osasco.
Nesta idade, ele já morando em Barueri e seu pai não mais bebendo,
matriculou-se na 1ª série do Ensino Médio na Escola Estadual Pereira Barreto,
localizada na Lapa, no período noturno:

Eu não queria estudar em Osasco porque sempre achei que as escolas


daqui eram ruins.

Contudo, dependia de condução de Barueri para Lapa e na maioria das


vezes sabia que não chegaria a tempo na escola, pois freqüentemente havia
alguma encomenda que demandava que permanecesse até mais tarde no
serviço: não que meu pai mandasse, mas era questão de responsabilidade.
114

Portanto, estava quase sempre atrasado e suas faltas acumularam-se,


de forma que ele terminou este ano retido por notas e faltas. Nunca passou
pela sua cabeça conversar com alguém da escola para explicar o que estava
acontecendo e buscar alguma solução para o caso. E tampouco alguém da
escola procurou verificar as razões de suas faltas, nem mesmo os professores.
Marcelo freqüentou até o final do ano e depois descobriu que já estava
retido, embora diga que tinha esperanças de ser aprovado por se sair bem nas
matérias, mas isso não aconteceu.
No ano seguinte, ele retomou os estudos na mesma escola e conseguiu
ser aprovado, apesar de elevado número de faltas, mas que não atingiram o
limite permitido.
Embora longe do trabalho e da sua residência, preferiu permanecer
nesta escola, porque, segundo ele, a que havia mais próxima de sua casa era
a mesma que seu irmão estudou e passou, mesmo sem saber nada.
Seu irmão sempre brinca com ele, porque Marcelo ainda está estudando
enquanto ele já terminou faz tempo, só que na prática, ele diz que:

Eu levo vantagem sobre o meu irmão, tenho mais facilidade de


aprender e fazer as coisas, em qualquer tipo de serviço eu tenho mais
facilidade e não é porque o meu irmão não seja inteligente, é porque ele não
aprendeu nada mesmo. Eu me sinto mais vivido que ele.

A maior dificuldade do jovem ainda são as interações sociais, porque ele


afirma que, por vergonha, sente dificuldades em falar com outras pessoas, em
público, ressaltando, entretanto, que em escrita e cálculo é melhor do que o
irmão.
Se tiver que falar em público não sai nada, seminário na escola é um
pesadelo, pois começa a gaguejar e acha difícil perder essa dificuldade. Por
isso ele procura ficar bem longe de apresentações, sabe que não vai dar certo.
Mas, embora seu irmão já tenha terminado os estudos e a trajetória de ambos
seja a mesma, ele terminou, segundo o jovem,
115

porque ele foi para uma escola mais fraca e eu sempre preferi escola mais
forte, mesmo que repetisse, contrário do meu irmão que preferiu passar mesmo
sem saber nada. Matéria dada faz diferença. Meu irmão quase não entrava e
estava garantido, onde eu estudava não, ou eu ia mais ou menos ou não
passava. Ele não, 90% das aulas ele não ia e passava. Meu irmão sabia que
se fizesse uns trabalhinhos iria passar de qualquer jeito por isso ele ficou lá.

Por isso ele estudava na Lapa, disseram a ele que mesmo sendo o
ensino à noite, a escola era rígida e com qualidade de ensino. Ele diz que
sentia muitas dificuldades para aprender algumas matérias e tinha muita coisa
que ensinavam na escola que ele nunca tinha ouvido falar.
Como aluno, ele disse que nunca freqüentou a Diretoria de escola
nenhuma e nunca seus pais foram chamados também. Eu sou o tipo de aluno
que não dou problemas pros pais nem pra escola.
Na 2ª série, ainda na Lapa, ele foi novamente retido por faltas, mas diz
que o motivo foi bem diferente de antes:

No noturno, nesta escola, as pessoas tinham bem mais idade, quase


todos com mais de 19 anos e aí eu acabei me envolvendo com uma turma,
diversão, barzinhos, baladas e entrei por este caminho. Como eu era tímido,
tinha um amigo meu que me levava pra todos os lugares e eu não estava
acostumado e comecei a gostar. Esse rapaz morava perto da minha casa, às
vezes nós saíamos juntos de casa e quando chegávamos na escola o grupo já
chamava e todos saíam juntos. Naquela escola este hábito se tornou comum,
principalmente às sextas feiras, havia muita facilidade porque tinham muitos
barzinhos nas proximidades. Eu devo ter freqüentado umas 4 ou 5 sextas feiras
no ano.

De acordo com o Marcelo, ele era maior de idade, então eles não
chamavam os pais, às vezes falavam com os alunos, mas era raro isso
acontecer, e quando acontecia era o professor que falava, a Direção não
chamava mesmo.
O professor na hora da chamada falava das faltas mas era só, nunca
chegou a chamar fora da sala. E ele nunca dizia nada, só concordava com a
cabeça e ficava nisso.
116

Em casa os pais não sabiam de nada, acreditavam que ele estivesse na


escola porque voltava sempre na hora certa. Eles perguntavam se estava tudo
bem na escola mas nunca sobre as notas e nada disso:

Eles iam às reuniões só quando éramos pequenos, depois não mais.


[...] Eu tinha consciência das faltas e sabia que poderia ser retido de novo, mas
ainda acreditava... aquela esperança que todo aluno tem.

Por isso, nunca pensou em desistir em momento algum e, mesmo


suspeitando da retenção, continuava sempre até o fim. Ele se sentia perdido
em sala de aula, não sabia o que estava acontecendo e, como tinha amigos
nesta época, tinha que recorrer a eles pra dar uma força. Suas esperanças
estavam nos amigos, nas trocas, no que um poderia ajudar o outro. Mas
terminou por ser retido. Resolveu mudar de escola, pois acreditava que se
ficasse na Lapa não conseguiria passar nunca mais.
Inicialmente, ele e um amigo do bairro que tinha parado de estudar
foram se matricular numa escola que estava oferecendo supletivo em Osasco,
situada no centro.
No primeiro dia eles não entraram porque se assustaram com as
pessoas que freqüentavam a escola, e já do lado de fora viram que o ambiente
não era agradável, tinha muita gente mal encarada, fumando maconha, muito
diferente da turma que ele estava acostumado a sair. Não freqüentou um dia
sequer esta escola.
Foi quando uma amiga dele comentou sobre a escola Vicente Peixoto,
informando-o que ela tinha estudado lá e a escola era muito boa, mas que não
era supletivo, era regular.
Procurou a escola e, mesmo afirmando que teve muita dificuldade para
conseguir efetivá-la, conseguiu, neste mesmo ano, matricular-se no E. E.
Professor Vicente Peixoto.
Depois de cursar um ano, conseguiu ser aprovado, apesar de afirmar
que teve muitas dificuldades, que nem ele nem a escola tomaram qualquer
iniciativa em relação a essas dificuldades, mas que ele foi tentando e deu certo
117

porque passou, mas não foi fácil não. Nesta época, ele participou de uma feira
cultural e adorou fazer isso, afirmando que não apresentou nada, mas ajudou a
elaborar e foi bom, por que nunca tinha feito nada disso antes.
Agora, que está na 3ª série, diz que piorou muito, os professores agora
pegam muito mais no pé e eu estou receoso, acho tudo muito difícil, principalmente a
matéria de português. Ele já pensou em fazer igual ao irmão e buscar uma
escola mais fácil, mas acaba sempre desistindo da idéia.
Diz que este ano também tem ausências significativas e que procura
usar do direito de entrar na segunda aula, mas, que muitas vezes, não
consegue evitar as faltas nas demais aulas do dia, por causa do emprego.
Seu desempenho não está lá aquelas coisas, mas nunca perde a
esperança. Este ano ele está com medo da retenção e sabe que ficará
decepcionado com ele mesmo se isso acontecer, por isso está tentando se
dedicar mais, pois é o último ano, e considera difícil pensar em refazer tudo.
Ele se diz muito tímido para procurar solucionar seus problemas junto
aos professores com os quais está tendo dificuldades e sempre acaba adiando
este procedimento, mesmo sabendo que o ano pode estar em risco.
Por um lado, acha que tal procedimento de nada vai adiantar junto a
certos professores e, por outro, que tentou até fazer seminário, coisa muito
difícil pra ele, cujo resultado não foi bom, o deixando mais desmotivado ainda.
Diz que se for reprovado este ano vai voltar pra mesma escola, que
agora não troca mais, pois acha que ela é boa, e ele é que deveria ser um
pouco diferente.
Afirma que, de jeito nenhum, faria supletivo:

Não traz conhecimento algum, não mesmo, eu conheço gente que fez
supletivo, e diz que é só fazer trabalho de pesquisa e entregar, não precisa
mostrar que aprendeu alguma coisa, é isso, por isso não quero, só em último
caso mesmo.

Para Marcelo, o comportamento dos jovens dentro da escola é


completamente diferente de uma escola para outra, e isto depende muito das
118

regras e normas que têm nas escolas. Outra coisa é a idade da maioria, pois
embora no Peixoto tenha alunos com mais de 19 anos, o número é bem menor
do que tinha na Lapa. Lá todo mundo era mais velho, todos os alunos eram
aqueles que ficaram só trabalhando e depois decidiram estudar, mas isso não
é bom não, eles já têm costumes que não são bons para os mais jovens.
Por outro lado, no Peixoto, pra quem é mais velho fica mais difícil o
convívio porque a conversa é mais de adolescente mesmo: ou eles se encaixam
a sua conversa ou você a deles.
Quanto a dar continuidade aos estudos, o jovem pretende se
especializar naquilo que trabalha e precisa de tempo pra isso; acha que
faculdade vai demorar um pouco porque quer primeiro abrir outra firma que
seja só sua. Considera que é preciso se modernizar e, para isso, o curso
superior é importante, pretendendo “um dia” ingressar em curso de publicidade
e propaganda ou de designer gráfico.
Acha que os cursos técnicos são fundamentais e as escolas deveriam
ter, pois ajudaria muita gente a se colocar no mercado mais facilmente. Pouca
coisa do que se aprende na escola tem a ver com a profissão, mas considera
que “esse restante” não deixa de ser importante.

3.1.2.3. Sua trajetória profissional

Sua primeira experiência profissional se deu aos 13 anos quando


Marcelo ia junto de seus tios e primo às feiras livres da cidade de Osasco e
São Paulo, para aprender a profissão. Porém, embora achasse tudo aquilo
muito divertido, nunca conseguiu fazer o que os outros faziam, como gritar para
chamar a atenção sobre si. Ele nunca gritou na feira como o primo fazia porque
sempre sentiu vergonha, sente-se muito tímido para isso:

Eu só atendia as pessoas, parecia mais diversão, não era pra ganhar


dinheiro não, era para aprender, mas não aprendi nada.
119

Com 16 anos, fez um estágio numa firma também em Osasco, por dois
ou três meses, por indicação de seu irmão. Mas o pai já havia aberto uma firma
de comunicação visual, que trabalha com toldos e placas e o colocou para
aprender a profissão:

Eu, meu pai e meu irmão, a gente sempre trabalhou como soldador, e
tinha um salão que foi alugado pra um rapaz que trabalhava com tudo isso e
meu pai estava desempregado e começou a trabalhar com ele e aprendeu, a
gente também aprendeu porque foi junto com ele. A gente meteu as caras e
deu certo.

Atualmente, os três têm funções definidas dentro da firma e Marcelo se


sente capacitado naquilo que faz, e diz ser somente ele quem faz a parte
escrita, por isso pretende montar a sua própria empresa. Pretende abrir, em
breve, uma firma que seja só dele, pois assim poderá pensar em ter a sua
própria família.

3.1.2.4. Sua trajetória social

Na infância, ele diz ter feito poucos amigos. Brincava mais com o irmão
porque tinham praticamente a mesma idade e gostavam das mesmas coisas:

Bom, minha infância sempre foi um pouco meio complicada, porque o


meu pai sempre bebeu e agora que ele parou. Minha vida era meio corrida, era
de cidade pra cidade e eu nunca parava em escola para fazer amigos. Ficava
dividido entre São Paulo, Ribeirão Preto e Paraná.

Como a família mudava muito de endereço, ficava difícil para ele


estabelecer um vínculo com colegas do local. Com o avô ele pouco
conversava, pois era um homem rígido, de poucas palavras. Gostava de
conversar com o pai quando se encontrava sóbrio, pois era carinhoso. Na
adolescência, ele convivia mais tempo com um primo de Osasco, e nos finais
de semana costumava sair com ele, inclusive para ir às feiras livres em caráter
de diversão.
120

Só passou a freqüentar barzinhos, cinemas e outros locais de diversão


aos 17 anos, quando estabeleceu amizade com uma turma da escola. Acredita
que a influência desse grupo nessa fase foi negativa porque ele começou a
beber e por diversas vezes teve de dormir no carro de amigos porque não
conseguia voltar pra casa. Seu irmão também apresentava o mesmo
comportamento, mas ele não atribui isto ao passado de seu pai, pelo contrário,
acredita que foram as lembranças da infância que fizeram com que ambos
parassem enquanto era tempo: Minha mãe tinha muito medo.
Hoje, ele diz ter vários colegas de bairro mas todos trabalham e não
têm tempo para sair juntos. Está namorando há três anos, com uma garota que
estuda turismo na USP e de acordo com suas próprias palavras:

Ela é muito inteligente, sempre estudou em escolas particulares, tem


vários cursos e gosta de conversar sobre todos os assuntos. [...]
Eu sei que ela é muito mais inteligente do que eu, por isso tenho
vergonha de conversar sobre os problemas de escola e de falar pra ela sobre
as minhas dificuldades. [...] Ela sempre estudou em escola particular e o estudo
é mais puxado, os pais pegaram mais no pé e sei que se eu precisar ela vai me
ajudar, mais ainda não estou pronto.

Eles saem às vezes com outros casais de namorados, vão a cinemas, e


assistem geralmente os filmes de lançamento. Mas teatro é o que ela mais
gosta e ele às vezes a acompanha. Diz gostar de ambos, mas que são
atividades culturais extremamente diferentes e ele ainda prefere o cinema.
Diz que ela é a pessoa que mais o estimula a continuar os estudos e
buscar sempre conhecimento. Na escola ele diz não ter amigos, são mais
jovens do que ele e o diálogo se torna um tanto mais complicado. Prefere os
amigos que têm no bairro, pois já os conhece há mais tempo. O
relacionamento em casa e no trabalho com sua família é muito bom, com
poucas brigas.
Ele, às vezes, costuma jogar futebol com os amigos em quadra alugada,
no seu bairro, afirmando que a maioria desses amigos já está formada, com
uns poucos terminando o Ensino Médio.
121

Para Marcelo, as amizades fazem diferença na vida de uma pessoa,


com certeza os amigos influenciam muito, e essa influência varia de acordo
como as coisas estão. Para ele, a idade é um fator importante em relação à
escolha das amizades:

Com 17 é uma coisa e com 22 é outra, mas ainda assim os amigos


influenciam pra bem ou pra mal. Depende do nível das amizades, já fui
influenciado e já influenciei também.

Da trajetória deste segundo jovem, pode-se retirar as seguintes


conseqüências:

• Marcelo, embora também seja de origem de meio social com relativas


posses, tem história marcada pelas dificuldades de subsistência
ocasionadas pelo alcoolismo do pai, o que fez com que a trajetória
familiar fosse marcada por essa carência; assim, o que parece mais
importante para esse jovem é a continuidade promissora dos negócios,
que significaram uma mudança qualitativa na economia familiar e na
recuperação do pai, o que passou a ser, para ele, a coisa de maior
importância;

• Com relação à escola, refere-se muito genericamente às coisas que ele


considera como de responsabilidade dela e é muito mais incisivo quando
fala das suas dificuldades: da timidez, das más companhias ou das
dificuldades que têm, a ponto de afirmar que “que tem de mudar é ele”;
essa perspectiva de imputar a si próprio todas as dificuldades escolares
fica mais evidente quando se refere à atual namorada como sendo “mais
inteligente”, e que o fato de ter estudado em escola particular ser visto
como conseqüência deste primeiro fator e não o inverso, isto é, de que o
melhor rendimento tenha sido alcançado por ela ter estudado em
melhores escolas;
122

• Embora Marcelo relate as poucas amizades que fez, fica claro em seu
depoimento que, assim como no passado, as dificuldades com a bebida
de seu pai foram o centro de uma conturbada vida familiar, as
possibilidades apresentadas pelo novo negócio foram centrais na sua
trajetória social; o que ele não consegue enxergar é que esta
oportunidade de um negócio promissor foi se construindo não apenas
porque seu pai passou a lutar contra o alcoolismo (sem dúvida, um fator
importantíssimo), mas também porque possuía capital cultural suficiente
para levar à frente um empreendimento comercial; Bourdieu (1998), ao
abordar a importância da transmissão do capital cultural nas trajetórias
dos indivíduos, nos aponta que, além da ajuda direta que seus pais
possam lhes dar, eles herdam padrões culturais de maneira totalmente
dissimulada e inconsciente, que permanecem marcados por suas
condições primitivas de aquisição;

• Nesse sentido, embora a trajetória de Marcelo mostre seus insucessos,


tendo como ponto de partida as dificuldades familiares, tem como ponto
de chegada a solução encontrada pela família para dar fim a uma vida
de insucessos.

3.2. As mulheres

Célia e Elisa me surpreenderam. Ambas traziam nos olhos uma tristeza


profunda, como se o passado ainda estivesse presente, e elas lutando contra
as lembranças.
123

3.2.1. A trajetória de Célia

Minha mãe tava sempre com aquela mágoa e


sempre jogava na nossa cara que nosso pai era um
drogado, então ela tornou o que ela escolheu pra ela
pra nós, ela achava que era culpa minha e de meus
irmãos sempre e foi ela que escolheu.
(Célia)

Aos 21 anos, Célia quer recuperar o que ela chama de “tempo perdido”.
A depressão, conseqüência da morte de seu irmão e das lembranças da
infância, está quase superada:

Antigamente eu escrevia muito, tava até escrevendo a história da nossa


vida toda, mas quando ele morreu eu desisti de tudo, joguei tudo fora, parei...
agora eu começo a pensar nisso outra vez...

3.2.1.1. Sua trajetória familiar

A família de Célia era formada por seu pai, mãe e mais dois irmãos até
os sete anos de idade, quando perde seu pai, vitimado pela Aids.
Com 11 anos ganhou uma irmã, fruto de uma segunda união de sua
mãe, mas perdeu seu irmão caçula, que faleceu, possivelmente vítima de uma
mistura de álcool com drogas.
Nos primeiros sete anos, quem sustentava a casa era sua mãe que
trabalhava como diarista, sem registro em carteira, inclusive nos finais de
semana. Sua mãe estudou até a 4ª série e, segundo Célia, ela nunca falou em
dar continuidade aos estudos. Seu pai sempre foi viciado em drogas, tendo
ocorrências na polícia por seu envolvimento com elas. Ele maltratava sua mãe
com agressões verbais e físicas, acusando-a sempre de adultério. Ele nunca
trabalhou e nos primeiros anos do casamento, a família contava com a ajuda
da avó paterna, que cedia a eles um barraco para morarem na favela do
Baronesa, bairro distante do centro da cidade de Osasco. Contudo, conforme
124

Célia, sua avó costumava sempre apoiar o filho, sugerindo que a responsável
por tudo o que acontecia era sua mãe. Mas,

quando eu tinha quatro anos minha mãe conseguiu montar uma casa numa
favela que é atrás do INSS, hoje. Era terreno invadido e aí minha mãe
conseguiu um pedacinho e montou um barraco lá e a gente viveu até
praticamente meus sete anos.

Segundo a jovem, a mãe tinha medo do marido, que sempre a


ameaçava com objetos cortantes e mantinha relacionamento com traficantes
do local dentro de casa, dividindo sempre drogas injetáveis com os mesmos.
Ao contrair HIV, o pai foi internado e a mãe aproveitou para fugir com os filhos,
mas como sua doença se agravou, voltou para ajudá-lo. Ele melhorou e voltou
a ter a mesma vida de antes, então a mãe fugiu sozinha deixando Célia com a
avó e os dois irmãos menores com o pai. Ele trocou o barraco por uma arma e
foi morar no mato com os filhos. Seu estado de saúde voltou a se agravar e a
mãe decidiu então colocá-lo numa casa de apoio e cuidar dele até o fim, se ele
devolvesse seus filhos. Ele ficou dois anos nesta casa de apoio e jurava que a
mataria quando de lá saísse, inclusive sua maior ameaça era de que passaria
pra ela o vírus da doença. Mas contraiu tuberculose e acabou falecendo.
Célia se recorda...

...aí como minha mãe perdeu o barraco, a minha avó não deu mais a casa pra
ela morar, lá no Baronesa, a gente teve que morar na casa de apoio, de
aidéticos, mesmo não sendo aidéticos, nem eu nem meus irmãos e nem a
minha mãe. Então minha mãe trabalhava lá por um prato de comida e uma
dormida pra mim e pra eles.

Moraram neste local durante dois anos aproximadamente e conviviam


com leprosos, homossexuais, prostitutas, além dos portadores de HIV. A mãe
voltou a trabalhar como faxineira, até aos domingos, e chegava bem tarde no
abrigo e era Célia quem se responsabilizava pelos cuidados com os irmãos,
pois a mãe não tinha tempo para eles, não conversava e nem era carinhosa,
segundo a jovem. Nas poucas conversas que tinham, a mãe dizia ter passado
125

por tudo por causa deles, era como se eles representassem uma punição.
Enfim, era uma pessoa triste.
Anos depois, a mãe passou a conviver com outro homem e teve uma
filha. Ele também era dependente de crack e costumava espancar sua mãe,
assim como a ela e seus irmãos, menos sua filha legítima, portanto, o
relacionamento entre eles era muito ruim, mas a mãe geralmente o apoiava.
Nas palavras de Célia,

ele trazia as coisas pra casa sim, mas tanto trazia como tirava, porque ele
usava muita droga né...

Diz que seus irmãos estavam crescendo revoltados, e juravam matá-lo


quando crescessem:

Ele era muito ignorante Dulce, era sempre as coisas no pé da letra, se


não falasse do jeito que ele queria era tapa na cara e assim ia...

Seus irmãos iam mal nos estudos e a mãe nunca falava nada, eles
desistiram e ela dizia que, se tinha de ser assim, que assim fosse. O
falecimento de seu irmão mais novo trouxe mudanças na vida de todos.
Sua mãe passou quatro meses sem trabalhar e

a gente tava perdendo tudo, a gente já não tinha mais nada pra comer... minha
mãe parasitou. [...] Eu comecei a engordar de tanta depressão, meu outro
irmão ficou ainda mais violento e era a diretora da escola que dava cesta
básica pra gente...

Quando sua irmã mais nova completou 10 anos, seu padrasto faleceu.
Seu irmão foi morar sozinho e quase não mantém contato com a mãe e irmãos.
Passa a maior parte do tempo desempregado, é irritante, não convive bem com
ninguém.
126

A irmã caçula estuda na E. E. Prof. Vicente Peixoto e conta com o apoio


da jovem no acompanhamento escolar, faz passeios a cinemas, shoppings e
casas das amiguinhas, tudo o que segundo Célia, ela e seus irmãos nunca
tiveram a oportunidade de fazer. Ela vem se tratando da depressão e se diz um
pouco melhor agora, pois tem lutado bastante nesses últimos anos para se
tornar, segundo ela “uma pessoa menos rancorosa”.
A mãe de Célia permanece exercendo a mesma profissão e, embora
dividam o mesmo espaço, com um pouco mais de conforto agora, o diálogo
entre elas ainda é mínimo. Célia diz que sua mãe deixa o passado tomar conta
da vida dela e que ela não sabe olhar pra frente.

3.2.1.2. Sua trajetória escolar

Aos 07 anos, ela foi matriculada na escola municipal que fica próxima ao
centro de Osasco, mais propriamente na Vila Osasco. Ela gostava muito dessa
escola porque mantinha bom relacionamento com as pessoas de lá, inclusive
eles a ajudavam com cestas básicas para a família. Permaneceu nesta escola
até a 4ª série do Ensino Fundamental. Sua mãe dificilmente ia às reuniões
porque trabalhava muito. Nas três séries seguintes mudou-se para a E. E.
Professor Vicente Peixoto, mas na 8ª série transferiu-se para a escola Oswaldo
Valder, localizada no município de Boa Vista, São Paulo, por situar-se próxima
à sua residência, no Jardim Conceição, pois, dessa forma, não precisava mais
pagar condução.
Nesta época, era ela quem resolvia os eventuais problemas na escola,
tanto dela quanto de seus irmãos. A mãe mantinha sempre o mesmo
comportamento distanciado. Tanto numa escola quanto na outra, Célia afirma
ter sido uma ótima aluna, com bom rendimento, apesar dos problemas
familiares.
Iniciou a 1ª série do Ensino Médio no período noturno na escola
Oswaldo Valder porque já trabalhava, mas diz que a turma da sala era muito
bagunceira e ela acabou se enturmando:
127

Até aí eu me relacionava bem com a turma, né, eu era o centro das


atenções na sala de aula, sempre era eu que fazia uma gracinha, que até aí eu
tava bem, mas depois disso...

Percebendo que seria retida, acabou deixando a escola antes do término


do ano letivo.
No ano seguinte retornou e ficou até o final; porém, com muitas faltas e
baixo aproveitamento, foi retida por notas e faltas. Nesta época seu irmão
faleceu e ela conta que resolveu não mais estudar, mas ainda assim
matriculou-se no início dos anos seguintes, contudo,

eu começava a ir e parava já no começo do ano, às vezes ia até o meio do


ano, mas a falta que meu irmão fazia pra mim... eu até ia bem no começo
mas... eu ia com caderno novo, aquela coisa, aí depois eu via que tudo aquilo
era ilusão... e só voltava no ano seguinte.

Ela disse não ter mais “cabeça para os estudos”. Essas tentativas de
retorno significavam buscar na escola um lugar que a fizesse distrair, mas nada
lhe chamava a atenção e voltava pra casa, às vezes nem sequer entrava,
segundo ela, voltava do portão.
Por vezes, tentava entregar as atividades solicitadas pelos professores,
mas desistia assim que percebia que o resultado das mesmas não seria
positivo. Só tirava nota quando o trabalho era em grupo e os outros faziam e
colocavam o seu nome. Nunca leu nenhum livro recomendado pela escola e
nenhuma vez pensou em falar sobre o assunto com ninguém, pois acreditava
que de nada adiantaria.
Em 2006, resolveu mudar de escola e voltar para a que antes já
estudara: E. E. Prof. Vicente Peixoto – por gostar muito do ambiente desta
escola, mas seu comportamento continuou o mesmo, ou seja, ou desistia de
entrar e voltava pra casa ou entrava, mas não conseguia acompanhar: sentia-
me perdida em sala de aula. [...] E olha, faltou uma pessoa pra chegar e falar: você vai
continuar, aquilo que você começa, você termina...
128

Diz ter mudado de opinião sobre os estudos após a fala de uma


professora sobre suas contínuas ausências:

Se você quer se alguém na vida tem que correr atrás do prejuízo, então
você entra pra dentro da escola, vai estudar que é o melhor que você faz da
sua vida. Aí depois desse dia eu não faltei mais.

Perto do término do ano letivo de 2006, suas notas não eram boas, e ela
sabia que seria retida mas ainda assim persistiu: sabia que ia repetir de ano, mas
fiquei lá firme e forte.
Encontra-se matriculada neste ano, 2007, na 1ª série, na mesma escola
e apresenta ainda as mesmas dificuldades de rendimento escolar de antes:

Até hoje eu tenho dificuldade para aprender, já se passaram bastantes


anos mas eu tenho dificuldade de aprender as coisas...

Ela diz que, embora tenha algumas faltas, tem atestado médico que as
justificam e agora faz as lições sozinhas. Ela pensa que, se conseguiu fazer da
1ª a 4ª série direitinho, e da 5ª a 8ª, porque não conseguir do 1ª ao 3ª do
Ensino Médio, também. Ela acredita que o grau de escolaridade faz diferença
na hora de encontrar um emprego e ter um diploma é muito importante.
Segundo ela,

no ano passado eu não consegui o serviço porque eu estudava e eles querem


pessoas que já terminaram os estudos e que tenham curso de qualquer coisa,
mesmo não sendo importante o curso, mas o grau de escolaridade tem que
estar perfeito.

Contudo, Célia considera que fazer supletivo é muito complicado porque


a pessoa só tem 06 meses para aprender e ela diz não conseguir acompanhar
ou acaba passando sem aprender nada, por isso tenta concluir no ensino
regular. O ruim em fazer o curso regular é, segundo a jovem, o relacionamento
em sala de aula com os colegas mais jovens:
129

Eu sou uma das mais velhas da sala, então sempre tem piadinha,
brincadeirinhas que são desagradáveis. [...] Ah, a Célia sabe, pergunta pra
Célia, entendeu? Parece que a Célia sabe tudo, é a professora da sala, então
fica meio complicado... qualquer coisa que acontece foi a Célia que falou ou a
Célia que fez... entendeu?

Mas ela diz que vai persistir e um dia fará faculdade de pedagogia, pois
adora crianças e tem experiência na educação de crianças, visto que
praticamente criou seus irmãos, sozinha.

3.2.1.3. Sua trajetória profissional

Segundo a jovem, ela começou a fazer “bicos” para ajudar nas despesas
da casa a partir dos 13 anos de idade. Passava o dia fazendo faxina, igual à
sua mãe, e de 6ª a domingo ajudava numa pizzaria.
Ela parou de trabalhar quando resolveu morar com um companheiro.
Quanto ao motivo de ter parado e o que passou a desempenhar, é melhor
reproduzir com suas próprias palavras:

Eu ficava em casa dormindo, aí nesse tempo eu era amigada, aí ficava


em casa, limpava a casa e depois dormia o dia inteiro, até a noite. [...] Eu não
sentia falta de nada... [...] Às vezes eu comprava uma revistinha de signos, de
comida ou dessas que trazem histórias de artistas e quando eu estava com
vontade eu pegava as receitas e começava a copiar. Hoje eu tenho quatro
cadernos de receitas que eu escrevi.

Segundo Célia, era o seu companheiro que supria todas as suas


necessidades financeiras e não exigia nada dela, nem mesmo continuidade
nos estudos.
Após o término desse relacionamento, procurou trabalho, mas sentiu
dificuldades na sua aceitação pelo fato de estar com mais de 18 anos e não ter
diploma escolar.
No ano em que foi realizada a coleta de dados (2007), afirma que está
130

fazendo um curso de 2ª a 5ª, de cabeleireira, de estética, de sobrancelha, de


cabelo, maquiagem e manicure. Eu gosto porque nos meus intervalos eu faço
unha também, eu faço hidratação, escova e assim vou vivendo... faço tudo isso
na minha casa. [...] Tá tudo marcado na minha agendinha, todos os meus
compromissos...

No momento, ela divide todas as despesas da casa com sua mãe e o


seu sonho é fazer faculdade de pedagogia para trabalhar com crianças, pois
acredita que elas se aproximam com facilidade e a criação que praticamente
deu aos irmãos servirá como base para tal.

3.2.1.4. Sua trajetória social

Quando criança, Célia diz não ter tido amigos, pois ela passava a maior
parte do tempo em companhia dos irmãos, já que era ela quem cuidava dos
mesmos. Só saía para ir à escola.
Quase não havia diálogo com os pais, pois de acordo com a jovem, sua
mãe só retornava para casa à noite: ela sempre foi de pouco diálogo, de pouco
carinho, não conversava muito, era raro.
E seu pai estava sempre em companhia de outros homens, geralmente
se drogando. A mãe trabalhava inclusive nos finais de semana e ela, portanto,
como filha mais velha, ficava em casa para cuidar dos irmãos.
Na adolescência, ela passou a sair com os irmãos para quermesses e
shoppings. Adorava trazer pizzas para eles, ou seja, agradá-los.
Na escola, a situação era diferente, pois era muito reservada e por vezes
encrenqueira:

Eu não levo desaforo pra casa, sempre fui... a vida me ensinou a me


comportar com ignorância, se a pessoa falasse... gritasse comigo, eu ia gritar
mais alto porque a vida me ensinou a ser assim, então eu não fui educada pela
mãe mas pela vida, então a vida me ensinou coisas que hoje me prejudica na
sociedade, porque eu não consigo conversar ou brincar muito com as pessoas,
pra falar abobrinha que nem todo mundo tem um momento de abobrinha, eu
não consigo.
131

Contudo, diz ter se relacionado sempre bem com as “tias” da limpeza e


com os diretores de escola. De acordo com a jovem, seu problema de
relacionamento era principalmente com outras crianças ou jovens:

Eu sei que eu tinha que ter me relacionado mais com pessoas da minha
idade pra ver que a minha vida não era igual a delas, ver que tem pais e mães
bons, ver que tem gente que não bebe, não fuma, não usa droga, então eu
tinha que me relacionar com pessoas diferentes de mim, de nível, daquilo que
eu vivi, só que eu não consegui. [...] A morte do meu irmão também deixou um
vazio muito grande...[...] Eu gosto das pessoas, só que no meu jeito de ser e as
pessoas não gostam do meu jeito de ser.

Ela diz que deixou de se envolver com alguns homens por sentir
dificuldades em expor seus sentimentos e por se julgar inferior a eles.
Entretanto, aos 17 anos, passou a viver com um jovem que possuía diploma de
técnico de som e era dono de uma eletrônica. Segundo Célia, ele fez de tudo
por ela, mas ela não correspondeu e esse relacionamento terminou, inclusive
sem filhos.
Atualmente, ela participa de todos os eventos que acontecem dentro da
escola, mas diz nunca ter ido assistir a uma peça de teatro. Porém, ir ao
cinema é o que mais gosta de fazer e não importa o gênero; costuma ir com
uma amiga que mora próximo à sua casa e com sua irmãzinha para assistir
filmes infantis. Por morar no mesmo bairro há bastante tempo, diz se sentir
muito bem lá, onde todos a conhecem e é onde ela se acha realmente
comunicativa. Ela acrescenta que:

Antigamente minha casa era pequena, né, porque era muita gente.
Hoje, graças a Deus eu tenho condição maior e melhor, hoje eu moro numa
casa de quatro cômodos, eu tenho um quarto só pra mim.

Em suma, Célia acha que sua vida melhorou muito. Agora ela já sabe o
que quer para si e principalmente para sua irmã: que ela vá brincar com
crianças da sua idade, aproveitar a infância: quero que ela faça tudo o que minha
mãe não deixou eu fazer ou eu ir porque eu tinha meus irmãos pra cuidar.
132

As principais conseqüências desta trajetória podem ser assim


sintetizadas:

• A família de Célia parece representar tipicamente a história de


deterioração das condições de vida, a partir de uma grande carência
econômica, o que parece ter encaminhado seu pai a um envolvimento
com drogas que o levou à morte, além de ter feito com que a família
vivesse em grande carência (econômica e afetiva) durante o longo
período da doença;

• Sua trajetória escolar mostra que, após um período inicial de razoável


rendimento, da 5ª série do Ensino Fundamental em diante sempre
apresentou problemas, muito mais marcados pelas ausências
prolongadas, mas que redundaram em uma visão de si mesma como
“com dificuldades para aprender”. Para Bourdieu (1998), a escolha do
destino de um indivíduo é, em grande parte, a expressão dos valores
implícitos ou explícitos que ele deve à sua posição social. Dessa forma,
os sujeitos se orientam sempre em referência às forças que as
determinam, ou seja, os ideais e os atos do indivíduo dependem do
grupo ao qual ele pertence e dos fins e expectativas desse grupo. Esta
proposição incide, segundo Bourdieu (1998) no fato de que, entre os
desfavorecidos, a influência do meio familiar e do contexto social tendem
a desencorajar ambições percebidas como desmedidas e sempre mais
ou menos suspeitas de renegar as origens. Neste sentido, Célia, ao
referir-se à escola, insiste no fato de que ela deve selecionar quem têm
objetivos, e este não era o seu caso, pois precisava primeiro inserir-se
socialmente;

• O corolário dessa trajetória profissional, marcada na luta pela


sobrevivência configura-se com a possibilidade de um tipo de serviço
autônomo (cabeleireira, manicure) que, para ela, é melhor do que ser
133

faxineira; nesse sentido, sua perspectiva de futuro (faculdade de


pedagogia) parece ser uma coisa muito mais idealizada do que uma
expectativa viável;

• Suas oportunidades de relações sociais foram sempre bastante


reduzidas, dada a necessidade do trabalho precoce e de cuidado dos
irmãos; mesmo tendo se ligado a um jovem que lhe ofereceu uma vida
sem preocupações financeiras, sua posição social e vida pregressa não
permitiram que ela enxergasse nesse período uma oportunidade para
criar quaisquer condições de uma vida futura melhor;

• Apesar de todas essas condições precárias, considera que sua vida hoje
está muito melhor, por morar em casa de quatro cômodos e de poder
exercer uma profissão em casa menos desvalorizada do que a de
faxineira, enfim, sua visão acerca do significado do que sejam condições
de vida aceitáveis foi construída com base na posição social de sua
família.

3.2.2. A trajetória de Elisa

Aconteceram muitas coisas... mas uma coisa eu vou


dizer: se eu pudesse voltar atrás, eu só queria um
segundinho...
(Elisa)

Elisa encontra-se com 29 anos e com um filho. Foi casada, divorciada,


comprometeu-se novamente e acabou desiludida. Depressiva, ela afastou-se
do serviço, e agora se dedica inteiramente ao filho:

Eu falo pra minha mãe que o meu amor por ele é tanto que chega a
doer. Eu tenho é que cuidar dele, porque ele vale a pena!
134

3.2.2.1. Sua trajetória familiar

A mãe de Elisa veio do nordeste, mais especificamente do Recife,


quando Elisa tinha 05 anos de idade, com mais 04 filhos. Aqui em São Paulo
ela teve mais 02 filhos e depois pegou uma menina para criar. Seu pai já
morava aqui em São Paulo há 02 anos, quando isto aconteceu. Ele, antes de
vir para cá, primeiro trabalhou no INSS de Recife, depois na construção de
uma estrada de ferro, onde sofreu um acidente e ficou um tempo afastado do
serviço e depois pediu demissão. Nas palavras da jovem, ele se envolveu, ao
que parece, com uma mulher comprometida e deixou o Recife fugindo. Durante
estes 02 anos, sua mãe permaneceu sozinha com os filhos para criar.
Ela, segundo a jovem, levantava às 03h da madrugada e ia trabalhar no
corte e na queima da cana-de-açúcar, deixando os 05 filhos com avó paterna,
que era praticamente sua mãe, pois a havia criado desde o nascimento,
quando do falecimento da verdadeira mãe justamente no seu parto.
Essa sua avó ajudava em tudo, inclusive dando morada na sua casa e
por diversas vezes bateu no filho por ser mulherengo e criar problemas para a
família. Uma boa lembrança dessa época para Elisa é recordar-se da avó
lavando roupas num riacho e as crianças todas dentro da água brincando ao
seu redor.
Passado esses 02 anos, o pai mandou a passagem para sua mãe vir
com os filhos, alegando que já tinha uma casa alugada, com todos os móveis
dentro, pronta para morar. Porém, ao chegar, sua mãe descobriu que era uma
casa de um só cômodo, no Jardim Veloso, bairro localizado na periferia da
cidade de Osasco, com uma única cama de casal para todos, ou seja, para 07
dormirem.
Contudo, Elisa diz que sua mãe nunca deixou de ser carinhosa com os
filhos, dizia amá-los o tempo todo. E para ela, aqui tudo era novidade:

Eu vivia lá no interior do norte, né... tudo em São Paulo era novidade,


eu nunca tinha visto um ônibus, né... só caminhão carregado de cana...
135

Sua avó permaneceu no nordeste e só veio visitá-los 12 anos depois,


vindo a falecer no Recife há 02 anos (2005) com 102 anos. Seu pai
encontrava-se trabalhando em uma empresa fabricante de telhas, em frente ao
Ceasa, contudo, o rendimento não era suficiente para o sustento de toda a
família. Sua mãe, ela e uma irmã ajudavam:

Teve uma época que a gente passou muita necessidade, a gente ia no


Ceasa catar frutas e verduras para comer, né, então essa foi a parte que mais
me chocou na minha infância, mas também me fez aprender que a gente só
morre de fome se quiser, que não precisa roubar... então a gente ia pra lá toda
semana... [...] Minha mãe tinha muito medo de levar nós, meninas, por causa
que tinha muito estupro né, os homens pegavam as adolescentes e
compravam elas como até hoje tem, mas graças a Deus isso nunca aconteceu
com a gente...

Esta atividade aconteceu durante muito tempo, até Elisa ter


aproximadamente 13 ou 14 anos. Seu pai não deixava sua mãe trabalhar em
emprego algum. O relacionamento entre eles não era bom, seu pai a acusava
sempre de ter outra pessoa, mesmo quando estava sozinha no norte. Por isso,
brigavam muito e Elisa acredita que ele a agredia fisicamente porque sua mãe
estava sempre com marcas no corpo, mas ainda assim os filhos dificilmente
presenciavam estas brigas, pois a mãe não reclamava de nada com eles.
Elisa afirma que ela sempre foi muito carinhosa e compreensiva com os
filhos, e só foi contar alguns de seus problemas para eles depois da separação
do casal que ocorreu há poucos anos, em virtude de sua mãe ter feito uma
laqueadura com a assinatura do tio de Elisa, porque seu pai não concordava
com esta atitude (evitar filhos).
O pai de Elisa estudou até a 1ª série do Ensino Fundamental e sua mãe
até a 8ª série. Ele não valorizava o estudo, tanto que um dos irmãos da jovem
só foi entrar na escola quando já tinha 10 anos, porque seu pai acreditava que
era mais importante ajudar nas despesas. Dessa forma, após sair da fábrica de
telhas, ele comprou um carrinho de doces e colocou o menino, em tempo
integral para vender doces na rua. Quanto às meninas, elas só poderiam
136

estudar se a escola fosse próxima de casa. Por este motivo, além dela, mais
dois irmãos retomaram os estudos tardiamente.
Aos 18 anos ela se casou com um rapaz funcionário de uma empresa de
móveis em Osasco. Moravam de aluguel numa pequena casa, mas segundo
Elisa, embora eles não passassem por dificuldades financeiras, seu marido não
a levava para passear em lugar algum.
Ele havia estudado até a 3ª série do Ensino Fundamental, e este era um
dos constantes motivos de briga entre o casal. Para ela, ele deveria continuar
estudando para ter um futuro melhor, mas ele nunca quis. Depois de cinco
anos eles tiveram um filho.
Quando bebê, seu filho foi vítima de graves queimaduras e Elisa foi
acusada pelo marido de negligência. Seus pais nunca foram favoráveis à união
dos dois, e agora ela diz ter sido uma ilusão: eu quebrei a minha cara e muito!
Segundo Elisa, o que sua mãe queria é que ela não ficasse igual a ela,
só dona de casa, entendeu? Ela decidiu se separar, mas estava desempregada
e, segundo suas palavras,

ele passava na minha cara direto que eu não ia me separar dele por causa que
eu não tinha onde cair morta e meu pai não ia me aceitar de volta, ia me
expulsar – de fato ia mesmo. Mas aí eu falava pra ele que ia dar a volta por
cima...

Separou-se do marido e conseguiu, na justiça, a guarda do filho. Ela


arrumou novo emprego e alugou uma casa. Depois da separação, conheceu
uma segunda pessoa e, poucos meses depois, engravidou. Segundo a jovem,
coagida pelo namorado, praticou o aborto, mas arrependeu-se profundamente,
passando a ter problemas de saúde nos meses que se seguiram, e contou com
o apoio do companheiro por somente três meses, quando ele a abandonou.
Entrou em depressão e desistiu de tudo. Tornou-se agressiva, falava em
cometer suicídio e acabou por ser afastada do serviço, condição esta que
perdura até o momento.
Embora sua família tenha reprovado a conduta, eles a apóiam.
137

Hoje, dois de seus irmãos moram distantes dos outros, mas segundo
Elisa, são todos extremamente unidos. Ela, no momento, mora com dois
irmãos e próxima à sua mãe, o que a tem ajudado a enfrentar esse problema.
Ela permanece em tratamento psiquiátrico, mas afirma que aos poucos está
retomando sua vida porque quer a felicidade de seu filho.

3.2.2.2. Sua trajetória escolar

Aos 07 anos, Elisa foi matriculada na E. E. Tarcila do Amaral, escola


situada bem próxima à sua residência, no bairro Jardim Veloso, periferia da
cidade de Osasco.
Estudou nesta escola até a 8ª série, sem apresentar nenhum abandono
nem retenção. Matriculou-se na 1ª série do Ensino Médio no período noturno
desta mesma escola, mas diz que na época uma escola próxima a esta foi
municipalizada, passando a atender somente alunos do ciclo 1 do Ensino
Fundamental, o que fez com que a grande maioria dos jovens desta escola se
transferisse para a E. E. Tarcila do Amaral, de forma que a clientela mudou
radicalmente, com muitos alunos armados dentro da escola que não
respeitavam ninguém e chegavam mesmo a ameaçar os demais alunos: eles
batiam mesmo e eu vi que aquilo não era pra mim.
Por este motivo, após freqüentar a escola por 06 meses, ela resolveu
desistir. Na presente data, segundo ela, a escola parece um presídio, pois tem
grade por todo lado.
No ano seguinte, ela pensou em estudar numa escola que ficasse no
centro da cidade, mas seu pai não concordou porque não queria que suas
filhas chegassem tarde em casa, e então ela começou a fazer um curso de
auxiliar de enfermagem de 01 ano, mas desistiu quando faltavam 02 meses
para terminar, para se casar. Como para freqüentar este curso era necessário
que o jovem tivesse apenas concluído o Ensino Fundamental, ela não pensou
em voltar para a escola. Somente para o curso de técnico de enfermagem ela
precisaria do Ensino Médio, e não pensava nesta posição, naquele momento.
138

Depois de casada, permaneceu apenas trabalhando fora e dedicando-se


a seu filho e não retomou os estudos por 09 anos consecutivos. Somente
depois da separação, e estimulada por um novo namorado, ela procurou a
escola E. E. Professor Vicente Peixoto para iniciar o Ensino Médio,

Ele sempre falava pra mim: pequena, você é muito inteligente e não
pode ficar sem estudar, você tem que estudar! Volta a estudar, pequena.
Então, quando eu me matriculei aqui no Peixoto eu vi, ou melhor, eu achei que
ninguém ia me pegar por causa da minha idade, mas eu me matriculei, aí
quando saiu a seleção e que eu vi o meu nome, eu fiquei muito contente e saí
contando.

Seus irmãos já haviam estudado nesta escola e, segundo ela, as


referências eram as melhores: eles disseram que era a melhor escola que eu
poderia estudar, que eu ia encontrar tudo o que eu queria ali... Acrescenta ainda que
existe nesta escola “liberdade”, algo que não existe em quase nenhuma escola
hoje.
Contudo, o rompimento do namoro e um aborto provocado a levaram a
desistir após alguns meses, no ano de 2005:

Eu parei definitivamente com tudo, decidi acabar com tudo, eu já tinha


escrito carta pra minha mãe deixando a guarda do meu filho... até tinha
registrado em cartório.

Com o apoio da família e dos médicos que acompanham seu caso, em


2006 ela resolveu matricular-se novamente. Seu objetivo era o de fazer novas
amizades e comprometer-se com os estudos de forma a esquecer os
problemas pelos quais vinha passando, mas ao que parece isso não
aconteceu, pois ela diz que não conseguia prestar atenção em nada, estava
depressiva e nada tinha significado.
Ela saía de casa em direção à escola, mas muitas vezes, antes mesmo
de chegar, preferia voltar. Foi acumulando faltas e no final deste ano foi retida
por notas e faltas novamente.
139

Neste ano, 2007, a jovem diz se sentir mais confiante, agora parece
saber o que realmente deseja. Está matriculada nesta mesma escola, diz sentir
muitas dificuldades no que concerne à aprendizagem em algumas disciplinas:

Nossa, as matérias tão tudo muito diferente... muito diferente, a


professora fala que é matéria da 8ª série e eu falo pra ela que na minha época
não tinha isso não, então tem muita coisa que eu nunca vi na minha vida.

Mas, pretende voltar a trabalhar em breve e conclui:

Hoje, quem tem só a 8ª série pode desistir, viu? Não consegue nada
mesmo, pelo que vejo tem que tá cursando o Ensino Médio ou ter terminado,
ou ter pelo menos um tipo de curso técnico de qualquer coisa, porque não ta
fácil não.

Ela diz que a retenção pode vir a acontecer e tem receio, mas não culpa
ninguém por isso, pois acredita que a escola deva selecionar “os bons alunos”,
aqueles que realmente sabem o que querem, que lutam por seus objetivos e
seguem em frente.
Por isso não tem faltado muito, e apesar da sua idade, ela quer concluir
o Ensino Médio num curso regular, pois acredita que um curso supletivo não
seria o ideal para quem deseja fazer faculdade de Enfermagem:

Se você faz um supletivo eles não ensinam totalmente o que você vai
precisar... já a escola de período integral, inteiro, é bem melhor.

3.2.2.3. Sua trajetória profissional

A trajetória profissional de Elisa iniciou-se aos 15 anos de idade como


costureira numa pequena empresa em Osasco, das 7h às 15h e era registrada
em carteira. Trabalhou nesta firma até os 25 anos, quando foi afastada por
licença médica e, posteriormente, demitida.
140

Aos 18 anos, ela pretendeu ser auxiliar de enfermagem, pensava em


primeiro estagiar em hospitais para depois oficializar esta profissão. Para tanto,
iniciou um curso técnico, mas não o concluiu, dado o fato de que seu noivo
tinha ciúmes do relacionamento da jovem com os médicos do local e ela, para
não decepcioná-lo, preferiu desistir.
Com 26 anos, foi admitida em outra empresa:

Hoje eu trabalho na Ti Top lá na Barra Funda, porque eu trabalhava


mais pertinho de casa mesmo porque lá perto têm duas firmas de costura né,
duas fábricas, mas sempre eu queria uma coisa maior né, o costurar não é
bem o meu forte, mas se Deus me deu esse dom eu tenho que aproveitar, aí
eu falei que eu queria entrar numa multinacional, aí eu tentei, tentei, mandei
currículo, me ofereci até que eles me chamaram.

Nesta época, ela se encontrava em processo de separação. Embora


depressiva, diz que lutou muito para permanecer neste emprego, pois
precisava agora se manter sozinha e reconstruir sua vida. Mas, em face de
novos problemas pessoais, a depressão piorou e ela não mais conseguiu
trabalhar e, conseqüentemente, está afastada da firma sem data para retorno.
Não sabe ao certo se um dia estará pronta para retornar, pois ainda necessita
de cuidados médicos e de atenção constante dos familiares, mas afirma que
precisa estar preparada para o mercado de trabalho caso isso venha a
acontecer, ou seja, precisa investir em estudos e cursos, afinal de contas é ela
quem se sustenta, paga aluguel e quer dar tudo de melhor para o seu filho,
como viagens, roupas e brinquedos.

3.2.2.4. Sua trajetória social

Na infância, Elisa sempre brincou muito com seus irmãos e irmãs, tanto
na época que morava no Recife, como aqui em Osasco. Segundo a jovem, eles
sempre foram muito unidos, tanto na adolescência como na vida adulta.
Considera a mãe uma grande amiga, pois não tem segredos para com ela.
141

Estão sempre se ajudando em tudo que precisam, trocam telefonemas e


visitam-se constantemente.
Na adolescência tinha algumas amigas do bairro onde morava que
trabalhavam em hospitais, o que a motivou a seguir a carreira de enfermagem.
Mas, desistiu do curso quando faltavam 02 meses para concluí-lo porque,
segundo ela: eu inventei de casar [...] eu tinha que escolher entre o curso ou ele.
Para Elisa, ele tinha ciúmes do relacionamento que ela mantinha com
enfermeiros e médicos do local. Ela se reporta a essa união com certa revolta,
pois diz que deixou de “ser alguém na vida” por culpa do seu ex-marido:

Eu me arrependo até hoje amargamente de ter parado o meu curso, se


eu não tivesse parado hoje eu taria bem, estaria fazendo o que eu gosto,
estaria até numa faculdade de medicina talvez.

Eles viveram juntos 10 anos e tiveram um filho que no momento se


encontra com 07 anos. Elisa afirma que durante o tempo que estiveram
casados eles não se divertiam, nunca iam a lugar algum, vez ou outra iam até o
centro de Osasco, davam umas voltas e era só.
Ela diz que sempre se portou, durante o casamento, como uma “Amélia”,
parecia um cordeirinho. Nesta fase difícil de sua vida, contou exclusivamente
com o apoio da mãe e irmãos, porque já não tinha mais os amigos de antes: Eu
tava muito fraca, vulnerável. Entretanto, após a separação, diz que se tornou uma
mulher mais determinada, é porque eu sofri demais! Atualmente, seu ex-marido
visita o filho semanalmente, mas eles não conseguem manter diálogos entre si.
Um ano após a separação, começou a namorar com um jovem, que
segundo ela, era estudado porque tinha o Ensino Médio completo. Ele falava e
se vestia muito bem, tanto que foi o primeiro a incentivá-la a dar continuidade
nos estudos. Após alguns meses, engravidou e, a pedido do namorado, fez um
aborto. Passados três meses ele a abandonou e ela se refugiou em casa, não
querendo ver ninguém, só pensava em suicídio.
142

Diz que não tinha amigas nem no bairro nem na escola, era somente a
família, e sabia que eles ficariam decepcionados, principalmente sua mãe. Ela
explica, chorando:

Olha, os sintomas não são nada bons, é uma depressão suicida,


conhecida como quadro psicótico, então a minha vontade era acabar comigo
mesma e com a pessoa que me fez sofrer. Eu já tentei me matar na linha do
trem, tomei remédios bem fortes e entrei em convulsão, fiquei um tempão na
UTI... só que eu vi que Deus tem um propósito na minha vida...

Portanto, afastou-se do trabalho por depressão e encontra-se afastada


até a presente data. Decidiu depois voltar para escola para ver se conseguia
retomar sua vida, principalmente a pessoal, queria fazer novas amizades, mas
não conseguiu e resolveu investir em seu filho, proporcionando a ele uma
infância feliz, ou seja, passeios, amiguinhos, carinho, etc.
No momento, vive com dois irmãos e seu filho, tenta superar a
depressão que a afastou de sua profissão e voltou a estudar. Ela afirma:

Eu vou ser alguém, vou mostrar pra todos que eu consegui vencer, que
eu posso.

Pode-se retirar as seguintes conseqüências dessa trajetória:

• O depoimento de Elisa mostra que na sua trajetória familiar, embora com


vida precária, houve sempre uma determinada organização (social e
afetiva) que deu alguma sustentação aos filhos (na figura da avó, do
carinho da mãe e até mesmo na preservação dos problemas do casal
tanto por parte da mãe quanto do pai – que nunca a agrediu na
presença dos filhos). Portanto, mesmo se autodenominando como
depressiva, mantém um padrão de conduta em relação ao filho;

• Elisa apresentou uma trajetória escolar de sucesso em todo o Ensino


Fundamental; mesmo tendo uma tentativa frustrada no Ensino Médio, de
143

ter ficado longe da escola por nove anos e de atualmente apresentar


problemas em relação ao rendimento escolar, sua auto-imagem é de
uma pessoa “inteligente e capaz”, fruto certamente de sua trajetória
inicial de sucesso;

• Entretanto, a ligação familiar muito forte (especialmente com a mãe e os


irmãos) parece ter sido decisiva para que, apesar de todos os seus
percalços e da depressão a que foi acometida, conseguiu manter uma
perspectiva de vida em busca de melhores condições;

• Do ponto de vista profissional, Elisa desde o início exerceu atividade


formal, com carteira assinada e que exigia uma determinada qualificação
(costureira); assim, conseguiu ingressar numa empresa que para ela
significou um avanço em relação aos empregos anteriores e, mesmo
acometida pela depressão, está afastada por licença médica, tendo
direito à pensão pelo órgão de seguridade social;

• Assim, parece que Elisa é a expressão de uma família cuja posição


social modesta não chegou a se deteriorar, fazendo com que seus
membros tivessem possibilidades objetivas de inserção social
minimamente satisfatória (como por exemplo, o emprego formal durante
anos, em meio a uma situação nacional de desemprego e de ampliação
do emprego informal). Assim, mesmo com a depressão, Elisa parece
manter uma postura frente ao mundo de busca objetiva de melhor
qualidade de vida.

3.3. Os depoimentos das educadoras

No sentido de reunir subsídios para verificar como a escola tem


trabalhado com alunos como os entrevistados, com trajetória escolar marcada
pelos abandonos e retornos reiterativos, resolvi colher o depoimento de duas
144

professoras e da coordenadora pedagógica responsável pelo período noturno,


por entender que elas poderiam fornecer informações mais detalhadas e
precisas, não só sobre o que levaria esses alunos a terem tal trajetória, como
também sobre possíveis ações que a escola tivesse realizado para dar algum
tipo de encaminhamento a esses problemas.

3.3.1. O depoimento da professora Dalva

Está cada vez mais difícil colocar na cabeça dos


alunos que aqui na escola o objetivo final não é a
nota. A nota é conseqüência do conhecimento,
daquilo que você aprendeu...Parece que eles vêm
pra escola porque eles precisam de um diploma do
Ensino Médio para permanecer no emprego e o
conhecimento fica de lado...
(Dalva)

A professora Dalva, com 35 anos de idade, exerce a atividade docente a


dez anos, dos quais sete deles como professora efetiva na escola aqui
investigada. Indagada sobre seu contentamento em relação à sua profissão,
ela se diz descontente.
Segundo a professora, os alunos não reconhecem na escola a
importância do conhecimento:

Eles já foram acostumados... estão vindo acostumados a passar de ano


sem muito esforço, então já é uma cultura na cabeça deles.

Certamente, ela está se referindo ao regime de progressão continuada,


e acrescenta que na cabeça dos alunos parece refletir a seguinte conclusão: Eu
não preciso fazer nada... pra que vou estudar?
Em sua opinião, este tipo de comportamento traz reflexos na freqüência
dos alunos, pois eles começam a faltar porque não têm estímulo para
aprender.
145

Para ela, qualquer atividade solicitada ao aluno é imediatamente


procedida pela questão: “Quanto vale?” Portanto, o que conta para ele é
somente a nota, e não percebe que ela é conseqüência de um processo de
aprendizagem. Ela afirma que eles serão cobrados pela vida, que embora na escola
eles achem que não possam ser cobrados, esta não é a realidade.
É neste contexto que Dalva diz se sentir impotente, sensação esta
compartilhada pela maioria de seus colegas de profissão: É o que nos tiram e o
que nos obrigam a fazer que está dificultando cada vez mais esse processo.
Ao se referir exclusivamente aos alunos que cursam o período noturno,
Dalva afirma não ter um número excessivo de alunos em sala de aula, até
porque ela tem a impressão de que eles fazem um esquema de rodízio, ou
seja, parece que um número acentuado de alunos falta num determinado dia e
no outro, são os demais que resolvem faltar.
Esta conduta, para ela, implica no desenvolver de sua prática educativa,
já que não consegue abordar um mesmo assunto com todos de uma única só
vez. Ela acredita que eles faltem muito por causa do trabalho,
conseqüentemente, do cansaço, mas não dá para descartar a hipótese de que
a segurança de aprovação os faça direcionarem por este caminho.
Dalva afirma que ao final do ano letivo esta constatação parece real, por
isso os alunos se apegam a ela com tanta convicção. Poucos casos acabam
realmente sendo retidos, e na maioria das vezes, porque extrapolou o número
de faltas permitido, e é comum vê-los retornar no ano seguinte. Mas, reinicia-se
o ciclo: ausências, cansaço, expectativa de aprovação...
Para a professora, é comum o aluno ter esse tipo de comportamento e
nunca procurar os responsáveis para justificar suas faltas, salvo ausências
médicas. Ela costuma notificar o excesso de faltas desses jovens nos
Conselhos de Classe e Série (bimestrais), mas, segundo ela as palavras são
soltas ao vento, o vento leva... talvez alguma atividade possa ser tomada em relação
aos alunos menores, mas em relação aos maiores, eu não percebo nada, não.
Ao ser questionada sobre as ausências que incidem em menores
períodos de tempo, como 15 dias, por exemplo, a professora justifica:
146

Eu só tenho duas aulas por semana e as duas no mesmo dia, então se


o aluno tem duas faltas e dois dias de faltas comigo, então ele já tem os 15
dias né? Fica muito difícil de acompanhar isso...

Quanto a acompanhar o processo de avaliação e o rendimento escolar


desse jovem, Dalva pontua que:

É muito difícil porque os alunos que estão presentes também não estão
com um bom rendimento, é difícil você mudar a cabeça deles, principalmente
na 1ª série, que eles estão vindo da 8ª série, e estão acostumados a passar de
um ano pra outro sem ficar retido em nenhuma série. Acho que esta questão
da retenção não é uma questão de castigo pro aluno, embora muitos pensem
que seja, eu acho que é o momento do aluno se auto-avaliar: “se eu não fui
bem neste bimestre tenho de me esforçar pra recuperar no próximo.”

Além do que, ela relata as baixas condições de trabalho, quando afirma


que eu tenho 16 salas e, se já é difícil guardar o nome do aluno, que dirá associar o
aluno à dificuldade que ele tem e poder trabalhar essa situação individualmente, é
mesmo impossível.
Ela diz ser comum presenciar o retorno de um mesmo aluno diversas
vezes na mesma série e não entende esse procedimento:

Às vezes, eu me pergunto isso e não consigo achar a resposta, porque


se ele saiu daqui, foi pra outra escola, por que voltou? Também eu não consigo
entender o porquê. Talvez por causa dos amigos, porque a escola é um ponto
de encontro.

Quanto à convivência desses alunos com outros mais jovens e ao


processo de ensino e aprendizagem, Dalva diz que seria de se esperar que
fizesse alguma diferença, mas não é o que parece, porque, segundo ela, eles
são imaturos. Há raríssimos casos de alunos que têm objetivos e nestes casos,
eles entram em conflito com os demais e acabam, geralmente, desistindo.
Questionada sobre alguma proposta de readaptação que atenda a esses
jovens, especificamente, ela diz desconhecer, seja nesta escola ou em
qualquer outra que tenha lecionado anteriormente. Até porque ela acredita que
147

existam outras escolas do Estado, como o EJA (Escola de Jovens e Adultos),


que atendem a essa clientela que se encontra fora da idade e série:

Não seria uma opção viável para eles? [...] Lá o professor tem que ir
devagar porque o aluno parou de estudar a muito tempo... é claro que você não
consegue passar tudo que seria viável para seus alunos, porque se em 1 ano
não dá, imagina em um semestre...

3.3.2. O depoimento da professora Claudia

Eu não me sinto educadora e nem quero ser...


Educar, eu acho, é muito complexo. Eu me sinto
professora e não vejo ninguém hoje, por mais que se
use esta palavra educadora, eu não vejo as pessoas
tendo condição de educar alguém, no sentido que eu
entendo.
(Claudia)

A professora Claudia, de 39 anos, integra o quadro de efetivos da E. E.


Professor Vicente Peixoto há 07 anos, estando no magistério há 15 anos. Além
desta escola, ela ministra aulas em uma outra instituição de ensino da rede
privada, também localizada na cidade de Osasco. A carga horária de trabalho
da Claudia atinge, em alguns dias na semana, um total de 14 horas aulas
diária.
Essa constatação, entretanto, não é suficiente para Claudia desgostar
do que faz, ao contrário, diz sentir prazer em dar aulas, porque tem muita
liberdade em fazer e propor coisas. Mas, sente-se insatisfeita com a sua
profissão, por não estar contente com “n” problemas:

Eu sinto muitas dificuldades, muitas vezes eu fico me perguntando o


que é que eu estou fazendo aqui, pra que eu estou ensinando... eu me
questiono milhões de vezes qual é o meu papel aqui no Estado, porque eu
desconheço.

Ela diz não sentir as mesmas dificuldades na escola privada, pois:


148

Lá eu não sinto tanto isso porque é a mesma classe social, é a minha


classe social, são os meus valores que estão lá, então eu sei o que eles
querem na verdade, eu me entendo com eles, é... eu não choco com o que
eles fazem porque eram as coisas que eu fazia. É uma relação muito mais
próxima.

Um segundo problema apontado pela professora é o fato dela não


conseguir dar continuidade no seu trabalho pedagógico, devido ao número
excessivo de ausências por parte dos alunos do período noturno. Ela
exemplifica da seguinte forma:

Eu começo uma atividade hoje... um filme, e metade da sala assistiu, e


na aula seguinte, quando a gente vai discutir, vai conversar, vai fazer o
trabalho, esse pessoal que tava assistindo o filme não veio e o que eu tenho é
uma outra metade que não estava assistindo o filme, então não tem sentido o
que eu estou fazendo ali [...] a sensação que eu tenho é que eu to correndo
atrás do rabo... patinando, eu não saio do lugar nunca, eu tenho sempre que
voltar... eu to desde o primeiro bimestre no mesmo conteúdo. [...] Eu percebo
assim: no primeiro ano isto é muito mais grave, é muito sério no primeiro ano,
aí eu já não sei se tem a ver com maturidade [...] já o meu trabalho no segundo
ano é um pouco melhor. No primeiro ano eu diria que eu poderia jogar fora o
trabalho de um ano inteiro.

A professora alega que, em geral, eles não a procuram para justificar


essas faltas, com exceção de casos pontuais, e ela, sempre que possível, os
alerta no momento da chamada, mas é um comportamento esporádico, pois
justifica que também não os vê com freqüência.
No que concerne à relação ensino-aprendizagem, Claudia diz ser muito
difícil, pois se não consegue chegar no aluno que está em sala, como poderia
chegar naquele outro, que nunca está. Além do fato de que este tipo de aluno,
que se ausenta sem explicação, dificilmente irá solicitar alguma atividade de
reposição. Quando, porventura, o faz, a coordenação pedagógica solicita aos
professores procederem nesse sentido. Mas, em sua concepção, a reposição
de atividades por meio de trabalhos de pesquisas não gera nenhum tipo de
auto-estima. Ela explica:
149

No caso desses alunos que têm muita dificuldade, o que acontece é que
eles fazem o que eu passo, mas eles vão copiar de outros alunos porque eu já
sei, vão entregar essas atividades para mim e eu vou fingir que foi ele que
fez...vou atribuir uma nota azul porque é isso que a escola quer que eu faça e é
isso que ele quer que eu faça.

Portanto, para a professora Claudia, o aluno só tem a sua auto-estima


recuperada quando ao final do ano letivo ele percebe que aprendeu, que houve
um crescimento em termos de aprendizagem. E esse tipo de reposição não
incide em conhecimento.
Ao ser questionada sobre sua opinião acerca das expectativas desses
alunos, ela sorrindo diz não ter a menor idéia. E ainda sobre o que os levaria a
retornar à instituição escolar depois de sucessivas retenções ou evasões, ela
responde:

Eu acredito que de alguma forma isso prove que a escola ainda faça
sentido por mais que as pessoas digam que não. Eu acredito no seguinte, que
eles esperam... porque eu ouço o que eles falam: todos desejam fazer
faculdade. [...] Então eu fico pensando assim: Meu Deus, como é que essas
crianças vão... elas não sabem nem ler nem escrever né, mas elas almejam,
elas sonham, então a escola ainda faz algum sentido pra elas.

Claudia acrescenta que no início de sua carreira ela dava aulas numa
escola da rede pública localizada também na região central da cidade de
Osasco. Naquela época a comunidade que freqüentava os bancos escolares
era a comunidade local, então era a sua classe social que estava lá, porque ela
também foi aluna da rede pública: Então eu me identificava muito e acho que é
muito diferente de hoje. E, a partir da reforma de 97, na gestão de Rose
Neubauer, o público que freqüentava a escola pública mudou e as pessoas,
segundo ela, fazem das tripas corações, mas pagam qualquer coisa, nem que seja
uma porcaria, mas pagam uma escola privada.
O que aconteceu:

A impressão que eu tenho é que ela está pior. Eu não tinha contato com
essa camada social antes, então essa camada social estava numa escola
150

muito distante, bem na periferia e vieram pro centro por causa dessa
remodelação aí do sistema educacional. Então o que mudou é que eu estou
lidando com uma camada social que é diferente daquela que eu lidava há 15
anos atrás e aí me choca, é lógico.

Por isso, a sua prática pedagógica mudou, ou melhor, teve de mudar


completamente. Claudia argumenta que, se há 15 anos seus alunos liam um
livro por bimestre, só na sua disciplina, tinham seminários constantes, saídas
pedagógicas: hoje, eles mal lêem uma folha, têm dificuldades para acompanhar a
legenda de um filme que não é dublado, não têm um mínimo de vocabulário... E ela,
como professora, sente-se satisfeita quando ao final de um bimestre percebe
que eles entenderam pelo menos o tema das aulas.

3.3.3. O depoimento da coordenadora pedagógica

Gilda diz que a escola se propõe a realizar atividades dinâmicas,


objetivando sempre o protagonismo juvenil, visto que em sua opinião é um
possível caminho para se evitar o abandono escolar. Mas diz também que
realizar tais atividades nem sempre é possível, há resistência principalmente
por parte dos professores e descontinuidade dessas atividades, ou seja, com
suas próprias palavras:

Muitas vezes elaboramos todo o roteiro de um projeto dinâmico, que


envolva a todos os envolvidos no processo educacional, mas em seguida
começam a surgir os problemas, alguns professores não acreditam nesse tipo
de atividade e por vezes, não conseguem direcionar seus conteúdos para o
projeto proposto, outros deixam a escola e aquele que o substitui (devido a
freqüente demora na sua substituição) não acompanha. Isso faz com que na
maioria das vezes, ele não tenha continuidade, ou acaba envolvendo apenas
uma parcela dos professores e alunos.

A coordenadora acrescenta que há uma rotatividade significativa de


professores nos encontros que ela mantém com o grupo e nos horários
reservados para este tipo de atividade, o que implica na dificuldade de se
manter o grupo coeso. Gilda acredita que pouco faz para evitar os abandonos,
151

pois coloca em primeiro plano as necessidades dos professores. Mas isso não
significa que ela não registre e torne público consideráveis ausências, quando
tem conhecimento sobre as mesmas. Em alguns casos, os professores
solicitam trabalhos de reposição, mas que segundo ela

em nada acrescentam para o aprendizado do aluno, pois eles costumam


pesquisar na Internet, e sem leitura e compreensão do mesmo, dificilmente
tirarão notas satisfatórias nas futuras avaliações.

Embora sejam estas as suas considerações, acrescenta que gostaria de


poder ajudar a todos, dar mais atenção a seus problemas, enfim, ouvi-los e
poder fazer algo por eles, não hesita em dizer que este tipo de procedimento é
quase impossível dentro da escola, haja vista a multiplicidade de tarefas e os
diferentes procedimentos adotados pelo corpo docente.

As principais conseqüências dos depoimentos das educadoras podem


ser assim sintetizadas:

• Os depoimentos das professoras e coordenadora entrevistadas, no


que concerne ao reconhecimento das dificuldades de rendimento e de
comportamento e a sua conseqüente readaptação, apontam para um
tratamento dos problemas dos alunos como se não houvesse
diferenças entre eles: faltam porque não precisam estudar porque
dificilmente serão retidos, são imaturos e despreparados, etc. Nesse
contexto, Bourdieu (1998) nos adverte que a igualdade formal que
pauta a prática pedagógica serve como máscara e justificação para a
indiferença no que diz respeito às desigualdades reais diante do
ensino e da cultura transmitida, ou, melhor dizendo, exigida;

• Nesse sentido, a visão das professoras é marcadamente uma visão


de classe: um melhor nível escolar pode resultar em inserção social
152

qualificada; como desconhecem as peculiaridades de cada um, não


conseguem enxergar que as expectativas e destinos sociais dos
alunos entrevistados mostram que o valor da escolaridade é relativo,
pois tanto as expectativas quanto os destinos parecem muito mais
marcados pela origem social;

• Como os alunos parecem não querer ou ter condições para uma


aprendizagem qualificada, o que fazem (mesmo a contragosto) é
reduzir as exigências: assim, aqueles que mais precisariam são os
que menos recebem, o que redunda na reiteração das suas posições
sociais de origem; isto fica ainda mais claro quando uma delas se
refere aos alunos da escola privada: como eles respondem melhor,
ela pode desenvolver mais o que considera necessário para eles.
Estas considerações parecem apontar para o que Bourdieu (1998)
identifica como uma tradição pedagógica que só se dirige, por trás das
idéias inquestionáveis de igualdade e de universalidade, aos
educandos que estão no caso particular de deter uma herança
cultural, de acordo com as exigências culturais da escola;

• Tanto as professoras quanto a coordenadora têm muito pouco


conhecimento sobre as particularidades de cada aluno, o que redunda
em tratamento indiferenciado dos problemas; no caso das ausências
reiteradas, o que se faz é, no máximo, adverti-los sobre as
conseqüências; não se pode, entretanto, desvincular esse
desconhecimento com as condições concretas de trabalho expressas,
por exemplo, pelo fato de uma professora ministrar aulas para 16
turmas diferentes, com uma média de 40 alunos e duas aulas por
semana, o que certamente não dá nem para conhecer todos eles pelo
nome. Esta proposição incide na constatação de Bordieu (1998)
acerca de que o ensino de massa opõe-se, ao mesmo tempo, tanto ao
ensino reservado a um pequeno número de herdeiros da cultura
153

exigida pela escola, quanto ao ensino reservado a um pequeno


número de indivíduos quaisquer, visto que o sistema de ensino está
condenado a uma crise na medida em que recebe um número cada
vez maior de educandos que não dominam mais, no mesmo grau que
seus predecessores, a herança cultural de sua classe social, ou que,
procedendo de classes sociais culturalmente desfavorecidas, são
desprovidos de qualquer herança cultural (BOURDIEU, 1998).
154

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação procurou, por meio da análise de depoimentos de


alunos que apresentavam trajetórias irregulares no Ensino Médio, analisar a
relação entre suas condições familiares, escolares, sociais e profissionais
pregressas e as reiteradas evasões e retornos ao Ensino Médio, bem como
com as suas expectativas e destinos sociais.
Para tanto, a investigação foi realizada numa escola de nível médio da
rede estadual de ensino de São Paulo, situada no município de Osasco e que,
pela própria localização geográfica (região central do município) e pelo
reconhecimento público de sua qualidade de ensino, se caracterizasse como
uma unidade escolar que se configurasse como pólo de atração para alunos
que buscavam no Ensino Médio algo mais que a simples certificação e,
decorrente deste primeiro aspecto, contasse com alunado de origem social
bastante diversa.
Assim, a pesquisa foi efetuada com alunos, professoras e coordenadora
pedagógica do curso médio noturno da E. E. Professor Vicente Peixoto,
localizada na região central do município de Osasco e que pode ser
caracterizada como um misto entre “escola de passagem” (de alunos de bairros
periféricos que, ao mesmo tempo, procuram escolas de melhor qualidade e que
se situem próximas do local de emprego) e “escola de comunidade” (por
atender alunos que residem nas suas proximidades).
Num primeiro momento, foram levantadas e analisadas, com base em
dados quantitativos, as situações escolares de todos os alunos do Ensino
Médio noturno da escola que apresentavam trajetórias irregulares, expressas
por reiterados abandonos e retornos à escola, o que permitiu que fossem
selecionados os quatro alunos que se prontificaram a oferecer seus
depoimentos.
Além dessas entrevistas, como a coleta de dados complementares,
foram realizadas entrevistas com duas professoras e a coordenadora
pedagógica responsável pelo ensino noturno, com duplo objetivo: de
155

cotejamento de suas visões acerca das dificuldades desses alunos com os


depoimentos desses últimos e as possíveis medidas tomadas pela escola na
busca de soluções para esse problema.
O que se pôde constatar de todas as entrevistas com os alunos foi a
extrema diversidade tanto de fatores intervenientes nessas trajetórias
(familiares, escolares, sociais e profissionais), quanto de suas conseqüências
nas expectativas e destinos sociais desses jovens.
Isto é, sob uma aparência de homogeneidade (caracterizada pelos
abandonos e retornos reiterativos), o que se verificou foi uma grande
diversidade de causas (problemas familiares complexos, condições de vida e
capitais culturais de origem diferentes, etc.).
Podemos considerar, sem medo de erro, que o achado mais significativo
reside exatamente na constatação de que, apesar do fracasso escolar
expresso pelos abandonos e retornos reiterativos ao Ensino Médio exercer
influência nas expectativas e destinos sociais dos jovens entrevistados, o que
parece jogar papel decisivo é a origem social de cada um.
Nesse sentido, os dois rapazes, oriundos da classe média local, mesmo
enfrentando graves problemas familiares, exatamente por serem originários
dessa camada social, apresentam tanto situação social já alcançada quanto
expectativas que não estão estritamente relacionadas à sua escolarização, pois
que, mesmo possuindo somente o ensino obrigatório e apresentando situação
de fracasso no Ensino Médio, estão alcançando posições sociais que impedem
a sua desclassificação social.
Contrariamente, as duas moças apresentam tanto destinos quanto
expectativas sociais muito mais rebaixadas. Enquanto que uma delas, apesar
de ter apresentado o melhor desempenho de todos no ensino elementar,
conseguiu se inserir como operária qualificada (costureira) e não possuir
qualquer expectativa maior do que essa, a segunda tem como expectativa
algum tipo de trabalho que evite o mesmo destino da mãe, a de ser faxineira.
Assim, os dados coletados nos mostraram que não só os fatores
intervenientes nessas trajetórias irregulares foram muito distintos entre si como,
156

especialmente, expressaram o valor relativo que o fracasso escolar assim


expresso teve em relação à construção de um destino social e das expectativas
desses jovens sobre perspectivas futuras de vida.
Por outro lado, a escola, aqui representada pelas duas professoras e
pela coordenadora pedagógica, ao tratar todos esses alunos como iguais, não
reconhecendo as especificidades dos problemas de cada um e operando uma
seleção que sanciona e consagra as desigualdades reais, a escola contribui
para perpetuar as desigualdades, ao mesmo tempo em que as legitima.
E, ao transformar as desigualdades de fato em desigualdades de
direito, as diferenças econômicas e sociais em “distinção de qualidade”, leva os
alunos a incorporarem como inaptidões naturais o que não é senão efeito de
uma condição inferior, persuadindo-os de que eles devem o seu destino social
à sua natureza individual e à sua falta de dons (BOURDIEU, 1998).
Toda essa situação faz com que o curso médio noturno se caracterize
por um ensino de pouca exigência, com rebaixamento do conteúdo a ser
desenvolvido, com grande número de ausências dos alunos e que redunda,
exatamente, na reiteração da “incapacidade de aprendizagem” e que reforça a
manutenção de um destino social muito próximo de suas origens sociais.
Para finalizar, vale a pena reiterar que o objetivo deste trabalho não foi o
de meramente denunciar uma situação que já é bastante conhecida pelo
campo (o da fragilidade do ensino noturno e da produção do fracasso pela
escola), mas o de se incorporar a outros trabalhos que, com base nas teorias
sociológicas críticas (aqui representada pelo pensamento de Pierre Bourdieu),
possa oferecer alguma contribuição (com plena consciência de que ela deve
ser muito pequena, fruto de uma pesquisadora iniciante) para o desvelamento
de mecanismos inconscientes e sub-reptícios que a escola põe em ação e que
redundam, exatamente, na tendência de reiteração de destinos sociais muito
próximos das origens sociais do alunado, ou seja, de favorecimento da
reprodução social.
157

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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sistema de reprodução. In: BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação.
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Paulo, Tese de Doutorado, 2007.
SOUZA, A. S.; JUSTINA, L.A.D.; POLINARSKI, C.A. Ensino Médio: Preparação
para o vestibular e/ou para a vida? Anais do XII ENDIPE - 12º Encontro
Nacional de Didática e Prática de Ensino. Curitiba: ENDIPE, 2004.
SPOSITO, Marilia Pontes. Estudos sobre juventude em educação. In:
SPOSITO, Marilia Pontes; PERALVA, Angelina Teixeira (orgs.). Juventude
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ZANETI, Hermes. Juventude e Revolução: uma investigação sobre a atitude
Revolucionária no Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília,
2001.
161

ANEXOS
162

ANEXO 1

Alunos com trajetórias acidentadas


Número de evasões e repetências
163

ANEXO 2

Distribuição por série


164
165
166

ANEXO 3

Roteiro de entrevistas com alunos

A – CARACTERIZAÇÃO SOCIAL E ESCOLAR

I – ESCOLARIZAÇÃO

1 – Trajetória no Ensino Fundamental (abandonos, retenções,


lembranças positivas e negativas, etc.);
2 – Ingresso no Ensino Médio (se imediato ao Ensino Fundamental,
processo de ensino-aprendizagem, relações interpessoais em sala de
aula, importância desta fase de escolaridade, relação com os
professores, perspectivas para com a escola, etc.);
3 - Escolas freqüentadas (durante o Ensino Fundamental e Médio:
públicas ou privadas, opção pela escola em questão, grau de satisfação
em relação às mesmas, etc.).

II – AMBIENTE FAMILIAR

1 – Condição socioeconômica dos pais ou dos responsáveis (local da


moradia, posição social da família, rotina doméstica, relação com os
demais membros da família, etc.);
2 – Capital cultural dos pais ou responsáveis (grau de escolaridade,
atividades culturais, sociais, de lazer, etc.);
3 – Apoio nos estudos (acompanhamento pelos responsáveis,
freqüência desta ocorrência, etc.);
4 – Expectativas da família (abordagens sobre a importância ou não da
escola, intenções, etc.);
5 – Problemas familiares sobre escolarização.

III – CONDIÇÕES SOCIAIS

1 – Possibilidades de subsistência (trabalho, remuneração, etc.);


2 – Expectativas profissionais (grau de satisfação, objetivos,
dificuldades apresentadas neste sentido: perda de emprego, distorção
idade/série, nível de instrução, etc.);
167

3 – Vida Pessoal (condição civil, filhos, práticas de lazer, meio social,


etc.).

B – AS EVASÕES E OS RETORNOS

1 – Relatos (Quando, quantidade de vezes, causas, conseqüências


familiares, escolares e profissionais, participação em processos de
readaptação no processo de ensino-aprendizagem e interação,
perspectivas futuras, etc.).
168

ANEXO 4

Roteiro de entrevista com o corpo docente

1 – Dados pessoais (idade, condição civil, filhos);

2 – Formação (tempo de magistério, disciplina(s), tempo na instituição


escolar em questão, demais ocupações, grau de satisfação em relação à
profissão e ao processo ensino-aprendizagem, papel do educador, etc.);

3 – Atuação pedagógica (reconhecimento dos alunos objetos desta


pesquisa, rendimento e comportamento escolar dos mesmos,
readaptação destes alunos, conseqüências desta proposta/reintegração,
métodos evidenciados, relevância e pertinência desta proposta, demais
considerações e sugestões, condições de prática da mesma, proposta
interdisciplinar ou individualizada, etc. Em caso da não ocorrência desta
prática, argumentações pessoais sobre as problemáticas envolvidas).
169

ANEXO 5

Questionário dirigido à coordenação pedagógica

Identificação e Perfil do Coordenador

Sexo: Feminino (X ) Masculino ( )


Idade: 38 anos

Grau de Escolaridade:
Magistério ( ) Ensino Superior ( ) Pós-Graduação (X )

Há quanto tempo você atua como coordenadora?


1 a 2 anos (X ) 3 a 4 anos ( ) 5 a 9 anos ( ) 10 anos ou mais ( )

Nesta escola, há quantos anos? .06 meses

Sobre o projeto de enfrentamento da evasão escolar:


Existe projeto neste sentido? Sim ( ) Não (X )
Qual?...........................................................................................................
........................................................................................
Ele é do conhecimento de todos os agentes educacionais, alunos e
comunidade escolar? Sim ( ) Não ( )

Com que freqüência este fato ocorre nesta instituição?


É freqüente.

É comum o aluno participar à coordenação pedagógica um possível


abandono? Sim ( ) Não (X )

De que forma você toma ciência destas evasões?


Após o Conselho de Classe.
170

Quais os procedimentos após o conhecimento do fato?


Caso o aluno seja maior de idade não existem procedimentos, no caso
do aluno menor comunicamos a família sobre o excesso de faltas do
aluno e se persistir comunicamos o Conselho tutelar.

Eles têm caráter imediato, ou existe momento específico para tais


procedimentos?
Sim, geralmente logo depois de constatado o fato, começam a serem
tomadas as devidas providências.

De um modo geral, como você avaliaria o resultado deste projeto?


Ineficaz.

Sobre o projeto de readaptação/inclusão do aluno ao âmbito escolar:


Existe projeto neste sentido? Sim ( ) Não (X )
Você sabe em que ano ele foi implantado nesta escola? ..........................
Você sabe com que objetivo?
...................................................................................................................
....................................................................................................................
....................................................................................................................
De um modo geral, como está o desempenho dos alunos que estão
participando deste projeto este ano?
...................................................................................................................
....................................................................................................................
....................................................................................................................
E os alunos que já participaram deste projeto, em série anteriores, como
você avalia o desempenho deles?
...................................................................................................................
....................................................................................................................
....................................................................................................................
Com que freqüência você discute este projeto com o corpo docente
desta escola?
....................................................................................................................
.
171

Qual o procedimento?
...................................................................................................................
....................................................................................................................
....................................................................................................................
Como você analisa o comportamento dos professores em relação à
possível proposta de readaptação destes alunos?
....................................................................................................................
....................................................................................................................
....................................................................................................................
Quem fez ou faz as orientações neste sentido?
....................................................................................................................
....................................................................................................................
....................................................................................................................
Qual a sua opinião pessoal sobre o projeto de enfrentamento da
problemática evasão escolar e sobre o projeto de readaptação destes
jovens à instituição escolar?
...................................................................................................................
172

ANEXO 6

Entrevista dirigida à coordenação pedagógica

Num segundo momento, a coordenadora pedagógica retomou as


questões anteriores (anexo 5) e explicitou-as de forma a esclarecer os
apontamentos apresentados no Plano Gestão e Regimento Escolar da escola
pesquisada.

1 – Embora freqüente a ocorrência de evasão escolar nesta instituição de


ensino, a coordenadora pedagógica reafirma a inexistência de projeto de
enfrentamento, mas acentua que algumas atividades culturais motivadoras
incidem no protagonismo juvenil, como as dramatizações no interior da escola,
as feiras culturais, as festas folclóricas, os saraus e diversos outros projetos
interdisciplinares que têm o propósito de envolver os alunos para além do
interior das salas de aulas. Consta ainda no referido Plano, propostas
desafiadoras e diferenciais que, segundo ela, são atividades desenvolvidas por
professores eventuais, como levar os alunos à biblioteca para pesquisas
diferenciadas de diversos temas, como suporte pedagógico. Contudo, estes
procedimentos só são possíveis quando há um quadro coeso de professores e
isso nem sempre ocorre, pois o rodízio dos mesmos impede, muitas vezes, que
essas atividades aconteçam.
Questionada se todos os agentes educacionais têm conhecimento
destas atividades, ela responde que sim, mas diz também ser parcial a
participação de todos nas mesmas, pois nem todos os professores e alunos
apóiam esse tipo de atividade. Quanto à comunidade escolar, a aceitação é
melhor quando há nota para o aluno e contextualização desses projetos.

2 – Em abordagem anterior, a coordenadora diz não ser comum o aluno


participar a escola de um possível abandono da mesma e acrescenta que o
mais comum é ele primeiro dar continuidade ao ano letivo acreditando ser
possível a aprovação no final deste, apesar da irregularidade na sua
freqüência. Alguns a procuram somente no final do 3º bimestre, principalmente
173

alunos que já foram retidos em anos anteriores, informando-se a respeito de


suas possibilidades. A pergunta mais comum, segundo ela, é se deveriam
buscar um supletivo e qual o indicado. Mas, para sua surpresa, em geral, isso
não ocorre. Eles permanecem e costumam retornar no ano seguinte.
Quanto aos ausentes que não a procuram ela realmente só toma
conhecimento desses casos nos Conselhos bimestrais, após o Conselho de
Classe e Série. Ela afirma ainda que não há como controlar esse tipo de
ocorrência diariamente. Quando o aluno já apresenta um quadro dessa
natureza ou a família é freqüente na escola, torna-se até mais fácil chamar a
atenção do aluno para a sua situação, mas se é um aluno que não chama a
atenção sobre si, ela realmente só pode abordá-lo após o Conselho bimestral
e, muitas vezes, ele já possui um número de faltas acentuadas que certamente
o prejudicará no resultado final.
Torna-se ainda mais sério o problema quando o aluno é maior, pois é ele
quem responde por seus atos e ao evadir-se não há como e onde recorrer, pois
até a família justifica-se alegando sua maioridade.
Em geral, a evasão é um processo progressivo e sem contato com os
agentes educacionais.

3 – Quanto a projeto de readaptação e inclusão, conforme dito anteriormente,


ele não existe. O que existe são trabalhos de compensação de ausências –
pesquisas sobre conteúdos não contemplados pelos alunos durante suas
ausências. Ela diz particularmente não acreditar neste tipo de trabalho, pois
para ela ele não contribui em nada para a inclusão ou readaptação desse
jovem, mas a escola cumpre uma resolução estadual nesse sentido.
Ao aluno é permitido solicitar por diversas vezes durante o ano este tipo
de compensação, mas em nada contribui para o seu crescimento pedagógico.
Essa solicitação, por parte dos alunos, ocorre geralmente nos finais de
bimestres, após a constatação de seu rendimento escolar em virtude do
número excessivo de ausências. Somente após essa solicitação, a
coordenadora participa os professores da necessidade de a eles atribuir um
trabalho de pesquisa, o que fica, segundo ela, por conta dos mesmos agirem
conforme a sua prática. Ela não mais os questiona nesse sentido, haja vista
trabalharem num sistema de confiança recíproca.
174

Pontua também que gostaria de poder controlar melhor essa situação


dentro da escola e de dar maiores oportunidades a esses alunos que
apresentam quadro de abandono e, por vezes, só são lembrados quando de
sua retenção ou evasão definitiva. Acha que se está matriculado e
esporadicamente retorna é porque existe interesse e valorização do sistema de
ensino, mas isso nem sempre é possível, apoiá-los significaria criar dentro da
escola um clima de desavença, pois a mesma exige dos alunos um motivo
plausível e comprovado pelas ausências.
Há ainda outro determinante: em primeiro lugar seu trabalho volta-se
para o professor quanto a motivá-lo e ajudá-lo em suas práticas educativas e,
acompanhar a freqüência dos alunos, não é a prioridade da escola.
175

ANEXO 7

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