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No final do século XIX a única possibilidade de seguir um ensino superior para
alguém que vinha de uma família que não tinha condições de pagar os
estudos, era a Escola Militar da Praia Vermelha no Rio de Janeiro. Castro
aponta que a maioria dos estudantes militares vinha das províncias,
principalmente do Norte. Para esses alunos o deslocamento cultural que eles
enfrentavam era mais que apenas territorial, e sim um tempo social diferente do
que eles estavam incluídos em suas províncias, como o próprio autor coloca,
seria um mundo mais eurocêntrico, bem diferente do sertão no qual esses
alunos estavam acostumados.
Também pode se notar que como a maioria das famílias desses alunos vivia
afastada nas províncias deixadas pelos mesmos, o seu grupo de referência
básica acabava sendo outros alunos, era através dessa forte convivência entre
eles no “Tabernáculo da Ciência” (Expressão que os alunos utilizavam para se
referir a escola, mostrando o apreço pelo estudo da Ciência e demonstrando
questões positivistas muito fortes dessa época) que se tornavam parte da
“mocidade militar”.
O “espirito de corpo” segundo Castro era como uma integração e solidariedade
provindas de admirar si mesmo em seus companheiros e de esquemas de
percepção, apreciação, pensamento e ação. E tudo isso é compreendido pelo
autor no processo de iniciação e integração dos alunos novos no “Tabernáculo
da Ciência”. Por exemplo, os alunos novos eram chamados de “bichos”,
fazendo uma comparação a seres irracionais, que não deveriam estar daquela
maneira ali na escola, pois ali era um lugar da Ciência. Por isso, os alunos
novos deveriam passar por uma iniciação, o “trote”, que era feito pelos alunos
mais antigos, nenhum oficial ou supervisor proibia essa prática, pois existia um
sentimento de que, todos que estavam ali passaram por isso em um momento,
portanto, os mais novos deveriam passar também e assim estarem preparados
para estudar ali, um pensamento meritocrático e hierárquico bem comum entre
os militares. Outra questão era o demonstrar a unidade do grupo, ou seja, a
unidade estaria em risco com a entrada de novos alunos, e através da vitória
culturas sobre os “bichos”, como Castro coloca em seu texto, o “trote” servia
também como instrumento civilizatório e também para se reconhecerem como
grupo.
Os momentos de lazer e até as indisciplinas também eram geralmente
praticadas em conjuntos. Isso mostra muito bem o “espírito de corpo” que
Castro comenta em seu texto, os alunos se tratavam como um único ser, um
grupo, portanto, se um cometesse uma alteração, dependendo que foi, todos
pagavam juntos.
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Segundo a escritora inglesa Mary Carpenter, a expressão “classes perigosas”
parece ter sido surgida na primeira metade do século XIX. Ela é utilizada de
uma forma bem especifica, referindo-se apenas aos indivíduos que já haviam
escolhido uma forma de vida as margens da lei. Já em 1840, M. A. Frégier, um
alto funcionário da polícia de Paris, escreveu um livro em que seu objetivo era
produzir uma descrição detalhada de todos os “malfeitores” que agiam nas ruas
de Paris. Apesar de seu empenho e cuidado na análise das estatísticas, ele
não foi capaz de resolver por completo o estudo sobre os “malfeitores” e isso
acabou em uma ampla descrição das condições de vida dos pobres
parisienses em geral, e assim ele não conseguiu determinar com nenhuma
precisão a fronteira entre as “classes perigosas” e as “classes pobres”.
Chalhoub então fala que bem aonde Frégier não consegue fazer uma ampla
descrição, trazendo ideias claras, que nossos deputados encontrar inspirações
para debater sobre as questões do trabalho, da ociosidade e da criminalidade
na sociedade brasileira. Para os deputados, o bom cidadão é que tem gosto
pelo trabalho, e isto afeta diretamente a situação financeira do cidadão,
portanto se ele é um bom cidadão, ele vai conseguir emergir em sua vida, e
sair da classe inferior, ou seja, isso automaticamente transforma a classe pobre
em uma classe ociosa. Os deputados usam de uma expressão “classes pobres
e viciosas” para argumentar sobre essa questão. Mas se eles colocam as
palavras pobres e viciosas como sinônimo em sua fala não tem os “bons”
pobres, ou seja, todo pobre é ocioso, e lhe falta a maior virtude do cidadão de
bem, a vontade de trabalhar, por causa de seus vícios. Portanto, os pobres
carregam vícios, os vícios produzem malfeitores, os malfeitores são perigosos
à sociedade, e assim temos a definição de que os pobres são perigosos.
Com isso, a noção de que a pobreza de uma pessoa era fato suficiente para
torná-la perigosa teve enormes consequências. Chalhoub coloca que a polícia
age a partir do pressuposto de que todo cidadão é suspeito até que se prove
ao contrário e alguns cidadãos são mais suspeitos que outros, como os
imigrantes pobres, mendigos, prostitutas, e preferencialmente os negros que se
tornaram os suspeitos principais, por causa do que os patrões imaginavam do
caráter deles vindo do cativeiro recém-libertos.
Outra questão que também surge muito efeito na condenação das classes
pobres em perigosas é a higienização, a elite culpava os cortiços e o
aglomerado de pessoas pobres na decorrência de doenças e epidemias, isso
fez com que além de malfeitores, os pobres eram perigosos na questão da
saúde, traziam doenças, como por exemplo, os imigrantes, isso causou no
afastamento a força das “classes pobres, classes perigosas” do centro urbano,
por um discurso positivista e civilizador.