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ASSIS
2007
LETÍCIA PASSOS DE MELO SARZEDAS
Dissertação apresentada à
Faculdade de Ciências e Letras de
Assis – UNESP – Universidade
Estadual Paulista para obtenção do
título de Mestre em Psicologia (Área
de Conhecimento: Psicologia e
Sociedade).
ASSIS
2007
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
APRESENTAÇÃO
REFERÊNCIAS
ANEXOS
APRESENTAÇÃO.
Solene Trilogia
Quando a escravatura
Surgir da negra treva — em ondas singulares
De luz serena e pura;
Cruz e Souza.
3 Segundo Guimarães (1999) o conceito de raça no Brasil só pode ser analisado sob uma óptica
política e de construção histórica e social para que esse conceito ultrapasse o aspecto da cor da
pele. Essa pesquisa adotará o conceito de raça como apontado por Guimarães (1999)
diferenciando-o de etnia, já que este conceito pressupõe além de raça, os aspectos culturais de um
determinado grupo.
____________________________________________________________ Apresentação 13
O Negro
que este, por ser inferior, deveria ser orientado e cuidado por aqueles
considerados superiores.
4
Os autores analisaram inventários de senhores de escravos e registros religiosos de batismo e
morte em busca de informações sobre as condições das crianças negras na época da escravidão na
região do Rio de Janeiro.
____________________________________ Algumas histórias sobre o negro brasileiro 19
(mucama, pastor, lavrador, etc.), que se completava por volta dos 12 anos
de idade.
Os relacionamentos sexuais entre os senhores e as escravas eram
freqüentes e representavam por um lado o prazer sexual do senhor e, por
outro, a possibilidade de vingança e de tratamento privilegiado para a
escrava. A representação da mulher negra como um símbolo erótico vem,
segundo Pinsky (1993), da condição em que essas escravas estabeleciam-
se nas propriedades: a separação dos casais e dos filhos, a proporção de
uma mulher negra para quatro homens negros, assim como o exercício de
poder e de posse do senhor sobre o corpo de seus escravos. Dessa
maneira, as mulheres escravas eram usadas para satisfazer o prazer
sexual dos senhores de escravos e dos negros nas senzalas, submetendo-
se, muitas vezes, a práticas sexuais com diversos homens.
Através do relacionamento sexual com seus donos, as escravas
negras almejavam uma condição mais próxima da liberdade, contando
com o afeto desses homens e com a possibilidade de verem seus filhos
entre aqueles que lhe dominavam. A alforria era conquistada através de
subterfúgios, fugas e pela incapacidade física. A possibilidade de comprar
a alforria, tão amplamente divulgada nos livros de História, era na verdade
uma vantagem para os senhores de escravos, já que:
7 A crise do café ocorreu por uma superprodução do café brasileiro em relação ao seu consumo
externo. O desequilíbrio entre oferta e procura foi, em parte, sanado pelo sistema de colonato
exercido pelos imigrantes. Essa configuração dificultou a absorção da mão-de-obra dos antigos
escravos.
____________________________________ Algumas histórias sobre o negro brasileiro 33
Lágrima de Preta
Antônio Gedeão
[...] quando usam o termo raça [...] usam-no com uma nova
interpretação, que se baseia na dimensão social e política do
referido termo. E, ainda, usam-no porque a discriminação racial e
o racismo existentes na sociedade brasileira se dão não apenas
devido aos aspectos culturais dos representantes de diversos
grupos étnicos-raciais, mas também devido à relação que se faz
na nossa sociedade entre esses e os aspectos físicos observáveis
na estética corporal dos pertencentes às mesmas. (GOMES, 2005,
p. 45)
__________________________________________________ Afinal, o que é racismo? 43
Ainda
8 Guimarães (1999, p. 29-30) define o racialismo como um conceito sociológico onde as diferenças
seriam traçadas baseadas numa “essência” atribuída às raças. Dessa forma, os traços fenotípicos
estariam associados a uma determinada essência, indelével e hereditária, que justificaria a
discriminação.
__________________________________________________ Afinal, o que é racismo? 46
9 Segundo Norbert Elias, carisma racial é “um pleito bem sucedido de um grupo por graças e
virtudes superiores, através de um dom eterno, em comparação a outros grupos, condenando-os
efetivamente a qualidades adscritas coletivamente como inferiores e como atributos eternos” (apud
GUIMARÃES, 1999, p. 215)
__________________________________________________ Afinal, o que é racismo? 50
Rubem Alves
1 OBJETIVOS.
10 Para Conte (apud TRIVIÑOS, 1987), existem três níveis de evolução do pensamento humano: o
religioso, o metafísico e o positivo. Sendo este último o que deveria ser utilizado pela ciência.
_______________________________________ Pesquisando a criança negra na escola 53
12As três Leis da Dialética são: Lei da passagem da quantidade à qualidade, Lei da unidade e da
luta dos contrários (Lei da Contradição) e Lei da negação da negação (TRIVIÑOS, 1987).
_______________________________________ Pesquisando a criança negra na escola 60
13A Lei da passagem da quantidade à qualidade, da dialética, considera que todo salto qualitativo
acontece a partir de mudanças quantitativas. “A passagem das mudanças quantitativas às
qualitativas é uma lei geral do desenvolvimento do mundo material.” (TRIVIÑOS, 1987, p. 67)
_______________________________________ Pesquisando a criança negra na escola 62
14 A teoria da construção social da mente e sobre a relação entre pensamento e linguagem são
referentes às idéias de Vygotsky sobre o tema.
_______________________________________ Pesquisando a criança negra na escola 63
15Triviños (1987). O autor aponta que os dados coletados junto ao sujeito podem ser espontâneos –
produzidos sem a presença e interferência do pesquisador, ou provocados – produzidos através da
presença e interferência do pesquisador.
_______________________________________ Pesquisando a criança negra na escola 64
16A epistemologia qualitativa, proposta por Fernando Gonzáles Rey, foi exposta no início desse
capítulo.
_______________________________________ Pesquisando a criança negra na escola 65
4 LOCAL.
5 PARTICIPANTES.
CRIANÇAS
PROFESSORAS
ESTAGIÁRIA
VOLUNTÁRIA
6 BUSCANDO AS INFORMAÇÕES.
“Que idéia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha,
diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado, mosca-morta, sujeira,
bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo não tinha conta o número de apelidos com que
a mimoseavam.”
17
Espontaneidade, economicismo, entonação, probabilidade, pragmatismo, ultrageneralização, confiança,
analogia, precedentes e imitação. (HELLER, 2000).
Criança negra e educação 74
18
A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural foi aprovada na 31ª. Conferência Geral da Unesco,
em 2001. Anexo 2.
Criança negra e educação 78
Santos (2005) analisa que algumas falhas na Lei não garantem que
seu objetivo seja alcançado, como por exemplo, a não previsão da
necessidade de capacitação dos professores que já lecionam, assim como a
falta de respaldo das faculdades formadoras de professores, especialmente
as licenciaturas.
Entretanto, no Parecer CNE/CP nº 003/200419, no qual se
encontra respaldada as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
19
Anexo 3.
Criança negra e educação 82
20
Anexo 3
21
Anexo 4.
Criança negra e educação 83
Não ser visível nas ilustrações do livro didático e, por outro lado,
aparecer desempenhando papéis subalternos, pode contribuir
para a criança que pertence ao grupo étnico/racial invisibilizado e
estigmatizado desenvolver um processo de auto-rejeição e de
rejeição ao seu grupo étnico/racial. (SILVA, 2005, p. 25)
Entretanto,
Aqui na escola não tem racismo, não! Porque negro aqui é normal,
têm muitos. (Anita)
22
Anexo 5.
________ Observações: diálogos, percepções e vivências das crianças negras na escola 101
— Tudo agora é racismo. Muitos negros estão desse jeito por causa
de seu próprio preconceito. É fácil dizer que a culpa é dos brancos.
Eles (os negros) não vêem que estão na pobreza por que assim
quiseram. Porque se quisessem ser ricos, formados eles
conseguiriam. Eu, por exemplo, escolhi ser professora e sabia que
nunca iria ficar rica com isso. Assim como os brancos tem muito
preto que é vagabundo, folgado e não quer estudar nem trabalhar.
E daí não se dá bem. Não é por culpa do racismo, não. Eles que
não querem mudar. (Anita)
brasileira:
Segundo Gomes,
— Por mais que seja correto falar que todo mundo é igual, eu acho
que não é bem assim, não. Eu vejo que meus alunos negros são
mais agitados, mais sem-educação. Acho que isso é de família.
Não sei porque isso acontece. Acho que vem de casa, sabe. E daí
eu tento fazer com que eles fiquem mais educadinhos, mais
comportados. Eu preciso ver que eles são diferentes, se não vou
ficar fingindo. Não que eu ache que seja pela cor, não. Mas que
eles são diferentes, eles são. Não consigo entender o porque. (Ana
Luísa)
“ser branco” nas relações que estabelece com o mundo e seus símbolos,
fornecendo um sentido às suas experiências e vivências.
ASSIS, Marta Diniz Paulo de; CANEN, Ana. Identidade negra e espaço
educacional: vozes, histórias e contribuições do multiculturalismo.
Cad. Pesqui., set./dez. 2004, vol.34, no.123, p.709-724.
PINSKY, Jaime. Escravidão no Brasil. 12ª Ed. São Paulo, SP: Contexto,
1993.
SANTOS, Sales Augusto. A Lei no. 10.639/03 como fruto da luta anti-
racista do movimento negro. In: BRASIL, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade. Educação anti-racista:
caminhos abertos pela Lei Federal 10.639/03. Brasília, 2005
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
o
LEI N 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003.
o
Altera a Lei n 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo
Mensagem de veto
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá
outras providências.
o o
Art. 1 A Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes
arts. 26-A, 79-A e 79-B:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se
obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
o
§ 1 O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da
África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na
formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à História do Brasil.
o
§ 2 Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de
todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História
Brasileiras.
o
§ 3 (VETADO)"
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência
Negra’."
o
Art. 2 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
o o
Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182 da Independência e 115 da República.
A Conferência Geral,
Recordando também seu Artigo primeiro, que designa à UNESCO, entre outros
objetivos, o de recomendar “os acordos internacionais que se façam necessários
para facilitar a livre circulação das idéias por meio da palavra e da imagem”,
Reafirmando que a cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços
distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma
sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os
modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições
e as crenças[2],
Os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, que são
universais, indissociáveis e interdependentes. O desenvolvimento de uma
diversidade criativa exige a plena realização dos direitos culturais, tal como os
define o Artigo 27 da Declaração Universal de Direitos Humanos e os artigos 13 e
15 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Toda
pessoa deve, assim, poder expressar-se, criar e difundir suas obras na língua que
deseje e, em partícular, na sua língua materna; toda pessoa tem direito a uma
educação e uma formação de qualidade que respeite plenamente sua identidade
cultural; toda pessoa deve poder participar na vida cultural que escolha e exercer
suas próprias práticas culturais, dentro dos limites que impõe o respeito aos
direitos humanos e às liberdades fundamentais.
Toda criação tem suas origens nas tradições culturais, porém se desenvolve
plenamente em contato com outras. Essa é a razão pela qual o patrimônio, em
todas suas formas, deve ser preservado, valorizado e transmitido às gerações
futuras como testemunho da experiência e das aspirações humanas, a fim de
nutrir a criatividade em toda sua diversidade e estabelecer um verdadeiro diálogo
entre as culturas.
sua aplicação efetiva, cooperando, em particular, com vistas à realização dos seguintes
objetivos:
16. Garantir a proteção dos direitos de autor e dos direitos conexos, de modo a
fomentar o desenvolvimento da criatividade contemporânea e uma remuneração
justa do trabalho criativo, defendendo, ao mesmo tempo, o direito público de
acesso à cultura, conforme o Artigo 27 da Declaração Universal de Direitos
Humanos.
[1] Entre os quais figuram, em particular, o acordo de Florença de 1950 e seu Protocolo de Nairobi de 1976, a
Convenção Universal sobre Direitos de Autor, de 1952, a Declaração dos Princípios de Cooperação Cultural Internacional
de 1966, a Convenção sobre as Medidas que Devem Adotar-se para Proibir e Impedir a Importação, a Exportação e a
Transferência de Propriedade Ilícita de Bens Culturais, de 1970, a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial
Cultural e Natural de 1972, a Declaração da UNESCO sobre a Raça e os Preconceitos Raciais, de 1978, a Recomendação
relativa à condição do Artista, de 1980 e a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, de 1989.
[2] Definição conforme as conclusões da Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais (MONDIACULT, México,
1982), da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento (Nossa Diversidade Criadora, 1995) e da Conferência
Intergovernamental sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento (Estocolmo, 1998).
ANEXO 3
Parecer CNE/CP nº 003/2004.
_______________________________________________________________ Anexos 139
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
I – RELATÓRIO
(1)
Belém – Lei Municipal nº 7.6985, de 17 de janeiro de 1994, que “Dispõe sobre a inclusão, no currículo
escolar da Rede Municipal de Ensino, na disciplina História, de conteúdo relativo ao estudo da Raça Negra
na formação sócio-cultural brasileira e dá outras providências”
Aracaju – Lei Municipal nº 2.251, de 30 de novembro de 1994, que “Dispõe sobre a inclusão, no currículo
escolar da rede municipal de ensino de 1º e 2º graus, conteúdos programáticos relativos ao estudo da Raça
Negra na formação sócio-cultural brasileira e dá outras providências
São Paulo – Lei Municipal nº 11.973, de 4 de janeiro de 1996, que “Dispõe sobre a introdução nos currículos
das escolas municipais de 1º e 2º graus de estudos contra a discriminação”
_______________________________________________________________ Anexos 140
Em vista disso, foi feita consulta sobre as questões objeto deste parecer, por meio
de questionário encaminhado a grupos do Movimento Negro, a militantes individualmente,
aos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, a professores que vêm desenvolvendo
trabalhos que abordam a questão racial, a pais de alunos, enfim a cidadãos empenhados
com a construção de uma sociedade justa, independentemente de seu pertencimento racial.
Encaminharam-se em torno de 1000 questionários e o responderam individualmente ou em
grupo 250 mulheres e homens, entre crianças e adultos, com diferentes níveis de
escolarização. Suas respostas mostraram a importância de se tratarem problemas,
dificuldades, dúvidas, antes mesmo de o parecer traçar orientações, indicações, normas.
Questões introdutórias
É importante salientar que tais políticas têm como meta o direito dos negros se
reconhecerem na cultura nacional, expressarem visões de mundo próprias, manifestarem
com autonomia, individual e coletiva, seus pensamentos. É necessário sublinhar que tais
políticas têm também como meta o direito dos negros, assim como de todos cidadãos
brasileiros, cursarem cada um dos níveis de ensino, em escolas devidamente instaladas e
equipadas, orientados por professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de
conhecimentos; com formação para lidar com as tensas relações produzidas pelo racismo e
discriminações, sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações entre diferentes
_______________________________________________________________ Anexos 141
A demanda por reparações visa a que o Estado e a sociedade tomem medidas para
ressarcir, os descendentes de africanos negros, dos danos psicológicos, materiais, sociais,
políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em virtude das
políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de manutenção de
privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de influir na formulação de
políticas, no pós-abolição. Visa também a que tais medidas se concretizem em iniciativas
de combate ao racismo e a toda sorte de discriminações.
24
Ministério da Justiça. Programa Nacional de Direitos Humanos. Brasília, 1996
_______________________________________________________________ Anexos 143
Medidas que repudiam, como prevê a Constituição Federal em seu Art.3º, IV, o
“preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”
e reconhecem que todos são portadores de singularidade irredutível e que a formação
escolar tem de estar atenta para o desenvolvimento de suas personalidades (Art.208, IV).
É importante destacar que se entende por raça a construção social forjada nas tensas
relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a
ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje sobejamente
superado. Cabe esclarecer que o termo raça é utilizado com freqüência nas relações sociais
brasileiras, para informar como determinadas características físicas, como cor de pele, tipo
de cabelo, entre outras, influenciam, interferem e até mesmo determinam o destino e o
lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira.
brasileiro, têm comprovado o quanto é dura a experiência dos negros de ter julgados
negativamente seu comportamento, idéias e intenções antes mesmo de abrirem a boca ou
tomarem qualquer iniciativa. Têm, eles, insistido no quanto é alienante a experiência de
fingir ser o que não é para ser reconhecido, de quão dolorosa pode ser a experiência de
deixar-se assimilar por uma visão de mundo, que pretende impor-se como superior e por
isso universal e que obriga a negarem a da tradição do seu povo.
Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que
desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu,
reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isto
não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser
inferiorizados vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhe são
atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas.
3
FRANTZ, Fanon. Os Condenados da Terra. 2.ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979.
_______________________________________________________________ Anexos 145
Diálogo com estudos que analisam criticam estas realidades e fazem propostas, bem
como com grupos do Movimento Negro, presentes nas diferentes regiões e estados, assim
como inúmeras cidades, são imprescindíveis para que se vençam discrepâncias entre o que
se sabe e a realidade, se compreendam concepções e ações, uns dos outros, se elabore
projeto comum de combate ao racismo e a discriminações.
Em primeiro lugar, é importante esclarecer que ser negro no Brasil não se limita às
características físicas. Trata-se, também, de uma escolha política. Por isso, o é quem assim
se define. Em segundo lugar, cabe lembrar que preto é um dos quesitos utilizados pelo
IBGE para classificar, ao lado dos outros – branco, pardo, indígena - a cor da população
brasileira. Pesquisadores de diferentes áreas, inclusive da educação, para fins de seus
estudos, agregam dados relativos a pretos e pardos sob a categoria negros, já que ambos
reúnem, conforme alerta o Movimento Negro, aqueles que reconhecem sua ascendência
africana.
Tais pedagogias precisam estar atentas para que todos, negros e não negros, além
de ter acesso a conhecimentos básicos tidos como fundamentais para a vida integrada à
sociedade, exercício profissional competente, recebam formação que os capacite para
forjar novas relações étnico-raciais. Para tanto, há necessidade, como já vimos, de
professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos e além disso
sensíveis e capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes
pertencimento étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes,
palavras preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir e investir para que os
professores, além de sólida formação na área específica de atuação, recebam formação que
os capacite não só a compreender a importância das questões relacionadas à diversidade
étnico-racial, mas a lidar positivamente com elas e sobretudo criar estratégias pedagógicas
que possam auxiliar a reeducá-las.
26
Neste sentido ver obra que pode ser solicitada ao MEC: MUNANGA, Kabengele, org. Superando o
Racismo na Escola. Brasília, Ministário da Educação, 2001.
_______________________________________________________________ Anexos 151
- Registro da história não contada dos negros brasileiros, tais como em remanescentes de
quilombos, comunidades e territórios negros urbanos e rurais.
II – VOTO DA RELATORA
- diante da ignorância que diferentes grupos étnico-raciais têm uns dos outros, bem
como da necessidade de superar esta ignorância para que se construa uma sociedade
democrática;
- diante da Constituição Federal de 1988, em seu Art. 3º, inciso IV, que garante a
promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação; do inciso 42 do Artigo 5º que trata da prática do racismo
como crime inafiançável e imprescritível; do § 1º do Art. 215 que trata da proteção das
manifestações culturais;
O Presidente do Conselho Nacional de Educação, tendo em vista o disposto no art. 9º, § 2º, alínea “c”,
da Lei nº 9.131, publicada em 25 de novembro de 1995, e com fundamentação no Parecer CNE/CP 3/2004,
de 10 de março de 2004, homologado pelo Ministro da Educação em 19 de maio de 2004, e que a este se
integra,
Resolve:
Art. 1° A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a serem observadas pelas
Instituições de ensino, que atuam nos níveis e modalidades da Educação Brasileira e, em especial, por
Instituições que desenvolvem programas de formação inicial e continuada de professores.
§ 1° As Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares
dos cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e
temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CP 3/2004.
§ 2° O cumprimento das referidas Diretrizes Curriculares, por parte das instituições de ensino, será
considerado na avaliação das condições de funcionamento do estabelecimento.
Art. 2° As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas constituem-se de orientações, princípios e e têm por
meta, promover a educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e
pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à construção de nação
democrática.
§ 1° A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de
conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-
racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos
direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira.
§ 2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo o reconhecimento e
valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e
igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias, asiáticas.
§ 3º Caberá aos conselhos de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios desenvolver
as Diretrizes Curriculares Nacionais instituídas por esta Resolução, dentro do regime de colaboração e da
autonomia de entes federativos e seus respectivos sistemas.
Art. 3° A Educação das Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e Cultura Afro-Brasileira, e
História e Cultura Africana será desenvolvida por meio de conteúdos, competências, atitudes e valores, a
serem estabelecidos pelas Instituições de ensino e seus professores, com o apoio e supervisão dos sistemas de
ensino, entidades mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas as indicações, recomendações e
diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP3/2004.
§ 1° Os sistemas de ensino e as entidades mantenedoras incentivarão e criarão condições materiais e
financeiras, assim como proverão as escolas, professores e alunos, de material bibliográfico e de outros
materiais didáticos necessários para a educação tratada no “caput” deste artigo.
§ 2° As coordenações pedagógicas promoverão o aprofundamento de estudos, para que os professores
concebam e desenvolvam unidades de estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes
curriculares.
§ 3° O ensino sistemático de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica, nos
termos da Lei 10639/2003, refere-se, em especial, aos componentes curriculares de Educação Artística,
Literatura e História do Brasil.
§ 4° Os sistemas de ensino incentivarão pesquisas sobre processos educativos orientados por valores,
visões de mundo, conhecimentos afro-brasileiros, ao lado de pesquisas de mesma natureza junto aos povos
indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de bases teóricas para a educação brasileira.
_______________________________________________________________ Anexos 160
ANEXO 6
CONTO: “O Negrinho do Pastoreio
_______________________________________________________________ Anexos 164
O Negrinho do Pastoreio
O povo estava dividido no julgamento da corrida, mas o juiz que era um velho
do tempo da guerra de Sepé Tiaraju era um juiz macanudo, que já tinha visto muito
mundo.
- Foi na lei! A carreira é de parada morta; perdeu o cavalo baio, ganhou o cavalo
mouro. Quem perdeu que pague. E u perdi sem gateadas; quem as ganhou venha buscá-
las. Foi na lei! .Não havia o que alegar. Despeitado e furioso, o fazendeiro pagou a
parada, à vista de todos, atirando as mil onças de ouro sobre o poncho do seu contrário,
estendido no chão. E foi uma alegria por aqueles pagamentos, porque logo o ganhador
mandou distribuir aos pobres.
O fazendeiro retirou-se para sua casa e veio pensando, pensando, calado, em
todo o caminho. A cara dele vinha lisa, mas o coração vinha corcoveando como touro de
banhado laçado a meia espalda... O trompas das mil onças tinha-lhe arrebentado a alma.
E conforme se apeou da mesma vereda mandou amarrar o Negrinho pelos
pulsos a um palanque e dar-lhe uma surra de relho. Na madrugada saiu com ele e
quando chegou ao alto da coxilha falou assim:
- Trinta quadras tinha a cancha da carreira que perdeste: trinta dias ficarás
aqui pastoreando a minha tropelia de trinta tordilhos negros... O baio fica de piquete na
sogra e tu ficarás de estaca!
O Negrinho começou a chorar, enquanto os cavalos iam pastando. Veio o sol,
veio o vento, veio a chuva, veio a noite. O Negrinho, varado de fome e já sem forças nas
mãos, enleou a soga num pulso e deitou-se encostado a um cupim. Vieram então as
corujas e fizeram a roda, voando, paradas no ar, e todas o olhavam com os olhos
reluzentes, amarelos na escuridão. E uma piou e todas piaram, como se rindo dele,
paradas no ar, sem barulho nas asas. O Negrinho tremia de medo... Porém de repente
pensou em sua madrinha Nossa Senhora e sossegou e dormiu. E dormiu. Era já tarde
da noite, iam passando as estrelas; o cruzeiro apareceu, subiu e passou; passaram as
Três-Marias; a estrela d'alva subiu... Então vieram os graxains ladrões e farejaram o
Negrinho e cortaram a guasca da soga. O baio sentindo-se solto rufou a galope, e toda
a tropilha com ele, escaramuçando no escuro e desguaritando-se nas canhadas.
_______________________________________________________________ Anexos 166
Então o senhor foi ao formigueiro, para ver o que restava do corpo do escravo.
Qual não foi o seu grande espanto, quando chegado perto viu na boca do formigueiro o
Negrinho de pé , com a pele lisa, perfeita, sacudindo de si e as formigas que o cobriam
ainda!... O Negrinho de pé, e ali ao lado, o cavalo baio e ali junto, a tropilha dos trinta
tordilhos... e fazendo-lhe frente, de guarda ao mesquinho, o estancieiro viu a madrinha
dos que não atêm, viu a Virgem, Nossa Senhora, tão serena, pousada na terra, mas
mostrando que estava no céu... Quando tal viu, o senhor caiu de joelhos diante do
escravo. E o Negrinho sarado e risonho, pulando de em pêlo e sem rédeas, no baio,
chupou o beiço e tocou a tropilha a galope. E assim o Negrinho pela última vez achou o
pastoreio.
E não chorou, e nem se riu. Correu no vizindário a nova do fadário e da triste
morte do Negrinho, devorado na panela do formigueiro. Porém logo, de perto e de longe,
de todos os rumos do vento, começaram a vir notícias de um caso que parecia um
milagre novo... E era que os poceiros e os andantes, e os que dormiam sobre as palhas
dos ranchos e os que dormiam na cama das macegas, os chasques que cortavam por
atalhos. E os tropeiros que vinham pela estrada, mascates e carreteiros, todos davam
notícia - da mesma hora - de ter visto passar, como levada em pastoreio, uma tropilha de
tordilhos, tocada por um Negrinho, gineteando de me pêlo, em um cavalo baio!...
Então, muitos acenderam velas e rezaram um Padre-nosso pela alma do
judiado. Daí por diante , quando qualquer cristão perdia uma cousa , o que fosse pela
noite velha o Negrinho campeava e achava, mas só entregava a quem acendesse uma
vela, cuja luz ele levava para pagar a do altar da sua madrinha, a Virgem, Nossa
Senhora, que o remiu e salvou e deu-lhe uma tropilha, que ele conduz e pastoreia sem
ninguém ver. Todos os anos, durante três dias, o Negrinho desaparece: está metido em
algum formigueiro grande, fazendo visita as formigas, suas amigas; a sua tropilha
esparrama-se; e um aqui, outro por lá, os seus cavalos ressulcam nas manadas das
estâncias. Mas ao nascer do sol do terceiro dia, o baio relincha perto de seu ginete; o
Negrinho monta-o e vai fazer sua recolhida; é quando nas estâncias acontece a disparada
das cavalhadas e a gente olha, olha, e não vê ninguém, nem na ponta, nem na culatra.
Desde então e ainda hoje, conduzindo o seu pastoreio, o Negrinho, sarado e
risonho, cruza os campos, corta os macegais, bandeia as restingas, desponta os
banhados, vara os arroios, sobe as coxilhas e desce às canhadas. O Negrinho anda
sempre à procura dos objetos perdidos, pondo-os de jeito a serem achados pelos seus
donos, quando estes acendem um coto de vela , cuja luz ele leva ao altar da Virgem
Senhora Nossa, madrinha dos que não a têm. Quem perder suas prendas no campo,
guarde esperança: junto de algum moirão ou sob os ramos das árvores, acenda uma vela
para o Negrinho do pastoreio e vá lhe dizendo.
- Foi por aí que eu perdi... Foi por aí que eu perdi... Foi por aí que eu perdi!
http://www.ufsc.br/~esilva/Causo040.html