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Direito e justiça
"O problema do direito, enquanto problema científico, é um problema de técnica social, não de moral."
"O direito distinguido da justiça é o direito positivo."
"Se direito e justiça se identificam, se apenas uma ordem justa é chamada de direito, uma ordem social que se apresenta
como direito é, ao mesmo tempo, apresentada como justa; e isto significa que é justificada moralmente. A tendência de
identificar direito e justiça é a tendência de justificar uma certa ordem social. É uma tendência política, não científica."
"O que significa realmente dizer que uma ordem social é uma ordem justa? Significa que esta ordem regula o
comportamento dos homens de uma forma que lhes é satisfatória, é dizer, de forma que todos os homens encontrem nela
sua felicidade. A vontade de justiça é a eterna busca do homem pela felicidade. É a felicidade que um homem não
consegue encontrar enquanto indivíduo isolado, e, portanto, procura na sociedade. Justiça é felicidade social."
A felicidade provida por uma ordem social é de natureza coletiva, decorrente da eleição, por uma autoridade, de
necessidades dignas de serem satisfeitas. Esta escolha não pode ser feita por meio de cognição racional, constituindo,
portanto, um julgamento de valor, subjetivo em sua natureza.
Este julgamento de valor, porém, costuma ser apresentado como objetivo.
"É uma peculiaridade do ser humano que ele tem uma profunda necessidade de justificar seu
comportamento, a expressão de suas emoções, seus desejos e vontades, por meio do funcionamento de seu
intelecto, seu pensamento e cognição."
"Um julgamento de valor é a afirmação pela qual algo é declarado como um fim; um fim último que não é meio para outro
fim. Tais julgamentos são sempre determinados por fatores emocionais."
Direito natural
"A necessidade para justificação racional de nossos atos emocionais é tamanha, que buscamos satisfazê-la mesmo sob o
risco de auto-engano. E a justificação racional de um postulado baseado em um juízo subjetivo de valor, isto é, em um
desejo, como, por exemplo, que todos os homens deveriam ser livres, ou que todos os homens deveriam ser iguais, é auto-
engano ou - o que equivale à mesma coisa- é uma ideologia."
"Quase todas as fórmulas famosas definindo a justiça pressupõem a resposta esperada como auto-evidente. Mas esta
resposta não é, de forma alguma, auto-evidente."
O dualismo do direito positivo e o direito natural
Justiça e paz
"Justiça é um ideal irracional. Conquanto seja indispensável para a volição e a ação dos homens, não está sujeita à
cognição."
O que se pode afirmar, porém, com fundamentos empíricos, é que uma ordem jurídica que minimize o atrito por meio
de uma conciliação de interesses divergentes têm maiores chances de existir por um longo período de tempo.
Justiça e legalidade
"Justiça, no sentido de legalidade, é uma qualidade que se relaciona não ao conteúdo de uma ordem positiva, mas à sua
aplicação."
O conceito de justiça só adentra a ciência jurídica sob a forma de legalidade, que consiste na possibilidade de se verificar
objetivamente se um comportamento é legal ou ilegal, não dependendo, a classificação, dos sentimentos particulares do
julgador.
Há poucas normas cuja própria ideia de seu conteúdo constitui um motivo para que o indivíduo ao qual se dirige siga o
comportamento prescrito (motivação direta). Em geral, a conduta individual é balizada pela reação da comunidade
(motivação indireta).
Punição e recompensa
Para Kelsen, o medo da punição exerce uma influência maior sobre a conduta do indivíduo que a expectativa de
recompensa, que só teria um papel importante nas relações privadas.
O ponto em comum entre ordens sociais tão distantes, no tempo, no espaço, e em suas próprias características, às quais
se atribui o nome de ordens jurídicas, é a "técnica social que consiste em trazer à tona a conduta social desejada dos
homens por meio da ameaça de coerção que deve ser aplicada no caso de uma conduta contrária".
A reação do direito à conduta reprovável é a coerção socialmente organizada, enquanto a reação moral não o é. A
sanção religiosa, por outro lado, têm sua eficácia sujeita à crença na existência e poder de uma autoridade sobrenatural.
Direito e paz
A paz se caracteriza pela ausência do uso da força. Assim, o direito só garante uma paz relativa, nunca absoluta, ao
organizar o emprego da força.
"A técnica social que chamamos de direito consiste em induzir o indivíduo a se abster de interferir na esfera de interesse de
outros por meios específicos: no caso de tal interferência, a própria comunidade jurídica reage com uma interferência
similar na esfera de interesses do indivíduo por ela responsável."
O emprego da força (interferência na esfera de interesses alheios) é, ao mesmo tempo, delito e sanção.
[N]ão há um estado de direito que, no sentido aqui proposto, seja essencialmente um estado de paz."
Compulsão psíquica
A coerção só faria parte do conceito de direito quando considerada como compulsão psíquica, isto é, como o medo que
o sujeito tem de sofrer a sanção. Assim, a efetividade da sanção em si não faz parte do conceito.
Para Kelsen, entretanto, a ideia de que a coerção enquanto compulsão psíquica deve fazer parte de um conceito de
direito é, em si mesma, questionável, já que não se sabe ao certo qual motivo leva os homens a seguirem as leis, e,
provavelmente, o medo da sanção sequer seria o principal motivo.