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PRÁTICA EDUCATIVA:
ENTRE O ESSENCIALISMO E A PRÁXIS
RESUMO
ABSTRACT
∗
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Professora Adjunta DE. Endereço para correspondência: UFPI,
Campus Ministro Petrônio Portella, Centro de Ciências da Educação/DMTE. CEP: 64049-550 - Teresina, PI. hildabandeira@
ufpi.edu.br ou hildabandeira@hotmail.com
∗∗
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professora Associada DE. Endereço para
correspondência: UFPI, Campus Ministro Petrônio Portella, Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd). CEP: 64049-
550 - Teresina, PI. ivanaibiapina@ufpi.edu.br
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-se em bem universal e em norma para todos, da aristocracia da época, orientada em torno das
consolidando-se, pois, como prática educativa. convenções sociais. No projeto educativo de Rous-
Cada sociedade prepara o indivíduo para partici- seau, traçado para educar seu aluno fictício, Emílio,
pação nas várias instâncias da vida. Toda sociedade a educação era a expressão livre do indivíduo no
tem sua prática educativa, ambas se exigem e se contato com a natureza, cujo objetivo refere-se a
interpenetram. A educação desenvolvida na Grécia “formar um homem livre, capaz de se defender
possibilitou a produção de prática educativa. Prá- contra todos os constrangimentos.” (ROUSSEAU,
tica essa manifestada nas ações, nas atitudes, nas 2004, p. XXI). Para o filósofo, o único modo de
aptidões e nos conhecimentos, ou seja, gestada e formar esse homem era considerá-lo como ser livre
limitada à nobreza. Nesse cenário, destacava-se a desde a sua infância.
influência dos sofistas e de Sócrates com o poder Rousseau (2004), mesmo influenciado pelo
da retórica, do discurso, a fim de bem educar o cenário da modernidade, desconfiava que as luzes
cidadão. da razão viessem a se acender em cada indivíduo
Os sofistas representavam pensadores ambu- e, em decorrência, viabilizar um homem melhor.
lantes que se apresentavam como professores e Ele acreditava no poder da educação: “tudo o que
ensinavam de forma remunerada. Para eles, não não temos ao nascer e de que precisamos quando
interessava que a ideia defendida fosse errada, o grandes nos é dado pela educação” (ROUSSEAU,
que interessava era convencer o outro pela oratória. 2004, p. IX). A educação começou com o existir da
Os pressupostos de Sócrates, ainda que não inten- vida e no contato com a natureza, com os homens e
cionassem educar o homem, contrapunham-se à com as coisas. O desenvolvimento das capacidades
educação perspectivada pelos sofistas, pois o eixo do homem era a educação pela natureza; o modo
era a preocupação com a ação do homem no mundo como ensinado a usufruir desse desenvolvimento
a partir de seus próprios conhecimentos, com base é a educação dos homens; e a aquisição da própria
na reflexão dialógica. Nesse entorno, destacavam- experiência sobre os objetos que afetam o homem
-se dois tipos de educadores: o sofista, que ensinava era a educação pelas coisas.
com base na intuição e no adestramento, através de Se a prática educativa é parte integrante da
forma estandardizada de educar; e o socrático, para educação e da sociedade, aquela que foi desen-
quem o saber era o alimento do espírito, submetido volvida na Grécia, e a educação natural, proposta
à análise, a fim de averiguar se esse seria adequado. por Rousseau, além de exigência da vida social,
Na Grécia Clássica, o projeto educativo era re- também constituem forma de prover as pessoas dos
servado à formação aristocrática, ou seja, destinado conhecimentos e das experiências culturais confor-
à educação de alguns cidadãos da polis. Os gregos me o meio social e em razão de suas necessidades,
não educavam para a profissão ou negócio. Os so- num determinado tempo e lugar. Tanto na Paideia
fistas educavam os homens de Estado e dirigentes quanto no Emílio de Rousseau fica evidente que a
para atuarem na vida pública. Com eles, a educação condição humana é a vocação comum do indivíduo.
era qualificada como arte ou técnica. Sócrates, por Os gregos descreveram a educação como a
meio da interrogação maiêutica2, tentava combater virtude3 humana mais difícil de adquirir, e que sua
os sofistas. essência emerge quando se abandona a ideia de
Com os filósofos das luzes, do século XVIII, a adestramento. Os gregos dedicaram-se com afinco
educação tornou-se, pelo menos em princípio, um ao seu projeto de educação do homem. No entendi-
direito de todos. O filósofo e pedagogo Rousseau, mento de Jaeger (2010, p. 14), “A [...] descoberta do
influenciado pelas luzes da razão, disseminou os Homem não é a do eu subjetivo, mas a consciência
fundamentos sobre os quais é edificado o sistema gradual das leis gerais que determina a essência
de ensino da cultura ocidental. Para ele, educar humana. O princípio espiritual dos gregos não é o
era, sobretudo, distanciar o homem dos costumes individualismo, mas o humanismo [...]”. Para os
gregos, a palavra educar contém configuração ar-
2 “Maiêutica”, em grego, quer dizer “parto das ideias”. Consiste
em fazer perguntas e analisar as respostas sucessivas até chegar à 3 Virtude para os gregos se aproximava da palavra areté. É uma
verdade do enunciado (CHAUÍ, 2003, p. 123). disposição para a prática do bem.
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tística e plástica, cuja essência consiste em moldar ele, constituía o meio para o homem sair da história
a pessoa pela norma da comunidade. e retomar ao seu estado natural, ou seja, criar um
Por meio dessa imagem do homem real, indivíduo livre dos males da sociedade. Essa cor-
conforme as leis da comunidade, os gregos, rupção do homem, segundo Rousseau, aconteceu
paulatinamente, adquiriram consciência clara do em decorrência do homem ter se afastado demais
significado do problema da educação. A inter- do seu estado de natureza. Na verdade, Rousseau
-relação entre educação natural e educação moral (2004) não faz referência à forma de ensino coleti-
perpassa todo o projeto educativo de Rousseau, vo, embora isso já fosse realidade naquele contexto
com o seguinte fundamento: “Homens, sede hu- da modernidade. A influência do seu pensamento
manos, este é vosso primeiro dever; sede humanos teve poucos efeitos sobre as práticas educativas dos
para todas as condições, para todas as idades, para dois séculos posteriores (XVIII e XIX). O filósofo
tudo o que não é alheio ao homem” (ROUSSEAU, e pedagogo Pestalozzi (1746-1821) pôs em prática
2004, p. 72). as ideias de Rousseau (ARANHA, 2006). Salva-
Na prática educativa desenvolvida na Grécia, guardando essa experiência, as ideias de Rousseau
a razão estava acima dos mitos e o homem era o reapareceram no Século XX, com o movimento da
ser mais importante, os instrumentos estavam a Pedagogia Nova.
seu serviço. Essa prática apresentava duas finali- Não é possível falar de um começo da educa-
dades: desenvolvimento do cidadão fiel ao Estado; ção, pois na verdade ela principia com a própria
e a formação do homem equilibrado com domínio humanidade e se atualiza para cada contexto
de si. Um menino ateniense começava sua vida social, histórico, político e cultural em um de-
escolar aos seis anos e ficava sob os cuidados do terminado tempo e lugar. Toda sociedade educa,
pedagogo, que ensinava Aritmética, Literatura, haja vista transmitir às gerações costumes, hábi-
Música, Escrita, Educação Física, além de vigiar tos, maneiras de fazer e de conhecer. Por outro
seu comportamento moral. A ação educativa não se lado, o ensino não nasceu colado à humanidade,
limitava à escola, o teatro também era a escola de começou com os gregos, quando questionaram
todos os cidadãos. Meninas não recebiam qualquer a natureza, a sociedade, os hábitos, a maneira
educação formal, aprendiam os ofícios domésticos de governar e de educar. Foi nesse contexto que
e os trabalhos manuais com as mães. sofistas, Sócrates e Platão, propuseram uma ma-
Na Grécia Clássica, a vida em sociedade, re- neira de educar. Os sofistas4 são considerados os
gulada por leis e pela maneira correta de agir em primeiros professores.
comunidade, possibilitou um modo de fazer educa- Se a educação existe em toda parte, o que dizer
ção que perpassou a modernidade, cujo eixo era a da natureza da prática educativa? A intenção de
dimensão antropológica. Em Rousseau, essa prática expressá-la pressupõe tomar a educação como
fundamentava-se em um projeto que foi fruto de objeto da prática já vivenciada, produzida. Por
mais de 20 anos de meditação e três anos de escrita, exemplo, na Grécia, o modelo vivido representa
cujo foco era a dimensão antropológico-filosófica, a essência, tanto a reflexão quanto a prática dos
visando ao desenvolvimento sensitivo, cognitivo homens estão a serviço dessa essência, e a edu-
e moral do homem em um meio de possibilidades cação sustenta a cultura e impede a manifestação
abstratas de relações com o mundo real. Na pe- da ideologia. Embora ainda não se possa falar de
dagogia naturalista de Rousseau, o homem, com projeto pedagógico, haja vista não existisse peda-
sua individualidade, representava o eixo central, o gogia no sentido estrito entre os gregos, é possível
homem diante de si mesmo e de seu preceptor. E o expressar que eles desenvolveram reflexão sobre
mundo e as relações sociais diante desse homem? os fundamentos da educação e, como consequên-
Como integrar a proposta de Rousseau ao ensino cia, a prática educativa conforme as necessidades
de um grupo de alunos em face da realidade do daquele contexto.
mundo da modernidade?
4 Para Sócrates, Platão e Aristóteles, os sofistas são sujeitos que usam
Os valores veiculados por Rousseau são indivi- argumentos capciosos em favor do falso, dando-lhe aparência de
dualismo, liberdade e bondade. A educação, para verdadeiro.
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instrução e de ensino por meio de ação consciente, terísticas, tais como: educação escolar, educação
deliberada e planejada. Ainda assim, não se separa paralela, religiosa, profissional, entre outras. Tam-
daquela forma de prática geral. São diversas as bém tem ocorrido esse movimento com a prática
modalidades que assumem a prática educativa, educativa, que na tentativa de esclarecer, há quem
sejam intencionais ou não intencionais, formais crie mais atributos, muitas vezes não garantindo
ou não formais, escolares ou extraescolares, mas diferença substancial. Por exemplo, Souza, Batis-
todas se interpenetram, a atividade educativa é ta Neto e Santiago (2009, p. 35 e 69) substituem
sempre situada e tributária do modelo de sociedade por práxis: “[...] entendemos a prática pedagógica
que lhe faz exigência e determina suas finalidades. como uma práxis. [...] prática educativa analisada
Nessa conjuntura, a que prática educativa nós nos reflexivamente, teorizada e realizada pelo coletivo
referimos ao abordarmos prática pedagógica e institucional é o que denomino de práxis pedagó-
prática docente? gica.” Em decorrência, prática educativa, prática
Essa indagação remete a duas alternativas: a pedagógica e prática docente estão interconectadas
sociedade que se tem; e a consequente educação e confinadas por meio de objetivos específicos de
veiculada. A educação é atividade desenvolvida há educação.
milhares de anos, e isso implica que a prática educa- Os pensadores gregos lançaram as sementes da
tiva também é milenar, enquanto a escola é secular. reflexão para fundamentar a educação, enquanto a
Mesmo que a gênese da educação seja anterior à reflexão sobre os problemas relacionados à escola,
escola, a associação entre ambas naturalizou-se de à instrução e à prática educativa apareceram mais
tal forma que comumente é remetida para o espaço tarde na História. Não restam dúvidas que tanto
escolar. Nesses termos, o desenvolvimento das Jaeger (2010) quanto Rousseau (2004, 2010) in-
condições de vida humana, as mudanças do cenário fluenciaram sobremaneira a educação atual, mas a
social e do trabalho também influenciaram a ativi- sociedade é dinâmica e prenhe de necessidades que
dade educativa. Na medida em que o indivíduo se se remetem há um tempo e a um lugar.
relaciona com o outro e com o meio ambiente, ele Quando Rousseau prioriza a educação pelas
é compelido a ter necessidades. Essas necessidades coisas em detrimento da educação pelas palavras,
estão associadas ao conjunto das relações sociais. avança em relação à concepção essencialista,
Heller (1986), ao analisar a teoria das necessi- pois substitui o conhecimento da essência pelo
dades em Marx, ressalta que ela tem raiz histórico- conhecimento do homem e de suas sensações. No
-filosófico-antropológica. No processo de produção entanto, o eixo fundamental no âmbito da prática
da sociedade, essas necessidades se desenvolvem e educativa não é a negação do logos para ação ou
se modificam, e isso delineia nova forma de orga- seu contrário, mas a compreensão sinérgica de cada
nizar a prática educativa. Nesse âmbito, na Grécia um dos intervenientes na atividade educativa, na
e em Rousseau não se fazia referência à prática sua universalidade e singularidade.
pedagógica e à prática docente, talvez porque não Assim, não é possível negar que a influência
constituíssem a necessidade fundamental. A ativi- do pensamento moderno decorre da cosmovisão7
dade educativa tem caráter pedagógico, por isso grega, e que na atualidade esses pressupostos têm
convém tecer algumas considerações para escla- deixado suas marcas. O esforço de buscar avançar
recimento do triângulo prática educativa, prática tanto com o essencialismo quanto com o natura-
docente e prática pedagógica. lismo idealista pode ser encontrado na proposta
A educação ainda conserva o ideal educativo da pedagógica da práxis dialógica freireana e na ar-
Paideia, que é contribuir para o processo de huma- gumentação da filosofia da práxis em Vázquez.
nização6 das pessoas, em seus diversos aspectos. Nas circunstâncias atuais, a prática educativa que
Seus objetivos vêm adquirindo diferentes carac- faz sentido não é só a que se firma apenas no ideal
de humanização, mas também está impregnada da
6 Para os gregos, a humanização não está diretamente relacionada
à subjetividade, mas especialmente à consciencialização das leis 7
Conjunto das ideias presentes e vigentes numa determinada socie-
gerais que determinam a essência humana. Nas palavras de Jaeger dade ou implícitas numa teoria sistematizada. Pode-se consultar
(2010, p. 14-15): “Humanismo vem de humanitas”. Severino (2007, p. 53).
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práxis designada como prática humana objetiva e correndo para sua compreensão e transformação.
subjetiva com intencionalidade reflexiva, ou seja, Para Cheptulin (2004), a consciência antecipa a
com um elevado nível de consciência dela. realidade inexistente, transforma dada possibilida-
Em Freire (2005) e Vásquez (2007), o homem de da matéria em realidade. Por conseguinte, sem
não é produto da natureza, mas da História. Dessa esse plano antecipado, indicando os caminhos da
maneira, ao longo do desenvolvimento histórico realidade conforme as necessidades, torna-se im-
e filosófico no pensamento pedagógico aparece a possível a transformação, pois “[...] a consciência
contraposição teoria e prática. Há momentos em [é] aspecto necessário da atividade produtiva”
que a teoria apresenta-se tão onipotente em suas (CHEPTULIN, 2004, p. 104). Produção e consci-
relações com a realidade que só se vê a si mesma ência são desenvolvidas concomitantemente.
e configura-se de tal modo que, aparentemente, Num sentido amplo, prática educativa, como
pode mostrar-se como práxis8. Também ocorre já explicitado, é ação intencional que acontece em
com a prática, que às vezes é apreciada como diferentes lugares e tempos; prática pedagógica é
simples aplicação ou degradação da teoria, como, um processo educativo que também se dá em vários
por exemplo, foi o ponto de vista do pensamento espaços, no atendimento das necessidades sociais
grego antigo. Nas duas situações, não se reconhe- práticas e teóricas; prática docente traz o atributo
ce a unidade indissolúvel entre teoria e prática, de ser exercida por profissional do ensino, cuja
ou seja, a práxis. ação, seja ela sistemática ou assistemática, dá-se
Considerando o exposto, o trabalho de Franco sempre no ambiente escolar. Souza, Batista Neto e
(2012) discute as práticas pedagógicas a partir Santiago (2009, p. 24) asseguram: “[...] temos de
da relação com o objeto da Didática. Segundo a afinar nossa reflexão para não confundir ou não re-
autora, prática pedagógica diz respeito às práticas duzir a concepção de prática ou práxis pedagógica
sociais com propósito intencional de realiza-se no à prática docente”.
pedagógico, e prática docente torna-se pedagógica É necessário admitir que a prática docente,
quando, além de ser prevista a intencionalidade, atribuída à função do professor em contexto esco-
ocorre que a consciência mantém-se ativada tanto lar, traz a expectativa de que quem a desenvolve
no planejado quanto no realizado. volta-se para finalidades e objetivos intencionais
Não desprezamos a faceta educacional das reflexivos-críticos. Todavia, considerando que a
práticas como processos, tal fundamentação é profissão docente engloba profissionais de diferen-
genérica na sua qualificação. Vamos procurar os tes áreas, portando diferentes concepções, dentre
fios para tecer a singularidade. Todas as práticas outros aspectos, advém a explicação da ausência
constituem campos que partilham a ação educativa, ou da insuficiência de conhecimentos pedagógi-
a intencionalidade, pois a vida social é fundamen- cos. Prática docente remete à ação do professor
talmente prática. Agimos sobre e a partir das suas e ao contexto escolar, mas isso não é suficiente
necessidades (MARX; ENGELS, 2002). Entende- e necessário para qualificá-la de pedagógica. É
mos que três aspectos influenciam a compreensão pedagógica quando a intencionalidade é ação pla-
das práticas, sejam elas educativas, pedagógicas ou nejada e concretamente realizada com estado ativo
docentes: as necessidades, o nível de consciência da consciência, tanto no ato idealizado quanto na
e o estado de intencionalidade. sua operacionalização.
Condições sócio-históricas, pressupostos, con- Então, considerando a tridimensionalidade da
ceitos e volitividade contribuem na produção das prática educativa, compreende-se que os níveis de
manifestações das práticas referidas. Antecipação práxis destacados por Vázquez (2007), incluindo
dessa prática, baseada no conhecimento e nas liga- desde ação espontânea, reiterativa, reflexiva, e que,
ções necessárias do objeto e sobre a compreensão com maior grau de expansão, chega-se à criativa,
do que se passa na realidade imediata e mediata, de fato são esses níveis que qualificam as faces
constituem trabalho do pensamento e da ação, con- dessas práticas.
8 Característica, sobretudo, do idealismo, especialmente em Hegel. Destarte, necessidades advêm da prática, são
Maiores esclarecimentos em Vázquez (2007, p. 243). manifestadas no trabalho, na criação ou na práxis,
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têm finalidades, cuja realização exige trabalho ativo (2007), o trabalho de educação da consciência está
da consciência e das condições materiais. Como a entre a atividade teórica e a prática transformado-
realidade não está determinada na sua completude, ra, envolvendo a organização dos procedimentos
a necessidade em desenvolver práxis no contexto materiais e da planificação da ação. Dessa posição,
das práticas existe em possibilidades, cuja realidade deduz-se que a unidade teoria-prática dá-se por
carrega a premissa abstrata do devir. Sendo assim, meio de várias mediações, pois a atividade da
o docente é parte responsável na construção de consciência é “[...] inseparável de toda verdadeira
sua história, de suas necessidades da vida pessoal atividade humana, apresenta-se [...] como elabora-
e profissional. Nesse processo, compreender a re- ção de fins e produção de conhecimentos em íntima
lação teoria e prática é condição fundamental para unidade” (VÁZQUEZ, 2007, p. 224).
possibilitar práxis. Na intenção de analisar os posicionamentos
Em Freire (2005, 2011), a natureza humana não teóricos referentes ao conceito de práxis, optamos
é portadora de uma especificidade da qual se extrai por discutir aspectos fundamentais destacados es-
sua essência, como entendia a pedagogia da essên- pecialmente por Vázquez (2007), Marx e Engels
cia. O ser humano se constrói historicamente, logo (2002) no entendimento da categoria práxis, na
não é possível distanciar o homem do contexto, relação produzida entre teoria e prática e a dupla
dos constrangimentos, dos aspectos negativos ou função da práxis: práxis criadora perante a práxis
contraditórios. Nesses termos, embora aconteçam reiterativa, práxis reflexiva perante a práxis espon-
circunstâncias de opressão, ainda existe a possibi- tânea, focalizando as possibilidades na docência.
lidade de que o indivíduo se transforme.
O problema de quem ensina e aprende não está Práxis e possibilidade na docência
limitado ao ato de comunicar o conhecimento e o
processo pelo qual se chegou a ele, mas, notada- A formulação de problema é condição para
mente, ao problema de permitir vivência produtiva qualquer desenvolvimento do conhecimento
de conhecimento. Entendemos que, nesse processo, científico. Contudo, como expressamos a práxis?
os envolvidos tornam-se conscientes de sua educa- Esse é o impasse sobre o qual se pretende refletir.
ção ou de sua prática educativa, no sentido de que Incialmente apresenta-se o problema da lingua-
a entendam e a expandam. gem, da consciência da práxis e da linguagem no
A consciência do inacabamento do indivíduo vocabulário materialista, assim como as condições
implica em sua educabilidade. O ato educativo está que tornam possível a transição da teoria à prática,
associado à tomada de consciência da situação real assegurando a unidade entre ambas.
dos que nela interagem. “O estado e as palavras O termo práxis é empregado com sentido equi-
são igualmente expressões da prática dos homens, valente de prática; tanto na língua espanhola, como
e conscientizar é assumir a consciência deste fato” na portuguesa e na alemã, advém da antiguidade
(FREIRE, 2011, p. 20). Nesse âmbito, consciência grega, ao designar ação acabada. O emprego indis-
tem caráter teórico-prático, está vinculada à vida tinto dessa linguagem, que encerra a ação em si ou
social. Por essa via, o autor, indica: “[...] cons- fora dela, contribuiu para a banalização desse uso
cientização muitas vezes significa o começo de dominante na linguagem comum; a práxis, quando
uma posição de luta.” (FREIRE, 2011, p. 15). O é devidamente reconhecida, advém do vocabulário
agir consciente, nesse ponto, sugere não somente filosófico. Vázquez (2007) reconhece o uso restrito
o conhecimento de si mesmo, mas o indispensável do termo práxis e o elege, assim, pelas seguintes
reconhecimento da relação com o outro e com o razões: precaver do sentido de prática em seu uso
contexto. cotidiano utilitário; o significado de práxis não
Quanto à dimensão da prática educativa, esta se identifica com o original da língua grega; tem
tem alcance pedagógico, filosófico, social e históri- aproximação com “poiésis” (poesia, poeta ou poé-
co, e por isso é apropriado falar de uma consciência tico), dado o sentido de criação, tem configuração
da práxis educativa como articulação entre ativi- específica que dissimula a práxis no sentido mais
dade objetiva e subjetiva do homem. Em Vázquez amplo. Considerando a insuficiência da origem
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dente a assertiva: “o conhecimento é a atividade contextos e decorrem das relações com a História,
teórica dos homens” (AFANASIEV, 1968, p. 182), com a sociedade e com a cultura existente, ou
e a teoria só se concretiza na medida em que é a seja, produzir a prática é uma necessidade que é
realização das necessidades humanas. atualizada em cada conjuntura, seja profissional,
Nesses termos, Vázquez (2007) destaca algumas pessoal ou social, que se teve, tem e que terá. Os
condições para a práxis verdadeira: a aceitação de significados, inicialmente abrangentes, entram em
uma determinada teoria; análise dessa teoria aceita simbiose com os sentidos produzidos por cada
e de suas implicações na realidade; compreender ato pessoal e grupal, resultando, pois, em práticas
quem aceitou e analisou a referida teoria. A anu- que se interpenetram, têm unidade, ainda que não
ência da teoria é condição principal de uma práxis se caracterizem em identidade. Por conseguinte,
verdadeira, todavia não é ainda atividade trans- prática educativa, prática pedagógica e prática
formadora, dada a exigência da análise do tipo de docente, em determinado momento, se constitu-
teoria e de homem. A produção dessa crítica precisa íram em práxis.
ser radical, compreender o homem em seu contexto A práxis é uma totalidade prático-social que
concreto e nas suas necessidades e relações media- pode adquirir diferentes formas e níveis se levar-
das. Em síntese, nas relações entre teoria e práxis -se em conta a matéria sobre a qual é exercida a
a teoria em si não se materializa, sua articulação é prática transformadora. Partindo dessas relações,
condicionada pela existência de uma necessidade é possível produzir nova realidade, conforme dois
radical que se explica como crítica também severa, critérios niveladores vazquezianos: grau de pene-
que torna possível sua aceitação. tração da consciência no processo ativo da prática;
e grau de criação ou de humanização demonstrado
Considerações finais na matéria transformada. Assim, produzir práxis
constitui necessidade e possibilidade emergente
As práticas e as necessidades não existem em da prática educativa no cenário atual do contexto
si. Elas são sempre relativas aos indivíduos, aos sócio-histórico e cultural.
REFERÊNCIAS
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