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Eduardo Mara
Estudante de Pós-Graduação em Serviço Social (Doutorado) da UFPE
E-mail: dumara68@yahoo.com.br
RESUMO
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Recife, 10 e 11 de outubro de 2013
III Seminário Internacional Novas Territorialidades e Desenvolvimento Sustentável
ABSTRACT
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III Seminário Internacional Novas Territorialidades e Desenvolvimento Sustentável
AS CONDIÇÕES DE VIDA E TRABALHO DOS ASSALARIADOS RURAIS NA
AGROINDÚSTRIA CANAVIEIRA DE PERNAMBUCO: BREVES
CONSIDERAÇÕES
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A primeira etapa do Programa Pró-álcool ocorreu em 1975, sob o decreto nº 76.593, de 14/11/1975, com
um total de 136 projetos aprovados para destilarias anexas e 73 para destilarias autônomas. A segunda etapa
ocorreu em 1979 com o decreto nº 83.700/1979, especialmente para a produção de álcool hidratado como
carburante direto, retirando a ênfase do álcool anidro. Novamente o governo socorre a agroindústria
canavieira com juros de mercado em condições favoráveis para os proprietários de usinas e cria um mercado
consumidor do carro a álcool. (SANT’ANA, 2012, p. 21)
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A dinâmica do complexo agroindustrial canavieiro, tanto voltada ao
mercado externo quanto ao mercado interno, nas décadas de 1960 e 1970,
respectivamente, promoveu o desenvolvimento de uma capacidade
competitiva, fundada em: baixos salários, eficiência de suas operações,
uso extensivo da terra e intensivo de meios disponibilizados pela
natureza.
A partir de 2002, o setor volta a crescer e ganha novo dinamismo. Isso devido a
alguns fatores: crescimento da demanda interna de álcool, em decorrência dos novos
modelos de automóveis “flex fuel”, movidos por álcool e gasolina; efeitos do Protocolo de
Kyoto que impõe a redução da emissão de CO² na atmosfera; a incapacidade dos EUA,
maior produtor de álcool de milho, de atender o crescimento do mercado interno e externo;
baixo custo de produção de açúcar e álcool; crescimento da produtividade do trabalho
agrícola e industrial na região Sudeste do país.
Com a crise do capital a partir de 2008, as empresas do setor sucroalcooleiro
intensificam as fusões com grupos estrangeiros e parte do setor passou para corporações
como Cargill, Louis Dreyfus, Tereos, Adeco Agropecuária, Nouble e Infinity Bioenergy.
Dados de 2008 da União dos Produtores de Bioenergia (UDOP) revelaram que a
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participação de grupos estrangeiros na moagem de cana no centro-sul do país avançou de
9,21% em 2007, para 11,1% no ano seguinte. Entre 1996 e 1999 havia em torno de sete
fusões e aquisições de usinas. Nesse período, o setor entra em crise e apenas na década
seguinte (2000) volta a crescer e passa por grande reestruturação e um forte investimento
na política do etanol. Fruto dessa reestruturação do setor entre 2000 e 2007 ocorreu 80
fusões na agroindústria canavieira.
Toda essa acumulação e expansão do capital teve o apoio do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. Em 2004 o setor sucroalcooleiro recebeu
R$ 605 milhões e em 2007 concedeu R$ 3,6 bilhões ao setor, representando 4,76% do
crédito total concedido pelo banco. (LIMA, 2011) Entre 2009 e 2010 o setor
sucroalcooleiro movimentou cerca de R$ 56 bilhões, o que significou 2% do PIB nacional.
Chama atenção o número de trabalhadores empregados no período - 33 milhões – que
foram responsáveis pela produção de 33 milhões de toneladas de açúcar e 29 bilhões de
litros de etanol. (LIMA, 2011).
A reestruturação produtiva que se processou no setor a partir dos anos 1990 está
intimamente ligada às novas exigências do capitalismo: maior produtividade, menor custo,
menor preço de mão-de-obra e diminuição de trabalhadores canavieiros.
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Com a crise do setor sulcroalcooleiro, em meados dos anos 1990, várias usinas são
adquiridas pelo Estado, são desapropriadas e se transformam em assentamentos rurais. No
final da década de 1980, o Estado mudou suas ações em relação à agroindústria canavieira:
suprimiu subsídios que garantiam o preço da cana e do açúcar; privatizou as exportações
que até o momento era realizada pelo Instituto do Açúcar e do Álcool 2; elevou a taxa de
juros. Essas medidas provocaram uma crise no setor e muitos proprietários de engenhos e
usinas faliram e outros poucos entraram num processo de reestruturação da produção.
Muitos trabalhadores perderam seus empregos e encontraram alento para melhorar as suas
condições de vida, nos acampamentos realizados nos engenhos e organizados pelo MST e
o Movimento Sindical. Mas, nem todos os desempregados dos engenhos foram para as
ocupações, havia aqueles que preferiam continuar de biscates; outros tinham medo das
milícias privadas dos proprietários de terra; outros tinham uma visão de que o movimento e
os sem terra são agitadores e não prestam. Mas muitos encontraram no acampamento o
desejo de um futuro melhor. “A crença de que um futuro melhor passava pela lona preta
constitui-se assim em elemento decisivo para explicar e compreender a disposição dos
trabalhadores de se instalarem nas terras dos patrões”. (SIGAUD, 2010, p. 248)
Grandes parcelas de trabalhadores rurais da Zona da Mata de Pernambuco não estão
em assentamento e encontram no trabalho assalariado da cana-de-açúcar a forma para
sobreviver e sustentar suas famílias. Chama atenção o aliciamento ou arregimentação da
mão-de-obra sazonal que é feita nos povoados, pelos gatos ou empreiteiros. O gato cumpre
a tarefa de localizar os candidatos ao trabalho nas usinas, através dos donos dos botecos e
armazéns, reconhece aqueles que são bons ou não; ou simplesmente, aqueles que pagam
em dia suas contas. O gato é a figura que cumpre o papel de intermediar todos os conflitos
dos trabalhadores com as empresas. Na lavoura canavieira a insalubridade, a
periculosidade e a penosidade são características da superexploração do trabalho.
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“O Instituto do álcool e Açúcar foi criado em 1963 e tinha como principal objetivo regular as relações do
setor canavieiro; definia preços e normatizava as relações entre fornecedores e usineiros. Com o Pró-álcool
tornou-se um órgão facilitador da chamada “modernização do setor” que incluiu fusões e incorporações de
usinas e destilarias, bem como a construção de destilarias anexas para produção de álcool; facilitou
sobremaneira a monopolização do setor viabilizando a concentração técnica e econômica dos usineiros e a
incorporação dos pequenos fornecedores pelos grandes e depois das cotas de produção pelas próprias usinas”.
(SANT’ANA, 2012, p. 27)
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Acrescente-se a isso, o uso indevido de venenos na pulverização das plantações, o
que tem provocado muitas doenças, acidentes e mortes de trabalhadores que entram em
contato direto com os agroquímicos, sem nenhum equipamento de proteção e segurança.
Outro aspecto relevante é o pagamento do corte da cana por produção que tem provocado
um ritmo intenso aos trabalhadores assalariados, que muitas vezes vai além de seus limites
físicos. Poucos são aqueles que conseguem ganhar algum dinheiro e terminar a safra sem
adoecer ou sofrer algum acidente. A maioria gasta o pouco recurso que recebe com
alimentação. São relações de trabalho aviltantes, com uso predatório da força de trabalho e
violação dos direitos humanos, trabalhistas, previdenciários, sociais, culturais, econômicos
e políticos.
A migração interna entre as regiões do país tem sido uma realidade presente na área
canavieira e na vida dos trabalhadores rurais assalariados. Na maioria das vezes esse
contingente populacional foi aliciado pelos empreiteiros de mão-de-obra ou “gatos”,
atraídos pela perspectiva de melhorias salariais e de vida. Na verdade esses trabalhadores
são submetidos a condições miseráveis de alimentação, moradia e trabalho.
Diante dessa grande demanda de mão-de-obra foram se formando cidades e vilas
nas proximidades das usinas. A segregação cultural canavieira foi ao longo do tempo,
definindo espaços das cidades. Muitos desses migrantes se estabeleceram na região. Essa
migração forçada e um processo perverso de negação da vida e da dignidade humana.
Significa não ter referências, não ter um lugar para morar, perderam suas raízes sociais e
culturais, não ter lugar no mundo. E ainda, migrar, andar pelo mundo representa
desenraizamento, não ser reconhecido, é a negação da condição humana com direitos
plenos de cidadania.
Há ainda, em muitas empresas, relações de trabalho bem distantes do que prescreve
a legislação trabalhista brasileira. Há trabalhadores sem carteira assinada, não tendo acesso
aos direitos de assistência jurídica, sindical, previdenciária e à saúde. A maioria dos
trabalhadores não conhecem seus direitos, apesar das Campanhas Salariais desencadeadas
pelas FETAGs e CONTAG todos os anos no período da safra, ficando a empresa com total
controle da produção e da força de trabalho.
Nas frentes de trabalho, os canavieiros são submetidos a intensa jornada de
trabalho, com alto índice de exploração e submetidos a um conjunto de violências que
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agridem a saúde, como contato direto com agrotóxicos, agentes físicos, biológicos,
mecânicos, psíquicos, aliados ao desrespeito dos direitos trabalhistas, culturais, políticos,
sociais e econômicos. As doenças mais frequentes são dispneia, dores lombares e torácicas,
câimbras, comprometimentos da coluna vertebral, doenças respiratórias que geram
incapacidades físicas como desidratação, anemia, oscilações da pressão arterial, problemas
gastrointestinais, dermatites, conjuntivites, envenenamento por picada de animais
peçonhentos e agrotóxicos. Essas doenças apresentam estreita relação com a organização
do trabalho no canavial.
Muitas usinas mantêm na sua estrutura física e organizacional ambulatórios com
médicos e enfermeiros que tratam os casos como uma questão meramente biológica
individual e não como resultante de um conjunto de fatores do mundo do trabalho. Em
muitos casos, os mais graves, por exemplo, os médicos atendem na própria usina e não são
encaminhados a rede de assistência a saúde, por receio de serem notificados e multados
pelos problemas causados a saúde do trabalhador.
A vida de um trabalhador canavieiro é curta, dada às péssimas condições materiais
de sobrevivência e de trabalho, principalmente pela exploração da força física, mental,
emocional. A vida desses trabalhadores é determinada pelo trabalho e este por sua vez
incorpora uma natureza depreciativa e desumana, sendo mais um acessório da tecnologia e
mecanização, subordinando-se ao capital para sua acumulação e reprodução.
Nesse sentido, a subordinação do trabalho humano ao capital, expresso na
modernização tecnológica da agroindústria canavieira, tem contribuído para degradação da
vida humana de centenas de trabalhadores rurais. Não só as atividades mecanizadas
aniquilam os trabalhadores, mas, também, as relações administrativas e subjetivas,
transformando pessoas em códigos informatizados num sofisticado controle de produção e
força de trabalho. As transformações no mundo do trabalho têm penetrado no meio rural e
atingido todos os setores da produção açucareira, numa onda de readequação aos padrões
internacionais do capitalismo.
É preciso, pois, construir alternativas de desenvolvimento regional que sejam
econômicos e socialmente justo, viável para vida digna dos trabalhadores canavieiros.
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REFERÊNCIAS:
LIMA, João Policarpo R., PINTO, Malu e FERREIRA, Sylas. Economia da Zona da Mata
de Pernambuco: Algo de novo? Mais ou Menos?. IN: MATOS, Aécio Gomes de (coord.).
Modernização Conservadora e Desenvolvimento na Zona da Mata de Pernambuco. Recife:
Editora da UFPE, 2012.
SIGAUD, Maria Lygia. Debaixo da Lona Preta: legitimidade e dinâmica das ocupações de
terra na Mata Pernambucana. IN: CARTER, Miguel (org.). Combatendo a desigualdade
social – o MST e a reforma agrária no Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2010.
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