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D a v id C h a lm ers
N
um artigo publicado em 1978, o filósofo Daniel Dennett observou
que a questão da natureza da consciência constitui o problema mais
difícil a ser enfrentado pela Filosofia da Mente, a parte da ciência da mente
que mais tem resistido ao estudo, “the last bastion of occult properties,
epiphenomena, immeasurable subjective states - in short, the one area of
mind best left to the philosophers, who are welcome to it.” (Dennett, 1978,
p. 149). Não existe nada mais imediato do que a experiência consciente
mas ao mesmo tempo não existe nada tão difícil a ser explicado.
No panorama da Filosofia da Mente e da Ciência Cognitiva a
questão da natureza da consciência começa a ocupar lugar central nas
pesquisas a partir do final da última década, após um longo e deliberado
silêncio sobre esta questão por parte dos filósofos da mente e dos estudi
osos de Inteligência Artificial. Marcos do reaparecimento de uma preo
cupação crescente com a questão da natureza da consciência são os estu
dos de Jackendoff (1987), Calvin (1990), Dennett (1991) e Flanagan
of the central nervous system, which, in turn, can be reduced to the biological
structure and function of that physiological system. Second, biological phenomena
at all levels can be totally understood in terms of atomic physics, that is, through
the action and interaction of the component atoms of carbon, nitrogen, oxygen and
so forth. Third and last, atomic physics, which is now understood most fully by me
ans of quantum mechanics, must be formulated with the mind as a primitive com
ponent of the system.” (p.39).
rede de entidades básicas que obedecem um conjunto de leis e a consciên
cia pode ser explicada a partir destas. Trata-se de um dualismo naturalista.
O dualismo naturalista permite desenvolver uma teoria não-
reducionista da consciência que consistirá de um conjunto de princípios
psicofísicos ou seja, princípios que conectam propriedades de processos
físicos com propriedades da experiência. Podemos pensar nestes princí
pios como englobando a maneira pela qual a experiência consciente
emerge da estrutura física. Em última análise, esses princípios devem nos
dizer que tipo de sistemas físicos podem gerar experiências e, no caso de
sistemas que o fazem, eles devem nos dizer que tipo de propriedades físi
cas são relevantes para a emergência da experiência consciente.
A defesa deste ponto de vista orienta o modo pelo qual Chalmers
estrutura seu livro: num primeiro momento, é preciso reconhecer a ver
dadeira dimensão do problema da consciência, desvinculando-o de um
conjunto de problemas subsidiários que podem ocultar ou escamotear a
sua identificação adequada. O segundo momento, consiste em atacar as
explicações funcionais e reducionistas da consciência, e mostrar em que
sentido estas podem ser necessárias mas não suficientes para dar conta da
natureza específica da experiência consciente. A terceira parte do livro
esboça uma teoria geral da consciência com base num conjunto de prin
cípios psicofísicos.
O reconhecimento do problema da consciência significa sustentar
que este não é um pseudo-problema e que o filósofo da mente não pode
fugir da tarefa de ter de enfrentá-lo seriamente. Esta tentação pode surgir
pelo fato de estarmos enfrentando um problema extremamente árduo.
Para começar, a Filosofia da Mente não reconhece a existência de apenas
um problema da consciência. “Consciência” é um termo polissêmico e
por vezes ambíguo, que se refere a vários tipos de fenômenos, como por
exemplo:
- a habilidade para discriminar, categorizar e reagir a estímulos
ambientais,
- a integração da informação através de um sistema cognitivo,
- a capacidade de relatar a ocorrência de estados mentais,
- a habilidade de um sistema para acessar seus próprios estados in
ternos,
- o foco da atenção,
- o controle deliberado do comportamento,
- a diferença entre sono e vigília.
Todos estes fenômenos estão associados com a noção de consciên
cia. Por exemplo, diz-se que um estado mental é consciente quando ele é
passível de ser relatado verbalmente ou quando ele é internamente aces
sível. As vezes, diz-se que um sistema está consciente de uma informa
ção quando ele tem a habilidade de reagir com base nela ou quando ele a
integra e a elabora para produzir determinados comportamentos. Dize
mos freqüentemente que uma ação é consciente porque ela é deliberada.
Outras vezes, referimo-nos a um organismo como estando consciente
quando este está em vigília.
No entender de Chalmers nenhum destes fenômenos - nem tampou
co seu conjunto -caracteriza o verdadeiro problema da consciência: eles
constituem apenas os aspectos funcionais da experiência consciente. Isto
significa dizer que, em última análise, estes fenômenos podem vir a ser
explicados cientificamente. Em outras palavras, nada impede que algum
dia eles possam vir a ser explicados seja através de um modelo computaci
onal seja através da descoberta de mecanismos neurais. Por exemplo, para
explicar o acesso e a capacidade de relatar a ocorrência de estados mentais,
basta especificar o mecanismo através do qual a informação acerca de es
tados mentais é recuperada e tomada disponível para relato verbal. Para
explicar a integração da informação precisamos apenas conceber meca
nismos através dos quais esta seja combinada e em seguida utilizada em
outros processos. Para explicar a distinção entre sono e vigília uma expli
cação em termos neurofisiológicos que dê conta da diferença de compor
tamento do organismo nestes dois estados é mais do que suficiente.
Se explicar a consciência se resumisse a explicar estes fenômenos,
então não haveria um problema filosófico da consciência. Embora estes
sejam problemas empíricos de difícil solução, eles ainda não caracteri
zam os verdadeiros problemas colocados pela consciência. Estes são, em
última análise, os “easy problems”
A grande dificuldade é o chamado problema da experiência (“hard
problem”). Quando pensamos e percebemos o mundo existe um tipo de
processamento de informação mas também um aspecto subjetivo nele
envolvido. Como Nagel (1974) coloca, existe “something it is like to be a
conscious organism.” Este aspecto subjetivo é a experiência consciente.
Como caracterizar a experiência consciente? O que significa ter uma
imagem mental neste momento ou experimentar uma sensação corporal
qualquer? O que unifica tudo isto? A experiência emerge de uma base
física mas não sabemos como isto é possível. Como algo físico pode dar
lugar a experiências internas ou estados internos?
O reconhecimento da existência de um “hard problem” tem como
conseqüência uma desqualificação das tentativas de explicação funcional
da natureza da consciência entendida como experiência consciente. Ex
plicações funcionais podem ser necessárias, mas certamente não serão
suficientes para explicar a natureza da experiência consciente. Pois, como
explicamos o desempenho de uma função? Especificando o mecanismo
que desempenha a função. A aplicação de conhecimentos oriundos da
neurofisiologia e das ciências cognitivas pode resolver vários problemas
neste sentido. Se mostrarmos como um mecanismo neuronal ou compu
tacional pode desempenhar uma determinada tarefa, teremos explicado o
fenômeno em questão.
Mas no caso da experiência consciente este tipo de explicação fa
lha. O problema da experiência consciente requer algo mais do que ex
plicar o desempenho de funções. Em outras palavras, o “hard problem”
persiste mesmo quando o desempenho de todas as funções relevantes é
explicado. A questão que se coloca é a seguinte: Por que o desempenho
destas funções é acompanhado por experiências? Ou seja, pode-se expli
car como a informação é discriminada, integrada e relatada, mas isto não
significa explicar como ela é experienciada. Esta é a questão chave no
problema da consciência - explicar como e porque surge a experiência no
decorrer do processamento de informação. Não existe nenhuma função
cognitiva cuja explicação leve automaticamente à uma explicação da
experiência consciente. A experiência consciente supervem a sua base
física, ou seja, nenhum fato do mundo, mesmo a nível microfísico, impli
ca necessariamente na produção de estados conscientes.3
O conceito de superveniencia, cuidadosamente analisado por
Chalmers em seu livro sustenta este ponto de vista. Uma propriedade B
de um determinado indivíduo é chamada de superveniente se é produzida
por um conjunto de propriedades A desse mesmo indivíduo. Por exem
plo, um conjunto de propriedades físicas pode determinar um conjunto de
propriedades biológicas na medida em que fenômenos vitais dependem
de uma base física. Estes fenômenos vitais são então supervenientes em
relação a sua base física; se as propriedades físicas variarem, as proprie
dades biológicas também variarão. A determinação de propriedades su
pervenientes pode ser lógica (conceituai) ou natural (empírica ou nômi-
ca). No caso da superveniência lógica as propriedades B são
conseqüência automática da existência das propriedades A, ou seja, não
seria possível conceber A sem conceber B. Já no caso da superveniência
natural é possível conceber A sem conceber B, mas existe uma conexão
empírica, de fato, entre A q B.
Ora, o esforço de Chalmers será mostrar que estados conscientes
pão são logicamente supervenientes em relação a estados físicos: é per
feitamente concebível a existência de duas criaturas fisicamente idênticas
sendo que uma desenvolve experiências conscientes e outra não. O
exemplo paradigmático invocado por Chalmers é a plausibilidade de
concebermos criaturas como zumbis. Neste experimento mental4, um
zumbi é uma criatura fisicamente idêntica a mim, molécula por molécula.
Ele é também funcionalmente equivalente a mim, no sentido de que ele
3 “that is, that all the microphysical facts in the world do not entail the facts about
consciousness.” (Chalmers, 1996, p.93).
4 Um experimento mental, figura freqüentemente utilizada na literatura da filosofia
da mente, consiste em imaginar uma situação hipotética, algo que teoréticamente
pode vir a ser realizado mas que não contraria possibilidades físicas e lógicas. A
importancia dos experimentos mentais consiste no fato de que destas situações hi
potéticas podemos extrair imediatamente conseqüências conceituais importantes.
pode fazer tudo o que eu faço. Contudo, posso perfeitamente conceber
que este zumbi não tenha experiências conscientes. Este zumbi pode ser
até uma réplica de mim mesmo, mas replicar minhas características físi
cas e funcionais não implica, automaticamente, em replicar minha possi
bilidade de ter estados conscientes. O mesmo poderia ser dito de um robô
que replicasse totalmente minhas possibilidades funcionais, um robô hu-
manóide como é o caso do COG.5 Assim sendo, nada indica que estados
conscientes sejam logicamente supervenientes em relação a estados físi
cos e nem mesmo a determinadas arquiteturas funcionais. Estados cons
cientes são, no máximo, natural ou empiricamente supervenientes em
relação a estados físicos, ou seja, não há conexão lógica entre base física
ou arquitetura funcional e consciência. A consciência é contingente em
relação a sua base física; ela é um fator suplementará
A crítica às possibilidades das explicações funcionais é seguida, no
texto de Chalmers, por um ataque às explicações reducionistas, conser
vando a mesma linha de raciocínio. As explicações redutivistas, quase
sempre no âmbito da ciência cognitiva ou da neurociência, escamoteiam
a verdadeira natureza do problema da consciência e o identificam com os
“easy problems” Dentre os vários modelos de explicação reducionista
analisados por Chalmers chamam a atenção os de Crick e Koch (1990),
de Baars (1988) e de Dennett (1991).
7 Dennett afirmou, certa vez, que a melhor maneira de entender seu modelo é pensar
que a consciência é como a fama. Todos querem ser famosos e disputam um lugar
no palco, mas o são apenas por alguns minutos e logo em seguida são substituídos
por outros. O mesmo ocorre com estados mentais: quando se tornam “famosos” são
conscientes por alguns segundos.
delas consiste em dizer que a experiência é um fator complementar na ex
plicação dos mecanismos da consciência. Este tipo de abordagem deixa de
lado as tentativas de explicar a natureza da experiência e concentra-se na
explicação dos mecanismos cognitivos subjacentes à consciência, ou seja
concentra-se nos “aspectos simples” (easy problem) do problema.
O segundo tipo de estratégia consiste em negar a especificidade do
fenômeno. Esta linha é desenvolvida por pesquisadores como Allport
(1988), e Wilkes (1988). De acordo com esta estratégia, se funções como
acessibilidade, capacidade de relatar estados internos e outras são expli
cadas, não há necessidade de explicar o que chamamos de “experiência”
Alguns partidários desta estratégia procuram negar o fenômeno experi
ência dizendo que ele não é externamente verificável e portanto não é
algo real. Esta estratégia tem como resultado a formulação de teorias
bastante simples, mas insatisfatórias. Na realidade, eles escamoteiam o
problema.
Na terceira estratégia, alguns pesquisadores afirmam ter explicado
a experiência. Eles abordam este aspecto do problema seriamente, e di
zem que sua teoria funcional explica as qualidades subjetivas da experi
ência (Flohr, 1992; Humphrey, 1992). Eles explicam como o processa
mento de informação ocorre e, subitamente a idéia de experiência é
introduzida. Contudo, não explicam como a consciência emerge desses
processos.
Uma quarta estratégia apela para a idéia de explicar a estrutura da
experiência. Argumenta-se por exemplo, que uma explicação de como o
sistema visual opera discriminações pode explicar as relações entre dife
rentes experiências de cor (ver Clark, 1992 e Hardin, 1992). Fatos acerca
dessas estruturas no processamento corresponderiam a fatos na estrutura
da experiência. O problema desta estratégia é que ela toma a própria
existência da experiência como ponto de partida - e isto significa, de
certa maneira, escamotear uma explicação de como e porquê a experiên
cia se forma nestes fenômenos.
Uma quinta estratégia consiste em isolar o substrato da experiên
cia. Toma-se como ponto de partida o fato de que a experiência emerge
de processos cerebrais. É preciso então identificar os processos que le-
vam ao aparecimento deste tipo de fenómeno específico. Esta é a linha
adotada por Crick e Koch, ao tentar isolar o correlato neuronal da consci
ência. O mesmo tipo de linha é adotada por Edelman (1989) e Jackendoff
(1987). Contudo, esta estratégia é ainda insatisfatória. Uma teoria satis
fatória tem de fornecer mais do que simplesmente isolar os processos que
dão lugar ao aparecimento da experiência.
Todas estas estratégias falham na medida em que não fornecem um
bom método para explicar o ingrediente suplementar (extraness) necessá
rio para se obter uma explicação da natureza da consciência. Mas o que
poderia ser este ingrediente suplementar e como ele poderia explicar a
natureza da experiência consciente?
A análise de Chalmers recobre as tentativas de alguns teóricos que
propuseram que este ingrediente suplementar deve ser procurado na teo
ria do caos ou na dinâmica não-linear. Outros sugerem que a chave para
isto está no processamento não-algorítmico. Outros apelam para futuras
descobertas da neurofisiologia e outros ainda, para a mecânica quântica.
O processamento não-algorítmico é sugerido por Penrose (1989,
1994) por causa do papel da consciência na intuição matemática. Mas este
tipo de explicação - na concepção de Chalmers - ainda seria apenas uma
explicação de funções envolvidas no raciocínio matemático. Pois mesmo
que falemos de processamento não-algorítmico podemos ainda questionar
porque este último daria origem à experiência. Assim sendo, a teoria de
processamento não-algorítmico não teria nenhuma vantagem aparente.
O mesmo é afirmado por Chalmers acerca de processamento não-
linear e da dinâmica do caos. Uma aplicação destas teorias pode fornecer
uma explicação da dinâmica de funcionamento cognitivo, mas a questão
da experiência ainda permanece inexplicada. Podemos sustentar a mesma
afirmação acerca de possíveis descobertas neurofisiológicas.
Uma concepção de ingrediente suplementar que tem ganhado terre
no ultimamente origina-se da mecânica quântica (Hameroff, 1994). A
inspiração desta proposta baseia-se na idéia de que fenômenos quânticos
têm características funcionais extremamente interessantes, como, por
exemplo, o indeterminismo e a não-localidade. Poder-se-ia então especu
lar que estas propriedades seriam responsáveis por certos processos cog
nitivos como, por exemplo, escolha randômica ou integração de informa
ção. Mas, novamente, a crítica de Chalmers recai no fato de que estas teo
rias nada nos dizem acerca da natureza da experiência consciente.
A mesma crítica é por ele estendida a qualquer tentativa de explicar
a consciência em termos puramente físicos. Pois qualquer teoria que siga
esta linha, enfrentará no final o mesmo tipo de questão: por que tal e tal
processo dá origem à experiência? Qualquer processo funcional pode ser
instanciado sem a participação da experiência o que mostra que a expe
riência ultrapassa o que pode ser derivado de qualquer teoria física.
Explicações físicas são boas enquanto explicação do desempenho
dt funções, explicando estas últimas em termos de mecanismos físicos
que as desempenham. Mas fatos acerca da experiência não podem ser
conseqüência automática de nenhuma explicação física - eles podem
existir sem experiências. A experiência pode emergir de uma estrutura
física, mas não é conseqüência desta.
Chegamos assim à proposta de uma teoria não-reducionista da ex
periência consciente. O esboço desta teoria ocupa a terceira parte do livro
de Chalmers, a parte que ele chama de “construtiva” na medida em que
oferece uma alternativa a todas as teorias anteriormente criticadas. Esta
teoria deve ser compatível com a proposta não-reducionista e com o dua
lismo naturalista, ou seja, ela não deve conflitar com os resultados da
ciência. Em outras palavras, este dualismo brando deve especificar um
conjunto de princípios básicos que nos mostrem como a experiência
consciente supervem à características físicas do mundo. Estes princípios
psicofísicos não interferem com as leis físicas na medida em que estas
últimas formam um sistema fechado. Na realidade, elas suplementam a
teoria física.
Chalmers identifica três princípios psicofísicos na sua teoria: o
princípio de coerência estrutural, o princípio de invariância organizacio
nal e o princípio do duplo aspecto da teoria da informação. O primeiro
princípio estabelece uma relação coerente entre a “structure of consci-
ousness” e a “structure of awareness,’>ou seja, toda experiência consci
ente é cognitivãmente representada, ou seja, assume a forma de um pro
cesso cognitivo, embora nem tudo o que seja cognitivãmente representá-
vel seja necessariamente consciente. Existe uma relação íntima entre
cognição e consciência que torna os estados conscientes passíveis de re
lato verbal, acessíveis aos sistemas centrais que controlam o comporta
mento e tudo o mais que compõe a listructure of awareness” Este quase-
isomorfismo entre structure of consciousness e structure of awareness
permite que teorias cognitivas e neurofisiológicas sirvam de ponto de
partida para uma teoria da experiência consciente: estas teorias devem
explicar a base física ou os correlatos neurofisiológicos sobre os quais a
experiência consciente supervém.
O princípio da invariância organizacional estipula que dois siste
mas com a mesma organização funcional terão experiências qualitativa
mente idênticas. Isto significa dizer que se construirmos uma réplica do
cérebro humano em silicone preservando os mesmos padrões causais de
organização neuronal, este cérebro replicado poderá ter as mesmas expe
riências que o cérebro humano. O que conta na emergência de experiên
cias não é o tipo de substrato físico de um sistema mas seu princípio ar
quitetônico ou a organização de seus componentes.
O terceiro princípio, do duplo aspecto da informação é o princípio
básico e fundamental da teoria da consciência de Chalmers. Ele toma
como ponto de partida a noção de informação tal como é definida por
Shannon (1948) e sustenta que esta tem um duplo aspecto: um físico e
outro fenoménico. E o aspecto fenoménico que dá origem à experiência
consciente e este princípio é, sem dúvida, o mais controverso na teoria de
Chalmers: afinal, quais são as peculiaridades da informação que podem
dar origem a estados conscientes? Será a consciência privilégio apenas de
cérebros humanos ou poderá ela ser estendida a outros processadores de
informação como cérebros de animais ou até mesmo máquinas?
E notável o quanto este aspecto permanece obscuro na teoria de
Chalmers e o situa ao lado do grupo de filósofos contemporâneos como
McGinn que foram chamados de “New Mysterians” por suporem que há
algo de misterioso na explicação da consciência.8 Em várias passagens
de seu livro nota-se um constante flerte com posições dualistas que são,
em seguida, abrandadas pela idéia de um “dualismo naturalista” 9 Afinal,
ao reconhecer que a “experiência consciente” é uma dimensão qualitativa
do universo ou um “primitivo” da mobília do mundo estaremos tão dis
tantes assim da idéia cartesiana da pluralidade das substâncias? Pouco
podemos dizer do “aspecto dual da informação” da mesma maneira que
pouco se pode dizer das características da “substância pensante” cartesia
na. A irredutibilidade da dimensão subjetiva da experiência consciente
parece originar-se do fato desta apresentar-se como um dado imediato -
mas será este o único ponto de partida plausível para iniciarmos uma
teoria da consciência? Por que teríamos de necessariamente iniciar nossa
reflexão assumindo uma posição solitária? Quando olhamos para uma
lagosta sendo jogada na água quente, contorcendo-se com a dor, não es
tamos intuitivamente atribuindo algum tipo de experiência consciente a
esse organismo?
O flerte de Chalmers com o cartesianismo toma-se igualmente evi
dente na sua teoria da superveniência dos estados conscientes. A critica a
explicações reducionistas e puramente funcionais da natureza da consci
ência encontra-se, de maneira embrionária, nos escritos de Descartes so
bre os autómatas. Descartes sustentava que a duplicação de característi