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ANTONIO GRAMSCI

Coleção
PERSPECTIVAS DO HOMEM
Volume % 48
Série Filosofia

Direção de MOACYR FELIX

Os Intelectuais
e a Organização
da Cultura

Tradução de
CARLOS NELSON COUTINHO

4. a edição

civilização
brasileira
A Formação dos Intelectuais

O S INTELECTUAIS constituem um grupo social autôno -


mo e independente, ou cada grupo social possui sua própria
categoria especializada de intelectuais? O problema ê com-
plexo por causa das várias formas que, até nossos dias, assu-
miu o processo histórico real de formação das diversas ca-
tegorias intelectuais.
As mais importantes destas formas são duas:
1) Cada grupo social, nascendo no terreno originário
de uma função essencial no mundo da produção econômica,
cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgánico, uma
ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade
e consciência da própria função, não apenas no campo eco-
nômico, mas também no social e no politico: o empresário
capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da
economia politica, o organizador de uma nova cultura, de

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cabe observar que a massa dos camponeses, ainda que de-
um novo direito, etc., etc. Deve-se anotar o fato de que senvolva uma função essencial no mundo da produção, não
o empresário representa uma elaboração social superior, já elabora seus próprios intelectuais "orgãnicos" e não "assi-
caracterizada por uma certa capacidade dirigente e técnica mila" nenhuma camada de intelectuais "tradicionais", em-
(isto é, intelectual): ele deve possuir uma certa capacidade bora outros grupos sociais extraiam da massa dos campo-
técnica, não somente na esfera restrita de sua atividade e neses muitos de seus intelectuais e grande parte dos inte-
de sua iniciativa, mas ainda em outras esferas, pelo menos lectuais tradicionais seja de origem camponesa.
nas mais próximas da produção econômica (deve ser um
organizador de massa de homens: deve ser um organizador da 2) Cada grupo social "essencial", contudo, surgindo na
"confiança" dos que investem em sua fábrica, dos compra- história a partir da estrutura econômica anterior e como ex-
dores de sua mercadoria, etc.). pressão do desenvolvimento desta estrutura, encontrou --
pelo menos na história que se desenrolou até aos nossos dias
Os empresários -- se não todos, pelo menos uma elite categorias intelectuais preexistentes, as quais apareciam,
deles -- devem possuir a capacidade de organizar a socie- aliás, como representantes de uma continuidade histórica que
dade em geral, em todo o seu complexo organismo de ser- não fora interrompida nem mesmo pelas mais complicadas e
viços, inclusive no organismo estatal, em vista da necessida- radicais modificações das formas sociais e políticas.
de de criar as condições mais favoráveis à expansão da pró-
pria classe: ou, pelo menos, devem possuir a capacidade de A mais típica destas categorias intelectuais é a dos écle-
escolher os "prepostos" (empregados especializados) a quem siásticos, que monopolizaram durante muito tempo (numa in-
confiar esta atividade organizativa das relações gerais exte- teira fase histórica que é parcialmente caracterizada, aliás,
riores a fábrica. Pode-se observar que os intelectuais "or- por este monopólio) alguns serviços importantes: a ideolo-
gánicos", que cada nova classe cria consigo e elabora em gia religiosa, isto é, a filosofia e a ciência da época, através
seu desenvolvimento progressivo, são, no mais das vezes, "es- da escola, da instrução, da moral, da justiça, da beneficência,
pecializações " de aspectos parciais da atividade primitiva do da assistência, etc. A categoria dos eclesiásticos pode ser
tipo social novo que a nova classe deu à luz.' considerada como a categoria intelectual orgànicamente li-
gada à aristocracia fundiária: era juridicamente equiparada
Também os senhores feudais eram detentores de uma
particular capacidade técnica, a militar, e é precisamente a à aristocracia, com a qual dividia o exercício da propriedade
partir do momento em que a aristocracia perde o monopólio feudal da terra e o uso dos privilégios estatais ligados à pro-
desta capacidade técnico-militar que se inicia a crise do feu- priedade.2 Mas o monopólio das superestruturas por parte dos
dalismo. Mas a formação dos intelectuais no mundo feudal
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e no mundo clássico precedente é uma questão que deve sér Para o estudo de uma categoria desses intelectuais, a mais impor-
examinada à parte: esta formação e elaboração segue cami- tante, talvez, depois da "eclesiástica", pelo prestigio e pela função so-
nhos e modos que é preciso estudar concretamente. Assim, cial desenvolvida nas sociedades primitivas — a categoria dos médicos
em sentido lato, isto é, de todos aqueles que lutam ou parecem lu-
r tar contra a morte e as doenças para isso, dever-se-é consultar a
Os Elementos de Ciência Política, de MoscA (nova edição au- História da Medicina, de Anrama CASncr.ronr. Recorde-se que hou-
mentada, 1923), devem ser examinados para esta rubrica. A chama- ve conexão entre a religião e a medicina e que esta conexão con-
da "classe política" de Mosca não é mais do que a" categoria intelec- tinua ainda a existir, em certas zonas: hospitais na mão de religiosos
tual do grupo social dominante: o conceito de classe politica" de no que toca a certas funções de organização, além do fato de que,.
Mosca deve se avizinhar ao conceito de elite de Pareto, que é uma onde aparece o médico, aparece o padre (exorcismo, assistência de
outra tentativa de interpretar o fenómeno histórico dos intelectuais e vários tipos, etc.). — Muitas grandes figuras religiosas eram também,
sua função na vida estatal e social. O livro de Mosca é um enorme e foram concebidas, como grandes "terapeutas": a idéia do milagre
calhamaço de caráter sociológico e positivista, com a tendenciosidade que chegou ató à ressurreição dos mortos. Durante muito tempo, per-
da política imediata, ademais, o que o toma menos indigesto e lite- maneceu a crença de que os reis curavam pela colocação das mãos, etc.
rariamente mais vivo.
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vidades intelectuais, ao invés de buscá-lo no conjunto do sis-
eclesiásticos' não foi exercido sem luta e sem limitações; e tema de relações no qual estas atividades (e, portanto, os
nasceram, conseqüentemente, em várias formas (que devem grupos que as personificam) se encontram, no conjunto geral
ser pesquisadas e estudadas concretamente), outras catego- das relações sociais. Na verdade, o operário 6u proletário,
rias, favorecidas e ampliadas á medida em que se reforçava por exemplo, não se caracteriza especificamente pelo traba-
o poder central do monarca, até chegar ao absolutismo. Assim, lho manual ou instrumental, mas por este trabalho em deter-
foi-se formando a aristocracia togada, com seus próprios pri- minadas condições e em determinadas relações sociais (sem
vilégios, bem como uma camada de administradores, etc.; e falar no fato de que não existe trabalho puramente físico e
também cientistas, teóricos, filósofos não eclesiásticos, etc. de que mesmo a expressão de Taylor, "gorila amestrado",
Dado que estas várias categorias de intelectuais tradi- é uma metáfora para indicar , um limite numa certa direção:
cionais sentem com "espírito de gripo" sua ininterrupta con- em qualquer trabalho físico, mesmo no mais mecânico e de-
tinuidade histórica e sua "qualificação " , eles consideram a si gradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é,
mesmos como sendo autõnomos e independentes do grupo um mínimo de atividade intelectual criadora). E já ye obser-
social dominante. Esta autocolocação não deixa de ter con- vou que o empresário, pela sua própria função, deve possuir
seqüências de grande importância no campo ideológico e po- em certa medida algumas qualificações de caráter ln electual,
lítico: toda a filosofia idealista pode ser facilmente relacio- se bem que sua figura social seja determinada não por elas,
nada com esta posição assumida pelo complexo social dos mas pelas relações sociais gerais que caracterizam efetiva-
intelectuais e pode ser definida como a expressão desta uto- mente a posição do empresário na indústria.
pia social segundo a qual os intelectuais arceditam ser "inde- Todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer en-
pendentes", autõnomos, revestidos de características pró- tão: mas nem todos os homens desempenham na sociedade
prias, etc. a função de intelectuais.*
Deve-se notar, porém, que se o Papa e a alta hierarquia Quando se distingue entre intelectuais e não-intelectuais,
da Igreja se crêem mais ligados a Cristo e aos apóstolos do faz-se referência, na realidade, tão-somente á imediata fun-
que aos senadores Agnelli e Benni, o mesmo não ocorre com ção social da categoria profissional dos intelectuais, isto é,
Gentile e Croce, por exemplo; Croce, notadamente, sente-se leva-se em conta a direção sobre a qual incide o peso maior
fortemente ligado a Aristóteles e a Platão, mas não esconde da atividade profissional específica, se na elaboração intelec-
que esteja ligado aos senadores Agnelli e Benni; precisamen- tual ou se no esforço muscular-nervoso. Isto significa que,
te nisto deve ser procurada a característica mais marcada se se pode falar de intelectuais, é impossível falar de não-in-
da filosofia de Croce. telectuais, porque não existem não-intelectuais. Mas a pró-
Quais são os limites "máximos" da acepção de "intelec- pria relação entre o esforço de elaboração intelectual-cere-
tual"? $ possível encontrar um critério unitário para caracte- bral e o esforço' muscular-nervoso não é sempre igual; por
rizar igualmente todas as diversas e variadas atividades in- isso, existem graus diversos de atividade específica intelectual.
telectuais e para distingui-las, ao mesmo tempo e de modo Não existe atividade humana da qual se possa excluir toda
essencial, dos outros agrupamentos sociais? O erro metodoló- intervenção intelectual, não se pode separar o homo faber do
gico mais difundido, ao que me parece, consiste em se ter homo sapiens. Em suma, todo homem, fora de sua profissão,
buscado este critério de distinção no que é intrínseco ás ati- desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um
"filósofo", um artista, um homem de gosto, participa de uma
s
Disso nasceu a acepção geral de "intelectual" ou de "especialista",
a partir da palavra "clérigo", em muitas Ifnguas de origem neolatina 4
Do mesmo modo, pelo fato de que al ém possa em determinado
ou fortemente influenciadas, através do latim eclesiástico; pelas línguas momento fritar dois ovos ou costurar um buraco do paletó, não quer
neolatinas, com seu correlativo de "laico" no sentido de profano, de dizer que todo mundo seja cozinheiro ou alfaiate.
não-especialista.
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concepção do mundo, possui uma linha consciente de con-
duta moral, contribui assim para manter ou para modificar conexão com os grupos sociais mais importantes, e sofrem
uma concepção do mundo, isto é, para promover novas ma- elaborações mais amplas e complexas em ligação com o grupo
neiras de pensar. social dominante. Uma das mais marcantes características
O problema da criação de uma nova camada intelectual, de todo grupo social que se desenvolve no sentido do domí-
portanto, consiste em elaborar criticamente a atividade inte- nio é sua luta pela assimilação e pela conquista "ideológica"
lectual que existe em cada um em determinado grau de de- dos intelectuais tradicionais, assimilação e conquista que são
senvolvimento, modificando sua relação com o esforço mus- tão mais rápidas e eficazes quanto mais o grupo em questão
cular-nervoso no sentido de um novo equilíbrio e conseguin- elaborar simultaneamente seus próprios intelectuais orgânicos.
do-se que o próprio esforço muscular-nervoso, enquanto ele- O enorme desenvolvimento alcançado pela atividade e
mento de uma atividade prática geral, que inova continua- pela organização escolar (em sentido lato) nas sociedades
mente o mundo físico e social, torne-se o fundamento de uma que surgiram do mundo medieval indica a importância assu-
nova e integral concepção do mundo. C) tipo tradicional e mida no mundo moderno pelas categorias e funções intelec-
vulgarizado do intelectual é fornecido pelo literato, pelo filó- tuais: assim como se buscou aprofundar e ampliar a "inte-
sofo, pelo artista. Por isso, os jornalistas — que crêem ser lectualidade" de cada indivíduo, buscou-se igualmente mul-
literatos, filósofos, artistas — crêem também ser os "verda- tiplicar as especializações e aperfeiçoá-las. $ este o resul-
deiros" intelectuais. No mundo moderno, a educação técni- tado das instituições escolares de graus diversos, inclusive
ca, estreitamente ligada ao trabalho industrial, mesmo ao dos organismos que visam a promover a chamada "alta cul-
mais primitivo e desqualificado, deve constituir a base do tura", em todos os campos da ciência e da técnica.
novo tipo de intelectual.
Neste sentido trabalhou o semanário Ordine Nuouo,
s A escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de
visando a desenvolver certas formas de novo intelectualismo diversos níveis. A complexidade da função intelectual nos
e a determinar seus novos conceitos; e essa não foi uma das vários Estados pode ser objetivamente medida pela quanti-
razões menores de seu êxito, pois uma tal colocação corres- dade das escolas especializadas e pela sua hierarquização:
pondia a aspirações latentes e era adequada ao desenvolvi- quanto mais extensa for a "área" escolar e quanto mais nu-
mento das formas reais de vida. O modo de ser do novo merosos forem os "graus" "verticais" da escola, tão mais
intelectual não pode mais consistir na eloqüência, motor ex- complexo será o mundo cultural, a civilização, de um deter-
terior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imis- minado Estado. Pode-se ter um termo de comparação na
cuir-se ativamente na vida prática, como construtor, orga- esfera da técnica industrial: a industrialização de um país se
nizador, "persuasor permanente", já que não apenas orador mede pela sua capacidade de construir máquinas que cons-
puro — e superior, todavia, ao espírito matemático abstra- truam máquinas e na fabricação de instrumentos cada vez
to; da técnica-trabalho, eleva-se à técnica-ciência e à con- mais precisos para construir máquinas e instrumentos que
cepção humanista histórica, sem a qual se permanece "espe- construam máquinas, etc. O país que possuir a melhor capa-
cialista" e não se chega a "dirigente" (especialista mais po- citação para construir instrumentos para os laboratórios dos
lítico). cientistas e para construir instrumentos que fabriquem estes
Formam-se assim, historicamente, categorias especializa- instrumentos, este pais pode ser considerado o mais complexo
das para o exercício da função intelectual; formam-se em co- no campo técnico-industrial, o mais civilizado, etc. Do mes-
nexão com todos os grupos sociais, mas especialmente em mo modo ocorrê na preparação dos intelectuais e nas es-
colas destinadas a tal preparação; escolas e instituições de
6 Trata-se de mn periódico socialista, de cuja seçio turinesa Gramsci alta cultura são similares. Neste campo, igualmente, a quan-
foi redator (Nota do Tradutor). tidade não pode ser destacada da qualidade. A mais refi-
nada especialização técnico-cultural, não pode deixar de cor-
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responder a maior ampliação possível da difusão da instru-
ção primária e a maior solicitude no favorecimento dos graus vados") e o da "sociedade política ou Estado", que corres-
intermediários ao maior número. Naturalmente, esta neces- pondem à função de "hegemonia" que o grupo dominante
sidade de criar a mais ampla base possível para a seleção e exerce em toda a. sociedade e àquela de domínio direto"
elaboração das mais altas qualificações intelectuais — ou ou de comando, que se expressa no Estado e no governo "ju-
seja, de dar à alta cultura e à técnica superior uma estrutura rídico". Estas funções são precisamente organizativas e co-
democrática — não deixa de ter inconvenientes: cria-se, des- nectivas Os intelectuais são os "comissários" do grupo do-
te modo, a possibilidade de vastas crises de desemprego nas minante para o exercício das funções subalternas da hege-
camadas médias intelectuais, tal como realmente ocorre em monia social e do governo político, isto é: 1) do consenso
"
todas as sociedades modernas. espontâneo" dado pelas grandes massas da população à
orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida
Deve-se notar que a elaboração das camadas intelectuais social, consenso que nasce "historicamente" do prestígio (e,
na realidade concreta não ocorre num terreno democrático portanto, da confiança) que o grupo dominante obtém, por
abstrato, mas de acordo com processos históricos tradicionais causa de sua posição e de sua .função no mundo da produ-
muito concretos. Formaram-se camadas que, tradicionalmen- ção; 2) do aparato de coerção estatal que assegura "legal-
te, " produzem" intelectuais; trata-se das mesmas camadas mente" a disciplina dos grupos que não "consentem", nem
que, muito freqüentemente, especializaram-se na "poupança", ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a
isto é, a pequena e média burguesia fundiária e alguns es- sociedade, na previsão dos momentos de crise no comando
tratos da pequena e média burguesia das cidades. A diversa e na direção, nos quais fracassa o consenso espontâneo.
distribuição dos diversos tipos de escola (clássicas e profis-
sionais) no território " econõmico " e as diversas aspirações Esta colocação do problema traz, como resultado, uma
das várias categorias destas camadas determinam, ou dão ampliação muito grande do conceito de intelectual, mas so-
forma, à produção dos diversos ramos de especialização in- mente assim torna-se possível alcançar uma aproximação con-
telectual. Assim, na Itália, a burguesia rural produz notada- creta à realidade. Este modo de colocar a questão entra em
mente funcionários estatais e profissionais liberais, ao passo choque com preconceitos de casta; é verdade que a própria
que a burguesia urbana produz técnicos para a indústria: por
isso, a Itália setentrional produz notadamente técnicos e a função organizativa da hegemonia social e do domínio esta-
Itália meridional notadamente funcionários e profissionais. tal dá lugar a uma certa divisão do trabalho e, portanto, a
toda uma gradação de qualificações, em algumas das quais
A relação entre os intelectuais e o mundo da produção não mais aparece nenhuma atribuição diretiva e organizati-
não é imediata, como é o caso nos grupos sociais fundamen-
va: no aparato da direção estatal e social existe toda uma
tais, mas é "mediatizada", em diversos graus, por todo o con-
série de empregos de caráter manual e instrumental (de or-
texto social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os
dem e não de conceito, de agente e não de oficial ou funcio-
intelectuais são precisamente os "funcionários". Poder-se-ia
nário, etc.); mas, evidentemente, é preciso fazer esta distin-
medir a "organicidade" dos diversos estratos intelectuais, sua
ção, como é preciso fazer também qualquer outra. De fato,
mais ou menos estreita conexão com um grupo social funda-
mental, fixando uma gradação das funções e das superestru-
a atividade intelectual deve ser diferenciada em graus, in-
clusive do ponto de vista intrínseco; estes graus, nos momen-
turas de baixo para cima (da base estrutural para cima).
tos de extrema oposição, dão lugar a uma verdadeira e real
Por enquanto, pode-se fixar dois grandes "planos" superes-
diferença qualitativa: no mais alto grau, devem ser coloca-
truturais: o que pode ser chamado de "sociedade civil" (isto
dos os criadores das várias ciências, da filosofia, da arte,
é; o conjunto de organismos chamados comumente de "pri-
etc.; no mais baixo, os "administradores" e divulgadores mais
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Os intelectuais de tipo rural são, em sua maior parte,
modestos da riqueza intelectual já existente, tradicional, "tradicionais", isto é, ligados à massa social camponesa e pe-
acumulada? queno-burguesa das cidades (notadamente dos centros me-
No mundo moderno, a categoria dos intelectuais, assim nores), ainda não elaborada e movimentada pelo sistema ca-
entendida, ampliou-se de modo inaudito. Foram elaboradas, pitalista: este tipo de intelectual põe em contato a massa
pelo sistema social democrático-burgués, imponentes massas camponesa com a administração estatal ou local (advogados,
de intelectuais, nem todas justificadas pelas necessidades so- tabeliães, etc.) e, por esta mesma função, possui uma grande
ciais da produção, ainda que justificadas pelas necessidades função político-social, já que a mediação profissional dificil-
políticas do grupo fundamental dominante. Daí a concepção mente se separa da mediação política. Além disso: no cam-
loriana do "trabalhador" improdutivo ( mas improdutivo em po, o intelectual (padre, advogado, professor, tabelião, mé-
relação a quem e a que modo de produção?), que poderia dico, etc.) possui um padrão de vida médio superior, ou, pelo
ser parcialmente justificada se se levasse em conta que estas menos, diverso daquele do médio camponês e representa, por
massas exploram sua posição a fim de obter grandes somas isso, para este camponês, um modelo social na aspiração de
retiradas à renda nacional. A formação em massa estandar- sair de sua condição e de melhorá-la. O camponês acredita
tizou os indivíduos, na qualificação intelectual e na psico- sempre que pelo menos um de seus filhos pode-se tornar in-
logia. determinando os mesmos fenõmenos que ocorrem em telectual (notadamente padre), isto é, tornar-se um senhor,
todas as outras massas estandartizadas: concorrência (que elevando o nivel social da família e facilitando sua vida eco-
coloca a necessidade da organização profissional de defesa). nômica pelas ligações que não poderá deixar de estabelecer
desemprego, superprodução escolar, emigração, etc. com os outros senhores. A atitude do camponês diante do
intelectual é dúplice e parece ser contraditória: ele admira a
posição social do intelectual e do funcionário público, em ge-
Posição diversa dos intelectuais de tipo urbano e de tipo ral, mas finge às vezes desprezá-la, isto é, sua admiração
rural. Os intelectuais de tipo urbano cresceram juntamente mistura-se instintivamente com elementos de inveja e de raiva
com a indústria e são ligados às suas vicissitudes. A sua fun- apaixonada. Não se compreende nada da vida coletiva dos
ção pode ser comparada à dos oficiais subalternos no exér- camponeses, bem como dos germes e fermentos de desen-
cito: não possuem nenhuma iniciativa autõnoma na elabora- volvimento aí existentes, se não se levam em consideração, se
ção dos planos de construção; colocam em relação, articulan- não se estuda concretamente e não se aprofunda esta subor-
do-a, a massa instrumental com o empresário, elaboram a dinação efetiva aos intelectuais: todo desenvolvimento orgâ-
execução imediata do plano de produção estabelecido pelo nico das massas camponesas, até um certo ponto, está ligado
estado-maior da indústria, controlando suas fases executivas aos movimentos dos intelectuais e dele depende.
elementares. Na média geral, os intelectuais urbanos são O caso é diverso no que diz respeito aos intelectuais
bastante estandartizados; os altos intelectuais urbanos con- urbanos: os técnicos de fábrica não exercem nenhuma fun-
fundem-se cada vez mais com o auténtico estado-maior in- ção política sobre suas massas instrumentais, ou, pelo menos,
dustrial. é esta uma fase já superada; por vezes, ocorre precisamente
o contrário, ou seja, que as massas instrumentais, pelo menos
E O organismo militar, também neste caso, oferece um modelo destas através de seus próprios intelectuais orgânicos, exerçam uma
complexas gradações: oficiais subalternos, oficiais superiores, Estado-
Maior; e não se deve esquecer as praças graduadas, cuja importância influência política sobre os técnicos.
real é superior ao que habitualmente se crê. E interessante notar que O ponto central da questão continua a ser a distinção
todas estas partes se sentem solidárias; ou antes, que os estratos infe-
riores manifestam um "espírito de grupo" mais evidente, do qual re- entre intelectuais como categoria orgânica de cada grupo so-
sulta uma "vaidade" que freqüentemente os expõe aos gracejos e ès cial fundamental e intelectuais como categoria tradicional; dis-
tro a
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tinção da qual decorre toda uma série de problemas e de pos-
síveis pesquisas históricas. mente ou mesmo nunca. Aliás, ocorre que muitos intelectuais
pensem ser o Estado: crença esta que, dado o imenso núme-
O problema mais interessante é o que diz respeito, se ro de componentes da categoria, tem por vetos notáveis con-
considerado deste ponto de vista, ao partido politico moder- seqüências e leva a desagradáveis complicações para o grupo
no, às suas origens reais, aos seus desenvolvimentos, às suas fundamental econômico que é realmente o Estado.
formas. O que é que o partido politico se torna em relação
ao problema dos intelectuais? É necessário fazer algumas dis- Que todos os membros de um partido político devam . set
tinções: 1) para alguns grupos socias, o partido politico não considerados como intelectuais, eis uma afirmação que se
é senão o modo próprio de elaborar sua categoria de intelec- pode prestar à ironia e à caricatura; contudo, se pensarmos
bem, veremos que nada é . mais exato. Dever-se-á fazer uma
tuais orgánicos (que se formam assim, e não podem deixar
distinção de graus; um partido poderá ter uma maior ou me-
de se formar, dadas as características gerais e as condições nor composição do grau mais alto ou do mais, baixo, mas não
de formação, de vida e de desenvolvimento do grupo social é isto que importa: importa, sim, a função, que é diretiva e
dada) diretamente no campo politico e filosófico, e já não organizativa, isto é, educativa, intelectual. Um comerciante
mais no campo da técnica produtiva? 2) o partido politico, não passa a fazer parte de um partido politico para poder
para todos os grupos, é precisamente o mecanismo que re- comerciar, nem um industrial para produzir mais e com custos
presenta na sociedade civil a mesma função desempenhada reduzidos, nem um camponês para aprender novos métodos
pelo Estado, de um modo mais vasto e mais sintético, na so- de cultivar a terra, ainda que alguns aspectos destas exigên-
ciedade política, ou seja, proporciona a fusão entre os inte- cias do comerciante, do industrial, do camponês possam ser
lectuais orgánicos de um dado grupo -- o grupo dominan- satisfeitos no partido políticos Para estas finalidades, dentro
te -- e os intelectuais tradicionais; e esta função é desempe- de certos limites, existe o sindicato profissional, no qual a
nhada pelo partido precisamente em dependência de sua fun- atividade econômico-corporativa do comerciante, do indus-
ção fundamental, que é a de elaborar os próprios componen- trial, do camponês, encontra sett quadro mais adequado. No
tes, elementos de um grupo social nascido e desenvolvido partido politico, os elementos de um grupo social econômico
como "econômico", até transformá-los em intelectuais políti- superam este momento de seu desenvolvimento histórico e se
cos qualificados, dirigentes, organizadores de todas as ativi- tomam agentes de atividades gerais, de caráter nacional e
dades e funções inerentes ao desenvolvimento orgánico de internacional. Esta função do partido político apareceria com
uma sociedade integral, civil e política. Aliás, pode-se dizer muito maior clareza mediante uma análise histórica concreta
que, no seu ámbito, o partido politico desempenha sua fun- do modo pelo qual se desenvolveram as categorias orgánicas
ção muito mais completa e orgánicamente do que, num ám- e as categorias tradicionais dos intelectuais, tanto no terreno
bito mais vasto, o Estado desempenha a sua: um intelectual das várias histórias nacionais quanto no do desenvolvimento
que passa a fazer parte do partido politico de um determinado dos vários grupos sociais mais importantes no quadro das di-
grupo social confunde-se com os intelectuais orgánicos do versas naçáes; notadamente daqueles grupos cuja ativida-
próprio grupo, Liga-se estreitamente ao grupo, o que não de econômica foi sobretudo instrumental.
ocorre através de participação na vida estatal senão mediocre-
A formação dos intelectuais tradicionais é o problema
9 No campo da técnica produtiva, formam-se os estratos que corres- histórico mais interessante. Ele se liga certamente à escravi-
pondem, pode-se dizer, aos "praças graduados" no exército, isto é, os
operários qualificados e especializados na cidade e, de modo mais 8
complexo, os parceiros e colonos no campo, pois o parceiro e o colono A opinião geral contradiz esta afirmação, ao dizer que o comer-
correspondem geralmente ao tipo artesão, que é o operário qualificado ciante, o industrial, o camponês "politiqueiros" perdem ao invés de
de uma economia medieval. ganhar, e que são os piores de sua categoria, fato que pode ser dis-
cutido.
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dão do mundo clássico e à posição dos libertos de origem cia de que estas observações deverão ser verificadas e apro-
grega e oriental na organização social do Império Romano. fundadas.
No que diz respeito à Itália, o fato central é precisamen-
te a função internacional ou cosmopolita de seus intelectuais,
Nota. A mudança da condição da posição social dos inte- que é causa e efeito do estado de desagregação em que per-
lectuais em Roma, do tempo da República ao Império (de um manece a peninsula, desde a queda do Império Romano
regime aristocrático-corporativo a um regime democrático-buro- até 1870.
crático), está ligado a César, que conferiu a cidadania aos médi- A França fornece um tipo completo de desenvolvimento
cos e aos mestres das artes liberais, a fim de que habitassem com harmônico de todas as energias nacionais e, particularmente,
mais satisfação em Roma e de que outros para aí se dirigissem: das categorias intelectuais. Quando, em 1789, um novo agru-
"Omnesque medicinam Romae professos et liberalium artium pamento social aflora politicamente à história, ele está com-
doctores, quo libentius et ipsi urbem incolerent et coeteri appete- pletamente apto para todas as suas funções sociais e, por isso,
rent civitate donavit" (SUETONIO, Vida de César, XLII). César, luta pelo dominio total da nação, sem efetivar compromissos
portanto, se propõe: 1) a estabelecer em Roma os intelectuais que essenciais com as velhas classes, mas, pelo contrário, subor-
já residiam nela, criando assim uma categoria permanente deles, dinando-as às próprias finalidades. As primeiras células in-
pois sem a permanência não se podia criar uma organização cul- telectuais do novo tipo nascem com as primeiras células eco-
tural. Existia anteriormente uma flutuação que era preciso deter, nômicas: a própria organização eclesiástica sofre sua,influén-
etc.; 2) a atrair para Roma os melhores intelectuais de todo o cia (galicanismo, lutas muito precoces entre Igreja e Esta-
Império Romano, promovendo uma centralização de grande am- do). Esta maciça construção intelectual explica a função da
plitude. Assim, origina-se a categoria de intelectuais "imperiais" cultura francesa nos Séculos XVIII e XIX, função de irradia-
em Roma, que continuará no clero católico e deixará tantos traços ção internacional e cosmopolita e de expansão de caráter im-
em toda a história dos intelectuais italianos, com sua caracterís- perialista e hegemônico de modo orgánico, conseqüentemen-
tica de "cosmopolitismo" até ao século XVIII. te muito diversa da italiana, de caráter imigratório pessoal
e desagregado, que não reflui sobre a base nacional para po-
tenciá-la, mas, pelo contrário, concorre para impossibilitar a
Esta separação, não apenas social mas nacional, racial, constituição de uma sólida base nacional.
entre grandes massas de intelectuais e a classe dominante do Na Inglaterra, o desenvolvimento é muito diferente do
Império Romano se reproduz após a queda do Império entre da França. O novo agrupamento social nascido sobre a base
guerreiros germânicos e intelectuais de origens romanizadas, do industrialismo moderno tem um surpreendente desenvol-
continuadores da categoria dos libertos. Mistura-se com estes vimento econômico-corporativo, mas engatinha no campo in-
fenômenos o nascimento e desenvolvimento do catolicismo e telectual-político. Ê muito ampla a categoria dos intelectuais
da organização eclesiástica que, por muitos séculos, absor- orgânicos, isto é, dos intelectuais nascidos no mesmo terreno
veu a maior parte das atividades intelectuais e exerceu o mo- industrial do grupo econômico, mas — na esfera mais eleva-
nopólio da direção cultural, com sanções penais para quem da -- encontramos conservada a posição de quase-monopó-
se opusesse, ou mesmo ignorasse, o monopólio. Na Itália, lio da velha classe territorial, que perde a supremacia eco-
verifica-se o fenômeno, mais ou menos intenso de acordo com nômica mas conserva por muito tempo uma supremacia po-
a época, da função cosmopolita dos intelectuais peninsulares. lítico-intelectual, e é assimilada como "intelectuais tradicio-
Farei referencia às diferenças que saltam imediatamente à nais" e como camada dirigente pelo novo grupo que ocupa
vista no desenvolvimento dos intelectuais em toda uma série o poder. A velha aristocracia fundiária se une aos industriais
de paises, pelo menos nos mais importantes, com a advertén- através de um tipo de junção que, em outros paises, ê preci-
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samente aquele que une os intelectuais tradicionais às novas alemães e franceses levam a experiência européia à Rússia e
classes dominantes. emprestam um primeiro esqueleto 'consistente à gelatina his-
tórica russa. As forças nacionais são inertes, passivas e re-
O fenômeno inglés manifestou-se também na Alemanha, ceptivas, mas --- talvez precisamente por isto — assimilam
complicado por outros elementos históricos e tradicionais. A
Alemanha, como a Itália, foi a sede de uma instituição e de completamente as influências estrangeiras e os próprios es-
uma ideologia universalista, supernacional (Sacro Império trangeiros, russificando-os. No período histórico mais recen-
Romano da Nação Alemã), e forneceu uma certa quantida- te, ocorre o fenómeno inverso: uma elite de pessoas entre as
de de pessoal às metrópoles medievais, depauperando as pró- mais ativas, enérgicas, empreendedoras e disciplinadas, emi-
prias energias internas e provocando lutas que desviavam gra. para o exterior, assimila a cultura e as experiências his-
dos problemas de organização nacional e mantinham e desa- tóricas 'dos países mais desenvolvidos do Ocidente, 'sem. por
gregação territorial da Idade Média. C) desenvolvimento in- isso perder as características mais essenciais da própria na-
dustrial ocorreu sob um invólucro semifeudal, que durou até cionalidade, isto é, sem romper as ligações sentimentais e his-
novembro de 1918, e os Junkers mantiveram uma supremacia tóricas com o próprio povo; feita assim sua aprendizagem in-
político-intelectual bem maior do que -a mantida pelo mesmo telectual, retomam ao país, obrigando o povo a um despertar
grupo inglés. Eles foram os intelectuais tradicionais dos in- forçado, a uma marcha acelerada para a frente, queimando
dustriais alemães, mas com privilégios especiais e com uma as etapas. A diferença entre esta elite e aquela alemã im-
forte consciência de ser um grupo social independente, ba- portada (por Pedro, o Grande, por exemplo) consiste em seu
seada sobre o fato de que detinham um notável poder eco- caráter essencial nacional-popular: não pode ser assimilada
nômico sobre a terra, mais "produtiva" do que na Inglaterra. pela passividade inerte do povo russo, já que ela mesma é
Os Junkers prussianos assemelham-se a trina casta sacerdotal- uma enérgica reação russa à própria inércia histórica.
militar, que possui um quase-monopólio das funções diretivo- Num outro terreno, e em condições bem diversas de tem-
organizativas na sociedade política, mas que possui ao mes- po e lugar, este fenómeno russo pode ser comparado ao nas-
mo tempo uma base económica própria e não depende exclu- cimento da nação americana (Estados Unidos): os emigran-
sivamente da liberalidade do grupo econômico dominante. tes anglo-saxões são também uma elite intelectual, mas par-
Além disso, diferentemente dos nobres fundiários ingleses, os ticularmente moral. Refiro-me, naturalmente, aos primeiros
Junkers constituíam a oficialidade de um grande exército per- emigrantes, aos pioneiros, protagonistas das lutas religiosas e
manente, o que Lhes fornecia sólidos quadros organizativos, politicas inglesas, derrotados, mas nem humilhados nem re-
favoráveis à conservação do espírito de grupo e do monopó- baixados em sua pátria de origem. Eles trazem para a Amé-
lio político! rica; consigo mesmos, além da energia moral e volitiva, um
Na Rússia, diversas tendências: a organização política certo grau de civilização, uma certa fase da evolução his-
e económico-comercial foi criada pelos normandos (varegos), tórica européia, que — transplantada no solo virgem ame-
a religiosa pelos gregos bizantinos; num segundo momento, os ricano por tais agentes -- continua a desenvolver as forças
implícitas em sua natureza, mas' com um ritmo incomparavel-
s No livro Parlamento e governo na nova ordem da Alemanha, mente mais rápido do que na velha Europa, onde existe toda
de uma série de freios (morais, intelectuais, politicos, econômi-
max weans, podem-se encontrar muitos elementos que permitem
observar como o monopólio politico dos nobres tenha impedido a ela- cos, incorporados em determinados grupos da população, re-
boração de um ssoaf politico burguês numeroso e experimentado e liquias dos regimes passados que não querem desaparecer)
forme a base des continuas crises parlamentares e da desagregação que se opõem a um processo rápido e limitam na mediocri-
dos partidos liberais e democriticos; e, conseqüentemente, seja a base dade qualquer iniciativa, diluindo-a no tempo e no espaço.
da importância obtida pelo centro católico e pela social-democracia,
que conseguiram — durante o periodo imperial — elaborar uma cama- Deve-se notar, nos Estados Unidos, em certa medida,
da parlamentar e diretiva própria bastante numerosa. a ausência dos intelectuais tradicionais e, portanto,, o diver-
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so equilíbrio dos intelectuais em geral.. Ocorreu uma forma-
ção maciça, sobre a base industrial, de todas as superestru- saber se esta camada intelectual poderia ter a capacidade
turas modernas. A necessidade de um equilíbrio não é dada assimiladora e organizadora em tal medida que pudesse con-
pelo fato de que seja necessário fundir os intelectuais orgã- verter em "nacional" o atual sentimento primitivo de raça
nicos com os tradicionais, que não existem como categoria desprezada, elevando o continente africano ao mito e à fun-
cristalizada e misoneísta, mas pelo fato •de que seja necessá- ção de pátria comum de todos os negros. Parece-me que, por
rio fundir, num único cadinho nacional de cultura unitária, enquanto, os negros da América devem ter um espírito racial
diversos tipos de cultura trazidos pelos imigrantes de origens e nacional mais negativo do que positivo, isto é, provocado
nacionais variadas. A ausência de uma vasta sedimentação pela luta que os brancos empreendem no sentido de isolá-
de intelectuais tradicionais, como ocorreu nos países de ci- los e rebaixá-los: mas não foi este o caso dos judeus até
vilização antiga, explica parcialmente tanto a existência de todo o Século XVIII? A Libéria, já americanizada e com o
somente dois grandes partidos politicos, que poderiam na rea- inglés como lingua oficial, poderia se tornar a Sion dos ne-
lidade ser facilmente reduzidos a um só (cf. com a França, gros americanos, com a tendência a se converter no Piemon-
e não somente com a do após-guerra, quando a multiplica- te africano."
ção dos partidos se tornou um fenômeno universal), quanto, ro Na América do Sul e na América Central, a questão dos
ao inverso, a multipicação ilimitada de seitas religiosas. intelectuais, ao que me parece, deve ser examinada levan-
Uma manifestação interessante deve ainda ser estudada do-se em conta estas condições fundamentais: também na
nos Estados Unidos; trata-se da formação de um número sur- América do Sul e na América Central inexiste uma ampla
preendente de intelectuais negros, que absorvem a cultura e categoria de intelectuais tradicionais, mas o problema não se
a técnica americanas. Pode-se pensar na influencia indireta apresenta nos mesmos termos que nos Estados Unidos. De
que estes intelectuais negros podem exercer sobre as massas fato, encontramos na base do desenvolvimento desses países
atrasadas da Africa, e na influência direta que se verificaria os quadros da civilização espanhola e portuguesa dos Séculos
se ocorresse uma destas hipóteses: 1) se o expansionismo XVI e XVII, caracterizada pela Contra-Reforma e pelo mi-
americano se servisse dos negros nacionais como seus agen- litarismo parasitário. As cristalizações, ainda hoje resisten-
tes na conquista dos mercados africanos e na extensão a eles tes nesses paises, são o clero e uma casta militar, duas ca-
do próprio tipo de cultura (algo similar já ocorreu, mas igno- tegorias de intelectuais tradicionais fossilizadas segundo o
ro em quais proporções); 2) se as lutas pela unificação do modelo da mãe-pátria européia. A base industrial é muito
povo americano se agudizassem a tal ponto que determinas- restrita, não tendo desenvolvido superestruturas complicadas:
sem o êxodo dos negros e o retorno à Africa dos elementos a maior parte dos intelectuais é de tipo rural e, já que domi-
intelectuais mais independentes e enérgicos e, portanto, me- na o latifúndio, com extensas propriedades eclesiásticas, tais
nos propensos a sujeitar-se a uma possível legislação ainda intelectuais são ligados ao clero e aos grandes proprietários.
mais humilhante do que o costume atualmente difundido. A composição nacional é muito desequilibrada mesmo entre
Nasceriam duas questões fundamentais: 1) da língua, isto é, os brancos, mas complica-se ainda mais pela i mensa quanti-
o inglês poderia se tornar a lingua culta da Africa, unifica-
dora da existente pulverização de dialetos? 2) a questão de u Gramsci refere-se à posição dos judeus "sionistas ", isto é, que de-
fendem a emigração maciça dos judeus para uma pátria originária.
ro Ao que me parece, foram catalogadas mais de duzentas; comparar Transformar a Libéria num "Piemonte africano", por sua vez, significa
com a França e com as encarniçadas lutas empreendidas para que se transformá-la num modelo de progresso e de democracia na Luta pela
mantivesse a unidade religiosa e moral do povo francês. unidade africana, como foi o caso do Piemonte nas lutas pela unifica-
ção da Itália, no século passado. (Nota do Tradutor).
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países da América Latina. O fenômeno cresce de importân-
dade de indios, que em alguns países formam a maioria da cia nos países ortodoxos, onde é preciso falar de três graus
população. Pode-se dizer que, no geral, existe ainda nessas da mesma religião: o do alto clero e dos monges, o do clero
regiões americanas uma situação tipo Kulturkampf e tipo pro- secular e o do povo. Torna-se absurdo na Asia Oriental,
cesso Dreyfus, isto é, uma situação na qual o elemento laico onde a religião do próprio povo nada tem em comum com a
e burguês ainda não alcançou o estágio da subordinação, à dos livros, se bem que se dê às duas o mesmo nome.
política laica do Estado moderno, dos interesses e da influên-
cia clerical e militarista. Assim, ocorre que, na oposição ao
jesuitismo, possui ainda grande influência a Maçonaria e o
tipo de organização cultural como a "Igreja positivista". Os
eventos dos últimos tempos (novembro de 1930) -- do Kul-
turkampf de Calles, no México, às insurreições militares-po-
pulares na Argentina, no Brasil, no Peru, no Chile, na Boli-
via -- demonstram precisamente a exatidão destas obser-
vações.
Outros tipos de formação da categoria dos intelectuais
e de suas relações com as forças nacionais podem ser encon-
tradas na India, na China, no Japão. No Japão, temos uma
formação do tipo inglês e alemão, isto é, uma civilização in-
dustrial que se desenvolve dentro de um invólucro feudal-
burocrático, com inconfundíveis características próprias.
Na China, existe o fenômeno da escritura, expressão da
completa separação entre os intelectuais e o povo. Na India
e na China, a enorme distancia entre os intelectuais e o povo
manifesta-se, ademais, no campo religioso. O problema das
diversas crenças e do diverso modo de conceber e praticar
a mesma religião entre os diversos estratos da sociedade,
mas particularmente entre clero e intelectuais e povo, deveria
ser estudado, em geral, já que se manifesta por toda parte
em certa medida, se bem que, nos paises da Asia Oriental,
manifeste-se do modo mais extremo. Nos países protestan-
tes, a diferença ê relativamente pequena (a multiplicação das
seitas é ligada à exigência de uma fusão completa entre in-
telectuais e povo, o que reproduz na esfera da organização
superior todas as escabrosidades da concepção real das mas-
sas populares). Nos paises católicos, a referida diferença é
muito grande, mas com diversos graus: menor na Alemanha
católica e na França, maior na Itália, particularmente no
Mezzogiorno e nas ilhas; imensa na peninsula ibérica e nos

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