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A FORMAÇÃO DO SUJEITO DO DISCURSO EM PRÁTICAS DISCURSIVAS

SOBRE SUSTENTABILIDADE E O INDÍGENA KAINGANG DA TERRA IVAÍ:


UM ESTUDO A CERCA DO GÊNERO DISCURSIVO FOTO-LEGENDA1
Aline Deosti2

Este texto, fundamentado nos pressupostos teóricos da arqueologia Foucaultiana, cujas noções
norteiam trabalhos em análise de discurso de linha francesa, apresenta reflexões sobre práticas
discursivas que perpassa o sujeito Kaingang da Terra Indígena Ivaí, no Paraná. A partir das
noções de formação discursiva e função enunciativa, viso demonstrar o conceito de sujeito do
discurso no gênero discursivo foto-legenda, cuja produção se deu pelo desenvolvimento do
projeto Implantação do plano de gestão ambiental na Terra Indígena Ivaí – da Universidade
Estadual de Maringá. Nesse viés, a constituição desse sujeito aponta para a sua própria
dispersão, visto que o plano de onde fala é formado por um jogo de níveis independentes: uma
instituição, um status e um posicionamento. Assim, o sujeito não é determinado por uma
unidade, mas pela relação entre vários status ou profissões, múltiplos lugares institucionais e
diversas posições, as quais podem variar segundo a construção do corpus.

Palavras-chave: Foto-legenda; Kaingang; Práticas discursivas; Arqueologia foucaultiana;


Sujeito do discurso.

Introdução

A proposição desse trabalho tem como base teórico-metodológica a fase arqueológica


de Michel Foucault (1926/1984) circunscrita a análise do discurso francesa, especificamente
as categorias que constituem a Formação discursiva (FD), entendida, nesse trabalho, como
unidade determinada pela regularidade do sistema enunciativo geral ao qual está submetido
um grupo de enunciados, e a Função enunciativa (FE), função que propícia a descrição dos
enunciados como acontecimentos discursivos únicos. É relevante destacar, nesse momento,
que as quatro direções em que se analisa a FD: a formação dos objetos, a formação das
modalidades enunciativas, a formação dos conceitos e a formação das estratégias,
correspondem, de maneira recíproca, aos domínios em que se exerce a FE: o referencial, o

1
Texto originalmente publicado nos anais do 1º colóquio Internacional de Texto e Discurso CITeD. Referência:

DEOSTI, Aline. A formação do sujeito do discurso em práticas discursivas sobre sustentabilidade e o indígena
Kaingang da Terra Ivaí: Um estudo a cerca do gênero discursivo foto-legenda. In: anais do 1º colóquio
Internacional de Texto e Discurso CITeD. Assis, UNESP, 2011, p. 28-42. Disponível em:
http://www2.assis.unesp.br/fcl/livro/anais_cited/files/assets/basic-html/page28.html
2
Professora de língua portuguesa formada em Letras (UEM), com mestrado em linguística aplicada (UFPR),
doutoranda em linguística (2018) (UFPR)
sujeito, o domínio associado e a materialidade do enunciado. Desse modo, descrever os
enunciados e a função enunciativa de que são portadores é tentar revelar uma formação
discursiva individualizada, ou na direção inversa, demarcar a FD revela o nível específico
enunciativo de um conjunto de enunciados.
Neste trabalho, opto por descrever uma dentre as quatro regras de formação, mas sem
desconsiderar que é na relação com as demais que a análise se completa. Tal opção, bastante
pessoal, é motivada pela intenção de, minuciosamente, demonstrar o movimento descritivo-
interpretativo segundo cada regra de formação, uma por uma. A escolha, nesse momento recai
sobre a formação das modalidades enunciativas, isto é, o sujeito da função enunciativa.

Tendo isso em vista, esbocei, neste texto, em linhas bastante específicas, as regras de
formação da “posição sujeito do discurso, concebido em termos de modalidades
enunciativas” (NAVARRO, 2008, p. 65). Além disso, e tendo em vista o corpus de análise,
delineei algumas características singulares do gênero foto-legenda e de um modo como sua
leitura pode ser realizada.

O material tomado para análise constituiu-se de 3 foto-legendas produzidas no âmbito


acadêmico de pesquisa sobre o indígena Kaingang da Terra Indígena Ivaí (TI Ivaí), no
Paraná. As foto-legendas oriundas do desenvolvimento das atividades do projeto
Implantação do plano de gestão ambiental na Terra Indígena Ivaí junto à sobredita TI, entre
2005 e 2008, constituíram o bando de dados do projeto Iconografia, memória e identidade
dos povos indígenas do Paraná (2008/2009), desenvolvido por meio de pesquisa discente na
Universidade Estadual de Maringá.

Condições de emergência dos enunciados fotográficos

A Terra Indígena Ivaí conta atualmente, segundo a Funai 3(2007), com uma área de
7.306 ha e está localizada nas proximidades dos municípios de Pitanga e Manoel Ribas no
Paraná. “Na comunidade Terra Indígena Ivaí vivem hoje cerca de 300 famílias Kaingang, em
um total aproximado de 1.400 pessoas” (MOTA; NOVAK, 2008, p. 7).
O contato dos Kaingang com a sociedade envolvente garantiu a presença daquela
comunidade na região do vale do Ivaí, no entanto, passaram por uma readequação de seus
3
Dado disponibilizado na página do Instituto Sócio Ambiental (Isa), o qual, no entanto, varia um pouco, pois de
acordo com Mota; Novak (2008) a área desta TI que já foi de 36.000 ha aproximadamente, teve seu espaço
reduzido para 7.200 ha com acordo datado de 12 de maio de 1949.
modos de vida tradicionais para as novas situações, o tempo antigo (wâxi) passou a ser o
tempo atual (uri), o que alterou profundamente sua dimensão sócio-cultural. Uma das
alterações que é relevante considerar, neste trabalho, é a da forma de (re)distribuição espacial
das famílias Kaingang em seu parco território, as quais vivem hoje concentradas na sede da
comunidade. Esta (re)distribuição ocorreu devido à inserção, na sede da TI Ivaí, de
instituições que visava dar mais conforto aos membros da comunidade: escola, posto de
saúde, comércio, dispositivos de água encanada e de energia elétrica. “No entanto se, de um
lado, a população indígena ficou perto dos recursos sociais, por outro, houve uma intensa e
crescente degradação ambiental pela grande concentração das famílias em uma só aldeia”
(MOTA; NOVAK, 2008, pp. 10-11).
Tendo em vista a redução deste território Indígena, o contato com a comunidade
urbana e suas instituições sociais e a consequente mudança de hábito entre os Kaingang da TI
Ivaí, programas e projetos, que têm por objetivo cooperar com a redução dos problemas
ambientais, ganharam relevância. Tais projetos versam sobre “Gestão territorial e ambiental:
mapeamento, proteção, vigilância, sustentabilidade” (ISA, s/d).
Dentre esses projetos, destaca-se o projeto Implantação do plano de gestão ambiental
na Terra Indígena Ivaí (doravante Implantação) (2005/2008), vinculado ao Laboratório de
Arqueologia, Etnologia e Etno-História da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que foi
desenvolvido em parceria com a prefeitura de Manoel Ribas no Paraná (PR), com apoio dos
chefes da Comunidade Indígena Ivaí e com o fomento do Fundo nacional do meio ambiente
(FNMA). A proposição deste projeto se deu em decorrência da finalização do projeto Gestão
ambiental na terra Indígena Ivaí (2001/2003), cujo diagnóstico deu provas de problemas
ambientais no entorno desta TI.
As pesquisas junto a Terra Indígena e os exames laboratoriais no campus da UEM
diagnosticaram entre outras coisas a deficiência de nutrientes no solo; problemas
bacteriológicos em fontes d’água que abastecem a comunidade – rios e minas -; poluição
causada por lixo tipicamente urbano e, ainda, degradação da fauna e da flora.
Tendo isso em vista, as atividades que levaram ao desenvolvimento do projeto
Implantação têm o caráter interdisciplinar, uma vez que congrega áreas do conhecimento das
ciências da terra, da biologia, da história e da antropologia. A fim de comprovar frente à
instituição de fomento, à comunidade acadêmica e ao governo, as atividades do projeto junto
a Terra foram marcadas pela constante produção fotográfica o que resultou num acervo
iconográfico com cerca de 1000 fotografias.
O enunciado fotográfico e o gênero discursivo foto-legenda

A partir do conjunto de imagens registradas na TI Ivaí (2005/2008), formulou-se, por


meio das atividades do projeto de iniciação científica Iconografia, memória e identidade dos
povos indígenas do Paraná (2008/2009), um banco de dados iconográficos para o projeto
Implantação, com a finalidade de garantir tanto a preservação das imagens como documento
da Instituição (UEM), bem como otimizar o acesso a esse acervo. Sob esse horizonte, a
construção do banco de dados foi norteada pela noção foucaultiana de arquivo, a qual é “o que
faz com que todas as coisas ditas não se acumulem indefinidamente em uma massa amorfa,
[...] mas que se agrupem em figuras distintas, se componham umas com as outras segundo
regularidades específicas” (FOUCAULT, 2008, p. 147).
Neste banco de dados, algumas regularidades discursivas das fotografias foram
destacadas por meio da formulação de legendas fotográfica, as quais foram constituídas, tendo
em vista o próprio enunciado fotográfico e também os relatos de pesquisadores e o relatório
final do projeto Implantação, com isso objetivou-se conservar nas imagens a disponibilidade
de informações que elas contemplam. Para a formulação do enunciado da legenda fotográfica,
parti, exclusivamente, da noção discursiva da fotografia, assumindo-a como um enunciado
único que circunscreve discursos a cerca do sujeito Indígena Kaingang da TI Ivaí, uma vez
que, sob a perspectiva da análise do discurso, a base enunciativa de cada enunciado nunca se
repete, o que o caracteriza como acontecimento discursivo singular que define uma situação
dada no tempo e no espaço.
Com esta perspectiva, corrobora a colocação de que uma imagem fotográfica registra e
repete eternamente um fato no tempo e no espaço, do qual “a cena da imagem não repetirá
jamais. O momento vivido, congelado pelo registro fotográfico, é irreversível”. Desse modo,
o discurso nela arquitetado, por meio da representação, é singular, uma vez que “o ato de
registro, ou o processo que deu origem a uma representação fotográfica, tem seu desenrolar
em um momento histórico específico” (KOSSOY, 1989, pp. 101, 26).
Tendo isso em vista, e considerando que o enunciado não é acidente, que é sempre,
segundo Foucault (2008), no âmbito da materialidade que ele se efetiva e que o ato
fotográfico não se dá ao acaso, tomo a fotografia por um acontecimento discursivo, que
possui seu lugar próprio e consiste na relação e na coexistência com outros enunciados. A
partir desse ponto de vista, formularam-se os enunciados que compõem as legendas das
fotografias vinculadas ao banco ao projeto Implantação.
Dado o modo como se constituiu o banco de dados, o corpus de análise se constitui,
em parte, pela foto-legenda, a qual articula sobre sua materialidade dois tipos de linguagem, a
visual da fotografia e a verbal da legenda, trata-se, portanto, de um texto multimodal.
A foto-legenda é um texto sincrético em que duas diferentes linguagens se imbricam,
nesse gênero discursivo a linguagem verbal gráfica da legenda e a visual imagética estática da
fotografia são complementarias. Dadas essas condições, a linguagem visual das fotografias e a
linguagem verbal das legendas articulam-se no processo constitutivo do texto.
Neste espaço textual em que duas linguagens se imbricam, estabelece-se uma ordem
do olhar que ora pede uma direção, ora outra. Na leitura do texto verbal gráfico, o qual se
dispõe numa linearidade, há apenas uma direcionalidade do olhar, da esquerda para a direita,
no caso da língua portuguesa – incluindo o retorno do olhar a qualquer ponto - já na leitura do
texto imagético o olhar é multidirecionado e depende das escolhas de cada leitor. Tendo isso
em vista, o texto sincrético foto-legenda estabelece uma ordem do olhar que se movimenta
perpendicularmente, sua leitura pode ser iniciada tanto num texto como no outro, no entanto,
o que se estabelece são oscilações da ordem do ver, os quais se intercalam entre o visual e o
verbal na busca da produção de sentidos.

Análise do discurso e a fase arqueológica de Michel Foucault

Conforme Foucault (2008), os discursos são formados por elementos que não estão
ligados por nenhum princípio de unidade a priori - são uma dispersão. Na essência, esta
dispersão se deve à negação dos conceitos que organizam os saberes pela continuidade, o que
resulta num trabalho com “uma população de acontecimentos dispersos” (Foucault, 2008, p.
24). Inicialmente, em sua Arqueologia do saber, Foucault, destitui as noções
“tradicionalmente” aceitas como formadoras de unidades dos discursos: trata-se de
agrupamentos, sínteses acabadas, laços que diversificam o tema da continuidade,
permanência, originalidade e grandes individualidades históricas; são noções pelas quais se
costuma interligar os discursos dos homens. São princípios de classificação da unidade
discursiva e de organização do saber. Essas noções são: tradição, influência, desenvolvimento
e evolução, mentalidade e espírito de uma época, livro, obra, autor, temas da origem e do já-
dito. Ao contrário do que propõe essas noções de agrupamentos e recortes é necessário
considerar a dispersão dos acontecimentos discursivos. Cabe, então, ao analista restituir-lhes a
unidade evidenciando regularidades entre os mesmos.
A noção de História geral, caracterizada pelas descontinuidades, assinala os
acontecimentos discursivos numa dispersão. Posto isso, para se constituir corpus de análise,
tais acontecimentos discursivos precisam ser captados em série, série temática, por exemplo.
A partir de uma série de enunciados é necessário observar as regularidades discursivas por
meio do que Foucault chama de regras de formação, as quais constituem a identidade da
formação discursiva. Essas regras é o que permite vislumbrar num conjunto de enunciados
certa regularidade.
A formação discursiva seria, pois, a regularidade que pode ser descrita no caso em
que, entre a série de enunciados, se vislumbre o funcionamento de um sistema de dispersão,
sistema esse com lacunas, falhas, desordens, superposições, incompatibilidades, trocas e
substituições. Para determinar as regras específicas em que são formados “os objetos, os tipos
de enunciação, os conceitos, e as opções teóricas” é preciso traçar a relação específica entre os
(sub)níveis que organizam cada uma dessas formações. Desses sub(níveis), destacam-se as
constituintes do sujeito, entendido como modalidade enunciativa, que são, o status, a
instituição e a posição, as quais podem variar segundo a construção do corpus (FOUCAULT,
2008, p. 80).
Corrobora, nesse sentido, destacar o termo “formação” em “formação discursiva”,
cujo caráter dinâmico e ativo se opõe ao caráter estático e pronto, uma vez que as regras de
formação não preexistem à análise. Em vez de considerar o termo formação “em uma
perspectiva puramente estática como referindo-se a uma entidade já existente, o analista, em
função de sua pesquisa, dá forma a uma configuração original” (MAINGUENEAU, 2006,
p.19). O dinamismo de cada regra de formação, com suas falhas e trocas, é o que torna
possível conceber as regularidades de uma unidade discursiva num sistema de dispersão de
enunciados. Assim, “se há unidade, ela não está na coerência visível e horizontal dos
elementos formados; reside, muito antes, no sistema que torna possível e rege sua formação”
(FOUCAULT, 2008, p. 80).
Os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos e as escolhas estratégicas, ou seja, as
quatro regras de formações da FD, não são independentes umas em relação às outras. Há
sempre um quadro de relações operante. Assim,

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema
de dispersão e, no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as
escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e
funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação
discursiva (FOUCAULT, 2008, p. 43).
A formação discursiva é, portanto, a unidade que se constata nas regularidades entre
objeto, conceito, teoria e sujeito, numa série de enunciados, o que permite definir, por
exemplo, o discurso sobre a sustentabilidade. Tal unidade não pode ser delimitada “por outras
fronteiras senão aquelas estabelecidas pelo pesquisador; e elas devem ser especificadas
historicamente. Os corpora aos quais elas correspondem podem conter um conjunto aberto de
tipo e de gêneros do discurso, de campos e de aparelhos, de registro” (MAINGUENEAU,
2006, p. 16).

O sujeito do discurso no método arqueológico de Foucault

A noção de sujeito, em Foucault, é a de um lugar determinado e ao mesmo tempo


vazio que pode ser ocupado por indivíduos diferentes. Há uma relação entre três regras que
forma esse lugar, são elas: o status de quem tem o direito a pronunciar o enunciado, os
lugares institucionais de onde o sujeito enunciador obtém seu discurso e as posições sujeito
que se definem pela situação que lhes são possíveis ocupar em relação aos diversos domínios
ou grupos de objetos.
Estas regras são os (sub)níveis que organizam a formação das modalidades
enunciativas proposta por Foucault (2008), a qual tem o propósito de demonstrar “a lei” de
todas as diversas enunciações e o lugar de onde elas vêm, com o objetivo de aclarar porquê
aparecem certos enunciados e não outros em seus lugares.
A primeira das noções corresponde ao status de quem tem o direito a pronunciar o
enunciado, o que “compreende critérios de competência e de saber; instituições, sistemas,
normas pedagógicas; condições legais que dão direito [...] à prática e à experimentação do
saber”. O status do enunciador, “compreende, também, um certo número de traços que
definem seu funcionamento em relação ao conjunto da sociedade [...] conforme exerça uma
profissão, ou se encarregado de uma função” (FOUCAULT, 2008, pp. 56-57).
O segundo elemento da modalidade enunciativa é o lugar institucional de onde o
sujeito enunciador obtém seu discurso. Para sociedade ocidental, esse lugar institucional é o
local dos registros escritos ou orais, de exames ou estudos metódicos e homogêneos, de
confrontos em larga escala, de estabelecimento das frequências e das possibilidades e da
anulação das variantes pessoais. O que é assegurado por pessoal diferenciado e hierarquizado,
constituindo-se num campo quantificável de frequência, de repetições de fatos ou de
acontecimentos.
Por fim, as posições do sujeito se definem pela situação que lhes são possíveis ocupar
em relação aos diversos domínios ou grupos de objetos. É dessa posição que o sujeito
questiona, em concordância com certa grade de interrogações explícitas ou não, e ouve,
segundo certo programa de informação. Desse modo, é esse sujeito que observa, conforme um
quadro de traços característicos (FOUCAULT, 2008).

O discurso, assim concebido, não é a manifestação, majestosamente desenvolvida, de um


sujeito que pensa, que conhece, e que o diz: é ao contrário, um conjunto em que podem ser
determinadas a dispersão do sujeito e sua descontinuidade em relação a si mesmo. É um
espaço de exterioridade em que se desenvolve uma rede de lugares distintos “grifo nosso”
(FOUCAULT, 2008 p. 61).

Sob tal perspectiva, as diversas modalidades da enunciação constituintes do sujeito do


discurso estabelecem a relação de diferentes elementos que no jogo das práticas discursivas
vão determinar não a unidade do sujeito enunciador do discurso, mas sua dispersão, a
descontinuidade dos planos de onde fala.

Práticas discursivas a cerca da sustentabilidade e do indígena Kaingang da TI ivaí

A delimitação e o estudo de uma unidade discursiva implicam a construção de


corpora heterogêneo, portanto, além do gênero foto-legenda utilizo para análise alguns
enunciados que circunscrevem discursos sobre sustentabilidade. No entanto, neste trabalho, é
relevante ressaltar que o foco se centra na análise do gênero foto-legenda, como unidade
tópica territorial.4 A foto-legenda é, neste caso, um gênero discursivo que se insere no espaço
institucional da UEM e tem a finalidade de comprovar frente à instituição de fomento, à
comunidade acadêmica e ao governo, a aplicação das atividades do projeto Implatação junto a
TI Ivaí.
A constituição da série enunciativa se deu por meio de escolha temática, uma vez que
no arquivo iconográfico que compõe o banco de dados do projeto Implantação, as séries de
foto-legendas, podem ser estabelecidas segundo diversos temas: educação, cultura material,
política, meio ambiente etc. No que concerne a este artigo, a série estabelecida foi
determinada pelo tema meio ambiente. Sendo assim, os enunciados a seguir apresentam, na
articulação entre linguagem verbal e visual, os seguintes temas: manutenção da fauna,
poluição do solo e contaminação das águas, respectivamente.

4
Sobre unidades tópicas Maingueneau (2006, p. 14) explica “que se poderiam chamar de unidades territoriais, as
quais correspondem a espaços já “pré-delineados” pelas práticas verbais. Pode se tratar de tipos de discurso
relacionados a certos setores de atividades da sociedade: discurso administrativo, publicitário, político etc.”
Figura 1 – Legenda 1 – Plano de Utilização sustentável da Flora e Fauna - 14/08/2005, agentes florestais
Kaingang destroem o jirau, armação sobre forquilhas, na qual indígenas se apóiam para caçar animais em Terras
da Comunidade Ivaí. Prática que deve ser controlada com a formação de agentes florestais, que fiscalizam e
vigiam o entorno da Terra Indígena visando à prevenção e à manutenção da fauna e da flora
Na figura 1 e legenda 1, materializa-se discurso de práticas sociais do homem não
indígena, uma vez que em concordância com os discursos que versam sobre a preservação da
diversidade da fauna, a eminente destruição de um instrumento de caça, elege conhecimentos
científicos do homem não indígena em detrimento das práticas indígenas. Tal prática, a da
caça de animais, é uma prática social e histórica entre indígenas que tem o objetivo de prover
alimento de base protéica para os membros da comunidade, prática que, devido aos discursos
circunscritos às políticas de preservação da fauna do não indígena, passa a ser controlada pelo
próprio indígena.
Figura 2 – Legenda 2 - Plano de gestão dos resíduos sólidos - 13/08/2005 - Terra Indígena Kaingang Ivaí –
município de Manoel Ribas. Diagnóstico sobre o lixo aponta qualidade e falta de destino do mesmo

Na figura 2 e na legenda 2, comprova-se que na TI Ivaí os resíduos sólidos não têm


um destino adequado, como também não têm qualquer espécie de tratamento. Fica evidente
também a qualidade do lixo resultante do consumo, pelo indígena, de produtos como fraldas
descartáveis, alimentos enlatados e embalados em plásticos, dentre outros. Deste modo, nestes
enunciados, vislumbra-se o funcionamento de práticas discursivas sobre o consumo de
produtos industrializados tipicamente urbano. Além disso, o modo como os resíduos estão
dispostos no espaço, que a cena enquadrou, dá visibilidade ao problema de depósito do lixo
enfrentado na TI. Problema recorrente entre grande parte da população não indígena, seja ela
urbana ou rural.
Figura 3 Legenda 3 - Programa de gestão dos recursos hídricos - 13/08/2005 - Terra Indígena Ivaí, na cidade
de Manoel Ribas, Paraná. Indígenas e pesquisadores trabalham no isolamento, para limitação de acesso, dos
pontos de captação d'água com problemas físico-químicos e bacteriológicos detectados por análises laboratoriais
na Universidade Estadual de Maringá

A figura 3 legenda 3 materializa, mais uma vez, discursos a cerca de saberes da


comunidade científica do homem não indígena, uma vez que ao isolar as fontes d’água que
abastecem a comunidade tem a finalidade de acabar com o consumo de água contaminada, a
qual transmite doenças. De acordo com os exames laboratoriais, a água estava contaminada
por excremento humano, pois o banho nos rios é uma prática comum entre os Kaingang da TI
Ivaí. Com o isolamento das fontes de água objetivou-se acabar com os banhos e
consequentemente, com os problemas físico-químicos e bacteriológicos.
Todo discurso arquitetado pela série enunciativa de foto-legendas corrobora as práticas
discursivas sobre políticas de sustentabilidade. Para demonstrar as regularidades enunciativas
desta série, elenco alguns enunciados, inscritos na história, que versam sobre a unidade
discursiva da sustentabilidade.
O aparecimento do termo sustentabilidade ocorre há aproximadamente três séculos.
Isso se deu devido à percepção da escassez decorrente da revolução industrial, na qual se
utilizavam vastamente de árvores para alimentar com lenha a indústria. Ao perceber a
escassez, um pesquisador das ciências da terra surge com a questão amplamente difundida até
hoje e propõe o desenvolvimento sustentável: “Como administrar a escassez? Carl von
Carlowitz respondeu em 1713 com um tratado intitulado Sylvicultura Oeconomica, onde usou
a expressão nachhaltendes wirtschaften que traduzido significa: administração sustentável”
(BOFF, 2007, s/n). No entanto, tal noção proposta inicialmente na instância científica com
vistas a amenizar a degradação da flora não teve repercussão.
No longo período até a atualidade, o que se seguiu foi a política do “colonialismo, do
imperialismo, do globalismo ecômico-financeiro e da economia política de mercado” gerando
a grande crise ecológica que vemos continuamente desenhar-se (BOFF, 2007, s/n). Devido a
esses fatores, o conceito de sustentabilidade está sempre associado à questão do
desenvolvimento, oficialmente, tal conceito foi usado pela primeira vez na Assembléia Geral
das Nações Unidas em 1979. No entanto, foi numa reunião de especialistas convocados pela
ONU, em 1987, que se estabeleceu o conceito tradicional de sustentabilidade.
Já no Brasil, no início da década de 1980, quando ocorreu o processo de
redemocratização, foi estabelecido que o desenvolvimento de processos sociais tivesse seu
norte no conceito de sustentabilidade. No período acima mencionado, o Congresso Nacional
promulgou uma série de leis ambientais de garantia à proteção da sustentabilidade. Entre as
normas ambientais existentes no Brasil, destaco aquelas que têm sido enfocadas como
princípios de sustentabilidade:

1) Princípio da educação ambiental (art. 225, § 1, VI, Constituição Federal);


2) Princípio da participação popular e atuação dos órgãos colegiados (Resolução 1/ 86 do
CONAMA para Avaliação de Impacto Ambiental na fase de comentários e audiência pública);
3) Princípio do desenvolvimento sustentado (art. 225, caput, Constituição Federal).

Entre a série enunciativa das fotos-legendas e os enunciados elencados acima que


versam sobre a sustentabilidade, há regularidades entre os objetos, os conceitos, as
modalidades enunciativas e as estratégias. Primeiramente, destaca-se a regularidade da
formação do objeto que se estabelece no nível das práticas discursivas entre as formas
científicas, as instancias políticas, o nível jurídico, as fundações sociais e as organizações
internacionais. Em segundo lugar, há regularidade entre os temas dos enunciados. São eles: o
desflorestamento, o destino do lixo, a preservação da fauna, a poluição das águas, a educação
ambiental e o desenvolvimento sustentado. Em terceiro lugar, a conduta frente aos problemas
ambientais na TI Ivaí, que ganha visibilidade pelos enunciados fotográficos, está em
concordância com o conceito de sustentabilidade, estabelecido pela ONU em 1987, o qual se
traduz nos seguintes termos: sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades das
gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas
necessidades (BOFF, 2007).
Por fim, tendo em vista o objetivo deste texto, há regularidades na formação das
modalidades enunciativas. A instância de onde vêm os enunciados é definida no âmbito da
formação das modalidades enunciativas, tal como ocorre com as três figuras e as três
legendas, do banco de dados do projeto Implatação. Nestes casos, as três variantes da
modalidade enunciativa constituem o sujeito do discurso: o status do enunciador – o
pesquisador das ciências da terra, da história, da antropologia; o local institucional,
constituído pela universidade, de onde se obtém o discurso e a posição sujeito enunciador, que
se define pela atitude em relação ao objeto sustentabilidade, o qual, nos enunciados da foto-
legenda, age em concordância com os preceitos dessa unidade discursiva. Trata-se, portanto,
de um jogo de relações não dado a priori, mas estabelecido na prática discursiva (Foucault,
2008).
Todo o feixe de relação dessas variantes enunciativas se encontra em jogo nesse
gênero. Na modalidade enunciativa, estabelecem-se relações entre o espaço universitário,
como local de observação sistemática, de pesquisa científica e todo um grupo de técnicas e de
saberes históricos, naturais, arqueológicos e antropológicos – saberes institucionalizados e o
novo – e o papel do profissional, sua função de professor e de responsável pelo saber.
O discurso circunscrito à série enunciativa cria espaços de diferenciação em que o
conceito de sustentabilidade é imbricado no modo de vida indígena Kaingang do Ivaí. Nos
enunciados recortados do arquivo, as relações discursivas já descritas caracteriza uma prática
discursiva que coloca à Terra Indígena Kaingang Ivaí e à todo o seu povo a necessidade de
absorver o conceito de desenvolvimento sustentável.
Deste modo, o conceito de Terra pelo viés Kaingang, cuja noção costumava ser a do
uso dos recursos do meio ambiente como fonte de toda alimentação, vestimenta, artesanato e
crença religiosa, já não é mais “puro”, pois uma vez estabelecido o contato com a comunidade
envolvente e citadina, desde início do século XVI, as práticas sociais de tal comunidade foram
sendo transformadas, novos valores desconhecidos pelo homem indígena foram embutidos em
suas crenças, hábitos puramente citadinos foram descarregados sobre tal comunidade. As
conseqüências de tais alterações no modo de vida dessa comunidade acarretaram problemas
ambientais diagnosticados pelo projeto Gestão da UEM. Dessa forma, posto que os “novos”
modos de vida estão totalmente imbricados nos hábitos dos membros da comunidade
Kaingang Ivaí, o desenvolvimento do projeto Implantação constituiu-se num meio de tentar
imbricar também a noção de sustentabilidade no modo como tal população trata o meio em
que está estabelecida.
Considerações finais

Nas praticas discursivas que versam sobre a sustentabilidade, circunscritas aos


enunciados históricos, elencados neste trabalho, e na série de foto-legenda, a formação do
sujeito do discurso apresenta as seguintes regularidades: o status ou profissão envolve
cientistas da área das ciências da terra, da história, da antropologia; a instituição é constituída
pela universidade e a posição do sujeito se define pela atitude em relação ao objeto
sustentabilidade. Essa posição, nos enunciados da foto-legenda, evidencia que o sujeito do
discurso age em concordância com os preceitos dessa unidade discursiva, uma vez que, em
detrimento das práticas indígenas, coloca ao indígena a necessidade de parar de caçar, de dar
destino adequado aos resíduos sólidos e de acabar com os banhos nos rios, pois tais práticas
contribuem com a degradação do meio ambiente.
Assim sendo, as diversas modalidades da enunciação constituintes do sujeito do
discurso estabelecem, portanto, a relação de diferentes elementos que no jogo das práticas
discursivas vão determinar não a unidade do sujeito enunciador do discurso, mas sua
dispersão, a descontinuidade dos planos de onde fala. Esse jogo discursivo entre vários status,
múltiplos lugares institucionais e diversas posições que o sujeito do discurso pode ocupar ao
enunciar, determinam de onde vem a enunciação e por que aparecem uns enunciados e não
outros em seus lugares. Nesse viés, a formação do sujeito do discurso aponta para a sua
própria dispersão, visto que o plano de onde se fala é formado pela relação de níveis
independentes: status ou profissão, lugar institucional e posição, as quais podem variar
segundo a construção do corpus e em relação à história e à sociedade.

Referências

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