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DOUTORADO
RESUMO
O livro didático (LD) é usado frequentemente como referência de estudo nas escolas públicas
de todo o país e a literatura faz parte dos conteúdos que são adaptados e editados nesses
materiais. No entanto, nem sempre a forma como os textos literários são adaptados, editados e
explorados no LD, favorece uma reflexão mais ampla sobre a sua concepção cultural referente
ao momento histórico em que foram escritos. Foi com base nessas reflexões que elegemos
como corpus de pesquisa, os livros didáticos de língua espanhola do Ensino Médio (EM),
aprovados pelo último Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2017: as coleções
Confluencia (Paulo Pinheiro-Correa, Xoán Carlos Lagares); Cercanía Joven (Ludmila
Coimbra, Luiza Santana Chaves) e Sentidos en lengua española (Luciana Maria Almeida de
Freitas, Elzimar Goettenauer de Marins Costa), para compreendermos como são feitas as
adaptações e edições do conteúdo literário presente nesses materiais. A ênfase deste estudo
deriva-se da preocupação sobre a apropriação que os materiais didáticos citados fazem dos
mitos espanhóis (Don Quijote de la Mancha, Lazarillo de Tormes, Don Juan etc) e, como
possivelmente a materialização desses mitos é recebida pelo público-alvo (discentes). Para as
análises usaremos um amplo respaldo crítico-teórico (Bakhtin, Becerra Suárez, Bourriaud,
Brunel, Cárcamo, Carvalho, Eagleton, Hutcheon, Mastroberti, Ortiz, Pandolfi, Sotomayor
Sáez, Stam, etc). Pois, assim, pretendemos verificar como a configuração dada pelo LD
acerca dos mitos espanhóis transcodifica a (s) versão (ões) consultadas, aquelas citadas nesse
material e, em que medida, essa nova versão manifesta diversas ideologias sobre cada mito
analisado.
Introdução e Justificativa
O crescimento do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), ao longo de sua
história, permitiu que o programa fosse ampliando seus critérios de avaliação e, ao mesmo
tempo, aperfeiçoando as técnicas já existentes. A sua abrangência quanto às disciplinas
contempladas também se estendeu, tanto que em 2011, o programa passou a avaliar os livros
didáticos (LD) de língua estrangeira (inglês e espanhol).
Desse modo, os LDs atualmente ocupam um lugar de ampla relevância nas instituições
de ensino e a apropriação deles no Ensino Fundamental (EF) II e Ensino Médio (EM), pelos
professores e alunos, tornou-se corriqueira, visto que a expansão do PNLD popularizou o
consumo desse material.
Devido à Lei 11.161/2005, também conhecida como a “Lei do espanhol”, que
recentemente foi revogada pela Lei 13.415/2017 (reforma do Ensino Médio), a língua
espanhola havia se tornado uma disciplina de oferta obrigatória e de matrícula facultativa para
os alunos do EM, com um prazo de cinco anos para ser totalmente incorporada à grade
curricular. Por esse motivo, entre os anos de 2005 a 2010, houve uma corrida por parte dos
estados para a implantação da língua espanhola em seus currículos, dessa maneira, o volume
de publicação de livros didáticos para essa nova demanda cresceu de modo proporcional.
Mesmo com a revogação da Lei 11.161/2005, os estados que incorporaram a língua
espanhola em suas grades curriculares ainda a mantêm e, na rede pública estadual de São
Paulo, para a qual essa oferta nunca se efetivou de fato, os Centros de Estudos de Línguas
(CEL) oferecem o ensino do espanhol e de outros idiomas.
Portanto, a publicação e uso de LDs de língua espanhola segue seu curso anterior à Lei
13.415/2017, por isso, os estados brasileiros que adotaram a língua espanhola e os CELs do
estado de São Paulo continuam ofertando a língua e também os livros que são avaliados,
selecionados e distribuídos pelo PNLD aos seus aprendizes.
Com base nessa introdução sobre a oferta do espanhol como língua estrangeira,
contatamos a necessidade de um estudo que examine a publicação, edição e adaptação de
textos literários que abarquem os mitos espanhóis nos materiais didáticos de língua espanhola,
pelo fato de ainda não haver nenhuma pesquisa que tenha se centrado nessa temática. Em
nosso projeto de mestrado já concluído, encontramos vários estudos que contemplaram o
exame de variados materiais didáticos, inclusive alguns que enfocaram a literatura em livros
didáticos, no entanto, nenhum deles com a proposta aqui apresentada. A maior parte desses
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estudos, como consta nas bases de produções científicas existentes do país: BDTD, Google
Acadêmico, Plataforma Scielo, no site Scielo está inserida na área de Linguística, apenas
algumas dissertações e teses foram concluídas na área de Literatura e elas não abordaram
especificamente a temática dos mitos espanhóis nesses materiais.
Por considerar as informações apresentadas, este projeto de pesquisa destina-se ao
estudo da apropriação que o LD faz dos conteúdos que remetem à cultura espanhola, como a
construção das personagens literárias e seus respectivos mitos. Nossa preocupação parte do
pressuposto de que quanto mais adaptadas, reproduzidas e disseminadas sejam algumas
apropriações culturais, maior é a probabilidade de reconfiguração delas e dos mitos que
conduzem, resultando em uma nova versão, ou seja, em um palimpsesto: recriações com
distintos modos de engajamento (Hutcheon, 2011, p. 27-28). Desse modo, torna-se essencial
pensarmos que determinadas reconfigurações dos mitos que estejam presentes no material
didático, abarcado por este estudo, possam ou não fomentar alguns discursos próprios de
nossa historicidade e cultura, como comenta Stam (2006, p. 48- 49):
como a exploração dos mitos espanhóis foi feita no decorrer do processo de publicação, desde
2009 até o ano 2017, última seleção do programa. Com o cotejo, apontaríamos e
analisaríamos como o processo histórico de seleção das coleções didáticas revelou maior ou
menor enfoque na exploração dos mitos em seus textos literários e de que forma esse enfoque
foi direcionado.
2) Outra proposição para nosso estudo seria a de analisar de forma mais minuciosa
como os critérios estabelecidos pelo PNLD contemplam ou não a existência dos mitos
espanhóis nas ultimas coleções aprovadas e de que forma eles a contemplam. O exame seria
necessário até para questionarmos se tais critérios auxiliam ou dificultam a percepção dos
mitos presentes nos livros didáticos, baseado na consulta das obras fonte, em quais os
fragmentos literários foram retirados.
3) Estudar de que forma as adaptações dos textos literários encontrados nas coleções
aprovadas pelo último PNLD exploram os mitos espanhóis. Para esse exame cotejaríamos
todos os trechos que contemplam a materialização de algum mito, como por exemplo o de
Dom Quixote, analisando de que forma a adaptação foi feita nos livros didáticos, como foi
incorporada, se sofreu um processo de recriação e remitificação e quais outras alterações
sofreu em relação à obra consultada. Para essa abordagem é necessário que haja um olhar
voltado para os textos adaptados que os encarem como produtos de uma prática sociocultural,
pois o “autor-adaptador estaria, através dos recursos de sua escrita própria, calibrando uma
cultura escritural consagrada, porém inacessível à compreensão de uma tipologia de leitor
ainda não plenamente operante dos signos da linguagem”, como argumenta Mastroberti
(2011, p. 105).
Das três hipóteses de estudo levantadas, acreditamos que a terceira seja a mais
propícia a nos dar respaldo em relação ao que Hutcheon e Ortiz elucidaram de formas
distintas sobre a estética da recepção em nossa contemporaneidade. Pois, ao analisarmos as
adaptações dos textos literários que manifestem exemplos dos mitos espanhóis,
vislumbraremos como alguns recortes de textos, alteração de vocabulário e ênfase em
determinada passagem do enredo podem suscitar reflexões sobre a forma escolhida para a
fragmentação e suas possíveis consequências aos receptores envolvidos. Assim como, o
exame de tais adaptações que abarquem os mitos em diversos tipos de mídias, adjacentes e
citadas em nosso corpus (CDs, sites, etc.) pode nos dar pistas sobre um processo de contar
histórias pode denotar em seu discurso, diversos argumentos ideológicos acerca de nosso
momento histórico, como o fato de tentar atrair novos públicos por essa nova via interativa.
Indícios que nos servirão também para raciocinarmos sobre a intervenção dos “discursos
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publicitários” (Hutcheon, 2011, p. 187) tão comuns nessas mídias interativas e de que forma
esses dois aspectos (público e mídias) se relacionam.
Pensando nas modificações que um texto literário pode sofrer ao ser inserido em
materiais didáticos, citamos um estudo feito sobre a edição de textos literários nos LDs que
elegeu as coleções de língua espanhola do PNLD-2012. Nesse trabalho, Alves e Rodrigues
(2012, p. 2134-35) apontaram na coleção Enlaces (2012, vol. 2, p. 47), os seguintes aspectos:
A primeira diferença que podemos notar com relação à edição crítica da obra
– usada como referência – é a ausência do nome completo da obra “El
ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha”. Seria importante destacar o
nome da obra, pois os significados gerados por este são importantes para o
entendimento das ações que ocorrem na novela de Cervantes. Ingenioso
(engenhoso) significa inventor e Hidalgo (fidalgo) significa nobre. Assim,
pela análise do sintagma o aluno poderia entender Don Quijote não como um
louco, mas como um grande produtor de ações nobres advindas do seu
engenho imaginativo. No momento em que se reduz o título somente para o
nome do personagem, pode se produzir uma descaracterização da visão
quixotesca fazendo com que o leitor realmente entenda o personagem como
um homem louco. [...]
Além disso, o mote mais importante para o entendimento da origem das ações de
Quixote centra-se no conhecimento do que seriam os romances de cavalaria. Procedendo à
análise, verificamos que o enunciado apresentado também não esclarece ao leitor o que
seriam os tais romances de cavalaria que o narrador descreve ter causado algum efeito na
imaginação de Quijote. Outra observação importante é a de que são justamente as partes
textuais suprimidas do texto que sinalizam, definem e exemplificam o que são esses tipos de
romance. Desse modo, concluímos que a edição não levou em conta as informações
importantes para o devido entendimento textual.
Como verificamos pela citação, a forma de edição feita pelo LD, apontada pelos
autores, sobre a (des) caracterização de Dom Quixote, está presente tanto pela escolha do
título da obra, que transfigura a essência das características mais marcantes da personagem,
como pelas supressões feitas nos trechos citados, pois tais “cortes” desprivilegiam a leitura e
entendimento do texto como uma narrativa de cavalaria.
Faremos a análise desse material com base nas teorias desenvolvidas por Bakhtin
(2011) Becerra Suárez (1997), Bourriaud (2009), Brunel (1992), Cárcamo (2000), Carvalho
(2006), Eagleton (2011), Feijó (2010), Hutcheon (2011), Mastroberti (2011), Ortiz (1994),
Pandolfi (2017), Sotomayor Sáez (2005), Stam (2006), além de outros autores que julgarmos
necessários ao longo do percurso.
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Objetivos
Objetivo geral:
Fazer um levantamento e investigar em nosso corpus, como as adaptações e
consequentes materializações dos textos literários, assim como suas atividades
adjacentes (exercícios didáticos, uso de outras mídias, imagens, gráficos,
tabelas etc.), são exploradas nos livros das coleções estudadas e como essas
manifestações constituem a imagem dos mitos espanhóis em nossa atualidade
para o seu público receptor: os alunos.
Objetivos específicos:
presente, seres curiosamente arcaicos que emergem como anomalias temporais dentro do
contemporâneo”. No entanto, o processo que transporta tais resíduos do passado para o
presente precisa ser estudado de forma atenta para compreendermos de que maneira tais
“anomalias” estão chegando ao público receptor.
Assim, por meio de nossos objetivos específicos, poderemos contemplar o objetivo
geral que, está pautado na inquietação em investigar como o transporte de determinados mitos
espanhóis, presentes nos textos literários para o LD pode ou não contribuir para uma reflexão
de como o nosso presente trata as representações culturais de nosso passado e de que modo as
novas adaptações nos mostram certas “influências” de nossa atualidade. Assim,
examinaremos como tais representações adaptadas estão sendo abordadas pelo viés da
abordagem comunicativa, visto que a elegemos como prisma metodológico por abarcar o
texto literário como um discurso sociocultural e histórico, que se estende além da escrita, do
qual o aluno que é o receptor do livro didático faz parte.
Janeiro a Julho/ 2018: exame de outros textos críticos sobre a presença da literatura e
dos mitos hispânicos em materiais didáticos, a fim de relacionarmos com as nossas
análises para enriquecermos as apreciações críticas de nosso estudo;
Agosto/ 2021 a janeiro/ 2022: correção da tese de acordo com as propostas feitas no
exame de qualificação para a defesa;
Material e Métodos
Sabemos que a literatura é uma instituição social e deve ser defendida como um direito
básico de qualquer ser humano, pois como elucida Candido (2011, p. 175) ela deve ser vista
como um bem incompressível e seu acesso deve ser irrestrito.
Partimos desse ideal, para justificarmos que a presença dos textos literários em
materiais didáticos não pode ser recebida como uma ocorrência desvinculada de um contexto
social mais amplo, na medida em que o público consumidor do LD é e será nosso futuro leitor
e também formador de opinião. Destarte, as apropriações feitas pelos LDs precisam ser
estudadas, uma vez que o seu uso cotidiano pode influenciar determinadas posturas e
posicionamentos, devido ao poder exercido pela idolatria da palavra escrita, como alerta
Freinet (1978, p. 40-41): “Pois o manual, sobretudo empregado desde a infância, contribui
para inculcar a idolatria da palavra impressa”. Além disso, precisamos adotar uma variedade
de autores que atuam em diversos campos, como o da educação, linguística e teoria literária,
partindo da constatação de que o livro didático é gênero híbrido, que realiza “bricolagens”,
pois veicula conteúdos diversos e dialoga com uma variedade de mídias, contudo a
bibliografia selecionada possui uma convergência de ideias que se complementará no
desenvolvimento de nossas análises. Isso posto, afirmamos que o uso dos materiais didáticos
já foi perpetuado no cotidiano escolar, por isso, um estudo que abranja a forma como a sua
composição pode estar afetando a recepção leitora, precisa ser bem norteado.
À vista dessas conjecturas, com o auxílio das ideias dos autores já citados e de outros
pesquisadores que julgarmos as propostas pertinentes durante o percurso da pesquisa, faremos
um exame detalhado do corpus eleito da seguinte forma:
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2. Análise dos textos, atividades e outras materializações citadas no item anterior, com o
respaldo teórico dos autores mencionados;
3. Exame de outros textos críticos sobre a presença da literatura e dos mitos espanhóis
em materiais didáticos, a fim de relacionarmos com as nossas análises para
enriquecermos as apreciações críticas de nosso estudo;
Esses fatores discutidos por Cruz (2010), acerca do deslocamento do espaço e gênero
dos quais o textos literários fazem parte, ou seja, o fato deles serem pertencentes a um
contexto mais abrangente precisa ser incluído nas análises desses textos nos LDs,
principalmente quando abordamos a presença e exploração dos mitos. Até mesmo porque os
próprios trechos alavancados para os materiais didáticos também já podem ter sofrido um
processo de adaptação em relação ao seu próprio gênero de origem, como ocorre com muitas
versões: “Os irmãos Lamb, sob encomenda de um editor, usam como estratégia a mudança de
tipologia textual, da estrutura teatral para a do conto, para aproximar o leitor inglês iniciante
do universo shakespereano” (Carvalho, 2006, p. 109). Consequentemente, os textos literários
presentes nesses materiais podem ser vistos como “caleidoscópios” de ideologias, dado que
podem ter sofrido um processo de adaptação antes de serem veiculados nos livros didáticos e,
ao mesmo tempo, foram modificados em forma de trechos, figuras e exercícios para serem
incorporados nesse novo suporte.
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As proposições de Feijó nos faz refletir mais a fundo sobre como as adaptações
literárias podem estar permeadas de diversas ideologias que nem sempre condizem com a
complexidade da materialização do texto de origem. Por esse motivo, se torna imprescindível
o cotejo das adaptações feitas pelo LD com as suas obras originárias, sejam elas obras
consideradas canônicas ou versões adaptadas, para que compreendamos o quanto esse
processo pode ou não cristalizar visões distorcidas acerca das nuances intrínsecas, aquelas que
são fundamentais para identificarmos o mito estudado, quando essas são confrontadas com a
obra de origem. Como, por exemplo, o que ocorre com o mito de Dom Quixote, há algumas
características que são mais ou menos estáveis para examinarmos essa personagem, Lasaga
Medina (2004, p-47-46) acentua que tanto Dom Quixote como Dom Juan são arquétipos da
modernidade, pois embora ambos tenham raízes medievais eles são, cada um à sua maneira,
cavaleiros andantes.
Todas as questões discutidas até aqui, como as versões adaptativas, adaptações de um
gênero literário para o outro e as transformações que delas confluem para os próprios mitos
serão verificadas com os preceitos do método teórico-metodológico denominado Movimento
Comunicativo, por julgarmos que seus conceitos possuem um prisma intercultural, visto que
temos como corpus materiais didáticos de língua espanhola. O método citado é resultado de
incessantes pesquisas na área da didática literária, uma vez que ensinar literatura estrangeira
em aulas de língua não é uma tarefa simples, devido às questões culturais próprias que cada
língua carrega como ocorre com maior ênfase em textos literários, por possuírem facetas
figurativas mais complexas de serem traduzidas ou adaptadas para a língua materna. De
acordo com o estudo de Hipogrosso e Orlando (2002), os métodos para ensino de língua
estrangeira, desde o século XX, passaram por diversas mudanças, desde o método gramatical,
áudio-oral até o desenvolvimento do método comunicativo. Os pesquisadores o descrevem
como uma linha de ensino com concepções da linguagem em seu contexto social, para essa
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263), pois se utiliza de linguagem artística. Tais constatações foram provenientes das análises
que fizemos da edição dos textos e elaboração dos exercícios presentes no LD:
avaliar é até que ponto essas “versões” ou “adaptações” podem contribuir para despertar o
interesse do leitor pelas obras integrais e, além disso, se tais recortes privilegiam o enfoque
comunicativo que tem como meta a aproximação de horizontes culturais distintos – em nosso
caso – o universo histórico-cultural do aluno brasileiro e o universo cultural hispânico.
É importante ressaltarmos, ainda, que não defendemos um “culto” ao original, muito
pelo contrário, o que as correntes pós-estruturalistas, feministas, pós-colonialistas nos
mostraram corresponde, hoje, a uma visão mais (des-) hierarquizante e descentralizadora
acerca das ramificações intertextuais, proporcionando-nos uma visão mais relativizada das
“adaptações”, enfraquecendo o culto do “original”. O que as novas teorias da adaptação tem
nos mostrado, desde os postulados bakhtinianos e da Estética da Recepção até Robert Stam e
Linda Hutcheon, é que as adaptações podem ser reconsideradas como uma nova e atualizada
forma de leitura, re-escrita, crítica, tradução, transmutação, metamorfose, recriação,
transvocalização, ressuscitação, transfiguração, efetivação, transmodalização, significação,
performance, dialogização, canibalização, reimaginação, encarnação ou ressurreição. Desse
modo, pretendemos, por meio das teorias da adaptação, da teoria literária, da mitocrítica e da
aprendizagem intercultural, analisar, de forma objetiva, a real contribuição das adaptações de
mitos literários presentes nos livros didáticos no que se refere à aprendizagem intercultural,
que é a proposta vigente nos editais de seleção dessas obras. Enfim, verificaremos se elas
contribuem, de fato, para despertar o interesse pelas obras que lhe deram origem ou se elas
contribuem com uma releitura atualizada desses clássicos, complementando as lacunas
carentes de sentido para o leitor de hoje, propondo novas abordagens de análise das categorias
literárias, seja a personagem (feminina, masculina, transgênero), seja no tocante ao aspecto
moral dos temas e de caracterização do herói, seja no tratamento do tempo, do espaço e
ideologias.
estrangeira, propiciando uma compreensão mais global sobre a cultura da língua a ser
aprendida. À vista disso, julgamos que a recepção do estudo dos mitos também pode ficar
prejudicada.
Com base nesse exemplo que citamos, acerca da edição e utilização de fragmentos que
contemplam os mitos espanhóis, conforme exemplificados, por meio das atividades didáticas
que envolvem o mito de Dom Quixote, faremos uma investigação abrangendo outras
manifestações mitológicas encontradas em nosso corpus.
Adotaremos também o pressuposto de que os mitos literários são construções
históricas e sociais, partes de um processo genuinamente cultural, por isso são construções
complexas, visto que são passíveis de interpretações por parte de uma determinada
comunidade em um determinado período, sendo assim eles compõem o imaginário coletivo.
Amparando-nos por essas ideias, cremos oportuno associarmos à nossa metodologia a (in)
definição de mito utilizada por Vieira (2002, p. 107), a autora discute como a obra Dom
Quixote faz parte de uma construção cultural ampla e complexa ao longo da história:
Queda la impresión de que con esta obra sucede algo un tanto paradójico: la
reconocemos perfectamente sin conocerla verdaderamente. Parece que así
nos aproximamos a la idea misma del mito que nos interesa para ese
acercamiento al Quijote: es como si el personaje ocupase en nuestro
imaginario el lugar proprio del mito que se traduce por una ambigüedad
pues, al mismo tiempo que no presenta una identidad propiamente histórica,
tampoco tiene una naturaleza de carácter esencialmente ficcional.
Portanto, pela análise dos excertos e atividades acerca dos mitos literários espanhóis
presentes no corpus proposto, vislumbramos a possibilidade de cotejar a configuração desses
mitos no material citado com as suas obras de partida, para dessa maneira, percebermos se e
como ocorre o processo de desmistificação ou remitificação no contexto educacional, como
parte de nossa abordagem inserida nos pressupostos metodológicos do método intercultural
comunicativo.
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