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A distanásia, a dignidade do

paciente e a previsão do
Anteprojeto do Aódigo
Penal brasileiro: adequação
ou retrocesso?
www.ambito-juridico.com.br

Géssica Adriana Ehle

Resumo: O presente artigo dispõe acerca da tentativa de adequação


jurídica pela qual passa o Direito brasileiro com a elaboração de um
Anteprojeto de Código Penal, com dispositivos sobre a prática de
eutanásia e suas irrefutáveis omissões, dentro de uma ótica de
respeito à dignidade da pessoa humana. O artigo objetiva,
primordialmente, ressaltar a importância do esclarecimento da
redação conferida ao dispositivo que traz a conduta de eutanásia, bem
como indagar quanto à falta de legislação frente ao cometimento do
delito de distanásia. Evidencia-se, neste sentido, a necessidade de
uma reflexão frente à aprovação de tal anteprojeto, que já adentra ao
cenário de apreciação com notória aparência de incompletude, uma
vez que norteia a conduta de eutanásia e ortotanásia, mas nada
dispõe sobre a prática de distanásia. Ademais, há que se analisar se,
de fato, tais alterações respeitariam o primordial princípio da
dignidade da pessoa humana, se ocorreria uma adequação em prol do
sistema penal brasileiro. Para o estudo, utilizou-se o método
hipotético-dedutivo.[1]

Palavras-Chave: Anteprojeto de Código Penal; adequação normativa


à realidade social; eutanásia; omissão legislativa quanto à distanásia;
dignidade da pessoa humana.

Abstract: This paper discusses the attempt of judicial adjustment


which Brazilian Law goes through with the preparation of a New
Criminal Code Proposal, with provisions on euthanasia and its
omissions regarding human dignity. This paper primarily aims to
highlight the importance of clarifying the wording of the provisions
related to euthanasia, as query on the lack of legislation on the crime
of dysthanasia. In this sense, we point out the need to consider the
effects of approving such a proposal, which already appears to be
incomplete, it provides on euthanasia and orthonasia, but not
dysthanasia. Furthermore, one has to check that such changes would
indeed respect the paramount principal of human dignity, and if it
would be appropriate for the Brazilian criminal system. For this
purpose, we used the hypothetical-deductive method.

Keywords: New Criminal Code Proposal; statute adequacy to social


reality; euthanasia; absence of legal provisions on dysthanasia;
human dignity.

Sumário: Introdução; 1 O biodireito como direito de 4ª dimensão de


direitos fundamentais: Análises e reflexões; 2 Análise comparativa
entre as diferentes formas de manutenção e abreviamento da vida; 3
Anteprojeto de código penal brasileiro e a tipificação da distanásia:
Adequação ou retrocesso; Conclusão; Referências.

Introdução

O presente trabalho será delineado a luz do princípio da dignidade da


pessoa humana, paradigma da ordem jurídica do Estado Democrático
de Direito, e norteador de todo campo de estudo e dissertações de
quaisquer ramos da Bioética. Debruça-se sobre a análise do conteúdo
normativo contido no anteprojeto de novo Código Penal, onde há a
presença de capitulação jurídica específica para a conduta de
eutanásia, com a inovadora redação do artigo 122.

Em um primeiro momento, objetiva-se a compreensão frente ao


surgimento da ciência denominada “Bioética”, em um de seus ramos,
o Biodireito, como ciências que tutelam, inclusive, o direito à vida e à
morte digna, bem como a pessoa humana, numa verdadeira análise
principiológica.

Por conseguinte, debruça-se sobre a nova redação proposta ao artigo


122 no novo Código Penal, a fim de investigar acerca da aplicabilidade
de tal artigo de lei que, ao tipificar especificamente a eutanásia,
abarcando, inclusive, causa de exclusão da ilicitude em caso de
ortotanásia, estaria se tornando omisso frente à conduta de
distanásia, carecedora de irrefutável concepção.

Desse modo, faz-se necessária uma primeira conceituação do ramo de


atuação da Bioética, o surgimento do Biodireito como meio de efetivá-
la para que, na sequência, seja feita uma breve distinção entre os
mais variados institutos que dizem respeito ao trato e disposição da
vida humana. Por fim, pretende-se tratar da importância de uma
adequação normativo-jurídica das normas penais, ou seja, quer-se
analisar se a proposta de novo Código Penal dispõe o assunto de
maneira satisfatória no que diz respeito a tais práticas. São esses,
pois, os questionamentos iniciais a serem enfrentados no presente
trabalho.

Para que se realize o enfrentamento de tais indagações, utilizar-se-á o


método de abordagem hipotético-dedutivo que busca, através na
análise cuidadosa de um problema, deduzir as possíveis
consequências e teses que se originarão, para num momento
posterior, tentar falseá-las. Enquanto que o método de procedimento
a que se fará uso será o método bibliográfico, baseado em abordagens
doutrinárias específicas como instrumento de pesquisa, com a
finalidade de uma contextualização temática.

Ademais, tal projeto de pesquisa, insere-se na linha de pesquisa do


curso de Direito do Centro Universitário Franciscano - Teoria
Jurídica, Cidadania e Globalização – pois, funda-se no respeito aos
princípios que embasam o Sistema Jurídico brasileiro, tendo em vista
a reflexão sobre teorias e pontos de vista diferenciados, almejando a
sensata avaliação sobre quaisquer futuras modificações nos textos
normativos brasileiros. Além disso, deseja a reafirmação quanto aos
direitos e garantias individuais de cada cidadão, na intenção de
conservá-los; reavaliando, a partir de um pensamento de ordem
global, quais alterações trarão, de fato, benefícios à população.

Sob tal ótica, é que se discorre o presente artigo.

1 O biodireito como direito de 4ª dimensão de direitos


fundamentais: análises e reflexões

Primeiramente, antes mesmo de adentrar a matéria pertinente ao


anteprojeto de Código Penal e suas peculiaridades acerca da
inovadora redação conferida ao artigo 122, convém que seja
enfatizado o berço sob o qual se instaurariam tais modificações
legais. De tal modo, como objetivo inicial do presente artigo, situa-se
o leitor à luz do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, frente ao
vasto campo tutelado pela Bioética, da qual deriva o Biodireito como
direito de 4ª dimensão.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a República


Federativa do Brasil passou a constituir-se sob um regime de Estado
Democrático de Direito, que estabelece desde seu art. 1º, III, a
Dignidade da Pessoa Humana como um de seus fundamentos. Afirma
Nunes (2002, p.45), “é ela, a dignidade, o primeiro fundamento de
todo o texto constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos
direitos individuais”. Neste mesmo sentido, esclarece Reale, (1963, p.
25):

“O direito à dignidade da pessoa humana é o fundamento do Estado


Democrático de Direito e o cerne de todo ordenamento jurídico.
Deveras, a pessoa humana e sua dignidade constituem fundamento e
fim da sociedade e do estado, sendo o valor que procederá sobre
qualquer tipo de avanço científico e tecnológico.”

De tal modo, por ser a Carta Magna o eixo central que deve servir de
parâmetro para a elaboração dos demais textos normativos, há que se
ressaltar a importância de que todos e quaisquer artigos de lei a
serem aprovados estejam de acordo com seus preceitos fundamentais,
inclusive as normas de um novo Código Penal, sob pena de serem
considerados inconstitucionais.

Ademais, mesmo reconhecendo a dificuldade de uma conceituação


para a dignidade da pessoa humana, Sarlet (2006, p. 236-237)
define-a como

“a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano


que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do
Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de
direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra
todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a
lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida
saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e
corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em
comunhão com os demais seres humanos.”

Dessa forma, todo ser humano deve ser tratado dentro de um mesmo
contexto de respeito a sua condição humana, assim sendo, uma vez
estabelecidas as condições existenciais mínimas restaria resguardada
a dignidade da pessoa humana.

Com efeito, existem várias maneiras de se ofender a dignidade


humana, uma delas seria restringindo o exercício da liberdade. Sob
tal ótica, entende Ferraz (1991, p. 20) implicar o princípio da
dignidade da pessoa humana em

“um compromisso do Estado e das pessoas para com a vida e a


liberdade de cada um, integrado no contexto social: ele significa, pois,
que a cada um é reconhecido o direito de viver livremente, em
harmonia com o todo social, com a certeza de que suas virtualidades
poderão expandir-se e concretizar-se, num concerto coletivo a todos
benéfico.”

Realizados os apontamentos sobre a dignidade humana e, para que


seja possível tal análise principiológica constitucional e bioética, é
preciso que se tenha um prévio entendimento do que trata o referido
ramo.

Assim, por meio de uma análise literal, tem-se, por Bioética, a “ética
da vida”. Por ética, aduz Bittar (2004, p.04), tem-se uma “atitude
reflexiva de vida, algo impregnado à dimensão da razão deliberativa,
em constante confronto com as inquirições, dificuldades, os desafios e
problemas inerentes à existência em si”. Desse modo, antes de
desenvolver atos comissivos, o indivíduo, de modo instintivo,
aproveita-se do que se entende por ética. Tenta o sujeito, deliberar
suas ações a partir do que considera correto, à luz de um
comportamento ético.

Seguindo tal linha de raciocínio, Cunha (2012, p. 77 e 156) define


ética como sendo a “ciência da moral”, entendendo, por moral, o
“objeto da ética”. Determina ter, a moral, como “preceito toda
diretiva material de comportamento, a saber: conselhos,
recomendações, máximas, diretrizes, prescrições, mandamentos,
comandos, ordens, mandados, princípios, normas gerais, leis”. Dessa
forma, “o sujeito agindo de modo a respeitar o imperativo categórico
o dever ser, está usando de sua moral e declinando sua conduta por
um caminho que não fere premissas éticas”. Inicia-se, assim, um novo
modo de conceber o princípio da dignidade da pessoa humana, por
meio de uma redefinição de ética e de um novo olhar sobre o que se
entende por direito à vida.

Sendo assim, por meio de todo esse avanço, surge a “Bioética” como
uma ciência autônoma, independente. Neste sentido, discorre Diniz
(2002, p. 09) que tal acontecimento dá-se em virtude que,

“ao início da década de 70, nos Estados Unidos da América, que, pela
primeira vez fez-se uso da expressão ‘Bioética’. Seu autor, oncologista
e biólogo, Van Rensselder Potter, professor na Universidade de
Wisconsin, definiu-a como sendo ‘uma nova disciplina que recorreria
às ciências biológicas para melhorar a qualidade de vida do ser
humano, permitindo a participação do homem na evolução biológica e
preservando a harmonia universal’.”

Em contrapartida, menciona Urban (2008, p. 13) que o teólogo


católico Warren Reinch formula, no ano de 1995, em sua Enyclopedia
of Bioethics, nova conceituação para Bioética como sendo “o estudo
sistemático das dimensões morais – incluindo a visão moral, as
decisões, a conduta e as linhas que guiam – das ciências da vida e da
saúde, com o emprego de uma variedade de metodologias éticas”.

Por estar atrelada a diversas ciências afins – o Direito, a Teologia


Moral, a Ética Médica e a Moral filosófica –, torna-se a Bioética
matéria de não fácil conceituação entre os doutrinadores, haja vista
sua característica fundamental de interdisciplinaridade, pois não se
trata de uma ciência que deve estar associada, de maneira incólume, a
apenas um ramo do conhecimento.

Surge, como decorrência, um novo conceito para Bioética, trazido por


Urban (2003, p. 70), como sendo
“a ética das ciências da vida, ou seja, é uma ética biomédica, uma
resposta da ética às novas situações oriundas da ciência na área da
saúde, ocupando-se não somente dos problemas éticos pertinentes à
tecnologia biomédica, como também os decorrentes da degradação
ecológica, constituindo uma forte resposta aos riscos inerentes à
prática tecnocientífica e biotecnocientífica.”

Dessa maneira, evolui-se em matéria conceitual, havendo uma notória


ampliação no tocante ao campo de apreciação da ciência Bioética. Há,
nesse contexto, um desenrolar sobre parâmetros e diretrizes
peculiares, os chamados “princípios bioéticos”, sendo eles: o princípio
da autonomia, da beneficência, da não maleficência e da justiça, todos
sucintamente descritos a seguir.

Primeiramente, no que tange ao princípio da autonomia, segundo


Santoro (2010, p. 101), no que concerne a área da saúde,

“está ligada à liberdade individual, baseada na vontade que não pode


ser imposta por qualquer pessoa, sequer pelo médico. Permite-se
assim a escolha do médico e da adoção da medida terapêutica,
segundo as próprias convicções, após ter recebido e compreendido as
informações necessárias para a manifestação de sua vontade.”

Sendo assim, a autonomia, que é concedida ao paciente, o faz


transitar de maneira livre dentro do mundo das intervenções médico-
paciente. Imprescindível, contudo, que as informações ao longo do
caminho de tratamentos sejam prestadas de maneira clara e precisa,
para que o enfermo tenha uma total compreensão de seu quadro
clínico e possa tomar qualquer atitude com objetividade e segurança.

No entanto, quando tal enfrentamento por parte do paciente não é


mais viável, por já se encontrar inconsciente, caberá aos familiares
mais próximos decidirem quanto à aplicação de quaisquer
procedimentos. Vale ressaltar que, em se tratando de incapacidade
civil, pela menoridade, respeita-se o querer do responsável legal pelo
menor de idade, seja ele familiar ou tutor. Ainda, para os incapazes
por acometimento de doença mental, valerá o entendimento de seu
curador. Outra maneira de determinar-se o procedimento devido seria
por meio de ação judicial, na qual o magistrado sentencia em prol dos
interesses do incapaz. Todos esses entendimentos foram firmados
pela Resolução 1.021/80 do Conselho Federal de Medicina (BRASIL,
1980).

Além disso, Almeida destaca (2000, p. 07) que “o princípio da


autonomia é considerado o principal princípio da Bioética, pois os
outros princípios estão, de alguma forma, vinculados a ele”. Não se
trata, como nenhum dos demais, de um princípio absoluto, devendo
respeito ao princípio já mencionado e extrema relevância – princípio
da dignidade da pessoa humana –, bem como ao valor supremo que
tem o direito à vida.

O segundo dos princípios centrais da Bioética é o chamado princípio


da beneficência que, em linhas gerais, determina o agir médico em
prol do bem-estar do paciente. De acordo com a Declaração Universal
sobre Bioética e Direitos Humanos (UNESCO, 2006), adotada pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura –
Unesco, o avanço tecnológico das práticas médicas deve sempre visar
à obtenção de melhores tratamentos, afetando do modo mais ínfimo a
vida de todos os envolvidos[2].

Frente a esse princípio é que o agente da medicina deverá avaliar o


caso-a-caso, analisando o sujeito então paciente de forma individual,
aplicando-lhe, com isso, o tratamento que entender por mais
benéfico. Tal obrigatoriedade de zelar pelos pacientes encontra-se
imposta aos profissionais da saúde de forma expressa no texto do
Código de Ética Médica[3] aprovado pelo Conselho Federal de
Medicina em sua resolução 1931/2009. (BRASIL, 2009).

Como desdobramento do princípio da beneficência, encontra-se o


princípio da não maleficência, representando a proibição de qualquer
prática nociva ao paciente, havendo, pois, a obrigação de, não
intencionalmente, praticar-lhe o mal.

A luz de tal princípio resta evidenciado o fundamental direito à vida e


à morte digna. O médico, unilateralmente, poderá concordar, ou não,
com o paciente, resguardando por seu bem viver.

Desse modo, conclui Santoro (2010, p. 105),

“Quando não restar mais qualquer conduta médica possível no


sentido de salvar a vida do paciente, em atenção ao princípio da não
maleficência, deverá o médico abster-se de qualquer procedimento
que tenha por escopo prolongar a vida do paciente. Ao contrário,
deverá atuar em consonância com o princípio da beneficência,
emprestando os cuidados paliativos, para aliviar a dor e o sofrimento
do paciente terminal e incurável.”

Sendo assim, o profissional da saúde poderá tomar providências no


sentido de iniciar novos tratamentos para determinado paciente, ou
deixar de fazê-lo, verificada sua impossibilidade de cura.

Em busca de tratamento equânime, de modo a prezar pela


distribuição imparcial de riscos, benefícios e encargos para com todo
e qualquer paciente, encontra-se o último dos fundamentais
princípios bioéticos – o princípio da justiça. Por não haver igualdade
fidedigna na situação enfrentada pelos pacientes, não há que se tratar
de tratamento igualitário sem qualquer ressalva. De tal modo, Urban
entende (2008, p. 33) estar,

“o conceito de justiça, na dependência das inúmeras concepções de


justiça, mas todas incluem a não distinção arbitrária entre as pessoas
nos seus direitos e deveres básicos. Os princípios gerais de justiça é
que irão determinar as diferenças importantes e devem merecer uma
proteção na busca da equidade, pois se sujeitam a maneira como esses
princípios atribuem direitos e deveres e como se faz a divisão
igualitária das oportunidades econômicas e condições sociais.”

Sobre tal princípio, deve-se prezar pela divisão igualitária dos


benefícios, bem como das obrigações sociais por entre os indivíduos
de classes sociais distintas[4].

É válido ressaltar que tal olhar, em busca de justiça e igualdade,


encontra seu fundamento disposto na própria Constituição Federal de
1988, que, em seu art. 5º, caput da Constituição Federal, prevê que
todos são iguais perante a lei[5], sem distinção de qualquer natureza.
Importante mencionar que tal busca por igualdade deve ser, como
afirma Lenza (2010, p.751), uma procura “não somente por essa
aparente igualdade formal, mas, principalmente, a igualdade
material, uma vez que a lei deverá tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”.

Será, no sopesar dos fatos, alcançado o equilíbrio entre tais princípios


referentes à conduta médica procedimental pela falta de hierarquia
entre eles, bem como pelo supremo dever de respeito à dignidade da
pessoa humana. Ademais, é de suma importância o cultivo saudável
da relação médico-paciente, haja vista sob o imprescindível aspecto
subjetivo que constitui todo e qualquer tratamento médico.

Partindo-se, pois, da definição da ciência Bioética, bem como de suas


bases principiológicas, chega-se ao desenvolvimento de um novo
ramo do Direito, que serve como liame entre a Medicina e o próprio
Direito em si – o Biodireito.

Sintetiza-o, de modo claro, Almeida (2000, p. 03), quando refere que


a Bioética

“busca entender o significado e o alcance das novas descobertas


criando regras que possibilitem o melhor uso dessas tecnologias,
entretanto, essas regras não possuem coerção. Surge então o Direito
como uma ciência que busca normatizar e regular as condutas dos
indivíduos na sociedade, um conjunto de normas impostas
coercitivamente pelo Estado com o objetivo de regular a conduta
entre os indivíduos e dos indivíduos com o Estado. O Direito que
regula a Medicina e a Biologia é chamado de Biodireito.”
De tal modo, o Biodireito aparece como sendo o meio capaz de tornar
eficaz, com fulcro na possibilidade de coerção, as técnicas
desenvolvidas pela Bioética, o modo pelo qual esta se torna coercitiva
e impõe-se à sociedade.

Seguindo pelo caminho do respeito à dignidade da pessoa humana que


se estabelece a importância da proteção aos direitos fundamentais,
bem como a instituição gradativa de suas dimensões. De acordo com
Sarlet (2006, p. 85), a dignidade humana, “exige e pressupõe o
reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as
dimensões. Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os
direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á
negando-lhe a própria dignidade”.

No que diz respeito a uma visão macroscópica do posicionamento do


Biodireito em face do ordenamento jurídico brasileiro, surge sendo
peça basilar para a formação do que se tem por quarta dimensão de
direitos fundamentais. Nesse sentido, alguns autores discordam no
que se refere à correta menção a estes direitos, se se tratam de
dimensões ou gerações de direitos.

Segue-se, desse modo, corrente defendida por Sarlet (2007, p. 49-50),


que traz como correta a denominação de dimensão de direitos, uma
vez que tal titulação “não aponta, tão somente, para o caráter
cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de
todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua
unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional
interno”. Ao passo que, a concepção de “geração” suporia uma idéia
de sobreposição, de forma que, com a evolução social, a primeira
geração seria substituída pela segunda, e assim sucessivamente, o que
não ocorre frete às normas de direitos fundamentais.

Ainda, antes que se passe propriamente a averiguação dos direitos de


quarta dimensão, foco principal do presente artigo, cabe um breve
pincelar sobre o modo com que, doutrinariamente, classificam-se as
dimensões de direitos, assim como uma descrição mínima do que cada
uma compreende.

Desse modo, classifica Bonavides (2007, p. 563), como sendo os


direitos de primeira dimensão “os direitos da liberdade, os primeiros
a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber os
direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um
prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo no
Ocidente”. Tais direitos trazem por seu sujeito o próprio indivíduo em
sua particularidade, conferindo-lhe força perante o Estado.

Neste ínterim, o transcorrer do século XVIII ao século XX, acaba por


desencadear a transição do forte estado Liberal para o Estado Social,
e a consequente aparição dos chamados Direitos de Segunda
Dimensão. Seriam, tais direitos, conforme aduz Bonavides (2007, p.
564),

“os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos


coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das
distintas formas de Estado Social. (...) Nasceram abraçados ao
princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo
equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e
estimula.”

Partindo-se dessa concepção de direitos, que visam a garantir


interesses de uma coletividade, ou de um Estado em particular,
geração que somente evidencia as disparidades sociais entre as
nações, evolui-se para uma nova dimensão de direitos, a Terceira
Dimensão – os direitos ditos de fraternidade. Conforme menciona
Bonavides, (2007, p. 569), tais direitos compreenderiam “o direito ao
desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito
de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito
de comunicação”.

Como um dos efeitos da globalização do Estado Social, surgem os


Direitos de Quarta Dimensão, que defende, também, Bonavides (2007,
p. 571), tratarem-se “do direito à democracia, à informação e ao
pluralismo”. Incute-se, no entanto, a tal dimensão de direitos a
Bioética e, por consequência, o Biodireito, ramo derivado e de
extrema relevância para a concepção da importância de uma
tipificação clara e coerente no que se refere à distanásia.

Já assegurava Bobbio (2004, p. 06) que tais direitos de quarta


dimensão “tratam-se dos direitos relacionados à engenharia
genética”, ou seja, abarcam toda técnica procedimental que manipula
o genoma humano, bem como que têm por matéria-prima a vida
humana. Dessa forma, as discussões bioéticas determinadas pelo
Biodireito no que se refere à antecipação, ou ao adiamento do
resultado morte, encontram-se situadas em tal dimensão de direito.
Merece atenção especial a conceituação distintiva de cada uma dessas
práticas que, seja de forma beneficente ou não, atentam contra a vida
dos indivíduos, assim sendo, é o que se verá no tópico seguinte.

2 Análise comparativa entre as diferentes formas de manutenção e


abreviamento da vida

Toda análise do surgimento da ciência Bioética, bem como de um


novo ramo do Direito capaz de torná-la efetiva, seus princípios, e sua
relação intrínseca com o supremo princípio da dignidade da pessoa
humana, acaba por fazer refletir acerca do valor que tal especialidade
atribui ao bem da vida.
Nota-se que, todo o sujeito “ser humano” é dotado de direitos, antes
mesmo de seu nascimento é-lhe resguardado o direito à vida, pois é,
também, ser merecedor de dignidade, justamente por sua condição.
Neste sentido, menciona Semião (2000, p. 30) que, por meio da
atribuição

“da qualidade de sujeito de direito, isto é, de pessoa, ao homem, é um


princípio básico de qualquer ordenamento jurídico, sem necessidade
de ser proclamada em preceitos legislativos, de tal forma que,
constitui verdadeiro direito natural e, como tal, irrenunciável,
significando que o homem não pode abrir mão de sua personalidade
jurídica. É inadmissível e ineficaz a renúncia ou o cerceamento
voluntários do homem à capacidade jurídica.”

Não bastasse tal olhar referente à indisponibilidade de ser sujeito de


direito, dotado de dignidade e implicitamente obrigado a resguardá-
la, zelar por seu direito à vida, o texto normativo brasileiro vem
explanar tal entendimento de maneira clara. A própria Carta Magna,
como já mencionado, em seu art. 5º, caput, referenda tal
obrigatoriedade, definindo a vida como bem não passível de
disposição pelo indivíduo.

É por meio de tal entendimento que se permite atribuir à vida um


valor supremo, não sendo somente mais um bem concedido ao ser
humano, mas uma condição na qual o sujeito insere-se. Exatamente
sob tal aspecto refere-se Sarlet (2006, p.125) quando afirma que “se
partirmos da premissa de que a dignidade, sendo qualificada inerente
à essência do ser humano, se constitui em bem jurídico absoluto, e,
portanto, inalienável, irrenunciável e intangível”.

Neste sentido, contrapondo-se às teorias meramente médicas,


biológicas, da origem das espécies, determina Silva (2001, p. 200):

“Vida no texto constitucional não será considerada apenas no seu


sentido biológico de incessante auto atividade funcional, peculiar à
matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva.
Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo
dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria
identidade. É mais um processo que se instaura com a concepção,
transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de
qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que
interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a
vida.”

Desse modo, é possível ratificar que a proteção da vida humana é


direito personalíssimo, decorrente de um direito absoluto, erga
omnes, ao qual não cabe desobediência. Entra-se, dessa maneira, no
mérito do direito extensivo, o direito à morte digna. Morrer com
dignidade não incute qualquer direito a trazer brevidade a esse
processo, tão pouco postergá-lo, reitera-se somente o não
prolongamento de uma vida sem a manutenção da dignidade humana.
Ademais, incute a tal ponto a análise de quanto de responsabilidade
tem o Estado perante a vida de seu povo.

Neste aspecto, indaga-se Santoro (2010, p. 111):

“a pergunta não é apenas se o Estado tem direito a eliminar a vida de


um membro da Sociedade, mas, de forma diametralmente oposta, se
tem o direito de obrigar aquele que já iniciou o processo mortal a
continuar agonizando, sofrendo, para que tenha mais alguns períodos
de via em termos quantitativos.”

Sendo assim, nesse embaraçado mundo de proteção à vida, respeita-


se também o zelar pela boa morte; é como uma extensão do bem-
viver, levando-se em consideração a toda prova a dignidade do
indivíduo, bem como o respeito a sua autonomia, para que o momento
da partida seja-lhe o mais justo possível.

Adentra-se, assim, na importante discussão sobre as diferentes


formas procedimentais derivadas, ou similares, da eutanásia ativa,
popularmente conhecida, para que, em breve, possam analisar-se
quais as condutas médicas seriam passíveis de tipificação e quais
restariam permitidas de acordo com a legislação brasileira e com as
previsões do Conselho Federal de Medicina.

De pronto, cabe delimitar o que se compreende pela forma de


abreviar o processo vital denominado “eutanásia”. De acordo com
Santos (2001, p. 285), “etimologicamente a palavra eutanásia
significa boa morte ou morte sem dor, tranquila, sem sofrimento.
Deriva dos vocábulos ‘eu’, que pode significar bem, bom, ‘thanatos’,
morte”. Este fora apenas o primeiro conceito, em uma visão um tanto
quanto premeditada de tal instituto.

Com o desenvolver do tema surgem outros modos de conceituação,


mais realistas e objetivos quanto à prática da eutanásia. Em
conformidade com Santoro (2010, p. 117), “a Eutanásia pode ser
entendida como o ato de privar a vida de outra pessoa acometida por
uma afecção incurável, por piedade e em seu interesse, para acabar
com seu sofrimento e dor”. Sendo assim, é por uma ação ou omissão
que acaba desenrolando-se tal processo[6]. Consequentemente
surgem duas possibilidades para sua concretização, a eutanásia
podendo ser de forma ativa, ou de forma passiva. Neste sentido,
consagra Santoro (2010, p. 118) que:

“A eutanásia ativa será aquela em que o evento morte é resultado de


uma ação direta do médico ou de interposta pessoa, como, por
exemplo, o ato de ministrar doses letais de drogas ao paciente. A
eutanásia passiva, ao contrário, é uma conduta omissiva, em que há
supressão ou interrupção nos cuidados médicos que oferecem um
suporte indispensável à manutenção da vida.”

Vê-se, de tal modo, que tanto a prática da eutanásia como conduta


comissiva, quanto o seu desenvolver por omissão, acabam por gerar
como resultado a morte do sujeito, não descaracterizando o tipo penal
“eutanásia”.

Notoriamente, no que diz respeito à eutanásia em sua forma ativa,


pode haver uma subdivisão em eutanásia ativa direta e indireta.
Ambas são condutas comissivas, geradas por uma ação
procedimental, no entanto, a eutanásia ativa direta é a eutanásia
propriamente dita e popularmente conhecida, o agir de modo a querer
causar o evento morte, isto é, de forma plenamente consciente
objetivar tal resultado. Em contrapartida, a eutanásia ativa indireta
compreende o ministrar drogas que, para que atinjam sua finalidade,
geralmente de amenizar a dor e o sofrimento, acabam por antecipar a
morte do sujeito, é o que ocorre principalmente quando da aplicação
de fármacos de efeito analgésico a pacientes em estágio vital final.

A esse respeito, resume Santoro (2010, p. 119), com propriedade, ao


afirmar:

“A eutanásia ativa indireta não pode ser confundida com a eutanásia


ativa direta, porque a conduta de injetar um fármaco com a finalidade
de abreviar a vida obviamente não é a mesma que a ação do médico
em aplicar analgésicos para aliviar a dor e o sofrimento mas que,
como efeito secundário certo ou necessário, levará a abreviação da
vida do paciente, é dizer, será a causa do evento morte. Na indireta, o
ato principal é positivo, consistente em aliviar dor insuportável,
enquanto que o efeito secundário é negativo, pois levará o paciente à
morte.”

No sopesar dos fatos, tendo-se por base todo o liame principiológico


constitucional, bem como os princípios especificamente bioéticos,
tem-se que somente a eutanásia ativa direta merece receber
tipificação específica, pois, no que tange à eutanásia em sua forma
ativa indireta, há uma descaracterização do ilícito por parte do
profissional da saúde, uma vez que compete a sua profissão a
manutenção da dignidade do paciente, provendo-lhe sempre
tratamentos que sejam benéficos a sua condição momentânea. Ou
seja, não compete ao médico deixar de ministrar fármaco que
amenize a dor do enfermo por ter em sua fórmula substância que
acabe por antecipar a morte do mesmo.

Dessa forma, o que, de fato, tipifica a eutanásia como conduta


criminal é a intenção do agente na morte do paciente. O que lhe move,
se o querer abreviar a vida do paciente advém de um entendimento de
que esta não seja digna, ou se por pensar que seja esse o melhor
caminho ao enfermo, movido por um sentimento de manutenção
primordial da dignidade do doente, aplica-lhe determinado
tratamento, sem que consiga evitar as prováveis reações adversas que
ele surtirá.

De maneira diversa, comportamento que não gera dúvidas quanto a


sua legalidade, pois nada tem de digno e tão pouco preza pelo bem-
estar dos indivíduos, é a prática de mistanásia, chamada também de
eutanásia social. Em breves palavras, assegura Diniz (2002, p.352)
que é a mistanásia “a morte do miserável, fora e antes de seu tempo,
que nada tem de boa e indolor”. Tais colocações por parte da
doutrinadora referem-se ao tratamento diverso que recebe o setor
que detém menor poder aquisitivo dentre a população brasileira, que
compõe a grande maioria, em se comparando com os préstimos do
setor privado de saúde.

Analisando a prática da mistanásia, classifica Santoro (2010, p.126):

“Dentro da grande categoria de mistanásia quero focalizar três


situações: primeiro, a grande massa de doentes e deficientes que, por
motivos políticos, sociais e econômicos, não chegam a ser pacientes,
pois não conseguem ingressar efetivamente no sistema de
atendimento médico; segundo, os doentes que conseguem ser
pacientes para, em seguida, se tornar vítimas de erro médico e,
terceiro, os pacientes que acabam sendo vítimas de má-prática por
motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos.”

Com relação à primeira hipótese de mistanásia, refere-se a massa que


é segregada por motivos de cunho político, social e econômico, ou
seja, população que se vê esquecida, à margem da proteção Estatal no
que tange aos direitos à saúde e, por óbvio, de respeito à própria
dignidade da pessoa humana. Aqui, se insere o indivíduo que sequer
conseguiu acessar o sistema de saúde.

Como segunda forma por meio da qual se desenvolve a prática de


mistanásia, há o provável caso do paciente que, tendo adentrado no
sistema de saúde, foi vítima de erro médico. Um emaranhado de
possíveis causas determinantes para a mistanásia mostra-se evidente,
erros por negligência, imprudência, imperícia, inclusive. Nestes
termos, menciona Diniz (2002, p. 352) como causas geradoras de
mistanásia: “diagnóstico errôneo, falta de conhecimento dos avanços
na área de analgesia e cuidado da dor, prescrição de tratamento sem
realização de exame, uso de terapia paliativa inadequada,
procedimento médico sem esclarecimento e consenso prévio,
abandono, etc”.
Por último, tem-se a prática de mistanásia por meio da submissão do
paciente à má prática médica. Em tal hipótese, resta desconsiderado o
valor da dignidade da pessoa humana, há uma sobreposição nos
valores pessoais do profissional aos da saúde. Cita Santoro (2010, p.
128) como exemplos de tal prática:

“não prestar os cuidados necessários aos idosos ou pacientes


terminais, provocando uma morte precoce; submeter o paciente à
retirada de órgãos para fins de transplante antes do diagnóstico de
morte encefálica; incentivar que o paciente solicite a alta para fins
exclusivos de liberar vaga no nasocômio.”

Todas as práticas envolvendo o cometimento de mistanásia acabam


por atrelarem-se às questões sociais, de falta de prestação de um
serviço confiável, que respeite os ideais de dignidade da pessoa
humana, no que se refere à seara da saúde no Brasil, seja no setor
público, com sua superlotação, seja no privado, com a falta de
fiscalização quanto a sua qualidade na prestação do serviço. O fato é
que ela é uma realidade vivenciada diariamente pelos indivíduos,
onde nada se respeita do direito à vida dentro dos parâmetros da
dignidade.

Outra conduta que fere diretamente a dignidade dos pacientes é a


prática da distanásia, também conhecida como obstinação
terapêutica, ou futilidade médica. Menciona Diniz (2002, p. 336) a
definição de tal conduta para o médico Jean-Robert Debray, como
sendo “o comportamento médico que consiste no uso de processos
terapêuticos cujo efeito é mais nocivo do que o mal a curar, ou inútil,
porque a cura é impossível, e o benefício esperado é menor que os
inconvenientes previsíveis”.

Tal comportamento por parte do profissional da saúde é uma


demonstração de sua falta de prudência no ministrar dos
tratamentos, não há um sopesar de benefícios e malefícios em prol do
doente, mas um querer, de forma desmedida, preservar a vida deste,
pois a morte, para esses profissionais, associa-se ao mau desempenho
de suas atividades.

Tentando encontrar as raízes de tal comportamento, Santoro (2010, p.


130) aduz a relação que este teria com o desenvolvimento técnico-
científico, assim sendo, refere:

“Da mesma forma que o progresso técnico-científico tem possibilitado


o aumento da expectativa de vida das pessoas mediante a cura de
diversas doenças – ou ao menos uma sobrevida maior para aqueles
pacientes incuráveis – paradoxalmente criou cenários em que há um
verdadeiro encarniçamento terapêutico, posto que permite ao médico
manter vivo o paciente por mais tempo procedendo com ações
heroicas na tentativa de lhe dar o máximo de vida possível.”

A permissão para a inovação em matéria de tratamentos clínicos


demonstra, por óbvio, uma abertura ao avanço das novas tecnologias,
um caminhar significativo da ciência em prol do indivíduo. No
entanto, em contrapartida, está a ganância médica em desenvolver
novas técnicas, muitas vezes, para fins de experimentação, sem
qualquer perspectiva plausível de um resultado benéfico, acabando
por prolongar o sofrimento dos pacientes.

Almejando fomentar o combate à disseminação da conduta de


distanásia, Sertã (2005, p. 34) traz que o próprio teólogo e grande
estudioso da área, Léo Pessini, entende que:

“No curso de uma doença que não pode ser curada, e quando a morte
esta próxima e é inevitável, existem situações em que prolongar a
vida não é aconselhável. Prolongar a vida a todo o custo pode ser
desumano para os pacientes. Isso tem sido reconhecido desde a
introdução da terapia intensiva na segunda metade do século XX. [...]
Se um tratamento torna-se não-razoável, não significa que todo o
tratamento vá ser interrompido. Significa uma mudança de objetivos
de tratamento. Neste ponto quando uma terapia é interrompida, os
objetivos do tratamento devem ser definidos novamente. Manter a
vida não é mais o objetivo principal, o alívio e os cuidados humanos
passam a ser as preocupações exclusivas”.

Desse modo, à luz dos princípios constitucionais e bioéticos,


respeitadas a dignidade da pessoa humana e a autonomia do paciente,
deve-se buscar por medidas terapêuticas até que se entenda
necessário e eficaz para a melhora do enfermo. A partir do momento
em que o sujeito já não responde de forma positiva a nenhum dos
tratamentos que lhe são ministrados, deve haver uma mudança de
enfoque nesse processo, não mais se buscando a cura da patologia,
mas a amenização de seus sintomas. Assim, desenrola-se a conduta
compreendida por ortotanásia.

Tal prática, a ortotanásia, surgiu e teve sua primeira conceituação,


conforme refere Santoro (2010, p. 132):

“Atribui-se a origem da denominação ortotanásia ao professor Jaques


Roskam, da Universidade de Liege, Bélgica, que no primeiro
Congresso Internacional de Gerontologia, realizado em 1950, teria
concluído que entre encurtar a vida humana através da eutanásia e a
sua prolongação pela obstinação terapêutica existiria uma morte
correta, justa, isto é, aquela ocorrida no campo oportuno; por isso a
utilização dos termos gregos ‘orthos’ (correto) ‘thanatos’ (morte).”
Neste sentido, apresenta-se a ortotanásia como sendo plenamente
oposta às condutas de mistanásia, eutanásia e distanásia, uma vez que
preza pela dignidade do paciente, de modo a não o submeter a
nenhuma forma de tratamento degradante e pouco benéfica.
Conforme menciona ainda Santoro (2010, p. 133), “a ortotanásia,
assim, é o comportamento do médico que, frente a uma morte
iminente e inevitável, suspende a realização de atos para prolongar a
vida do paciente que o levariam a um tratamento inútil e a um
sofrimento desnecessário”.

Ademais, como já analisado anteriormente, o direito à dignidade do


paciente compreende, também, o direito que este tem de morrer com
dignidade, pois a vida não é um direito pelo qual se deve zelar até as
últimas consequências, abstraindo-se qualquer sofrimento.

Sobretudo, traz à baila Sertã (2005, p. 35), constituir-se a ortotanásia


sob o olhar de Léo Pessini: “um meio que permite ao doente que já
entrou na fase final de sua vida e aos que o cercam enfrentarem a
morte com certa tranquilidade, porque, nesta perspectiva a morte não
é uma doença a curar, mas sim algo que faz parte da vida”.

Ademais, com a prática da ortotanásia permite-se chegar a várias


conclusões, conforme define Santoro (2010, p. 133):

“Reconhece-se, assim, a condição de que somos seres mortais.


Reconhece-se, também, que o conhecimento biomédico é limitado.
Reconhece-se, acima de tudo, que a função do médico é fazer o bem
ao seu paciente, ainda que este venha a falecer. Respeita-se, em
consequência, a dignidade da pessoa humana.”

Desse modo, consideradas as práticas de mistanásia, eutanásia,


distanásia e ortotanásia, pode-se perceber a importância com que
merece ser tratada a vida do paciente, a preservação de sua
dignidade, de sua autonomia, por meio de um tratamento médico
benéfico, não maléfico e justo. Para tanto, é necessária, pois, uma
legislação que assim defina tais pontos de vista, prioritariamente e
sem omissões. Neste intento, a Comissão de Juristas elaborou o
anteprojeto de Código Penal, que será analisado, sobretudo, no que
diz respeito ao modo com que tipifica especificamente tais
procedimentos.

3 Anteprojeto de código penal brasileiro e a tipificação da


distánásia: adequação ou retrocesso

Atualmente, não há que se tratar de matéria legislada especificamente


para o cometimento do crime de distanásia, tão pouco, existem
disposições concernentes à tipificação, ou não, da prática de
ortotanásia e mistanásia. As práticas de tais condutas não encontram
fulcro em nenhum dos artigos do atual Código Penal. Sendo assim, os
efeitos de tais condutas somente receberão tratamento se
demonstrado que, efetivamente, romperam com a esfera cível e/ou
penal, causando evidente prejuízo ao indivíduo.

Doutrinariamente, usou-se compreender que a prática da eutanásia


encontra-se inserida, analogicamente, no dispositivo que menciona o
crime de homicídio[7], pois restaria abarcado, neste mesmo artigo
121, em seu parágrafo primeiro do até então vigente Código Penal, o
cometimento de tal conduta ao fazer menção tal dispositivo, in legis:
“§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante
valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em
seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de
um sexto a um terço”. Evidencia-se, desse modo, a forma privilegiada
com que o legislador tratou os sujeitos ativos de tal crime,
conferindo-lhes abatimento significativo de pena.

É evidente que tal lacuna normativa acaba por gerar aplicações


subsidiárias de um tipo penal a outros que não lhe preenchem por
completo, não caracterizam seus requisitos de modo irrefutável. Tal
procedimento só é possível por ser admitida dentro do sistema
jurídico-normativo brasileiro a ideia de complementação dos espaços
da lei pelo uso da analogia. Salutar a referência que menciona Sertã
(2005, p.118) ao afirmar que constitui analogia “o processo lógico,
pelo qual o aplicador do direito estende o preceito legal aos casos não
diretamente compreendidos em seu dispositivo. Pesquisa a vontade
da lei, para levá-la as hipóteses que a literalidade de seu texto não
havia mencionado”.

É este, por ora, o tratamento normativo que se dá ao tipo penal que se


procura enquadrar os sujeitos que cometem os crimes de distanásia e
eutanásia. É por meio de uma análise subjetiva do dolo do sujeito que
se conclui pela tipificação de sua conduta, não há que se tratar de
elementos compositores de um tipo penal específico e próprio.

Conflitos de tal natureza, por toda essa falta de legislação específica,


são diluídos com base em preceitos estabelecidos pelo próprio
Conselho Federal de Medicina, aplicando-se, de maneira subsidiária, o
Código Penal, somente a título de maiores penalidades. Entrou em
vigor, em 13 de abril de 2010, o sexto Código de Ética Médica,
abarcando criteriosamente ao longo de seus 14 capítulos, deveres e
direitos de médicos, pacientes e envolvidos em meio a essa relação.
Vale destaque, os artigos presentes no Capítulo V – Relação com
Pacientes e Familiares, in verbis:

“Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de


seu representante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o
médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem
empreenderações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas,
levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou,
na sua impossibilidade, a de seu representante legal.

Art. 42. Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre


método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação,
segurança, reversibilidade e risco de cada método. (BRASIL, 2009).”

Tais dispositivos aludem a proibição quanto à prática de eutanásia –


art. 41 –, a permissão como um dever ao profissional da saúde, o
oferecimento de cuidados paliativos, a fim de não propagar em
demasiado o sofrimento do paciente, ou seja, a não proibição da
ortotanásia – parágrafo único -.

Já de maneira subsequente, vê-se que o art. 42 menciona a


importância de que acima de qualquer dever legal, que o médico
possua, esteja a autonomia da vontade do paciente, sendo-lhe
assegurado, sempre que possível, o direito de saber do seu
diagnóstico e de suas possibilidades de tratamento.

Afora disso, ainda é de extrema relevância a menção de tais


disposições legais do mesmo Código de Ética Médica referentes ao
Capítulo I, “Dos Princípios Fundamentais”:

“VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará


sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para
causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano
ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e
integridade.

XXI - No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com


seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará
as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos
diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas
ao caso e cientificamente reconhecidas.

XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico


evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos
desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os
cuidados paliativos apropriados. (BRASIL, 2009).”

Em princípio, o inciso VI, assim como o XXII, consagram diretamente


a ideia de proibição do emprego desmedido de tratamentos, se estes
causarem maior sofrimento ao paciente, do que propriamente
benefícios, vedada, assim, a prática de distanásia. Ainda menciona o
inciso XXII, quanto à legalidade da prática e a consonância do próprio
Conselho com relação à ortotanásia, quando não mais houver chances
reais para aquele paciente.

Vinculação direta do princípio da autonomia da vontade do paciente


com a ponderação que deverá fazer o médico ao atendê-lo, é o que
traz a plano o inciso XXI. Não cabendo, de tal modo, a indicação de
tratamentos não autorizados, ou aqueles que o paciente não tenha
indicação de uso.

No intento de salvaguardar tais disposições do Conselho Federal de


Medicina, transportando-as, é que surge o anteprojeto de novo Código
Penal[8], que objetiva, também, preencher os espaços da lei que o
vigente Código Penal, editado em 1940, já não consegue compreender.
Foi por meio do Senador Taques, por meio do Requerimento nº 756,
criada uma comissão de juristas para a elaboração de um novo Código
Penal, a qual foi instituída no Senado Federal no ano de 2011,
conforme publicado no Diário Oficial daquele órgão legislativo em 17
de junho do mesmo ano. (BRASIL, 2011).

Dentre as várias alterações trazidas em seu teor, referentes tanto à


parte geral quanto especial do vigente Código Penal, o anteprojeto,
altera por completo o disposto no artigo 122, que recebe a nova
redação, in legis:

“Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado


terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe
sofrimento físico insuportável em razão de doença grave: Pena –
prisão, de dois a quatro anos.

§ 1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do


caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição
do agente com a vítima.”

O próprio texto do anteprojeto traz comentários que justificam a


elaboração doas novos textos legais, para tal artigo, a Comissão de
Juristas (BRASIL, 2011) [9] define a referida conduta como sendo “o
crime da morte piedosa” e justifica sua elaboração de tal modo:

“O atual Código Penal se refere, de maneira cifrada, à eutanásia, ao


indicar a redução de pena em um terço, para o homicídio praticado
por “relevante valor moral”. Sem reduzir-se à eutanásia (tanto que a
locução está mantida na proposta da Comissão, no parágrafo 3º do
crime de homicídio), ela consistia numa das figuras mais lembradas
do privilégio. É escopo da proposta ora formulada, porém, chamar as
coisas, tanto quanto possível, pelo nome efetivo. Daí a previsão do
crime de eutanásia em artigo próprio, com pena de até quatro anos.
Não se discrepou, portanto, da solução encontrada na maior parte dos
ordenamentos jurídicos ocidentais: reconhecer que é crime, mas
merecedor de sanção distinta e mais branda do que a reservada ao
homicídio. Inovação de maior espectro é permitir o perdão judicial,
em face do parentesco e dos laços de afeição entre autor e vítima.
Saberá a prudência judicial sindicar quando a pena, nestes casos, a
exemplo do que pode ocorrer no homicídio culposo, é mesmo
necessária.”

A primeira vista a respeito de tais estipulações, parece ser própria tal


alteração, pelavista a necessidade de adequação do Direito, como
ciência jurídica e social que é às necessidades provenientes do clamor
dos fatos cotidianos. No entanto, já em uma primeira análise,
concentrando-se no caput e no parágrafo primeiro de tal dispositivo, é
possível que se verifique a insurgência de uma brecha em sua
legislação, quando esta é omissa frente à fundamental presença do
parecer médico de que o paciente esteja, de fato, em um quadro
terminal para tipificar especificamente o delito de eutanásia.

Com tal falta de esclarecimento, o profissional da saúde que


praticasse a citada conduta, mesmo que subjetivamente almejando a
morte do indivíduo por razões diversas da compaixão, não estaria
praticando crime de homicídio, mas poderia usar de tal artigo para
minorizar sua pena, uma vez que não há disposição que aufira ao
médico a comprovação de que o paciente já se enquadrava no rol dos
pacientes considerados terminais, acometidos por patologias
consideradas irreversíveis.

Ademais, já no parágrafo primeiro do artigo 122 do anteprojeto,


estipula-se sobre a legalidade da conduta de eutanásia quando
praticada por parente ou pessoa que mantivesse estreito laço afetivo
com o paciente, também não determinando, para tanto, qualquer
avaliação médica. Nesse sentido Reale Jr. (2013, s/p):

“Verifica-se, ao contrário do estatuído na maioria das legislações que


outorgam tratamento específico à eutanásia, que se pune, pelo projeto,
a eutanásia quando praticada por terceiro alheio à vítima com sanção
de pequena monta, ou seja, dois a quatro anos, mas sem se exigir que o
estado terminal seja atestado por diagnóstico médico.

De forma ainda grave, prevê-se uma isenção de pena na hipótese de


haver parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima,
podendo o parente ganhar a não aplicação de pena ao matar a vítima,
visando impedir continuidade de sofrimento de quem, sem atestado
médico, considera estar em estado terminal. Será uma garantia de
impunidade em casos onde a motivação do parente, autor da morte da
vítima, pode estar bem longe da comiseração, mesmo porque
dispensado o diagnóstico comprovador da situação terminal do parente
assassinado.”
Tal previsão feita com relação à possibilidade de isentar de pena os
parentes que mantiverem estreitos laços com a vítima acaba por
trazer à baila a possibilidade do instituto conhecido penalmente como
perdão judicial. Tal procedimento encontra-se dentre as causas de
exclusão da punibilidade do agente, elencadas no rol do artigo 107 do
vigente Código Penal, especificamente em seu inciso IX.

Abre-se, assim, a possibilidade de que o agente do delito, por meio,


mais uma vez de analogia, ignorando ter agido de forma dolosa,
objetivando o resultado morte, alegar enquadrar-se no disposto no
§5º do artigo 121, trazendo para sua prática de eutanásia, a tese de
que fora cometida por sentimento de compaixão devido ao seu
parentesco ou alegado laço afetivo com o paciente. Com isso, as
consequências podem fazer com que o agente seja

“afetado física (sofrer lesões graves, por exemplo, de difícil cura ou


tratamento, gerando dor e padecimento) ou moralmente (perda de
ente querido – como filho – produzindo trauma de natureza
psicológica). Ingressa, aí, a clemência do Estado. A pena, se aplicada,
não poderia ser mais severa do que já foi o próprio resultado
naturalístico decorrente da conduta culposamente praticada.”
(NUCCI, 2009, p. 628).

Diante de tal quadro, é possível verificar o quanto carece de


tipificação clara a eutanásia, o quanto podem ser incertas as
possibilidades de defesas de réus, muitas vezes, não carecedores de
isenção alguma de pena. Solução inicial para a melhor compreensão
do dispositivo seria uma previsão mínima de duas avaliações médicas
precedentes, que o paciente já pertencesse ao conjunto dos pacientes
terminais, para que, de fato, se configurasse o delito de eutanásia,
sendo irrelevante, como critério único, a vontade dos familiares do
paciente. Contudo, apesar de tal grandiosa falha do legislador, a
continuação do próprio artigo 122, em seu parágrafo, traz hipótese de
exclusão de ilicitude, qual a seja a prática de ortotanásia, quando
explicita:

“Exclusão de ilicitude

§ 2º Não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios


artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave
irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente
atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na
sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge,
companheiro ou irmão.”

Acerca de tal possibilidade de prática de ortotanásia, o legislador


consagrou a importância do atestado de dois médicos em relação ao
quadro do indivíduo, não havendo espaço para obscuridades. Ainda,
menciona o fundamental consentimento do próprio enfermo para que
siga ou interrompa qualquer tratamento, pois “o paciente tem o
direito de, após ter recebido a informação do médico e esclarecido as
perspectivas de terapia, decidir se vai se submeter ao tratamento ou,
tendo essa já se iniciado, se vai continuar com ele”. (SANTOS, 2001,
p. 294).

Sendo dessa maneira, é um somar de fatores que permite a realização


da conduta de ortotanásia. Necessária avaliação perita, feita por dois
profissionais da saúde, frente ao quadro clínico do indivíduo, a fim de
atestar que, de fato, não haja tratamento que reverta sua
enfermidade, sendo mais conveniente que seu tratamento seja
substituído por medidas meramente paliativas. Nota-se, contudo, a
irrefutável necessidade de que haja o consentimento do paciente se
ele encontrar-se capaz de expressá-la, e na falta de tal capacidade,
que o consentimento venha por meio de seus familiares próximos.

Menciona, sobretudo, a Comissão de Juristas, (BRASIL, 2012) ao


explicar tal previsão legal:

“Ortotanásia não é eutanásia. Prática médica aceita pelo Conselho


Federal de Medicina, a ortotanásia não implica na prática de atos
executórios de matar alguém, mas no reconhecimento de que a morte, a
velha senhora, já iniciou curso irrevogável. [...] Refrear artificialmente
o falecimento, nestes casos, é retirar da pessoa o direito de escolher o
local e o modo como pretende se despedir da vida e dos seus. Não há
espaço para o Direito Penal, nesta situação. Impede-o a dignidade da
pessoa humana, aqui num sentido despido da vulgarização que se dá a
este essencial conceito. Morrer dignamente é uma escolha
constitucionalmente válida. A proposta da Comissão é torná-la também
legalmente válida.”

Sob este olhar, a Comissão fez reiterar os princípios norteadores da


Constituição brasileira, aferindo a respeito da importância de se
prezar pela manutenção da dignidade da pessoa humana até mesmo
frente ao evento morte. Não restam, referente a tal parágrafo
específico, detalhamentos faltantes, há a necessária ratificação de um
comportamento já praticado usualmente, a adequação normativa à
realidade.

Possível averiguar, desse modo, a menção à conduta-crime de


eutanásia, bem como causa geradora de não aplicação de sua pena.
Também, em parágrafo subsequente, a possível causa de excludente
de ilicitude – a ortotanásia –, de modo a sacramentar a permissão de
sua prática, não adentrando ao mundo do direito como ato a ser
punível.
No que se refere à prática de distanásia, justamente por, assim como
a mistanásia, somente ser considerada típica se desrespeitar normas
cíveis ou penais, não recebe texto próprio que a descreva. Para a
configuração de tal conduta, é preciso apenas o agir desregrado do
profissional da saúde a fim de protelar a vida do paciente, não
intervindo em tal processo qualquer fator externo que seja de ordem
Estatal, política e social, restando, desse modo, caracterizada sua
distinção originária se comparada à mistanásia.

Sendo assim, justamente por advir de ato unilateral, a distanásia


acaba sendo penalmente individualizável, o que, sem dúvida, lhe
confere fácil análise particular, a fim de caracterizar em pormenores
seu desenrolar, podendo discriminar-lhe em ato normativo próprio.
Encontra-se, desse modo, uma omissão por parte do legislador
quando na elaboração do texto do anteprojeto de um novo Código
Penal, o qual não se ocupou em prever tipificação própria para a
prática mesquinha do encarniçamento terapêutico, que deveria ser
disposta em artigo singular, cominado com sua própria previsão de
regime e pena.

Diante de todo exposto, vê-se como útil e necessária uma adequação


de um direito penal tipificado à década de 40 às novas práticas
criminosas que se apresentam em pleno século XXI, porém há que se
sopesar quanto aos pormenores de um texto normativo que almeja
vigorar com supremacia de Código. De tal forma, ainda sequer
vigendo, o referido e tão esperado novo Código Penal já aspira ares de
que, uma vez aprovado, de pronto precisará de remendos.

Conclusão

Objetivando esclarecer de modo satisfatório aquilo que é mais


importante para a proposta do presente artigo, somente se arrazoou
sobre determinados pontos de específica relevância, certamente
restando muitos aspectos carecedores de explicação, sobretudo por se
tratar de tema que tramita no Congresso Nacional.

Neste sentido, ao início, procurou-se estabelecer o surgimento da


ciência denominada Bioética, seus conceitos divergentes, que
evoluíram com o transformar das realidades, bem como um de seus
ramos – o Biodireito –, que surge no intento de torná-la uma ciência
de efetiva aplicabilidade e coerção. Ademais, buscou-se evidenciar a
importância do respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana,
da garantida conferida ao bem da vida e, sobretudo, a relevância da
preservação do princípio bioético da autonomia da vontade do
paciente.

Sob tal enfoque que se desenvolveu reflexão acerca da nova redação


sugerida pelo anteprojeto de Código Penal para o texto do artigo 122.
Viu-se, desse modo, que, ao tipificar a eutanásia, permitiu o
legislador, devido à omissão de especificidades para sua configuração,
que sujeitos beneficiem-se de uma menor penalização ao abarcarem o
que, na verdade, seria prática de homicídio, a tal tipo penal.

Ainda, repensando-se acerca do texto legislado sugerido, indagou-se


do enquadramento que seria conferido à prática de distanásia,
acertando-se que, mais uma vez, omitiu-se a comissão de juristas não
disciplinando sobre tal conduta. Fixa-se entendimento de que deveria
haver tipo penal específico para tal crime, haja vista que se configura
de forma singular, apresentando características próprias, passíveis de
penalização individualizada.

Desse modo, em resposta ao problema suscitado, tem-se que a


aprovação do referido anteprojeto de Código Penal somente
acarretaria mais incertezas frente às práticas de manutenção e
abreviamento da vida humana. Ademais, para a efetiva evolução a
caminho da disseminação das novas realidades sociais, o texto do
mencionado anteprojeto deveria conter artigo específico para o
tratamento da conduta de distanásia, da qual se omitiu o legislador,
bem como a presença de mínimas duas avaliações médicas a fim de
restar comprovado o estado terminal do paciente para, assim,
configurar a prática do crime de eutanásia.

Neste sentido, somente observados tais fundamentais modificações


que se obteria um novo texto de lei adequado, ao menos no que diz
respeito ao tema em questão, às condutas de agressão à vida humana.
Ainda, com a observância de tais alterações, poder-se-ia evitar que os
agentes do crime de homicídio acabem sendo beneficiados pelo
abrandamento de pena que o enquadramento ao crime de eutanásia
provocaria.

Sendo assim, antes mesmo de ser aprovado, percebe-se que tal


anteprojeto de Código Penal já apresenta matérias passíveis de
indagações que merecem ser novamente analisadas e retificadas. Não
há que se tratar de falar adequação à realidade social, função típica
da ciência jurídica, se não houver correta correlação entre as
situações vivenciadas cotidianamente pelos indivíduos e as descritas
no sugerido texto de lei. Desse modo, uma vez sancionado o novo
Código Penal aparece, desde já, fadado a ser alvo de inúmeras
emendas.

Referências:
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2003.

Notas:
[1] Artigo realizado como requisito de obtenção parcial de avaliação
na disciplina de Trabalho Final de Graduação II do Curso de Direito do
Centro Universitário Franciscano – UNIFRA – sob a orientação da
prof. Ms Daniela Richter.
[2] dos conhecimentos científicos, da prática médica e das tecnologias
que lhes estão associadas, devem ser maximizados os efeitos
benéficos diretos e indiretos para os doentes, os participantes em
investigações e os outros envolvidos, e deve ser minimizado qualquer
efeito nocivo susceptível de afetar esses indivíduos. (UNESCO, 2006).
[3] II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano,
em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de
sua capacidade profissional.
IV - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético
da Medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da profissão.
(BRASIL, 2009).
[4] Com fulcro nos princípios bioéticos norteadores, foi aprovada pelo
Congresso dos Estados Unidos, sendo vigente a partir de 1° de
dezembro de 1991, a Lei intitulada The Patient Self-Determination Act
(PSDA) que reconheceu o direito das pessoas à tomada de decisões
referentes ao cuidado da saúde, aí incluídos os direitos de aceitação e
recusa do tratamento, e ao registro por escrito, mediante documento,
das mesmas opções, prevendo uma eventual futura incapacidade para
o livre exercício da própria vontade. De acordo com essa lei, os
hospitais e centros de saúde conveniados, públicos e particulares,
ficam obrigados a informar seus pacientes sobre estas possibilidades,
o que é feito oficialmente no momento de efetivar a admissão a um
hospital. Esta medida, por sua vez, exige o preparo dos profissionais
de saúde, para que possam orientar corretamente os pacientes. A lei
não específica, porém, a quem cabe este dever. O plano, visando a um
ótimo resultado, depende do Ministério da Saúde, obrigado a
desenvolver uma campanha nacional de educação coletiva sobre o
tema.
Dessa forma, é implícito que a PSDA visa garantir o direito do
paciente à autodeterminação e participação nas decisões relativas ao
cuidado da saúde, bem como estimular os pacientes a exigirem seus
direitos e formularem suas objeções de consciência no que diz
respeito à vida. Sugere-se aos pacientes, a partir da PSDA, que
formulem ordens antecipadas – advance directives – (DA), prevendo
uma possível situação de inaptidão para o exercício dos próprios
direitos, garantindo, de tal modo, o respeito às convicções do
paciente. (CLOTED, 2013, s/p).
[5] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, [...]. (BRASIL, 1988).
[6] O procedimento de Eutanásia na Alemanha aplicava-se desde o
colapso da Segunda Guerra Mundial, não havia meios nem vontade
política para estabelecer critérios que permitissem identificar e
classificar os graus de deficiência. Os deficientes internados em
hospitais não recebiam o mesmo tratamento nem eram avaliados da
mesma forma que os deficientes que viviam com suas famílias. Os
deficientes que viviam internados em hospitais constituíam o alvo
principal do programa de eutanásia. Eles custavam dinheiro para o
Estado. (MARTINS, 2005 p. 465/466).
Aduz Almeida, (2000, p. 155): O respeito à vida como bem
indisponível não recebe a mesma relevância em países como a
Holanda e a Finlândia, em que há uma espécie de cartão que serve
para que o sujeito declare sua vontade, para que, em caso de perda de
sua capacidade possa, se assim desejar, ser paciente da prática da
eutanásia.
Enquanto que, na Bélgica, foi, em 28 de maio do ano de 2002,
promulgada pelo Parlamento a lei que autoriza a eutanásia, definida
como “o ato realizado por terceiros, que faz cessar intencionalmente a
vida de uma pessoa a pedido desta” (SANTORO, 2010 p. 122).
[7]Art. 121: Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte)
anos. (BRASIL, 2013.)
[8] Por meio do Requerimento nº. 756 adentra ao Senado Federal tal
proposta de um novo Código Penal, recebendo, pois, a denominação
PLS 236. Respeitando os limites do presente trabalho, atentar-se-á
para a nova redação sugerida para o artigo 122, que dispõe acerca do
crime de eutanásia. (BRASIL, 2013).
[9] O Projeto de Lei do Senado PLS 236/2012 (art. 374-RISF) - CTRCP
– Anteprojeto de Código Penal –, de 09 de julho de 2012, encontra-se
sobrestado para parecer final da Comissão, tendo como último ato o
encaminhamento do Of. n° 255/2013-SE/CEDCA/PR, encaminhando
manifestação do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do
Adolescente, em 05 de junho de 2013. (BRASIL, 2013).

Informações Sobre o Autor

Géssica Adriana Ehle

Advogada Pós-graduanda em Direito Constitucional

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