Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
EXPERIÊNCIAS
Maria da Assunção Calderano1 - UFJF/FORPE
Bárbara Pires2 - UFJF/SACI/ FORPE
Fabíola Carla Pretti3 - SEE/MG/FORPE
A docência é compreendida por nós como uma atividade intrinsecamente teórica e prática. As
concepções que a sustentam são traduzidas em ações cotidianas que, por sua vez, auxiliam o
fortalecimento de algumas abordagens teóricas ao mesmo tempo em que revelam a fragilidade
de outras. Dentro dos estudos e experiências práticas em torno da docência, compreendemos
como esse termo é diversificado e, por vezes, apresentado de modo contraditório. Este
trabalho, com base na concepção de docência compartilhada, aqui defendida, visa apresentar
um esboço teórico e prático dentro dessa perspectiva. Ilustra a materialidade dessa proposta
por meio de atividades desenvolvidas conjuntamente entre professores e gestores da Escola
Básica e da Universidade, acadêmicos da graduação, mestrado e doutorado. Ao relatar
algumas experiências nesse campo, pretendemos destacar fragilidades, desafios e
potencialidades de uma concepção que opera em processos de formação e trabalho docente.
Toma como base fundamental o conceito gramsciano de intelectual orgânico. A elevação
moral e intelectual é continuamente exercitada e sentida pelo coletivo que faz parte dessas
experiências. Para efeito da organização das ideias aqui apresentadas serão feitas,
inicialmente, considerações em torno de docência compartilhada com base na literatura
pertinente ao tema. As análises e reflexões aqui contidas são feitas a partir das contribuições
teóricas de Antônio Gramsci. Em seguida, serão relatadas duas experiências focalizando, cada
uma delas, um espaço de trabalho, a saber: a sala de aula em uma turma da Educação Básica;
o espaço de organização de uma atividade conjunta que congrega a Escola Básica e a
Universidade. Por fim, serão feitas considerações buscando evidenciar os pontos de
articulação entre as diferentes experiências ressaltando suas fragilidades e potencialidades
1
Professora Titular da Universidade Federal de Fora. Doutora em Sociologia com pós-doutorado em Educação.
Membro do corpo docente do Programa de Pós-graduação em Educação da UFJF. Coordenadora do FORPE. E-
mail: assuncao.calderano@gmail.com
2
Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Psicopedagoga e Especialista no Método Montessori. Professora dos anos iniciais da Escola Internacional Saci.
Membro do Grupo FORPE – Grupo de estudos e pesquisas: Formação de Professores e políticas educacionais,
registrado no CNPQ em 2003. E-mail: piresbarbara@hotmail.com
3
Psicopedagoga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialista em Educação
Básica/Supervisora Pedagógica na Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG). Pós-graduanda
em Neuropsicopedagogia Clínica e Reabilitação Cognitiva pela Faculdade Módulo Paulista. Membro do
FORPE. E-mail: fabiolapretti@gmail.com
ISSN 2176-1396
20628
Introdução
O dicionário indica que, compartilhar significa dividir; tomar partido em; fazer parte
de algo com alguém. E parece ser essa a ideia de muitos profissionais que usam o termo
“docência compartilhada” para referir-se a ações docentes descritas como uma forma de
divisão de tarefas e de responsabilidades.
Alguns trabalhos acadêmicos que focalizam estudos e/ou experiências em “docência
compartilhada” trazem tal perspectiva. É o caso de Ferraz (2008), Monteiro (2010), Farnocchi
(2013), Lemos (2014), Silveira (2014) e Traversini (2012). Nesses seis trabalhos – 5
dissertações e 1 artigo acadêmico, encontramos, de modo geral, a ideia da docência
compartilhada entendida como agrupamento de turmas com a divisão de trabalho entre dois
professores; trabalho compartilhado entre um professor generalista e um especialista visando
a inclusão social; atuação de dois professores em uma turma com “necessidades especiais”;
pedir ajuda ou fornecer ajuda em busca de soluções a partir da realização de tarefas conjuntas;
aprendizado de acadêmicos desenvolvido junto à professora auxiliar; projetos que visam
inserir alunos em turmas regulares com a atuação de mais de um professor.
Embora reconheçamos a importância de trabalhos dessa natureza, entendemos que o
conceito de docência compartilhada carrega em si um sentido que extrapola a divisão de
tarefas, a troca de experiências com seus pares ou a realização de um trabalho conjunto
planejado por outros.
20629
precisamos não somente trocar experiências com os pares, mas também mobilizar os
demais participantes do processo em questão. Compartilhar não é apenas dividir o
que já se possui ou se pensa. Tampouco se restringe a desenvolver com alguém o
que fora planejado por outros. Indo além de uma conotação de mero ajuste a algo
pré-estabelecido, para mim, compartilhar é escutar, examinar, ousar, imaginar, criar,
criticar, e, dentro das possibilidades (limites e potencialidades), desenhar
cooperativamente o caminho, a estrada, a rota e aonde se quer chegar. Compartilhar
é também realizar as ações decorrentes desse processo que se retroalimenta e se
fortalece, de forma colegiada (CALDERANO, 2016, p. 131).
4
Sobre Gramsci e seu conceito de intelectual orgânico, ver: GRAMSCI, 1974(a); 1974(b); 1980; 1985; 1986;
GRISONI & MAGGIORI, 1973, p. 328; CALDERANO, 1988, cap. II.
20630
Podemos afirmar que todos nós, um dia, estivemos no espaço físico denominado sala
de aula. Neste lugar vivenciamos muitas experiências, as quais se tornaram fundamentais para
o nosso desenvolvimento como seres humanos intelectual, social e cultural – embora nem
sempre favoráveis. Também podemos afirmar sobre as vivências desastrosas e frustrantes em
sala de aula, seja como aluno, seja como professor, cujos aprendizados vão depender de
condições objetivas e subjetivas e da capacidade de cada um de interpretá-las e superá-las.
Neste espaço percebemos a construção dos sentimentos, da afetividade, das emoções
e, por consequência, da aprendizagem. Pode se constituir um lugar propício ao conhecimento
emancipatório, às descobertas significativas, às mudanças do ser e do pensar, à medida em
que sejam criadas as condições para tal possibilidade – condições essas estruturais,
organizacionais e formativas. Nesse último aspecto, as concepções que alimentam as práticas
do professor são de fundamental importância. Suas características favorecem um determinado
tipo de impacto sobre o processo de ensinar e aprender. Compreendendo que as atividades
que se organizam em sala de aula constituem acontecimentos complexos definidos por
20631
5
Maria Montessori é mundialmente conhecida por ter criado o Método Montessori. Dentre suas formações
destaca-se a medicina e a pedagogia, que foram fundamentais para o desenvolvimento de sua obra. Em 1907
revolucionou o cenário educacional ao inaugurar a primeira Casa dei Bambini na cidade de Roma, com uma
proposta pedagógica voltada para a criança. A classe agrupada é um dos princípios de seu método, que tem como
principal característica reunir, em uma mesma sala de aula, crianças de três idades diferentes (de 0 a 3 anos, de 3
a 6 anos, de 6 a 9 anos etc.) baseados na concepção de desenvolvimento de Montessori.
20632
desenvolvimento de cada criança sem cometer o erro de rotular, ou até mesmo desacreditar
em seu potencial. Nessa perspectiva, o trabalho cooperativo é mais importante que as
hierarquias definidas. Os saberes individuais são respeitados, disseminados e ampliados.
Compartilhar significa ultrapassar as barreiras das dificuldades e desafios cotidianos e passa a
constituir uma necessidade, quando se percebe que o processo educacional é mais amplo que
a soma de individualidades e que o saber se torna mais significativo quando se alarga as
fronteiras das especialidades reduzidas.
Essa experiência se tornou possível e real, em grande parte, devido à formação
continuada. A professora proponente da “quebra de parede”, por meio dos seus estudos de
mestrado, teve acesso a novos e diferentes caminhos para a educação, e em especial, teve
contato e dedicou-se ao conceito de “docência compartilhada”6.
Ao vivenciar todos os dias esse trabalho, a docência compartilhada emergiu como uma
possibilidade de aprender continuamente, tanto com os pares quanto com os demais
participantes do processo educacional – no caso, os professores e os alunos. Ao conviver, no
dia a dia, com essa oportunidade de atuar em sala de aula por meio das construções conjuntas
de saberes e práticas, torna-se possível, cotidianamente compartilhar, não somente o trabalho
docente, mas, também, o processo de formação. A concepção centra-se no movimento de
parceria, de orientação e aprendizagens simultâneas, envolvendo alunos e professores.
Romper as barreiras impostas pela tradição e reconfigurar um espaço que, há muito
tempo, mantém regras tão rígidas foi desafiador. Isso significou fazer história, ou seja,
implicou em modificar as estruturas demarcadas e ressignificar o espaço sala de aula.
6
CALDERANO, 2016, p. 131.
20633
satisfação dos professores da escola básica diante de um programa com o qual não estão
habituados. Salienta-se ainda o entendimento de que tais iniciativas, além da criação de um
espaço para uma docência compartilhada, construída coletivamente, apresentam-se como um
mecanismo de incentivo real – materializado - para que isso ocorra e se expanda, numa
manifestação explícita de respeito profissional pelo docente.
Ao olhar para o movimento surgido a partir dessa vontade coletiva e pela qual tantas e
tão diversificadas contribuições já se passaram; ao apreciar o resultado material das propostas,
repletas de êxitos e falhas de percurso – erros construtivos inerentes a um saudável processo
em crescimento - percebemos que atividades dessa natureza, constituem-se em uma prova de
nossa capacidade de caminhar rumo à uma docência realmente compartilhada. Além disso,
representa uma conquista incomensurável para todos os que dela participam. Tomara que
sem voltas!
Considerações finais
escolas estão por vezes tão próximas, que provocam um efeito de cegueira. Só é
possível sair da penumbra através de uma reflexão coletiva e informada.
REFERÊNCIAS
CANARIO, Rui. O que é a Escola? Um olhar sociológico. Editora: Porto Editora. Porto:
Portugal, 2005.
CUNHA, Simone e SORANO, Vitor. É verdade que Fernando Pessoa... Verdades e Mitos
sobre o escritor português. Revista Superinteressante. [on-line]. Publicado em 29 de agosto
de 2010. Disponível em: <http://super.abril.com.br/cultura/e-verdade-que-fernando-pessoa/>
Acesso em 20/05/2017.
FERRAZ, Marco Aurélio Freire. Rompendo silêncios: alunos com necessidades especiais
narram histórias de inclusão. Porto Alegre, UFRGS. 100 f mais anexos. Mestrado em
Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Lume Repositório Digital. Porto Alegre, 2008.
GRISONI, Dominique & MAGGIORI, Robert. Ler Gramsci. (Tradução de João Fonseca
Amaral). Lisboa: Iniciativas Culturais, 1973.