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NO BRASIL
BRIEF MUSINGS ON SOCIAL DEVELOPMENT IN BRAZIL
DOI: 10.25110/akropolis.v25i1.6673
cas preexistentes e as emergentes não era pas- diz respeito à determinada sociabilidade como
sível de conciliação e tendia à substituição das suposta continuação da sociedade portuguesa,
velhas formas de produzir encetada por estas por exemplo; a modelos etapistas e pré-estabe-
mesmas, isto é, lecidos de interpretação histórica, como a tese
do feudalismo no Brasil; ou mesmo a uma de-
…ao provocar a eclosão de um mercado pro- terminação econômica que implica entender o
priamente capitalista, embora com formas país como capitalista desde o início, sem pro-
e funções limitadas, a mudança de relação blematizar suas mediações políticas e culturais.
com o mercado mundial forçou a ordem so- O ponto chave identificado por Florestan é o
cial escravocrata e senhorial a alimentar um
“… padrão de civilização dominante a partir da
tipo de crescimento econômico que trans-
cendia e negava as estruturas econômicas transformação estrutural das formas econômi-
preexistentes. (FERNANDES, 2006, pp.210). cas, sociais e políticas fundamentais” (SOUZA,
2003, p.130). Este padrão de civilização domi-
Ou seja, dialeticamente pensadas, as nante de que trata Souza, é uma sociabilidade
estruturas econômicas preexistentes continham que emerge da imposição da ordem competiti-
em si o germe da própria a negação na medi- va, adequando saberes e fazeres às necessida-
da em que eram constrangidas a integrarem, a des destas, dito de outro modo, é um conjunto
partir de dentro, o mercado capitalista. A subs- de valores, “ideias” que legitimam as práticas e
tituição não se deu, porém, como superação. permitem seu desenvolvimento. É justamente
Deu-se como continuidade, mantendo o “… pri- esta articulação deficitária ou inexistente entre
mado das formas econômicas “arcaicas” na de- a implantação e consolidação no capitalismo no
terminação do padrão de equilíbrio dinâmico de país e o funcionamento das práticas institucio-
todo sistema econômico” (FERNANDES, 2006, nais aqui consolidadas e reproduzidas que vão
p.212). criar uma ordem social competitiva disfuncional
Portanto, ocorre um processo moderni- ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil.
zador, gradual e conciliador entre os setores da É este “déficit de articulação”, como ob-
burguesia. À ordem capitalista ocorre apenas serva Souza (2003, p.132), que vai fazer com
um ajustamento parcial, e não transformações que o liberalismo, como “gramática mínima”
profundas em que o liberalismo e o capitalis- (SOUZA, 2003, p.134), não tenha produzido
mo se impusessem de forma plena, racional, efeitos práticos, isto é, o ideário burguês (em
e racionalizasse as relações sociais no país. A seus pressupostos racionalizadores e seculari-
ruptura que ocorre com o início da república foi zadores) não encontrou aqui ambiente favorável
apenas uma necessidade de compatibilizar a or- para sua difusão plena, e a parcialidade deste
dem antiga à nova, não foi social e política, e, ideário fez com que elementos estamentais e
portanto, não alterou profundamente as relações modernizantes coexistissem. Se fosse apenas
de trabalho como seria necessário, e o trabalho um dado ideológico não teria importância, mas
livre não rompe, mas se torna um derivado do implicava naquilo que se pretendia para o país
trabalho escravo. Disto decorre que não há con- enquanto sociedade; implicava, portanto, em
comitância do trabalho livre como mercadoria e seus determinantes políticos, culturais, econô-
fator construtivo (FERNANDES, 2006, p.230), micos e sociais.
ou seja, o trabalho livre não se torna o impulso Diferente de Sérgio Buarque, Florestan
para uma sociedade competitiva e nem propor- vai ver o liberalismo como tendo um papel pro-
ciona o surgimento de uma classe trabalhadora dutivo no Brasil, não se tratando, pois, de uma
emancipada, solidária e com consciência de si. “ideia fora do lugar” (REIS, 2007, p.222). Porém
Produziu sim uma elite conservadora, autocráti- ele também não foi suficiente para o desenvol-
ca e com privilégios que para serem mantidos, vimento de uma política liberal, pelo contrário,
excluíam a parcela da população que estava na o caráter autocrático se somou ao liberalismo
base da pirâmide social, de uma participação econômico para modernizar o capitalismo pelo
protagonista na ordem social competitiva. alto, excluindo do processo a maior parte da po-
Souza (2003, p.130) identifica na Revo- pulação. Aqui, a transição para a ordem burgue-
lução Burguesa de Florestan Fernandes o pon- sa não considerou o desenvolvimento da nação
to chave para a compreensão da implantação e como um todo, mas apenas a classe dominante,
consolidação do capitalismo no Brasil. Esse não portanto:
Foi um desenvolvimento capitalista débil e das de uma ordem competitiva que se formou
oscilante, insuficiente para a universalização num contexto capitalista periférico e dependen-
do trabalho livre, a integração nacional do te – são passíveis, no nosso entendimento, de
mercado interno e das relações de produção dialogarem com o debate político recente e as
capitalista e a industrialização autônoma. O
agendas em disputa daquilo que se pretende ser
desenvolvimento ocorreu com dependência,
sempre reposta de forma renovada e revigo-
o projeto de nação brasileira: neoliberal e neode-
rada. (REIS, 2007, p.233). senvolvimentista.
É importante lembrar duas coisas: i) para
O principal corolário deste processo que critérios analíticos essas nomenclaturas são
limitou o desenvolvimento brasileiro foi a repro- úteis, mas a relação destas com a realidade por
dução continuada de uma parcela importante vezes se confunde e extrapolam as fronteiras
da população alijada dos direitos de cidadania de partidos e governos e inclusive das próprias
e da participação na ordem social competiti- agendas, não se tratando de “tipos puros”; e ii)
va (de forma não precária), e de outra parcela, por isso mesmo o cotejo das agendas como res-
esta pequena, que detinha e concentrava poder posta às questões estruturais que estão além
econômico, político e cultural e, por isso mes- dos anseios político-ideológicos é cada vez mais
mo, possuía um capital social que lhe permitia comum, ressalva feita que o “sacrifício” das polí-
um “status” diferenciado. Implica em dizer que ticas sociais – em detrimento da austeridade fis-
o principal corolário para a sociedade brasileira cal – responde melhor ao mercado, nesse senti-
foi, e continua sendo, uma abissal desigualdade do é como se estas em si fossem um “sacrifício”
e concentração de renda. para o país. No entanto, e em linhas gerais, no
Baseado na reflexão até aqui desenvol- que se refere ao Brasil dos últimos 24 anos, é
vida sobre a especificidade da sociedade e dos possível aproximar discursos e projetos a uma
problemas brasileiros, pretendemos realizar al- destas duas agendas.
gumas considerações sobre este tema no deba- Do ponto de vista econômico a diver-
te político recente. gência entre as agendas é maior, sobretudo, no
que diz respeito aos impactos potenciais aos
A INFLUÊNCIA DAS TEORIAS SOBRE A beneficiários das políticas distributivas e redis-
FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA NO DE- tributivas e a atenção dada estrutura produtiva
BATE POLÍTICO CONTEMPORÂNEO interna (MORAES E SAAD-FILHO, 2011, p.508).
Portanto, crises e crescimentos dependem me-
Algumas das ideias dos autores que fo- nos da política econômica interna e mais das
ram até aqui objeto de reflexão – Caio Prado Jr. condições externas, mas o direcionamento da
e sua compreensão do sentido da colonização política interna, ao enfrentar crises ou gerir as
como uma economia orientada para o merca- benesses do crescimento, dá o tom do potencial
do externo; Celso Furtado, aproximando-se da nível de desenvolvimento do país. O receituário
compreensão de Caio Prado, argumentando so- macroeconômico baseado no paradigma neoli-
bre os determinantes que limitavam o desenvol- beral, posto em prática governo Fernando Hen-
vimento de um mercado interno forte no Brasil; rique Cardoso (doravante governo FHC) não foi
Gilberto Freyre e a identificação das relações alterado no governo Lula (BRESSER-PEREIRA,
sociais que possibilitaram a colonização e mais 2006; 2013). Segundo Bresser-Pereira (2013, p.
tarde estariam presentes no debate sobre a mo- 9) o tripé macroeconômico (superavit primário,
dernização do Brasil, isto é, a família patriarcal câmbio flutuante e meta de inflação) na sua ver-
portuguesa, a plasticidade do povo que aqui se tente ortodoxa, neoliberal,
formou e a necessidade de um “equilíbrio” dos
antagonismos entre a antiga e nova ordem; Sér- … é constituído por estes três conceitos ge-
néricos que, afinal, resultam em dois parâ-
gio Buarque de Holanda e o patrimonialismo
metros e um único objetivo que interessam a
derivado dos determinantes antes identificados
uma coalizão política neoliberal formada por
por Freyre, e seus corolários numa ordem típica capitalistas rentistas e financistas. Os dois
idealmente “impessoal”; Florestan Fernandes e parâmetros são uma taxa de juros a mais alta
os limites e potencialidades da revolução bur- possível e uma taxa de inflação a mais baixa
guesa no Brasil e principalmente, as extremas possível; o objetivo final é uma taxa de juros
desigualdade e concentração de renda advin- real elevada que remunere os capitalistas
p.127) é dirigida não mais ao chamado período pública e privada; a necessária impessoalidade
“populista”, mas ao atual (do texto), que implici- no tratamento das instituições; e que, por fim,
tamente nos textos do autor pode ser entendido acabam legitimando discursos ora conservado-
como “neopopulista. A receita para alcançar o res, ora progressistas e ora reacionários.
pretendido, neste contexto, pareceu ser menos A demonização do Estado caminha junto
investimento social como forma de objetivação com a reificação do mercado como o espaço ra-
da austeridade fiscal, e privatização de setores cional por excelência. Daí a noção de que tudo
estratégicos (e potencialmente rentáveis) para que é privado é mais eficiente, mesmo aqui-
sinalizar positivamente ao capital internacional. lo que não deveria ser cambiável como saúde
O capitalismo dependente foi assumido como e educação, por exemplo. Por essa perspecti-
estratégia de desenvolvimento e não houve va, quanto mais enxuto o Estado, melhor, pois
nada que indicasse a superação do modelo, ao este será o ensejo de que os indivíduos preci-
contrário, um aprofundamento da dependência sam para potencializar a sociedade civil, além
(via submissão ao capital financeiro externo) em do que, a inépcia dos funcionários públicos e a
detrimento daqueles que sustentam o modelo: corrupção seriam problemas menores.
os mais pobres.
A questão da pobreza e da desigualdade O Estado é sempre suspeito de “politicagem”
também é bastante importante nas abordagens e de “aparelhamento” por indicações políti-
neodesenvolvimentista e neoliberal. Em matéria cas e o mercado é definido como instância
publicada no Jornal do Brasil5, Fernando Henri- “técnica”, ou seja, reflexo da “racionalidade
pura” e do “cálculo técnico”. Um é a esfera do
que Cardoso, aproximando-se do fim de seu go-
“privilégio inconfessável” e o outro o reflexo
verno, em 2001, afirmou que em países em de- da “razão técnica” supostamente no interes-
senvolvimento como o Brasil, a questão chave se de todos. É isso que explica o foco cons-
não é a concentração de renda e sim a diminui- tante e diário na “corrupção política” como a
ção da pobreza. Porém, minimizar a concentra- lembrar ao público onde está o mal e onde
ção de renda e, por conseguinte a desigualda- está o bem. Como tudo no mundo social,
de, não faz com que a redução da pobreza seja essa é uma realidade “construída”, fruto de
mais importante. Os argumentos de Fernando uma leitura interessada do mundo. (SOUZA,
Henrique e outros neoliberais na referida maté- 2009).
ria se aproximam aos de Gustavo Franco: i) a
necessidade da austeridade fiscal como forma No que se basearia esta “leitura interes-
de evitar déficit e, consequentemente, o finan- sada do mundo”? Principalmente, na manuten-
ciamento deste; ii) a distribuição de renda de- ção de privilégios de classe e na necessidade
mandaria tributação do capital que nestas condi- de tornar secundárias as abissais desigualdades
ções “fugiria”; e o mais mafioso dos argumentos: sociais e a concentração de renda. Quando se
iii) aumentar os impostos dos bens de consumo ameaça tocar nestas questões, ainda que, no
dos ricos gera desemprego que prejudica os nosso entendimento, de forma tímida, o sinal de
mais pobres. alerta toca e aqueles que negam a existência
Do ponto de vista do debate político, da luta de classes, mas lutam por privilégios de
até pela estreita relação com a esfera econômi- classe, esbravejam contra uma pretensa espé-
ca, pode-se também distinguir as agendas em cie de “populismo patrimonialista estatal”.
disputa. As questões que orientam os debates Fernando Henrique Cardoso em artigo
parecem ser as mesmas: gestão, corrupção, publicado no “O Globo” de 01/11/2009, intitula-
estabilidade, pobreza, desigualdade, sustentabi- do “Para onde Vamos?”, aponta para aquilo que
lidade, segurança, política externa e etc. O dife- no seu entendimento havia se transformado o
rencial está na ênfase e no direcionamento que Estado brasileiro no final do governo Lula. Não
cada tema ganha dependendo da perspectiva julgaremos o mérito dos governos em questão,
política em questão. nos interessa é que em seu discurso, Fernando
Não obstante, a matriz teórica de fundo Henrique reelabora a noção de “estamento bu-
deste debate é o tema do personalismo/patrimo- rocrático” ou “Estado patrimonialista”. Segundo
nialismo que remete a confusão entre as esferas ele, o estamento burocrático não diz respeito
mais ao antigo “autoritarismo militar”, mas a um
5
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/ “autoritarismo popular”. O que exatamente signi-
temporeal/gd111201.htm. Acessado em 11/10/2016.
fica isso não deixou claro, porém deu pistas do vezes, a verdadeira “alienação”, pois repete-se o
que queria dizer: discurso midiático/liberal sem uma reflexão mais
ampla.
Pouco a pouco, por trás do que podem pare- A percepção do Estado como o berço da
cer gestos isolados e nem tão graves assim, corrupção também se reproduz no debate polí-
o DNA do “autoritarismo popular” vai minan- tico, o que se esquece é que a corrupção parte
do o espírito da democracia constitucional. do mercado. A corrupção é um mecanismo que
Essa supõe regras, informação, participa-
empresas e grupos se utilizam para obter van-
ção, representação e deliberação conscien-
te. (CARDOSO, 2009). tagens no mercado competitivo. Uma das estra-
tégias é corromper agentes públicos, mas nem
Portanto, no “autoritarismo popular” que sempre. A corrupção é certamente um problema
caracterizava o governo Lula, não havia regras, bastante preocupante e em escala na socieda-
informação, participação, representação e deli- de brasileira; portanto, deve ser combatida, mas
beração. O povo “plástico”, “cordial”, “desinfor- não mitificada. Em artigo publicado no “Estado
mado”, sem capacidade crítica e prospectiva, de São Paulo” em 13/07/2008, o jornalista Pedro
aplaudia a baderna autoritária que seus repre- Dória, citando Bolívar Lamounier, vai afirmar que
sentantes diretos (sindicalistas, lideres de mo- o Estado Brasileiro é essencialmente corrupto
vimentos sociais, religiosos e etc.) exerciam no e, ao tratar do caso de corrupção envolvendo o
aparelho burocrático do Estado, e não davam empresário Daniel Dantas, argumenta que:
conta dos malefícios à nação. A situação concre-
O Brasil tem uma formação patrimonialista,
ta em que parte expressiva da população passa
ou seja, o Estado é o verdadeiro detentor da
a ter acesso a esta “nação” para poucos não é riqueza. Seu poder é avassalador. O emara-
levada em conta na medida em que ao reconhe- nhado jurídico é tal que se tornou impossível
cimento das próprias condições de vida, de sua manter uma empresa sempre em ordem. Daí
própria história, e a opção por um projeto mais a capacidade de pressão do governo ser de-
adequado a estas é atribuído um personalismo. vastadora. A influência do Estado em setores
Holston (2013), neste sentido, argumen- por natureza oligopólicos como telecomuni-
ta que na eleição de Lula em 2001, seus elei- cações, energia ou aviação é ainda maior.
tores reconheciam nele um projeto em comum; Desse jeito, um sujeito que tenha capacita-
uma história de vida ou mesmo uma perspecti- ção técnica e audácia, como Daniel Dantas,
precisa de contatos políticos para se susten-
va de mudança, e não o líder carismático com
tar empresarialmente. É evidente que o caso
poderes “hipnóticos”, visão que parece comum dele, que dizem ter recorrido até a empre-
aos críticos de Lula e adeptos à vociferação do sas de espionagem, é extremado. Mas todo
populismo político. grande empresário brasileira precisa de uma
relação simbiótica com o governo. Porque a
…os residentes nas periferias com quem eu mão do governo está presente em tudo. (DÓ-
trabalho votaram em Lula não apenas para RIA, 2008).
exigir futuras mudanças, mas também para
reivindicar como emblematicamente sua Ou seja, por essa percepção o Estado
uma história de vida envolvendo tudo que já é um monstro centralizador que freia a capa-
havia mudado: uma história de industrializa-
cidade do mercado. Aos capitalistas, acuados,
ção, de migração urbana, de transformação
das cidades e de luta pela cidadania que re- só resta mecanismos informais de atuação para
fez o Brasil nos cinquenta anos. É uma his- liberarem seus ímpetos empreendedores: a cor-
tória que muitos desses votantes viveram e rupção; a sonegação; negociatas e etc. É como
que Lula personifica de forma carismática. se houvesse um constrangimento à corrupção,
(HOLSTON, 2013, p.24). portanto, o corruptor apenas age conforme as
regras do jogo. Não lhe resta alternativa diante
A argumentação de Holston nos leva do “Leviatã”, “popular”, acrescentaria Fernando
a refletir sobre a inversão da equação: não se Henrique.
trata de “desinformação”, “alienação”. Antes, é O debate, seja político, seja econômi-
o “desentranhamento” ou reconhecimento das co, é dominado pela relação Estado/mercado e
próprias condições de vida. Neste sentido, a cor- a “sociedade civil”, quando aparece é de forma
rupção como mote da questão é, na maioria das homogeneizada, abstrata; em vez de dividida
em classes. Quando se trata de uma classe de do per si; por sua natureza moral, que o torna
pobres, sem acesso ou com acesso precário ao abstrato e estéril6. Entendemos que o foco do
conhecimento, a inserção produtiva num merca- debate político e econômico deveria ser o apro-
do competitivo é problemática, dado que os es- fundamento de políticas que integrasse toda a
tímulos não são compatíveis com aquilo que se população na ordem competitiva, ampliando o
tem como mote atitudinal no capitalismo: visão acesso aos direitos. Demandaria, certamente,
prospectiva, valorização do conhecimento, pou- uma melhor distribuição da riqueza, principal-
pança, espírito empreendedor e etc. mente com a expansão de serviços que não
Isto se dá por diversas razões, dentre as deveriam ser objeto de troca monetária, e uma
quais que o peso do presente não permite que necessária desconcentração de renda, ou seja,
se projete um futuro muito diferente do que foi no demandaria o rompimento, ainda que parcial,
passado, isto é, o futuro já está sendo sacrifica- dos privilégios da menor parcela da população
do em função da necessidade do presente; disto do país que nunca esteve disposta a lidar com
decorre que o conhecimento não possui efeitos esta “chaga”.
práticos imediatos, portanto, não potencializa o
interesse e consequentemente a concentração CONSIDERAÇÕES FINAIS
para o mesmo. É claro que qualquer trabalho
exige concentração e conhecimento, mas aqui A sociedade brasileira tanto do ponto de
estamos falando de um conhecimento valoriza- vista teórico, quanto empírico, guarda ainda as-
do pelo mercado que permite melhores salários pectos que estiveram presentes em sua história.
e um trabalho menos braçal e mais salubre. A compreensão da história, da especificidade da
Tempo livre também é outra variável importan- sociedade brasileira e dos autores que a pensa-
te já que em geral e desde cedo, estes pobres ram, nos ajuda a entender o presente e podem
têm menos tempo livre para dedicarem-se ao indicar caminhos para superação de nossas ma-
conhecimento, por exemplo. O jovem pobre, di- zelas. Os autores supracitados que investigaram
ferente dos jovens de classe média, tem pouco a sociogênese destes processos, independente
tempo para estudar e, somando a isso a falta das virtudes e falhas em suas análises, deixa-
de estímulo, tende a reprodução do mesmo nível ram um legado reflexivo que, de forma direta ou
de vida dos pais. É esse aspecto, derivado da indireta, influenciam na forma como país pensa
obra de Florestan Fernandes, que Jessé Souza a si mesmo; como se identifica; e qual o poten-
(2009, p. 82) pertinentemente aponta: cial de desenvolvimento partindo daquilo que
somos.
…para que exista justiça social, as crianças Do ponto de vista econômico a questão
deveriam chegar à escola em condições se- chave parece ser qual o foco: um desenvolvi-
melhantes de competição. É essa “gênese mento que integre maior parcela da população
da desigualdade social” que nenhuma teoria ou que continue concentrando renda. O contex-
liberal alcança. Existe um verdadeiro abismo
to histórico nem sempre permite a realização
entre as crianças da classe média e da “ralé”
brasileira. Enquanto as primeiras chegam na plenitude das propostas econômicas, devido
à escola já tendo recebido dos pais todo o às pressões externas e internas e a correlação
estímulo, os melhores exemplos e a carga de forças dos agentes. De um ou outro modo, o
de motivação diária necessária para o difícil incremento de um mercado produtivo/consumi-
aprendizado que a disciplina escolar significa dor com parte da população que historicamente
para as crianças, as crianças da “ralé” che- sempre esteve a margem das benesses do cres-
gam completamente despreparadas para os cimento/desenvolvimento, faz com que a pers-
mesmos desafios. pectiva de uma sociedade mais igualitária seja
mais próxima a realidade.
O pressuposto das “condições seme- A perspectiva neoliberal tende ao econo-
lhantes de competição” é o acesso à “ordem so- micismo, e mesmo considerando que a justiça
cial competitiva”. Sem essa garantia inicial, de
que todas as pessoas tenham acesso à “ordem 6
Este debate tem uma relação mais estreita com a perspectiva
social competitiva”, ou seja, sejam “integradas à liberal/neoliberal. O novo/neodesenvolvimentismo também não
escapa de reproduzir esta ideia, porém não a enfatiza, além de
sociedade de classes”, o debate sobre o patri- considerar desigualdade e concentração de renda como proble-
monialismo/personalismo só pode ser justifica- mas relevantes.
social não seja algo fora do horizonte, a reifica- DEÁK, C. Acumulação entravada no Brasil
ção de um mercado que não abrange a todos e a crise dos anos de 1980. In: DEÁK, C.;
vai fatalmente relegar parte da população à SCHIFFER, S. R. (orgs.) O processo de
marginalidade. A perspectiva novo/neodesen- urbanização no Brasil. 2. ed. São Paulo:
volvimentista parece mais afeita as preocupa- EDUSP, 2010. pp.19-48.
ções com o mercado interno e a redução das
desigualdades, porém cedem a ortodoxia eco- DÓRIA, P. Admitamos: somos corruptos. O
nômica que impacta na condução das políticas Estado de São Paulo, São Paulo, 13 de julho
públicas internas, e esta parece ser a chave do de 2008. Aliás. Disponível em http://alias.
entendimento do bloqueio de um efetivo desen- estadao.com.br/noticias/geral,admitamos-
volvimento social no país: a contradição entre o somos-corruptos,205122. Acesso em
potencial produtivo da maior parte da população 15/10/2016.
e os interesses de uma minúscula parcela privi-
legiada. FERNANDES, F. A revolução burguesa no
Do ponto de vista político, este fato ten- Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 5.
de a ser secundarizado pela ênfase na estrutu- ed. São Paulo: Globo, 2006. 505p.
ra e funcionamento do Estado. As discussões
FRANCO, G. H. B. A inserção externa e o
sobre corrupção, segurança, eficácia da gestão
desenvolvimento. Revista de Economia
e etc. se sobrepõe àquelas de tratam das desi-
Política, vol. 18, n. 3 (71): 121-147, julho-
gualdades e concentração de renda. Inverte-se
setembro, 1998.
a prioridade para a manutenção dos privilégios.
Salientamos, portanto, para a importância de se
FREYRE, G. Casa-grande & Senzala:
compreender e analisar o Brasil de forma mais
formação da família brasileira sob o regime da
distanciada do senso comum reforçado pela mí-
economia patriarcal. 48. ed. São Paulo: Global,
dia e do debate político imediatista e pragmático;
2003. 719 p.
e mais aproximada (criticamente) daquilo que foi
esforço de interpretação dos grandes intérpretes ______. Sobrados e Mucambos. Edição
do Brasil. comemorativa 70 anos. São Paulo: Global,
2006. 1008 p.
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ABREU, M. A. A. Raymundo Faoro: Quando o Brasil. 34. ed. São Paulo: Companhia das
mais é menos. Perspectivas, São Paulo, v. 29, letras, 2007. 352 p.
p. 169-189, 2006.
______. Receita para o crescimento. Jornal
BASTOS, E. R. Raízes do Brasil – Sobrados da UNICAMP, Campinas, nº. 267, p. 3, 27 de
e mucambos: um diálogo. Perspectivas, São setembro a 3 de outubro de 2004. Entrevista
Paulo, v. 28, p.19-36, 2005. concedida a Álvaro Kassab.
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Holanda: A superação das raízes ibéricas. experimentando una profundización de posiciones en
el debate político sobre el modelo de desarrollo que
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se destina para el país: resumidamente un desarrollo
Varnhagen a FHC. 9. ed. Ampl. Rio de Janeiro, con inclusión social más efectiva u otro cuyo enfo-
Editora FGV, 2007. p.115-144. que es la seguridad y austeridad fiscal en detrimento
de las políticas sociales. El debate no es nuevo y se
______. Anos 1960: Caio Prado Jr.: A puede comparar con las interpretaciones de grandes
reconstrução crítica do sonho de emancipação pensadores brasileños. En breve reflexión que sigue
e autonomia nacional. In. REIS, J. C. As en el artículo, se discute sobre un tema importante,
identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. tema éste objeto de discusión por aquellos que in-
9ª ed. Ampl. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2007. terpretaron Brasil y todavía ejercen fuerte influencia
pp.173-202. en las agendas y en el discurso político y económico
actual, es decir, cuáles son los obstáculos para un
______. Anos 1960-70: Florestan Fernandes: efectivo desarrollo social en el país.
Os limites reais, históricos, à emancipação e Palabras Clave: Discurso político; Desigualdad;
Patrimonialismo.
à autonomia nacional: a dependência sempre
renovada e revigorada. In. REIS, J. C. As
identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC.
9ª ed. Ampl. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2007.
pp.203-234.