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Os que tanto me xingaram não sabem, imagino, que Marx acreditava em uma
sociedade cooperativa, livre de exploração e comandada pelo trabalhador. Marx nunca
falou na apropriação dos meios de produção pelo estado.
Marx não estava nem aí para o estado, e eu sei que isso choca muitos porque
aprendemos que era justamente o oposto, e eu acreditei no oposto por muitos anos, até
ir estudar a obra de Marx. Mas a verdade é que a história que nos contaram foi contada
por quem ou nunca leu O Capital ou tinha interesse em que a verdade não aparecesse.
Nessa de nição, feita em O Capital, não há nada sobre o papel do estado (embora haja
em Manifesto Comunista, um livreto que ele escreveu com Engels quando tinha 30 anos,
e a pedido de um grupo de trabalhadores. Ainda assim, sempre que Marx se refere ao
papel do Estado ele fala de um “estado” apropriado pelo trabalhador, nunca de um
estado centralizador e burocrático, como vimos na União Soviética, por exemplo).
Outros arranjos econômicos analisados por ele foram: o sistema que hoje seria o do
“pro ssional liberal”, o feudalismo, a escravidão e o capitalismo.
Essa é, portanto, uma relação exploratória que jamais evitará o con ito de classes.
Marx não acreditava nesse arranjo porque ele não acreditava que uma sociedade
pudesse alcançar o sonho de ser “livre, igualitária e fraterna” (o lema da Revolução
Francesa que tanto o inspirou) vivendo dentro de um sistema exploratório.
O que Marx diz é que apenas através do desenvolvimento do outro podemos nos
completar, e, como escreveu o professor inglês Terry Eagleton, ca difícil pensar em
uma ética mais re nada do que essa.
Marx não acreditava que o comunismo pudesse ser aplicado em uma sociedade
empobrecida, e por isso sabia que o capitalismo seria importante até um certo ponto
porque o capitalismo teria enorme capacidade de gerar riqueza – só que, ele previu,
uma hora já não seria capaz de distribuí-la (ele falou isso há 200 anos, e de fato
estamos começando a perceber como a análise foi adequada). Ele achava, portanto, que
o comunismo seria uma evolução do capitalismo, assim como o capitalismo foi do
feudalismo.
Não há como saber dessas coisas a não ser que leiamos a obra (e falo de O Capital, sua
obra mais completa e madura, a que ele precisou de uma vida para fazer, e não de
Manifesto Comunista. Uma pena que essa seja a única coisa dele que as pessoas leiam,
quando leem alguma coisa, porque na maioria das vezes a gente simplesmente
comenta Marx sem nunca ter lido uma linha sequer, como eu mesma fazia) e leiamos
também as análises de marxistas renomados.
A alternativa é acreditar em consensos fabricados que fazem com que achemos que
comunismo é o que Stalin e Mao zeram, ou mesmo o que fez Fidel, e saiamos por aí
gritando esse tipo de inverdade.
Mas claro que é mais fácil não pensar, não ler, não estudar e apenas julgar e condenar
aquilo que desconhecemos.
Uma das mensagens que recebi dizia que se eu era comunista não devia usar iphone. É
um nível de ignorância tão constrangedor quanto sair sem roupa na rua. O mesmo
constrangimento que deveríamos sentir quando alguém diz que o comunismo
assassinou milhões, ou que prega um estado forte.
Quem fala isso é a pessoa que imagina uma sociedade comunista na qual homens e
mulheres se vestem com macacões acinzentados, são vigiados pelo Estado,
subordinados a um poder central e andam cabisbaixos porque nada podem consumir
(uma triste descrição e que, ironicamente, hoje pode ser aplicada a economias
capitalistas).
No comunismo de Marx haveria a Apple, a única diferença é que ela seria dos
trabalhadores e não de um CEO e de um corpo de 20 diretores que tudo decidem e que
repartem o lucro entre si.
E se o comunismo nunca foi de fato colocado em prática ele não pode ter assassinado
milhões. Chamar psicopatas como Mao e Stalin de comunistas que usaram a cartilha de
Marx é falta de conhecimento.
Quantos morrem ainda hoje de fome na África? Quantos morrem sendo usados como
escravos por mega-corporações? Quantos já morreram pelas mais variadas crises
ambientais provocadas pela poluição gerada pela fúria do lucro rápido em detrimento
da saúde do planeta? Quantos morrem nas águas do Mediterrâneo tentando escapar da
devastação que a exploração capitalista deixou em suas pátrias? E quantos já morreram
até hoje? Todos esses, assassinados pelo neoliberalismo.
Marx tinha a “igualdade” como um valor burguês (e qualquer um que já tenha ido a
uma festa de ricos sabe exatamente que ele está certo). O que ele defendia era a
liberdade, a auto-determinação e o auto-desenvolvimento.
Igualdade para o comunismo (e para o socialismo) não signi ca que todos sejamos
iguais. Igualdade para o comunismo signi ca que todos sejam igualmente atendidos
em relação às nossas diferentes necessidades.
Justamente porque o comunismo acredita que cada um de nós deve ser usado como m
e não como meio, e que portanto deve ser encorajado a desenvolver um talento
especí co, trata-se de um sistema que prevê uma sociedade mais diversi cada e
difusa.
Se isso um dia vai funcionar? Eu quero acreditar que sim, seria lindo e humanitário.
Mas é preciso que entendamos que ainda não foi testado em uma nação.
Pode ser que não funcione, claro, e se não funcionar é pelo menos importante saber o
que disse Marx, e o que exatamente é o comunismo em vez de sair por aí des lando
empavonadamente tanta falta de conhecimento.
Outra coisa importante é não odiar alguém simplesmente porque essa pessoa não
pensa exatamente como você. Debater idéias é rico porque nos faz sair do lugar e
pensar; debater pessoas é pobre porque paralisa.
Mas eu vou dizer por que acredito que os trabalhadores se apropriarem dos meios de
produção – o que Marx gostaria de ver – pode dar certo: porque existe um lugar onde
ele deu.
Divirtam-se, Camaradas.
Tags: Marx
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