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MOVIMENTO DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS NO RIO GRANDE DO

SUL, BRASIL: VITÓRIAS HISTÓRICAS E LIMITES ATUAIS


Augusta da Silveira de Oliveira1

Resumo: O presente trabalho busca tratar do movimento de travestis e transexuais no Rio Grande do
Sul, Brasil. Inicialmente marcada pela violência policial e associada à prostituição e DSTs/AIDS, a
organização da população travesti e transexual ao longo dos anos 2000 passa de uma luta por
melhores condições de vida (e mesmo possibilidade de sobrevivência) para ações que visam o
reconhecimento de identidades, acesso a direitos e a serviços de saúde. É através de ações de
prevenção a AIDS e do contato com a população travesti e transexual em situação de risco que se
constitui uma rede de amparo composta pelo Estado (Ministério da Saúde), ONGs e movimentos
sociais. Atualmente, enquanto ocorrem avanços em relação aos direitos adquiridos, como a cirurgia
de redesignação genital, troca de nome e gênero no registro civil, o Brasil é o país que mais mata
travestis e transexuais, cuja expectativa de vida é 35 anos e das quais 90% vivem da prostituição.
Nesse sentido, é central voltar e buscar as vitórias históricas, as conquistas individuais e as trajetórias
que marcaram, no Rio Grande do Sul, a construção de um movimento travesti e transexual. Através
de relatos orais e de documentação institucional, o objetivo é refletir sobre as condições de
emergência do movimento e do papel das trajetórias individuais e lideranças para o sucesso das ações.
Palavras-chave: Movimentos sociais. Travestis e Transexuais. História.

Introdução

Esse trabalho pretende falar do movimento de travestis e transexuais no Rio Grande do Sul
entre os anos de 1989 e 2010, pensando nos avanços históricos e na situação atual do movimento,
considerando o cenário nacional. Dentro desse tema, os objetivos são analisar as condições de
emergência que possibilitaram o surgimento de um movimento autônomo de travestis e transexuais
no Rio Grande do Sul e sua organização formal, bem como compreender o papel das trajetórias
individuais e das identidades para a construção do movimento. Além disso, analisar o papel das
lideranças dentro do movimento para o desenvolvimento e sucesso de ações é fundamental para
pensarmos o estado atual dos movimentos sociais e as conquistas que marcaram o período estudado.
Em primeiro lugar, precisamos especificar de quem falamos quando falamos de travestis e
transexuais. No exterior, desde o fim dos anos 1990 e o início dos anos 2000 a definição política
“transgênero/transgender” é a mais utilizada para identificar as pessoas que não conformam com o
gênero com o qual foram designadas ao nascer, tanto homens quanto mulheres. Na América Latina,

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Mestranda em História com bolsa do CNPq na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil.

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a existência da categoria “travesti”, de mulheres que foram designadas como homens ao nascer e
desejam, ao longo da vida, viver e serem reconhecidas como mulheres porém sem fazer a cirurgia de
redesignação genital2. historicamente associadas à prostituição, AIDS e o crime, exige que diferencie-
mos as travestis das transexuais, mulheres que desejam fazer a cirurgia de redesignação (ou de con-
firmação de gênero, como também é chamada fora do Brasil). Tanto mulheres travestis como mul-
heres transexuais se enquadram na categoria transgênero, também válida para homens trans.
Para pensar teoricamente a questão travesti e trans, a ideia é problematizarmos a política de
identidade característica dos movimentos sociais LGBT nas décadas de 1980 e 1990, que essencializa
e cria o “sujeito homossexual”, com uma identidade fixa e positivada através de “bons exemplos”
que definissem a minoria representável. Assim, ser gay ou lésbica era pertencer a um gueto, ser igual
porém diferente, afirmando uma identidade (Louro, 2001). Assim, cria-se a idéia do “bom gay”, com
família, comportamentos moralmente aceitos, mas que não deixam de ser excludentes e normatiza-
dores, pois “prescrevem” a correta maneira de ser e apresentar-se enquanto homossexual. Em com-
pensação, às travestis e transexuais por muitos anos ainda foi reservada a perseguição policial e o
estigma da prostituição, denotando os limites dessa tentativa de visibilidade positiva e concepção de
“identidade homossexual unificada”.
Repensar essa lógica só foi possível a partir da epidemia de AIDS no Brasil e no restante do
mundo, colocando em xeque a suposta boa imagem adquirida pelos sujeitos no grupo das sexuali-
dades dissidentes, visto que a doença inicialmente nomeada de “peste gay” fez retroceder muitos
aspectos da imagem socialmente aceita que a homossexualidade tinha alcançado, trazendo à tona
conservadorismos e a homofobia antes mais aparentes na sociedade. É em resposta a essas limitações
da política de identidade e do reconhecimento do problema de fixar modelos essencialistas que surge
o queer enquanto possibilidade teórica pós-identitária.

A respeito da teoria queer, vale colocar em evidência sua proposta como teoria pós-identitária.
Surgida na década de 1990, a teoria queer vem para fazer frente à normalização e regulação dos
corpos e identidades. O queer busca marcar a diferença, transgredindo a proposta de qualquer política
assimilacionista ou de normatização. Michel Foucault e Jacques Derrida foram pilares na construção
dessa nova perspectiva, autores pós-estruturalistas que forneceram ferramentas para pensar os corpos
“fora da norma”.

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A cirurgia de redesignação genital compreende uma série de procedimentos tanto para mulheres ou homens transexuais.
No caso das mulheres trans, a vagina é construída a partir do pênis e para os homens trans, inclui a retirada das mamas,
do útero e dos ovários.

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Central para os estudos queer, Judith Butler pode contribuir para pensarmos as identidades e
gênero das travestis através da materialidade do corpo e da performatividade de gênero. Butler busca
refutar a idéia de um feminismo que busca um sujeito único e estável, e ao mesmo tempo fornece
possibilidades para pensarmos os sujeitos dos movimentos sociais. A autora considera as materiali-
dades, os “corpos que pesam”, para dizer que a própria matéria já contém noções de gênero e sexo,
jamais podendo ser neutro. O corpo, portanto, tanto produz significados sociais como também é
produzido por eles. A contribuição da definição de gênero para Butler nesse trabalho é a noção de
que a fabricação de gênero se dá a partir do corpo e de sua significação (Butler, 2015). Butler também
afirma que o efeito substantivo de gênero, sua existência na prática, é performativamente produzido
e imposto pelas práticas reguladoras da coerência de gênero (Butler, 2015, p. 56). Nesse sentido, a
teoria queer oferece a possibilidade de pensarmos nas identidades (ou na performatividade de gênero)
como processos (pois não são estáveis nem se encerram em si mesmos) complexos, diversos e não
estáveis, contribuindo para pensarmos a vivência travesti e transexual em sua diversidade.
O trabalho de Marcos Benedetti (2005), sobre corpo e gênero entre as travestis, nos ajuda a
compreender o processo de construção enquanto sujeito generificado, ou inteligível a partir de um
gênero. No caso das travestis, há um elemento material de construção que presume um tratamento
hormonal, muitas vezes significado como “veículo” para a feminilidade, alterações corporais
“necessárias” para atingir formas femininas e a apreensão de uma língua comum símbolo da resistên-
cia, o bate-bate/batebá/pajubá para, ao fim, adquirir a noção individual do fazer-se.
Fazer-se enquanto mulher, ser “toda feita”: peito, bunda, hormônio; uma idéia que dá a di-
mensão das possibilidades que envolvem a fabricação de gênero a partir desses elementos. Para Bene-
detti, “toda feita é a expressão que designa o resultado eficiente de todo o processo de transformação
e fabricação do corpo, e portanto do gênero, entre as travestis” (BENEDETTI, 2005, p. 86).

“Construindo a igualdade”

Assim, pensar essas identidades em sua multiplicidade, rejeitando um caráter fixo essencial-
ista ou inato é a porta de entrada para valorizarmos trajetórias que constituem o movimento ao longo
de sua existência, seja ele institucionalizado ou não. No Brasil, o movimento de travestis e transexuais
esteve ligado diretamente, como aponta Carvalho (2011), ao binômio violência policial/AIDS:
Assim, dois “modelos” se tornam hegemônicos na construção de organizações de travestis
no Brasil. Algumas surgem da auto-organização de travestis em resposta à violência policial
nos locais de prostituição, e outras a partir do investimento de ONGs do movimento
homossexual e ONGs-AIDS em projetos de prevenção junto à população de travestis
profissionais do sexo. (CARVALHO, 2011, p. 27)

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Historicamente associadas à prostituição e ao crime pela sociedade e, principalmente, pela
polícia, as travestis estiveram quase sempre marginalizadas e à mercê da violência policial que
reprime o trabalho sexual nas ruas. A primeira organização voltada para as demandas da população
travesti foi a ASTRAL (Associação das Travestis e Liberados do Rio de Janeiro), criada em 1992,
em resposta a violência policial em áreas de prostituição. No Rio Grande do Sul, a criação de uma
ONG voltada para a população travesti surgiu a partir do GAPA/RS (Grupo de Apoio à Prevenção
da AIDS) e das reuniões semanais do grupo de travestis que lá se encontrava. Foi através desse con-
tato entre travestis profissionais do sexo e outras que acessaram o serviço do GAPA que a Igualdade-
RS foi criada em 1999 (dez anos após a criação do GAPA/RS) tendo como presidente Cassandra
Fontoura e tesoureira Marcelly Malta, com o propósito de lutar contra a discriminação da população
travesti, prevenir o vírus HIV entre as travestis e buscar uma cidadania plena. A respeito do papel das
lideranças e os recursos que a possibilitaram, Carvalho e Carrara (2013) colocam:
Por outro lado, muitas organizações de travestis surgem, como vimos, a partir de contatos
estabelecidos em locais de prostituição. Várias das que hoje são lideranças do movimento de
travestis e transexuais já gozavam de legitimidade e confiança por parte de outras travestis,
antes mesmo de comporem algum tipo de organização formal. Essa posição de liderança se
constituiu em função do papel que elas assumiram em uma rede de apoio que as próprias
travestis formaram para lidar com problemas com a polícia, com acesso a serviços de saúde,
entre outros. (CARVALHO E CARRARA, 2013, p. 334)

Assim, também podemos pensar importância das lideranças para o sucesso do movimento, visto que
é notório que ser reconhecida implica em outras variáveis que “capacitam” a pessoa para essa posição.
No caso de Marcelly Malta, atual presidente da Igualdade, o trabalho na área da saúde como auxiliar
de enfermagem a fez ser reconhecida como referência quando outras travestis precisavam de medica-
mentos e atendimento médico.
Foi no GAPA/RS que muitas militantes tiveram o primeiro contato com o ativismo, por vezes
sendo capacitadas também como voluntárias para atuar na instituição (Seffner, 1995). No geral, e no
Rio Grande do Sul não foi diferente, as instituições voltadas para a população travesti e trans foram
fruto da mobilização das próprias beneficiadas, num cenário de um enfrentamento mais longo da
epidemia de AIDS no Brasil e um movimento homossexual já consolidado e se institucionalizando.
Como outras ONGs e Associações do tipo, ao longo de sua existência, a Igualdade se benefi-
ciou principalmente de fomentos a projetos ligados a DST-AIDS, bem como editais externos que
financiaram a produção de material informativo, possibilitaram ações em campo, lidando diretamente

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com a população travesti que se prostituía na rua, criando um canal de comunicação direto e um
serviço de assistência que era ponte entre órgãos de saúde, órgãos jurídicos e forças policiais, de
forma a melhorar o acesso dessa população aos serviços públicos, bem como diminuir a incidência
de violência policial decorrente da repressão a prostituição.
Aqui, é fundamental inserirmos a diferença entre travestis e transexuais. Até a década de
1960, “ter um travesti” ou “estar em travesti” era exclusivo das bichas. Para compreender “travesti”
como categoria identitária, é chave conhecer as transformações corporais e tecnologias possíveis que
começam a fazer parte da identidade travesti. Antes limitada a alguns dias do ano no carnaval, à noite
a partir da década de 1970, a travestilidade aparece enquanto possibilidade múltipla de existência
(Duque, 2012). Ferramentas para a modificação corporal como hormônios, próteses de silicone e
cirurgias plásticas passam a fazer parte do imaginário do que é ser travesti e contribuíram para de-
marcar a fronteira de gênero.
A discussão da transexualidade e sua diferenciação da categoria travesti é bem mais recente,
iniciando na década de 1990 (Carvalho e Carrara, 2013). O desejo pela cirurgia de redesignação gen-
ital parece ser o limite entre se denominar travesti ou transexual (Teixeira, 2012) e, embora tenha
havido uma pressão dos movimentos sociais estrangeiros para que o Brasil também englobasse a
população trans sob o termo “transgênero”, abandonando o estigma da palavra “travesti”, histori-
camente associada a prostituição, AIDS e criminalidade, a denominação foi resignificada e reapro-
priada pelas próprias travestis, que pontuaram a necessidade de fortalecer o nome para desnaturalizá-
lo. Benedetti (2005) também coloca que entre travestis e transexuais há uma diferença fundamental
de classe, visto que entre as transexuais predomina um maior índice de escolaridade, o que as instru-
mentaliza para o domínio de uma linguagem médico-psicológica refinada para embasar sua existência
de forma científica e institucional. Embora a maioria das organizações se denominem em prol tanto
de travestis como de transexuais, é eterno campo de disputa no movimento social a questão da repre-
sentatividade e como trabalhar com essas diferentes identidades no âmbito dos projetos, ações e pol-
íticas públicas.
Ao longo desse período, no âmbito regional e nacional muitas vitórias marcaram a trajetória
dos movimentos sociais. Aqui, citaremos algumas ações pontuais que fizeram parte desse processo,
atentando para a realidade no Rio Grande do Sul. No Brasil, transexuais passaram a poder realizar
cirurgias de redesignação genital a partir de 1998, mas conquista importante foi a autorização para
realização de cirurgias de redesignação genital pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a partir de 2008,
que democratizou o acesso. Embora no Brasil somente cinco hospitais realizem os procedimentos,

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que incluem a redesignação genital, mastectomia (retirada das mamas), histerectomia (retirada do
útero para homens trans), plástica mamária reconstrutiva (incluindo próteses de silicone) entre outros,
Porto Alegre é um desses locais, onde no Hospital de Clínicas se localiza o PROTIG (Programa de
Identidade de Gênero) (Pacheco, 2016). Nesse sentido, a população trans do estado esteve bem
atendida, apesar da longa fila de espera pelo atendimento devido à grande procura.
Outra iniciativas dizem respeito ao direito ao nome. Uma é Carteira de Nome Social, via-
bilizada via decreto estadual no Rio Grande do Sul em 2011, uma reivindicação antiga da população
trans, que assegura o tratamento nos órgãos públicos pelo nome escolhido (social) e não do registro
civil, muitas vezes causador de constrangimento por não se adequar às expressões performáticas de
quem o possui. Assim, o decreto
“[…]fundamentado em princípios como a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a
liberdade e a autonomia individual, dispõe acerca do tratamento nominal, da inclusão e do
uso do nome social de travestis e transexuais nos registros estaduais relativos a serviços
públicos prestados no âmbito do Poder Executivo do Rio Grande do Sul. Sua previsão, em
essência, recai no direito à escolha de nome social, independentemente de registro civil, bem
como na imposição do respeito de todos. Posteriormente, e considerando-se a ausência de
acesso por parte de diversas secretarias a um sistema de dados capaz de atestar a idoneidade
do nome social alegado, concebeu-se a criação de um documento institucional passível de
provar, por si, a existência da condição assegurada. Destarte, criou-se a Carteira de Nome
Social […]” (AGUINSKY, FERREIRA e RODRIGUES, 2013, p. 6)

A falta de informação dificulta o acesso da população trans ao documento e o não cumpri-


mento do decreto pelos servidores do poder público perpetua as micro violências ao insistirem no uso
do nome de registro, preterindo o nome social assegurado por lei. Mesmo assim, é um avanço em
relação ao longo período em que a população trans era obrigada a utilizar seu nome de registro para
acessar o serviço público e enfrentar os constrangimentos, ou não acessá-lo, como acontecia na ma-
ioria dos casos.
No mesmo âmbito, outra iniciativa é o projeto Direito à Identidade: viva seu nome!, parceria
da Igualdade -RS e, mais recentemente, do Ibrat RS (Instituto Brasileiro De Transmasculinidades) e
do NUPSEX (Núcleo de Pesquisa em Gênero e Sexualidade da UFRGS) com o grupo G8-Generali-
zando do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, que acontece desde 2012. O projeto consiste num mutirão sazonal que atende a população travesti
e trans para, conjuntamente, protocolar ações de mudança de nome e gênero em documentos civis.
Até o presente momento, é somente através de processo judicial que essa retificação pode ser feita,
sendo mais difícil em alguns estados brasileiros do que outros, embora as peças processuais sejam
semelhantes em sua forma.

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No Rio Grande do Sul também se destaca a criação de uma ala específica para as travestis e
seus maridos, a segunda iniciativa do tipo no Brasil, no Presídio Central de Porto Alegre. Criada no
ano de 2012, visando proteger essa população das constantes agressões, abusos e humilhações recor-
rentes quando cumpriam pena com o restante da população carcerária, a ala foi fruto de demandas
conjuntas das travestis presas através da Igualdade-RS. Sobre essa ala, Passos (2014) se questiona:
O grupo que habita da ala GBT é muito heterogêneo. Naquele local residem travestis, gays e
seus maridos. A emergência dessa ala atravessa as trajetórias de vida desses sujeitos. Dessa
forma, foi necessário compreender como a existência da ala GBT opera discursivamente
sobre as vidas desses sujeitos. De que maneira os moradores desse espaço também
constituíram uma importante força discursiva que contribuiu para a emergência da ala? Quais
as implicações que habitar esse lugar traz para as vidas das travestis, dos gays, bissexuais e
seus maridos? (PASSOS, 2014, p. 32)

Considerando isso, é fundamental termos, para além da compreensão dos ganhos materiais da
população travesti e trans no que diz respeito a acesso a direitos, cidadania e serviços, a dimensão da
importância das trajetórias que se cruzam com esses eventos e que também construíram o movimento.
Num contexto em que historicamente as travestis, trans e suas histórias foram preteridas e invisibil-
izadas, é central que essas trajetórias sejam significadas de importância quando falamos da história
do movimento e das pessoas que dele fizeram parte. Alexandre Böer resgata parte desses relatos ao
fazer uma história da prostituição de travestis em Porto Alegre, dando espaço para as trajetórias indi-
viduais e de que forma essas pessoas percebiam seus atravessamentos como travesti, como prostituta,
como pessoa que, de certa forma, conseguiu ter acesso a bens, serviços, etc. O relato das opressões
sofridas ao longo da vida pela família, pela polícia e pela sociedade no geral é marcante, colocando
em evidência a importância dessas experiências para, mais tarde, construir-se um movimento a partir
de demandas que dialogam com o cotidiano das travestis. Nesse sentido, não se minimizam as ex-
periências individuais para apreendermos sobre a população travesti e trans e sua organização, visto
que também o movimento social é atravessado por interesses e elementos externos.

Limites atuais e estratégias

Atualmente, para pensar o movimento de travesti e transexuais nos âmbitos regional e


nacional, presume-se ter em conta a conjuntura política e social no Brasil. Apesar dos significativos
avanços no que diz respeito aos direitos das pessoas travestis e transexuais, como brevemente colo-
camos acima, o Brasil ainda é o país que mais mata pessoas trans no mundo, de acordo com o dossiê
da RedeTrans (2017):

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O risco de uma pessoa travesti, transexual ou transgênero ser assassinada é 14 vezes maior
que o de um homem cis gay, e a chance dessa morte ser violenta é 9 vezes maior. Segundo
agências internacionais, quase metade dos homicídios contra pessoas trans do mundo ocorre
no Brasil. (Nogueira, Aquino, Cabral, 2017, p. 4)

Mesmo com os esforços de movimentos sociais para o reconhecimento da cidadania das pessoas
trans, é difícil combater o genocídio e a violação dos direitos humanos dessa população e mais ainda
obter dados e informações sobre essa situação, visto que muitas vezes os casos não são reportados ou
são divulgados com o nome de registro da vítima, um apagamento geral das identidades trans que
dificulta a compilação de dados para números estatísticos. Iniciativas como o dossiê “A geografia
dos corpos das pessoas trans”, organizado pela RedeTrans, contribuem para que seja colocada em
evidência a situação precária de grande parte das pessoas trans, fornecendo dados para pesquisas e
dando força para as demandas por direitos e cidadania.
Num cenário em que novas políticas públicas e leis que beneficiem a população trans são
barradas por uma onda conservadora, as decisões são tomadas no âmbito do judiciário e em casos
individuais, principalmente no que diz respeito a troca de nome sem necessidade de cirurgia de re-
designação genital. É um começo de uma jurisprudência que pode servir como padrão para os pro-
cessos do tipo, enquanto leis mais progressistas para o reconhecimento de identidades, como é o caso
da Argentina desde 2012, não conseguem aprovação na Câmara de Deputados (Lima e Silva,
Oliveira, 2016).
Transformar os avanços de outros tempos nas lutas do momento atual é chave para a continu-
idade do movimento, e sugiro aqui o papel fundamental que tiveram e que ainda podem ter as redes
e encontros nacionais para a articulação e compartilhamento de experiências no que diz respeito a
ações e parcerias. Com destaque para a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e
a RedeTrans (Rede Nacional de Pessoas Trans), além de encontros como o ENTLAIDS - Encontro
Nacional de Travestis e Transexuais que Atuam na Luta e Prevenção à AIDS e encontros
nacionais e regionais das redes mencionadas, que atualmente são as mais proeminentes no Bra-
sil, se reúnem diferentes grupos direcionados para a saúde, direitos e cidadania das pessoas
trans. Apesar de demandas diversas, Carvalho e Carrara (2013) ainda apontam para um
fenômeno comum no que diz respeito ao movimento:
A noção de travestis e transexuais como população-alvo de uma política pública, mesmo
que operada através de uma ONG, abre a possibilidade de considerá-las como cidadãs.
Todavia, isso só parece ser possível, até hoje, através dos financiamentos relacionados
às políticas de enfrentamento da epidemia da AIDS. (CARVALHO E CARRARA, 2013,
p. 343)

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O fortalecimento dessas associações, bem como as parcerias locais e diálogos com órgãos ju-
rídicos, de saúde e de direitos humanos são centrais para novas vitórias e a dissociação da pop-
ulação trans do estigma da AIDS. No Rio Grande do Sul, a Igualdade e o Ibrat-RS são exemplos
de como essas parcerias podem ser catalisadoras de ações de sucesso.
Carvalho e Carrara também colocam questões identitárias como pontos de ruptura e
desafios do movimento, principalmente no que diz respeito às categorias “travesti” e “transex-
ual”, com uma adesão nos últimos anos à nomenclatura “pessoas trans” para referir-se às trav-
estis, mulheres e homens transexuais. Essa disputa identitária “tem por si só gerado conflitos
em torno do que deve ser mais valorizado, uma suposta união voltada para uma nomenclatura
única ou o respeito às identidades autoatribuídas e suas multiplicidades.” (Carvalho e Carrara,
2013, p. 346). Nesse sentido, o “futuro trans” do qual os autores falam se torna possível através
de categorias aglutinadoras como “pessoas trans” e demandas coletivas por direitos através
dessas coalizões e redes.

Considerações finais

Repensar a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil e no Rio Grande do Sul


nos fornece ferramentas para compreendermos seu estágio atual e as questões fundamentais para seu
andamento na presente conjuntura. Nesse sentido, se delineiam a partir desses fios condutores, histó-
ria-trajetórias-movimentos sociais-questões identirárias, a construção de demandas coletivas através
de experiências individuais e lideranças que estão à frente dessas ações. Assim, é impossível não
estabelecer diálogo entre esses eixos para pontuarmos as vitórias do movimento no que diz respeito
ao acesso à saúde, direitos e cidadania e, ao mesmo tempo, depositarmos esperança nas ações atuais,
apesar dos limites já colocados, para a ampliação dessas conquistas.

Referências

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em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
026X2012000200011&lng=en&nrm=iso>. Access em 17 maio 2017.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
“Travesti” and Transexual movements in Rio Grande do Sul, Brazil: past victories and cur-
rent limits

Abstract: This presentation aims to discuss the travesti and transgender movement in Rio Grande do
Sul, Brazil. Initially marked by police violence and associated with prostitution and STDs/AIDS, by
the first decade of the new millennium, the travesti and transgender agenda shifts from demands for
better living conditions (and even chances of survival) to actions that seek acknowledgement for
multiple identities, access to justice and health services. It is through AIDS prevention actions and
the contact with trans and transvestite/travesti population in risk situations that a support network
involving the State (Health Ministry), NGOs and social movements is created. As of now, while there
are many victories regarding civil rights, like the genital reassignment surgery being provided by the
government, change of name and gender in IDs, Brazil is still the country that most kills transgender
people, their life expectancy being 35 years old and 90% of them being sex-workers. In this sense, it
is crucial to look back for the historic victories, individual achievements and the paths that shaped, in
Rio Grande do Sul, the construction of a travesti and transgender movement. Through oral testimonies
and institucional documents, this aims to rethink the emergency conditions of the movement and the
role of individuals and leaders to the success of actions.
Keywords: Social Movements. Travestis and Transgender. History.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

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