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Mediação e o Nome
O texto anterior apresentou uma nova tese a respeito do foco e significado daquele
corpo de conhecimento antigo que pode ser chamado de ciência sagrada.
Mostramos que o principal foco dessa ciência são as leis da geometria, do som e do
número: a primeira revelando as propriedades de limites finitos; a segunda, de
extensão infinita; e a terceira, de mediação; e mostrou-se que seus significados
repousam nas relações desses três aspectos de enfoque, que o Cosmos e tudo
dentro dele envolvem esse equilíbrio do finito com o infinito como testemunha de
seu caráter sagrado.
Mostrou-se também que, ao menos desde o tempo do Sefer Yetzirah, o que
distingue o ramo kabbalístico da ciência sagrada daquele pitagórico é sua
presunção de três categorias de forma, som e número sob urna ciência da
linguagem mais inclusiva.
O estudo das correspondências ocultas da linguagem deixou poucos vestígios do
rigor intelectual que deve ter sido imposto em suas pesquisas no passado.
Diferentemente das leis relativas ao som, ao comprimento das cordas musicais e
aos números que foram demonstradas por Pitágoras, aquelas relativas aos sons
lingüísticos só podem ser provadas por ocorrência sistemática.
São, de fato, ocultas; só se percebem em uma rede de circunstâncias que revelam
um nível de funcionamento cósmico além de nosso poder de compreensão.
É uma rede de tamanha proporção que a presente discussão direcionará às
correspondências ocultas da linguagem, revelando uma teia de associações ocultas
tão difusas que mistificam a inteligência comum e cumprem o objetivo da prática
espiritual, qual seja, a de abrir o espírito para dimensões mais elevadas de
significado e explicação.
Voltando agora ao número 52, este pareceria estar associado com o Sol, uma vez
que o ano solar pode ser dividido exatamente em 52 semanas mais o mesmo dia
adicional.
Antes de considerar a natureza da semana, precisamos analisar o significado
kabbalístico desse número.
O equivalente gemátrico desse número é a palavra Ben (Beit = 2, Nun = 50), que
significa filho.
Vimos que o primeiro termo da proporção geométrica pode ser considerado como
símbolo de uma fonte maternal e, agora, o último termo produz o filho.
Mas a progressão numérica com a qual começamos também sugere alguma
mediação paternal nessa derivação do filho vindo da mãe.
Se o princípio paternal puder ser associado com o Sol e o calendário solar e o
princípio maternal com a Lua e o calendário lunar, podemos concluir que a
mediação paternal entre mãe e filho é a transição patriarcal para o calendário solar.
Dadas essas associações, a identificação semelhante de son (filho em inglês) com
sun (Sol em inglês) pode não ser acidental e parece transmitir um significado
esotérico fundamental.
Dizer que o homem é um “filho do Sol" (son of sun) é reconhecer a importância da
mediação transcendental em todo o progresso do homem, desde a concepção até
sua iluminação espiritual.
Considerando o número 26 como a média geométrica entre 13 e 52, poderemos
notar uma associação kabbalística adicional do Tetragrammaton em termos do
Diagrama da Árvore da Vida.
Mais significativa é a designação desse nome divino à sefirah Tiferet, associada, por
sua vez, ao coração cósmico do Adam Kadmon.
Assim, a função mediadora atribuída ao coração no Sefer Yetzirah está de acordo
com a atividade do número gemátrico do Tetragrammaton na progressão
geométrica de 13 a 52.
Outra maneira numérica de considerar o termo final do filho pode ser observada
pela equação 13 x 4 = 52.
Afinal, o Tetragrammaton não está associado apenas com o número 26, mas, como
indica seu nome grego, também com a quantidade de letras que o compõem,
quatro.
A geração de uma criança está também metaforicamente relacionada com o
processo aritmético da multiplicação e, assim, a implicação simbólica da equação
13 x 4 = 52 parece indicar que o filho é um produto do ato de multiplicação do pai
celeste com a mãe terrena.
Se considerarmos que essa progressão geométrica tem origem no número 26,
então todo o seu significado torna-se coerente com a idéia de urna mediação
divina.
Isso encontra suporte na pesquisa mitológica de Giorgio de Santillana e Hertha von
Dechend em Hamlet's Mill, que defendem a tese de que o mito essencial no mundo
do homem antigo envolve um ciclo de 26 mil anos de precessão dos equinócios:
"O tempo que esse eixo prolongado precisa para circunscrever a elíptica do Pólo
Norte é aproximadamente 26 mil anos".
O número 26 aparece em maior grau de ampliação temporal com relação à recente
teoria de uma "estrela morta", chamada Nêmesis (proposta por Richard A. Muller
com Marc Davis e Piet Hut), cuja órbita de 26 milhões de anos poderia produzir
uma chuva de cometas conforme se aproximasse periodicamente do Sistema Solar,
o que inclusive justificaria as extinções em massa de espécies que os paleontólogos
J. John Sepkoski e David M. Raup descobriram de fósseis datados de períodos de
26 milhões de anos.
A associação do número gemátrico do Tetragrammaton com estes grandes ciclos de
tempo cósmico 26 mil e 26 milhões de anos — revela adicionalmente a enorme
coerência desse nome divino e seu número, um com o outro e com a precisa
estrutura do Cosmos.
Mas há outra maneira de entender essa progressão que pode dar uma dimensão e
uma explicação mitológica diferente.
Contagem e Aliança
Vimos que todos os números de nossa proporção-chave geométrica têm relações
astronômicas.
Treze é um meio de definir a relação dos meses lunares com o ano solar,
enfatizando os ciclos lunares e menstruais; e 26 multiplicado pelo grande Alef
(1.000) equivale aos 12 "meses" do Grande Ano Solar por meio da precessão dos
equinócios.
Mas o significado astronômico do número 52, identificado com o conceito do filho,
depende da divisão do ano solar em períodos de sete dias, e aqui nos deparamos
com a importante questão da origem da semana de sete dias, desconhecida para os
egípcios, que, como os chineses, usavam períodos sublunares de dez dias.
As bases astronômicas de todos os outros períodos temporais são imediatamente
compreensíveis.
O dia é definido pelo que parece ser a revolução diária do Sol em torno da Terra; o
mês, pelo período sideral ou sinódico da Lua, e o ano, pelo circuito do Sol através
das constelações.
Mas onde poderíamos encontrar uma definição astronômica para a semana de sete
dias?
A resposta parece estar nas aproximadamente quatro fases da Lua, cada uma de
sete dias.
Se aceitarmos essa origem do tempo da semana, então a observação do período
entre a Lua crescente e a Lua cheia para a contagem das semanas deve ser
considerada como o evento mais importante na evolução da cultura humana.
Afinal, ela marca o processo de abstração intelectual por meio da qual o homem
progride de sua imersão fetal para uma independência de consciência que, mesmo
o exilando do Jardim pré-natal, traz a promessa de verdadeiro renascimento
espiritual na imagem divina.
É desse renascimento espiritual que fala toda a tradição mosaica e kabbalística, um
renascimento que sempre foi entendido como relativo ao filho andrógino.
Como já vimos, a criança cósmica conhecida como Ze'ir Anpin foi expressamente
definida, tanto no Idra Rabba zohárico quanto no Etz Chayim luriânico, como
andrógena.
A característica de ter nascido duas vezes foi afirmada no último, sendo
singularmente explicada como seu retomo ao útero de Imma depois de finda a
amamentação para receber as três sefirot superiores que constituirão seu cérebro
ou uma consciência mais elevada.
Na aliança inicial com os ancestrais do povo hebreu, tanto Abraão quanto Sara
tiveram seu nome modificado, o que significa que a aliança com Deus vincula tal
renascimento em espírito.
Se a mãe divina Imma pode ser associada com a imanência divina, e o pai Abba à
transcendência divina, então o filho andrógino Ze'ir Anpin pode ser ligado à síntese
dessa polaridade divina: uma transcendência que retém suas raízes no imanente,
uma abstração sem perda de consciência, como pode ser entendido Tiferet na união
existencial equilibrada e perfeita da força de Chokhmah-Abba com a força formativa
de Binah-Imma.
Vejamos agora como a Aliança do Sinai pode ser vista como marca do êxodo da
escravidão humana e de sua entrada no caminho espiritual; uma transição de uma
orientação lunar para outra solar; sendo a "nação sagrada" o agente da
emancipação da consciência humana dependente de seu poder de abstração.
Esse poder de abstração está sempre associado à inteligência solar, identificada
com o lado esquerdo do cérebro, e marca sua diferença de tal incorporação na
unidade e distingue a inteligência lunar identificada com o hemisfério direito.
O atributo desse poder de abstração é a habilidade de padronizar os períodos das
fases lunares em exatos sete dias e depois afasta-lo de qualquer observação
astronômica, de tal maneira que sua determinação depende exclusivamente da
capacidade humana de contar.
É essa capacidade para medida temporal e espacial o pré-requisito e teste da
capacidade israelita de formar uma aliança divina, e o treinamento dessa
capacidade é identificado com uma substância de nome manah.
Foi mandado a cada israelita que colhesse exatamente um ômer de manah por
cinco dias, dois ômers no sexto dia em preparação ao Shabat e nada no sétimo;
nas palavras de Deus, "o povo deverá sair e colher uma certa quantidade todo dia,
para que eu ponha à prova se anda em minha lei ou não" (Ex 16:4).
O fato da habilidade de medir a substância e o tempo envolver a palavra manah
parece sugerir alguma associação etimológica com a palavra sânscrita manas, que
tem, entre outros, o significado de "homem" e "medida"; em vez do “manu”
egípcio, que significa "o que é ele?", como se pensava.
Assim, como no manas sânscrito, o manah hebreu se refere à natureza humana
mais elevada da capacidade de medir e contar.
Adicionalmente, essa capacidade é imediatamente relacionada à discriminação da
semana sabática.
O sinal da habilidade de andar na lei divina traduz-se na capacidade de contar
semanas, com especial atenção ao "descanso do santo shabat" (Ex 16:23).
É contando semanas e descansando no Shabat que os israelitas progrediram até
seu grande momento de aliança no Monte Sinai.
Ali, nos dez mandamentos da aliança, eles foram mais uma vez instruídos na
observação ritualística simples e mais essencial do Shabat no quarto mandamento.
Mais tarde, a observância do Shabat tornou-se o sinal explícito dessa aliança:
" (...) guardareis os meus shabat; pois é sinal de mim e vós nas vossas gerações;
(...) pelo que os filhos de Israel guardarão o shabat (...) para uma aliança
perpétua" (Ex 31:13, 16).
Também é significativo nesse contexto a instituição do festival de Shavuot,
associado ao recebimento da Torah no monte Sinai, que deve ser preparado pela
contagem de sete semanas, em que o sete relembra a prática original dos israelitas
na colheita do manah enquanto em rota para a montanha sagrada:
"Sete semanas contarás (...) e celebrarás a Festa das Semanas ao Senhor teu
Deus" (Dt.16:9, 10).
Shavuot significa “semanas”, e o Shabat diz respeito à contagem e observância do
sétimo dia da aliança. que são os primeiros frutos da redenção de Israel da
escravidão em Mitzraim, o termo usado para Egito que também significa "estreito".
Ele também marca o desenvolvimento espiritual conseqüente da mudança da
atenção lunar para a solar, da observação da Lua crescente para o circuito anual do
Sol, muito mais amplo.
Com certeza, isso não significa que a cultura do Templo do Egito antigo idealizou os
ciclos de fertilidade natural de seus rituais tão estreitamente como mostrado no
mito hebraico do Egito, que o via como um local de escravidão do espírito tanto
quanto do corpo.
De fato, em seu conceito do filho Hórus, estava associada a mesma faculdade de
contar idêntica àquela apresentada na aliança mosaica do povo hebreu escolhido
para ser o herdeiro da Terra Prometida, isto é, para atuar no papel de filho:
"Assim diz o Senhor, Israel é meu filho, meu primogênito" (Ex 4:22).
Em suas referências aos Pyramid Texts, R. A. Schwaller de Lubjcz, apesar de não
ter notado as associações de Hórus com a atividade de contar, deu exemplos dessa
associação ao definir a função de Hórus no que diz respeito à reconstituição mística
e ritual de seu pai Osíris esquartejado: Osíris também é a renovação anual de toda
a vegetação (...) Ao mesmo tempo ele é o ka de Hórus, seu filho:
Hórus veio, ele reconheceu (contou) a ti (...)
Hórus veio, ele reconhece (conta) seu pai em ti (...)
(...) durante a ascensão de Rá, o celebrante o rei — realiza o rito diário do culto
divino (...) para invocar a renovação, a reconstituição do corpo desmembrado e a
sua ressurreição pelo dia.
Isso pode ocorrer apenas pela graça do misterioso Olho de Horus, que é invocado
(pela oferenda de óleo, incenso, água ou comida).
O sacrifício desse Olho de Hórus serve como um lembrete diário do renascimento.
Hórus, o deus-filho, cujo "olho" vimos que está ritualisticamente associado com Rá,
parece ser um modelo para esse "Ben Shemesh".
A seqüência Shin-Mem-Shin também pode ser entendida como referência à
passagem do Sol pelas águas do Mundo Inferior, também entendidas como as
águas femininas, pelas quais ele passou durante a noite.
A passagem dessas águas também aparece em dois estágios do épico nacional
judaico, na forma da travessia do Mar Vermelho que separava Mitzraim do Monte
Sinai; e na travessia do Rio Jordão entre o deserto de Moab e a Terra Prometida.
Isso implica o entendimento de que o homem só pode vir a ser um "Ben Shemesh"
se se submeter a um processo de purificação por meio do qual a velha luz de
consciência individualizada seja renascida de seu egoísmo alienante, para irradiar
uma nova luz de individualidade perfeita, de personalidade divina.
Mas, se podemos dizer que a natureza da Aliança do Sinai marca a transição de
uma observância imemorial do tempo lunar para outra solar, essa transição procura
reter os valores essenciais do antigo levando-os a novas alturas espirituais.
Assim se comportam os perfumes extraídos das flores e dos sacrifícios animais que
oferecem um doce sabor ao Senhor.
De fato, mais do que qualquer outra cultura antiga sobrevivente, o Judaísmo reteve
um calendário essencialmente lunar harmonizado com o ano solar.
Pode-se dizer que essa harmonização é feita por meio de urna consideração
essencialmente musical.
Em sete anos de um ciclo de 19, um 13º mês é adicionado, resultando em uma
seqüência que reflete os intervalos de uma escala diatônica:
0, 3, 6, 8, 11, 14, 17, 19.
Mas, mesmo que esse paralelo possa ser explicado, o calendário judaico lunar-solar
contemporâneo faz uma mediação entre o lunar e o solar na qual o valor dos dois é
reconhecido e retido.
Outra cultura ancestral que alcançou uma harmonização eqüitativa entre os ciclos
lunares e solares foi a maia.
Ela nos oferece até uma associação intrigante com o conceito do filho, relacionado
com o número 52.
Continua