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Instituto de Educação
Departamento de Psicologia
COMISSÃO EDITORIAL
Professora Doutora Cecilia Raquel Satriano
Universidad Nacional de Rosario – UNR, Argentina
RESUMO
Nesse trabalho é feita uma análise sucinta sobre as diferentes interpretações da
mecânica quântica. Apresentamos cronologicamente os alguns fatos históricos que
levaram à necessidade dramática de uma nova interpretação que transcendia o
arcabouço clássico, culminando numa vertente de novas ideias e concepções que até
hoje permeiam a Física de maneira muito poderosa. Também apresentamos de forma
breve, os eventuais desdobramentos, filosóficos, humanos e suas tendências
contemporâneas.
ABSTRACT
In this work we did a brief analysis about different interpretations of quantum
mechanics. We present in a chronological way some historical facts and events that
culminated in a dramatic and new interpretation which went beyond the classical
picture, guiding to new ideas and conceptions whose validity is considered currently in
physics. We also present briefly some philosophic and human unfolding and
contemporary trends proportioned by these ideas.
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Perspectivas da Psicologia Junguiana no Século XXI
INTRODUÇÃO
Muitas vezes, responder a uma questão que exige uma nova interpretação dos
fatos, nos conduz a uma mudança profunda de paradigmas. Isso pode parecer tarefa
simples, mas de fato, além de não ser, evoca na metodologia adotada, uma resposta que
pode provocar desdobramentos, inclusive com o descortino de novas e até então
impensadas possibilidades.
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A superfície dos corpos negros absorvem toda radiação incidente sobre ela.
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(Eisberg,1986). Aparentemente o que o convenceu foi que sua hipótese permitia uma
formulação mais precisa do conceito estatístico de entropia.
Durante esse período, Planck era editor do jornal de pesquisa alemão intitulado
Annalen der Physick, tendo recebido em 1905 o artigo do ilustre desconhecido, Albert
Einstein sobre a relatividade especial. Planck estreitou sua relação acadêmica com este
jovem que mudaria a ciência do século XX, porém, era refratário às ideias deste sobre a
teoria quântica da radiação, no entanto tais ideias se confirmaram no caso do efeito
fotoelétrico e reforçaram o trabalho de Planck. Basicamente, pode-se dizer que Planck
apesar de ter idealizado a concepção quântica de energia, talvez fosse ainda um pouco
conservador, e por tal razão tinha a crença de que a energia eletromagnética se
espalhava pelo espaço, tal qual ondas mecânicas o fazem. Einstein propôs que a energia
radiante está quantizada em pacotes concentrados, e os quanta2 eram chamados de
fótons. Em 1921 Einstein foi laureado com o prêmio Nobel de Física por ter previsto
teoricamente a lei do Efeito Fotoelétrico antes de sua validação experimental, feita por
Millikan em 1914, sem dúvida um marco da física moderna, mostrando-nos de forma
contundente o poder do método científico. Ainda que as evidências sobre a natureza
corpuscular da luz estivessem batendo às portas, foi somente em 1923, de forma
dramática que ela se confirmou com e efeito Compton. Como já foi abordado
brevemente, houve necessidade de se alterar alguns paradigmas já enraizados, de modo
a ter acesso à interpretação de novos fenômenos que se apresentavam e outros que ainda
estavam por vir.
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Quantum (plural quanta) é a parte mais fundamental da radiação eletromagnética.
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mesma questão. Nós ainda apresentamos algumas das tendências atuais para a
interpretação da mecânica quântica.
A INTERPRETAÇÃO DE COPENHAGUEN
Não existe mundo quântico. Há somente uma descrição física abstrata.
É errado pensar que a tarefa dos físicos e descobrir com a natureza é. A
física diz respeito ao que nós podemos dizer sobre a natureza. (Niels
Bohr)
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Assim, conciliar aspectos contínuos e discretos não é uma tarefa trivial (Pessoa Jr.,
2003).
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então não podemos especificar as condições iniciais exatas do movimento, não podendo
também fazer projeções precisas sobre a evolução temporal do sistema.
A VISÃO REALISTA
A teoria quântica contemporânea... constitui uma ótima formulação de
[certas] Conexões... [ mas ] não oferece qualquer ponto de partida
Útil para futuros Desenvolvimentos. (Albert Einstein)
colapsou para auto-estado, uma vez que o principio da incerteza preconizava que se dois
observáveis não comutam entre si, então não podemos conhecer seus autovalores com
absoluta precisão simultaneamente. Contrariamente ao que pensava Bohr, Einstein
entendia fortemente que as probabilidades envolvidas nos cálculos positivistas não eram
fundamentais no contexto descritivo dos fenômenos. As quantidades físicas relativas a
dois observáveis que não comutassem entre si, deveriam possuir uma realidade
intrínseca, objetiva e simultânea e, por essa razão a função de onda não deveria ser uma
descrição completa do sistema físico. Desse modo ele, juntamente com Podolsky e
Rosen lançaram uma ataque ferrenho ao principio da incerteza num artigo de 1935,
conhecido como argumento EPR (Einstein, 1935). Nesse artigo os autores propõem um
experimento3 envolvendo estados emaranhados onde a interpretação de Copenhagen, ao
menos em princípio, não seria capaz de fornecer uma descrição adequada desta
realidade. Nele, os autores propuseram duas hipóteses básicas:
1ª Cada elemento da realidade física deve ter uma contrapartida na teoria física,
a isso chamou-se completeza.
2ª Se sem causar distúrbio no sistema de qualquer forma, pudermos predizer
com certeza (isto é com probabilidade igual a um) o valor de uma quantidade
física, então existe um elemento da realidade física correspondente a esta
quantidade física.
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Tais experiências eram conhecidas em alemão como Gedankenexperiments ou em inglês como thought
experiments ou experiências mentais, que Einstein tanto utilizava e se valia para seus estudos teóricos.
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apresenta nenhuma inconsistência interna, tão pouco deixa indícios de como estas
poderiam sugerir; também não contradiz essencialmente a teoria relativística ou mesmo
a mecânica clássica; e mais, implica esta última no limite macroscópico - quando tem-se
agregados de numerosas partículas.
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AS DESIGUALDADES DE BELL
Em 1964, John Bell mostrou que as predições da mecânica quântica no
experimento mental de EPR são sempre ligeiramente diferentes das predições de uma
grande parte das teorias de variáveis ocultas. Informalmente falando, a mecânica
quântica prediz uma correlação estatística ligeiramente mais forte entre os resultados
obtidos em diferentes eixos do que o obtido pelas teorias de variáveis ocultas. Estas
diferenças, expressas através de relações de desigualdades conhecidas como
"desigualdades de Bell", são em princípio detectáveis experimentalmente. Para uma
análise mais detalhada deste estudo, sugere-se um estudo mais aprofundado no teorema
de Bell em seu artigo original (Bell, 1964).
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ficou sendo conhecida como teoria da onda piloto e foi revisitada e aperfeiçoada em
1952 por David Bohm. Porém, quando confrontada com algumas situações físicas, tal
como o experimento da dupla fenda, os corpúsculos de Broglie não seguiriam uma
trajetória reta, mas surfariam em “ziguezague”, passando por algumas regiões proibidas
com velocidades altíssimas. Podemos citar ainda outros problemas conceituais desta
interpretação, como situações onde se prevê que o corpúsculo ficaria parado, no estado s
de um átomo, por exemplo, quando se esperaria que eles se movessem junto com a
onda. Acredita-se hoje que por tais inadequações, Einstein desinteressou-se pela
redescoberta da teoria da onda piloto por David Bohm (Bohm, 1952).
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provavelmente pelo fato de Niels Bohr nunca ter aceitado seus argumentos, nos anos 60
como a relatividade geral e a cosmologia, duas das principais áreas de pesquisa em
física, obtiveram grande sucesso e questões relativas à quantização de modelos teóricos
tornaram-se uma questão central; assim, o modelo de Everett reapareceu e hoje, é um
dos modelos preferidos por vários cosmólogos e relativistas.
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sua opinião. Vale lembrar que essa questão ainda está em aberto, o que temos hoje é
uma interpretação mais aceita, no caso a positivista, por uma comunidade de
profissionais que muitas vezes não a compreendeu em sua totalidade. Uma interpretação
que é muito útil em seu aspecto pragmático, no que diz respeito à concepção de
trabalhos científicos, mas que ainda é incompleta no que tange a interpretações
conceituais mais aprofundadas da realidade quântica, quando essa não está sendo
observada por quem quer que seja. Particularmente como cientista, acho muito válido
que novas interpretações sejam apresentadas e confrontadas com resultados
experimentais. As premissas de outrora, ainda que rígidas, talvez sofram algumas
relaxações, levando-nos talvez a uma melhor compreensão do que realmente é a
natureza quântica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BELL J. S. On the Einstein-Poldolsky-Rosen paradox. In: Physics. v.1, 1964, p.195-
200.
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PESSOA JR. Conceitos de Física Quântica. v. 1. 1ª Ed. São Paulo: Livraria da Física,
2006.
STRAPP, H. P. Mind, Matter, and Quantum Mechanics. 3rd edition, São Paulo:
Springer. 2009.
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RESUMO
Visão de mundo e espírito da época são expressões que permitem reflexões
sobre o confronto de dimensões individuais e coletivas dentro da diversidade cultural. A
consciência histórica parece ser a única testemunha da caminhada humana que ainda
não terminou. No final do século XX esta consciência reaparece na vida universitária
com maior vigor. Talvez o motivo seja a mudança de visão de mundo, da física clássica
para a física moderna. Então, é a consciência histórica que poderá compreender tal
mudança. E o portador deste conhecimento histórico é o próprio homem. Por isso, o
artigo estabelece relações entre a física moderna e o conceito de inconsciente na
psicologia analítica.
ABSTRACT
The world and spirit view of the age are expressions that allow reflections on the
clash of individual and collective dimensions within cultural diversity. The historical
consciousness seems to be the only witness to the human journey that is not over yet. In
the late twentieth century this awareness in university life reappears with more vigor.
Perhaps the reason is the change of world view of classical to modern physics. So, is the
historical consciousness which could include such change. And the bearer of this
historical knowledge is man himself. Therefore, the article establishes relationships
between modern physics and the concept of unconscious in analytical psychology.
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Nilton Sousa da Silva, professor adjunto da UFRRJ, pós-doutorado em serviço social pela PUC-Rio,
doutorado em Psicologia pela UFRJ, mestrado em filosofia pela UERJ e graduado em psicologia pela
UGF.
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O legado da Idade Moderna ainda não está bem compreendido pelo espírito
humano, embora as evidências estejam em todas as partes da vida pública e privada. A
física moderna é a guardiã capitalista do legado, todavia, precisa ampliar o
conhecimento sobre ele. Porque seu lado obscuro se fez presente na construção da
bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki, ambas são as evidências do testemunho da
história. São provas viva da capacidade humana de manipular a matéria para o bem ou
para o mal. O aspecto positivo está na medicina e no desenvolvimento tecnológico em
todo o planeta Terra. A presença de satélites no espaço sideral transcende o planeta e as
astronaves, metaforicamente, são aquelas embarcações marítimas da Idade Média. Não
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devemos esquecer que apesar da remota presença da espécie humana no Novo Mundo,
este não fazia parte do imaginário do homem medieval tradicional.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
ABDALLA, Elcio et SAA, Alberto. Cosmologia: dos mitos ao centenário da
relatividade. São Paulo: Blucher, 2010.
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SILVA, Nilton Sousa da. O mito em Ernst Cassirer e Carl Gustav Jung: uma
compreensão do ser do humano. Rio de Janeiro: Litteris, 2002.
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RESUMO
O trabalho discute, do ponto de vista da Psicologia Junguiana, uma singular
articulação entre Vida, Saúde e Educação Ambiental a partir do entendimento do
planeta como ser vivo introduzido por Físico James Lovelock que apresentou suas
ideias sobre a Hipótese Gaia e da concepção de C. G. Jung, na perspectiva alquímica,
sobre a ideia de Anima Mundi, a alma do mundo. Com base nessa consideração,
buscaremos construir a articulação proposta, isto é: a perspectiva de Lovelock que
compreende o mundo como um ser vivo com a ideia junguiana de que, além de vivo,
possa também ser dotado de alma. O mundo, ao qual desde o início nos referimos, fora
visto e considerado como independente e autorregulador tendo como principal atributo a
capacidade de fabricar, modelar, interagir e mudar o meio ambiente ao qual se adapta a
fim de manter-se pela eternidade. Além dessas propriedades mostra-se com alma e
inteligência bastante para fazer de sua existência uma eterna ode à beleza, magia e
perfeição. A experiência do mundo com alma parece fundamental na perspectiva do
homem contemporâneo que tem a necessidade de se ver vivo e com alma e não como
um mecanismo ou organismo qualquer.
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ABSTRACT
The paper discusses, from the point of view of Junguian Psychology, a singular
relationship between Life, Health and Environmental Education from an understanding
of the planet as a living being introduced by physicist James Lovelock who presented
his ideas about the Gaia Hypothesis and the design of C. G. Jung in alchemical
perspective on the idea of the Anima Mundi, the world with soul. Based on this
consideration will seek to build the proposed structure, that is, Lovelock's perspective
that understands the world as a living being with the Junguian idea that, in addition to
live, can also be endowed with a soul. The world to which we refer from the beginning,
been seen and considered as independent and self-regulating with the main attribute the
ability to manufacture, model, interact, and change the environment to which adapts to
keep for eternity. In addition to these properties shows with soul and intelligence
enough to make his existence an eternal ode to the beauty, magic and perfection.
Experience the world with soul seems crucial in view of modern man who has the need
to look alive and soul and not as a mechanism or body whatsoever.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
Discutir, a partir do ponto de vista da Psicologia e, particularmente da Psicologia
de C. G. Jung o tema: Vida, Saúde e Educação Ambiental constitui-se em uma ousada
tarefa de articular elementos por demais complexos e que resistem a qualquer tipo de
simplificação, literalização e definição. Os termos dessa discussão devem partir de
perspectivas da ordem das imagens e símbolos, ou seja: de uma ordem de fenômenos de
natureza análoga às suas respectivas realidades, ainda que saibamos que Vida, Saúde e
Educação Ambiental sejam, em qualquer âmbito, eternas presenças e o fundamento das
mais diversas discussões.
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Adotando esse ponto de vista, ou seja: que a Educação Ambiental está pra a
Vida e Saúde em proporção análoga a que a Alquimia está para a Psique, constituindo-
se ambas em uma espécie de saber oculto que revela os segredos da essência da Vida,
seria como admitir um mundo vivo e com alma, o que levado às ultimas consequências
ressurge com a ideia de que a alquimia olha para o mundo pela ótica animista.
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Vida e Alma, Eros e Psique fazem-nos imaginar que Educação Ambiental é toda
atitude voltada para o enlace da Vida com Alma, que, em última instância se inscreve
em Eros e Psique. A Alquimia será essa eterna presença subterrânea em cada passo
dado garantindo-nos que o trabalho com amor é voltado para a transformação máxima
da obra, a Alma.
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Refere-se às ideias alquímicas de Paracelso sobre a prima matéria, o radix ipsus, o princípio increatum.
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E, é a partir dessa citação, proposta por Hillman, um raro momento onde o autor
leva às ultimas consequências as ideias de Psique e do Arquétipo da Totalidade, o Self,
é que nos abrimos para discutir as condições de uma perspectiva teleológica inerente à
natureza de maneira análoga à que fora imaginada por Lovelock. No entanto, a
concepção junguiana da Psique como um sistema parcialmente fechado, ou aberto,
parece ser o ponto em comum mais significativo com a hipótese Gaia na medida em que
supera o confronto com a ciência convencional que examina a oposição entre
mecanicismo e teleologia. A concepção atual é de uma natureza viva consciente e
inteligente capaz de criar e regular as próprias condições para sua existência e sem a
necessidade de supor qualquer plano proposital e/ou global.
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Por esse ponto de vista, entendemos que ao afirmar que a Terra é um sistema
vivo estaríamos alinhados com a visão metafísica da filosofia de Schopenhauer e
Nietzsche onde se apresenta a ideia da Vida como de Vontade ou Vontade de Potência,
o leit motiv da existência, um impulso cego ou força imanente no mundo que dirige e
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orienta sua evolução rumo à preservação e objetivação final da vida em uma perspectiva
de perfeição cada vez maior.
Seria possível pensar, nestes termos, no planeta Terra como uma rede de
componentes na qual os componentes produzem a própria rede que, por sua vez, os
produz. Esta analogia entre a hipótese Gaia e a teoria da autopoiese já foi observada por
alguns autores, como, por exemplo, Margulis e Capra, que chegaram a afirmar que a
hipótese Gaia não seria nada mais que um importante exemplo de sistema autopoiético.
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em suas mãos duas varas de magia, na esquerda a magia sagrada e na direita a magia
ilusória.
Esse conjunto de referências nos permite considerá-la como uma sutil expressão
imagética da concepção proposta por Lovelock para caracterizar Gaia. Na imagem de
representação do Mundo há uma mulher ladeada de elementos que sugerem a vida e não
um mecanismo ou organismo qualquer.
E como seria então viver em um mundo que além de vivo fosse dotado de alma?
Seria um mundo sensível ao princípio das formas, dos arquétipos, onde os objetos-
imagem seriam a raiz mítica responsável pela realidade psíquica interior gerada pela
experiência sensorial. Tal qual define Hillman:
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A principal preocupação sobre como seria o mundo com alma poderá ser
tratada, de início, no âmbito do próprio indivíduo na medida em que discutimos sobre o
que seria a experiência da alma. Experimentar-se no próprio corpo como ser vivo e,
sobretudo, dotado de alma, implica objetivamente em considerar o corpo como o corpo
da alma, raiz fundamental de toda sua experiência psíquica e de interioridade, o único
dado superlativamente real da psique.
Dessa forma, quando a alma puder vir-a-ser em um corpo e com ele viver a
experiência da eternidade de sua consciência na medida dos arquétipos poderemos ter
iniciado o caminho. Sabemos que:
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mundo está muito em nossas mentes. Todas essas ações não estão do
lado da vara mágica, mas da poção mágica, do lado da ilusão, porque
pressupõem que podemos obter controle com medidas de restrição a
formas destrutivas de consciência; elas não propõem uma alteração
radical da consciência em si. Sozinhas elas estimulam a ilusão de que
com cuidado e planejamento podemos tomar conta do mundo, tratá-lo
melhor do que nossos predecessores. (...) o verdadeiro problema é a
doença da consciência. (SARDELLO, 1997, p. 21)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: Uma nova compreensão científica dos sistemas
vivos. São Paulo: Cultrix, 2006.
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LOVELOCK, James. Gaia – Um novo olhar sobre a vida na Terra. Lisboa: edições
70, 1995.
MARGULIUS, Lynn. Gaia: The living Earth. New York: Berkley, 1989.
MOORE, Thomas. O que são almas gêmeas. Rio de Janeiro: EDIOURO, 1996.
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I.
Em princípio é necessário esclarecer o que entendemos por natureza, pois este
termo pode fazer referência a uma diversidade de conceitos dado seu grande horizonte
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Ao consultar o índice geral das obras completas de Jung observa-se que existem
apenas onze referências feitas à noção de psicóide e a arquétipo como psicóide. Estas
referências giram em torno de 1946, época em que publica “Psicologia e Alquimia”
(1943/1945), livro que é formado pelas referências aos sonhos de físico Wolfgang Pauli,
e escreve um ensaio sobre eventos não causais, Sincronicidade, o qual publica
juntamente com um ensaio de Pauli sobre arquétipos. A ausência de mais referências à
essa noção pode ser interpretada devido à sua própria complexidade, pois trata-se de
uma categoria limítrofe, que coloca em desafio o uso dos significantes disponíveis para
descrever esta dimensão da organização da realidade, indica os limites da linguagem
conceitual e a radicalidade das intuições de Jung, que apontam para uma concepção de
mundo e de homem não dicotômicas.
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Embora seja claro o que Jung entenda por psicóide na prática esse termo se
confunde com psique, como nos mostra a passagem acima citada. Por isto, não se
entende por estas funções subcorticais a que se refere o termo em questão devam ser
classificados de “semipsiquicas”. A confusão provém evidentemente da concepção
organicista observável em Bleuler, e que opera com conceitos tais como “alma cortical”
e “alma medular”, mostrando uma tendência muito clara de derivar as funções psíquicas
correspondentes destas partes do cérebro, embora seja sempre a função que crie seu
próprio órgão, o conserve e o modifique. A concepção “organológica” tem a
desvantagem de considerar todas as atividades da matéria ligadas a um fim como
“psíquicas”, tendo como consequência o fato de que “vida” e “psique” se equiparam
como mostra, por exemplo, o emprego que Bleuler faz dos termos “filopsique” e
“reflexos”. É certamente muito difícil, senão impossível, conceber uma função psíquica
independentemente de seu próprio órgão, embora, na realidade, experimentemos o
processo psíquico sem sua relação com o substrato orgânico. Mas para o psicólogo é
justamente a totalidade destas experiências que constitui o objeto de sua investigação, e,
por esta razão, deve abandonar uma terminologia tomada de empréstimo à anatomia.
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II.
Para a Jung o “complexo do eu”, ou a consciência, emerge do inconsciente
coletivo e este seria uma matriz originária a partir da qual o sujeito psicológico e a
psique seriam produzidos. Esta perspectiva pode ser identificada na concepção da
divisão do inconsciente em duas instâncias estruturantes do psiquismo, o pessoal e o
coletivo. Este seria filogenético, impessoal e teria sua origem identificada com a própria
origem da vida, o que faria que em última instância o inconsciente coletivo e tenha seus
fundamentos numa dimensão cosmológica, ou seja, somos formados pelo carbono das
estrelas que um dia morreram, tornaram-se supernovas e explodiram, disseminando
moléculas de carbono pelo universo. Existe, em ultima instância, uma relação de
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solidariedade entre nós, seres vivos, que caminhamos e respiramos sobre a Terra e as
estrelas, e esta solidariedade pode ser vislumbrada por nós através da ideia de
inconsciente coletivo, tal como tematizada por Jung. Já o inconsciente pessoal é da
ordem do ontogenético, do desenvolvimento do indivíduo e participa de um contexto
histórico e cultural dados no tempo e no espaço, diferente do inconsciente coletivo, este
se constituiria a partir de uma novela familiar, através dos complexos, organizando-se
como uma estrutura delimitadora de realidade. Como diz Jung em Resposta a Job, o
homem é criador e criatura, cria mundo e é criado pelo mundo, numa relação de
interdependência e co-determinação, que é rompida a partir do surgimento da linguagem
proposicional e da crença na autonomia da razão.
No texto “A Estrutura da Psique”, Jung tenta dar uma visão geral do que entende
por inconsciente. Diz que seus conteúdos, os arquétipos, são de certa forma os
fundamentos da psique inconsciente, ou seja, falar em inconsciente coletivo é referir-se
aos arquétipos que formam sua base de organização. Porém, diz que estas raízes
encontram-se afundadas não só na terra, mas no mundo em geral. O arquétipo seria uma
forma de descrever fenômenos psíquicos a partir de uma perspectiva do sujeito
enquanto natureza seria a forma de descrição dos mesmos fenômenos, porém a partir do
ponto de vista do objeto, isto é, externo.
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conceitualidade. O que pode ser apreendido quando descreve o que entende por
inconsciente em sua relação com a natureza. Diz, que do inconsciente não se pode
determinar nada, mas que é o desconhecido “que nos afeta”. Algo que manifesta-se
como de natureza psíquica, porém cuja verdadeira realidade sabemos tão pouco ou tato
quanto sobre a própria natureza da matéria.
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valor no mundo visível que é destruído no mundo moderno pelo relativismo a psique irá
produzir seu equivalente. Em um primeiro momento não podemos ver além o caminho
que conduz abaixo para “as coisas odiosas e escuras”, porém nenhuma luz ou beleza
virá do homem não possa sustentar esta visão, ou seja, que consiga suportar consciente
a tensão dos opostos e sustentar o conflito. Como diz Jung (1964), a luz surge das
trevas, e o sol não nasce nos céus para satisfazer a ânsia do homem ou apaziguar seus
medos.
Para ele é certo que a psique original não possui nenhuma consciência de si
mesma, não possui consciência reflexiva. Isto surge no curso do desenvolvimento,
desenvolvimento que funda-se, na sua maior parte, na época histórica. É mesmo
provável, em vista de suas possibilidades, para futura diferenciação, que nossa
consciência moderna ainda está em um nível relativamente baixo de reflexão.
Entretanto, seu desenvolvimento até agora fez com que emancipasse o suficiente para
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Diz, como consequência, ser possível que nós olhemos para o mundo do lado
errado e que poderemos encontrar a resposta certa mudando nosso ponto de vista, isto é,
olhando para o mundo de outra perspectiva, a partir do lado de dentro. Parece que foi
esta a intenção de Jung ao longo de toda sua obra, a tentativa de nos situar do ponto de
vista do inconsciente para que olhemos a história do homem e da vida a partir da
perspectiva do todo. Para tal faz-se necessário a aprendizagem da linguagem do
inconsciente, que se manifesta nos sonhos, fantasias, arte e mitos, e na medida em que
aprendemos a linguagem dos símbolos e das imagens estaremos nos aproximando e
posicionando de forma a estarmos disponíveis a ela. Temos algumas questões que são
postas aqui, uma delas é o problema da linguagem, a qual será tematizada em diversas
oportunidades por Jung, e que trataremos a seguir.
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A razão humana criou um novo mundo que crê dominar a natureza, e o habitou
com “máquinas monstruosas”. Estas são tão indubitavelmente úteis e necessárias que
não podemos mesmo ver a possibilidade a possibilidade de nos livrarmos delas ou de
nossa “odiosa subserviência” a elas. O homem vê-se obrigado a seguir os caminhos de
sua mente inventiva e científica e a admirar a si próprio por suas realizações
esplêndidas. Ao mesmo tempo, ele não pode ter ajuda para admitir que seu gênio mostra
uma inquietante tendência para inventar coisas que tornam-se cada vez mais e mais
perigosas, porque representam cade ver melhor meios para um “suicídio
indiscriminado”.
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para sua existência. A fixação nas ideologias e nos sistemas de pensamento, assim como
as religiões cristãs tornaram o homem mais distanciado da natureza, a ideia de um
mundo suprassensível ou de uma ascensão do homem em direção a um deus que habita
ma realidade celeste somente contribuiu para este isolamento do homem em um modo
de existir isolado e fragmentado. Este processo iniciou-se no renascimento, com o
iluminismo cartesiano representando o ápice desta nova visão de mundo. Mesmo os
sistemas religiosos ou científicos são desprovidos de recursos ou condições para nos
auxiliar. Como diz Jung,
Não existe mais nenhum deus que possamos invocar para nos ajudar. As
grandes religiões do mundo sofrem de uma anemia crescente, porque o
número útil retirou-se das matas, dos rios, das montanhas, dos animais,
e o Deus homem desapareceu em direção ao subterrâneo no
inconsciente. Lá supomos que ele leve uma vida ignominiosa entre as
relíquias de nosso passado, enquanto permanecemos dominados pela
grande Déesse Raison, que é nossa esmagadora ilusão. Com sua ajuda
nós estamos fazendo coisas louváveis: nós livramos o mundo da
malária, espalhamos a higiene por todos os lados, com o resultado que a
população dos sub-desenvolvidos cresça em tal escala que a comida está
tornando-se um problema. “Nós conquistamos a natureza” é um mero
slogan. Em realidade nós somos confrontados com questões ansiosas, as
respostas para as quais não se encontram a vista em parte alguma. A
assim chamada conquista da natureza nos oprime com o fato da
superpopulação e torna nossos problemas mais ou menos intratável por
causa de nossa incapacidade psicológica de alcançarmos acordos
políticos. Torna-se bastante natural para os homens disputar e lutar por
superioridade uns sobre os outros. Onde realmente “conquistamos” a
natureza? (Jung apud Sabini, 2007, p.123)
III.
Algumas consequências podemos tirar da teoria junguiana no tocante
copertinência entre psique e natureza, estas consequências serão importantes para
compreendermos o paradigma no qual se insere a teoria junguiana, assim como, para
compreendermos os seus pressupostos epistemológicos. Estas consequências trazem
implicações tanto para a prática clínica quanto no que diz respeito às questões éticas
implicadas no desenvolvimento da personalidade e da consciência. Isto é, a percepção
de um pertencimento no mundo e de uma continuidade entre homem e mundo, o
reconhecimento do homem como criatura leva a um redimensionamento da cosmovisão
que irá se refletir no modo de compreender e lidar com as situações diante das quais nos
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O que implica em uma nova forma de conduta que descreve como uma ética não
convencional que surge. Esta a partir de então deverá ser singular, própria, porque
implicada na experiência singular do confronto com o “Grande Homem”, como um
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processo que se atualiza continuamente e faz com que aquele que passe por esta
experiência seja implicado de forma radical em sua própria experiência. Isto leva a uma
diferenciação da consciência coletiva e um sentimento de isolamento, pois de
impedimento em partilhar das experiências coletivas de forma massificada e
indiferenciada. Jung compara isto com o caminho do “Zen” (MacGuire et Hull, 1982),
com um caminho inefável, como “uma faca afiada”, uma serpente sinuosa, e se
necessita de fé, coragem e honestidade e paciência para se percorrer este caminho de
integração com a natureza e consigo próprio. Porém, trata-se de um caminho de
“fidelidade a própria lei” (Jung, 1986).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ADLER, G. et JAFFE, A. org. C. G. Jung Letters 1951-1961. New Jersey: Princeton
University Press, 1991, 2ª ed.
__________ (1936/37) The concept of the collective unconscious. C.W. IXI Princeton
University Press, Princeton ,1971a.
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RESUMO
Partindo-se de uma análise das contribuições que a teoria dos complexos e os
experimentos com associações de palavras, desenvolvidos por Carl Gustav Jung,
trouxeram para o entendimento dos fenômenos psicofisiológicos, discute-se a
possibilidade da utilização conjunta da metodologia terapêutica junguiana e do EMDR
(Eye Movement Desensitization and Reprocessing/Dessensibilização e
Reprocessamento por Movimentos Oculares) para o tratamento de pacientes com TEPT
(Transtorno de Estresse Pós-Traumático). Apresenta-se, ainda, um caso clínico e
propõe-se uma investigação das implicações neuropsicológicas dessa interação de
técnicas através da utilização do experimento com associação de palavras e da
Tomografia por Emissão de Fóton Único (SPECT).
ABSTRACT
Starting from an analysis of the contributions that the theory of complexes and
the word association experiments, developed by Carl Gustav Jung, brought to the
understanding of psychophysiological phenomena, we discuss the possibility of the joint
use of the Jungian therapy methodology and EMDR (Eye Movement Desensitization
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and Reprocessing) for the treatment of patients with PTSD (Post-Traumatic Stress
Disorder). A clinical case is presented and an investigation of the neuropsychological
implications of the interaction of these techniques is proposed using the word
association experiment and single-photon emission computed tomography (SPECT).
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Extraído de ¿Qué es la Tecnología Social?: http://www.tecnologiasocial.org/ - acessado em
28/06/2011.
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Acreditamos, acrescentando outro elemento, que a Via Regia para esse diálogo
seja, como Freud disse, o sonho, mais especificamente o processamento de informações
de modo análogo ao que tem lugar durante a fase REM do sono... Somos colocados
hoje, portanto, diante do desafio “neopragmático” (para recordar os termos utilizados
pelo psicanalista Jurandir Freire Costa) de apresentar, soluções práticas para os
problemas que nos cercam.
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Jung nos ofereceu uma oportunidade para disponibilizar esse viés pluralístico da
experiência humana em termos mais “pragmáticos” quando, em 1906, lançou as bases
empíricas para uma abordagem da problemática psique-corpo. Essas bases foram
oferecidas pelos seus experimentos com associações de palavras.
(...) Acomete-nos a dúvida se, afinal de contas, toda esta separação entre
alma e corpo nada mais seja do que mero expediente da razão para que
percebamos os dois lados da mesma realidade, uma separação –
conceitualmente necessária – de um só e mesmo fato em dois aspectos
aos quais atribuímos indevidamente até mesmo uma existência
autônoma. (JUNG, 1988, par. 619)
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quanto possível, com a primeira palavra (e somente com uma palavra) que lhe viesse à
mente (MEIER, 1984).
A teoria da repressão encontrou, desse modo, uma base empírica e, também dela
resultaram conclusões mais amplas – comprovou-se a existência de um segundo sistema
de funcionamento mental: a psique inconsciente.
Foi com base nesses estudos que Jung (1996) pôde afirmar categoricamente que
os sintomas físicos e psíquicos não eram nada mais que manifestações de complexos
patogênicos (Psicanálise e o experimento de associações, originalmente publicado em
1905).
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Quase 100 anos depois da publicação desse texto, Teicher (2000) ressaltou que
existem sólidas evidências que indicam que experiências traumáticas e a exposição
extrema aos hormônios do estresse produzam alterações no sistema límbico e seu papel
na regulação da emoção e da memória. Isso acontece, particularmente, no hipocampo,
modificando a formação e recuperação de memórias emocionais e verbais e na amígdala
intervindo na criação de conteúdos emocionais da memória (ou seja, sentimentos
relacionados ao medo e a reações agressivas) que tem efeitos singulares no
comportamento e na saúde mental dos indivíduos.
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Esse trabalho
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Shapiro (2001), a criadora do método EMDR, propõe que essa técnica alivia
com sucesso as desordens mentais através do processamento dos componentes das
memórias traumáticas. Esses efeitos ocorreriam quando a memória alvo se liga com
uma outra informação mais adaptativa. Quando isso ocorre, um aprendizado tem lugar,
e a experiência é armazenada com emoções mais apropriadas para guiar a pessoa em
situações futuras... Para nós, uma associação dessa ideia com a noção junguiana de
símbolo (do termo grego σύμβολον, sýmbolon – originada da junção das palavras συν-
syn-, "junto," e βολή – bolē – “colocar”: “coloco junto”) é inevitável.
A relação entre o EMDR e o sono REM tem sido proposta na literatura há algum
tempo (ver, por exemplo, BERGMANN 1998, 2000 e 2008). A nossa hipótese é que a
eficácia do método se deve ao fato deste funcionar como uma simulação onírica
consciente. Simulação essa que opera com memórias fragmentadas, desafios cognitivos
e respostas emocionais de maneira similar ao que Ribeiro e Nicolelis (2005) descrevem
acontecer durante o sono REM.
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De acordo com C. G. Jung, não é o trauma per se que cria o sintoma neurótico,
mas a discordância entre um complexo ideo-afetivo autônomo e o ego buscando, cada
um, objetivos diferentes. Nós compreendemos que esses “complexos” resultam de
reações adaptativas aos efeitos do estresse (originário das necessidades de
sobrevivência) no sistema límbico. Os complexos poderiam ser compostos de uma série
de memórias emocionais fragmentadas congregadas em torno de um núcleo traumático
original.
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Os sonhos de John pareciam sugerir que ele era dominado por um medo
profundo de, como o pai, devorar seus próprios filhos.
Uma vez que ele vinha (há anos) trabalhando suas dificuldades emocionais
pediu-me para começarmos o trabalho pelos seus sintomas psicossomáticos (naquele
momento ele estava no meio de uma crise caracterizada por fortes dores tipo
“queimação” e de natureza rítmica na “boca do estômago”).
Mobilizado pela descrição que ele fazia dos seus sintomas, utilizei como
referência para as sessões seguintes a abordagem de Arnold Mindell em seus livros “O
corpo onírico” (MINDELL, 1989) e “Trabalhando com o corpo onírico” (MINDELL,
1990).
Após essa fase, sugeri que, apesar da dor ser forte, ele não procurasse evitá-la.
Ao contrário que ele a ampliasse. Aumentando o foco sobre ela, tencionando os
músculos do abdome fazendo a dor crescer. Pedi que ele me descrevesse a dor com
detalhes, contando-me, exatamente, como eu deveria fazer para recriar essa dor.
Contando como era estar dentro do seu corpo.
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Ainda trabalhando suas dores através da mesma técnica John produziu outros
três desenhos interessantes: “Trava no motor da vida”, em que desenhava a si mesmo
como um bloco de motor com uma haste de ferro atravessada ao centro; “O Arregaçado
/ Escorraçado”, em que, contra um fundo de silhuetas tênues envoltas em luz dourada
ele se desenhou cercado de tarjas escuras que o impediam de viver na luz junto com os
outros; e “Escola”, onde apareciam, esquemática, porém claramente, uma série de
memórias relacionadas à rejeição e a discriminação durante a idade escolar que ficou
associada ficou associada ao núcleo original de violência paterna. O desenho parecia ser
uma descrição tirada de um manual onde cada pequena experiência traumática era
numerada e remetida a detalhes ou situações do núcleo de experiências originais.
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como tinha conseguido controlar seu medo e fúria e usar a razão contra seu oponente.
Ao final da narrativa, John viu uma lágrima escorrer do canto do olho de seu pai. Ele
concluiu a narração assim: “pela primeira vez eu consegui ver meu pai como ele
realmente é: um homem velho e frágil e não um gigante ameaçador e violento”.
Fazendo um paralelo mitológico, podemos dizer que ele efetuou uma passagem
de um padrão “Cronos” para um padrão “Zeus”. Segundo a tradição órfica “Zeus, tão
logo sentiu consolidado o seu poder, libertou o pai Crono da prisão subterrânea,
recompôs-se com ele e o enviou para a ilha dos Bem-Aventurados” (BRANDÃO,
1993).
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Uma possibilidade pode ser indicada pelos estudos de Peres (PERES, 2005 e
2007) sobre a lembrança de memórias traumáticas antes e depois do processo
psicoterápico através da neuroimagem: um estudo através da Tomografia por emissão
de Fóton Único (SPECT – na sigla em Inglês).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERGMANN, U. Further thoughts on the neurobiology of EMDR: The role of the
cerebellum in accelerated information processing. In: Traumatology, n 6, 2000, p.
175-200.
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TEICHER, Martin H. Wounds that time won’t heal: the neurobiology of child abuse. In:
Cerebrum. v. 10: 1271-84, 2000.
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LUCIA JOFFILY
Médica otorrinolaringologista (UERJ); Fellow em otoneurologia (UNIFESP);
Certificação em medicina do sono (ABSONO).
RESUMO
O que são os sonhos? Como surgem? Qual o seu significado e finalidade? Na
tentativa de encontrar respostas para estas questões homens de diferentes culturas,
formações e épocas perderam horas de sono. Conhecer a razão dos sonhos e a influência
de seus conteúdos na atividade cognitiva, emocional e criativa dos indivíduos é um
grande desafio para pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento como os
antropólogos, filósofos, biólogos, psicólogos e, mais ultimamente para os estudiosos das
neurociências. O presente trabalho ao descrever algumas das mais interessantes e
perspicazes teorias da Antiguidade pretende evidenciar que as hipóteses veiculadas
atualmente pelos neurocientistas foram plantadas pela mitologia, adubadas pela filosofia
antiga, regadas pela psicanálise freudiana e, sobretudo pela psicologia analítica de Jung.
ABSTRACT
What are the dreams? How they arise in the Men’s mind? What’s their meaning
and purpose? In attempt to find answers to these questions men of different cultures,
backgrounds and ages lost hours of sleep. To know the reason of the dreams and the
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No séc. II, Artémidore de Daldis (2009), tendo como base 3.000 sonhos
compilados, estabelece a primeira análise sistemática dos sonhos. Segundo este
oniromante grego, os sonhos eram educativos, pois favoreciam o desenvolvimento e a
aprendizagem. Assim, para ser correta e eficaz, a interpretação onírica deveria levar em
conta o caráter, o humor e o contexto existencial do sonhador.
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Cristo: “Não se metas na causa deste homem justo; pois hoje mesmo fui afetada por um
sonho a ele referente.” (Conf. Mateus, XXVII, 19).
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arché (principal ou princípio) e de τύπος – tipo (impressão ou marca), este conceito fora
originalmente utilizado por filósofos neoplatônicos, como Pontino, para designar as
ideias como modelo de todas as coisas.
Para JUNG (1972) os sonhos deveriam ser investigados como qualquer outro
processo psíquico, pois como os demais, eles sofriam a influência de acontecimentos
pretéritos e futuros, conscientes e inconscientes. É neste sentido que JUNG (1972)
atribuía aos sonhos causa e destino certos. Para desvendar a causa e a finalidade dos
sonhos, JUNG (1972) utilizava o método de associação livre, já utilizado anteriormente
por Freud para encorajar os pacientes a revelarem seus mais secretos e inconscientes
desejos, temores e conflitos. Entretanto, a proposta para a análise dos sonhos junguiana
distinguia-se da freudiana, sobretudo porque enquanto a última enfatizava a causa dos
sonhos, a primeira enfatizava a sua finalidade. Neste sentido, pode-se dizer que,
enquanto a interpretação psicanalítica dos sonhos acena com soluções de traumas
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Segundo JUNG (1972), toda e qualquer temática onírica que espelhe formas
primordiais do pensamento humano estará necessariamente refletindo formas
mitológicas. Assim, da mesma forma como acontece durante o desenvolvimento
corporal, a cada noite a mente humana refaz as pegadas do processo evolutivo,
reproduzindo, através de rica linguagem alegórica, arcaicas relíquias. Neste sentido, a
pesquisa onírica de JUNG (1972) inaugura uma nova concepção de psicologia
comparada. Expressos através de complexa e peculiar linguagem, os sonhos para este
pesquisador, estariam resgatando ideias, juízos, concepções e tendências que, devido à
repressão ou ignorância, estariam destinados a permanecer inconscientes.
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Segundo JUNG (1972), a satisfação de desejos, como proposta por Freud, nos
processos compensatórios ou em qualquer outro mecanismo de caráter consciente, não
seria suficiente para explicar a complexidade e o mistério que envolvia o fenômeno
onírico. Para ele, o real entendimento da causa e da finalidade dos sonhos só poderia ser
alcançada através do estudo dos ainda pouco explorados mecanismos inconscientes.
Para o fundador da psicologia analítica, processos psicológicos, conscientes ou
inconscientes, orientam-se para determinados objetivos ou propósitos sendo que no caso
dos sonhos eles atuam como representações norteadoras do curso da experiência
consciente momentaneamente armazenada.
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RESUMO
O artigo tem como objeto de estudo o Desenvolvimento do Ego na construção
do Processo de Individuação exemplificado no final com uma leitura do filme “Um
Herói do Nosso Tempo” de Radu Mihaileanu. No texto, menciona-se as contribuições
dos eminentes pós-junguianos, Erich Neumann e Carlos Byington entre outros. O
estudo objetiva descrever a formação do Ego no símbolo de Uroborus que relacionado
com a alquimia, cria um círculo unindo princípio e fim. O ego da criança é conduzido
pelo amor matriarcal, expresso no mundo, onde a criança está recebendo sua
consciência. Também analisa cada arquétipo como bipolar. No dinamismo patriarcal a
energia é sintônica com a sociedade que determina e julga certo x errado, bem x mal de
acordo com suas regras sociais. Há também o Dinamismo da alteridade conduzido pelos
Arquétipos da Anima e do Animus encontrando a diferença entre o eu e o outro para
aceitar-se os limites e desenvolver características individuais. Já o Dinamismo Cósmico
é conduzido pelo Arquétipo do Velho Sábio distinto pela sua sabedoria e capacidade
contemplativa.. O processo é coordenado, de acordo com Byington pelo Arquétipo
Central e está sujeito a quatro dimensões do Self: individual, familiar, coletivo e
cósmico.
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ABSTRACT
The article has as object of study the Development of the Ego in the building of
the Individuation Process exemplified in the end with a reading of the film “a Hero of
Our Time” by Radu Mihaileanu. In the text we mention the contributions of the eminent
post-Junguians, Erich Neumann and Carlos Byignton among others. The study aims to
describe the ego´s formation in the Uroborus symbol related to alchemy, it creates a
circle connecting the beginning and the end. The child´s ego is conducted by the
mother´s love expressed in the world where welcomes the conscience. We also analyse
each archetype as bipolar. In the patriarchal dynamism the energy is syntonic with
society that determines and judge right x wrong, good x evil according with the social
rules. We also have the Alterity Dynamism conducted by the Archetype of Anima and
Animus finding the difference between me and you to accept the limits and develop
individual characteristics. The Cosmic Dynamism is conducted by the Archetype of
Wise Old Man known for its wisdom and contemplative capacity. The process is
coordinated, according to Byington by the Central Archetype and is subject to four
dimensions of the Self: individual, familiar, collective and cosmic.
O UROBORUS
Neumann se inspirou para descrever o início da formação do Ego no símbolo do
Uroborus que é representado por uma cobra ou dragão mitológico que está eternamente
engolindo o próprio rabo. É um símbolo relacionado com a alquimia, a serpente que
morde a própria cauda fecha-se sobre si, cria um círculo, um ciclo que se repete e evoca
a roda da vida. O movimento, a fecundação, o nascimento, a morte, o eterno retorno. É
o início e o fim, o tudo e o nada. Todos os opostos indiscriminados e também todas as
possibilidades de desenvolvimento.
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O MATRIARCAL
Neumann irá nomear um Ciclo Matriarcal, onde o Ego infantil será regido pelo
arquétipo da Grande Mãe e iniciará sua formação. A energia desse Arquétipo se
empenhará em fazer crescer todo broto vegetal e todo filhote animal
Todo Arquétipo é bipolar e será vivido em seus dois pólos durante toda a vida;
no caso do dinamismo matriarcal, pólo criança e pólo mãe. Todo adulto por vezes, cuida
de outro ou de si mesmo. Também por outras vezes, ele precisa e também se deixa ser
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cuidado. O cuidado com a alimentação e com a saúde são fatores decorrentes desse
arquétipo, ou seja, o adulto deverá ter uma boa mãe internalizada.
O PATRIARCAL
Ambos os autores irão descrever os mesmos valores e comportamentos
específicos do patriarcal. Entretanto, Byington mantém uma diferença na nomeação do
ciclo que traz a compreensão de ser um período de tempo para o dinamismo, que traz a
compreensão de ser uma estrutura energética, arquétipo presente a qualquer momento
durante toda a vida que se faça necessário, tanto em forma criativa como em forma
defensiva.
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O DINAMISMO DE ALTERIDADE
Descrito por Byington que continuou o trabalho iniciado por Neumann, trazendo
para esse modo de olhar o legado de Jung, mais dois Dinamismos, o de Alteridade e o
Cósmico.
O aspecto negativo é uma certa resistência em aceitar limites e muitas vezes uma
rebeldia sem causa e dificuldade com engajamentos e compromissos. Acontece muitas
vezes a formação de uma falsa aparência de alteridade, uma Persona sombria que
aparenta abrir-se para o outro, sendo que na verdade isso não ocorre, como no exemplo
de belos discursos sem uma ação específica.
O DINAMISMO CÓSMICO
É regido pelo Arquétipo do Velho Sábio, ou mais especificamente, segundo a
nomenclatura de Byington, pelo Arquétipo da Totalidade. Nesse Dinamismo volta-se ao
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início, tudo se junta novamente, mas agora com consciência, e o ganho de um sentido.
Não há mais a indiscriminação do matriarcal; há consciência de “quem sou” e de “quem
é o outro” na Totalidade. Agora há Sabedoria.
Eu e Tu, junto na totalidade que só existe com essa união Ubuntu palavra
indígena que significa: “Eu sou quem sou porque nós somos quem somos” É o
Dinamismo Cósmico que nos dá a compreensão exata dessas palavras.
PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
O ego se forma durante toda sua vida e na sua formação constrói o Processo de
Individuação. Isto é, o desenvolvimento das potencialidades de uma forma única e
criativa, inserido num contexto social, onde o Outro ganha importância fundamental, da
mesma forma que o Eu. A formação do Ego será regida principalmente pelos
Arquétipos aqui nomeados: Grande Mãe, Pai, Anima, Animus e Velho Sábio. Esse
processo é coordenado pelo Self ou Arquétipo Central, como Byington o nomeia
enquanto na função de coordenador e enquanto centro do Inconsciente Coletivo mantém
o nome Self, e o Ego estará sujeito a quatro dimensões do Self: a individual, a familiar,
a coletiva e a cósmica. É no equilíbrio desses quatro fatores fundamentais para o ser
humano que a Individuação acontece. O perigo é a fixação do Ego em um dos
dinamismos bloqueando a continuidade da vivência alternada dos ciclos no Processo de
Individuação.
É a história de um menino que com oito anos de idade foi separado da mãe por
uma mentira inventada por ela, e teve, assim, sua vida preservada. Em meio à miséria de
um acampamento de refugiados no Sudão, a mãe atenta percebe a morte de um menino
judeu e coloca seu filho no lugar do menino morto para que ele possa ser resgatado para
viver em Israel. Seu filho não teria o direito ao resgate por ser cristão.
O menino africano da Etiópia tem seu nome trocado para Salomão e é resgatado
junto a milhares de judeus etíopes que conseguiram sobreviver à caminhada pelo
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deserto, da Etiópia para o Sudão, em plena zona de guerra pela “Operação Moisés” em
1984 e 85, quando Estados Unidos e Israel se uniram para fazer o resgate desses judeus
e, que segundo se acreditava, eles seriam descendentes do Rei Salomão e da rainha de
Sabá.
Essa criança foi então arrancada da ordem primeira a que estava inserida, social
e familiar. Sendo energicamente afastada pela mãe, que profere as palavras que seu
filho irá sempre lembrar: “Vá, Viva e Transforme-se”.
Para poder ingressar na nova cultura, Salomão precisa elaborar de alguma forma
sua ferida matriarcal. Ao sentir-se abandonado pela mãe, ele pensa que ela o rejeitou e
está vivendo o inexorável, as coisas acontecem fora de uma expectativa e ele não
consegue compreender o por quê. Daí começa a buscar um sentido para sua vida. O
menino herói vence mais esse desafio quando encontra a figura de um velho Sábio, um
judeu etíope, líder religioso, a quem Salomão vai procurar depois que o vê na TV,
liderando um movimento dos negros africanos lutando por seus direitos. Salomão
encomenda a ele, cartas para a mãe na Etiópia, cartas que provavelmente nunca
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chegaram, mas cumpriram o papel de manter o elo materno, símbolos de uma relação
indestrutível no mundo interno dele. Salomão tem também a sorte de ser adotado por
uma excelente família. Os membros desta família não são religiosos e sim comunistas
que se mudaram para Israel pelo desejo do Pai de lutar pela implantação do Estado de
Israel. É dele a resolução de adotar o menino, que acredita ser órfão. O Pai quer que ele
cresça como um bom judeu e mais tarde possa ser seu companheiro de luta. Mas é sua
mulher que no início não quer essa adoção, pois já tinha dois filhos. Esta mulher vai ser
a grande aliada de Salomão, uma vez que se apaixona pelo menino e o amará como a
um verdadeiro filho de seu ventre.
Assim, Salomão consegue refazer relações com figuras humanas aptas a receber
a energia dos Arquétipos para que ele siga seu processo e aceite a nova ordem social.
No início, contudo, ele se rebela, foge, sofre muito e o que lhe traz de volta é o imenso
carinho e a ternura da mãe adotiva que o leva a aceitar a nova ordem paterna.
Salomão briga com o pai adotivo, que quer enviar seus filhos para a guerra para
que que lutem por Israel. Ele recusa porque não vê como inimigos, pessoas de outras
nacionalidades ou religiões.
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Na cena final, vemos Salomão já homem, amando uma mulher e sendo amado
por ela. Ele já médico cumprindo seu papel social; pai, tendo sido neste mesmo
momento em que fala ao telefone com Sara e ela coloca seu filhinho para que Salomão
seja pela primeira vez, chamado de papai. Neste instante especial, seus olhos passeiam
pelo acampamento, descobrindo entre aqueles seres sobreviventes da dor e da miséria,
sua mãe. É também se sabendo menino africano, que corre de pés descalços, ao
encontro dos braços da mãe.
Está tudo certo, tudo como deve ser. É o Dinamismo Cósmico, o Arquétipo da
totalidade, fechando um ciclo. Entretanto, é preciso saber que outros ciclos virão.
Salomão é jovem e continuará sua vida aprendendo a lidar com todos esses dinamismos
até morrer.
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RESUMO
Este artigo faz dialogar proposições teóricas de Carl Gustav Jung e Peter Singer.
São apresentadas concepções psicológicas e filosóficas numa discussão sobre novos
desafios contemporâneos da humanidade provocados pelas atuais aplicações da
engenharia genética trazendo transformações irreversíveis na natureza e na condição
humana. No foco da atenção estão consequências para a ética de responsabilidade da
exposição a riscos inéditos e não de todo avaliados.
ABSTRACT
This article dialogues with theoretical proposals of Carl Gustav Jung and Peter
Singer. It presents psychological and philosophical conceptions and discusses new
contemporary challenges raised by the current applications of genetic engineering
bringing irreversible transformations in nature and human condition. In the focus of the
attention are the unknown risks and non evaluated consequences for the ethics of
responsibility.
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Fazemos dialogar Jung e Peter Singer a partir de suas ideias e concepções sobre
ética. Em particular apresentamos uma discussão sobre engenharia genética e a
exposição a riscos ainda não devidamente avaliados e suas possíveis conseqüências, um
tema inquietante que atravessa o campo da psicologia.
possibilidade de modificar a natureza e o homem por meio de tecnologias cada vez mais
sofisticadas, uma aceleração inédita em processos que levaram milhões e milhões de
anos para se formar, uma ruptura com a evolução, entendida como respeito ao ritmo da
natureza, na sucessão das estações do ano, das fases de maturação biológica e, mesmo
no caso dos seres humanos, do intercurso sexual para a geração de novos entes da
espécie. A tecnologia e engenharia genéticas aceleram o vir-a-ser através de
manipulações laboratoriais in vitro.
A vida humana traz consigo uma estrutura herdada tanto em sua dimensão
anatômica corpórea como psíquica. O conceito junguiano de Arquétipo Psicóide
compreende essa unidade que conecta experiências emocionais às suas raízes corporais.
Para JUNG (2000:1) os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo são hipóteses, que se
empenhou por demonstrar em sua extensa obra.
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determinado contexto e tempo histórico. Elas também podem ser coletivas, atualizando
fantasias mitológicas criadas no Inconsciente Coletivo. E o Processo de Individuação é
tido como uma força interna, inerente à psique de todo indivíduo, que procura se
realizar em sua totalidade e inteireza na vida e no mundo. O Inconsciente Coletivo e o
Processo de Individuação são observados, fenomenologicamente, através de estudos
comparados dos mitos encontrados nas mais distantes culturas e diferentes tradições,
identificando-se então, símbolos que apontam para essa totalidade como meta,
ordenados pelo Arquétipo do Si-Mesmo, que engloba o centro e a totalidade da psique.
Em síntese, os arquétipos do inconsciente coletivo podem ser inumeráveis e mesmo
infinitos, ordenam os conteúdos ativados na psique, que é fonte criadora de símbolos e
mitos que aparecem externamente sempre idênticos, pois estão assentados nas repetidas
e contínuas experiências típicas de que participa toda a humanidade. Não sendo possível
delimitá-los nem prever quais arquétipos ainda poderão surgir na psique humana.
Com a nova ciência genética e suas manipulações, não sabemos o que poderá vir
a ser constelado ou se atualizar na psique humana. Se surgiriam novos arquétipos,
desconhecidos e nunca antes atualizados, ou se chegaríamos a constituir algo que seja
tão outro que não podemos antever. Não sabemos se haverá um novo cérebro ou uma
nova psique, ou como será (re)configurada a imaginação e fantasia. Não sabemos sequer
se haverá um homem que possamos continuar chamando de ser humano. E o que dizer
então do ser do humano?
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Joaquim CLOTET (1986) afirma que a ética tem por objetivo facilitar a
realização das pessoas, ‘(...) que o ser humano chegue a realizar-se a si mesmo como tal,
isto é, como pessoa. (...) A ética se ocupa e pretende a perfeição do ser humano’. Este
entendimento é convergente com a perspectiva junguiana do ‘processo de
individuação’, entendido como aquela força presente na psique impulsionando em
direção à realização do ser humano, não num suposto sentido de perfeição, mas sim no
empenho por se tornar pleno em sua inteireza.
A Bioética surge como uma disciplina para refletir sobre problemas levantados
por questões éticas, legais e sociais trazidas pelo avanço da medicina, ciência e
biotecnologia. Portanto com novos e contemporâneos problemas éticos associados ao
avançar das ciências da vida. Segundo GOLDIM (2012), a Bioética não deve ser
abordada de forma restrita, simplificada, reducionista ou antropocêntrica, fazendo
referência à Fritz Jahr, chama a atenção para o fato de que desde 1927, quando foi usada
pela primeira vez a palavra bioética, designava obrigações éticas não apenas com
relação ao ser humano, mas para com todos os seres vivos. Assim, nos colocando diante
de um imperativo bioético que implicaria em respeito a todo ser vivo, e este,
essencialmente, deveria ser considerado como um fim em si mesmo.
Aldo LEOPOLD (1949), ampliando a discussão de Jahr, inclui além das plantas
e animais, o solo e demais recursos naturais como objeto de reflexão ética, e apresenta
suas considerações sobre ética postulando o direito das gerações futuras a receberem um
ambiente preservado, criando uma Ética da Terra, e dividindo o desenvolvimento moral
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em três estágios sucessivos: o da regulação das relações entre indivíduos; o das relações
entre indivíduo e sociedade; e o das relações entre o homem e a biosfera.
Ainda em 1970, outro sentido surge para a bioética quando André Hellegers,
fundador do Instituto Kennedy de Bioética, utiliza o termo para denominar os estudos
que estavam sendo propostos na área de reprodução humana.
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A ideia de viver de acordo com padrões éticos está ligada à ideia de refletir e de
defender o modo como se vive, de dar-lhe razão de ser, de justificá-lo. As pessoas
podem fazer coisas consideradas erradas e, ainda assim, estar vivendo de acordo com
padrões éticos, desde que tenham condições de defender e justificar aquilo que fazem.
(SINGER, 1994).
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Para serem eticamente defensáveis, é preciso demonstrar que os atos com base
no interesse pessoal são compatíveis com princípios éticos de bases mais amplas, pois a
noção de ética traz consigo a idéia de alguma coisa maior que o individual. E defender
uma conduta em bases éticas não significa mostrar os benefícios que ela traz a um
indivíduo, mas a conduta ética é aceitável de um ponto de vista que é, de certa forma,
universal.
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Para esta proposta de fazer dialogar Jung e Singer e, apesar desses autores
concordarem com o fato inegável de que ‘a razão apareça como uma instância de
decisão ética’ (JUNG, 1988:133), creio ser original a concepção de Jung quanto à
origem da ética e dos fatores inconscientes que influenciam nossas decisões. Com isso,
apresentamos as suas concepções acerca da origem do mal, sobre a moral e o sentido de
ética e suas relações com os arquétipos da Sombra e do Si-Mesmo. Este arquétipo
representa a totalidade psíquica e coincide com a imagem do mais alto valor de uma
cultura, já a Sombra é todo o inconsciente.
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Jung enfatiza, então, que por trás da ação de um homem não se encontra nem a
opinião pública nem o código moral, mas a personalidade da qual ele ainda é
inconsciente. E é por ela, por esta personalidade inconsciente, que o homem terá que
responsabilizar-se.
Introduz-se aqui a questão da natureza do Mal e suas relações com o que Jung
distinguiu e denominou como Sombra Pessoal e Sombra Coletiva, pois que ‘bem e mal
são em si princípios; e princípios existem bem antes de nós e perdurarão depois de nós’.
(JUNG, 1993: 859). O bem e o mal são princípios de nosso juízo ético.
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E isso resultou na ideia de Deus como totalmente bom, e o mal, como sendo apenas a
diminuição do bem. Jung nos diz que só podemos emitir um julgamento quando é
possível o seu oposto em termos de conteúdo.
Para Jung, tanto a imagem de Deus, que se faz presente quando da atualização
do arquétipo do Si-Mesmo, quanto o instinto, correspondem a um determinado
complexo de fatos psicológicos e representa uma dada grandeza com a qual podemos
operar. Em suas palavras:
Não me canso de dizer que nem a lei moral, nem o conceito de Deus,
nem nenhuma religião penetraram no homem vindos do exterior (...); o
homem, pelo contrário, encerra nuclearmente todas estas coisas dentro
de si, desde as origens, e, por isto, as recria, sempre de novo, extraindo-
as de seu próprio íntimo. (...) A ideia de lei moral e a ideia de Deus
fazem parte do substrato último e inarredável da alma humana. (JUNG,
1984:528)
Para Jung, a consciência é uma reação psíquica que se pode denominar moral,
porque aparece quando a consciência psicológica abandona a trilha dos costumes e da
moral (mores) ou a ela recorre. A consciência significa, na maioria dos casos
individuais, uma reação a um desvio do código moral e corresponde, em grande parte,
ao medo primitivo do não usual, não costumeiro e, não moral.
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Jung afirma que somente a força criadora do etos, que representa a pessoa
inteira, pode dar a decisão final. Como todas as faculdades criativas do homem, também
o etos emana de duas fontes: da consciência psicológica racional, por um lado, e do
inconsciente irracional, por outro.
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personalidade bem como à sua totalidade que abarca coisas conscientes e inconscientes,
mostrando-se por isso superior ao eu.
Pode ser que então inaugure sua ética pessoal, no sério confronto com o
absoluto, no trilhar de um caminho condenado pelas leis morais em
vigor e pelos guardiões da lei. No entanto, sente-se aqui, como nunca,
tão fiel a seu ser e vocação, concordante ao seu processo de
individuação. (JUNG, 1993:869)
Segundo JUNG (1990:457), a única coisa que realmente pode ser colocada em
prática é um pequeno progresso na natureza ética do indivíduo. E, citando Kant, afirma
que este tinha razão ao dizer que o indivíduo e a sociedade deveriam passar de uma
‘ética da ação’ para uma ‘ética de convicção’.
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unilaterais, sem refletirmos sobre suas consequências. Então nos perguntamos sobre as
dimensões éticas desse avanço e o quanto significam de ameaça e risco.
Essa reflexão ética coloca à humanidade uma questão de ordem psicológica: será
que as condições morais e espirituais do homem atual se encontram suficientemente
balizadas em sua integridade, como propôs Jung, para gerir as novas tecnologias e
enfrentar suas consequências?
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deixando suas marcas nos descendentes. Porém, não se acreditava que sutilizas
cotidianas, como a alimentação e o comportamento pudessem provocar quaisquer
alterações nem que as conseqüentes marcações químicas no DNA fossem hereditárias.
Importância cada vez maior está em acompanhar as atuais condutas das grandes
empresas que tratam da manipulação genética, de seus experimentos com cultivos
transgênicos e as consequências de atos irresponsáveis, como poderemos constatar. E
não estamos advertindo contra o desenvolvimento de pesquisas nessa área, mas nos
perguntando sobre a ética dessas ações, quando da introdução de cultivares transgênicos
na natureza sem a devida pesquisa e controle sobre conseqüências irremediáveis na
natureza. Propomos uma reflexão: há defesa ou justificativa ética nessas condutas,
conforme as premissas de Singer?
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Uma questão que nos leva a uma reflexão ética são os casos de contaminação de
diferentes culturas alimentares por OGMs, resultando numa verdadeira inversão de
valores, que em psicopatologia denominamos perversão: quando agricultores
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Perspectivas da Psicologia Junguiana no Século XXI
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