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4 - A alta velocidade
Em terceiro lugar, porque tratando-se então de um país rural, sem grandes centros
industriais ou urbanos, as estações foram colocadas em locais plantados algures, com
designações que em nada correspondem à sua localização, como as de Mafra ou
Dagorda-Peniche. Estava-se muito longe da situação da Europa mais desenvolvida,
com muitas cidades e centros urbanos, com indústrias e populações numerosas,
servidas pelo caminho-de-ferro.
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Em 1926 surge a primeira linha eletrificada1 – Linha de Cascais – arrendada à
Sociedade Estoril, com capitais ingleses; e as outras companhias ferroviárias
existentes unificaram-se em 1947, com a criação da CP, como concessionada pelo
Estado, ficando a Sociedade Estoril de fora. A tração elétrica é inaugurada na linha de
Sintra2 e no troço Lisboa–Carregado, somente em 1956, só chegando à Linha do
Norte em 1966. A eletrificação da ligação Mangualde-Vilar Formoso, só chegará em
1996.
Neste último período, algumas linhas são encerradas com o objetivo de uma futura
modernização que não aconteceu, em nome da crise financeira; porém, em
contrapartida, é observável a preferência para a construção de uma desmesurada
rede de autoestradas, no contexto da estrutural e suspeita ligação dos governos com
as grandes empresas de obras públicas. A exploração das autoestradas constitui, de
facto, uma forma de constituição de rendas em torno da cobrança de portagens, com
financiamentos garantidos pelo Estado, no âmbito das célebres parcerias público-
privadas3.
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A tração elétrica desenvolveu-se na Europa depois de 1890 e, em Portugal as locomotivas a vapor só foram
abandonadas em 1977, devido aos perigos de incêndio; estes, atualmente… têm certamente outras causas
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Há testemunhos de que no tempo da utilização de máquinas a carvão, à entrada no túnel do Rossio, em Lisboa, os
passageiros fechavam as janelas para evitar a entrada de fumo; e que à chegada à saída do túnel, rapidamente
abriam, esbaforidos, as janelas para reduzir a temperatura dentro das carruagens e respirar fundo.
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Como é habitual no que é negativo, Portugal é o campeão europeu, em termos do peso no PIB (3.2%),
das responsabilidades não registadas com PPP, conforme o último relatório sobre os “Riscos
Orçamentais e Sustentabilidade das Finanças Públicas” elaborado pelo Conselho das Finanças Públicas.
Como é habitual os impunes responsáveis são os gangs do costume – PS/PSD/CDS.
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agregada a EMEF - Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário, S.A. Em
função dessa segmentação, o pendor burocrático inventa, no ano seguinte o Instituto
Nacional do Transporte Ferroviário, como entidade reguladora para o sector.
Não deixa de ser curioso que um troço de 42 km, com uma grande população a servir,
seja então entregue a uma empresa privada - Fertagus – em ligação a um péssimo
transportador rodoviário - TST – Transportes Sul do Tejo - sendo ambas propriedade
do grupo Barraqueiro que, jamais tivera qualquer ligação ao transporte ferroviário.
Pelos apoios que lhe são dados, o Barraqueiro mostra-se como mais uma empresa de
regime5:
Os preços dos bilhetes praticados pela Fertagus são caros comparados com
outros praticados pela CP em percursos aproximados. Uma ligação Lisboa-
Setúbal, via Fertagus, custa € 4.50 e um passe mensal € 131.95; numa ligação
CP, Lisboa-Azambuja um bilhete isolado custa € 2.55 e o passe mensal € 55.75.
Embora seja justo sublinhar a boa qualidade do serviço da Fertagus e que a CP,
obviamente não pode ter, com a sua habitual e objetiva situação de
descapitalização.
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O regime pós-fascista, para apoiar o setor das telecomunicações depois do advento dos telemóveis e
da internet doméstica rapidamente criou um estrutura burocrática – Tribunais de Pequenas Instâncias –
perante os quais os consumidores são esmagados pelas mãos de sociedades de pequenos advogados
contratados pelas empresas de telecomunicações.
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Esse caráter de empresa de regime evidenciou-se quando o mesmo grupo Barraqueiro, de um tal
Humberto Pedrosa, surgiu como candidato no rocambolesco processo de privatização da TAP e a
reboque de um empresário brasileiro. E, claro, o grupo também não tinha de capacidades técnicas para
a exploração de uma frota de aviões; mas, certamente com amigos nos gangs então no poder, PSD/CDS.
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Quando do alargamento da linha de Coina a Setúbal, a Fertagus não tinha
comboios para manter o mesmo horário e a CP apresentou uma proposta para
alugar composições, o que evitaria a redução da frequência na prestação do
serviço. Reinava na paróquia lusa um primeiro-ministro de opereta (Santana
Lopes) que tinha como ministro na área o execrável Mexia; este recusou a oferta,
preferindo que a Fertagus alargasse o espaço de tempo entre dois comboios…
em prejuízo dos utilizadores, como é óbvio.
Se existisse por parte dos governos PS/PSD alguma preocupação com a gestão
do erário público, a nova linha viria beneficiar a situação financeira da CP, com a
inclusão nesta de um novo e vultuoso número de passageiros, com uma
integração do tráfego de passageiros na ligação entre as duas margens do Tejo,
numa única entidade. A, exigir, portanto, um menor esforço da afetação de
dinheiro público na CP. Pode mesmo dizer-se que a privatização da exploração da
travessia da ponte, onera os seus utilizadores com um tarifário caro e ainda com a
habitual cobertura dos deficits da CP, através da crescente carga fiscal que onera
(quase) toda a população.
A privatização de linha e tráfego na área ferroviária referida atrás, não se quedou pelo
negócio Fertagus. Em 2015, no final do consulado Passos/Portas, como comissários
da troika, a CP vendeu a sua subsidiária - CP-Carga - por € 53 M à MSC -
Mediterranean Shipping Company S.A. Na transação foram incluídas 59 locomotivas
(das quais 34 elétricas, sendo as outras a diesel) e 2917 vagões, admitindo-se ainda o
aluguer de mais locomotivas.
Sendo o negócio efetivado já em 2016, poderá de ser estranho que passados dois
anos, a CP venha a alugar à RENFE 20 locomotivas a diesel por € 7 M/ano a que se
juntarão mais 4 por € 1.4 M; o que revela um pouco cuidado planeamento. Tendo em
conta a especificidade da bitola ibérica, a CP não tem onde recorrer ao aluguer de
equipamento que não em Espanha, onde as linhas de alta velocidade, construídas
com bitola europeia, deixarão com pouca utilização composições dedicadas à bitola
ibérica; com aproveitamento e rendabilidade obtidos na periferia lusitana.
Sem ter nada a ver com um verdadeiro negócio ferroviário o SATU é um caso
emblemático de intervenção desastrosa, no âmbito de uma parceria entre a Câmara
de Oeiras – regida então pelo autarca “modelo” Isaltino de Morais - e uma conhecida
construtora, a Teixeira Duarte. Para além da inviabilidade do negócio, o monocarril foi
tomado como o mais poluente dos transportes públicos.
Tendo em conta que a frequência do SATU, nos seus 1200 m de linha, nunca
ultrapassou os 550 passageiros - 2 por viagem (!) - evidencia-se mais um caso
paradigmático de megalomania autárquica e de incompetência, pois nem um estudo
de tráfego foi feito.
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decaiu 66%, com Portugal a ser o único país da Europa Ocidental a perder tráfego;
contra aumentos de 30% em França, 53% na Grã-Bretanha e 57% na Irlanda.
De acordo com dados do INE, a perda de passageiros tem sido evidente: 1988 - 231
M, 2001 – 161 M e 2016 – 134 M. Em 2001, o total das linhas existentes era de 3578.4
Km, onde se incluíam 21.4% de linhas sem exploração; em 2016, para um total de
3620.8 Km de via, as linhas sem exploração correspondiam a 29.7% daquele total.
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Uma longa viagem por Marrocos ocorrida recentemente permitiu ver a ausência de quaisquer vestígios
de incêndios florestais, bem como o aproveitamento agrícola da terra. Recorde-se que de Marrocos
vieram apoios aéreos para debelar incêndios em Portugal…
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Como também se sabe, há uma relação próxima entre o partido-estado PS/PSD -
adicionando o acólito CDS - e as grandes construtoras (veja-se o caso da Mota-Engil
ou da Construtora do Lena), preocupados em gerar empreitadas (uns) ou, como
alavanca para o crescimento do PIB (outros) embora, na realidade, essa relação
promíscua se configure em torno das concessões, da criação de portagens, de uma
pesada infraestrutura de pórticos e leitores de matrículas, no âmbito de contratos
leoninos, bem guardados de vistas críticas, no seio das célebres parcerias público-
privadas, que passaram incólumes pelas medidas da troika. Por aqui passa muito do
desinteresse do actual regime cleptocrático com o desenvolvimento e maior empenho
no transporte ferroviário. O delírio é claro; 10% das famílias portuguesas usa
transporte público e que 11% têm quatro ou mais automóveis
4 - A alta velocidade
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quase € 1 M na ligação Aveiro-Salamanca e € 0.5 M no troço Faro-Huelva7. Ainda em
2011, devido aos condicionalismos colocados pela intervenção da troika, o projeto da
alta velocidade foi suspenso por tempo indeterminado.
Em abril último, António Costa arrumou o assunto da alta velocidade com uma
afirmação lapidar “A alta velocidade é um tema tabu na política portuguesa e vai sê-lo
por muito tempo” mostrando assim que tem mais manha na cabeça do que banha na
barriga. As suas prioridades não passam das preces para que se mantenha o actual
fluxo turístico e o crescimento da bolha imobiliária que, por sua vez, anima o sector da
construção civil. O que Costa deve gostar nos comboios é a ladainha que há muitos
anos se ouve nas estações ferroviárias: “O comboio com origem em… e que se
destina a … circula com um atraso de … minutos. Pedimos desculpa pelos incómodos
causados”.
O único novo projeto ferroviário previsto é uma ligação convencional entre Évora e
Mérida, destinada a tráfego de mercadorias e que poderá, posteriormente, vir a ligar-
se à linha de alta velocidade Lisboa-Madrid, quando esta existir. O programa Ferrovia
2020 que envolve € 1920 M destina-se a modernizações, eletrificações em 1200 km
de via e ainda 214 km de novas construções.
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https://www.engenhariaportugal.com/quase-9-milhoes-investidos-em-2010-no-tgv
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Assim, a lusa governação aponta para uma concretização longínqua da alta
velocidade e do acentuar da periferização portuguesa, a despeito das constantes
afirmações sobre a inclusão europeia do país.
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