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o processo tem duas mãos: quem influencia quem?

A tatuagem Guy Debord, no seu delírio maravilhoso, não hesitava


da menina foi copiada da novela no afã de estar na moda, ou a diante de coisa alguma na busca do des(en)cobrimento: "As
novela copiou a tatuagem da menina para se identificar com a ideias melhoram. O sentido das palavras entra emjogo. O plágio
linguagem da "galera", ou seja, para corresponder a um deter- é necessário. O progresso supõe o plágio. Ele se achega à frase
minado imaginário juvenil? de um autor, serve de suas experiências, apaga uma ideia errô-
As teorias da comunicação, centradas na ideia de mani- nea, a substitui pela ideia nova" (1997, p. 134). Vamos apagar
pulação (emissor forte/receptor fraco), perguntavam: uma ideia errônea de Debord. Vamos substituí-Ia por outra ideia:
- O que a rnídia faz com as pessoas? não é de plágio que se trata, mas de diálogo, de intertextualida-
As teorias da recepção, centradas nas experiências de de, de intervenção. As ciências são uma interminável conversa.
vida (emissor fraco/receptor forte), perguntam: A verdade é uma informação. Debord cercava as sutilezas
- O que fazemos com a rnídia? da não mentira: "Ao contrário da pura mentira, a desinformação
As teorias complexas, centradas na conjunção de expe- - e é nisto que o conceito é interessante para os defensores da
riências de vida, das tentativas de manipulação ou de influência sociedade dominante - deve fatalmente conter uma parte de
e na interação entre os diversos elementos da cadeia comunica- verdade, mas deliberadamente manipulada por um hábil ini-
cional, esboçam outra pergunta: migo" (1997, p. 202). A desinformação seria, nas palavras do
- O que fazemos com o que a mídia faz da gente? teórico da sociedade do espetáculo, "o mau uso da verdade".
Como se formam os imaginários? Guy Debord, na sua Hipóteses:
famosa tese 4, realizou uma síntese extraordinária: "O espetá- - E se não houvesse mau uso da verdade?
culo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social - E se a verdade pudesse ser um mau uso?
entre pessoas mediada por imagens" (1997, p. 14).
Obedeçamos a Debord: corrijamos Debord. Troquemos
uma palavra: o imaginário não é um conjunto de imagens, mas 5 DEU NO JORNAL: CORRETO,
uma relação social entre pessoas mediada por imagens. VERDADEIRO OU DESINFORMAÇÃO?
As narrativas do imaginário e do vivido devem estudar
Vimos que o jornalismo vê o mundo com as lentes da
essa "relação". Fazer passar de encoberto a descoberto essa zona
sua cultura e da sua mitologia profissional. Não há profissão
existencial de intersecção.
que não conte para si mesma uma história que lhe dê sentido e
f) A diferença entre correto (exato) e verdadeiro: o exemplaridade. Um caso pode mostrar concretamente essa
grande risco da pesquisa é que o pesquisador aceite o correto relação entre exatidão/verdade/desinformação, repetição/dife-
como verdadeiro. Heidegger dizia: "O correto constata sempre rença e cobrir/descobrir esboçada antes. Mais uma vez, é so-
algo exato e acertado naquilo que se dá e está em frente (dele). mente um exemplo para facilitar o entendimento de quem está
Para ser correta, a constatação do certo e exato não precisa começando na profissão de pesquisador ou de quem, escolado,
descobrir a essência do que se dá e apresenta" (2002, p. 12-13). está querendo ver mais longe. Afinal, este é também um livro
Ao pesquisador, porém, interessa a verdade profunda. de autoajuda acadêmica muito nobre.

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Depois de aprovada a lei federal, no segundo governo Em segundo lugar, interessa ver a cobertura feita pela
Lula, do piso salarial (R$ 950) para professores de ensino fun- mídia dessa disputa que foi parar no STE Em 17 de dezembro
damental e médio das redes estaduais, cinco governadores, entre de 2008, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se proviso-
os quais a governadora Yeda Crusius, do Rio Grande do Sul, riamente sobre a demanda dos cinco governadores. Imedia-
recusaram-se a obedecer imediatamente e entraram com recurso tamente a Folha Online noticiou: "STF garante entrada em vigor
junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) alegando ser incons- do piso nacional de professores em janeiro". O site do Supremo
titucional considerar piso igual a salário inicial ou ao básico. Os Tribunal Federal escolheu este título: "STF garante piso salarial
a professores e suspende alteração na jornada de uabalho".
governadores em questão aceitavam que nenhum professor
Em 18 de dezembro de 2008, o jornal Correio do Povo, de
ganhasse menos de R$ 950, mas não como salário inicial e/ou
Porto Alegre, chamou na sua capa: "STF garante o piso salarial
básico. O básico é o valor sobre o qual são calculadas e acres-
d~s professores". E na página 28: "STF garante piso de R$ 950
centadas as vantagens da carreira de todos os professores, entre
a partir de janeiro". O jornal Zero Hora, de Porto Alegre, chamou
as quais os ganhos por tempo de serviço e as promoções por
na sua capa: "STF evita que Estado tenha de contratar 27,3 mil
mérito. Além disso, os governadores questionavam na lei o
professores". E na página 58: "Yeda tem primeira vitória em
aumento das horas pagas disponíveis para atividades extraclas-
julgamento sobre piso".
se, como preparação de aulas e correção de trabalhos e provas.
Todos os títulos citados estão corretos. Não mentem. Mas
O que estava em jogo nesse exemplo escolar controvertido?
nem sempre dizem toda a verdade. Em alguns casos, induzem
Em primeiro lugar, a interpretação da lei e, especifica-
claramente ao erro (desinformam). Vejamos o título da Folha
mente, da tríade piso/salário iniciallbásico. Onde os professores Online: "STF garante entrada em vigor do piso nacional de
e seus sindicatos viam uma repetição (piso = salário inicial = professores em janeiro". É exato. Como salário inicial? O texto
básico), os reclamantes percebiam uma diferença (piso i:. salário da Agência Brasil, assinado por Marco Antonio Soalheiro, tinha
inicial e básico). Para os professores o piso seria o salário de uma linha de apoio: "STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu
ingresso na carreira e a base do cálculo para vantagens. Para os nesta quarta-feira (17) que a lei que instituiu o piso de R$ 950
governantes rebelados piso era o valor abaixo do qual nenhum para os professores poderá entrar em vigor a partir de 1 de 0

professor poderia receber. A diferença de interpretação gerava, janeiro de 2009 e que o aumento do tempo de planejamento de
do ponto de vista dos professores, um paradoxo, fazendo do aulas para 1/3 da carga horária de trabalho do professor, também
piso um teto: ninguém ganharia abaixo nem acima do valor previsto na lei, ficará suspenso". À primeira vista, era uma vitória
fixado. Quem já ganhava R$ 950, ficaria onde se encontrava. e uma derrota para o magistério. Na prática, duas derrotas
Quem ganhasse menos, receberia uma complementação. A ideia estavam cristalizadas. A liminar do STF deixava para mais tarde
de piso/teto (repetição na diferença), em oposição a piso/salário a decisão sobre o piso como salário iniciallbásico e garantia
iniciallbásico (diferença na diferença), é correta na medida em apenas o valor mínimo de R$ 950 a cada professor, acrescido,
que produz uma simetria forçada ou nivelamento, embora não se necessário, de complementação.
totalmente verdadeira por existirem salários acima de R$ 950. Até aí a Folha Online limitou-se a apresentar a correção
Era desinformação e contrainformação. (parte da verdade) como verdade integral. No texto, porém,

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chegou ao erro típico da pressa que caracteriza o jornalismo guardião de parte do interesse do magistério, quando, na ver-
sem checagem da internet: "Os argumentos apresentados pelos dade, nos dois aspectos citados no seu título, favoreceu parcial-
estados contra a classificação do piso como vencimento básico mente as demandas dos governos: suspendeu o aumento das
e o aumento do tempo de planejamento de aulas não sensibi- horas de planejamento e não interpretou piso como salário inicial.
lizaram o ministro relator, Joaquim Barbosa. Ele ressaltou que O STF afirmou não haver inconstitucionalidade na fixação de
a lei permitirá que até 31 de dezembro de 2009 o piso incorpore um piso nacional. Esse aspecto constava, de fato, na pauta dos
vantagens pecuniárias, numa espécie de período de maturação reclamantes, embora rapidamente tenha sido ultrapassado pela
para os estados. Barbosa definiu como 'justas expectativas' a definição do piso como menor salário. Ao escolher uma forma
ansiedade dos professores". Isso era o que previa a lei aprova- de noticiar a sua decisão o STF enfatizou o aspecto tido pelos
da. Era também o ponto de vista argumentado do relator da atores sociais em disputa praticamente como ponto pacífico.
matéria, ministro Joaquim Barbosa, que não foi seguido pela Cada um usa a lente que lhe convém.
maioria dos seus pares. O jornal Zero Hora fez a escolha mais explicitamente
Há repetição e diferença nos títulos da Folha Online, política entre todos os citados: "STF evita que Estado tenha de
do Correio do Povo, do site do STF e de Zero Hora. Quando contratar 27,3 mil professores". É exato. Está correto. Essa parte
o Correio do Povo afirma, "STF garante o piso salarial dos estava contida no todo da decisão. E coincidia com a expecta-
professores", não erra, mas também não acerta totalmente. A
questão não era só a invalidação do piso e sim sua caracteriza-
) tiva do governo. O veículo usou a lente do governante para
divulgar a decisão do STF. Viu do ponto de vista do poder
ção como salário iniciallbásico ou menor salário. Quando o reclamante. Poderia ter usado a lente dos professores: "STF
mesmo Correio do Povo diz, nas suas páginas internas, "STF impede Estado de contratar 27,3 mil professores". Ao se passar
garante piso de R$ 950 a partir de janeiro", também não erra. do verbo "evitar" para o verbo "impedir" já há uma alteração
Tampouco diz toda a verdade. A pendência fundamental não considerável. Na matéria interna, Zero Hora fez uma escolha
dizia respeito à invalidação desse valor ou ao momento da sua ainda mais política e particular: "Yeda tem primeira vitória em
entrada em vigor. A lei já estabelecia tudo isso e os reclamantes julgamento sobre piso". É correto. Mais uma vez, porém, não é
não punham isso em discussão como elemento incontornável toda a verdade. Houve um perde-ganha. A chamada poderia
ou inaceitável. O contencioso principal referia-se à definição do ter sido: "Professores têm vitória parcial em julgamento sobre
piso como salário iniciallbásico ou menor salário, ao aumento piso". Se, de fato, como noticiaram a Folha Online, o Correio
das horas de planejamento e à transformação do menor salário do Povo e o próprio STF, a questão em jogo era em primeiro
em salário inicial (piso como salário inicial e básico) a partir de lugar a constitucionalidade ou não de um piso nacional para
2010. Provisoriamente o STF definiu piso como o menor salário os magistérios estaduais, então a manchete dos jornais poderia
do magistério. As palavras, como diria Debord, falam. (ou deveria) ter sido: "Professores têm primeira vitória em jul-
O site do STF repetiu com alguma diferença as chama- gamento do STF sobre piso". Não foi.
das dá Folha Online e do Correio do Povo: "STF garante piso O autor desta análise escreve no Correio do Povo.
salarial a professores e suspende alteração na jornada de Essa rápida abordagem mostra que houve diferença na
trabalho". Posto dessa forma, o STF dava-se o bom papel de repetição (a mesma decisão ora traz vantagem para os profes-

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sores ora para os governos) e repetição na diferença (houve Atenção: o parágrafo acima, de tom polêmico, apre-
um vitorioso) nos títulos dos jornais citados e do site do STF. sentado neste texto, agora redimensionado, no encontro da
Correio do Povo, Folha Online e STP procuraram destacar Compós de Belo Horizonte (Associação dos Programas de
uma vantagem obtida pelos professores (STP garante piso). Zero Pesquisa e Pós-Graduação), em 2008, cometeu um deslize:
Hora fez o contrário e festejou a vitória dos governos descon- supôs uma adesão permanente de Zero Hora ao governo Yeda
tentes. Em certo sentido, Zero Hora noticiou um fato enquanto Crusius. Nos meses seguintes, ZH atacou impiedosamente o
Folha Online, Correio do Povo e STP parecem ter noticiado mesmo governo acusado de corrupção.
outro. Cada enunciador deformou e formatou o fato para trans- Um pesquisador deve fazer correções de rota.
formá-lo em acontecimento. A técnica jornalística serviu inclu- Nenhum dos procedimentos apresentados antes é ile-
sive ao STP para espetacularizar a notícia da decisão, dando- gítimo. Todos eles, porém, ao cobrir, mais encobriram do que
lhe um aspecto de jogo, apontando um vitorioso e um perdedor. des(en)cobriram. A manipulação não se deu pela mentira, mas
O reconhecimento de que ambos perderam e ganharam (ou pela angulação, pela omissão e especialmente pelo ponto de
empataram), embora mais complexo, tiraria impacto da novi- vista. Nenhum desses enunciadores pode ser acusado de ter
dade. A angulação parece ter sido consciente. Em lugar da faltado com a verdade. Todos foram corretos. Limitaram-se,
mentira, a manipulação sutil. porém, a um ângulo da verdade a ser enunciada. Eu mesmo,
Esse caso revela, acima de tudo, um pouco mais sobre como jornalista do Correio do Povo, tomei o partido dos pro-
cada enunciador. A Folha Online, como veículo eletrônico, fessores. Reconhecer isso descobre um elemento da minha
tinha pressa e cometeu um erro por não poder perder tempo. O cobertura e da minha reflexão como pesquisador. Cada um,
STP procurou uma manchete salomônica como cabe a um inclusive eu, fez uma narrativa com maior ou menor grau de
tribunal de justiça: STP garante piso salarial aos professores estranhamento, "entranhamento" e desentranhamento. Cada
(decisão em favor do magistério) e suspende alteração da jor- um estabeleceu diferenças nas repetições e repetições na dife-
nada de trabalho (decisão em favor dos governos). Num site, rença. Cada um lançou elementos capazes de converter o fato
sem problema de espaço, a chamada poderia ter sido: STP em acontecimento. Ao pesquisador coube recobrir (cobrir a
garante piso salarial como menor remuneração possível e sus- coberturajornalística) para descobrir aquilo que ficou encoberto
pende alteração na jornada de trabalho do magistério. Seriam pela técnica jornalística. A pro-vocação é essência da técnica de
parcas duas linhas. O jornal Correio do Povo destacou o ganho pesquisa. A essência da técnica jornalística não é técnica, mas
alcançado pelos professores na medida em que o ideal para cultural. Exatamente.
os governos reclamantes seria a inconstitucionalidade do piso Meses depois, o governo Yeda Crusius tentou aprovar
nacional. Zero Hora, sabidamente, por seus editoriais e colu- projeto de lei aumentando o piso dos professores para R$ 1.500.
nistas, mais sensível aos argumentos "modernizadores" do A discussão recomeçou. Houve perplexidade: por que o governo
governo tucano de Yeda Crusius e mais refratária aos argu- recusara-se a pagar a R$ 950 e propunha-se a pagar R$ 1.500?
menfos considerados "corporativos" do magistério, comportou- O CPERS (sindicato dos professores) recusou. Parte da popu- A

se como diário oficial e valorizou o que já era o seu maior valor lação ficou ainda mais perplexa: por que eles queriam R$ 950 e
na questão. Nada de novo no front. recusavam R$ 1.500?

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Paradoxo? Repetição na diferença. - O que o olhar vê é o que "é"?
Piso e básico deveriam ser a mesma coisa: salário inicial, - O que prova que um olhar que vê, com as suas lentes
salário abaixo do qual ninguém pode ganhar e salário sobre o polidas e testadas, enxerga?
qual devem ser acrescentadas todas as vantagens da carreira. - Terá havido entranhamento na posição do governo?
Redundantemente um piso-básico. O governo gaúcho, no - Terá havido entranhamento na posição da mídia?
entanto, faz uma distinção entre piso e básico. O básico é menor - Terá havido entranhamento na posição do CPERS?
do que o piso. - Terá havido entranhamento na posição da sociedade?
O que estava encoberto na proposta do governo de
pagar um piso de R$ 1.500? O governo queria dar mais piso O jogo continua.
para dar menos básico. As vantagens incidiriam sobre um básico Façam os seus lances.
de R$ 860 para 40 horas. Quem já ganhasse R$ 1.500, perderia É sempre argumento contra argumento.
vantagens (haveria mudanças no plano de carreira) e não teria Argumento, contra-argumento.
qualquer aumento. Quem ganhasse menos, poderia ter um bom
aumento sobre o que não incidiriam vantagens e seria obtido ao
custo do congelamento dos salários mais acima e da retirada de
6 MUITO ALÉM DA ABNT
vantagens históricas da carreira. Um jogo de palavras.
Hipóteses: Metodologia e regras daABNT apavoramjovens e velhos
- O governo jogou com a desinformação para lançar os pesquisadores. E fazem, segundo as más línguas, as delícias de
professores de salários mais baixos contra os de salários um avaliadores perversos (ou pervertidos?). A ABNT daria prazer
pouco mais elevados. até aos pedófilos. O pessoal exagera. Dizem muitos estudantes
- O governo jogou a mídia contra o sindicato dos profes- que quando um avaliador se aferra às regras da ABNT só há
sores sugerindo que, por uma questão ideológica, defendia-se uma conclusão possível:
ganhar menos do que mais. - Ele nada tem a dizer sobre o conteúdo.
- O governo, sem mentir, não foi verdadeiro. Um método, no entanto, é decisivo. Não há ciência sem
- Ao apresentar a nova proposta o governo explorou um isso. Quando aplicado sem dogmatismos, pode arrumar:
paradoxo (mais é menos), produziu uma diferença na repetição - Bolsa de mulher.
(um valor maior para uma mesma ideia) e uma repetição na - Casa de homem solteiro.
diferença (piso não é básico). - Teses sem grandes voos.
A pesquisa, que pode ou não ter produzido um des(en)co- A ABNT é um monstro mais impressionante. Deve exis-
brimento, buscou um desvelamento (passar do coberto ao tir, embora eu nunca tenha ouvido falar em meus anos de
destenjcoberto) e um desvendamento (tirar a venda). Ficam as doutorado em Paris, a AFNT (Associação Francesa de Normas
perguntas que nunca se calam: Técnicas). Jamais ouvi um estudante francês anunciar: "Vou
- Quem está de olhos vendados: o governo? Os jorna- pagar para alguém colocar meu trabalho nas regras da AFNT".
listas? O sindicato? Os professores? A sociedade? No Brasil, é a regra. Quer dizer, a norma. Melhor, as normas da

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ABNT. Eu não sou contra a ABNT. Permito-me usá-Ia em doses normas constantemente, um sujeito disposto a mudar de sexo
homeopáticas. Já vi trabalhos brilhantes serem massacrados teria exclamado: "Se até a ABNT muda, por que eu não?".
por causa da falta dos dois pontos depois do nome da cidade e Lembro-me de uma avaliadora que, muito antes dos
antes do nome da editora. computadores, usava uma régua para medir a distância entre a
Houve um tempo em que o título de um livro tinha de margem esquerda e a primeira letra de uma dessas citações
aparecer "obrigatoriamente" em itálico. Depois, em negrito feitas em bloquinhos fora do corpo do texto. A avaliadora, im-
(prefiro o itálico, mais suave, mas pode ser tanto em itálico pávida, cobrava. Certa vez, presenciei uma discussão, numa
quanto em negrito ou grifo). O sobrenome do autor devia universidade paulista, entre dois avaliadores sobre o número de
aparecer primeiro necessariamente em maiúsculo. Depois, linhas permitido para uma citação no corpo do texto. Um deles,
houve uma flexibilização. Hoje, deve aparecer em minúsculo furioso, dizia: "Até cinco linhas". O outro rebatia com o mesmo
no texto e em maiúsculo quando entre parênteses. No título de vigor: "Até três linhas". Fizeram um acordo: "Quatro linhas".
uma obra, a primeira letra de cada palavra devia estar em Como diz Feyerabend, pode existir um lado irracional no mundo
caixa alta. Depois, só a primeira letra da primeira palavra (e, das ciências. AABNT legisla sobre essa distância para citações
se houver, o artigo inicial). O espaçamento entre as linhas era destacadas (com mais de três linhas): 4 em (escreve-se 4,0)
duplo. Agora, 1,5 (prefiro o duplo, sou míope). AABNT muda de recuo na margem esquerda (por que não 4,5?). Diminui-se a
de regras como quem muda de camisa (pressupondo pessoas fonte. Saem as aspas. Faz sentido!
asseadas e com muitas camisas). Exagero, exagero! Devo estar Existem distinções que parecem feitas para o esque-
enganado em tudo isso. Devo estar fazendo confusão. Só não cimento. Um pesquisador, claro, não se intimida.
consigo aceitar que um aluno brilhante sofra com a ABNT e - idem ou id: mesmo autor.
tenha de remunerar alguém para realizar essa penosa tarefa. - ibidem ou ibid: na mesma obra.
Sobre regras desse tipo, Edgar Morin me disse um dia: "O Eu dou três conselhos gratuitos aos jovens:
importante é uma padronização sem mesquinharia". Em seguida, - Aprendam as regras da ABNT.
depois de alguma reflexão, completou: "É preciso ter cuidado - Não paguem por isso. É antiético e burrice.
com os padronizadores compulsivos. Eles odeiam as dife- - Não abandonem a pesquisa por causa da ABNT.
renças". Golpe de mestre. Uma linda menina desabafou, certa vez, comigo:
As regras da ABNT viraram um parâmetro na falta de - Desisti de ser pesquisadora. Odeio a ABNT.
outros parâmetros de avaliação. Em meio à crise de referen- - Que vais fazer?
ciais, nada melhor do que um referencial entregue pronto e - Vou ser policial.
categórico. Contra o perigo do subjetivismo, sempre sinuoso, Espero que esteja feliz. Acho que trocou norma por
aplica-se o objetivismo da ABNT. O acessório vira principal. norma, controle por controle e medo por medo.
Uma grade feita só de certezas, que nunca admite seu caráter Eu me permito burlar a ABNT. Aqui, não apliquei algu-
provisório, julga conteúdos de grande incerteza e garante o sono mas das suas recomendações e devo ter errado outras. Por
do avaliador. Já existe até uma definição anedótica: mais orto- exemplo, não segui a regra das três linhas máximas de citação
doxo do que regra da ABNT. Como a ABNT "atualiza" suas no corpo do texto. Os bloquinhos separados tiram a fluência de

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um livro. Tenho certeza, porém, de que qualquer um pode quem sabe, "Avatar lI", o que poderá resultar noutro brilhante
aprender as normas da ABNT em 15 minutos (e esquecê-Ias em texto (ensaio) para o ano seguinte. Pronto.
cinco). É perda de tempo brigar com a ABNT. Muito mais fácil Qual o problema?
é se adaptar sempre que preciso. Nada contra. Se o ensaio for brilhante, uniu-se realmente
A ABNT não vale um tango. Nem dá samba. o útil ao agradável e trabalhou-se por tarefas. Tudo é bom quando
produz ideias novas e seminais. Precisamos de pesquisas de
campo, de pesquisas aplicadas, de teorias e de bons ensaios e
7 ENSAIO, TEORIA, PESQUISA APLICADA reflexões.
EDECAMPO Jean Baudrillard foi um ensaísta extraordinário. Os seus
textos faziam emergir paradoxos, des( en)cobrindo absurdos,
A ABNT não é o problema. Nem a solução. O problema
revelando irracionalidade na racionalidade e desvelando, pela
é o fechamento. Por exemplo, o disciplinar. Muitos são os
ironia e pela caricatura, situações de profunda ambivalência.
discursos em favor da interdisciplinaridade. Poucos são os
Sobre a clonagem, produto da ciência e do progresso capaz de
projetos aprovados. O positivismo dominante considera "sem
reproduzir mamíferos como amebas, ele escreveu: "O paradoxo
foco" projetos de interface. Mais uma vez, a sociologia da ciência da clonagem é de resto que produzirá e reproduzirá seres ainda
parece mais aparelhada para explicar esse fenômeno do que a sexuados, enquanto que a função sexual se tornou perfeita-
epistemologia. Prevalece o controle dos campos e currais das mente inútil" (1999, p. 70). Arrancou o véu que cobria a mídia
disciplinas. no imaginário do espetáculo: "A televisão chama bastante a
Na comunicação, tem havido uma caça aos ensaios. Algo atenção nos tempos que correm. Faz falar dela. Em princípio,
que se resume nesta frase: ensaio não é pesquisa. está aí para nos falar do mundo e apagar-se diante do acon-
Ou neste credo cantado em cultos ministeriais: o tempo tecimento como um médium que se respeite. Mas, depois de
do ensaísmo e do amadorismo bacharelesco acabou. algum tempo, parece, ela não se respeita mais ou toma-se pelo
Boa parte dos referenciais teóricos utilizados para legi- acontecimento" (1999, p. 157).
timar as pesquisas, paradoxalmente, é composta de ensaios de Essas "sacadas" (insights) são um modo de desvela-
grandes intelectuais estrangeiros. Assim como boa parte das mento e de desvendamento tão ou mais relevante do que os
chamadas pesquisas em comunicação, assim como em outras produtos de uma pesquisa de campo. Baudrillard, num belo
áreas, é feita de bons ensaios a partir de um "insight". O pes- ensaio sobre o problema da sexualidade numa sociedade acos-
quisador vai ao cinema sábado à noite ver, digamos, "Avatar", sada pelo medo da Aids, recorreu a uma hipótese especulativa
tem uma ideia genial, volta para casa, pega, ainda na madru- poderosa em desvendamento e desvelamento: numa seita,
gada, alguns dos seus autores preferidos e escreve, no domingo, espaço da superstição, das trevas ou da fé, à espera do Juízo
um grande artigo (ensaio) sobre o filme. Para dar caráter menos Final, o sexo estava proibido. Na universidade ao lado, espaço
ensaÍstico ao trabalho, faz uma observação sistemática: vê o da razão e das luzes, o sexo, em função do medo de processos
filme 18 vezes. Depois, publica numa boa revista do Qualis, por assédio sexual, também estava proscrito. Exagero? Certa-
contabiliza a produção no Lattes e volta ao cinema para ver, mente. Um exagero intencional, como hipótese ad hoc, capaz

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de revelar a desrazão na razão: "A própria servidão, a asneira, a - Se for possível, conceba uma nova e genial teoria. Se
resignação poderiam tomar-se doença sexualmente transmis- não for para gerar algo extraordinário, limite-se a uma boa
sível?" (Baudrillard, 1999, p. 87). pesquisa empírica, bem planejada, rica em dados novos para
ldeias como as de Baudrillard abrem caminhos para velhas ou novas interpretações.
pesquisas. Antes, porém, produzem elas mesmas des(en)cobri-
mento. O ensaio também é um modo de des(en)cobrimento de
grande utilidade social. 8 AS CI~NCIAS HUMANAS
Difícil mesmo é ter ideias para grandes voos. COMO ESPORTE OLÍMPICO
Uns, porém, parecem só valorizar a teoria. Torcem seus Se as ciências humanas não produzem verdades, mas
narizes sofisticados à "empiria". Onde se viu confiar no con- apenas versões, por que o Estado deveria financiá-Ias com bolsas
tingente, no empírico, no vulgar cotidiano? e outros benefícios? Uma hipótese radical e ad hoc é a de que
Outros só acreditam no real e pensam que ele seja capaz elas sejam uma modalidade de esporte olímpico. Para que serve
de elucidar, confirmar ou refutar qualquer teoria. O real, plena- pular mais alto ou correr mais rápido do que todo mundo? Para
mente identificável e sem ambiguidades, seria o metro com o nada. Mas mantém os jovens ocupados, dã-lhes um norte,
qual medir a verdade das ideias. estimula-os a competir por medalhas e troféus, evita que caiam
Paul Feyerabend alertava: "É comum admitir que os bons nas drogas e na violência, no crime ena vadiagem. Tem uma
cientistas se recusam a utilizar hipóteses ad hoc e que, assim utilidade social. Esse "truque" só funciona na medida em que
agindo, agem bem" (1977, p. 141). Ideias novas, sem evidências esteja envolvido por um imaginário: a mitologia da superação.
imediatas, podem, no entanto, abrir novos caminhos. Ensaios O mesmo ocorre em relação às grandes aventuras solitárias.
podem inseminar pesquisas. Cruzamentos disciplinares podem Para que serve ser o primeiro homem a escalar o Everest com
romper amarras. Especulações são capazes de gerar novas um apito na boca? Para nada. Funciona socialmente. As ciências
caminhadas. humanas funcionariam dessa mesma maneira.
Conclusões: Feyerabend questionava: "O racionalismo crítico, a meto-
- Não tente ser epistemólogo todo tempo. dologia positivista mais liberal hoje existente, ou é uma ideia
- Tente chegar à verdade mesmo se alguns sustentam penetrada de significado ou não passa de uma coleção de frases
que ela é ina1cançável (numa discussão, derivada daquela de feitas (como 'verdade', 'integridade profissional', 'honestidade
Derrida e Apel, um sujeito teria dito: "A verdade não existe". O intelectual', e assim por diante)" (1977, p. 269). Não é difícil
seu interlocutor teria respondido: "É verdade"). encontrar quem escolha a segunda opção sem vacilar. É verdade
- Todas as formas podem ser boas para produzir saber, que muitos discursos e práticas parecem, às vezes, relevar de
conhecimento e levar à ciência. uma racionalidade duvidosa ou de uma Jspécie de corrida de
- Sempre que puder, faça pesquisa de campo, suje as obstáculos cujo único objetivo seria saltar obstáculos e ganhar
mãos no mundo vivido, faça corpo a corpo com o "real", mer- medalhas. É importante publicar em revistas que praticamente
gulhe nos imaginários, dialogue com a alteridade. não são lidas. Defende-se até que revistas impressas, com

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circulação restrita ao Brasil, quando não aos armários das critérios: "Orá, vimos que a crença em um cconjuuto de padrões
editoras, sejam publicadas em inglês. que a êxito sempre conduziu e sempre conc:duzirá não passa de
Tudo isso em nome da verdade e da universalização do uma quimera" (Feyerabend, 1977, p. 337). Isso não quer dizer
saber científico. Um pouquinho mais de Feyerabend: "Quem que o ideal não deva ser perseguido.
teria coragem ou mesmo perspicácia para declarar que talvez a Novas épocas, novos problemas. ntes da internet, o
'verdade' não seja importante e talvez chegue a ser indesejável?" controle das publicações dos professores/jpesquisadores podia
(1977, p. 269-70). Dito assim, parece absurdo. Mas não é tanto ser feito tranquilamente na ponta inicial dlos processos pelos
assim. Tomemos o exemplo de um mito em tomo do qual uma conselhos editoriais dos periódicos científíicos. Quem era bar-
cultura comunga e mantém unidos os seus integrantes. Digamos rado, não obtinha legitimação e ficava praiticamente reduzido
que esse mito, como é comum, embora se apresentando como ao silêncio. Esse sistema ainda funciona coomo sistema de sele-
história factual, seja uma construção com muitos elos improce- ção e de classificação de autores. A criaçãco do sistema Qualis
dentes, mas inofensivos. Qual a utilidade de desconstruir esse de classificação das revistas acadêmicas o Brasil consagrou
mito e, revelando a verdade, destruir o totem em tomo do qual essa corrida de obstáculos como fator de reelevância científica.
compartilham valores gerações após gerações? Não seria social- O importante não é só o que se publica, nmas quem e onde. A
mente mais útil para a sociedade permanecer com seu mito? Ou publicação é um sistema de hierarquia acac:dêmica.
será que a sociedade é mais astuciosa e ignora essas verdades Há quem acredite piamente na objeetividade dos julga-
trazidas à luz e mantém seu mito? mentos graças a artifícios como pareceres cegos e administra-
Terá a verdade "científica" poder para destruir mitos ção por programa de computador dos proecessos de avaliação.
Nem tudo é manipulação e nem tudo estrã contaminado, mas
socialmente úteis? Não será o imaginário, embora feito de reta-
nesses jogos também contam relações, rede. e trocas. Faz parte.
lhos de verdade, de mitos e até de inverdades, uma sabedoria
Qualquer um deveria entender essa dinâmieca existencial huma-
maior do que qualquer verdade racional pretensamente inequí-
na. Salvo os excluídos. A circulação de ideiars (quando as revistas
voca e esclarecedora? Feyerabend, comentando a busca por ins-
saem dos armários) é um mero valor agregaido. Um dos méritos
tituições financiadoras de pesquisa de critérios objetivos e per-
desse sistema é de basear-se em julgamentcos difusos. Um texto
manentes, ironizou: "Qualquer livre associação deve respeitar a
recusado pelo conselho de uma revista poode ser aceito pelo
ilusão dos seus membros e dar-lhes apoio institucional" (1977,
conselho de outra. Há pluralidade de julgardores.
p. 336). A verdade é outra coisa.
Em linguagem de comunicação, o pooder está concentrado
Cada um com os seus problemas. A sociedade precisa de
nas mãos dos emissores, que podem seleci nar, divulgar, distri-
mitos para alimentar o seu imaginário? Que os crie, alimente e
buir pontos e troféus ou calar. .(
proteja. Ao pesquisador cabe buscar a verdade (isso não significa
A internet acabou com a hegemoniaa desse sistema.
alcançá-Ia, o que pode ser um bom álibi para continuar uma
Cada um pode ser seu próprio emisssor.
corrida sem fim, distribuir novas medalhas, manter os concorren-
Se o essencial é colocar ideias em circulação, por que
tes mobilizados e pedir novas verbas). É o seu papel. Feyerabend esperar pelo aval de um "emissor" que ccolocará o texto num
cumpre o seu ao denunciar a ilusão da objetividade universal de site tal qual faria o próprio autor?

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Há um encoberto a ser des(en)coberto? O essencial não aparências, como a verdade. E a verdade é que posturas teóricas
é a circulação de ideias para julgamento de todos, mas a legiti- e ideológicas diferentes julgam de maneira diferente os mesmos
mação pelos pares? A publicação como sistema de classificação textos. O texto de um liberal avaliado por um marxista dificil-
de autores e de hierarquia acadêmica. mente será visto como brilhante.
Bateu o desespero: se todos podem publicar e expor suas Corre-se o risco de formar um Comitê de Leitura, um
ideias, mesmo aquelas que seriam rejeitadas por um emissor tribunal no estilo totalitário que julgaria a todos e classificaria
autorizado, quem controla o quê? os bons e os maus, os aceitos e os recusados. É mais ou menos
A intemet pode se tomar um imenso "salão virtual dos isso que pode acontecer com um Qualis de Livros. Uma comis-
recusados". E se as ideias expostas por conta própria na intemet são, que certamente terá de englobar avaliadores de horizontes
se mostrarem mais interessantes do que aquelas legitimadas em diferentes (até que ponto?), lerá todos os livros e dirá quem
publicações controladas? recebe ou não aprovação. Por que alguém que pode publicar
Era comum que boas teses recebessem uma recomen- suas ideias na intemet para julgamento universal (em tese) se
dação de publicação. Para quem? Resquício de um tempo em submeteria a esse processo anacrônico de controle? Pela legiti-
que as universidades tinham influência sobre as editoras ou mação que dá acesso a recursos oficiais, prestígio e manutenção
uma maneira de iludir o autor? Qual o sentido disso quando de empregos. E a circulação das ideias? Este é um valor secun-
toda tese pode e deve ser disponibilizada na intemet? Um tempo dário, uma consequência, um derivado.
passou. Uma nova era instalou-se. E agora? Um qualis de livros, com todos os livros sendo julgados
Por que esperar seis meses para publicar na intemet um por uma mesma comissão, é uma jabuticaba. Só tem (ou terá)
texto que pode ser publicado pelo autor em um minuto? no Brasil. Fere a dinâmica consagrada do julgamento difuso.
Os autores poderiam publicar seus artigos na intemet e Pressupõe uma objetividade e uma capacidade de julgamento
enviar os endereços para as comissões de avaliação. Seria o sabidamente inexistentes. Tenta colocar a epistemologia acima
julgamento na ponta final do processo. Haveria alguns pontos da sociologia da ciência e fazer crer que a ciência não é um
positivos: velocidade na publicação, circulação imediata das campo de conflitos, de guerras de escolas, de enfrentamentos
ideias, acesso de todos, especialistas ou não, ao trabalho dis- de teorias. Esse tipo de processo tenta simplificar o complexo.
ponibilizado. Pode ser que funcione para alguma área científica (mas elas
Um ponto negativo se impõe: fim do julgamento difuso. nem usam livros) em que os experimentos possam ser classi-
Fim da pluralidade de avaliadores. Os organismos competentes ficados com um aprovado ou reprovado, funcionou ou não
teriam de formar uma comissão de avaliação. Com que critérios funcionou. Já é bizarro que teses dn ciências humanas sejam
julgar? Como garantir objetividade? Com os mesmos critérios simplesmente consideradas aprovadas ou reprovadas sem atri-
que se julga na ponta inicial? Não, pois na ponta inicial há uma buição de grau, o que, sob alegação de eliminar a subjetividade
razoá,:el, embora limitada, pluralidade de pontos de vista, ha- das notas, toma mais cômoda a vida dos avaliadores e nivela os
vendo mais espaços para a divergência. Esta é a grande contra- trabalhos medíocres e brilhantes.
dição das ciências humanas. Não há univocidade de visão sobre Julgar em ciências humanas implica subjetividade. Quanto
um material que deve se apresentar, ao menos para manter as mais possibilidade de julgamentos e contra julgamentos, maior

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a pluralidade e maior a possibilidade de evitar condenações Há os que temem a CAPES, que, eIIL nome do Ministério
sumárias em guerras particulares. ) da Educação, recomenda, fiscaliza, avalia e pune programas de
O tempo do emissor soberano e cartorial acabou. Há pós-graduação e seus pesquisadores.
quem lamente. Será preciso aprender a conviver com a con- A CAPES somos nós. O seu papel é de fomentar a pes-
corrência livre e anárquica da internet. Talvez venha a ser quisa. As suas cobranças ajudam a evitar diespersões. O excesso,
necessário discutir o que é mais relevante: disseminar novas obviamente, leva a distorções. Também faz arte do jogo. Depois
ideias, passíveis de aprovação por especialistas ou não, ou de uma época em que o "sarrafo" sobe demais, sobrevém uma
classificar autores obrigando-os a alterar seus textos para que era de distensão. O torniquete não pode ser apertado a ponto de
sejam publicados? Será que o livre-pensador não será, enfim, sufocar o criador. Nem pode ficar tão frouixo a ponto de não
um pensador livre? estabelecer qualquer parâmetro.
Um jovem pesquisador, formando na era da internet, O Estado precisa estabelecer balizasíores, Não pode ser
poderá compreender esse jogo de obstáculos que o obrigará a um tribunal epistemológico. O pesquisador é um criador que
não disponibilizar o seu texto no seu site para, quem sabe, vê-lo
deve ser capaz de correr riscos por suas irdeias (desde que as
disponibilizado em outro seis meses depois?
tenha). Howard Gardner dá um bom recado: "Homenagea-
É bastante provável que se tenha de inventar uma nova
mos cientistas como Galileu Galilei, mars é necessário que
metodologia de avaliação de publicações.
nos lembremos que ele foi denunciado e aprisionado, e que
Salvo se, por bom-senso, houver o retorno ao tribunal
Giordano Bruno, seu predecessor científico, foi morto na fo-
das reputações. Ele é lento. Mas sempre funcionou. Cabe aos
gueira. Nem Johann Sebastian Bach, nem Vincent van Gogh,
organismos oficiais estimular as publicações. O tempo e os di-
nem Gregor Mendel receberam muita aprreciação em vida e
ferentes leitores acabam por consagrar umas e sepultar outras.
Freud, Darwin e Keynes receberam sua parcela de ridicula-
Alguns devem pensar: como era bom o tempo em que a
rização" (2007, p. 71).
dificuldade de acesso aos meios de publicação era um critério
Fiquemos tranquilos.
de avaliação da qualidade acadêmica, de distinção intelectual e
A CAPES não é a Inquisição.
de controle das ideias!
Quando qualquer um pode publicar qualquer coisa a Menos ainda a ABNT.
qualquer hora, um mundo hierarquizado termina. Ou as ciências Tampouco, embora tenhamos nossa parte de ridículo,
humanas encontram, enfim, os critérios unívocos de julgamento somos Galileu, Darwin ou Mendel. Nem por sso nossos cérebros
para que seus tribunais digam sem erro o que é bom ou ruim, são meras ervilhas. Somos criadores (não só de casos, mas
lendo livro por livro, texto por texto, ou será preciso, como antes, também de bons estudos de caso). Nosso traibalho é descobrir o
apostar no tempo, na diversidade e na relevância do contraditório. novo. Inclusive novas maneiras de pesquisar, As práticas atuais
Há os que temem a ABNT. encobrem demasiados jogos de poder. A estrutura disciplinar
Não há razão para isso. A ABNT recomenda. Não tem continua a fazer dos campos do conhecimentto pequenos currais.
poder para mandar, obrigar ou punir. Claro que existem aqueles Pesquisar com método é essencial. A metodologia, no entanto,
que punem em nome dela. Faz parte do jogo. deve servir para des(en)cobrir, não para colJrir e asfixiar.

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9 REABERTURA: SÍNDROME DE MISTER M, edita o que 'deve ser' à sociedade" (1984, p. 7). Primeiro vê,
OU O PUBLICITÁRIO, O JORNALISTA depois encontra as palavras, pois "o vivido não é sintoma de
E O PESQUISADOR outra coisa (a verdadeira vida, a sociedade perfeita, o paraíso
ou o amanhã que canta): vale por si mesmo e nós temos de
Pesquisar é fascinante. A verdade é o único horizonte apreciar-lhe a força de 'afirmação' (mesmo relativa)" (Maffesoli,
aceitável para um pesquisador. Nem sempre se chega a ela. O 1984, p. 7). Daí a importância de mostrar (não só demonstrar) e
jogo recomeça. Novos lances são dados. Certas questões não de compreender (não só explicar).
encontram resposta num momento. Ficam de lado. Mais tarde, O publicitário ajuda a criar mitos e imaginários. É uma
novas condições e conhecimentos permitem que sejam reto- função primordial. Talvez a mais importante para as socieda-
madas. A ciência exige homens pacientes e, ao mesmo tempo, des atuais cada vez mais racionalizadas. Cabe-lhe fornecer um
obstinados. O relativismo pós-moderno não significa que nenhu- pouco da cola que une as pessoas. Nenhuma sociedade vive
ma verdade existe (o que já seria uma verdade), mas que as sem representações, sem fábulas, sem histórias edificantes ou
provas apresentadas como provas definitivas para uma infinidade de superação. O publicitário é um dos mágicos do mundo con-
de questões e problemas não são provas convincentes. A trans- temporâneo dominado pela rnídia e pelo espetáculo. O jornalista
parência é fundamental. Este é o grande desafio para o futuro. é um antropólogo do cotidiano, um pesquisador apressado e
Mais transparência. Sempre mais transparência. Luz. O fadado a apresentar, muitas vezes, o "correto" como sendo o
melhor argumento deve afirmar-se como a autoridade máxima verdadeiro. Em certo sentido, o publicitário encobre ou cobre o
e sagrada do empreendimento científico. Tornar o encoberto "real" com muitas camadas simbólicas. O jornalista de inves-
descoberto é a missão do pesquisador. A pesquisa é um modo tigação cobre para descobrir. O pesquisador tem uma missão
de desvendamento, um modo de desvelamento, um modo de que exige tempo e paciência, talvez até lentidão: fazer vir à tona
descobrimento, um modo de des( en)cobrimento. Se nada há a o encoberto.
des(en)cobrir, já podemos voltar para casa e fazer obras de O pesquisador é o Mister M, aquele personagem ou
ficção. Ou pescar. A ciência não pode ser, como denunciava sujeito, que investiga, compreende, mostra e demonstra como
Paul Feyerabend, "ruidosa e impudente" (1977, p. 447). Não funcionam os truques do mágico., Como nem sempre a verdade
pode ser autoritária, nem agressiva, tampouco dogmática. Deve tem uma utilidade social imediata, podendo até mesmo, como
estar permanentemente aberta ao novo e ao verdadeiro. Não se viu, ser inconveniente, nem sempre o pesquisador desempe-
pode jamais se contentar com o "correto", o "exato", essas esta- nha o papel mais simpático. Cientistas não são esperados por
ções intermediárias da verdade. Sempre luz. multidões de fãs em aeroportos como os jogadores de futebol
A luz não pode ofuscar. Michel Maffesoli alertava, em ou os artistas pop. Cientistas sociais, que desmontam mitos e
1979: "Em oposição a uma atitude oriunda da conjunção liquidam ilusões, não podem esperar aplausos frenéticos. O pior
iluminista e do modelo de investigação das ciências naturais, o que lhes pode acontecer não é a hostilidade, mas a indiferença.
sociólõgo deve reconhecer que participa (no sentido forte do Este manual de antimetodologia, evidentemente, não é
termo) da vida social". Mas, atenção, muita atenção: "Já não é uma recusa de todos os métodos. Trata-se, ao contrário, de uma
quem dita, de maneira dominante, o verdadeiro e o falso, ou aposta em metodologias abertas, capazes de dialogar entre elas

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e de não excluir por decreto o contraditório. Uma reportagem e ignorar a floresta. Se cada um é impotente para abraçar tudo,
jornalística tem a obrigação de dar voz a todos os envolvidos cresce a importância do trabalho em equipe e da interdiscipli-
num caso. Passa, ao menos, por cinco momentos determinantes: naridade.
- Descrição dos fatos Precisamos de especialistas. Mas também, como ousou
- Versão dos envolvidos dizer o escritor argentino Ernesto Sábato, "precisamos de mun-
- Opinião de especialistas diólogos" (apud Morin, 1995, p. 5). Afinal, estamos na era da
- Espaço do contraditório globalização. A ciência é uma aventura hipotética e probabi-
- Interpretação do jornalista lística. O fluxo é contínuo. Sempre se recomeça. Errar é funda-
Onde há conflito, o contraditório não pode ficar enco- mental. Correr riscos é uma obrigação. O único erro inaceitável
berto. Em pesquisa, não pode ser diferente. Se, sobre um mesmo é não correr riscos por excesso de zelo metodológico ou de
assunto, existem divergências teóricas consideráveis, é preciso respeito às normas. O mais importante, ao final de uma pesquisa,
enfrentá-Ias. Na vida, é preciso ter método ou não se acha a não é saber que método foi usado, mas o que foi des(en)coberto.
chave para entrar em casa nem se acha o carro no estacio- Alguns pesquisadores, contudo, parecem carimbadores malu-
namento. Uma metodologia, contudo, não pode ser uma camisa cos que saem pelo mundo com uma grade de interpretação
de força. Um referencial teórico é uma visão de mundo. Um (método) tentando provar que tudo pode e deve se encaixar no
método é um instrumento de des(en)cobrimento que faz uso de padrão. O bom resultado, então, é quando, feita a aplicação,
técnicas de pesquisa. pode-se gritar: "Coube".
A pesquisa exige uma boa dosagem de paixão e razão. A pesquisa toma-se um teste de verificação: ver se a
Um mestrando ou um doutorando (ou um estudante às voltas realidade está de acordo com o método. O caminho mais seguro
com seu trabalho de conclusão de curso, o temido TCC), precisa para o sucesso é escolher um objeto ou fenômeno com todos os
escolher o seu tema. Quase sempre que o assunto lhe é sugerido, indícios de que confirmará o método. Nesse caso, nada se
a paixão não está presente e a relação fica prejudicada. Em des(en)cobre. Tudo se confirma.
contrapartida, é comum que estudantes queiram "pesquisar" seus Navegar é necessário. Mas só há verdadeira navegação
universos de trabalho cotidiano. Raramente há suficiente estra- quando existe a possibilidade do naufrágio.
nhamento e desentranhamento. Pesquisadores afirmados, por Em 1983, jovem estudante de História e de Jornalismo,
outro lado, temem mudar de objeto ou linha de pesquisa. Sentem- foi conhecer Ouro Preto e Congorihas do Campo com minha
se na obrigação de dedicar a vida a um único assunto. namorada, uma bela arqueóloga. Fiquei extasiado, em Congo-
Essa monogamia pode levar à superespecialização, mas nhas, com os profetas de Aleijadinho. Numa loja de souvenirs,
pode também sufocar e diminuir horizontes. Um escritor que comprei um livro que também me marcou para sempre: Profe-
só pensa em literatura, só lendo ficção, tende a ser um mau tas ou conjurados?, de Isolde Helena Brans Venturelli. A tese
escri~or. Falta-lhe mundo. Retomemos a velha imagem: preci- era simples e impressionante: os profetas esconderiam as figuras
samos conhecer profundamente cada árvore. A selva é amazô- dos conjurados da Inconfidência Mineira.
nica. Não dá para ser especialista em todas as espécies que a Pesquisar é isso: fazer emergir algo que não aparece à
compõem. Só que também não podemos perder a visão do todo primeira vista.

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