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A presentação de
A SSIS BRA SIL
ÍNDICE
A S S IS BR A SIL
Apresentação .............................................................................. 9
S egunda P arte
2
18 — • MÁRIO FAUSTINO
II
III
IV
•
— Por sua vez, o bom poema —■ qualquer que
seja o tema que explore ou a atitude que revele —*
já traz consigo ponderáveis benefícios sociais.
-— De certo. O bom poema exerce, desde logo,
com ser bom, um papel importantíssimo — ajuda a
língua a manter-se num alto nível de expressividade
ou, se a lingua ainda não se encontra nesse nível, dá-lhe
o poema um empurrão, um impulso para cima e para
diante, na direção daquele alto e avançado nível de
expressividade,
— Sem o qual — isto é, sem uma linguagem efi
ciente, precisa, maleável, clara, econômica (e bela!)
-— uma sociedade dificilmente poderia desenvolver-se.
— Também eu creio que é através da expressão
poética, mais que de qualquer outro fenômeno, que
a linguagem se clarifica, se enriquece, se torna elás
tica, precisa, condensada. Assim como a arte da
dança fornece ao povo padrões de graça e elegância,
que ajuda a formar uma gente fisicamente admirável;
assim como as artes plásticas influem na forma dos
instrumentos de viver: cidades, estradas, moradias,
jardins, fábricas, veículos, mobiliário, utensílios de
trabalho, roupas, etc, — assim a boa poesia oferece
à linguagem “standards” de eficiência e de adapta
bilidade, que fornecem à fala de um povo um nível
de perfeição funcional, rumo ao qual fôrça é que
êsse povo se dirija se não quiser ver na própria língua
um obstáculo ao seu progresso,
— Lembras-te de Vico? - “No interior da poesia
está a origem das línguas.” Mas não só a origem
como também a contribuição mais importante para o
desenvolvimento da linguagem. As poesias nacionais
mais ricas -— precedendo sempre a prosa têm
redundado constantemente nas línguas mais aptas. E
PARA QUE POESIA? ---- 3 3
,3
3 4 — • MÁRIO FAUSTINO
II
III
IV
VI
ue é poesia?
U —• Nenhum de nós pode pretender, lúcida
mente, apresentar, sôbre isso, um conceito definitivo.
O mais que podemos fazer é procurar estabelecer,
discutindo o assunto por algum tempo, o que repre
senta para nós, a esta altura, aquilo que chamamos
de Poesia, Jovens poetas que somos, em período de
formação, não devemos freiar nosso desenvolvimento
com a construção de conceitos e definições pretensio-
samente fixos e rígidos. Entretanto, lançada essa
margem de maleabilidade, à qual e da qual os enganos
e as omissões ocasionais poderão aportar e zarpar ao
tempo favorável do pensamento tentativo, creio poder
expressar, desde já, minha opinião de que é necessário
pôr de parte, antes de entrarmos no assunto, a falácia
da “poesia” solta, da poesia que paira no ar, os
paradoxos do que música tão poética!, os absurdos,do
a noite estava muito poética.
— Por que motivo?
.— Porque essa atitude de chamar de “poesia”
algo que não passa daquele conjunto de.> solicitações
ao agradável, ao profundo, à recordação, à meditação,
etc. que também se pode chamar de “beleza” e
que pode ser encontrado em qualquer parte, ao sabor
5 6 ---- MÁRIO FAUSTINO
II
— E se desses um exemplo?
-— Tu mesmo podes lembrar centenas. Por
exemplo, se Blake dissesse, ainda que no melhor verso,
qualquer coisa como Ontem à noite, quando passeava
na floresta, pareceu-m e de repente ver brilharem na
escuridão os olhos d e uma fera — estaria sendo pro
saico e, conforme o talento empregado na escolha das
palavras e no arranjo da mesmas, faria boa ou má
prosa, ainda que em verso. Mas o que êle diz é:
Tigre, Tigre, ardendo fulgurante nas florestas da noite
—■ e isso é poético. Se Blake tivesse usado outras
palavras, menos bem escolhidas (em tese: as palavras
dos dois versos famosos são evidentemente insubsti
tuíveis e intraduzíveis — Blake, sentindo a “novidade”
com que naquele instante renascia, por exemplo, a
palavra "tigre”, fêz uso de uma grafia caprichosa,
única: “Tyger”, com "y ”) que o seu
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IV
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6 6 ---- MÁRIO FAUSTINO
ser êíe uma das duas pessoas vivas que melhor escre
vem em verso no Brasil.
Trata-se, também, ao lado de Jorge de Lima, de
um dos solitários habitantes do andar mais alto a que
já chegou nossa expressão poética. Mas a não ser
que o sr. Carlos Drummond de Andrade apareça de
repente com uma auto-revolução bem mais radical do
que a processada entre A R osa do P ovo e os N ovos
Poem as, predecessores do Claro Enigma, a não ser
que o sr. Carlos Drummond de Andrade rompa subi
tamente com todo um sistema ético e estético —■- a
não ser essa remota possibilidade, é difícil enxergar
nele uma solução eficiente para os problemas que
dificultam a ação poética no Brasil. O sr. Carlos
Drummond de Andrade só age poèticamente através
dos poemas que publica. Não escreve a sério sôbre
poesia. Não faz crítica séria de livros de poesia. Ao
que saibamos não discute a sério poesia, nem oralmente
nem por escrito. Cala-se. Não manifesta grande
interesse pelo progresso da Poesia. Ê, quando muito,
um “master.” Não é um “inventor”, não é um “empre
sário.” Nunca seria um Pound, nem mesmo um Eliot.
Há o sr. João Cabral de Mello Neto. O sr. João
Cabral de Mello Neto é a outra pessoa das duas que
melhor escrevem em verso no Brasil. Jovem. Con
tínua capacidade de renovação, Zeitgeist, Volksgeist.
Êle e o sr. Guimarães Rosa são os únicos escritores
crismados do Brasil —- há decerto uns outros, porém
mal estão batizados — que conseguem escrever, atual
mente, com um ôlho na nação e no tempo e o outro
na arte. O sr. João Cabral de Mello Neto sabe que
a poesia tem problemas culturais, políticos, éticos, esté-
tivos. Talvez não possua ainda um corpo de poemas
capaz de rivalizar com o do sr. Drummond. Mas tem
sôbre este certas vantagens: mostra-se mais vivo (como
CON CRETISMO E POESIA BRASILEIRA 73
II
E t ma tête suvgie
Solitaive vigie
Dans les vols triomphaux
D e cette faux
(Minha cabeça aparecida vigia solitária nos
vôos triunfais desta foice)
STÉPHANE MALLARMÊ ---- 8 9
III
SA LU T
solituderécif étoile,
IV
LE T O M B E A U D 'ED G A R PO E
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— MÁRIO FAUSTINO
“A Meia-Noite
Certamente subsiste uma presença de
Meia-Noite. A hora não desapareceu por um
espelho, não está oculta em tapeçarias, a evocar
um mobiliado mediante sua vazia sonoridade.
Recordo-me que seu ouro dissimularia na
ausência uma jóia nula de fantasia, rica e inútil
sobrevivência, ou que, na complexidade marinha
e estelar de uma ourivessaría, ler-se-ia o infi
nito azar das conjunções.
Revelador da meia-noite, êle jamais indi
cou tal conjuntura, pois aqui está a única hora
por êle criada: e que do Infinito se apartem
as constelações e o mar que permanecem,
exteriormente, recíprocos nadas para permitir
que sua essência, à hora una, crie o presente
absoluto das coisas. E da Meia-Noite perdura
a presença, na visão de um compartimento do
tempo, cujo misterioso mobilado detém um vago
frêmito de pensamento, luminoso rebate do
retorno de suas ondas e de seu primeiro espa
lhar-se, enquanto se imobiliza (num limite mo-
STÉPHANE MALLARMÉ ---- 101
VI
vn
Aí tem o leitor —- tcinos cm mente aquele que
ainda não teve tempo ou vontade bastante para
dedicar-se a Mallanné — alguns pontos de referên
cia e algumas direções por onde começar a estudar
êsse poeta imenso, para nós o mais importante e o
menos incompleto (juntamente com Ezra Pound) de
todo um século de poesia em experiência.
O Mallanné do futuro: II n Cottp dc D és e seu
antecedente, Igititv. O Mallarmé fiel a seu presen
te: o Fauno, Ilero d ía d e, etc. O Mallarmé fiel a
si mesmo, a seu presente e a seu futuro: Plusieuvs
Sonnets, Autres Poèm es et Sonnets. E o Mallarmé'
fiel a seu passado (Racine, Gautier, Lecomte de
Lisle, Baudelaire, Poe. . .) da primeira grande fase.
Em tudo, o grande poeta e o grande homem: Rigor,
Titanismo, Orgulho e humildade diante de seu ofí
cio. O poeta e o artista. A poesia não é brinca
deira: é arte e se aprende à custa de muito sacrifício.
Em tempo: ao longo dêste despretensioso tra
balho — simples conversa em tôrno de alguns aspec
tos de Mallarmé — não levamos em conta certas
exatidões cronológicas (o que, aliás, já indicamos
na primeira parte). É claro que muita coisa de Mal-
iarmé foi escrita antes de Rimbaud publicar qualquer
poema. Mas isso não significa que, dentro de certa
ordem de coisas, Rimbaud não seja passado cm rela
ção a Mallarmé. Rimbaud, Valéry, Racine, n n
nosso contexto, não são poetas vivendo e trabalhando
de tal data a tal data. São tipos, são zonas, são dire
trizes, são setores, são símbolos, preciso lembrar,
também, que na tradução de Safut e de A t t srnf sor/ci
d e voyagev, preferimos não reduzir o Âmbito «Io poema
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EM 1964.