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dente ou honorável (...) porque o que importa não é que uma propaganda
impressione bem, mas que ela dê os resultados esperados.2
Tomando como ponto de partida os fenômenos modernos de propa-
ganda, Pierre Ansart (1983) afirma que a imposição sistemática de ideologias
nos permite compreender melhor como a sensibilidade política não é um es-
tado de fato, mas o resultado de múltiplas mensagens, apelos, interpelações e
dramatizações que mantêm ou modificam diariamente os sentimentos coleti-
vos. As pesquisas sobre a influência e a persuasão mostram como as confian-
ças e as desconfianças, as admirações e os ódios são permanentemente obje-
tos de um trabalho multiforme de renovação e inculcação.3
O totalitarismo, segundo o autor, produz estruturas sócio-afetivas que se
caracterizam por uma dimensão emocional intensa. Em regimes dessa natu-
reza, a propaganda política atua no sentido de aquecer as sensibilidades e
tende a provocar paixões. Os sentimentos, fenômenos de longa duração, são
manipulados de forma intensa pelas técnicas de propaganda com o objetivo de
produzir forte emoção. Mas os móveis das paixões variam conforme o mo-
mento histórico (honra, riqueza, igualdade, liberdade, pátria, nação etc.), e, no
caso das experiências totalitárias, alguns móveis são comuns (por exemplo, o
amor ao chefe, à pátria/nação), e outros, específicos (como o anti-semitismo).
A intensificação das emoções ocorre através dos meios de comunica-
ção, responsáveis pelo aquecimento das sensibilidades. Mas os sinais emoti-
vos são captados e intensificados também através de outros instrumentos: li-
teratura, teatro, pintura, arquitetura, ritos, festas, comemorações, manifesta-
ções cívicas e esportivas. Todos esses elementos podem entrar em múltiplas
combinações e provocar resultados diversos.
No varguismo, não apenas as técnicas de manipulação destinadas a
provocar mudanças de sensibilidade e exaltação dos sentimentos, mas tam-
bém as formas de organização e planejamento dos órgãos encarregados da
propaganda política revelam identidade com a proposta nazista. No entanto,
elas apresentam características particulares e produziram resultados distintos
do modelo europeu: o estudo dessa experiência brasileira permitirá apontar
os traços comuns e os específicos.
4
Apud Guyot & Restellini, 1983:22.
170
5
Diário de S. Paulo, 30-4-1935.
6 Ver Goulart, 1990:59.
7
Campos, 1940:25.
171
8
Apud Capelato, 1986.
9 Ver Gomes, 1988:231.
10
Anuário da Imprensa Brasileira. DIP, 1941.
172
11 Em 1932, quando Francisco Campos era ministro da Educação, foram editados dois decretos
definindo as funções desse ministério que deveria assumir o papel de orientação educacional nos
serviços de radiodifusão e na área do cinema educativo. Documento encontrado na pasta do
arquivo de Gustavo Capanema, referente ao Instituto Nacional de Cinema Educativo, estabelecia,
nessa mesma época, as grandes linhas do que seria um grande e ambicioso Departamento de Pro-
paganda do Ministério da Educação. Segundo o documento, cumpria ao ministério buscar atingir,
com toda a sua afluência cultural, todas as camadas populares. O Departamento de Propaganda
aqui projetado terá esta finalidade. Ele deverá ser um aparelho vivaz, de grande alcance, dotado
de um forte poder de irradiação e infiltração, tendo por função o esclarecimento, o preparo, a
orientação, a edificação, numa palavra, a cultura de massas (Schwartzman et alii, 1984:87). Em
1934, Getúlio Vargas criou o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural junto ao Ministério
da Justiça, esvaziando o Ministério da Educação não só da propaganda, mas também do rádio e
do cinema. A decisão tinha como objetivo colocar os meios de comunicação de massa a serviço
direto do Poder Executivo, iniciativa que tinha inspiração direta no recém-criado Ministério da
Propaganda alemão. Este foi o embrião do DIP.
12 Ver Schwartzman et alii, 1984:88.
13
O órgão estava estruturado da seguinte forma: Divisão de Divulgação, Divisão de Radiodifu-
são, Divisão de Cinema e Teatro, Divisão de Turismo, Divisão de Imprensa e Serviços Auxiliares.
A organização funcional revelava alto grau de centralização, e os cargos de confiança eram atri-
buídos diretamente por Getúlio Vargas.
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tante canal pelo qual o regime transmitia às massas as linhas de sua política
interna.
Em discurso de 10 de outubro de 1928, o líder italiano esboçou sua idéia
sobre o papel da imprensa: O jornalismo, mais do que uma profissão, tornou-
se uma missão de grande importância porque na época contemporânea, depois
da escola que instrui as novas gerações, é o jornalismo que circula entre as
massas, encarregando-se de sua informação e formação. Philiph V. Canistraro
(1975) considera difícil indicar precisamente quanto tempo demorou para que
ocorresse a fascistização da imprensa italiana, mas é certo que, no final de
1926, o processo estava praticamente terminado. O controle do Ufficio della
Stampa sobre as publicações constituía um elemento essencial da política do re-
gime. No final dos anos 20, o governo começou a determinar diretamente a
forma e o conteúdo dos jornais italianos. Desde então, o jornalismo abandonou
o antigo estilo e assumiu o estilo fascista, que consistia em usar uma linguagem
precisa, séria e enérgica no lugar da retórica pomposa do regime liberal.
A intrincada organização e a variedade de métodos empregados para o
controle da imprensa não foram sempre gerenciados com eficiência mas, ao
longo de todo o período, o controle exercido sobre o jornalismo italiano foi
constantemente reforçado. Mesmo nos anos 30, quando o rádio e o cinema
começaram a fazer concorrência à imprensa, esta não perdeu sua importância
para os objetivos do regime.16
A imprensa foi igualmente controlada e manipulada no varguismo. No
Brasil, as empresas jornalísticas só podiam se estabelecer se obtivessem regis-
tros concedidos pelos órgãos do DIP, e as atividades dos profissionais também
ficaram sob esse controle.
Após 1937, ficou estabelecido que a imprensa desempenharia sua fun-
ção atrelada ao Estado. A justificativa da mudança fundamentou-se na idéia
de que o jornal era político por nascença; como, no momento, a política pas-
sava a ser a mais alta das atividades públicas, atividade do Estado, a folha
impressa, cumprindo sua tarefa natural, passaria a exercê-la dentro do Estado
como função pública.17
A separação entre esfera pública e privada, preconizada pelo libera-
lismo, era contraditada pelos ideólogos antiliberais defensores da absorção do
privado pelo público. Essa concepção pressupunha o Estado como Suma Ratio
da sociedade civil e como tal retirava a liberdade de ação dos intermediários
entre o governo e o povo. Assim, o jornalismo transformou-se numa força
coordenada pelo Estado.
O chefe do Estado Novo propôs-se estabelecer relação direta com as
massas e levar em conta suas aspirações para ganhar-lhes o apoio. Norteado
por essa preocupação, o governo erigiu a imprensa em órgão de consulta dos
20
Ver Souza, 1990:46-52.
21 Ver Garcia, 1982:103-4.
22
Ver Goulart, 1990:69-70.
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para divulgação das mensagens políticas, não se pode exagerar sua importân-
cia no que se refere ao controle das consciências. As teses que insistem na
onipotência da propaganda política não levam em conta o fato de que ela só
reforça tendências já existentes na sociedade e que a eficácia de sua atuação
depende da capacidade de captar e explorar os anseios e interesses predomi-
nantes num dado momento. Cabe lembrar que mesmo os regimes que leva-
ram esse controle ao extremo não conseguiram atingir o objetivo de formar a
opinião única. Tal constatação não implica menosprezo da importância da
propaganda política: mesmo sem obter adesão unânime, ela foi um dos pila-
res de sustentação do poder.
Ansart, Pierre. La gestion des passions politiques. Lausanne, L Age dhomme, 1983.
Garcia, Nelson Jahar. Estado Novo. Ideologia e propaganda política. São Paulo, Loyola,
1982.
Guyot, Adelin & Restellini, Patrick. Lart nazi. Bruxelles, Complexe, 1983.
Schwartzman, Simon et alii. Tempos de Capanema. São Paulo, Paz e Terra, 1984.
Souza, José Inácio Melo. A ação e o imaginário de uma ditadura: controle, coerção e
propaganda política nos meios de comunicação durante o Estado Novo. ECA/USP,
1990. mimeog. (Tese de Mestrado.)