homens, ele não estaria sendo servo de
Cristo (Gl 1:10). A própria forma severa
com que repreendia os gálatas era evi-
dência de que ele não buscava o favor de
homens (cf. Gl 1:8-9; 3:1). Para Paulo, o
que estava em jogo era a integridade do
evangelho (Gl 1:6-9; 5:1-4), e não a busca
de benefícios pessoais.
Fonte de autoridade. Outra acusa-
ção era de que Paulo recebera o evan-
gelho de fontes suspeitas. Como não ha-
via pertencido ao grupo dos Doze, nem
tinha conhecido Jesus pessoalmente
(1Co 15:7-8; Gl 1:11-12), ele não se tor-
nara cristão pelas vias oficiais. Sua con-
versão era suspeita; seu evangelho, mais
ainda. De novo, em vez de apelar às Es-
crituras e discutir no nível das ideias, os
judaizantes partiram para o ataque pes-
soal. Em sua defesa, Paulo deixou claro
o fato de que ele não havia recebido seu
evangelho de homem algum, mas me-
diante a revelação direta de Jesus Cristo
(Gl 1:12-13, 15-16). Ele fez questão de di-
vulgar seu itinerário desde o encontro
com Cristo na estrada de Damasco para
não deixar nenhuma dúvida de que os
poucos contatos que tivera com os após-
tolos (Gl 1:18-24) não foram suficientes
para que tivesse sido por eles instruído.
Foi apenas quatorze anos após sua con-
versão que ele realmente teve a chance
de expor perante os apóstolos o evan-
gelho que pregava (Gl 2:1-2). Mesmo as-
sim, ele não tinha ido a Jerusalém por
ter sido convocado a dar explicações,
mas porque o Espírito lhe dissera que
o fizesse. E no fim da exposição, nem
mesmo Tiago, Pedro e João, que eram
“colunas” na igreja, puderam acrescen-
tar-lhe algo. Ao contrário, estenderam-
lhe a mão direita em sinal de aprovação
e aceitação (Gl 2:6-10).
O erro se repete – Esse episódio nos
ensina uma importante lição. Os tem-
pos mudaram. O cenário da igreja mu-
dou. Não mais estamos às voltas com
problemas entre judeus e gentios, mas
o ser humano é o mesmo. Ele continua
usando as mesmas táticas. Quantas vi-
das e quantos ministérios já foram arrui-
nados por causa da crítica dissimulada,
da desmoralização em nível pessoal, ge-
ralmente quando faltam suficientes ar-
gumentos para se discutir no nível das
ideias. Outras vezes, nem existe necessa-
riamente uma ideia a ser contestada, mas
20 Revista Adventista I maiO • 2012
apenas o temor de ser ofuscado ou supe-
rado. E antes que isso aconteça, a pessoa
parte para o ataque pessoal, espalhando
boatos, criando estereótipos, faltando
com a ética, tudo para enfraquecer ou
desmoralizar aquele que lhe parece re-
presentar alguma ameaça. Sempre que
vaidades pessoais falam mais alto, as re-
lações interpessoais são as mais afeta-
das. E não há a necessidade de acusa-
ções abertas nem uma oposição decla-
rada. Basta um boato aqui, uma crítica
ali, uma pequena insinuação de descré-
dito, e pouco a pouco os estereótipos vão
se formando. “Um pouco de fermento,”
diz Paulo, “leveda toda a massa” (Gl 5:9).
Quando falou sobre as obras da
carne, Paulo mencionou ciúme e inveja
(Gl 5:19-21). É claro que há outras, mas
é notório que, no verso 26, mesmo de-
pois de falar sobre o fruto do Espírito, o
apóstolo voltou a destacar a inveja, tal-
vez porque não haja nada mais pode-
roso para destruir relações e arruinar
vidas (e ministérios) que a inveja e seu
principal subproduto: a crítica dissi-
mulada. Em última análise, talvez fosse
isso o que estivesse por trás da oposi-
ção dos judaizantes a Paulo e seus esfor-
ços em desmoralizá-lo. Poucos fizeram
o que ele fez (1Co 15:10). Poucos enfren-
taram tantas dificuldades como ele en-
frentou (2Co 11:23-27). Poucos passa-
ram por uma transformação tão radical
como ele passou (At 9:21-22; Gl 1:13-14).
Poucos foram usados tão poderosa-
mente por Deus como ele (At 9:15;
1Co 15:9-10; Gl 1:15-16). Talvez, por isso,
poucos foram alvo de tanta oposição, in-
veja e acusação na igreja apostólica.
No coração em que germina a inveja
existe pouca ou nenhuma restrição ética,
e o estrago pode ser irreparável, mas não
para sempre. Que ninguém se engane,
disse Paulo, “de Deus não se zomba; pois
aquilo que o homem semear, isso tam-
bém ceifará” (Gl 6:7). O coração invejoso
pode se considerar bem-sucedido nesta
vida, mas esta vida não é tudo o que te-
mos. Deus há de trazer a juízo todas as
coisas, até as intenções ocultas do cora-
ção humano (Ec 12:14). É por isso que
Paulo apelou: “Não nos cansemos de fa-
zer o bem, porque a seu tempo ceifare-
mos. [...] Enquanto tivermos oportuni-
dade,” ele insistiu, “façamos o bem a to-
dos, mas principalmente aos da família
da fé” (Gl 6:9-10; cf. Rm 12:17).
Conclusão – As lições doutrinárias
de Gálatas são importantes, mas não
mais do que as éticas. Cristianismo
não é apenas um conjunto de crenças,
mas, acima de tudo, um modo de vida.
De nada adianta ter a doutrina correta,
ensinar e até defender a doutrina cor-
reta, se falhamos no teste mais simples
da doutrina, que é uma vida transfor-
mada e guiada pelo Espírito. “Nisto co-
nhecerão todos que sois Meus discípu-
los: se tiverdes amor uns pelos outros”
(Jo 13:35). Em Gálatas, a ênfase ética de
Paulo é para que nos apeguemos a toda
e qualquer oportunidade para fazer o
bem aos nossos irmãos na fé. Valorize-
mos uns aos outros, invistamos nas vir-
tudes, em vez de ficar explorando e ex-
trapolando os defeitos, criando estere-
ótipos com a intenção de desqualificar
moralmente aqueles de quem discorda-
mos ou com quem não simpatizamos.
O cristão deve viver acima disso. Afinal
de contas, quem dentre nós é perfeito?
Quem dentre nós nunca errou para que
se qualifique a atirar pedras nos que er-
ram? O pecado, além de nos afastar de
Deus, pode também nos alienar de nós
mesmos, gerando um equivocado senso
de virtude própria, quando nos compa-
ramos com os outros. Em outras pala-
vras, o pecado pode fazer com que nos
sintamos melhores que os outros (cf.
Mt 7:3-5). Se a inveja se mistura a isso,
então, os resultados são nefastos. Paulo
que o diga! Mas ele não buscava honras
e glórias humanas. Não procurava agra-
dar a homens. As marcas que trazia no
corpo, de açoites, prisões e perigos, eram
evidências irrefutáveis de que estava fa-
zendo a obra de Cristo de modo res-
ponsável e desinteressado (Gl 6:12-17).
Ele não estava preocupado com o preço
que teria que pagar. Os homens pode-
riam destruir-lhe a reputação, arruinar-
lhe o ministério ou mesmo tirar-lhe a
vida, mas ele continuaria fiel ao dever.
A consciência de estar em paz com
Deus era seu bem maior. Isso era algo
que nada nem ninguém lhe poderia ti-
rar (2 Tm 4:7-8).
WILSON PAROSCHI é professor de
Novo Testamento na Faculdade de
Teologia do Unasp, campus
de Engenheiro Coelho, SP.
* Nota: A última vez que estudamos Gálatas na Lição da Escola
Sabatina foi no 2o. trimestre de 1990. A lição tinha como título
“Cristo, o único caminho”.