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Missiologia e Diálogo
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1. OBJETIVOS
• Compreender as bases teológicas da dimensão missioná-
ria.
• Reconhecer os itinerários da ação missionária em seus
projetos históricos na América Latina.
• Identificar os posicionamentos das várias instâncias da
igreja, especialmente das comunidades eclesiais da Amé-
rica-Latina e do Brasil.
• Compreender o significado do diálogo com as culturas na
perspectiva missionária.
2. CONTEÚDOS
• A missão e o encontro com a alteridade.
• Panorama missionário da América Latina.
214 © Missiologia e Diálogo Inter-religioso
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Ao nos debruçarmos sobre a temática do diálogo, na Uni-
dade 1 deste estudo, deparamos com o referencial da alteridade.
Todo o verdadeiro diálogo é uma saída em direção ao outro, que
institui laços, alianças, pactos e, ao mesmo tempo, preserva um
campo de reconhecimento da diferença, da autonomia mútua. O
outro não pode ser anulado, e há que se garantir o respeito pela
reserva de valores que não puderam se manifestar no encontro.
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Compartilhando sementes
Missão começa com saída e, assim, trata-se de um envio.
Primeiro, um envio divino, depois um envio comunitário. Não é
um projeto pessoal, mas de uma comunidade de origem que vai
junta nos desafios do caminho. No percurso está o inesperado, a
surpresa dos encontros com o outro, as dinâmicas transformado-
ras do diálogo.
Uma missionária, visitando sua comunidade eclesial de ori-
gem em São Paulo, contou, durante a celebração eucarística que,
estando no Chade, na África, sua comunidade missionária escutou
essa manifestação de uma liderança tribal: “Nós, aqui nesse veló-
rio, se fosse há 10 anos, estaríamos decidindo quem seria o nosso
agente da vingança e que tipo de desforra seria feita pela morte de
nosso parente; descobrimos, porém, em nossa cultura uma sabe-
doria esquecida que é muito semelhante à que vocês compartilha-
ram conosco; não daremos motivo para a vitória da violência e da
morte. O perdão será ressurreição”.
Aqui está o fermento na massa. Aqui, o reino de Deus já pre-
sente como uma semente quase invisível. São necessárias as len-
tes do evangelho para não jogar fora as possibilidades do reino de
Deus semeadas pelo Espírito antes ainda da chegada dos missio-
nários.
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Confrontando perspectivas
Um grupo religioso reuniu seus fiéis na aldeia guarani de
uma grande cidade, no final da primeira década do século 21. Com
todo o fervor, inocência e boa intenção, o missionário dizia a uma
centena de fiéis e alguns indígenas curiosos que acompanhavam a
cerimônia: “Estamos aqui, e aonde chegamos o demônio não fica;
então, nossa oração hoje é para tirar os demônios da incredulida-
de, da ignorância bíblica, dos deuses falsos; como já conseguimos
em outras aldeias, um dia salvaremos a esses que desejarão ser
batizados na nossa Igreja”.
As cestas básicas e a doação de alimentos em véspera de
vencimento eram moedas de troca para poder construir um gal-
pão e realizar suas celebrações na aldeia. Não foram buscar hospe-
dagem, mas implantar sua casa dentro da morada do outro.
Os guaranis têm outra perspectiva missionária. A comunida-
de Guarani M'bya aguarda cada criança como uma missionária de
Deus, pois é enviada como palavra-alma, recado divino à humani-
dade. Nhanderu (nosso Pai Último-Primeiro) tomou de dentro de
si o coração, a canção e a palavra e fez o ser humano, enviando-
-o criança para renovar o mundo com seu recado. É uma palavra
nova, com melodia e amor, que não foi ouvida até o momento.
Um recado novo a ser contemplado sem pressa. Toda a existência
humana é uma resposta a esse envio divino; e toda a comunidade,
uma casa que acolhe e responde às convocações desse recado.
A comunidade guarani não concebe o demônio em compe-
tição com Deus. Se os missionários devessem falar de demônios,
deveria ser daqueles que impedem a memória dos povos, dos de-
mônios que exigem sacrifícios dos fracos e anulam seus projetos.
Então, a caminho, os missionários poderiam, com sua prática, ex-
pulsar os demônios que invertem a compreensão do mundo. Ao
expulsá-los, desmascara-se a perversidade de pessoas e estruturas
que escondem, sob mantos decorados, os pecados mortais que
destroem a vida e impedem o advento do reino de Deus entre to-
dos os povos.
9. REINO DE DEUS
Jesus, na comunhão do Espírito e do Pai-Abbá, revestiu sua
vida da missão de revelar o reinado de Deus. A urgência de um
mundo transformado pela comunhão divina tomou conta da pré-
dica e da prática de Jesus de Nazaré: "O tempo da espera expirou.
O reino de Deus está chegando. Mudem de vida. Crede nessa boa
nova" (Mc 1,15).
Para realizar seu projeto, Deus escolhe os últimos, começa
com os que estão à margem e lhes reconhece a bem-aventurança
(Mc 6,20). Os portadores das bênçãos divinas são os que sofrem,
os que choram, os pobres, os mansos, os famintos e sedentos de
justiça, os puros de coração, os compassivos, os fazedores da paz,
os perseguidos na luta pela justiça, os insultados e atingidos pela
mentira (Mt 5,3-12). Do grão de mostarda, dos mais esquecidos,
da vida mais ameaçada, surge o sonho de um mundo de fraternu-
ra solidária em que as sementes brotarão e os frutos serão com-
partilhados na mesa do reconhecimento mútuo. Deus reinando,
inverte-se o mundo, pois os pobres, os pecadores, as prostitutas
antecedem aos puros e aos religiosos. Os convidados não são fa-
mosos, mas foram procurados entre os servos, os estropiados, os
marginalizados (Mt 18,21-23).
Foi assim que a tradição recente das igrejas na América La-
tina compreendeu como urgência teológica a ação em direção
ao reinado de Deus na história humana. Desde a Conferência do
CELAM em Medellín, em 1968, os bispos da América Latina afir-
maram que há um clamor divino que brota da realidade: existem
povos oprimidos, filhos e filhas de Deus crucificados, que vivem
esperança de vida digna. O bispos, reunidos apenas três anos após
o Concílio Vaticano II, assumem a denúncia profética da violência
institucionalizada, da pobreza e da miséria das grandes maiorias
do continente como o anti-reino, como “pecado estrutural”, como
clamor divino irrecusável.
10. INCULTURAÇÃO
Hoje, a convocação ao diálogo, às exigências de justiça e paz,
ao compromisso com a ecologia e ao reconhecimento da alteridade
provocam novos olhares e novos compromissos. Diante dos sinais
dos tempos e no marco do Concílio Vaticano II e especialmente na
encíclica Ad gentes, a perspectiva missionária foi ganhando lucidez
sempre maior.
Aqui se coloca a realidade antropológica e teológica da
diversidade das culturas. Ao inculturar-se, a Igreja torna-se "um
sinal mais transparente daquilo que realmente é, e um instrumento
mais apto para a missão" (EN 52). Como a ação do espírito,
também a inculturação é um processo a longo prazo, abrangente e
profundo, com exigência de discernimento para não desqualificar
a cultura e não reduzir a integralidade da fé (EN 52).
Lutar pela construção de um mundo para todos em que caibam
a igualdade fraterna e a diferença de valores culturais, diferentes
línguas e cosmovisões, significa assumir no mistério da encarnação
de Jesus de Nazaré e de libertação pascal na cruz a causa dos cruci-
ficados na história (mártires), lutando pela redistribuição dos bens
e pelo reconhecimento da alteridade (GS 29). Toda evangelização
há de ser, portanto, inculturação do Evangelho [...] a inculturação
do Evangelho é um imperativo do seguimento de Jesus e é neces-
sária para restaurar o rosto desfigurado do mundo (SD 113; Cf. LG,
8; DAp 4, 97, 99b, 258, 325,491, 479). O rico magistério social da
Igreja nos indica que não podemos conceber uma oferta de vida
em Cristo sem um dinamismo de libertação integral, de humaniza-
ção, de reconciliação e de inserção social (DAp 359; 25; 146, 399)
(SUESS, 2012, p. 27).
seu projeto, que é o reino de Deus (GS 45). Com essas bases teo-
lógicas, o documento de Santo Domingos cita a Lumem gentium
do Vaticano II (LG 8) para afirmar que toda a evangelização há de
ser inculturação na linha da encarnação do Verbo e como impera-
tivo do seguimento de Jesus para restaurar o rosto desfigurado do
mundo (Cf. SANTO DOMINGO, 1992, n. 13 e 30, in CELAM, 2005).
Nesse marco teológico do espírito e da encarnação coloca-se
a questão da diversidade das culturas. A teologia das culturas e a
teologia das religiões direcionam a reflexão para a articulação en-
tre a singularidade e pluralidade, entre a identidade e a alteridade,
entre o amor aos irmãos e o amor aos distantes. Assim, há que se
devotar à própria habitação cultural, sem que esse projeto iden-
titário seja absolutizado, buscando manter a abertura à morada
cultural e espiritual do outro, sob pena de não amar o outro, mas
apenas amar a si mesmo nos outros.
Na nova perspectiva missionária, emerge o respeito amoroso
à sacralidade e ao mistério da graça de Deus presente nas culturas
e nas tradições religiosas dos outros. Junta-se aqui algo que parece
improvável: o adensamento da identidade cristã com a reverência
empática ao mistério de outras vivências religoso-culturais.
Desde o Concílio Vaticano II, assume-se uma radical transfor-
mação na perspectiva missionária diante das culturas. O diálogo
que se faz com a diversidade cultural da humanidade é diferente
do intuito secularmente vivido de encontrar-se com o outro para
trazê-lo a uma cristandade a que todos os povos deveriam ser con-
duzidos e reduzidos.
Sob essas luzes vão sendo lidas as intuições do Concílio Va-
ticano II que, conforme já citamos no início desse texto, afirma a
importância de constituir igrejas locais com rosto próprio, autóc-
tones, com sua mentalidade e forma de organizar que brota da
cultura de onde emerge (AG, 6).
Olhando para a História do continente, há que reconhecer
que, na invasão promovida pela Europa a partir do século 16, o
3) Faça uma lista dos documentos eclesiais que tratam da dimensão missioná-
ria e escreva algo sobre as questões tratadas em cada documento.
12. CONSIDERAÇÕES
Foi um percurso amplo este estudo. Atravessamos mares,
florestas, tempestades, campos e rios caudalosos. Indo em direção
às fontes e às raízes, nos detivemos diante do diálogo, dos funda-
mentalismos, do ecumenismo, dos encontros inter-religiosos, das
contribuições ético espirituais das tradições religiosas e do dina-
mismo missionário.
Alteridade e inculturação são referenciais abertos para o
avanço que a humanidade poderá fazer em direção a uma quali-
ficação das pessoas, das instituições e da convivência no planeta
Terra.
Aqui nos detivemos na abordagem da teologia cristã, com
acento especial nos caminhos da igreja latino-americana.
13. E-REFERÊNCIAS
ANDRADE, Maria Júlia Gomes. A construção da Takãra em Majtyri, Etnografia de uma
aldeia Tapirapé. Tese de Mestrado na Universidade Federal Fluminense, 2010. Disponível
em http://www.proppi.uff.br/ppga/sites/default/files/dissertacao_-_versao_final_maju.
pdf>. Acesso em: 14 set. 2012.
BOLETIM FRATERNIDADE LEIGA CHARLES FOUCAULD. Homepage. Disponível em:
<http://boletimfraternidadefoucauld.blogspot.com.br/2008/12/fraternidade-secular-
charles-de_01.html>. Acesso em: 14 set. 2012.
CIMI - CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Organismo vinculado à conferência
nacional dos bispos do Brasil — CNBB. Disponível em: <http://www.cimi.org.br/site/pt-
br/?system=news&action=read&id=5327>. Acesso em: 14 set. 2012.
REDEMPTORIS MISSIO (RM). Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_
paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_07121990_redemptoris-missio_po.html>.
Acesso em: 14 set. 2012.