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Rui Albuquerque
O presente trabalho pretende fazer uma apresentação breve e o mais consistente possı́vel, das ideias,
conceitos e instrumentos que hoje em dia se utilizam e fazem progredir o estudo da geometria. Mais
especı́ficamente, do ramo que é hoje conhecido por geometria diferencial. Pensamos, naturalmente,
que o estudo da geometria não se pode circunscrever a nenhuma teoria única ou tratado global e
final, e que tambem neste campo da criação humana e conhecimento cientı́ficos as ideias fluem de
forma diversa e têm de ser, e são, aprendidas de muitas maneiras. Tanto da parte dos que ensinam
como daquela dos que aprendem.
Sem dúvida, a geometria diferencial joga um papel excepcional, mesmo na matemática toda se
tal se pudesse considerar, porque afinal ela conjuga muitas e variadı́ssimas das matérias da álgebra e
da análise. Aparece nas soluções de problemas de várias variáveis reais ou complexas, tratadas como
espaços geométricos de dimensão qualquer, ou nos problemas de variáveis discretas, tratadas como
abstracções das anteriores (referimo-nos às variedades algébricas); informa-nos sobre as propriedades
intrı́nsecas da morfologia do espaço e suas medidas. Esse é precisamente o caso do globo terrestre
como o nome “geo+metria”indica. A geometria diferencial obriga a profunda reflexão sobre os
conceitos e leva-nos á formulação de novas ideias e teorias, à descoberta de estruturas geométricas
antes não imaginadas ou sequer procuradas. E finalmente remete-nos para o puro gozo da busca
da demonstração ou para o recolhimento na procura da mais sincera construção estética ou da
abstracção intelectual.
Numa interpretação livre e pessoal da influência da matemática sobre tudo o que ao homem
diz respeito, a geometria mostra-nos de forma clarividente a força de uma teoria, o poder das
ideias consolidadas pelo pensamento e indústria humanos na descoberta e explicação da realidade
que nos rodeia ou como utensı́lio para a transformar; porque tem de facto uma correspondência
com a Natureza. Por exemplo, quando falamos da “esfera de dimensão quatro”podemos não saber
para o que servem os resultados a que chegamos, ainda que estes nos permitam de imediato intuir
novos caminhos a perseguir dentro da matemática. Mas um fı́sico teórico poderá utilizar qualquer
dos nossos teoremas para explicar uma experiência que ocorra num “espaço-tempo com condições
de curvatura nula na fronteira”e que ele “compactifica”naquela esfera (ver [Ati79]). A realidade
encarrega-se de mostrar que ambos tinham razão, Fı́sicos e Matemáticos, mas cada um nos seus
domı́nios e com os seus critérios de verdade — assim se tem verificado através da história, de
forma mais preponderante desde que Newton e Leibniz descobriram o cálculo diferencial e com que
benefı́cios! Reafirmamos pois, com confiança num futuro sempre inteligı́vel e sempre mais humano,
que a geometria diferencial consolida a nossa certeza nos valores do ensino, da ciência e da arte,
como instrumentos para a elevação da cultura de cada um e melhoria da condição e liberdade de
todos.
Este livro tem por primeiro objectivo o ensino. Em particular uma apresentação da geometria
diferencial moderna aos alunos dos cursos de matemáticas aplicadas da Universidade de Évora, que
iii
iv
esperamos cativar para o prosseguimento do estudo no curso do quarto ano “Análise em Variedades”.
Tem tambem o objectivo de dar um contributo, ou afirmar a necessidade de, elevar o grau de
conhecimento da geometria e o esforço da sua divulgação em Portugal e entre os estudantes que não
abdicam de estudar em português.
Aparte tudo o que já se disse de subjectivo, importa estar avisado que os resultados que se
apresentam são fruto de aturada e persistente busca dos seus autores, pelo que poderão ser com-
preendidos sempre melhor se o estudante os acompanhar com incentivo, desejo, abnegação e muita
vontade crı́tica.
Conteúdo
Introdução 3
1 Material preparatório 5
1.1 Álgebra linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.1.1 Espaços vectoriais e aplicações lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.1.2 Construção de espaços vectoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.2 Topologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.2.1 Espaços topológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.2.2 Aplicações contı́nuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.2.3 Topologias produto e quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.3 Espaços métricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.3.1 Noções principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.3.2 Espaços métricos completos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.4 Mais conceitos da topologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.4.1 Duas questões sobre conexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.4.2 Várias propriedades definidas localmente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.4.3 Espaços paracompactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
1.5 Cálculo diferencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
1.5.1 Propriedades fundamentais das funções diferenciáveis . . . . . . . . . . . . . 26
1.5.2 Funções de R em R . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
n
. . . . . . . . . . . . . 32
1.5.3 Funções de matrizes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
1.6 Teoremas da função inversa e da função implı́cita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2 Variedades diferenciáveis 47
2.1 Definições e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
2.1.1 Definição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
2.1.2 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.1.3 Propriedades topológicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
2.2 Espaço tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
2.2.1 Definição e propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
2.2.2 Funções suaves com valores reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
2.2.3 Campos vectoriais e parêntesis de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
2.3 Aplicações suaves entre variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
2.3.1 Curvas suaves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
2.3.2 Aplicações suaves e suas propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
2.4 Subvariedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
1
2
3 Aplicações clássicas 81
3.1 Grupos de Lie e álgebras de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
3.2 Acções de grupos de Lie em variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
3.2.1 Variedades homogéneas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
3.2.2 Variedades quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
3.3 Variedades orientáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
3.3.1 Orientação de um espaço vectorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
3.3.2 Orientação de uma variedade diferenciável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
3.4 Introdução à geometria riemanniana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
3.4.1 Espaços com produto interno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
3.4.2 Variedades riemannianas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
3.5 Breve referência ao estudo das curvas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
3.5.1 Definições gerais em variedades riemannianas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
3.5.2 Estudo local das curvas em R ; a curvatura .
3
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
3.5.3 Fórmulas de Frenet-Serret . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
Bibliografia 110
Introdução
3
4 Introdução
Material preparatório
λ1 v1 + . . . + λj vj = 0, (1.2)
isto é, tais que o vector nulo seja combinação linear dos v1 , . . . , vj com algum λi ̸= 0. Caso contrário
aqueles vectores dizem-se linearmente dependentes.
5
6 Capı́tulo 1. Material preparatório
Uma famı́lia {vα }α∈I de vectores de V , indiciada em I, diz-se geradora de V se qualquer vector
v é combinação linear de alguns dos vα , ie. existem escalares λαβ , com αβ ∈ I e com o conjunto
dos β finito, tais que ∑
v= λαβ vαβ . (1.3)
β
Uma famı́lia minimal geradora de V chama-se uma base de V . Os vectores de uma base são portanto
linearmente independentes. Se uma base existe e forem em número finito os seus elementos, dizemos
que V tem dimensão finita; senão V tem dimensão infinita.
Se V tem dimensão finita, então quaisquer duas bases têm o mesmo número de elementos (a
demonstração deste facto não é nada imediata); número esse designado por dimensão de V ou,
abreviando, dim V .
Sejam V, W dois espaços vectoriais sobre o mesmo corpo K. Uma função f : V → W diz-se uma
aplicação (K-)linear ou uma transformação linear, se
Sejam V, W dois espaços vectoriais. Podemos então definir, formalmente, a soma directa
{ }
V ⊕ W = v + w : v ∈ V, w ∈ W . (1.6)
1.1 Álgebra linear 7
que não é mais que o produto cartesiano V × W . Convem-nos porém utilizar a notação aditiva, pelo
que se atribui o nome de soma directa àquele conjunto, munido da operação +
É fácil verificar que a soma directa de V e W é um novo espaço vectorial sobre K, cuja dimensão
é finita e igual à soma das dimensões de V e de W se estas forem finitas. V introduz-se de forma
unı́voca e linear na soma directa, e esta projecta-se de novo em V também de modo linear. Claro
que V ⊕ W ≃ W ⊕ V .
u ∼ v se v − u ∈ F. (1.9)
(v + F ) + (u + F ) = (v + u) + F, λ(u + F ) = λu + F. (1.10)
Sejam V, W dois espaços vectoriais, f : V → W uma aplicação linear. Tem-se então que
{ }
ker f = v ∈ V : f (v) = 0 (1.12)
é um subespaço vectorial de W .
2 Aqui temos um exemplo de uma sucessão exacta
0 −→ F −→ V −→ V /F −→ 0,
ou seja, cada flecha tem imagem igual ao núcleo da flecha seguinte (e 0 designa o espaço vectorial nulo {0}). Este
diagrama remete-nos para outro, análogo, que surge com a soma directa. Mas repare-se que não existe forma canónica
de escrever V = F ⊕ V /F ...
8 Capı́tulo 1. Material preparatório
Teorema 1.1.1 (do isomorfismo). Nas condições anteriores, suponhamos ainda V, W de dimensão
finita. Existe então um isomorfismo
Demonstração. Basta verificar que ϕ dada por v + ker f 7→ f (v) está bem definida, que é linear,
injectiva e sobrejectiva. □
∑
m
f (ei ) = bij e′j . (1.15)
j=1
Donde, a cada escolha de um par de bases temos uma e uma só matriz associada à aplicação linear
dada. Em suma, se fixarmos uma base teremos um isomorfismo V ≃ K ; se fixarmos também uma
n
base de W teremos um isomorfismo L(V, W ) ≃ L(K , K ) ≃ Mn×m (K), o espaço das matrizes n
n m
por m e coeficientes em K.
Contudo, para os fins da geometria diferencial, o estudo de K e das matrizes não se pode
n
Exercı́cios
′
1. Seja K um subcorpo de K e V um espaço vectorial sobre K. Mostre que V é espaço vectorial
′
sobre K . Mostre que C é espaço vectorial sobre R de dimensão 2n.
n
2. Mostre que K não é corpo, para n ≥ 2 e com produto definido pelo produto componente a
n
componente em K.
3. Seja f : V → W uma aplicação linear entre dois espaços vectoriais sobre K. Seja e1 , . . . , en
uma base de V . Prove que f é um monomorfismo se, e só se, os vectores f (e1 ), . . . , f (en ) são
linearmente independentes; e que f é um epimorfismo se, e só se, os vectores f (e1 ), . . . , f (en )
geram W .
5. Seja V um espaço vectorial de dimensão n e seja p < n. Mostre que qualquer sistema de p
vectores linearmente independentes se pode extender a uma base de V .
6. Seja Mn (K) o espaço vectorial das matrizes quadradas de ordem n e coeficientes em K. Mostre
que S = {X ∈ Mn : X = X T } (X T representa a transposta) e Λ = {X ∈ Mn : X = −X T }
são subespaços vectoriais reais e que Mn = S ⊕ Λ. (Sugestão: repare que X = (X + X T )/2 +
(X − X T )/2.) Recordamos que as matrizes de S se dizem simétricas e as de Λ se dizem
anti-simétricas.
1.2 Topologia 9
T
7. Dado X ∈ Mn×n (C), seja X ∗ = X . Mostre que Mn×n (C) é soma directa (sobre R) dos
subespaços vectoriais reais das matrizes X tais que X = X ∗ (matriz hermı́tica) e das matrizes
Y tais que Y = −Y ∗ (matriz anti-hermı́tica).
1.2 Topologia
As noções principais da teoria dos espaços topológicos dominam a geometria diferencial. A generali-
dade com que queremos abordar este campo da matemática, obriga-nos não só a recordar as noções
principais como a conhecer algumas das suas mais fortes consequências.
∅, X ∈ A,
se {Uα } é uma famı́lia qualquer de elementos de A, então ∪α Uα ∈ A, (1.16)
e se U1 , . . . , Um são m (finito) elementos de A, então ∩m
i=1 Ui ∈ A.
Duas topologias ocorrem naturalmente sobre qualquer conjunto X: a discreta, PX , onde todos
os subconjuntos de X são considerados abertos, e a caótica, onde apenas o vazio e o espaço todo
são abertos. Temos de facto duas topologias.
Dadas duas topologias A1 e A2 de X dizemos que A1 é mais fina que A2 , ou que esta é menos
fina que a primeira, se A1 ⊇ A2 . Note-se que a topologia mais fina é a que tem mais abertos.
Portanto, PX é a mais fina e a topologia caótica é a menos fina de todas.
Teorema 1.2.1. Para qualquer conjunto B de partes de um conjunto X existe uma topologia em X
com a propriedade de ser a menos fina que contém B.
Agora, para demonstrar o teorema basta fazer a intersecção de todas as topologias de X que
contêm B. Tal famı́lia é não vazia: PX é uma dessas topologias. □
É fácil mostrar que a topologia gerada por B coincide com a original. Estas duas últimas asserções
provam que uma topologia em X fica bem determinada se conhecermos um sistema fundamental
de vizinhanças de cada um dos seus pontos, isto é, um sistema Bx de vizinhanças de x com a
propriedade de outra qualquer vizinhança conter sempre uma das de Bx . Recı́procamente:
Demonstração. É fácil verificar que as condições (i) e (ii) são necessárias. Para ver que são suficientes
basta ver que B é a base de alguma topologia. Consideramos, mesmo, aquela em que os abertos
são as uniões de conjuntos de B. Isto é uma topologia porque ∅ é a união vazia; porque se tem
(i); porque a união de uma famı́lia de uniões de elementos de B é uma união de elementos de B; e
finalmente porque, se Ui = ∪α Vi,α , i = 1, 2, Vi,α ∈ B, então
∪ ∪
U1 ∩ U2 = V3,α,α′ , (1.18)
α,α′ x∈V1,α ∩V2,α′
onde os V3,α,α′ são dados por (ii), o que prova que qualquer intersecção finita de abertos é um
aberto. □
Um espaço topológico que admite uma base numerável4 (diz-se que satisfaz o segundo axioma da
enumerabilidade) conterá necessariamente um subconjunto denso. Um espaço topológico contendo
um conjunto numerável e denso chama-se separável.
dado conjunto é finito ou que está em correspondência biunı́voca com os números naturais.
1.2 Topologia 11
Proposição 1.2.2 (Lindelöf). Suponhamos que X tem uma base enumerável. Então de qualquer
cobertura aberta de X pode-se extrair uma subcobertura enumerável.
Demonstração. Seja {Oα } uma cobertura aberta e seja {Un } uma base numerável. Seja x ∈ X.
Como este ponto está nalgum dos abertos Oα , existe então algum Un,x tal que x ∈ Un,x ⊂ Oα . A
totalidade desses Un,x é ainda numerável e cobre X. A cada n associamos agora um dos Oα que
contêm Un,x , formando assim uma subcobertura da cobertura de X inicial. □
Uma topologia diz-se de Hausdorff se quaisquer dois pontos têm vizinhanças disjuntas5 . Um
subespaço de um espaço topológico de Hausdorff é um espaço topológico de Hausdorff, como é
imediato verificar.
Demonstração. Já vimos que Y também é Hausdorff. Supondo agora que {Vα } é uma cobertura
aberta de Y , tem-se que para cada α existe Uα aberto em X tal que Vα = Y ∩Uα . Então aqueles aber-
tos de X juntamente com o aberto X\Y formam uma cobertura aberta de X, donde, por hipótese,
se pode extrair uma subcobertura finita. Voltando a intersectar os elementos desta subcobertura
com Y obtemos o resultado procurado. □
Dizemos que f é contı́nua em X se o for em todos os pontos de X. Não é demais salientar que a
noção de continuidade é uma noção local , ie. só depende da função numa vizinhança de cada ponto.
Proposição 1.2.5. Uma função f : X → Y é contı́nua em X se, e só se, a imagem inversa de
qualquer aberto em Y é aberta em X.
Demonstração. Tem-se imediatamente que a condição é suficiente. Vejamos que é necessária. Sendo
V um aberto em Y , queremos ver que f −1 (V ) = {x ∈ X : f (x) ∈ V } é aberto em X. Ora, para
cada ponto x desta imagem inversa, como V é uma vizinhança de f (x) e f é contı́nua, existe uma
vizinhança U de x tal que f (U ) ⊂ V , ou seja, U ⊂ f −1 (V ) e logo este conjunto é aberto em X. □
Uma vez que o conjunto f −1 (Y \A) é composto de elementos de X que têm imagem em Y e
não em A, ou seja, é igual a f −1 (Y )\f −1 (A), qualquer que seja o subconjunto A, também podemos
enunciar a proposição anterior dizendo que f é contı́nua em X se, e só se, a imagem inversa de um
fechado em Y é fechada em X. Supondo dadas funções contı́nuas g : Y → Z e f : X → Y , vê-se
logo, pela proposição, que g ◦ f : X → Z é uma função contı́nua. Outra propriedade notável é a que
segue.
Proposição 1.2.6. Se f : X → Y é contı́nua e X é conexo, então f (X) com a topologia induzida
de Y é conexo.
Demonstração. Seja Z ⊂ f (X) um subconjunto simultâneamente aberto e fechado, não vazio. Exis-
tem então um aberto Z ′ e um fechado Z ′′ de Y tais que Z = f (X) ∩ Z ′ = f (X) ∩ Z ′′ , como exigem
as definições. De tais subconjuntos Z ′ e Z ′′ descobre-se logo que as suas imagens inversas são iguais
à imagem inversa de Z por f . Assim f −1 (Z) = X, por este ser conexo; o que implica por outro lado
que Z = f (X). □
Uma aplicação diz-se aberta se a imagem directa de qualquer aberto é um aberto; uma aplicação
f : X → Y chama-se um homeomorfismo se f for bijectiva, contı́nua e se f −1 : Y → X for
contı́nua. Em virtude de 1.2.5, podemos dizer que um homeomorfismo é uma aplicação que é
bijectiva, contı́nua e aberta.
Ux × Y ⊂ Wαx1 ∪ . . . ∪ Wαxkx .
Agora, a famı́lia dos Ux forma uma cobertura aberta de X, pelo que podemos extraı́r uma subco-
bertura finita Ux1 , . . . , Uxl . Daqui resulta que a famı́lia finita {Wαxj }, j = 1, . . . , l, i = 1, . . . , kx ,
i
forma uma subcobertura de X × Y , como querı́amos. Deixamos como exercı́cio a demonstração de
que, se X, Y são conexos, então o produto cartesiano é conexo. □
Exercı́cios
1. Seja B a base de uma topologia A. Mostre que a topologia gerada por B coincide com A.
4. Seja f : X → Y uma aplicação entre dois espaços topológicos. Seja B uma base de Y . Prove
que f é contı́nua se, e só se, f −1 (U ) é aberto qualquer que seja U ∈ B.
7. Mostre que todas as funções polinomiais R → R são contı́nuas. O mesmo para as funções
n
9. Mostre que R é separável. O mesmo para R . Indique os pontos interiores, fronteiros, exteri-
n
10. Seja f : X → Y uma função entre dois espaços topológicos. Seja a ∈ X. Dizemos que b é o
limite de f em a, e escrevemos limx→a f (x) = b, se qualquer que seja a vizinhança V de b
existe uma vizinhança U de a tal que f (U ) ⊂ V . Mostre que f é contı́nua em a se, e só se,
limx→a f (x) = f (a).
11. Defina o limite de sucessões num espaço topológico. Mostre que num espaço de Hausdorff o
limite, quando existe, é único.
12. Sejam f : X → R uma função contı́nua em a ∈ X (cf. exercı́cio 6) e limitada numa vizinhança
n
14. Demonstre que se X, Y são conexos então X×Y é conexo. Mostre que X, Y têm base numerável
de abertos se, e só se, X × Y tem base numerável de abertos.
15. Seja f : X → Y × Z. Verifique que f é contı́nua se, e só se, são contı́nuas as suas componentes
em Y e em Z. Mostre que a função de R em R = R ∪ ∞ = S 1 (!) definida por f (s, t) = |s/t|
2
se t ̸= 0 e f (s, 0) = ∞ não é contı́nua embora o sejam cada uma das funções s 7→ f (s, t) e
t 7→ f (s, t) (quando se consideram, respectivamente, t e s fixos).
17. Os dois ‘sólidos’ da figura 1.1 serão homeomorfos? Imagine agora que eles se moldam como se
de uma matéria plástica se tratasse. Mostre que os dois sólidos se podem transformar um no
outro.
19. Sabendo que os intervalos |a, b| de R são conexos (o sı́mbolo | denota ‘aberto’ ou ‘fechado’),
mostre que os intervalos |a1 , b1 |×· · ·×|an , bn | de R são conexos. O mesmo para as intersecções
n
espaços topológicos permite uma introdução rápida dos espaços métricos, mas uns e outros mais
tarde é que se revelarão.
Demonstração. Para a primeira parte basta-nos ver que as bolas formam uma base, já que elas
já foram definidas em função dos pontos de X. Vamos aplicar a proposição 1.2.1, conferindo (i)
e (ii) daquele resultado. Ora, tem-se X = ∪x∈X B(x, 1). E, se x ∈ B(a, r) ∩ B(b, s), tome-se
δ = min{r − d(x, a), s − d(x, b)}. Ter-se-á então x ∈ B(x, δ) ⊂ B(a, r) ∩ B(b, s), pois, se y está na
primeira bola, então
e pela mesma razão se prova que d(y, b) ≤ s, ou seja, y está na intersecção B(a, r) ∩ B(b, s), como
querı́amos.
Para provar que d é contı́nua, seja (x, y) ∈ X × X e seja ϵ > 0. Queremos encontrar uma
vizinhança W de (x, y), na topologia produto, tal que
Tomamos então W = B(x, ϵ/2) × B(y, ϵ/2), donde virá para qualquer par (z, w) ∈ W
bem como
d(z, w) − d(x, y) ≤ d(z, x) + d(x, y) + d(y, w) − d(x, y) < ϵ,
permitindo concluir |d(x, y) − d(z, w)| < ϵ. □
Todo o espaço métrico é de Hausdorff. Mais ainda, todo o espaço métrico é normal, ie. é
um espaço topológico de Hausdorff tal que quaisquer dois fechados disjuntos possuem vizinhanças
disjuntas. Em geral, um qualquer espaço topológico diz-se metrisável se a sua topologia provem
de uma métrica. Se isto acontece, então ele tem de ser normal e verificar o primeiro axioma da
enumerabilidade: todo o ponto tem um sistema fundamental de vizinhanças enumerável.
1.3 Espaços métricos 17
Já vimos que um espaço topológico com base numerável é separável. No capı́tulo dos espaços
métricos tem-se a recı́proca.
Proposição 1.3.2. Um espaço métrico X tem uma base numerável se, e só se, X é separável.
Demonstração. Suponhamos que X é separável, ou seja, existe {xn }n∈N subconjunto denso em X.
Podemos então considerar a base de X definida por
{ }
1
B(xn , m ) : n, m ∈ N
Dizemos que um espaço métrico X é pré-compacto6 se, qualquer que seja ϵ > 0, existe uma
cobertura finita de X por meio de bolas de raio ϵ. Isto é equivalente à existência de um subconjunto
finito F tal que, ∀x ∈ X, a distância de x a F é menor que ϵ. Naturalmente, a distância entre dois
subconjuntos A, B ⊂ X é definida por
Diz-se, então, que A é limitado se o seu diâmetro é finito; o que é equivalente a A estar contido
nalguma bola. Prova-se facilmente que todo o espaço pré-compacto é limitado.
Demonstração. Por definição, para cada n natural, existe An finito tal que, ∀x ∈ X, se tem
d(x, An ) < n1 . Tomando A = ∪n An vem que A é numerável e resulta que, para cada x, existe
an ∈ A tal que d(x, an ) < n1 , donde x ∈ A. Ou seja, A é numerável e denso em X. □
Numa sucessão convergente os seus pontos aproximam-se uns dos outros, tendo por limite um
determinado ponto. Podemos supôr, contudo, que existem sucessões cujos termos se aproximam uns
6 Também se pode chamar totalmente limitado.
7 Consideraremos sempre que as sucessões têm infinitos pontos distintos entre si. Portanto não têm sequer subsu-
cessões constantes.
8 Recordamos que uma subsucessão de {x } é uma escolha ordenada de alguns dos x , ou seja, é uma sucessão
n n
{xnk } com k 7→ nk crescente.
k∈ N
18 Capı́tulo 1. Material preparatório
dos outros e das quais se desconhece à partida se têm ou não limite. São as chamadas sucessões
de Cauchy {xn }n∈N em X:
Se no espaço métrico X todas as sucessões de Cauchy são convergentes, então X diz-se completo
(recorde-se que esta propriedade é conhecida da construção da recta real, sendo equivalente ao
“teorema dos intervalos encaixados”).
Nos espaços completos reaparecem resultados fundamentais do caso especial, bem conhecido, da
recta real.
Teorema 1.3.1. Seja X um espaço métrico. As seguintes asserções são equivalentes:
(i) X é compacto;
(ii) de qualquer sucessão em X podemos extrair uma subsucessão convergente;
(iii) X é pré-compacto e completo.
Demonstração. (i)⇒(ii) Suponhamos que X é compacto e S = {xn }n∈N é uma sucessão sem pontos
de acumulação em X. Para cada k ∈ N, seja Sk = {xn }n≥k . Qualquer um destes subconjuntos Sk
é fechado porque não tem pontos aderentes além dos seus próprios pontos. É claro que
∞
∪
X= X\Sk ,
k=1
Mas isto é absurdo, porque, sendo ki = max{k1 , . . . , kl }, vemos que Ski não está contido no lado
direito da igualdade (1.26). S tem de ter algum ponto de acumulação; logo de S podemos extrair
uma subsucessão convergente.
(ii)⇒(iii) É imediato que X é completo, pois uma sucessão de Cauchy, admitindo por hipótese uma
subsucessão convergente, tem de convergir e para o mesmo limite.
Provemos agora que X é pré-compacto. Seja ϵ um real > 0 qualquer. Escolhamos x1 ∈
X, x2 ∈ X\B(x1 , ϵ), x3 ∈ X\(B(x1 , ϵ) ∪ B(x2 , ϵ)) e assim por diante. Supondo que não se tem
pré-compacidade, podemos construir uma sucessão {xn }n∈N tal que
xn+1 ∈
/ B(x1 , ϵ) ∪ . . . ∪ B(xn , ϵ). (1.27)
Existe, por hipótese, uma subsucessão {xnk }k∈N da sucessão construı́da, que é convergente. Cha-
mando x̂ ∈ X ao seu limite, existe então uma ordem k0 tal que xnk ∈ B(x̂, ϵ/2), ∀k > k0 . Mas
então teremos de ter xnk+1 ∈ B(xnk , ϵ), porque
terá de convergir; para o mesmo limite ŷ. Este é por isso um ponto de acumulação de S. Repare-se
que ŷ ∈/ Un , qualquer que seja n. Caso contrário, se pertencesse a um Uk , viria xm ∈ Uk , ∀m a
partir de certa ordem, o que é falso por construção. Finalmente, devemos concluir que
∞
∩
ŷ ∈ X\Un .
n=1
Recorde-se que a topologia usual de R também vem de uma métrica e que, por construção dos
números reais, R é completo. Deixamos como exercı́cio a verificação de que a topologia produto de
Rn é também dada pela distância
{ }
d(x, y) = max |yi − xi | : i = 1, . . . , n (1.28)
∀x, y ∈ R . O exercı́cio é imediato já que B(x, ϵ) =]x1 − ϵ, x1 + ϵ[× · · · ×]xn − ϵ, xn + ϵ[. Claramente
n
obtemos um espaço completo pois uma sucessão é de Cauchy em R se, e só se, as suas componentes
n
é mais recente — uma nota cronológica pontual que talvez ajude no concerto das ideias.
20 Capı́tulo 1. Material preparatório
Demonstração. Começemos por supôr A compacto. Então A é pré-compacto e logo limitado. Seja
a ∈ A; prova-se fácilmente que existe sucessão xk → a com os xk ∈ A. Pelo teorema existe uma
subsucessão de xk que converge em A; mas as subsucessões convergem para o mesmo limite que as
sucessões quando estas convergem. Logo só podemos ter a ∈ A.
Agora suponhamos A fechado e limitado. Então A é completo, como se observou antes do
teorema. Vejamos que A é pré-compacto. Seja ϵ > 0 qualquer. Uma vez que consideramos a
topologia induzida, só queremos ver que A está contido numa união finita de bolas de raio ϵ. Seja
e1 , . . . , en a base canónica de R e considere-se o conjunto
n
ϵ ϵ
I= Ze1 + · · · + Zen .
4 4
Existe um subconjunto finito I = {yi } contido em I tal que A ⊂ ∪yi ∈I B(yi , ϵ/2), porque A é
limitado. Supomos desde já que cada uma das bolas tem intersecção não vazia com A. Assim, para
cada yi ∈ I podemos escolher xi ∈ B(yi , ϵ/2) ∩ A. Então a união das bolas B(xi , ϵ) cobre A, pois
sendo a ∈ A, existe algum yi ∈ I tal que d(yi , a) < ϵ/2. Logo
ϵ ϵ
d(xi , a) ≤ d(xi , yi ) + d(yi , a) < + =ϵ
2 2
como querı́amos. Encontrámos uma cobertura finita formada de bolas de raio ϵ; está provado que
A é pré-compacto. Como também é completo, concluimos que A é compacto pelo teorema. □
espaço vectorial sobre K. Uma norma em V é uma aplicação ∥ ∥ : V → [0, +∞[ que verifica:
∀u, v ∈ V, ∀λ ∈ K. O par (V, ∥ ∥) diz-se então um espaço vectorial normado. Prova-se fácilmente
(exercı́cio 4) que toda a norma define uma distância em V e logo que, com a topologia da métrica,
as operações de adição e multiplicação por escalar são contı́nuas.
Corolário 1.3.2. Suponhamos que V é um espaço vectorial normado de dimensão finita n. Seja
v1 , . . . , vn uma base de V . Então o isomorfismo f : R → V definido por
n
f (x1 , . . . , xn ) = x1 v1 + · · · + xn vn (1.30)
é um homeomorfismo.
Demonstração. Por linearidade e pelas observações precedentes, é imediato verificar que qualquer
aplicação linear é contı́nua se, e só se, ela é contı́nua no ponto 0. Vejamos então que f é contı́nua
em 0. Tem-se
∑n
0 ≤ ∥f (x)∥ ≤ |xi |∥vi ∥
i=1
pelo que o limite de f (x) quando x = (x1 , . . . , xn ) → 0 é nulo, ou seja igual a f (0). Usando o critério
dado no exercı́cio 1, concluı́mos que f é contı́nua.
Vejamos a continuidade de f −1 em 0 invocando o critério anterior. Seja {v k } uma sucessão em
V tal que v k → 0 e f −1 (v k ) = xk ∈ R . Podemos já supôr que todos os v k são não nulos, ou que
n
excluı́mos os vectores nulos daquela sucessão. Seja tk = max{|xki | : i = 1, . . . , n}. Vamos denotar
1.3 Espaços métricos 21
ainda pelo mesmo tk uma subsucessão dos tk , supondo que existe, que não tem 0 como ponto de
acumulação10 . Então
( xk ) xk
d , 0 = max i = 1.
tk i tk
Pelo coroário anterior o conjunto fechado e limitado Q = {y ∈ R : d(y, 0) = 1} é compacto,
n
logo pelo teorema 1.3.1 a sucessão {xk /tk } admite uma subsucessão convergente em Q. Seja então
xkj /tkj essa subsucessão, com limite x ∈ Q. Então, por f ser linear e contı́nua, vem que
( xkj ) v kj
lim f = lim = f (x) = u
j tkj j tkj
∥v kj ∥ 0
lim tkj = lim = =0
j j
kj
∥ vtk ∥ ∥u∥
j
o que é absurdo. Concluimos que todas as subsucessões têm 0 como ponto de acumulação. Pelo
exercı́cio 2 resulta que a sucessão tk → 0; o que implica que xk tende para 0, como querı́amos
demonstrar. □
Exercı́cios
1. Diz-se que uma sucessão S = {xn } num espaço topológico Y converge para x ∈ Y se,
∀ vizinhança V de x, ∃p : n ≥ p ⇒ xn ∈ V . Usa-se então a notação xn → x ou lim xn = x.
Suponha agora que Y é um espaço métrico. a) Mostre que as duas noções de convergência
em Y já apresentadas coincidem. b) Mostre que uma sucessão S = {xn } em Y tem alguma
subsucessão convergente se, e só se, S admite algum ponto de acumulação. c) Prove que
entre espaços métricos X, Y a continuidade de uma função f : X → Y num ponto a ∈ X é
equivalente à seguinte condição: ∀{xn }, xn → a ⇒ f (xn ) → f (a).
2. Prove que se S = {xn } é uma sucessão num espaço métrico e todas as subsucessões de S têm
um mesmo ponto x ∈ S como ponto de acumulação, então xn → x.
4. Seja V um espaço vectorial. Mostre que toda a norma definida em V induz uma distância em V
(sugestão: reflectir sobre (1.28)). Com essa topologia prove que (u, v) 7→ u+v e (λ, v) 7→ λv são
contı́nuas. Mostre que ∥(x1 , . . . , xn )∥ = maxi |xi | define uma norma em R e que a topologia
n
5. Sejam U, V, W três espaços vectoriais normados. Seja A ∈ L(V, W ) (espaço das aplicações
lineares de V para W ). Mostre que
define uma norma no subespaço vectorial L(V, W ) = {A ∈ L(V, W ) : ∥A∥ < +∞}. Mostre
que ∥A(u)∥ ≤ ∥A∥∥u∥, ∀u ∈ V , e que, se B ∈ L(U, V ), então ∥A ◦ B∥ ≤ ∥A∥∥B∥. Em tendo
tempo, mostre ainda que
(1.30)).
7. Sejam V, W dois espaços vectoriais normados, com V de dimensão finita. Mostre que L(V, W ) =
L(V, W ). (Sugestão: utilize o corolário 1.3.2 para ver que qualquer aplicação linear é contı́nua;
depois use o exercı́cio 6). Conclua: independentemente ‘das bases’ ou das normas, todas as
aplicações lineares partindo de um espaço de dimensão finita são contı́nuas .
que é de equivalência (ver exercı́cio 2, secção 1.2 para provar a transitividade). A classe de equi-
valência C(x) de cada ponto x ∈ X é chamada a componente conexa de x. É óbvio que C(x)
coincide com o maior subconjunto conexo de X ao qual x pertence. Como o fecho de um conexo é
conexo, cada componente conexa é um fechado.
1.4 Mais conceitos da topologia 23
Um espaço topológico diz-se conexo por arcos se quaisquer que sejam x, y ∈ X existe uma
aplicação contı́nua (uma curva) fx,y : [0, 1] → X tal que fx,y (0) = x, fx,y (1) = y. X será em
particular conexo porque as imagens fx,y ([0, 1]) são conexas e logo, ∀x, y ∈ X, y ∈ C(x). Donde
C(x) = X, ∀x.
X0 é não vazio porque x ∈ X0 . A sua fronteira é vazia: se esta tivesse algum ponto z, então
ligávamo-lo ao interior de X0 usando uma vizinhança V de z conexa por arcos e logo, por ‘colagem’
de curvas, qualquer ponto de V seria a fortiori ligado a x. Isto prova que z estaria no interior de
X0 . Como X é conexo e X0 é aberto e fechado, X = X0 . □
Dadas duas coberturas {Vβ }, {Uα } de X, dizemos que a primeira é um refinamento da segunda
se todo o Vβ está contido nalgum Uα . Uma cobertura {Uα } diz-se localmente finita se cada ponto
tem uma vizinhança W que encontra apenas uma quantidade finita de Uα ’s, isto é, W ∩ Uα ̸= ∅
apenas para um número finito de α’s.
24 Capı́tulo 1. Material preparatório
Corolário 1.4.1 (Urysohn). Seja Z um espaço métrico e sejam A, B ⊂ Z dois fechados, não vazios
e disjuntos. Então existe uma função contı́nua f : Z → [0, 1] tal que
Demonstração. Deduz-se este resultado aplicando o teorema anterior à função definida sobre A ∪ B
que vale 1 em A e 0 em B, e que é por isso contı́nua. □
O lema de Urysohn também vale num espaço normal com base enumerável. A importância
de tomar a classe, com intersecção mais restrita, dos espaços paracompactos mostra-se a seguir.
Vejamos mais um teorema devido a Dieudonné.
Teorema 1.4.5 (do encolhimento). Seja X um espaço normal. Seja I uma famı́lia de ı́ndices e
{Ui }i∈I uma cobertura aberta e localmente finita de X. Então existe uma cobertura aberta {Vi }i∈I
de X tal que V i ⊂ Ui , ∀i ∈ I.
Este conjunto é portanto igual ao mais pequeno fechado fora do qual ϕ é nula.
Seja U = {Ui }i∈I uma cobertura aberta de um espaço topológico X. Uma famı́lia {ϕi }i∈I de
funções reais definidas em X e contı́nuas
ϕi : X −→ R (1.37)
1.4 Mais conceitos da topologia 25
Teorema 1.4.6. É condição necessária e suficiente para um espaço topológico ser paracompacto,
que ele seja de Hausdorff e que toda a cobertura aberta tenha uma partição da unidade associada.
Demonstração. Suponhamos que X é paracompacto e seja U = {Ui }i∈I uma cobertura aberta. Então
X é normal e existe um refinamento U ′ = {Ui′ }i∈I localmente finito. Pelo teorema do encolhimento
existem ainda refinamentos V = {Vi }i∈I , tal que V i ⊂ Ui′ , e W = {Wi }i∈I , tal que W i ⊂ Vi . Agora,
pelo lema de Urysohn existe uma função ϕ′i contı́nua, com valores em [0, 1], igual a 1 em W i e igual
∑
a 0 fora de Vi . Uma vez que V, W são coberturas localmente finitas a soma ψ = i∈I ϕ′i é contı́nua
e não nula em nenhum ponto. As funções ϕi = ϕ′i /ψ satisfazem as propriedades 1), 2), 3), 4).
Recı́procamente suponhamos que toda a cobertura aberta U = {Ui }i∈I admite uma partição da
unidade associada {ϕi }i∈I . Sendo Vi o interior de supp ϕi , então os Vi cobrem X (por 4) e são um
refinamento de U (por 2) localmente finito (por 3). Logo X é paracompacto. □
A demonstração do último teorema encontra-se em [Hir95]; ver também [Hir95, Die44] a propósito
dos teoremas de J. Dieudonné. Referências para o teorema de P. S. Urysohn poderão ser encontradas
em [KF82] e o teorema de Tietze-Urysohn está demonstrado em [Die66].
Exercı́cios
1. Verifique as condições de partição da unidade das funções ϕi encontradas na demonstração do
último corolário.
2. Mostre que propriedades topológicas como compacto, conexo, separável, localmente conexo ou
paracompacto são invariantes por homeomorfismo. Encontre outras.
3. Sabendo que os conexos de R são os intervalos, mostre que toda a função contı́nua f : X → R
num espaço conexo X, que tome os valores c e d, tem de tomar também todos os valores entre
c e d (resultado conhecido como teorema de Bolzano).
4. Mostre que R é localmente compacto. Encontre duas coberturas de R, uma localmente finita
e a outra não. Mostre que R é paracompacto.
9. ([Die66]) Mostre que os subespaços localmente compactos de um espaço métrico são localmente
fechados.
11. Mostre que o produto cartesiano de espaços localmente compactos, com base numerável, é
paracompacto.
deve-se ao facto de aquela distância provir de uma norma (ver exercı́cios 4,6,8,9 da secção 1.3). É
importante ter presente que as bolas fechadas e as esferas Srn−1 = {v ∈ R : ∥v∥ = r} são espaços
n
compactos, com a topologia induzida de R e que, portanto, quaisquer funções contı́nuas aı́ definidas
n
resulta12
o(v)
lim =0 (1.41)
v→0 ∥v∥
11 Relativamente a (1.40), é claro que se considera v suficientemente pequeno de tal modo que x + v ainda está no
domı́nio de f — só se pretende caracterizar f numa vizinhança de x. Note-se também que a equação serve para definir
a função o e que claramente ξ, o poderão mudar de ponto para ponto, isto é, dependem de x.
12 Relativamente a (1.41), note-se que, pelos exercı́cios sobre normas anteriormente referidos, ficámos a saber que
todas as normas em R são equivalentes, pelo que o limite ser nulo não depende da norma utilisada. Em particular,
n
a noção de diferenciabilidade não depende da métrica. É esta propriedade que faz a “geometria diferencial” ser
independente da “geometria riemanniana”, onde a métrica em geral varia de ponto para ponto.
1.5 Cálculo diferencial 27
(neste limite é claro que se exclui v = 0). Multiplicando (1.41) por ∥v∥, segue de imediato que
também se tem limv→0 o(v) = 0 = o(0). A aplicação linear ξ é chamada aplicação linear derivada,
ou diferencial, de f em x e denota-se tanto por df (x) como por dfx . A equação (1.40) toma assim
o aspecto
f (x + v) = f (x) + dfx (v) + o(v). (1.42)
Os valores df (x)(v) são chamados de derivadas direccionais de f no ponto x segundo a
direcção v.
entre outros, por todas as aplicações lineares entre espaços de dimensão finita serem contı́nuas. □
ei = (0, . . . , 0, 1, 0 . . . , 0) (1.43)
com 1 no i-ésimo lugar e o resto tudo zeros. As derivadas parciais de f em x são (denotadas e)
definidas por
∂f f (x + tei ) − f (x)
(x) = df (x)(ei ) = lim (1.44)
∂xi t→0 t
∂x (x) = dfx (1) por f (x)). Com efeito, fazendo v = tei , t ∈ R , vem
′ +
(no caso n = 1, denotamos ∂f
que ∥v∥ = t e pelas definições vem que
1( ) 1( )
lim f (x + tei ) − f (x) = lim df (x)(tei ) + o(tei )
t→0 t t→0 t
(1.45)
o(tei )
= lim df (x)(ei ) + = df (x)(ei )
t→0 t
Em virtude desta igualdade, da unicidade do limite e do facto de uma aplicação linear ficar deter-
minada pelas imagens dos vectores de uma base, podemos concluir que, se f for diferenciável, existe
somente uma aplicação linear diferencial de f , ou seja, satisfazendo (1.40) e (1.41).
( ) ( )
d(f g)(x)(v) = df (x)(v) g(x) + f (x) dg(x)(v) (1.46)
Demonstração. Sendo triviais 1 e 2 resta-nos demonstrar 3. Ora, invocando serem satisfeitas para
f e g as condições (1.40) e (1.41), vem
( )( )
f g(x + v) = f (x + v)g(x + v) = f (x) + dfx (v) + o(v) g(x) + dgx (v) + õ(v)
= f (x)g(x) + dfx (v)g(x) + f (x)dgx (v) +
+dfx (v)dgx (v) + o(v)g(x + v) + f (x + v)õ(v)
28 Capı́tulo 1. Material preparatório
Note-se que os vectores v/∥v∥ estão sobre a esfera S n−1 de raio 1, sobre a qual df (x) tem imagem
limitada, e que usámos novamente a continuidade, como aplicações lineares, dos diferenciais de f e
g. Cf. com exercı́cio 12 da secção 1.2. □
ou seja, para qualquer vector v tem-se a igualdade d(g ◦ f )x (v) = dgf (x) (dfx (v)).
onde o, õ são dados por (1.40), e satisfazem (1.41), e onde O(v) = dgf (x) (o(v)) + õ(dfx (v) + o(v)).
Falta-nos então verificar que O(v)/∥v∥ é um infinitésimo com v. Ora, tomando o limite em v e
considerando desde já que w(v) = dfx (v) + o(v) ̸= 0 — o único obstáculo relevante —, vem que
também w(v) → 0 e
O(v) 1 ( )
lim = lim dgf (x) (o(v)) + õ(w(v))
v→0 ∥v∥ v→0 ∥v∥
Em diversas situações convem apresentar o diferencial de uma função de uma forma mais explı́cita,
em termos de coordenadas. Suponhamos que U é um aberto de R e f : U → R é uma função
n
df (x)(v) = df (x)(v1 e1 + · · · + vn en )
∂f ∂f (1.48)
= v1 df (x)(e1 ) + · · · + vn df (x)(en ) = v1 (x) + · · · + vn (x).
∂x1 ∂xn
1.5 Cálculo diferencial 29
( )
df (x)(v) = df1 (x)(v), . . . , dfm (x)(v)
(∑ n ∑n )
∂f1 ∂fm (1.50)
= vi (x), . . . , vi (x) .
i=1
∂xi i=1
∂xi
Assim, a matriz da aplicação linear df (x) : R → R , nas bases canónicas, é dada pela matriz das
n m
derivadas parciais ∂f
1
· · · ∂f1
∂x1 ∂xn
J(f ) = ··· (1.51)
∂fm
∂x1 · · · ∂xn
∂fm
a chamada matriz jacobiana de f . Mais ainda, depreende-se logo, observando as definições, que
a diferenciabilidade de f em x é equivalente à condição de serem diferenciáveis em x cada uma das
componentes fj , 1 ≤ j ≤ m.
f (x1 , . . . , xn ) = (y1 , . . . , ym ),
(1.52)
g(y1 , . . . , ym ) = (z1 , . . . , zp )
∂z ∂z ∂y1 ∂z ∂ym
= + ··· + (1.54)
∂x ∂y1 ∂x ∂ym ∂x
se n = p = 1.
∂fi
Repare-se que a aplicação linear df (x) fica de facto determinada pelas derivadas parciais ∂x j
(x),
mas a mera existência destas não implica que f seja diferenciável em x — esta condição é mais forte.
Veja-se a este propósito o exercı́cio 1. Temos todavia o resultado seguinte, muito útil na prática.
∂f
admite todas as derivadas parciais ∂x i
, 1 ≤ i ≤ n, em U e que n − 1 delas são contı́nuas em x.
Então f é diferenciável em x.
30 Capı́tulo 1. Material preparatório
Demonstração. Vamos assumir logo n = 2; porque o caso geral demonstra-se exactamente da mesma
forma, apenas com muito menos lisura na notação. Suponhamos então que f (x1 , x2 ) é uma função
∂f
de duas variáveis admitindo derivadas parcias em U , e que, por exemplo, ∂x 2
é aquela que é contı́nua
no ponto dado, aqui denotado por a = (a1 , a2 ). Definimos então o diferencial de f em a exactamente
como aquilo que desejamos que ele seja:
∂f ∂f
df (a)(v1 , v2 ) = v1 (a) + v2 (a).
∂x1 ∂x2
Recordemos que a existência de derivadas parciais em U corresponde a podermos escrever
∂f
f (x1 + t, x2 ) = f (x1 , x2 ) + t (x1 , x2 ) + õ1,(x1 ,x2 ) (t),
∂x1
∂f
f (x1 , x2 + t) = f (x1 , x2 ) + t (x1 , x2 ) + õ2,(x1 ,x2 ) (t),
∂x2
com t ∈ R e õ1 , õ2 verificando limt→0 õit(t) = 0 (i = 1, 2). Queremos agora mostrar que é satisfeita a
condição (1.41): ( )
1
lim f (a + v) − f (a) − df (a)(v) = 0.
v→0 ∥v∥
for diferenciável em cada um dos pontos desse aberto. Supondo que assim é, dizemos que f é duas
vezes diferenciável num ponto x ∈ U se, para qualquer vector u ∈ R , for diferenciável em x a
n
função x 7→ df (x)(u), com u fixado. O seu diferencial, dito de 2a ordem, denota-se então por13
( )
u∈R .
n
d2 f (x)(u, v) = d x 7→ df (x)(u) (v), (1.55)
Repare-se que este diferencial continua a ser linear em v, como resulta directamente da proposição
1.5.2. Tem-se mais ainda.
13 Note bem: d2 não é o mesmo que d ◦ d.
1.5 Cálculo diferencial 31
Teorema 1.5.3 (de Schwarz ou da igualdade das derivadas mistas). Se f é duas vezes diferenciável
em x, então
d2 f (x)(u, v) = d2 f (x)(v, u) (1.56)
∀u, v ∈ R .
n
Este teorema, repleto de implicações para a Análise, é fácil de constatar em casos práticos, mas
a sua demonstração não é nada trivial. Deixamo-la para a subsecção 1.5.2 porque ela requer outro
resultado fundamental.
Generalizando o que se fez acima, podemos definir por indução a diferenciabilidade de ordem k de
uma função. Pomos d0 f = f por comodidade. Para k ≥ 1, diremos que f é k-vezes diferenciável
em x se f é k − 1-vezes diferenciável em U e se for diferenciável o diferencial de ordem k − 1 segundo
qualquer multi-vector, ou seja, se x 7→ dk−1 f (x)(v1 , . . . , vk−1 ) for diferenciável, ∀v1 , . . . , vk−1 ∈ R .
n
Para o caso 2 fazemos indução em l. Note-se que o recı́proco é trivialmente verificado. Para
o resultado 3, aplica-se a proposição 1.5.1 no passo de indução. Se e1 , . . . , en é a base canónica e
m = 1, então
∂kf
dk f (x)(ei1 , . . . , eik ) = (x), (1.59)
∂xi1 · · · ∂xik
como é também trivial provar.
Teorema 1.5.4. f é de classe C k em U se, e só se, as suas componentes fj admitem todas as
∂ k fj
derivadas parciais ∂xi1 ···∂xik até à ordem k e estas são contı́nuas em U .
Denota-se por C k (U ; R ) ou por CUk (R ) o espaço vectorial sobre R das aplicações de classe
m m
C k de U em R (cf. com exercı́cio 3). Abreviando a notação de forma óbvia, resulta do ponto 3
m
da proposição 1.5.3 que C k ⊂ C k−1 . Note-se que se podem sempre dar exemplos provando que esta
inclusão é estrita. Denotamos C ∞ (U ; R ) = ∩∞k C (U ; R ) e dizemos que os seus elementos são as
m k m
Demonstração. Sejam f, g funções de classe C k tais que a imagem de f está contida no domı́nio de
g. A demonstração far-se-á por indução. Para k = 0 o resultado é conhecido. Queremos então ver
que ∂g◦f
∂xi é de classe C
k−1
, para todo o i, admitindo que ∂y∂g
j
∂f
(y) e ∂x i
(x) são de classe C k−1 . Ora o
∂g
mesmo se passa logo, por hipótese de indução, com ∂yj (f (x)) e temos que
∂g ◦ f ∂g ∂f1 ∂g ∂fm
= (f (x)) (x) + · · · + (f (x)) (x)
∂xi ∂y1 ∂xi ∂ym ∂xi
é também de classe C k−1 . Com efeito, como já se aludiu, as somas e produtos de funções de C k
estão em C k . □
O próximo resultado deve ser assinalado devido à sua importância. Assim é de facto, apesar de
não ter sido utilizado em toda a sua generalidade até agora. A sua demonstração, trivial, é deixada
como exercı́cio.
1.5.2 Funções de Rn em R
Como já é hábito, seja U um aberto de R . Uma função f = (f1 , . . . , fm ) : U → R é diferenciável
n m
se, e só se, cada uma das componentes fi : U → R é diferenciável. Isto é consequência imediata da
definição, obtendo-se logo de seguida que as componentes do diferencial de f são os diferenciais das
componentes de f . Interessa-nos por isso estudar o caso m = 1.
Em R faz-se uso da sua ordem total <, que já invocámos implı́citamente nos conceitos de máximo
e mı́nimo num resultado de Weierstrass (corolário 1.2.1).
esquerda e à direita
f (a + tv) − f (a) f (a + tv) − f (a)
lim− , lim+
t→0 t t→0 t
tem-se que o primeiro é ≥ 0 e o segundo é ≤ 0. Como ambos são iguais a df (a)(v), cf. (1.44), este
valor tem de ser 0. O caso do mı́nimo prova-se recorrendo ao anterior e à função −f . □
Note-se que a proposição é válida para extremos locais, já que a questão da diferenciabilidade é
local.
Teorema 1.5.5 (de Rolle). Seja U um aberto de R tal que U é compacto. Seja f : U → R uma
n
Teorema 1.5.6 (de Lagrange ou do valor médio). Seja [a, b] um intervalo fechado e limitado de R
e seja f : [a, b] → R uma função contı́nua no intervalo e diferenciável no seu interior. Então existe
c ∈]a, b[ tal que
f (b) − f (a) = dfc (b − a) = f ′ (c) (b − a). (1.62)
Demonstração. Consideremos a função ϕ(t) = (b − a)f (t) − (f (b) − f (a))t. Vem então ϕ(a) =
bf (a) − f (b)a = ϕ(b), pelo que o teorema de Rolle garante a existência de c no interior ]a, b[ tal que
Também podemos enunciar o teorema de Lagrange dizendo que, sob aquelas hipóteses, qualquer
que seja o h, existe θ ∈]0, 1[ tal que
Esta expressão resulta simplesmente de tomar b = a+h. Daqui se deduz logo que qualquer c ∈]a, b[ é
igual a a + θh, com θ entre 0 e 1. Ao teorema de Lagrange pode-se dar uma interpretação geométrica
muito intuitiva, se tivermos em conta que a cada derivada f ′ (t) corresponde uma recta tangente à
curva (t, f (t)). Apresenta-se a recta tangente na figura 1.2.
Como corolário deste célebre teorema, temos que f é crescente se f ′ (t) ≥ 0, ∀t ∈]a, b[, e decres-
cente ao longo do mesmo intervalo se f ′ (t) ≤ 0. Resulta, mais ainda, que f é constante se f ′ = 0.
As provas destes factos são triviais, tendo em conta a fórmula (1.62).
Proposição 1.5.7. Seja U aberto de R , conexo, e seja f : U → R uma função diferenciável em
n
a c b
f : V → R uma função real, diferenciável em V , e sejam a, b ∈ V . Existe então t0 ∈ [0, 1] tal que
Demonstração do teorema 1.5.3. Vamos admitir, desde já, que m = 1 pois o resultado é válido se,
e só se, é válido componente a componente. Visto também que d2 fx (u, v) é linear em u e em v,
basta-nos mostrar o resultado para dois vectores quaisquer ei , ej da base canónica. Com efeito, se
∑n ∑n
para esses vectores se tem dfx (ei , ej ) = dfx (ej , ei ) e se escrevermos u = i=1 ui ei , v = j=1 vj ej ,
então teremos também
(∑
n ∑
n ) ∑
n
dfx (u, v) = dfx ui ei , vj e j = ui vj dfx (ei , ej )
i=1 j=1 i,j=1
∑
n
= ui vj dfx (ej , ei ) = dfx (v, u).
i,j=1
∂2f ∂2f
=
∂xi ∂xj ∂xj ∂xi
nos pontos (x1 , . . . , xn ) onde f é duas vezes diferenciável. Escolhidos 1 ≤ i, j ≤ n, vamos chamar
x a xi e y a xj e esquecer as outras variáveis, porquanto estas em nada influem a demonstração
adiante. Considerem-se a seguir duas funções; a primeira, com y, h fixados,
das duas formas distintas que se apresenta. Agora, como as funções ϕ, ψ são claramente diferenciá-
veis, o teorema de Lagrange garante-nos a existência de θ1 , θ2 ∈]0, 1[ tais que
Ou seja,
∆2 f
= ϕ′ (x + θ1 h) = ψ ′ (y + θ2 h). (1.65)
h
∂f
Detemo-nos agora na primeira igualdade. Atendendo à expressão de ϕ e à diferenciabilidade de ∂x
no ponto (x, y), em conjunto com a fórmula (1.42), temos
∆2 f ∂f ∂f
= (x + θ1 h, y + h) − (x + θ1 h, y)
h ∂x ∂x
∂f ∂f [ ∂f ∂f ]
= (x + θ1 h, y + h) − (x, y) − (x + θ1 h, y) − (x, y)
∂x ∂x ∂x ∂x
( ∂f ) ( ∂f )
= d (θ1 h, h) − d (θ1 h, 0) + o(h)
∂x (x,y) ∂x (x,y)
∂2f ∂2f ∂2f
= θ1 h 2 (x, y) + h (x, y) − θ1 h 2 (x, y) + o(h)
∂x ∂y∂x ∂x
2
∂ f
= h (x, y) + o(h)
∂y∂x
Pensando agora na segunda igualdade de (1.65) e fazendo arranjo análogo ao anterior, chegamos a
∆2 f ∂2f
=h (x, y) + õ(h).
h ∂x∂y
∆2 f
Para finalizar, tomamos o limite limh→0 h2 nas duas expressões encontradas — obtendo a igualdade
das derivadas mistas. □
onde Sn é o grupo das permutações de {1, . . . , n}. Vemos então que det é uma função polinomial e
logo de classe C ∞ . Uma vez que é uma função contı́nua, a imagem inversa det−1 (R\{0}) = GLn (R)
é um aberto, chamado grupo linear geral, também denotado GL(R ) ou simplesmente GLn (em
n
particular é isomorfo e homeomorfo a qualquer grupo linear GL(V )). Recordemos, de passagem,
que se tem det(XY ) = det(X) det(Y ), para quaisquer X, Y ∈ Mn .
Lema 1.5.1. Seja V ∈ Mn tal que ∥V ∥ < 1, então 1 + V ∈ GLn (R). Mais ainda,
Demonstração. Para a primeira parte basta ver que 1+V é um monomorfismo. Ora, se (1+V )u = 0,
então V u = −u e daqui resulta que ∥V ∥ ≥ 1 o que é absurdo.
Vejamos a continuidade da função (1 + V )−1 em 0. Seja V ∈ Mn tal que ∥V ∥ < 21 . Já provámos
que a função está bem definida nesta bola. Suponhamos então que para certos vectores u, v ∈ R
n
−1
da esfera de norma 1 se tem (1 + V ) u = λv com λ ∈]0, +∞[. Então ∥V v∥ = ∥v − λ ∥ < 2 , e logo
u 1
∥(1 + V )−1 − 1∥ = ∥(1 + V )−1 (1 − (1 + V ))∥ ≤ ∥(1 + V )−1 ∥∥V ∥ < 2∥V ∥
Outra função importante é a função ψ : GLn → GLn de passagem ao inverso, ie. definida por
ψ(g) = g −1 .
∀g ∈ GLn , X ∈ Mn .
vem que
Og (V ) = (g + V )−1 − g −1 + g −1 V g −1
( )
= (1 + g −1 V )−1 − 1 + g −1 V g −1
( )
= 1 + (−1 + g −1 V )(1 + g −1 V ) (1 + g −1 V )−1 g −1
( )
= 1 + (g −1 V )2 − 1 (1 + g −1 V )−1 g −1 = (g −1 V )2 (1 + g −1 V )−1 g −1
1.5 Cálculo diferencial 37
Logo
∥Og (V )∥
lim ≤ lim ∥g −1 ∥3 ∥V ∥∥(1 + g −1 V )−1 ∥ = 0
V →0 ∥V ∥ V →0
devido ao lema 1.5.1. Está demonstrado que ψ é diferenciável em GLn . Vejamos a segunda derivada:
fixado V , a função g 7→ dψg (V ) = −g −1 V g −1 toma o valor −ψ(g)V ψ(g) em g. Logo esta função
também é diferenciável em GLn e como a sua derivada se volta a escrever à custa de ψ(g) com
produtos e somas, deduz-se por uma simples indução que ψ é de classe C i , ∀i ∈ N, como querı́amos.
□
Outra função importante é a função traço: recordemos que se dá o nome de traço de X = (xij )
∑n
ao valor tr(X) = i=1 xii . É trivial verificar que tr : Mn → R é uma função linear e por isso C ∞ .
Uma propriedade importante diz que tr(XY ) = tr(Y X), ∀X, Y . (Por exemplo, permite mostrar
que o traço de um qualquer endomorfismo linear não depende das bases).
Demonstração. A questão da suavidade do determinante já foi esclarecida. Vamos agora calcular as
derivadas parciais em g = 1. A base canónica de Mn é constituı́da pelas matrizes E ij que valem 1
na entrada (i, j) e 0 em todas as outras entradas. Assim, é trivial verificar que det(1 + tE ij ) = 1 se
i ̸= j, e que det(1 + tE ii ) = 1 + t. Posto isto,
∑
n ∑
n
d det1 (V ) = vij d det1 (E ij ) = vii = tr(V )
i,j i=1
Exercı́cios
x2 y 2
1. Estude a diferenciabilidade de 1a e 2a ordem da função f : R → R definida por f (x, y) =
2
x2 +y 2
se (x, y) ̸= (0, 0) e f (0, 0) = 0.
38 Capı́tulo 1. Material preparatório
3. Demonstre as proposições 1.5.3 e 1.5.5, bem como o teorema 1.5.7. Mostre que C k (U, R) é um
espaço vectorial sobre R, fechado para o produto de funções.
a função df : U → L(R , R ) como qualquer outra função com valores num espaço normado,
n m
5. Seja B : R × R → R uma função linear em cada variável: ora do primeiro factor fixado o
n m p
segundo, ora do segundo factor fixado o primeiro. Mostre que ∃K ≥ 0 : ∥B(u, v)∥ ≤ K∥u∥∥v∥,
∀u ∈ R , v ∈ R . Mostre que B é diferenciável e deduza a regra de Leibniz generalizada
n m
∂f ∂
6. Deduza a fórmula para funções diferenciáveis: ∂xi (x) = ∂t |t=0 f (x + tei ), na notação habitual,
cf. fórmula (1.44).
7. Utilize o cálculo diferencial para provar a desigualdade entre a média geométrica e a média
aritmética:
√ a1 + · · · + ak
k
a1 · · · ak ≤ (1.71)
k
∀a1 , . . . , ak ∈ [0, +∞[.
8. Mostre que tr(XY ) = tr(Y X) para qualquer par de matrizes quadradas. Agora, seja V
um espaço vectorial de dim n. Mostre que podemos definir o traço de uma aplicação linear
f ∈ L(V, V ) como o traço da matriz de f numa base qualquer de V . Idem para o determinante.
√
9. Considere as coordenadas polares no plano R ϕ = (ρ, θ) = ( x2 + y 2 , arctg xy ). Escolha uma
2
Mostre que uma rotação de θ radianos do plano em torno de 0 é descrita pela matriz
[ ]
cos θ −sen θ
Rθ = (1.72)
sen θ cos θ
e que {Rθ : θ ∈ [0, 2π[} é homeomorfo à circunferência S 1 . Mostre que Rθ′′ +Rθ = 0. Aplicando
uma rotação Rθ1 ao vector (cos θ2 , sen θ2 ), demonstre as fórmulas
11. Estude a função det : Mn×n (C) → C, que se define exactamente da mesma forma que o
determinante real. Justifique a sua suavidade e encontre a derivada. Mostre que det g = det g.
Repita o exercı́cio da alı́nea anterior pensando em matrizes com coeficientes em C. (Note: em
termos da sua topologia e estrutura real, C = R .)
2
linear derivada dfx for injectiva, para todo o x ∈ U . (Recorde-se que denotamos indistintamente o
diferencial de uma função por df (x) ou dfx .)
Lema 1.6.1. Sejam U, W abertos de R . Seja f : U → W uma aplicação bijectiva, imersão de
n
Demonstração. Basta mostrar a primeira parte já que a segunda segue por composição, g = g◦f ◦f −1 ,
e por a composta de funções de classe C k ser uma função de classe C k . Também a primeira asserção
decorre da segunda de modo trivial.
Façamos então a demonstração de (i). Note-se que df (x) também é sobrejectiva por ser uma
injecção de R em R . Fixemos agora um ponto a e mostremos que f −1 é diferenciável em f (a).
n n
Para isso, vamos compor f com o isomorfismo linear A = (dfa )−1 de modo a obter uma expressão
da qual conhecemos a derivada em a. Seja então h = A ◦ f . Tem-se dhx = dAf (x) ◦ dfx = A ◦ dfx ,
pela proposição 1.5.5. Logo dha = Id e, por continuidade do diferencial, podemos garantir que existe
um δ > 0 tal que, escrevendo
as funções ϵij → 0 quando x → a. Aplicando agora o teorema dos acréscimos finitos em cada uma
das componentes de h = (h1 , . . . , hn ) e para cada x na bola, encontramos pontos c∗1 , . . . , c∗n ∈ B(a, δ)
(sobre o segmento que liga x a a) tais que
h1 (x) − h1 (a) ∂h1 ∗ ∂h1 ∗
· · · ∂x x 1 − a1
∂x1 (c1 ) (c1 )
.. n
..
. = ··· .
∂hn ∗ ∂hn ∗
hn (x) − hn (a) ∂x1 (cn ) · · · ∂xn (cn ) xn − an
Eventualmente modificando as funções ϵij por os pontos c∗i variarem de linha para linha, mantendo-se
ainda a propriedade de convergirem para 0 quando x → a, e sendo h(x1 , . . .
, xn ) = (y1 , . . . , yn ), h(a) = b, podemos escrever a equação matricial acima como
∑
n
(yi − bi ) = (Id + [ϵij ])(h−1 −1
j (y) − hj (b)).
j=1
Agora, como (Id + [ϵij ])−1 = Id + [ϵ̃ij ] com os ϵ̃ij → 0 se ϵij → 0 (ver lema 1.5.1 e o exercı́cio 1),
resulta então que
h−1 (y) − h−1 (b) = (Id + [ϵ̃ij ])(y − b),
40 Capı́tulo 1. Material preparatório
cujas entradas, por hipótese, são funções de classe C k−1 , resulta do que se viu que dff−1
(x) = (J(x))
−1
.
Ora, sabemos da álgebra linear (cf.[DA83]) que a inversa de uma matriz invertı́vel J é igual à matriz
com entradas
−1 Jij
Jji = , onde Jij = (−1)i+j |J(i;j) |
|J|
e J(i;j) representa a matriz quadrada, de ordem n − 1, que se obtém de J cortando a linha i e a
coluna j. Sendo o determinante uma função polinomial, logo C ∞ , e sendo o quociente de duas
funções polinomiais, com denominador não nulo, também de classe C ∞ , temos que (J(x))−1 é da
mesma classe de diferenciabilidade de J(x), como função de x.15
Finalmente, vamos deduzir que a função f −1 é de classe C k usando o método de indução. Já
vimos que é C 0 por ser diferenciável (recorde-se que k ≥ 1). Admitindo que é de classe C k−1 ,
também resultará C k−1 a função em y
( )−1
dfy−1 = dff −1 (y)
por ser representada pela composição (J ◦ f −1 )−1 . Isto significa que f −1 é de classe C k . □
Estamos agora em condições de provar o teorema da função inversa, cujo alcance parece ofuscar o
do lema anterior: é que localmente, se a derivada for invertı́vel, teremos a garantia da invertibilidade
de f — então, pelo lema, com inversa de classe C k .
Teorema 1.6.1 (da função inversa). Seja U aberto de R e seja f : U → R uma função de classe
n n
C k em U tal que, num certo ponto a ∈ U , det df (a) ̸= 0. Então existe um aberto V , contendo a, e
um aberto W , contendo f (a), tal que a restrição de f a V é um difeomorfismo C k sobre W .
Demonstração. Fazendo o mesmo truque que na anterior demonstração, podemos já supôr que
df (a) = Id. Com efeito, os isomorfismos lineares A são difeomorfismos, portanto se provarmos
o teorema para A ◦ f também provamos para f .
Por continuidade da função determinante, podemos logo garantir que det df (x) ̸= 0 para todo o
x numa vizinhança de a. Já vimos mesmo que, numa bola de centro em a suficientemente pequena,
se tem J(f )(x) = Id + [ϵij ] e invertı́vel, pelo que, se f (x1 ) = f (x2 ) em dois pontos x1 , x2 nessa bola,
então pelo teorema dos acréscimos finitos vem
Daqui resulta que x1 = x2 , por causa da invertibilidade de Id + [ϵij ]. Fica provado que, nalguma
vizinhança de a, a aplicação f é injectiva. Não é assim tão fácil a demonstração da sobrejectividade
de f sobre uma vizinhança de f (a).
Para cada y ∈ B(f (a), δ) = W , com δ > 0 a determinar, consideremos a função
τ (x) = x + y − f (x).
15 Esta asserção é consequência directa do que foi exposto na secção 1.5.3. A demonstração alternativa vem apenas
Repare-se que encontraremos uma solução x da equação y = f (x) se, e só se, encontrarmos um
ponto fixo de τ , isto é, uma solução de τ (x) = x. Esta função é claramente de classe C k e dτ (a) =
Id − df (a) = Id − Id = 0. Por continuidade do diferencial e independentemente de y, existe então
um ε > 0 tal que
∂τ
i 1
(x) < , ∀x ∈ B(a, ε) = V.
∂xj 2n
Então, novamente invocando os acréscimos finitos dentro da bola, temos que
∑
n ∑( ∂τi )2
∥τ (x′ ) − τ (x′′ )∥2 = (τi (x′ ) − τi (x′′ ))2 = (x∗(i) )(x′j − x′′j )
i=1 i,j
∂xj
∑ 1 1 ′
≤ (x′ − x′′j )2 = ∥x − x′′ ∥2
i,j
(2n)2 j 4n
Repare-se que o teorema admite uma generalização ao caso suave; a função inversa resultando
suave também. O teorema da função inversa deve ser confrontado com o seguinte exemplo: ϕ : R →
R definida por ϕ(x) = x3 é suave e invertı́vel, e não é uma imersão! Com efeito, dϕ(x)(u) = 3x2 u é
idênticamente nula em x = 0.
Outro teorema que nos será útil mais tarde por permitir encontrar novas funções, é o seguinte.
Designamos adiante os pontos de R × R por (x, y).
n m
num aberto D. Suponhamos que num certo ponto (a, b) de D se tem F (a, b) = c e que a matriz
[ ]
∂Fi
(1.74)
∂yj i,j=1,...,m
42 Capı́tulo 1. Material preparatório
Rm D
F(x,y) =c
b g (x)
U
a xER
n
Claramente temos [ ]
1 0
J(E) = ∂Fi ∂Fi ,
∂xl ∂yj
um aberto contendo a e que, para cada x ∈ U , existe um único g(x) ∈ R tal que
m
Uma vez que E −1 é de classe C k , assim o é também a função definida por π2 ◦ E −1 (x, c) = g(x)
onde π2 é a projecção para o segundo factor. □
Relembramos que os teoremas anteriores são válidos para o caso suave (C ∞ ). A partir de agora
vamos tratar apenas este caso, pois é suficiente para as aplicações da geometria que temos em vista.
Teorema 1.6.3 (da derivada injectiva). Seja U aberto de R e f : U → R uma aplicação suave
n m
em U tal que, num ponto a, a aplicação linear derivada df (a) é injectiva. Então existem um aberto
U ′ ⊂ U contendo a, um aberto V ⊂ R contendo f (a) e uma aplicação suave g : V → R , tais que
m n
g ◦ f (x) = x, ∀x ∈ U ′ . (1.76)
esta e aquele estão em soma directa isomorfa a R ). É claro que a aplicação que transforma
m
aplicação suave
h : U ×R −→ R
p m
n p
R f R
V
U f (a)
a f (U )
g
x
então de dfa (u) = −ṽ devemos concluir que ṽ está na imagem de dfa . Donde v = 0, por construção,
o que traz também u = 0 pela hipótese.
Contando as dimensões vemos que dh(a,0) é um isomorfismo. Podemos então aplicar o teorema
da função inversa para deduzir a existência de uma vizinhança de (a, 0) e de uma vizinhança V
de h(a, 0) = f (a) tal que a restrição de h à primeira é um difeomorfismo sobre a segunda. Sendo
h−1 = (g, g1 ), as componentes em R × R , temos que g é a aplicação procurada, verificando
n p
como querı́amos. □
Um resultado dual do anterior prescreve também uma fórmula local para as aplicações de derivada
sobrejectiva.
suave tal que, num dado ponto a ∈ U , df (a) : R → R é sobrejectiva. Existe então um aberto V
n m
∀(z, y) ∈ V ⊂ R ×R .
n−m m
f ◦ g(z, y) = y, (1.77)
Olhando para a matriz jacobiana J(f ) de f no ponto a, deduz-se logo que esta tem m colunas line-
armente independentes, ou seja, a famı́lia de vectores dfa (e1 ), . . . , dfa (en ) tem um número máximo
de vectores linearmente independentes precisamente igual a m. Escolhamos então m vectores nessa
condição e sejam xi1 , . . . , xin−m as coordenadas em R que dizem respeito aos restantes dfa (eij ).
n
suave
U −→ R × R
p m
h:
x 7−→ (x̃, f (x)).
44 Capı́tulo 1. Material preparatório
m
n f R
R
U f (a)
a
g y
V
(z,y)
Tem-se que
∂xi1 ∂xi1
··· ei1
∂x1 ∂xn
..
···
J(h) = = . .
∂xip
∂x1 ···
∂xip
∂xn
eip
J(f ) J(f )
Para efeitos de avaliação do determinante no ponto a, as colunas ij de J(f ), 1 ≤ j ≤ p, podem ser
consideradas nulas, pelo que a caracterı́stica (número máximo de linhas, ou colunas, linearmente
independentes) de J(h)a tem de ser igual a n, ou seja, o determinante é não nulo. O resultado agora
segue pelo teorema da função inversa; h é um difeomorfismo numa vizinhança de a. A sua inversa,
g, verifica
f ◦ g(z, y) = y
em algum aberto V . □
Novamente, o resultado anterior tem um âmbito estritamente local. Nada diz sobre a função f
em todo o seu domı́nio. Os últimos teoremas são úteis para a geometria: a menos de difeomorfismo
local, certas funções parecem-se muito ora com inclusões ora com projecções canónicas; as outras
estão algures entre esses dois casos extremos.
Exercı́cios
1. Mostre que a inversa da matriz Id + [ϵij ] é uma matriz do mesmo tipo Id + [ϵ̃ij ], em que os
números ϵ̃ij → 0 se ϵij → 0 (cf. secção 1.5.3).
contracção (∀x, x′ ∈ D, ∥f (x) − f (x′ )∥ ≤ c∥x − x′ ∥ com 0 ≤ c < 1). Então existe um, e um
só, x ∈ D tal que f (x) = x.
4. Mostre que uma aplicação que tem uma inversa à esquerda é injectiva. Mostre que, se uma
aplicação tem uma inversa à direita, então ela é sobrejectiva. Mostre ainda que estas condições
1.6 Teoremas da função inversa e da função implı́cita 45
são equivalências se se tratar de uma aplicação linear entre espaços vectoriais de dimensão
finita.
5. Mostre que, nas condições, ora do teorema da derivada injectiva, ora do teorema da deri-
vada sobrejectiva, a função f do enunciado é injectiva ou sobrejectiva, respectivamente, numa
vizinhança de a. Deduza de novo o teorema da função inversa a partir daqueles dois teoremas.
6. Mostre que, nas condições do enunciado do teorema da função implı́cita e sendo [alk ] a matriz
[ k] ∑
∂yj , se tem ∂xj (x) = −
∂gi
inversa de ∂F ∂Fk
k aik ∂xj (x, g(x)).
46 Capı́tulo 1. Material preparatório
Capı́tulo 2
Variedades diferenciáveis
na alemã.
17 O Espaço-tempo consiste num espaço afim de dimensão 4 (recorde-se que por este se entende um espaço vectorial
a menos do conhecimento da origem). Alguma reflexão sobre a teoria da Relatividade levar-nos-á a uma óptima
explicação de por que é que se devem estudar as variedades em termos abstractos e não apelando a um famoso
teorema de Whitney, que prova que todas as variedades riemannianas abstractas se mergulham isómetricamente num
espaço euclidiano (de uma dimensão muito maior).
47
48 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
Voltando aos problemas da Matemática, não sobra só o estudo, pois há muitas questões em
aberto. Ainda não se classificaram todos os “nós”, ie. as subvariedades de dimensão 1 contidas
em R ou noutra variedade qualquer (que tantas implicações trazem para a Mecânica Quântica).
3
2.1.1 Definição
Vejamos um exemplo tı́pico e muito inspirador. Imagine o leitor um atlas do planeta Terra, como há
muitos nas nossas bibliotecas(!). O atlas é um conjunto de cartas, de mapas e fotografias da superfı́cie
terrestre. Observa-se então que não há nenhum mapa que não apareça recortado ou truncado.
Nenhuma página contém o globo inteiro sem o recortar. Porém, ao mudar as páginas no nosso atlas,
e portanto ao mudar de escala ou de lugar cartografado, ou ainda ao mudar digamos da ‘projecção
de Mercator’ para a ‘projecção azimutal’, para citar apenas duas técnicas cartográficas possı́veis,
constatamos que podemos encontrar uma correspondência biunı́voca entre as partes do primeiro
mapa e as do segundo, que dizem respeito à parte comum na Terra dos lugares retratados. Isto
obviamente é intencional. Os sı́tios que estavam à longitude x e latitude y continuam exactamente
com as mesmas coordenadas (se o atlas for de confiança, claro). Com alguma intuição podemos
ainda imaginar que tal mudança ou transição de cartas é o mais suave possı́vel no sentido da ideia
de suavidade da Análise Matemática. Resumindo, afirmamos que é possı́vel descrever a Terra com
certo grau de aproximação; fazêmo-lo por meio de um conjunto de cartas cobrindo todas as áreas e
de tal forma que as mudanças de uma carta para outra são suaves.
Seja M um espaço topológico de Hausdorff e com base numerável de abertos. Damos o nome de
atlas de M a uma famı́lia A = {(Uα , ϕα )} onde os Uα são subconjuntos abertos de M constituindo
uma cobertura e os ϕα são as cartas de M definidas nos Uα . As cartas ϕα são homeomorfismos
ϕα : Uα −→ Vα ⊂ R
n
(2.1)
sobre abertos Vα = ϕα (Uα ) do espaço euclidiano R , de tal sorte que as aplicações de mudança de
n
cartas
ϕβ ◦ ϕ−1
α : ϕα (Uα ∩ Uβ ) −→ ϕβ (Uα ∩ Uβ ) (2.2)
são suaves18 , quaisquer que sejam α, β. Ao espaço topológico M munido de um atlas A dá-se o
18 Seexigı́ssemos a regularidade apenas de classe C k , dirı́amos então que M é uma variedade de classe C k . Uma
variedade de classe C 0 também se diz uma variedade topológica. O leitor poderá ainda cruzar-se noutro lugar com
o conceito de variedade analı́tica real ou complexa, que se relaciona com aquele de função analı́tica...
2.1 Definições e exemplos 49
2.1.2 Exemplos
1. Os abertos de R são variedades de dimensão n; qualquer espaço vectorial é uma variedade. Mais
n
U+,i = {(x0 , . . . , xn ) ∈ Srn : xi > 0}, U−,i = {(x0 , . . . , xn ) ∈ Srn : xi < 0}, (2.4)
suspeitava existirem.
50 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
onde B(0, r) é a bola aberta contida em R . A imagem de ϕ±,i é a bola aberta porque, esquecendo
n
a coordenada xi , que é não nula, obtém-se um vector de norma menor que r. É claro que temos uma
∪n
cobertura: Srn = i=0 U+,i ∪ U−,i . É também fácil ver que as aplicações ϕ±,i são homeomorfismos.
A inversa é dada por
√
ϕ−1
±,i (y1 , . . . , yn ) = (y1 , . . . , yi , ± r − y1 − · · · − yn , yi+1 , . . . , yn ),
2 2 2 (2.6)
com a raı́z dando entrada no lugar i + 1. Menos trivial é verificar que a mudança de cartas é suave.
Ora supondo já i < j temos que
√
ϕ±,j ◦ ϕ−1
±,i (y1 , . . . , yn ) = (y1 , . . . , ± r − y1 − · · · − yn , . . . , yj−1 , yj+1 , . . . , yn )
2 2 2 (2.7)
e esta função é suave se as suas componentes o forem. O único problema que poderia surgir é na
raı́z de 0. Mas o domı́nio em causa é ϕ±,i (U±,i ∩ U±,j ), que não contém nenhum ponto de norma r.
Está provado que Srn é uma variedade suave. Também se denota simplesmente por S n a esfera de
raio 1.
3. Se M1 , M2 são variedades de dimensão n1 , n2 , respectivamente, então M1 × M2 é uma variedade
de dimensão n1 + n2 conhecida como o produto cartesiano de variedades. Com efeito, este
produto também é de Hausdorff e admite uma base numerável de abertos. Se A1 = {(Uα , ϕα )} é
um atlas de M1 e A2 = {(Vβ , ψβ )} é um atlas de M2 , então os abertos Uα × Vβ cobrem M1 × M2 .
Temos também que a aplicação
ϕα × ψβ : Uα × Vβ −→ R ×R =R
n1 n2 n1 +n2
(2.8)
tendo, para cada par ordenado (i, j), subconjuntos abertos Uij ⊂ Ui tais que existem difeomorfismos
fij : Uji → Uij com as seguintes propriedades:
−1
fij = fji
fij (Uji ∩ Ujk ) = Uij ∩ Uik (2.10)
fij ◦ fjk = fik
(estes difeomorfismos correspondendo às mudanças de cartas). A figura 2.7 sugere a ideia das três
propriedades. Agora, admitindo entre os elementos x, y de todos aqueles abertos a relação
prova-se imediatamente que esta relação é de equivalência. Constrói-se então um espaço topológico
com base numerável e de Hausdorff no conjunto quociente
∪
{i} × Ui
M= i (2.12)
∼
2.1 Definições e exemplos 51
e com a topologia quociente vinda da união disjunta dos abertos Ui (multiplicou-se cada Ui pelo
seu ı́ndice apenas para os distinguir). Note-se que cada um dos Ui define um aberto em M , pois a
aplicação de passagem ao quociente Ui ≡ {i} × Ui → M é uma aplicação aberta. Por esta aplicação
ser injectiva se restringida a cada um dos Ui , também denotamos por Ui a imagem aberta contida
em M .
5. Usando o exemplo anterior, podemos chegar a acordo rápida e diligentemente sobre a viabilidade
das seguintes construções.
O cilindro é uma variedade quando se pensa no quadrado ]0, 1[×]0, 1[ e se faz a colagem de
duas vizinhanças rectangulares e disjuntas de duas arestas opostas. Mas também se pode pensar no
cilindro como a variedade S 1 ×]0, 1[. Semelhante processo com um triângulo aberto permite construir
o cone (sem vértice). Tomando de novo um cilindro, podemos ainda considerar vizinhanças das
arestas que sobram e colá-las, como na figura 2.8. Obtemos assim uma variedade compacta chamada
toro. Ela é compacta porque é homeomorfa (e de facto difeomorfa) a S 1 ×S 1 . Todas estas variedades
têm dimensão 2.
O toro de dimensão n é definido como
Tn = S 1 × · · · × S 1 (n factores). (2.13)
6. Olhando novamente para o quadrado ou, para simplificar os cálculos, olhando para o rectângulo
]0, 4[×]−1, 1[ e identificando duas arestas opostas por meio da aplicação f :]0, 1[×]−1, 1[−→]3, 4[×]−
1, 1[, f (x, y) = (x + 3, −y), obtemos a chamada banda de Möbius. Fazendo o mesmo no cilindro,
ou seja, identificando as arestas de uma forma que ‘inverte o sentido’ numa delas obtemos a garrafa
de Klein (figura 2.9).
7. É útil considerar as variedades suaves M de dimensão 0. As condições topológicas iniciais obrigam
então M a ser um conjunto numerável, munido da topologia discreta.
52 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
Demonstração. 1. Repare-se que restringindo as cartas de um atlas aos abertos de uma subcobertura
aberta, obtém-se um atlas, pois também são suaves as respectivas restrições de mudança de cartas.
Usamos então a base numerável de M para encontrar uma subcobertura numerável de qualquer atlas
de M , daı́ se obtendo um atlas numerável.
2. Seja x ∈ M . Então x pertence ao domı́nio aberto U de alguma carta ϕ. Como as cartas são
homeomorfismos e o ponto ϕ(x) tem um sistema fundamental de vizinhanças compactas e conexas
(as bolas fechadas) contidas em ϕ(U ) ⊂ R , a imagem inversa desse sistema de vizinhanças é um
n
sistema de vizinhanças de x, que são compactas e conexas como vimos no exercı́cio 2 da secção 1.4.
3. Este resultado é devido ao anterior e à proposição 1.4.1.
4. Deve-se à mesma proposição 1.4.1 e ao facto dos abertos de variedades serem variedades. □
Corolário 2.1.1. Qualquer variedade é um espaço topológico paracompacto; logo um espaço normal
e metrisável.
Demonstração. As variedades são espaços topológicos de Hausdorff, têm base numerável e são lo-
calmente compactas. Basta então aplicar os teoremas de Dieudonné e de Urysohn da secção 1.4. □
O último corolário está de acordo com um certo e preciso resultado da geometria riemanniana,
que nos leva à construção explı́cita de uma aplicação distância sobre uma qualquer variedade (cf.
teorema 3.5.1).
Exercı́cios
1. Justifique as afirmações do exemplo 1 acima.
2. Como já mencionámos, dois atlas A1 , A2 sobre o mesmo espaço topológico M dizem-se com-
patı́veis se A1 ∪ A2 é um atlas de M . Mostre que tal relação é de equivalência.
3. Em X = R \{0} cole os vectores v com −v. Mostre que obtém uma variedade X/ ∼ homeo-
2
morfa a X. Tente explicar por que é que não se pode fazer o mesmo com o plano todo.
2.1 Definições e exemplos 53
4. Faça a colagem de um disco B(0, 1) ⊂ R a uma banda de Möbius pelas suas arestas únicas.
2
os pontos da esfera conhecidos por pólo norte e pólo sul. Mostre que a função
x
fN : S n \{PN } −→ R ,
n
fN (x, t) = (2.14)
1−t
satisfaz a propriedade geométrica representada na figura 2.10. Prove que fN é um homeo-
morfismo e defina a projecção estereográfica fS a partir do pólo sul. Mostre que o sistema
{ }
composto por duas cartas A = (S n \{PN }, fN ), (S n \{PS }, fS ) constitui um atlas de S n .
Mostre ainda que é suave a aplicação de mudança destas cartas, para aquelas introduzidas nos
exemplos20 .
gando os dois pólos (aquilo que se chama um meridiano). Mostre que M = S 2 \L pode ser
parametrizada como na figura 2.11 ou por coordenadas esféricas
Mostre que ψ(cos v cos u, cos v sen u, sen v) = (u, sen v) define uma carta de M . Mostre que
a mudança de cartas desta carta para aquela dos exemplos (exemplo 2) é suave. Sendo a, k
constantes, verifique que a curva γ ≡ {ψ −1 (t, a + kt) : −1 < a + kt < 1} corta as projecções
dos meridianos no cilindro sempre pelo mesmo ângulo e que, projectada no plano da linha do
equador , a curva γ é fechada. Nota: este exercı́cio serve para chamar a atenção da diferença
entre aquela curva e a célebre curva loxodrómica 21 que, essa sim, corta sempre os meridianos
pelo mesmo ‘ângulo’ (este mede-se nas tangentes às curvas no ponto em questão, sobre S 2 ) e
nunca chega aos pólos! Devemos então concluir que a carta ψ não preserva os ângulos — mas
isto não é matéria para a geometria diferencial sózinha...
20 Quer dizer que o presente atlas dá a mesma estrutura diferenciável à esfera, no sentido já explicado em nota de
roda-pé anterior.
21 O português Pedro Nunes Salaciensis (Alcácer do Sal 1502, Coimbra 1578) foi o primeiro matemático da História
espaço tangente como a necessidade de coordenar as ‘funções suaves entre variedades’ tanto pelas
suas imagens como pelas suas derivadas em cada ponto — daı́ o produto cartesiano. Passemos então
à construção rigorosa do espaço tangente.
Repare-se que podemos construir um espaço topológico por colagem de abertos usando homeo-
morfismos, tal como se construiu uma variedade por colagem de abertos de R por meio de difeo-
n
morfismos22 .
Seja M uma variedade de dimensão n e A = {(Uα , ϕα )} um atlas composto por todas as cartas
definidas em abertos de M . Ou seja, tomamos a famı́lia de todos os homeomorfismos de abertos de
M para abertos de R tais que as aplicações de mudança de cartas são suaves. O espaço tangente
n
limites indutivos. O problema está na existência ou não de um conjunto suporte. Na construção de T M poderı́amos
usar um atlas com um número de cartas não mais que numerável, mas convém-nos fazer o ‘caminho’ com as cartas
todas ao mesmo tempo — o leitor, estamos certos, convencer-se-á por si das vantagens do infinito!
2.2 Espaço tangente 55
Teorema 2.2.1. O espaço tangente é um espaço topológico, tem uma base numerável e é de Haus-
dorff. Mais ainda, T M é uma variedade suave de dimensão 2n.
Demonstração. Para ver que T M está bem definido vamos provar que os homeomorfismos fαβ
verificam as equações (2.10). A segunda equação é imediata,
fαβ (Wαβ ∩ Wβγ ) = fαβ ((Uα ∩ Uβ ∩ Uγ ) × R ) = Uα ∩ Uβ ∩ Uγ × R = Wαβ ∩ Wβγ .
n n
Tendo em conta que fαα = Id, basta-nos justificar a terceira equação. Usamos a regra da derivada
da função composta:
( )
fαβ ◦ fβγ (x, u) = fαβ x, d(ϕβ ◦ ϕ−1
γ )ϕγ (x) (u)
( )
= x, d(ϕα ◦ ϕ−1 −1
β )ϕβ (x) ◦ d(ϕβ ◦ ϕγ )ϕγ (x) (u)
( )
= x, d(ϕα ◦ ϕ−1 −1
β ◦ ϕβ ◦ ϕγ )ϕγ (x) (u)
( )
= x, d(ϕα ◦ ϕ−1
γ )ϕγ (x) (u) = fαγ (x, u).
A primeira equação resulta então, de modo trivial, de fαβ fβα = fαα = Id. Tendo em conta o que
se disse antes, temos uma relação de equivalência
( )
(α, x, u) ∼ (β, y, v) se x = y e v = d ϕβ ◦ ϕ−1
α ϕα (x) (u)
(⊔ n)
e logo um espaço topológico T M = α Uα × R / ∼ bem definido (união disjunta, módulo ∼).
Cada Uα × R é homeomorfo a um aberto de T M (veja-se o exercı́cio 16 da secção 1.2). Por
n
isso, se {(Ui , ϕi )}i∈N é um atlas numerável de M , então {Ui × R } dá lugar a uma cobertura
n
projectar-se-á numa base de abertos de T M que é numerável. Estão verificadas as duas condições
topológicas exigidas para o espaço tangente poder ser uma variedade. Finalmente, para ver que
assim é, definimos as cartas de T M como
ϕα : Uα × R ⊂ T M −→ R × R
n n n
(2.19)
[α, x, v] 7−→ (ϕα (x), v)
onde [α, x, v] representa a classe de (x, v) ∈ Uα × R em T M . A aplicação de mudança da carta ϕα
n
para a carta ϕβ está então definida do aberto ϕα (Uα ) × R para o aberto ϕβ (Uβ ) × R e verifica
n n
( )
ϕβ ◦ ϕ−1
α
(y, u) = ϕβ [α, ϕ−1 α (y), u]
( )
= ϕβ [β, ϕ−1 −1
α (y), d(ϕβ ◦ ϕα )y (u)]
( )
= ϕβ ◦ ϕ−1 −1
α (y), d(ϕβ ◦ ϕα )y (u) ,
Como já dissemos, cada aberto Uα × R , onde Uα é o domı́nio de uma carta, é homeomorfo
n
— que não depende da escolha da carta; tendo em vista a linearidade das funções fαβ nas suas
segundas componentes, está bem definida uma soma e um produto por escalares reais em Tx M que
transformam este conjunto num espaço vectorial sobre R. Este espaço vectorial recebe o nome de
espaço tangente a M no ponto x. Os seus elementos são os vectores tangentes. Tendo em
conta a cobertura de T M pelos Uα × R , vem que
n
∪
TM = Tx M. (2.20)
x∈M
56 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
Tx M ⊂ T U ⊂ T M. (2.21)
é suave. Note-se desde já que a noção de suavidade é uma noção local .
23 A generalização para classe C k é trivial.
2.2 Espaço tangente 57
Recordemos que pela demonstração do teorema 2.2.1 ficámos a conhecer como associar vectores
tangentes [x, v] ∈ Tx M a cartas ϕ quaisquer (omitimos o ‘ı́ndice α’ para não sobrecarregar a notação).
Se f é uma função suave, define-se então a aplicação linear derivada ou diferencial de f
dfx : Tx M −→ R (2.23)
por
dfx ([x, v]) = d(f ◦ ϕ−1 )ϕ(x) (v) (2.24)
que é de facto uma aplicação R-linear: lembrar que [x, v1 ]+c[x, v2 ] = [x, v1 +cv2 ] ∀v1 , v2 ∈ R , ∀c ∈
n
R. Para que a aplicação linear dfx esteja bem definida em cada Tx M ela não pode depender da
escolha das cartas (note-se que depende das cartas, mas no sentido em que já Tx M dependia). Com
efeito, se ψ : V → R é outra carta de M tal que x ∈ U ∩ V , então a condição da aplicação
n
pelo que
dfx ([x, v]) = dfx ([x, u]) (2.26)
como querı́amos provar.
Denotamos por CU∞ ou C ∞ (U, R) o conjunto das funções reais e suaves definidas num aberto U
de uma variedade.
ϕ(x) = (ϕ1 (x), . . . , ϕn (x)), os vectores [x, e1 ], . . . , [x, en ] formam uma base de Tx M que se denota
por
∂ ∂
(x), . . . , (x). (2.27)
∂ϕ1 ∂ϕn
Se f : U → R é uma função suave, então denotamos
∂f ( ∂ )
(x) = df (x) = df ([x, ei ]) = d(f ◦ ϕ−1 )ϕ(x) (ei ) (2.28)
∂ϕi ∂ϕi
Claramente todas estas construções generalizam o espaço euclidiano R , onde por hábito ϕ = Id.
n
π : T M −→ M (2.29)
tal que π(v) = x, ou seja, π −1 (x) = Tx M . Esta aplicação é chamada de projecção canónica.
uma aplicação caracterizada por satisfazer π ◦ X(x) = x, ∀x ∈ M . Por exemplo, dada uma carta
ϕ : U → R temos, para cada i, um campo vectorial definido por x 7→ ∂ϕ
n ∂
i
(x); mas este campo
vectorial está só definido sobre o aberto U . Usando a estrutura de espaço vectorial sobre R em cada
espaço tangente Tx M podemos definir a soma X + Y de dois campos vectoriais X, Y ; basta fazer
(X + Y )x = Xx + Yx . Também podemos multiplicar um campo vectorial X por uma função f com
o mesmo domı́nio, fazendo muito naturalmente (f X)x = f (x)Xx .
Um campo vectorial actua nas funções suaves induzindo uma nova função pela fórmula
X ·f = df (X) (2.30)
ou, mais explı́citamente, (X·f )(x) = df (Xx ). Dizemos que o campo vectorial X é suave num aberto
V se se verifica a condição X·f ∈ CV∞ , para qualquer função f ∈ CV∞ . Denotamos por XV o conjunto
dos campos vectoriais suaves sobre V :
{ }
XV = X : V −→ T V ⊂ T M : X é um campo vectorial suave .
É claro que se X, Y ∈ XV e f ∈ CV∞ , então X + Y, f X também são suaves, pelo que XV herda uma
estrutura de espaço vectorial real24 .
Seja n a dimensão de M . Um conjunto de n campos vectoriais X1 , . . . , Xn definidos num aberto
U e tal que X1x , . . . , Xnx é uma base de Tx M, ∀x ∈ U , chama-se um referencial. Um referencial
diz-se suave se os Xi são todos suaves. Tendo em conta (2.27) podemos sempre encontrar referenciais
suaves definidos localmente, cf. exercı́cio 6. (A questão de saber se existe um referencial suave e
global , isto é, definido sobre M , é uma questão difı́cil e depende da variedade. Por exemplo, para as
esferas provou-se que só em S 0 , S 1 , S 3 e S 7 é que existe um tal referencial.)
Continuemos a designar por M uma variedade qualquer e por n a sua dimensão. Vejamos como
se define outra operação binária entre campos vectoriais, o parêntesis de Lie, que tem propriedades
muito especiais. Seja ϕ : U → R uma carta, definida num aberto U de M . Vamos denotar as
n
componentes de ϕ por (x1 , . . . , xn ) (note bem: cada xi é uma função U → R). Já vimos que está
definido sobre U um referencial suave ∂x ∂
1
, . . . , ∂x∂n . Logo, sendo Z, W ∈ XU dois campos vectoriais
suaves, podemos escrever
∑n
∂ ∑ n
∂
Z= ai , W = bi (2.31)
i=1
∂x i i=1
∂x i
24 Mais precisamente, uma estrutura de módulo sobre o anel das funções suaves.
2.2 Espaço tangente 59
∑( ∂bi ∂ai ) ∂
[Z, W ] = aj − bj (2.32)
i,j
∂xj ∂xj ∂xi
Proposição 2.2.3. O parêntesis de Lie de dois campos vectoriais é um campo vectorial suave, e
não depende das cartas.
∂ ∑ ∂yj ∂ ∂ ∑ ∂xi ∂
= , =
∂xi j
∂xi ∂yj ∂yj i
∂yj ∂xi
∑ ∂yj ∂ ∑ ∂yj ∂
Z= ai , W = bi .
i,j
∂xi ∂yj i,j
∂xi ∂yj
∑ ∂y ∑ ∂yj
Então, escrevendo ãj = i ai ∂xji , b̃j = i bi ∂xi , temos por definição
∑( ∂ b̃i ∂ãi ) ∂
[Z, W ] = ãj − b̃j
i,j
∂yj ∂yj ∂yi
∑ ( ∂yj ∂ b̃i ∂xl ∂yj ∂ãi ∂xi ) ∂xm ∂
= ak − bk (2.33)
∂xk ∂xl ∂yj ∂xk ∂xl ∂yj ∂yi ∂xm
i,j,k,l,m
∑ ( ∂ b̃i ∂xl ∂ãi ∂xl ) ∂xm ∂
= ak − bk .
∂xl ∂xk ∂xl ∂xk ∂yi ∂xm
i,k,l,m
Note que nesta última passagem se respeitaram muito bem os factores em evidência. O mesmo se
∂xl
faz a seguir, tomando a soma no ı́ndice l. Uma vez que, pelo exercı́cio 5, se tem ∂x k
= δlk , resulta
que (2.33) é igual a
2
Usando o teorema de Schwarz (ver exercı́cio 9), temos que o somatório em k e p de ak bp ∂x∂k ∂x
yi
p
−
60 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
2
bk ap ∂x∂k ∂x
yi
p
é nulo. Continuando o cálculo anterior encontramos então o vector
que é exactamente a expressão que nos dá o parêntesis de Lie [Z, W ] na carta ϕ, como querı́amos
demonstrar. □
Dados dois campos vectoriais suaves definidos sobre a variedade M , definimos o seu parêntesis
de Lie como o campo vectorial sobre M que em cada carta da variedade tem a expressão dada por
(2.32). Decorre directamente da proposição acima o resultado seguinte:
Sejam X, Y, Z campos vectoriais suaves quaisquer sobre M . Vejamos três propriedades do pa-
rêntesis de Lie; primeiro, este actua nas funções f ∈ C ∞ pela fórmula
que nos ajuda a ver rapidamente que o parêntesis de Lie é anti-simétrico, ou seja,
Com efeito, um campo vectorial fica determinado pela forma como actua nas funções. Deixamos a
demonstração destes factos como exercı́cio.
Exercı́cios
M denota sempre uma variedade de classe C ∞ e dimensão n. Denotamos por U um aberto de
M.
Identifique o espaço tangente em cada ponto x ∈ U . Estude o espaço tangente de uma variedade
de dimensão 0.
2. Mostre que CU∞ é um espaço vectorial sobre R e que sendo f, g ∈ CU∞ então f g ∈ CU∞ . Mostre
que d(f + g) = df + dg, d(λf ) = λdf, λ ∈ R.
3. Deduza a regra de Leibniz para o produto de funções suaves em U : d(f g) = (df )g + f dg.
2.2 Espaço tangente 61
4. Diga se são verdadeiras ou falsas: a) T M tem dimensão 2n; b) Tx M não depende de T M mas
apenas de uma vizinhança de x; c) para qualquer aberto U ⊂ M , T U = U × R ; d) a noção
n
de função suave depende das cartas; e) a noção de função suave depende da escolha das cartas;
∂
( ∂ )
e) ∂ϕ i
(x) é definido como o vector tal que dϕ ∂ϕ i
(x) = ei .
5. Considere uma carta de M e veja as suas componentes como funções num aberto. Mostre
∂ϕi
que essas funções são diferenciáveis e que, na notação de (2.28), temos ∂ϕj
= δij (δ designa o
sı́mbolo de Kronecker : vale 1 se i = j, vale 0 se i ̸= j).
{ ∂ }
induzido por uma carta ϕ : U → R . Verifique que
n
6. Considere o referencial local ∂ϕ j j=1,...,n
∂
∂ϕj ·f = ∂f
∂ϕj e que o referencial é suave. Mostre também que um campo vectorial X está em
XU se, e só se, X se escreve como combinação linear X = a1 ∂ϕ∂ 1 + · · · + an ∂ϕ∂ n , com as funções
ai ∈ CU∞ .
∞
∀f ∈ CM , independentemente da escolha das cartas. Verifique ainda que (2.38) coincide com
a aplicação linear derivada de f definida em (2.23).
∞
8. Sejam f, g ∈ CM , X, Y ∈ XM . Mostre que (X + Y )·f = X ·f + Y ·f e que (gX)·f = g(X ·f ).
Demonstre a regra de Leibniz X·(f g) = f X·g + g X·f . Prove que, se X·h = Y ·h para todo o
aberto U ⊂ M e para toda a função h ∈ CU∞ , então X = Y .
9. Generalize o teorema de Schwarz às cartas de uma variedade, ie., mostre que
∂2f ∂2f
(x) = (x) (2.39)
∂ϕi ∂ϕj ∂ϕj ∂ϕi
∂
na notação habitual. Calcule [ ∂ϕ , ∂ ].
i ∂ϕj
[aX + bY, Z] = a[X, Z] + b[Y, Z], [X, aY + bZ] = a[X, Y ] + b[X, Z] (2.40)
∂ ∂ ∂
y ∂x + x ∂y , Y = x2 ∂y .
62 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
Proposição 2.3.1. Para cada t ∈ I, existe um e um só vector tangente vt ∈ Tγ(t) M tal que
df ◦ γ
dfγ(t) (vt ) = (t), (2.41)
dt
qualquer que seja f ∈ C ∞ .
Demonstração. Seja ϕ = (ϕ1 , . . . , ϕn ) uma carta definida num aberto contendo γ(t). Seja
∑
n
dϕi ◦ γ ∂
vt = (t) (γ(t)). (2.42)
i=1
dt ∂ϕi
É claro que este vector está em Tγ(t) M e que para cada ϕj satisfaz
∑
n
dϕi ◦ γ ( ∂ ) dϕ ◦ γ
j
dϕj (vt ) = dϕj = ,
i=1
dt ∂ϕi dt
Dizemos que uma curva (ou arco) é seccionalmente suave se assim o for no seu domı́nio
subtraı́do de um número finito de pontos.
Proposição 2.3.2. Qualquer variedade conexa M é conexa por arcos seccionalmente suaves.
2.3 Aplicações suaves entre variedades 63
Demonstração. Em virtude do teorema 2.1.1, M é conexa por arcos. Sejam x, y dois quaisquer
pontos de M e fx,y : [0, 1] → M um caminho C 0 ligando x e y. Como o caminho em si é um
compacto (imagem directa de um intervalo compacto) e este está coberto pelas cartas de M , existe
um conjunto finito I de cartas que o cobrem. Podemos supôr que cada uma dessas cartas tem
imagem na bola de centro 0 e raio 1 de R , pelo que é muito fácil construir um arco, ou caminho,
n
suave que ligue dois pontos nessa mesma carta. Basta tomar a imagem inversa do segmento de recta
que liga as imagens desses pontos.
Agora, partindo de x, chamamos U1 a um elemento de I que contenha x. Se y ∈ U1 , está
provado. Se não, existe um aberto U2 ∈ I que intersecta U1 (porque o caminho inicial é conexo).
Seja x1 ∈ U1 ∩ U2 . Se y ∈ U2 , o caminho seccionalmente suave de x para y é feito passando em
x1 , por justaposição de dois caminhos construı́dos como se indicou anteriormente. Se não, existe
um terceiro aberto U3 ∈ I\{U1 , U2 } com intersecção não vazia com U1 ∪ U2 e voltamos a repetir o
processo anterior, dando mais um passo no caminho para y. Como o processo é finito, o resultado
está provado. □
de uma carta ψ : V → R , tal que Φ(U ) ⊂ V , a função ψ ◦ Φ ◦ ϕ−1 : ϕ(U ) → ψ(V ) é suave.
m
(iii) existe um atlas de N com cartas (Uα , ϕα ) e um atlas de M com cartas (Vβ , ψβ ) tal que, para
cada α, β com Φ(Uα ) ∩ Vβ ̸= ∅, a função ψβ ◦ Φ ◦ ϕ−1
α : ϕα (Uα ) → ψβ (Vβ ) é suave.
Demonstração. (i)⇒(ii) Supondo dadas cartas (U, ϕ) e (V, ψ) quaisquer, vejamos que a composição
ψ ◦ Φ ◦ ϕ−1 é suave. Ora, para cada componente ψi temos por hipótese que ψi ◦ Φ é suave, ou seja,
usando a carta dada, a função ψi ◦ Φ ◦ ϕ−1 : ϕ(U ) → R é suave (note-se que para funções reais já
provámos a independência da escolha das cartas). Lembrando que uma função com valores em R é
m
suave se e só se o forem as suas componentes, temos o resultado. A figura 2.13 representa a situação
criada.
(ii)⇒(iii) Os atlas existem sempre, de modo que a implicação é trivial.
(iii)⇒(i) Seja V um aberto de M , f ∈ C ∞ (V, R) e seja U aberto de N tal que Φ(U ) ⊂ V . Queremos
ver que f ◦Φ ∈ C ∞ (U, R). Ora, como se vê na definição, a suavidade é uma noção local (cf. exercı́cio
64 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
1), pelo que podemos tomar uma cobertura {Uα ∩ U } de U e analisar a suavidade em cada um desses
abertos. Nesta situação, sendo β tal que Φ(Uα ) ∩ Vβ ̸= ∅, deduz-se então das hipóteses que
−1
f ◦ Φ ◦ ϕ−1 −1
α = f ◦ ψβ ◦ ψβ ◦ Φ ◦ ϕα
é suave. □
: U × R ⊂ T N −→ R × R
n n n
ϕ
[x, v] 7−→ (ϕ(x), v).
Aplicando então o caso (iii) da proposição precedente e tendo em conta (2.27), temos
∀y ∈ ϕ(U ). Logo X é suave se, e só se, todas as funções ai são suaves.
2. Para a projecção canónica usamos as mesmas cartas que em 1. A suavidade de π resulta
imediatamente de ϕ ◦ π ◦ ϕ−1 (y, v) = y ser suave. □
2.3 Aplicações suaves entre variedades 65
que, numa carta (U, ϕ) de N tal que x ∈ U e numa carta (V, ψ) de M tal que Φ(x) ∈ V , satisfaz
( ∂ ) ∑ m
∂ψj ◦ Φ ∂
dΦ (x) = (x) (Φ(x)). (2.45)
∂ϕi j=1
∂ϕ i ∂ψ j
É claro que existe somente uma aplicação nestas condições. Vejamos que está bem definida.
Lema 2.3.1. A aplicação linear derivada dΦx é independente da escolha das cartas em M ou em
N.
Demonstração. Vamos só demonstrar o caso em que se toma outra carta (V ′ , ψ ′ ) de M e deixamos
o caso das cartas em N como exercı́cio, que se resolve da mesma forma25 . Então em V ∩ V ′ , temos
∂
∑m ∂ψk′ ∂
∂ψj = k=1 ∂ψj ∂ψ ′ . Logo
k
∑m
∂ψj ◦ Φ ∂ ∑
m
∂ψj ◦ Φ ∂ψ ′ ∂
(x) (Φ(x)) = (x) k (Φ(x)) ′ (Φ(x))
j=1
∂ϕi ∂ψj ∂ϕi ∂ψj ∂ψk
j,k=1
∑m
∂ψk′ ◦ Φ ∂
= (x) ′ (Φ(x))
∂ϕi ∂ψk
k=1
Alguma literatura denota dΦx por dΦ(x). Ainda neste contexto, também se define o diferencial
total (cf. exercı́cio 10).
Vejamos dois simples exemplos. Primeiro, sendo {e1 , . . . , en } a base canónica de R , finalmente
n
( ∂ )
faz sentido dizer que, para uma carta ϕ, se tem dϕ ∂ϕ i
(x) = ei , mas tal não passa de uma tautologia.
Segundo, se γ : I → M é uma curva suave, então a sua velocidade em cada ponto t é dada por
(d)
dγ dt = dγdt . Tambem se deduz das demonstrações anteriores que a aplicação de I para o espaço
tangente definida como t 7→ dγdt é uma aplicação suave (cf. exercı́cios 9,10).
Veremos a seguir alguns resultados generalizando os das funções diferenciáveis entre abertos de
Rn .
Teorema 2.3.1 (da derivada da função composta — entre variedades). Sejam N, M e P variedades.
Sejam Φ : N → M e Ψ : M → P duas funções suaves. Tem-se então que Ψ ◦ Φ : N → P é suave e
∀x ∈ N .
25 Há ainda outra via: resolvendo primeiro o exercı́cio 4 e em particular a fórmula (2.48).
66 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
Demonstração. Sejam (U, ϕ), (V, ψ) e (W, φ) cartas quaisquer de N, M, P respectivamente. Tendo
em conta (ii) da proposição 2.3.3, temos que ψ ◦ Φ ◦ ϕ−1 e φ ◦ Ψ ◦ ψ −1 são suaves nos seus domı́nios.
Então também é suave a aplicação
φ ◦ Ψ ◦ Φ ◦ ϕ−1 = φ ◦ Ψ ◦ ψ −1 ◦ ψ ◦ Φ ◦ ϕ−1
por ser suave a aplicação composta de duas funções entre abertos do espaço euclidiano. Isto mostra
que Ψ ◦ Φ é suave. A segunda parte da proposição segue do seguinte cálculo:
( ∂ ) ∑p
∂φj ◦ Ψ ◦ Φ ∂
d(Ψ ◦ Φ) =
∂ϕi j=1
∂ϕi ∂φj
∑p
∂φj ◦ Ψ ◦ ψ −1 ◦ ψ ◦ Φ ∂
=
j=1
∂ϕi ∂φj
∑p ∑ m
∂φj ◦ Ψ ∂ψk ◦ Φ ∂
=
j=1 k=1
∂ψk ∂ϕi ∂φj
( ∂ )
= dΨ ◦ dΦ ,
∂ϕi
onde 1 ≤ i ≤ n, n é a dimensão de N , m = dim M e p = dim P . Recorde-se que duas aplicações
lineares são iguais se coincidem nas imagens dos vectores de uma base. □
Sejam N, M duas variedades suaves e da mesma dimensão e seja Φ : N → M uma aplicação suave.
Dizemos que Φ é um difeomorfismo suave se existe e é suave a aplicação inversa Φ−1 : M → N .
Resulta do teorema da derivada da função composta que
para todo o x em N . O conjunto dos difeomorfismos de uma variedade M para si mesma denota-se
por Diff (M ).
Teorema 2.3.2 (da função inversa — entre variedades). Sejam N, M duas variedades da mesma
dimensão n e Φ : N → M uma aplicação suave tal que, num certo ponto a ∈ M , a aplicação linear
dΦa é um isomorfismo. Então existem U aberto de N , contendo a, e V aberto de M , contendo Φ(a),
tais que a restrição de Φ a U é um difeomorfismo suave sobre V .
Demonstração. Seja (U1 , ϕ) uma carta de M com a ∈ U1 e seja (V1 , ψ) uma carta de N com
Φ(a) ∈ V1 . Por hipótese temos que a matriz
[ ]
∂ψj ◦ Φ
∂ϕi i,j=1,...,n
2.3 Aplicações suaves entre variedades 67
é invertı́vel. Ou seja, d(ψ ◦ Φ ◦ ϕ−1 )ϕ(a) : R → R é um isomorfismo. Logo, pelo teorema da função
n n
Ṽ , Ũ de ψ(Φ(a)) e ϕ(a), respectivamente, e essa inversa é suave. Sendo U = ϕ−1 (Ũ ) e V = ψ −1 (Ṽ )
vem então que a aplicação ϕ−1 ◦ f −1 ◦ ψ : V → U satisfaz
Exercı́cios
1. Mostre que a noção de aplicação suave é local , ie. sendo Φ : N → M uma aplicação entre
variedades suaves N e M , tem-se que: (i) se Φ é suave, então a sua restrição a qualquer aberto
U de N é suave (conclua que os diferenciais, neste contexto, são os mesmos) e (ii) se {Uα }
é uma cobertura aberta de N e cada uma das restrições Φ|Uα : Uα → M é suave, então Φ é
suave. (Sugestão: começe pelo caso M = R).
estude a curva γ(t) = ϕ−1 (ϕ(x) + tw). Mostre que existe ϵ > 0 e uma curva γ :] − ϵ, ϵ[→ M
tal que γ(0) = x e γ ′ (0) = v.
4. Seja Φ : N → M uma aplicação suave entre variedades suaves. Sejam (U, ϕ) uma carta
de N , (V, ψ) uma carta de M e suponha já U tão pequeno que Φ(U ) ⊂ V . Considere as
cartas (U × R , ϕ) de T N e (V × R , ψ) de T M definidas como em (2.19). Mostre que
n m
qualquer que seja [x, u] ∈ Tx N . Ou seja, verifique que ψ ◦dΦ◦ϕ−1 (y, ei ) = (ψ ◦Φ◦ϕ−1 (y), d(ψ ◦
Φ ◦ ϕ−1 )y (ei )), ∀y = ϕ(x), ∀ei vector da base canónica de R .
n
5. Mostre que o diferencial de uma aplicação suave não depende da escolha das cartas finalizando
a prova do lema 2.3.1 e conclua que a velocidade de uma curva, tal como foi descrita na fórmula
(2.42), é independente das cartas.
8. Considere uma função suave f : M → R definida sobre uma variedade suave. Encare f como
uma aplicação entre duas variedades e esclareça a diferença (quase de mera notação) entre o
diferencial df : Tx M → R, definido em (2.23), e o diferencial df : Tx M → Tf (x) R dado por
(2.44). (Sugestão: como variedade, R tem um referencial global induzido pela carta Id e que
d
se denota por dt ).
d
9. Sendo dt o referencial global de qualquer intervalo aberto I ⊂ R, mostre que qualquer curva
(d)
suave γ : I → M verifica vt = dγ dt .
68 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
2.4 Subvariedades
Na teoria das variedades existem dois conceitos que concorrem na designação de subvariedade. Existe
a classe geral das subvariedades imersas, que contem a classe das subvariedades mergulhadas. Neste
livro distinguimo-las sobretudo pela qualidade de não serem ou serem do tipo mergulhadas26 .
Na proposição anterior, se Z é uma variedade suave e f é uma aplicação suave, será que existe
alguma relação entre as variedades f (N ) e Z? Por exemplo, poderı́amos pedir que as cartas de Z
restringidas a f (N ) dessem origem a cartas nesse subconjunto. Na secção 2.4.2 veremos que assim
é, quando se impõem três condições sobre a aplicação f .
Lema 2.4.1. Seja D um aberto de R e f : D → R uma imersão suave. Então existe uma
n m
cobertura {Uα } de abertos de D tal que, para cada α, existe um aberto Wα de R e um difeomorfismo
m
{ }
f (Uα ) = y ∈ Wα : φn+1 (y) = · · · = φm (y) = 0 . (2.50)
26 Chama-se a atenção que, talvez por as primeiras em geral não serem variedades do modo que se esperaria,
alguns autores preferem fazer outra distinção: chamam subvariedades imersas às da classe geral e reservam o nome
subvariedade para a classe mais restrita.
2.4 Subvariedades 69
Demonstração. Basta provar que para cada x0 ∈ D existem abertos U e W , o primeiro contendo
x0 , satisfazendo as propriedades pedidas para Uα e Wα , respectivamente.
Pelo teorema da derivada injectiva, existe V vizinhança aberta de (x0 , 0) em D × R , com
p
tal que h(x, 0) = f (x), ∀(x, 0) ∈ V . Logo existe uma vizinhança aberta U de x0 em R tal que
n
−1
φ = h : W → V , temos que esta é a aplicação suave procurada. E é trivial mostrar que f (U )
−1
coincide com ∩m i=n+1 φi (0). □
Resulta então do lema que f (D) ⊂ ∪α Wα e que, localmente, o subconjunto imagem da imersão
é descrito como o conjunto dos zeros de m − n funções.
Agora, sejam N, M duas variedades suaves de dimensões n, m respectivamente. Seja f : N → M
uma aplicação suave. Diz-se que f é uma imersão se dfx : Tx N → Tf (x) M é injectiva, qualquer
que seja x ∈ N .
Proposição 2.4.2. Seja f : N → M uma imersão suave. Então existe uma cobertura aberta {Uα }
de N tal que, para cada α, existem um aberto Wα de M e um difeomorfismo suave φα : Wα →
φα (Wα ) ⊂ R (portanto uma carta de M ) tais que
m
{ }
f (Uα ) = y ∈ Wα : φα,n+1 (y) = · · · = φα,m (y) = 0 . (2.51)
Demonstração. De novo, basta provar que para cada x0 ∈ N existem um aberto U ⊂ N , vizinhança
de x0 , um aberto W ⊂ M e uma carta (W, φ) satisfazendo a condição (2.51). Ora tal resultado é
consequência imediata do lema por ser um resultado local. De qualquer forma, vamos percorrer os
detalhes da demonstração. Seja ϕ : U ′ → ϕ(U ′ ) uma carta de N , com x0 ∈ U ′ , e ψ : W ′ → ψ(W ′ )
uma carta de M com f (x0 ) ∈ W ′ . Podemos já supor U ′ tão pequeno de tal modo que f (U ′ ) ⊂ W ′ .
Por hipótese temos que a derivada em qualquer ponto ϕ(x)
é um monomorfismo já que os diferenciais das cartas induzem isomorfismos, ou seja, a composição
ψ ◦ f ◦ ϕ−1 : ϕ(U ′ ) → ψ(W ′ ) é uma imersão suave entre abertos de espaços euclidianos. Pelo lema,
existem então abertos Ũ ⊂ ϕ(U ′ ), W̃ ⊂ ψ(W ′ ) e existe um difeomorfismo suave φ̃ : W̃ → φ̃(W̃ ) tais
que
{ }
ψ ◦ f ◦ ϕ−1 (Ũ ) = z ∈ W̃ : φ̃n+1 (z) = · · · = φ̃m (z) = 0 .
Logo, sendo U = ϕ−1 (Ũ ) e W = ψ −1 (W̃ ), resulta que um ponto y ∈ W está em f (U ) se, e só se,
φ̃n+1 (ψ(y)) = · · · = φ̃m (ψ(y)) = 0. Significa isto que φ = φ̃ ◦ ψ|W é a carta pretendida. □
Nas condições anteriores, notamos pela demonstração acima que f é injectiva nos abertos Uα .
Porém, se pensarmos no cruzamento de duas rectas em R dado por
2
f : R × {1, 2} −→ R
2
vemos que a imagem de f não é uma variedade, embora f seja uma imersão. Aqui, o problema está
no facto de a aplicação não ser injectiva: f (0, 1) = f (0, 2). Por tudo o que está em causa torna-se
conveniente fazer a seguinte definição.
70 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
θα = π1 ◦ φα |f (Uα ) : f (Uα ) −→ R .
n
(2.54)
Por f ser uma aplicação aberta sobre a sua imagem, f (Uα ) é um aberto de f (N ) — eis a diferença
essencial. Logo θα (y) = (φα,1 (y), . . . , φα,n (y)) determina um homeomorfismo sobre um aberto de
Rn , porque as últimas m − n coordenadas de φα (y) são nulas (cf. exercı́cio 3). Temos assim um
atlas de f (N ) constituı́do por {(f (Uα ), θα )}. Vejamos que são suaves as aplicações de mudança de
cartas. Ora
θβ ◦ θα−1 (z1 , . . . , zn ) = π1 ◦ φβ ◦ φ−1
α (z1 , . . . , zn , 0, . . . , 0)
qualquer que seja y = f (x) ∈ f (Uα ), j = 1, . . . , n. Usando então o monomorfismo diy podemos
identificar de forma natural Ty (f (N )) com um subespaço vectorial de Ty M . Dito de outra forma:
os vectores ∂θ∂α,j tangentes a f (N ) identificam-se com os vectores ∂φ∂α,j .
Por outro lado, distinguindo por fˆ a aplicação fˆ : N → f (N ) induzida de f , ou seja, tal que
fˆ(x) = f (x), resulta que fˆ é suave. Com efeito, sendo (U, ϕ) uma carta qualquer de N , então sobre
o aberto ϕ(U ∩ Uα ) temos a igualdade
θα ◦ fˆ ◦ ϕ−1 = φα ◦ f ◦ ϕ−1
é injectiva, também se tem de ter dfˆx injectiva. Contando as dimensões vemos que dfˆx é um isomor-
fismo. Logo pelo teorema da função inversa entre variedades, fˆ : N → f (N ) é um difeomorfismo.
Daqui resulta que dfx (Tx N ) = Ty (f (N )) com a identificação feita anteriormente.
2. Usando as cartas acima vemos que a aplicação di : T (f (N )) → T M , que a cada vector
v ∈ Ty (f (N )) associa diy (v) ∈ Ty M , se descreve localmente como (ver (2.19))
f (Uα ) × R −→ Wα × R
n m
φα ◦ di ◦ θ−1 −1
α (z1 , . . . , zn , v1 , . . . , vn ) = (φα ◦ θα (z1 , . . . , zn ), v1 , . . . , vn , 0, . . . , 0)
= (z1 , . . . , zn , 0, . . . , 0, v1 , . . . , vn , 0, . . . , 0).
Não é preciso muito mais para concluir que di é um homeomorfismo sobre a sua imagem e uma
imersão suave. Logo T (f (N )) ⊂ T M é uma subvariedade mergulhada de T M . É claro que π| =
π ◦ di : T (f (N )) → M é suave.
3. Se a aplicação induzida ĝ : P → f (N ) é suave, então i ◦ ĝ = g também é suave. O recı́proco
deduz-se pelo mesmo método que mostrou ser suave a aplicação fˆ. □
Outra implicação que se extrai do teorema é que a projecção canónica do espaço tangente de
f (N ) para a variedade f (N ) se identifica com a restrição da projecção canónica do espaço tangente
π : T M → M . Contudo devemos ter sempre em conta o diagrama comutativo
di
T (f (N )) −→ T M
π↓ ↓π (2.55)
i
f (N ) −→ M
Demonstração. Pelo exercı́cio 5 da secção 1.2 temos a garantia de que f é um homeomorfismo sobre
a sua imagem. □
R
γ̃ : −→ M, γ̃(x + lZ) = γ(x), (2.57)
lZ
que facilmente se vê ser contı́nua quando se considera a topologia quociente no espaço quociente.
Como este coincide com S 1 , resulta que γ(R) = γ̃(S 1 ) é compacta (com a topologia induzida de M).
Logo γ̃ é um homeomorfismo sobre a sua imagem. Deixamos como exercı́cio a prova de que γ̃ é uma
imersão suave e injectiva da variedade ‘colagem’ S 1 para M .
{ }
6. Se f : N → R é uma função suave, então o seu gráfico Γf = (x, f (x)) : x ∈ N é uma
{ }
subvariedade mergulhada de N × R. Temos também que Tx Γf = (u, dfx (u)) : u ∈ Tx N .
Teorema 2.4.2. Seja M uma variedade suave de dimensão m e seja Z um subespaço topológico
de M . Então Z é uma subvariedade mergulhada de M se, e só se, existe uma famı́lia de cartas
{(Wα , φα )} de M tal que Z ⊂ ∪α Wα e, para cada α,
{ }
Wα ∩ Z = x ∈ Wα : φα,n+1 (x) = · · · = φα,m (x) = 0 (2.58)
com n independente de α.
Demonstração. A condição é suficiente por causa da proposição 2.4.2 e por a topologia de Z ser a
induzida. Para ver que também é necessária, primeiro temos de ver que Z tem uma estrutura de
variedade e, depois, que a inclusão em M é suave. Para cartas de Z tomamos os abertos Vα = Wα ∩Z
e os homeomorfismos (já utilizados em (2.54))
θα = π1 ◦ φα |Vα : Vα −→ R
n
(2.59)
−1
θβ ◦ θα é suave, que a inclusão i : Z → M satisfaz
Note-se que o enunciado do teorema 2.4.2 poderia mesmo servir como definição de subvariedade
mergulhada27 .
27 Como acontece nalguma literatura.
74 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
{ }
φ(W ) = (x1 , . . . , xn , z) : z + 1 − x21 − · · · − x2n > 0 . (2.60)
√
A inversa é dada por φ−1 (x1 , . . . , xn , z) = (x1 , . . . , xn , z + 1 − x21 − · · · − x2n ), donde φ é mesmo
um difeomorfismo. Então W ∩ S n = {x ∈ R
n+1
: φn+1 (x) = 0}=hemisfério Norte da superfı́cie
esférica, o que mostra que S é uma subvariedade mergulhada de R
n n+1
. Claro que nos falta verificar
o mesmo para 2n hemisférios cobrindo a subvariedade toda, tal como se fez no exemplo 2 da secção
2.1.2, o que decorre facilmente como nesse exemplo reproduzindo as alterações convenientes do
domı́nio W acima. Posto isto, ganhamos uma nova prova de que S n é uma variedade suave sem
ter que verificar que as aplicações de mudança de carta são suaves. É claro que as estruturas de
variedade suave sobre o espaço topológico S n dadas antes e agora pelo teorema 2.4.2, coincidem.
tal que f (x) = f (x) se x ∈ U . Por exemplo, se {(Wα , φα )} é uma das cartas dadas pelo teorema
2.4.2 e U = B ∩ N ̸= ∅, com B uma bola contida em Wα , então f : B → R definida como
f (x) = f (φ−1
α (φα,1 (x), . . . , φα,n (x), 0, . . . , 0)) (2.61)
é um prolongamento de f . Claro que nesta situação f é suave se, e só se, f é suave. Mas para
estudar f podemos supôr um prolongamento qualquer!
Proposição 2.4.4. Nas condições acima, f : U → R é uma função suave se, e só se, existe uma
cobertura aberta {Vβ } de U e existem prolongamentos f β : Wβ → R de f|Vβ , com os Wβ abertos em
Rm e as funções f β suaves. Neste caso,
dfx = df β | : Tx N −→ R (2.62)
∀x ∈ Vβ ⊂ U .
Demonstração. Em virtude do teorema 2.4.2 a condição é necessária. Falta ver que também é
suficiente. Seja iβ : Vβ → Wβ a inclusão, ou seja, a restrição a Vβ da inclusão de N em R . Sendo
m
uma propriedade local, a suavidade de iβ está assegurada. Agora f β ◦ iβ = f|Vβ logo f também é
suave e df (u) = df|Vβ (u) = df β (diβ (u)), ∀u ∈ Tx N . □
28 Uma vez que se provou que T N é a união disjunta dos Tx N , melhor será dizer que Tx N = {x} × Fx onde Fx é
um subespaço vectorial real de R . Porém, este sobrecarrego da notação está subentendido e por isso abandona-se
m
Também devemos analisar o caso dos prolongamentos de campos vectoriais: dado um campo
vectorial X : U → T N definido num aberto U de N dizemos que X : W → T R é um prolonga-
m
pela proposição 2.4.4 que se podem sempre encontrar prolongamentos locais e suaves de campos
vectoriais em N . O que pode não parecer tão óbvio é a seguinte proposição.
Exercı́cios
1. Sejam X, Y espaços topológicos e f : X → Y uma aplicação contı́nua. Qual a topologia
mais fina em f (X): a induzida ou a quociente? Justifique. Prove que f é injectiva e as duas
topologias coincidem se, e só se, f : X → f (X) é um homeomorfismo sobre f (X) com a
topologia induzida de Y .
2. Justifique que a imagem da imersão (2.52) não é uma variedade. O mesmo para a figura 2.14.
Dê um exemplo de uma imersão de um conexo para R , cuja imagem não é uma variedade
2
(sugestão: mostre que a figura do sı́mbolo ∞ é parametrizada por (cos t, sen 2t)).
5. Mostre N ⊂ M é uma subvariedade mergulhada de M se, e só se, existe uma famı́lia {Uα } de
abertos de M tal que N ⊂ ∪α Uα e N ∩ Uα é uma subvariedade mergulhada de M .
espaço tangente.
76 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
7. Tome conta dos pormenores dos exemplos 5 e 6. Generalize este último a uma aplicação suave
f : N → M . Mostre que N é difeomorfo a Γf . E que esta é difeomorfa a f (N ) se f (N ) é uma
subvariedade mergulhada de M .
9. Considere o toro T descrito como o ‘quadrado colado pelas arestas’ do modo indicado na
2
figura 2.8. Considere a curva γ representada na figura 2.15. Demonstre que são equivalentes
as seguintes três asserções: (i) imγ é um subconjunto fechado do toro; (ii) γ pode ser para-
metrizada por uma função periódica; (iii) o ângulo α verifica tg α ∈ Q (sugestão: tomando
em conta a sucessão de pontos xi ∈ R/Z, verifique que xk = kx1 modZ, ∀k e descubra quando
é que voltamos a ter xk = x1 ). Conclua que verificada uma dessas condições, e logo qualquer
uma delas, imγ é uma subvariedade mergulhada. Mostre que no caso contrário a curva é densa
em T e está apenas imersa no toro.
2
10. Mostre que, no contexto das variedades imersas, também podemos falar do espaço tangente a
uma subvariedade.
11. Diga se são ou não subvariedades de R : Z; Q; {(x, y) : x = 0 ou xy = 1}; {(et cos t, et sen t) :
2
t ∈ R}.
12. Explique por que é que a função f (x, y, z) = (zx − x)/(z − 1) definida sobre S 2 \{PN }
2
é suave.
√ Mostre que f se prolonga a S . Tendo em conta a parametrização h(x, y) =
(x, y, 1 − x2 − y 2 ) de um hemisfério da esfera, encontre o espaço tangente Th(x,y) S 2 e calcule
df nesse ponto.
13. Generalize a proposição 2.4.4 no contexto das subvariedades N mergulhadas numa variedade
suave M qualquer.
15. Seja N ⊂ R uma subvariedade e seja c ∈ R uma constante não nula. Mostre que existe
m
Teorema 2.5.1 (de construção de variedades como imagem recı́proca). Nas condições anteriores,
seja f : L → M uma submersão. Seja N ⊂ M uma subvariedade mergulhada de dimensão n. Então
P = f −1 (N ) (2.64)
podemos já concluir que φ ◦ f ◦ ϕ−1 também é uma submersão. Então, pelo teorema da derivada
sobrejectiva, cf. secção 1.6, que aplicamos no ponto ϕ(x0 ), deduzimos que existe um aberto V ⊂ R
l
Por outro lado, Wc ∩ P consiste exactamente nos pontos x ∈ W c tais que φn+1 (f (x)) = · · · =
b −1
φm (f (x)) = 0. Fazendo x = ϕ (z1 , . . . , zl ) e combinando com a fórmula (2.66), resulta que x ∈ P
se, e só se,
φ ◦ f ◦ ϕb−1 (z1 , . . . , zl ) = (zl−m+1 , . . . , zl−m+n , 0, . . . , 0).
Agora, é conhecido que os vectores ∂∂ϕb , i = 1, . . . , p, formam uma base do espaço tangente a P
i
(cf. demonstração do teorema 2.4.1). Então
( ∂ ) ∑m
∂φj ◦ f ∂
df =
∂ ϕbi j=1 ∂ ϕbi ∂φj
∑m
∂φj ◦ f ◦ ϕb−1 ∂ 0 se i ≤ l − m,
= =
∂zi ∂φj ∂ caso contrário,
j=1 ∂φ ji
com ji tal que l − m + ji = i. Como, pelas mesmas razões que anteriormente, também se tem ∂φ ∂
j
tangente a N se j ≤ n, vemos que ji ≤ n se, e só se, i ≤ l − m + n = p. Pondo de parte a referência
às bases, fica provada a condição (2.65). □
Note-se que no teorema acima não é necessária a condição de sobrejectividade de df nos pontos
fora de P , como a demonstração acaba de mostrar. Com efeito, o teorema da derivada sobrejectiva
resulta de uma condição pontual.
De novo, seja f : L → M uma aplicação suave entre variedades suaves. Um ponto x ∈ L tal
que dfx : Tx L → Tf (x) M é uma aplicação linear sobrejectiva chama-se um ponto regular de f .
Portanto uma submersão é uma aplicação em que todos os pontos do domı́nio são regulares. Os
pontos x ∈ L tais que dfx ≡ 0 chamam-se pontos crı́ticos. Um ponto y ∈ M diz-se um valor
regular se, ∀x ∈ f −1 (y), dfx é sobrejectiva.
Corolário 2.5.1. Seja f : L → M uma aplicação suave e y ∈ M um valor regular de f . Então
P = f −1 (y) é uma subvariedade mergulhada de L de dimensão l − m e Tx P = ker dfx .
Então dfx (u1 , . . . , un+1 ) = 2a21 x1 u1 + · · · + 2a2n+1 xn+1 un+1 e por isso f é regular em todos os x ̸= 0.
A subvariedade E = f −1 (1) é chamada de elipsóide de dimensão n. No caso em que todos os ai
são iguais a 1 voltamos a encontrar a esfera e resulta então que
{ }
Tx S n = u ∈ R
n+1
: x1 u1 + . . . + xn+1 un+1 = 0 (2.68)
π é uma submersão, como se pode ver tomando uma carta de M qualquer e a respectiva carta de T M
descrita em (2.19), que localmente exprimem π como uma projecção. Ou como resulta directamente
de, para cada v ∈ Tx M , tomar a derivada de π ◦ X = Id, com X um campo vectorial local tal que
Xx = v, obtendo-se então dπv ◦ dXx = Id e logo a sobrejectividade de dπv : Tv (T M ) → Tx M . Daqui
resulta que π é uma aplicação aberta e que π −1 (x) = Tx M é uma subvariedade mergulhada em T M
de dimensão 2n − n = n.
Teorema 2.5.2 (mais geral de construção de variedades como imagem recı́proca). Sejam L e M
variedades suaves de dimensões l e m, respectivamente, e seja N ⊂ M uma subvariedade mergu-
lhada de dimensão n. Seja f : L → M uma aplicação suave verificando a seguinte condição de
transversalidade29 :
dfx (Tx L) + Tf (x) N = Tf (x) M, (2.69)
∀x ∈ P = f −1 (N ). Então P é uma subvariedade mergulhada em L de dimensão l + n − m e
{ }
Tx P = v ∈ Tx L : dfx (v) ∈ Tf (x) N = (dfx )−1 (Tf (x) N ). (2.70)
Demonstração. Como é conhecido, com a topologia induzida de L em P , basta provar que existem
abertos U de L cobrindo P e tais que P ∩ U é uma subvariedade mergulhada.
Seja x0 ∈ P um ponto qualquer. Consideremos primeiramente uma carta (W, φ) de M , em torno
de f (x0 ) e tal que N ∩ W = ∩i>n φ−1i (0); carta esta cuja existência o teorema 2.4.2 nos assegura.
Sendo φ um difeomorfismo, a aplicação h = (φn+1 , . . . , φm ) = π2 ◦ φ : W → R
m−n
é uma submersão
porque a projecção canónica π2 de R × R
n m−n
para o segundo factor tem derivada sobrejectiva.
Como já se viu em anteriores demonstrações (e como até resulta do teorema 2.5.1), Ty N coincide
com o subespaço de Ty M gerado pelos vectores ∂φ ∂
i
, i ≤ n, qualquer que seja y ∈ N ∩ W . Ou seja,
o espaço tangente a N em y coincide com ker dhy .
Tomemos agora um aberto U ⊂ L contendo x0 , suficientemente pequeno de tal forma que f (U ) ⊂
W , e denotemos fb = h ◦ f| : U → R
m−n
. Tem-se que
{ } { }
fb−1 (0) = x ∈ U : h ◦ f| (x) = 0 = x ∈ U : f (x) ∈ N = P ∩ U.
Vejamos que a derivada dfbx : Tx L → R é sobrejectiva em todos os pontos x ∈ fb−1 (0). Deno-
m−n
w = dfx (v) + w1
dfbx (v) = dhy (dfx (v)) = dhy (w − w1 ) = dhy (w) − dhy (w1 ) = u
como se pretendia. Portanto 0 é um valor regular de fb. Finalmente, pelo corolário 2.5.1, concluimos
que P ∩ U é uma subvariedade mergulhada de L de dimensão l − m + n e Tx P = ker d(h ◦ f| )x . Pelas
considerações prévias, esta condição é equivalente àquela dada em (2.70). □
Corolário 2.5.2. Seja L uma variedade suave de dimensão l e sejam M, N duas subvariedades
mergulhadas em L de dimensões m, n respectivamente. Suponhamos que é verificada a condição de
transversalidade:
Tx M + Tx N = Tx L, ∀x ∈ M ∩ N. (2.71)
29 Trata-se de uma soma de subespaços vectoriais, não forçosamente uma soma directa.
80 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
Exercı́cios
1. Seja S n ⊂ R
n+1
a superfı́cie esférica. Descreva as inclusões S 0 ⊂ S 1 ⊂ . . . ⊂ S n de
modo que cada uma delas seja um mergulho. Para n ≥ 3 mostre que o campo vectorial
Xx = (−x1 , x0 , −x3 , x2 , 0, . . . , 0) representa um campo vectorial suave de S n . Encontre um
∥x+y∥
referencial de S 1 . Calcule o máximo e o mı́nimo de f : S n × S n → R, f (x, y) = 1+∥x+y∥ .
2. Para diferentes f ’s, descreva as partes dos conjuntos f −1 (0) que são subvariedades de R ,
3
3. Mostre que uma submersão é uma aplicação aberta (tome em consideração o exercı́cio 6 da
secção 2.3).
5. Nas condições do exercı́cio anterior, mas com as aplicações f, g satisfazendo apenas a hipótese
de dfx (Tx M ) + dg(Ty N ) = Tf (x) P, ∀(x, y) ∈ Q, prove que se chega exactamente às mesmas
conclusões (sugestão: tomando uma famı́lia de abertos {Uα × Vβ } de M × N cuja união contem
Q e suficientemente pequenos de tal modo que (f × g)(Uα × Vβ ) ⊂ W , onde W é o domı́nio de
uma carta (W, ϕ) de P , considerar a aplicação ξ(x, y) = ϕ(f (x)) − ϕ(g(y))).
Capı́tulo 3
Aplicações clássicas
As quatro secções deste capı́tulo afloram temas antigos, muito ilustrativos e fundamentais, que hoje
podem ser vistos à luz da teoria das variedades diferenciáveis. Trata-se, todavia, de um conjunto de
aplicações que nos permitirão mais tarde aprofundar o conhecimento de todas as variedades. Com
isto esperamos justificar a disparidade dos temas abordados.
Nas duas primeiras secções introduzem-se os espaços homogéneos, com particular ênfase nos
grupos de Lie, que são indispensáveis para o prosseguimento da geometria seja ela de que ramo
for (afim, algébrica, riemanniana, complexa, simpléctica, hiperbólica, etc). Nas secções seguintes
damos inı́cio ao estudo da geometria riemanniana com as definições gerais principais e dois casos
particulares: os das subvariedades de R de dimensões 1 e 2.
3
Seja K um corpo qualquer e g um espaço vectorial sobre K. Diz-se que g é uma álgebra de Lie
sobre K se está definida em g uma operação bilinear (ie. K-linear em cada variável)
[ , ] : g × g −→ g (3.1)
a notação multiplicativa pela razão de que muitos grupos de Lie são subgrupos de GL(R ).
30 Usamos n
81
82 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
Por exemplo, dada uma variedade suave M , o espaço dos campos vectoriais suaves XM constitui
uma álgebra de Lie sobre R com o parêntesis de Lie introduzido em 2.2.3. E se tivermos uma
subvariedade N ⊂ M , os campos vectoriais que se restringem a campos vectoriais de N vão ter
parêntesis de Lie tangente à subvariedade N (proposição 2.4.5), logo esse subconjunto31 forma uma
subálgebra de Lie de XM .
Eis um exemplo fundamental em dimensão finita. Seja gln (K) = Mn×n (K) o espaço vectorial das
matrizes quadradas de ordem n e coeficientes no corpo K. Para quaisquer X, Y ∈ gln considere-se
a operação
[X, Y ] = XY − Y X (3.3)
onde XY designa o produto usual de matrizes. Então o parêntesis [ , ] define uma operação bilinear
gln × gln → gln .
Proposição 3.1.1. gln é uma álgebra de Lie com o parêntesis de Lie dado em (3.3).
como querı́amos. □
Demonstração. Dado X ∈ g temos de ver que X é suave. Seja U um aberto de G e f ∈ CU∞ . Então,
sobre o aberto U ,
( )
X ·f g = df (Xg ) = df (dLg (X1 )) = d h 7→ f ◦ Lg (h) (X1 )
( )
= d h 7→ f (gh) 1 (X1 ) = d(f ◦ p)(g,1) (0, X1 ),
para todo o h ∈ G. Agora, pelo que foi visto no exercı́cio 11 de 2.3, resulta então que
para X, Y campos vectoriais invariantes à esquerda, ou seja, [X, Y ] ∈ g. Daqui se conclui que g é
uma subálgebra de Lie de XG . Vemos ainda que cada X fica determinado pelo valor que toma em
1, isto é, pelo vector X1 ∈ T1 G. Logo dim g = dim T1 G = dim G como variedade. □
Recordemos que um homomorfismo Φ : G → H entre dois grupos é uma aplicação tal que
Φ(gg ′ ) = Φ(g)Φ(g ′ ), ∀g, g ′ ∈ G. Se os grupos G, H forem grupos de Lie e o homomorfismo for uma
84 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
aplicação suave entre variedades, então Φ diz-se um homomorfismo de grupos de Lie. Sendo g, h
as álgebras de Lie de G e de H, respectivamente, temos que Φ induz uma aplicação
dΦ : g −→ h. (3.5)
para todo o g ∈ G, X ∈ g. Isto mostrará que o campo vectorial H-invariante à esquerda Z tal que
Z1 = dΦ(X1 ), por isso definido como no lado esquerdo da equação, é Φ-relacionado a X. Então,
sendo W = dΦ(Y ) outro vector nas mesmas condições, concluı́mos novamente pelo exercı́cio 11 de
2.3 que [Z, W ] = dΦ([X, Y ]).
Provemos então a igualdade acima. Para todo o g ′ ∈ G, tem-se
donde se conclui que dLh (dΦ(X1 )) = d(Lh ◦ Φ)(X1 ) = dΦ(dLg (X1 )) = dΦ(Xg ). □
Muito mais há para dizer sobre álgebras e grupos de Lie do que aquilo que podemos apresentar
aqui. Para se perceber um pouco como as duas estruturas estão relacionadas atente-se no seguinte:
Proposição 3.1.4. Se G é um grupo de Lie abeliano então a sua álgebra de Lie é abeliana, isto é,
[X, Y ] = 0, ∀X, Y ∈ g.
Demonstração. É trivial mostrar que G × G é sempre um grupo de Lie e que a sua álgebra de Lie é
g × g com o produto directo da estrutura de g (cf. exercı́cios 16 e 17). Mais ainda, [(X, 0), (0, Y )] =
0, ∀X, Y ∈ g.
Agora, seja p : G × G → G a aplicação produto. Pela hipótese, p é um homomorfismo de grupos,
porque
Passemos de imediato a um resultado prático que nos permite apresentar e estudar vários exem-
plos de grupos de Lie. Considere-se o espaço vectorial Mn = Mn×n (R) das matrizes quadradas de
3.1 Grupos de Lie e álgebras de Lie 85
n2
ordem n. Lembremos que a topologia que se usa em Mn permite identificar Mn = L(R , R ) = R ,
n n
primeiro como espaços topológicos e depois como variedades suaves. Logo, podemos escrever
T Mn = Mn × Mn . (3.6)
Repare-se ainda que, como espaço vectorial, Mn coincide com gln (R). Recordemos que o grupo
linear GL(R ) (definido na secção 1.1) é um grupo com a operação de composição de aplicações.
n
Trata-se de um aberto isomorfo e difeomorfo ao grupo GLn (R) das matrizes invertı́veis, que é um
aberto de Mn , com o produto usual de matrizes.
Proposição 3.1.5. GLn (R) é um grupo de Lie e a sua álgebra de Lie é gln (R).
Demonstração. Que o produto de matrizes e a passagem ao inverso são aplicações suaves já foi visto
na secção 1.5.3. Provam-se assim as condições (i) e (ii) exigidas para grupos de Lie. Quanto à
determinação da álgebra de Lie de GLn (R) é preferı́vel neste momento introduzir um resultado de
carácter geral, cuja demonstração só requer a suavidade das aplicações referidas acima. □
Teorema 3.1.1 (receita para diversos casos práticos). Seja V um espaço vectorial real e N ⊂ V uma
subvariedade mergulhada. Seja f : Mn → V uma aplicação suave. Suponhamos que G = f −1 (N ) é
um subgrupo de GLn (R) e que os pontos de G são pontos regulares de f . Então:
1. G é um subgrupo de Lie de GLn e uma subvariedade mergulhada em Mn .
2. A multiplicação à esquerda Lg : G → G, com g ∈ G qualquer, é a restrição da multiplicação à
esquerda Lg : Mn → Mn .
3. Tg G = gT1 G = {gX ∈ gln : df1 (X) ∈ Tf (1) N }.
4. Para quaisquer X, Y ∈ T1 G ⊂ T1 Mn = Mn o parêntesis de Lie dos respectivos campos vectoriais
invariantes à esquerda sobre G é dado por
[X, Y ] = XY − Y X (3.7)
Tomemos agora dois campos vectoriais invariantes à esquerda X, Y . Pelo que já se viu, Xg =
gX1 , ∀g ∈ G, e o mesmo se passa com Y . Para calcularmos [X, Y ], que já sabemos ser de novo um
∞
campo vectorial suave invariante à esquerda, basta ver como actua numa função w ∈ CG . Basta
então avaliar o resultado no ponto 1. Tem-se
( )
(X ·(Y ·w))1 = d g 7→ dwg (gY1 ) (X1 ) = d2 w1 (Y1 , X1 ) + dw1 (X1 Y1 ).
Note-se que os resultados do teorema anterior são válidos para todo o subgrupo de GLn que seja
subgrupo de Lie.
exercı́cio 5, as álgebras de Lie dos três primeiros grupos são as subálgebras de Lie de gl2n (R), res-
pectivamente, gln (C), sln (C) e son (C). Para o grupo simpléctico temos sp2n (C) ⊂ gl4n (R). Estes
3.1 Grupos de Lie e álgebras de Lie 87
Exercı́cios
1. Sejam M, N, P três variedades suaves e f : M × N → P uma aplicação suave. Seja X ∈ XM
e considere y ∈ N e u ∈ Ty N fixados. Prove que a aplicação de M em T P
é suave.
[ ]
X −Y
. (3.10)
Y X
conhece bem a teoria dos grupos, descreva Aff (R ) como um produto semi-directo.
n
7. Seja e1 , e2 ∈ R uma base. Mostre que a operação bilinear gerada por [e1 , e2 ] = e1 fornece uma
2
estrutura de álgebra de Lie a R . Será a álgebra de Lie de algum grupo de Lie33 ? Encontre-o.
2
8. Mostre que Un é um grupo e um grupo de Lie. (Sugestão: considere o espaço vectorial real
H = {X ∈ gln (C) : X = X ∗ } e a função f : GLn (C) → H definida por f (g) = gg ∗ ; de
seguida confronte com o exercı́cio 7 da secção 1.1.) Mostre que a dimensão de Un é n2 . Prove
a fórmula | det(g)| = 1 para as matrizes unitárias, ie. tais que gg ∗ = 1. Mostre que SUn é
um grupo de Lie e que tem dimensão n2 − 1.
32 E são de facto variedades analı́ticas complexas, cujo estudo este livro não abarca. Repare-se que o determinante
11. Tendo em conta o exercı́cio 5, mostre que GLn (C) ∩ Sp2n (R) = GLn (C) ∩ SO2n = Un .
12. Determine as equações do grupo SOn (C) em termos das entradas das matrizes que o compõem,
para n = 1 e n = 2. Serão compactos tal como os grupos ortogonais reais SOn ?
14. Mostre que a álgebra de Lie h de um subgrupo de Lie H ⊂ G é uma subálgebra de Lie da
álgebra de Lie g de G.
15. Um isomorfismo de grupos de Lie é uma aplicação f : G1 → G2 entre dois grupos de Lie
que é, simultâneamente, um homomorfismo de grupos e um difeomorfismo entre variedades.
Mostre que se f é um isomorfismo de grupos de Lie, então df : g1 → g2 é um isomorfismo de
álgebras de Lie34 .
16. Sejam g1 , g2 duas álgebras de Lie com parêntesis de Lie [ , ]1 e [ , ]2 respectivamente. Mostre
que g1 × g2 é uma álgebra de Lie com o parêntesis dado por
17. Prove que o produto directo G1 × G2 de dois grupos de Lie é um grupo de Lie. Mostre que a
álgebra de Lie associada àquele produto é o produto das respectivas álgebras de Lie de G1 e
G2 descrito no exercı́cio anterior.
α : G × M −→ M (3.12)
34 Outrogrande teorema de S. Lie: se duas álgebras de Lie são isomorfas, os seus respectivos grupos de Lie são local-
mente isomorfos (isomorfos numa vizinhança de 1). Assim, as álgebras de Lie determinam unı́voca e infinitésimalmente
os grupos de Lie.
3.2 Acções de grupos de Lie em variedades 89
tal que
α(g1 g2 , x) = α(g1 , α(g2 , x)) e α(1, x) = x, ∀g1 , g2 ∈ G, ∀x ∈ M. (3.13)
Por vezes abrevia-se a notação e escreve-se α(g, x) = gx. Denotamos por αg : M → M, αg (x) = gx,
a aplicação induzida de α por um elemento g ∈ G. Fixado x0 ∈ M , chama-se órbita de x0 ao
subconjunto Gx0 = {gx0 : g ∈ G}. Chama-se subgrupo de isotropia em x0 ao subgrupo
Gx0 = {g ∈ G : gx0 = x0 }. As propriedades (3.13) da acção mostram logo que Gx0 é de facto um
subgrupo.
∀x, y ∈ M, ∃g ∈ G : y = gx (3.14)
ou seja, a órbita de cada ponto x ∈ M é igual a M . Tem-se neste caso que o subgrupo de isotropia
de y, digamos tal que y = gx, verifica Gy = gGx g −1 , isto é, é igual ao conjugado por g do subgrupo
de isotropia de x.
Suponhamos agora que G é um grupo de Lie e M é uma variedade suave35 . Denotemos por M/G
o conjunto das órbitas. Existe então uma projecção natural
π : M −→ M/G
(3.15)
x 7−→ Gx
Demonstração. 1. Seja U um aberto em M . π(U ) é aberto se π −1 (π(U )) for aberto. Ora, este
último é igual a ∪
{x ∈ M : x ∈ GU } = GU = gU
g∈G
Uma acção de G em M diz-se suave se a aplicação α é suave. Resulta de imediato desta hipótese
que as aplicações αg são suaves, ∀g ∈ G.
π : G −→ G/H
(3.16)
g 7−→ gH
pelo que G/H está munido da topologia quociente (vinda de G por π). Define-se em seguida uma
nova acção, agora de G em G/H, escrevendo
α : G × G/H −→ G/H
(3.17)
(g, g1 H) 7−→ gg1 H
(se g1 H = g2 H, então gg1 H = gg1 (g1−1 g2 )H = gg2 H; logo α está bem definida). Repare-se que o
subgrupo de isotropia de g1 H coincide com g1 Hg1−1 .
No caso em que H é fechado, estão, pelo menos, verificadas as condições topológicas exigidas
para G/H poder ser uma variedade. Ao leitor atento pode mesmo surgir a ideia de munir G/H com
uma estrutura de variedade diferenciável de tal modo que π venha a ser uma submersão. Vamos
enunciar este resultado, que se verifica de facto, mas para o qual ainda não temos os instrumentos
necessários para provar. Para construir tais variedades homogéneas, como se denominam, basta
tomar um grupo de Lie e um seu subgrupo fechado!
Teorema 3.2.2. Seja H um subgrupo fechado de um grupo de Lie G. Então o espaço G/H tem
uma estrutura de variedade suave de tal modo que α é suave e π é uma submersão. Mais ainda,
podemos identificar
TH (G/H) = T1 G/T1 H. (3.18)
Em particular, dim G/H = dim G − dim H.
A demonstração destes dois últimos teoremas envolve resultados profundos da análise matemá-
tica.
Suponhamos agora que α : G × M → M é uma acção suave e transitiva. Também se diz que M
é uma variedade homogénea de G. Seja x0 ∈ M e K = {g : gx0 = x0 } o subgrupo de isotropia.
Claramente K é fechado, pelo que podemos admitir os resultados do teorema 3.2.2. A aplicação
f : G/K −→ M
(3.19)
gK 7−→ gx0
é suave porque f ◦ π(g) = α(g, x0 ) e π é uma submersão. Por construção f é bijectiva. Agora, os
métodos referidos acima também provam:
Lema 3.2.1. dfgK : TgK (G/K) → Tgx0 M é bijectiva, ∀g ∈ G.
Concluı́mos pelo teorema da função inversa entre variedades que f é um difeomorfismo. Portanto
a variedade homogénea M de G coincide com o exemplo fundamental de variedade homogénea
G/K, com K fechado em G. Este é o ponto de partida para a classificação de todas as variedades
homogéneas, tarefa que deixamos para melhor ocasião.
Adiamos para o capı́tulo 4 a demonstração dos teoremas 3.2.1 e 3.2.2, bem como a do lema 3.2.1.
∀(g, u) ∈ SOn+1 × R
n+1
(g, u) 7−→ g(u), . (3.20)
Prova-se que o grupo ortogonal transforma subespaços ortogonais em subespaços ortogonais e pre-
serva a norma dos vectores (ver secção 3.3 para recordar estes conceitos e resultados elementares).
Se fixarmos o vector u = (0, . . . , 0, 1) e pensarmos noutro vector v = (v0 , . . . , vn ) ∈ S n de norma 1,
então a transformação linear que envia u para v ou −v (conforme o sinal do determinante), que envia
v para u e fixa o ortogonal do plano gerado por u e v, é uma transformação ortogonal, ou seja, a sua
matriz é uma matriz ortogonal. Assim se prova que existe g ∈ SOn+1 tal que g(v) = u. Por outras
palavras, a acção canónica de SOn+1 em S n é transitiva. Claramente, uma matriz ortogonal fixa o
vector u se, e só se, a sua última linha e a sua última coluna são iguais a [0, . . . , 0, 1] (porque ela tem
de fixar ao mesmo tempo o hiperespaço ortogonal a u). Logo o subgrupo de isotropia da acção é
igual a SOn , visto como subgrupo das transformações ortogonais de R × {0} ⊂ R
n n+1
. Concluı́mos
que também se pode ver a “superfı́cie” esférica como uma variedade homogénea:
são n. Este conjunto tem uma estrutura de variedade homogénea, chamada de grassmaniana e
denotada
{ } GLN (R)
Gr(n, N ) = W ⊂ R : dim W = n =
N
, (3.22)
GLn,N −n (R)
92 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
a base canónica de R , a matriz de transformação da base canónica para a tal base de R cujos
N N
primeiros n vectores formam uma base de W , é um isomorfismo linear. Portanto, para todo o W
existe g ∈ GLN tal que g(Re1 + · · · + Ren ) = W ; logo a acção é transitiva.
Vejamos agora o subgrupo de isotropia e o espaço tangente. Para cada ponto W fixado, um
isomorfismo g ∈ GLN fixa W se, e só se, a composição
g| p RN
W −→ R
N
−→ (3.24)
W
( N )
é nula. Sendo X 7→ X = p ◦ X| um epimorfismo de MN sobre L W, R W , vemos que o subgrupo de
isotropia da acção é H = {g ∈ GLN : g = 0}. Recorrendo a uma base de R que contenha uma
N
base de W apercebemo-nos de imediato que H é isomorfo a GLn,N −n (R), como querı́amos provar.
Finalmente ( )
glN (R) RN
TW (Gr(n, N )) = ≃ L W, (3.25)
{X : X = 0} W
(cf. teorema do isomorfismo) e, em particular, a dimensão de Gr(n, N ) é n(N − n).
Exemplo 3. A variedade grassmaniana Gr(1, m + 1) é um caso à parte. Denota-se por P (R) e
m
é chamada de espaço projectivo. A sua dimensão é igual a m. Temos assim uma representação
geométrica do conjunto das rectas de R
m+1
passando pela origem. Há dois tipos de coordenadas
usuais no espaço projectivo. As chamadas ‘coordenadas’ homogéneas são as coordenadas rectilı́neas
em R
m+1
\{0} sob a condição
ou seja, cada ponto identifica a recta por si gerada. Tais coordenadas são indicadas para quando se
quer estudar, por exemplo, as funções homogéneas...
Outro tipo de coordenadas é dado pelo seguinte atlas com m + 1 cartas. Estas estão definidas
nos abertos
{ }
Ui = [x0 , . . . , xi , . . . , xm ] ∈ P (R) : xi ̸= 0
m
(3.27)
onde i = 0, . . . , m. As aplicações
(x xi−1 xi+1 xm )
0
[x0 , . . . , xm ] 7−→ ,..., , ,..., (3.28)
xi xi xi xi
representam homeomorfismos de Ui , com a topologia quociente, para R . Verifica-se que qualquer
m
aplicação de mudança de cartas, entre as cartas daquele tipo, é suave37 . Os ‘mapas’ (3.28) tomam
o nome de coordenadas afins de P (R).
m
Proposição 3.2.3. Para todo o n ∈ N, os grupos ortogonais especiais SOn são conexos; os grupos
ortogonais On têm duas componentes conexas.
Demonstração. Usamos o método de indução. O caso n = 1 é trivial; por isso, suponhamos já o
resultado como verdadeiro para n e passemos à demonstração do caso n+1. Seja W0 uma componente
conexas de SOn+1 . Seja π : SOn+1 → S n a projecção canónica para o espaço das órbitas da acção
de SOn em SOn+1 . Lembremos que π é uma aplicação aberta e que as componentes conexas de
uma variedade são abertas na variedade. Logo S n é igual à união dos π(Wi ) onde os Wi são as
componentes conexas de SOn+1 . Vejamos que essas imagens são disjuntas: sejam g0 , g1 ∈ SOn+1
pertencentes a diferentes componentes conexas. Então g0 e g1 estão em diferentes órbitas, porque os
subespaços gSOn são conexos, ∀g ∈ SOn+1 , por hipótese de indução. Logo π(g0 ) ̸= π(g1 ). Conclui-
se que S n é a união dos abertos disjuntos π(Wi ). Como a esfera é conexa, só pode existir uma
componente conexa em SOn+1 . A figura 3.18 tenta dar a ideia do que se está a passar...
Agora, para provar que On tem duas componentes conexas, basta pensar que se g0 ∈ On e
det g0 = −1, então g0 SOn é a componente conexa de g0 . Se um outro g ∈ On está numa terceira
componente conexa e det g = −1, então g ∈ gSOn = g0 g0−1 gSOn = g0 SOn porque det g0−1 g = 1.
Daqui se deduz que apenas existem duas componentes conexas em On . □
Recordemos da teoria dos grupos que uma acção de um grupo G num espaço M se diz livre
se não tem pontos fixos, ie., ∀x ∈ M, g ∈ G, se gx = x, então g = 1. O mesmo é dizer, todo o
subgrupo de isotropia é trivial.
Consideremos um grupo de Lie Γ que tenha a topologia discreta (eg. o grupo dos inteiros Z).
Suponhamos que Γ actua suavemente numa variedade suave M . Tal é simplesmente equivalente à
94 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
Lema 3.2.2. Seja Γ × M → M uma acção propriamente descontı́nua e livre. Então, para todo o
x ∈ M existe uma vizinhança U0 de x em M tal que ΓU0 = {1}.
Demonstração. Por hipótese existe uma vizinhança U de x onde ΓU é finito. Agora, para cada
g ∈ ΓU \{1} existe uma vizinhança Vg de x tal que g(Vg ) ∩ Vg = ∅. Se tal não fosse verdade e toda
a vizinhança V de x tivesse intersecção não vazia com g(V ), então existiriam sucessões {yl }l∈N e
{yl′ }l∈N convergindo para x e tais que g(yl ) = yl′ . Tomando o limite em l encontrarı́amos x como
um ponto fixo de g, o que é impossı́vel por a acção ser livre. Como ΓU é finito, pomos V1 = U e
tomamos ∩
U0 = Vg
g∈ΓU
ΓU0 ∩ ΓV0 = ∅
Sob as mesmas hipóteses dos resultados precedentes, podemos definir as variedades quociente
M/Γ com um teorema, provando a existência de uma estrutura diferenciável C ∞ .
Teorema 3.2.3. O espaço das órbitas M/Γ admite uma e uma só estrutura de variedade suave tal
que
π : M → M/Γ (3.30)
é um difeomorfismo local. Mais precisamente, π| : U → π(U ) é um difeomorfismo em cada aberto U
tal que ΓU = {1}. Em particular, dim M/Γ = dim M .
38 As variedades são localmente homeomorfas ao espaço euclidiano, logo podemos invocar o teorema 1.3.1.
3.2 Acções de grupos de Lie em variedades 95
Demonstração. Já vimos que são satisfeitas as condições topológicas exigidas em geral para um
espaço topológico poder ser uma variedade.
Vejamos a questão magna da cartografia. Seja n a dimensão de M ; tomamos em cada ponto
π(x), para x ∈ M , a carta
τ = ϕ ◦ π|U −1 : π(U ) −→ R
n
onde (U, ϕ) é uma carta de M com um domı́nio aberto suficientemente pequeno de tal modo que
ΓU = {1}. Tal carta existe, como o lema 3.2.2 permite mostrar. Note-se que π|U é um homeomorfismo
porque é bijectiva, contı́nua e, já se viu, aberta. Agora, analisemos as aplicações de mudança de
cartas τ ′ ◦ τ −1 induzidas por cartas (U, ϕ), (V, ψ) de M tais que π(U ) ∩ π(V ) ̸= ∅. Para x ∈ U tal
que π(x) aparece nesta última intersecção — suponhamos já π(U ) = π(V ) ou restrinja-se o domı́nio
— existe um único g ∈ Γ tal que gU = V . Sendo Lg : U → V esta multiplicação, verifica-se então
que
−1
τ ′ ◦ τ −1 = ψ ◦ π|V ◦ π|U ◦ ϕ−1 = ψ ◦ Lg ◦ ϕ−1 (3.31)
é de facto uma aplicação suave. Note-se que pode acontecer g = 1 e então o resultado segue por M
ser uma variedade suave. Como x é qualquer, está provado que τ ′ ◦ τ −1 é suave no seu domı́nio.
Resulta por construção que π|U é um difeomorfismo sobre π(U ), em cada aberto U onde π for
bijectiva. □
Repare-se que M/Γ pode ser vista como uma “colagem”de M consigo própria. De facto a acção de
Γ dá lugar a difeomorfismos g : M → M e podemos afirmar que as equações (2.10) são trivialmente
satisfeitas. Ou seja, dados x, y ∈ M pomos x ∼ y se y = gx para algum g...
que temos uma acção, que é livre e propriamente descontı́nua. Como se infere da figura 3.19, que
representa o caso n = 2, a variedade quociente que se obtém é o toro T = S 1 × · · · × S 1 . Repare-se
n
A construção das variedades quociente obtidas da forma que se explicou acima são parte de outro
tema da geometria e topologia, a saber, os espaços de cobertura.
Exercı́cios
1. Mostre que o conjunto das matrizes invertı́veis do tipo (3.23) define um subgrupo de Lie
GLn,N −n (R) ⊂ GLN (R).
2. Mostre que Gr(n, N ) também é igual a ON /(On × ON −n ). (Sugestão: recorra aos conhecimen-
tos sobre ortogonalidade já invocados.) Sabendo que On é compacto deduza que Gr(n, N ) é
compacto. Mostre que as grassmanianas têm apenas uma componente conexa, ie. são conexas
(sugestão: lembrar que On tem duas componentes e que a projecção para Gr(n, N ) é contı́nua
e logo aplica conexos em conexos).
6. Seja Aff (R ) o grupo das transformações afins de R . Mostre que Aff (R )/GLn = R (cf.
n n n n
exercı́cio 6 de 3.1) e conclua que R também é uma variedade homogénea. Descreva a álgebra
n
de Lie g do subgrupo
{ }
E(2) = f ∈ Aff (R ) : f (x) = g(x) + b, g ∈ On ,
n
(3.33)
chamado grupo dos movimentos rı́gidos do espaço euclidiano. (Sugestão: como espaço
vectorial, g é isomorfa a son × R ; procure uma base composta de campos vectoriais invariantes
n
à esquerda do tipo (Xi , 0), (0, e1 ), . . . , (0, en ), com Xi = −XiT uma base de son , e calcule os
parêntesis de Lie entre pares de vectores daquela base.)
7. Seja R = {λ1 ∈ GLn : λ > 0}. Mostre que GLn,+ /R é um grupo de Lie isomorfo a SLn .
+ +
dim Fi = i, ∀i. Mostre que o grupo ∆n (R) das matrizes triangulares superiores se identifica
com o subgrupo das matrizes g ∈ GLn (R) tais que
g(Fi ) ⊂ Fi (3.34)
9. Verifique que as coordenadas afins (3.28) do espaço projectivo estão bem definidas e que são
suaves as mudanças de carta.
e não nula define uma e uma só função f˜ : P (R) → P (R) tal que π ◦ f = f˜ ◦ π, onde π
m l
representa qualquer uma das projecções de R para P . Mostre que se f é suave, então f˜ é
k+1 k
suave.
12. Mostre que um subgrupo Γ de um grupo de Lie G que actua sobre uma variedade M , actua
própria descontı́nuamente sobre M se, e só se, Γ tem a topologia discreta.
13. Justifique que P (R) contem uma banda de Möbius. Mostre que P (R) é a variedade que se
2 2
procurava no exercı́cio 4 da secção 2.1. Prove de novo, usando (3.32), que todos os espaços
projectivos são compactos e conexos.
14. Mostre que {±1} actua livre e própria descontı́nuamente em SL2n . A variedade quociente que
se obtém denota-se por P SL2n .
15. Prove que o conjunto de todas as rectas de R está em bijecção com R \{0} ∪ S 1 .
2 2
que R /Γ é difeomorfo a T × R
n k n−k
.
Existe então uma relação de equivalência entre as bases de um espaço vectorial orientado, com
duas classes de equivalência: dadas duas bases ordenadas elas estão orientadas no mesmo sentido
ou não; não há terceira hipótese (cf. exercı́cio 1). Damos, finalmente, o nome de orientação de V
à escolha de uma destas classes — em princı́pio, a classe que contém uma base directa. Chama-se
orientação inversa à outra classe.
98 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
Dada uma variedade orientável M , para cada carta ϕ = (ϕ1 , . . . , ϕn ) definida num aberto conexo
U de M , podemos dizer que é uma carta que preserva a orientação ou inverte a orientação,
conforme o referencial
∂ ∂
,..., n (3.36)
∂ϕ1 ∂ϕ
é directo (ie. directo em cada ponto), ou retrógrado. Repare-se que se a carta ϕ preserva a orientação,
então a carta (−ϕ1 , ϕ2 , . . . , ϕn ) inverte a orientação.
Lema 3.3.1. Uma variedade M é orientável se, e só se, cada Tx M tem uma orientação e é verificada
a seguinte condição de continuidade: cada x ∈ M tem uma vizinhança U na qual está definido um
referencial X U suave e directo.
Demonstração. Usando cartas em torno de cada ponto x, já vimos que a condição descrita no lema
é necessária. Vejamos que é suficiente. Seja, por hipótese, W um aberto conexo de M onde está
definido um referencial suave X qualquer. Seja x0 ∈ W e suponhamos, sem perda de generalidade,
que esse referencial é directo em x0 . Seja
{ }
W ′ = x ∈ W : o referencial X é directo em x .
Não existem dúvidas sobre o número de orientações de uma variedade suave e conexa: ou há
duas orientações, uma inversa da outra, ou não há nenhuma! Tal é consequência do próximo lema.
Lema 3.3.2. Seja M uma variedade conexa e orientável. Então existe apenas uma outra orientação
em M .
Demonstração. Obviamente, a outra orientação de M consiste na escolha para bases directas preci-
samente as que eram inversas na primeira orientação.
Já se viu que uma orientação é uma entidade global na variedade. Pelo lema anterior existe um
referencial local, suave e directo em torno de cada um dos pontos de M . Assim, duas orientações de
M coincidem no maior aberto conexo de M , ou não coincidem de todo. □
A definição precedente de cartas que preservam a orientação é um caso particular da seguinte. Di-
zemos que um difeomorfismo f : M → N entre duas variedades orientáveis preserva a orientação
se, em cada ponto x ∈ M , o isomorfismo dfx : Tx M → Tf (x) N preserva a orientação.
Proposição 3.3.1. Uma variedade M é orientável se, e só se, M admite um atlas A = {(Uα , ϕα )}
tal que as mudanças de carta
ϕβ ◦ ϕ−1
α : ϕα (Uα ∩ Uβ ) −→ ϕβ (Uα ∩ Uβ ) (3.37)
Demonstração. Basta considerar, ou assumir, que as cartas de um tal atlas são as que preservam a
orientação. □
Como a esfera S n admite um atlas com duas cartas apenas — as projecções estereográficas (2.14)
— e, para n > 1, a intersecção dos domı́nios destas duas cartas é conexo, é claro pela proposição que
S n é uma variedade orientável. A orientabilidade de S 1 também é válida e deixa-se como exercı́cio
a sua verificação.
Proposição 3.3.2. Seja M uma variedade orientável e Γ×M → M uma acção livre e propriamente
descontı́nua em M . É condição suficiente para M/Γ ser orientável que todos os difeomorfismos
g : M → M , com g ∈ Γ, preservem a orientação. Se M é conexa, esta condição é necessária.
Demonstração. Aplicamos a proposição 3.3.1. Olhando para o teorema 3.2.3 e sua demonstração,
vemos que as cartas positivamente orientadas de M induzem cartas positivamente orientadas de M/Γ
e, pela fórmula (3.31), concluı́mos que esta definição é coerente se todos os g : M → M preservam
a orientação.
Recı́procamente, suponhamos que M é conexa e M/Γ é orientável. Então o difeomorfismo local
π : M → M/Γ preserva ou inverte a orientação, localmente. Por M ser conexa, podemos admitir já
que dπ transforma cada referencial suave e directo num aberto de M em um outro sobre um aberto
de M/Γ. Mas como π(gx) = π(x) e portanto dπgx ◦ dgx = dπx para todo o x ∈ M , devemos concluir
que dgx : Tx M → Tgx M preserva a orientação. □
Demonstração. Como se trata do quociente S n /{±Id} e S n é conexa, basta analisar quando é que
o difeomorfismo −Id : S n → S n , que leva x para39 −x, preserva a orientação. Já vimos que SOn+1
é conexo e actua na esfera, pelo que todos os seus elementos (em particular a identidade) induzem
difeomorfismos de S n que preservam a orientação. Recorrendo a exemplos simples prova-se que
existem elementos em On+1 que não preservam a orientação, ou seja, a outra componente conexa
do grupo ortogonal actua em S n invertendo a orientação. Assim, −Id preserva a orientação se, e só
se, a sua matriz está em SOn+1 . Como o determinante de −1 é (−1)n+1 o resultado segue. □
Exercı́cios
1. Prove que é de equivalência a relação entre as bases de um espaço vectorial real: B1 ∼ B2 se a
matriz de mudança de base M (Id, B1 , B2 ) tem determinante positivo.
4. Seja M uma variedade com m componentes conexas e orientáveis. Calcule o número de orien-
tações possı́veis de M .
6. Mostre que a banda de Möbius não é orientável. Usando este resultado verifique de novo que
P2 (R) não é orientável.
com as propriedades: (i) ⟨u, v⟩ = ⟨v, u⟩, ∀u, v ∈ V , (chamada de simetria) e (ii) ⟨u, u⟩ ≥ 0, ∀u ∈ V ,
com igualdade se, e só se, u = 0 (chamada propriedade de definida positiva).
39 Chamado o antı́poda de x.
3.4 Introdução à geometria riemanniana 101
Todo o espaço vectorial de dimensão finita n possui um produto interno, na medida em que,
usando um isomorfismo para R , podemos ‘copiar’ o produto interno euclidiano
n
que é o produto interno canónico do espaço euclidiano. Por esta razão também se dá o nome de
euclidiano a qualquer espaço vectorial munido de um produto interno (cf. corolário 1.3.2).
Associada
√ a um produto interno está sempre uma norma. Com efeito, verifica-se imediatamente
que ∥u∥ = ⟨u, u⟩ tem as propriedades requeridas para ser uma norma. Em particular, a norma
associada ao produto interno euclidiano é a norma euclidiana.
Olhando então para o binómio descriminante desta inequação polinomial na variável λ, temos de ter
e logo (3.41). Se se dá a igualdade, então existe um zero do referido polinómio. Ou seja, existe λ tal
que u + λv = 0. A recı́proca prova-se com um cálculo trivial. □
Um vector diz-se unitário ou normado se ∥u∥ = 1. Uma base {u1 , . . . , un } de V diz-se ortonor-
mada se os ui são todos normados e são ortogonais entre si. Em dimensão finita existe sempre uma
tal base, como se deduz logo por indução natural, começando por normalizar um vector v ∈ V \{0}
qualquer e pensando em seguida no subespaço {v}⊥ . Mais explı́citamente, o chamado processo de
ortonormalização de Gram-Schmidt permite ver que, dada uma qualquer base {v1 , . . . , vn }, o sistema
de vectores definido de forma recorrente
u1 = v1 /∥v1 ∥
∑
j−1
(3.42)
e, para j = 2, . . . , n, uj = ûj /∥ûj ∥ onde ûj = vj − ⟨vj , ui ⟩ui ,
i=1
102 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
dá lugar a uma base ortonormada {u1 , . . . , un } de V . Para a demonstração de que ûj ̸= 0 deve-se
usar o ponto 3 da proposição 3.4.1.
Repare-se que um subespaço vectorial F de um espaço vectorial V com produto interno, herda
o produto interno de V por restrição de ⟨ , ⟩ a F × F .
⟨ , ⟩ : V1 × V2 × V1 × V2 −→ R (3.43)
Uma aplicação linear f : V1 → V2 entre dois espaços com produto interno diz-se isométrica se
∥f (u)∥ = ∥u∥, ∀u ∈ V1 . A aplicação f diz-se uma isometria se for bijectiva e isométrica.
Teorema 3.4.1. Se V é um espaço vectorial de dimensão finita com produto interno, então existe
um isomorfismo natural entre V e o seu dual V ∗ . Explicitamente, v 7→ ⟨v, ⟩ é um isomorfismo que
não depende das bases.
A demonstração do teorema é trivial. Note-se que ⟨v, ⟩ denota a aplicação u 7→ ⟨v, u⟩. Lembremos
ainda que os elementos de V ∗ se chamam formas lineares.
Podemos agora transportar o produto interno de V para V ∗ , fazendo deste último um espaço
vectorial com produto interno. O isomorfismo do teorema torna-se uma isometria e, em particular,
∥v∥ = ∥⟨v, ⟩∥.
Outra consequência do teorema é a seguinte. Seja f : U → V uma aplicação linear entre dois
espaços vectoriais com produto interno. Para cada v ∈ V existe um único f ad (v) ∈ U tal que
Com efeito, u 7→ ⟨f (u), v⟩ é uma forma linear, ie. um elemento de U ∗ . Fica então definida uma
aplicação f ad : V → U , chamada adjunta de f , que se vê de imediato ser linear. A própria passagem
à adjunta é uma transformação linear
Podemos descrever um produto interno por intermédio do cálculo matricial. Consideremos uma
base u1 , . . . , un qualquer do espaço vectorial V com produto interno. Seja gij = ⟨ui , uj ⟩, para
3.4 Introdução à geometria riemanniana 103
Então ∑ ∑
⟨u, v⟩ = xi yj ⟨ui , uj ⟩ = xi gij yj = X t GY. (3.47)
i,j i,j
Note-se que G é uma matriz simétrica e invertı́vel, pois GY = 0 implica Y t GY = 0 e logo ⟨v, v⟩ = 0.
Daqui resulta v = 0 e por isso Y = 0. Ou seja, ker G = {0}. À matriz G dá-se o nome de matriz da
métrica.
∑
Agora, se f : V → V é uma aplicação linear e f (ui ) = j aij uj , então, escrevendo A = [aij ] e
sendo Aad a matriz de f ad , a equação (3.44) escreve-se
em conjunto com o exercı́cio 3. Numa base ortonormada vê-se logo que a matriz de f −1 é a transposta
da matriz de f . Sendo o grupo das isometrias de V um subconjunto fechado da superfı́cie esférica
do espaço normado L(V, V ), concluı́mos que é compacto. □
Repare-se que o espaço C dos produtos internos num mesmo espaço vectorial V é um cone convexo
(cf. exercı́cio 4). Mais ainda, dados dois produtos internos x0 , x1 ∈ C fixemos uma base ortonormada
para o primeiro; como existe uma base ortonormada para o segundo e existe uma aplicação linear
de mudança de base, vemos que GLn actua transitiva e suavemente40 em C e que o subgrupo de
isotropia é On . Em conclusão, temos
como mais um exemplo de uma variedade homogénea. A segunda igualdade resulta simplesmente
de se fixar uma orientação em V e de pensar que, se existem bases ortonormadas, também existem
bases ortonormadas directas.
40 C está contido no espaço das aplicações bilineares simétricas, que é um espaço vectorial e por isso tem uma
Corolário 3.4.1. O grupo de Lie GLn dos isomorfismos lineares tem duas componentes conexas:
GLn,+ = det−1 (]0, +∞[) e det−1 (] − ∞, 0[).
Demonstração. A demonstração repete a ideia usada na proposição 3.2.3, provando que não pode
haver mais que uma componente conexa que se projecte no conexo C. Referimo-nos à projecção
π : GLn,+ −→ C
que é uma aplicação contı́nua. Suponhamos então g1 , g2 ∈ GLn,+ pertencentes a diferentes com-
ponentes conexas W1 , W2 . Como SOn é conexo, esses elementos também pertencem a diferentes
órbitas. Logo π(g1 ) ̸= π(g2 ), donde π(W1 ) ∩ π(W2 ) = ∅ criando um absurdo.
Para a outra componente descrita no enunciado, basta pensar que é homeomorfa à anterior. □
As noções descritas nos espaços vectoriais com p.i. generalizam-se às variedades riemannianas.
Podemos falar de campos vectoriais perpendiculares ou ortogonais X e Y como aqueles para
os quais ⟨X, Y ⟩ = 0. Podemos também falar de um campo vectorial unitário ou de um referencial
ortonormado, com definições óbvias.
No seguimento do que se disse anteriormente, se A : T M → T M é um endomorfismo do espaço
tangente, isto é, A aplica de forma linear cada Tx M em cada Tx M , então sendo M uma variedade
riemanniana podemos falar do adjunto de A extrapolando da definição (3.44). Mais ainda, todas as
proposições encontradas na secção 3.4 têm um equivalente no contexto actual.
Se M, N são duas variedades riemannianas, podemos somar as suas métricas ponto a ponto para
produzir uma nova métrica na variedade M × N , de acordo com a decomposição do espaço tangente
descrita na proposição 2.2.2. Define-se como em (3.43) por
Para falarmos de isometrias temos de ser mais cuidadosos. Dizemos que uma aplicação suave
f : M → N entre duas variedades riemannianas é uma aplicação isométrica se dfx : Tx M → Tf (x) N
é uma aplicação linear isométrica em todos os pontos x ∈ M . Se as variedades M e N são da mesma
dimensão, então f diz-se uma isometria.
3.4 Introdução à geometria riemanniana 105
Veremos na secção seguinte que todas as variedades riemannianas trazem consigo a estrutura
de um espaço métrico. Portanto, em todas as variedades podemos construir estruturas de espaços
métricos.
Exercı́cios
1. Demonstre a fórmula de soma directa (3.40). Mostre que o processo de ortonormalização de
Gram-Schmidt (3.42) é legı́timo e conduz ao resultado esperado.
3. Mostre que f : V1 → V2 é uma aplicação linear isométrica se, e só se, f é uma aplicação que
verifica ⟨f (u1 ), f (u2 )⟩ = ⟨u1 , u2 ⟩, ∀u1 , u2 ∈ V1 .
5. Mostre que SOn é o subgrupo das isometrias que preservam uma orientação fixada em R .
n
Descreva a acção referida antes do corolário 3.4.1. (Sugestão: sendo G0 a matriz de uma
métrica, mostre que outra métrica qualquer é igual a g t G0 g para algum g ∈ GLn .) Conclua
que C também é igual a GLn,+ /SOn .
6. Recorrendo a fórmulas deduzidas no texto, mostre que det f ad = det f . Conclua que a adjunta
de um isomorfismo é um isomorfismo. O mesmo para o traço.
7. Prove que se f : N → M é uma imersão de uma variedade suave numa variedade rie-
manniana M então N adquire uma estrutura de variedade riemanniana: pomos ⟨u, v⟩x =
⟨dfx (u), dfx (v)⟩f (x) , ∀x ∈ N, u, v ∈ Tx N .
106 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
8. Defina a função coseno do ângulo descrito por dois campos vectoriais numa variedade rieman-
niana.
′
Isto é, s é a função que tem ∥r ∥ como derivada42 e vale 0 em a. Com efeito, s(b) não depende da
parametrização. Se r1 : [c, d] → M é outra dessas aplicações, representando apenas o excerto de γ
entre r(a′ ) e r(b′ ), com a ≤ a′ < b′ ≤ b, então admitimos que a curva é percorrida por r1 no mesmo
sentido que r e que, sendo ξ a mudança de carta, temos r = r1 ◦ ξ, ξ(a′ ) = c, ξ(b′ ) = d. Daqui
resulta que r′ = r1′ ◦ ξ ξ ′ e que ξ é crescente. Logo teremos as respectivas funções de comprimento
de arco s, s1 a verificar s1 ◦ ξ = s se, e só se, as suas derivadas forem iguais. Mas isto é evidente:
Claro que também se define o comprimento de uma curva seccionalmente suave: é a soma dos
comprimentos das curvas suaves que a compõem.
41 A função primitiva será estudada mais tarde, em particular a prova da sua existência.
42 A razão de ser desta definição vem do comprimento de uma curva no espaço euclidiano, que é aı́ definido como
o supremo dos comprimentos das linhas poligonais com vértices inscritos na imagem γ ⊂ R . Faz sentido falar em
n
linhas poligonais por haver um espaço euclidiano ambiente, sendo óbvio o que se quer dizer pelo seu comprimento —
que coincide com o da presente definição! Uma vez que tomamos o supremo e que as rectas minimizam o comprimento,
uma vez que a recta r(b) + t r ′ (b) é infitésimalmente próxima da curva no ponto r(b), teremos
ds d d
(b) = L({r(b) + t r ′ (b)}) = t∥r′ (b)∥ = ∥r′ (b)∥,
dt dt dt
assim explicando a imposição de (3.52).
3.5 Estudo das curvas 107
Teorema 3.5.1. Toda a variedade riemanniana e conexa (M, g) admite a estrutura de um espaço
métrico, com a função distância definida em (3.53).
Demonstração. Pela proposição 2.3.2, M é conexa por arcos seccionalmente suaves, pelo que a
função distância d está definida em M × M . d é simétrica, porque qualquer caminho pode ser
percorrido no sentido inverso, com isso não alterando o seu comprimento (cf. exercı́cio 1). A
condição d(x, y) = 0 ⇔ x = y também é de demonstração imediata. Vejamos a desigualdade
triangular. Sejam x, y, z ∈ M . Uma vez que para cada par de curvas γx,y , γy,z temos uma curva γ̃x,z
construı́da por justaposição daquelas duas, é claro que se vai ter
fazem sentido noutras dimensões ou mesmo noutras variedades ambiente). Estamos a tomar a
métrica euclidiana usual, fixa em cada espaço tangente a R . Portanto está implı́cita uma carta
3
Os pontos de uma curva onde a sua velocidade se anula dizem-se pontos singulares. Uma curva
diz-se regular se não tem pontos singulares (cf. ponto crı́tico e ponto regular na seccção 2.5) e, de
facto, esta definição não depende da parametrização escolhida (exercı́cio 2).
Dada r : [a, b] → R suave e regular e definido o comprimento de arco s : [a, b] → [0, L(γ)], uma
3
que é muito simpática pelo facto de ter velocidade de norma unitária: sendo s(t) = τ ,
′ 1
l′ (τ ) = r′ (t)s−1 (τ ) = r′ (t)
∥r′ (t)∥
donde ∥l′ (t)∥ = 1. Note-se que tal parametrização pode sempre ser tomada numa vizinhança de um
ponto não singular da curva dada.
É importante ter presente que uma curva pode ser representada de diversas maneiras. As mais
comuns são a paramétrica — aquela a que estamos habituados — e a implı́cita, se tivermos uma
função suave f : U ⊂ R → R que tome um valor regular (y1 , y2 ). Tal é consequência imediata do
3 2
corolário 2.5.1.
P1
P0
√ 3
trata de uma curva regular. Note que a imagem também admite a representação r2 (t) = ( t, t, 23 t 2 ),
mas esta não é sequer diferenciável em 0. O leitor verificará que mesmo nos exemplos aparentemente
mais simples é difı́cil calcular o comprimento de arco. Porém, não é este o caso.
2. Dada f (x, y, z) = (x2 y, yz + z 3 ), temos df(x,y,z) (u, v, w) = (2xyu + x2 v, zv + yw + 3z 2 w),
donde (1, 0, 1) é um ponto regular. Perto deste ponto, a curva f −1 (0, 1) tem uma parametrização
t 7→ (c(t), 0, 1) para cada função c(t) real suave, regular se c′ (t) ̸= 0.
3. Em coordenadas polares, no plano, temos descrições muito elegantes de algumas curvas clássicas:
por exemplo, a cisóide de Diócles ρ = sen θtg θ, a cardióide ρ = a(1 + cos θ), a espiral ρ = aθ (a
constante), etc.
Dispomos de outros instrumentos para o estudo das curvas regulares. A curvatura ⃗k é a segunda
derivada da representação por comprimento de arco de uma dada curva regular γ. Numa qualquer
parametrização r da mesma curva, temos
′′ ′ 2 ′ ′ ′′
⃗k = r ∥r ∥ − r ⟨r , r ⟩ (3.54)
′
∥r ∥4
Deixamos como exercı́cio (importante) a demonstração de que a expressão acima não depende da
escolha de r. Na parametrização l por comprimento de arco, já vimos que ∥l′ ∥ = 1. Derivando a
igualdade ⟨l′ , l′ ⟩ = 1, resulta ⟨l′′ , l′ ⟩ + ⟨l′ , l′′ ⟩ = 0 e logo ⟨l′ , l′′ ⟩ = 0. Assim se vê que ⃗k = l′′ .
Em norma, a curvatura mede quão curva é a curva: curvatura nula significa que temos uma recta.
Basta ver que, sendo l′′ (τ ) = 0, ∀τ , só podemos ter uma recta l(τ ) = l0 + v0 τ, l0 , v0 constantes. Por
outro lado, no plano, curvatura não nula constante em norma significa que estamos em presença de
uma circunferência. Vejamos primeiro o seguinte resultado.
Proposição 3.5.1. No plano R seja dada a curva regular p(x) = (x, y(x)), com x a variar em
2
certo intervalo aberto, e suponhamos fixado um ponto p0 = p(x0 ). Seja α(x) = arctg y ′ (x) e seja
∫ x1 ′
Lpd0 p1 = L(p|[x0 ,x1 ] ) = x0 ∥p (t)∥dt. Então
|α(x1 ) − α(x0 )|
∥⃗kp0 ∥ = lim (3.55)
x1 →x0 Lpd 0 p1
∥p′′ ∥2 ∥p′ ∥4 − 2⟨p′ , p′′ ⟩2 ∥p′ ∥2 + ∥p′ ∥2 ⟨p′ , p′′ ⟩2 ∥p′′ ∥2 ∥p′ ∥2 − ⟨p′ , p′′ ⟩2
⟨⃗k, ⃗k⟩ = ′
= .
∥p ∥ 8 ∥p′ ∥6
3.5 Estudo das curvas 109
Em particular para a parametrização em causa, uma vez que p′ = (1, y ′ ), p′′ = (0, y ′′ ), vem
Assim temos uma fórmula ∥⃗k∥ = |y ′′ |/(1 + y ′2 ) 2 , útil para certos momentos da prática. Note-se
3
∫ x1 √
também que o comprimento Lpd 0 p 1 = x0 1 + y ′2 dt, pelo que a derivada desta função no ponto
x0 é (1 + y ′2 ) 2 . Por uma famosa regra de Cauchy, consequência do teorema dos acréscimos finitos
1
demonstrado na secção 1.5.2, podemos calcular o limite (3.55) muito facilmente derivando ambos os
termos da fracção. Temos assim
|α(x1 ) − α(x0 )| |y ′′ | ⃗
lim = 1 = ∥k∥,
x1 →x0 Lpd 0 p1 (1 + y ′2 )(1 + y ′2 ) 2
Para facilitar a escrita vamos denotar κ = ∥⃗k∥, função escalar que também toma o nome de
curvatura e que é igualmente um invariante geométrico.
Podemos agora justificar que a norma da curvatura da circunferência de raio R é igual a 1/R em
todos os pontos. Tal é consequência da fórmula (3.55) e do raio ser directamente proporcional ao
perı́metro.
É fácil de advinhar que uma hélice circular r(t) = (R cos t, Rsen t, ct) tem ∥⃗k∥ constante, portanto
a conclusão de que, sendo a curvatura constante, a curva é uma circunferência, não é lı́cita no espaço
R3 ; apenas no plano.
Em R existe ainda um único vector ⃗b tal que {⃗t, ⃗n, ⃗b} forma uma base ortonormada com a orientação
3
directa. ⃗b é a binormal. É trivial verificar que aquele referencial é suave ao longo da curva γ
(definido apenas na condição de κ ̸= 0). Tem-se ⟨⃗b, ⃗t⟩ = 0, donde se obtém
0 = ⟨⃗b′ , ⃗t⟩ + ⟨⃗b, ⃗t′ ⟩ = ⟨⃗b′ , ⃗t⟩ + ⟨⃗b, ⃗n⟩ = ⟨⃗b′ , ⃗t⟩.
Então só podemos concluir que ⃗b′ = −τ⃗n para alguma função escalar. A esta função τ definida
sobre a curva dá-se o nome de torsão; com efeito, τ é um invariante da parametrização e mesmo do
sentido em que a curva é percorrida (exercı́cio 6).
Exercı́cios
1. Justifique cabalmente que qualquer curva suave r : [a, b] → M tem uma orientação induzida
pela orientação de R, ie. tem um sentido, e que pode ser parametrizada no sentido inverso,
mantendo o comprimento.
2. Mostre que a noção de curva regular não depende da escolha da sua carta (ie. da parametri-
zação).
4. Seja A : R → R uma aplicação linear. Mostre que ⃗k(A(γ)) = A(⃗k(γ)) para qualquer curva
3 3
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Índice
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