Sunteți pe pagina 1din 13

Fábrica com vila operária em Moreno- PE: moradia, trabalho e disciplina.

Márcio Romerito da Silva Arcoverde


Graduado pela Universidade Federal Rural de Pernambuco
romeritoarcoverde@yahoo.com.br

RESUMO:

Este texto tem como objetivo discutir a criação, disponibilidade e objetivo das moradias
operárias, assim como analisar a criação do espaço de trabalho e de sociabilidade
específicos a uma fábrica com vila operária- na zona rural da cidade do Moreno- seu
poderio local, paternalismo industrial e oferta de emprego.

Palavras-Chaves: Trabalhadores, moradia, poderio local.

Introdução

Este artigo visa analisar como a fábrica de tecidos Societé Cotonnière Belge-
Brésilienne cria mecanismos, desde sua instalação, para formar um grande espaço
baseado na moral do trabalho, emprego e disciplina fabril para um corpo de operários
que vai ser atraído por tais considerações. A vila é uma extensão direta da fábrica, é do
seu controle, uma forma de imobilização da mão de obra.

Assim, analisamos o objetivo e as condições de moradia oferecida por essa


fábrica, a estruturação da sua imensa vila que visa dar ao trabalhador uma casa higiênica
e salubre ao mesmo tempo tem o trabalhador em suas dependências. Percorremos e
apontamos alguns exemplos de vilas operárias e observamos sua criação com o objetivo
de, um lado, oferece trabalho e moradia, por outro é uma forma de ter o controle direto
sobre o trabalhador.

Vemos que essa fábrica tem um enorme poder exercido no cotidiano dos
trabalhadores. A disciplina fabril está presente dentro e fora da fábrica se pela figura
patronal ou pela disciplina já imposta no aliciamento. Os seus trabalhadores são homens
e mulheres que veem a essa vila cidade em busca de emprego, e a sua conquista implica
na sua proletarização- individual ou familiar. Não que essa disciplina fosse um
condicionante, que não se pudesse escapar, pois acreditamos nas estratégias e nas
quebras dessa disciplina, de forma alguma acreditamos estar, esses trabalhadores, presos
a uma cadeia panóptica1. Acreditamos que a disciplina esteve presente nesse ambiente
fabril, no entanto, não condicionamos os nossos sujeitos a uma rede impossível de se
romper. É que esse artigo tem o objetivo de evidenciar a disciplina fabril, seus usos.
Assim como contribuir para o entendimento das estratégias de aliciamento baseada no
trabalho para todos.

Assim esperamos traçar a constituição de um modelo disciplinar que foi comum


ao mundo: a fábrica com vila operária. Comum também em vários pontos do estado de
Pernambuco durante um período de explosão da indústria têxtil nesse Estado.

Eu tenho onde morar: habitação operária em Moreno

O processo de urbanização europeu, a partir do século XIX, ganha força


juntamente com a revolução industrial fazendo surgir uma grande explosão demográfica
e consequentemente uma grande falta de moradia2. A partir dessa realidade e dessa
deficiência de moraria, surge as primeiras idéias de habitação operária, uma maneira de
melhor acomodar os trabalhadores que compõem as redes de sociabilidade surgidas nos
espaços urbanos.

“É nessa ótica que surgem, em 1822, as propostas do filósofo francês


Charles Furier, cujo principal emblema é o Palácio Societário, concebido
como um grande edifício onde, além das habitações para três mil e
quinhentas pessoas, alguns equipamentos de uso coletivo complementariam
a vida doméstica comunitária”. (TRAMONTANO, 1998, p. 22)

Assim é pensada uma forma de melhores condições dos operários. Um problema


que a Europa, e principalmente a Inglaterra, tomou como viabilidade construções
operárias em torno de fábricas, essas, ora incrementando as cidades, ora criando e
fazendo surgir verdadeiras estruturas urbanas em seu redor.

1
Para usar um conceito do Michel Foucault, onde os indivíduos são envolvidos numa rede disciplinar e
modelados por ela.
2
falta de moradia, ou péssimas condições, já denunciadas por Friedrich Engels em “A situação da classe
trabalhadora na Inglaterra”. Nesse livro, Engels, traz um panorama e denuncia as precárias condições
dos trabalhadores em importantes cidades inglesas, desde a questão da vestimenta, alimentação e
moradia. Sua análise traz à tona a precariedade das condições trabalhistas vividas pelos operários em
meados do século XIX.
“A vila de Saltaire foi construída entre 1851 e 1872, distante três milhas do
centro da cidade de Brodford na Inglaterra , no vale do rio Aire (...) com
2,59 Km², possuía além de 820 casas, escolas, igreja, hospital, banhos
públicos, clube e um amplo parque público. (...) nesses planos enfatizava-se
o efeito moralizante do caráter, o desenho e a aparência das casas, ruas e
edifícios públicos. Ou seja, casas boas produziam boas pessoas (...) quando
completa, ela tornou-se uma unidade econômica e social que oferecia tudo
que um empregado poderia querer para sua vida: trabalho, saúde, educação,
instruções de moral, provisões para atividades de lazer e boas casas”.
(VIANA, 2004, p.13)

A autora nos traz um modelo pioneiro de fábrica, na Inglaterra, que tem a


preocupação de dar conta de todos os segmentos da vida do operário, desde sua moradia
até seu lazer fora da fábrica. O industrial criou instrumentos- baseado na
operacionalidade do sistema capitalista, teorias higienistas e deterministas- que ao
mesmo tempo em que resolve o problema da moradia, lazer, entre outros, tem os
operários em seu controle imediato dentro do complexo mundo da fábrica. Criando as
casas para os operários, o núcleo fabril, diferentes formas de lazer e entretenimento, esta
fábrica se torna um modelo que será copiado, inclusive no Brasil.

A Europa passava por um momento de intensas transformações- econômicas,


sociais, demográficas- com o aceleramento das atividades industriais as cidades ficaram
cada vez mais repletas de pessoas, de operários, que tinham nas fábricas seus meios de
sustento. Assim, a Europa procurou nas vilas operarias a solução- ou a tentativa- para o
problema da intensa aglomeração urbana causada pelo desenvolvimento das atividades
industriais. Uma forma de conciliar crescimento e desenvolvimento industrial com certa
estabilidade social.

No Brasil, a prática de construção de moradias operárias, difundiu-se a partir da


segunda metade do século XIX, com criações de vilas nas cidades e em localidades
rurais. As casas operárias surgem como modelo privilegiado de moradia do pobre
urbano, do operário, supondo higiene e decência, além de privilegiar a moral do
trabalho. Construídas- inicialmente- pela iniciativa privada as vilas operárias tinham a
função de acolher e acomodar o trabalhador e toda sua família em casas próximas às
fábricas, resguardando-lhes toda higiene e salubridade.

Em Pernambuco Com o fim da escravatura, inicio do sistema republicano e o


bom desempenho que o algodão apresentava, este estado vislumbrou no ultimo quartel
do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX, o surgimento de grandes e
importantes fabricas têxteis que adotaram o modelo “fabrica com vila operaria”. Estas
que marcaram um novo ciclo trabalhista e um novo modelo de moradia popular em
Pernambuco. Destacamos, entre outras, as seguintes fábricas com vilas operárias neste
Estado:

“ A „vila operária „da Tecelagem de seda e algodão de Pernambuco,


localizada no centro do Recife; a da companhia de fiação e tecidos de
Pernambuco S.A, situada no bairro da Torre; a do Cotonifício Othon
Bezerra de Melo S. A. e a da fábrica Tacaruna, localizadas na periferia da
cidade. (...) proximos a pequenas cidades “vila operaria” da companhia
Industrial Fiação e Tecidos Goyanna, na cidade de Goyanna; à da Fiação e
Tecelagem de Timbaúba, em Timbaúba; à da companhia Industrial
Pirapama, em Escada, e à do Cotonifício José Rufino, na cidade do Cabo.
Os situados em meio rural: a vila da Companhia de Tecido Paulista, em
Paulista; Societé Cotonnière Belge- Brésilienne, em Moreno e a da
companhia industrial pernambucana, em Camaragibe”
(CORREIA,2001,p.85)

Essas são as mais importantes fábricas com vila operária, do setor têxtil, que se
estabeleceram em Pernambuco no período do surto industrial têxtil pernambucano. A
fixação dessas empresas dinamizou a economia local suprindo a demanda e alimentando
outras regiões de produtos têxteis, no período que vai de fins do século XIX à década de
70 do século XX- período de declínio da maioria das fábricas têxteis pernambucanas.

Se na cidade a fábrica constrói casas em seu contorno para fixação dos


trabalhadores, nas localidades rurais as fabricas com vila operaria construíam
verdadeiras cidades constituídas de escola, teatro, cinema, campo de futebol, barracão,
ou seja, as fábricas que se estabeleceram em meio rural tiveram o importante papel de
assumir o poder local de fato sobre a vila e a cidade que se desenhara ao seu redor.
Nessa perspectiva analisaremos a Societé Cotonnière Belge- Brésilienne, em Moreno.
Fábrica que contou com uma grande vila operária e se desenvolveu em meio rural,
criando, assim, todo um aparato comum às fabricas com vila operaria em meio rural.

A Societé Cotonnière Belge- Brésilienne e o exercício do seu poder local.

No dia 14 de maio de 1910 o Diário de Pernambuco noticiou, em matéria de


capa, a inauguração da Societé Cotonnière Belge- Brésilienne:

A Vila Nathan

O antigo engenho Catende ao pé da estação de Moreno, no município de


Jaboatão, está hoje se transformando em prospera povoação, com 450 casas
e 58 em construção, tendo bôa feira e regular commercio. Está ali o inicio de
uma cidade, avultando acima da casaria e da verdura da vegetação
luxuriante, a alta chaminé vermelha da fabrica de tecidos, edificada pela
Societé Cotonnière Belge- Brésilienne. Foi essa fabrica que fez surgir, como
por encanto a povoação de Nathan, realizando o milagre de todas as
grandes empresas industriaes que, onde appaarecem, formam logo um
numeroso núcleo de povoação. (...) O edifício da fabrica está concluido,
occupando uma area de 22.000 metros quadrados e os machinismos, que são
os mais aperfeiçoados de fabricantes inglezes, suisos, belgas e holandezes,
estão devidamente montados. A fabrica está instalada para 650 teares e
destina-se a manufactura de fazendas brancas e fios de 38s. acima.

A matéria do diário de Pernambuco nos da uma noção do que representou a


instalação do Societé Cotonnière Belge- Brésilienne, a grandeza do empreendimento
que fez surgir “como por encanto” a povoação da vila. A construção de casas já na sua
inauguração, “450 casas com 58 em construção”, mostra que a o planejamento da vila
operaria foi levado a cabo já para os primeiros anos de atividade. A Societé cria uma
ampla rede de construções que atrairá trabalhadores de vários lugares com perspectiva
de trabalho e moradia garantida.

A vila operária para Blay desempenha um importante papel no contexto da


industrialização nacional onde foram criados e redefinidos espaços urbanos, centros de
trabalhos e moradias comandado pela ordem social burguesa. Assim, aponta esse
recurso como essencial na construção desses novos espaços de sociabilidade.

“Como solução proposta pela classe empresarial ela sempre visou, em


todos os momentos, garantir um suprimento de força de trabalho, controlar
níveis salariais e dominar movimentos políticos. Em conseqüência, a
habitação foi um meio, na relação patrões empregados, que permitiu uma
atuação em dois níveis: serviu para pressionar o comportamento social do
emergente operariado urbano e influiu no processo de acumulação de
capital a ser investido na indústria e na reprodução ampliada do capital,
permitindo que certos empresários construíssem verdadeiros impérios.”(...)
“...vamos chamar de vilas operárias aqueles conjuntos de casas contíguas,
construídas ou compradas já prontas pelas fábricas e que se destinavam ao
uso de seus empregados mediante aluguel e comodato. Deixemos de lado
outros tipos de vilas... para nos determos naquelas que nos parecem ser o
embrião das demais e que delimitaram a porção do espaço da cidade
destinada à camada trabalhadora urbana.” (BLAY, 1980,p. 105)

Assim a autora aponta a força modeladora e a imposição criada pela ordem


social burguesa que percorre desde as relações de trabalho até a esfera do lazer. Para
Blay a funcionalidade da vila operária é focada no capital, deixando de lado a complexa
rede de sociabilidade desenhada pelas relações sociais vivida por seus habitantes.
Para Leite Lopes a fábrica com vila operaria-modelo seguido pela Societé- tem,
“a estratégia de consagração da intenção patronal de sedentarização de sua força de
trabalho através da alocação desta população em sua vila operária.”(LOPES,1996:286)
Para esse autor a vila operária se constitui como uma imobilização da mão-de-obra por
parte do industrial, fornecendo uma força de trabalho estável. A vila também pode ser
entendida como um alargamento da vida dentro da fabrica, uma extensão, que se
caracteriza por todas as outras construções criadas pela fábrica. Ainda na matéria do
Diário de Pernambuco: “a Cotonniére mantém em Nathan uma escola primária, com
freqüência de 70 alunos”

Há por parte da empresa criação de aparatos que supram as necessidades dos


trabalhadores. Assim como a fábrica modelo Brodford na Inglaterra, a Societé constrói a
primeira escola da localidade escola- o “Externato Societé Cotonnière”(SILVA, 2006:
30) foi construído com a intenção de atender os filhos dos operários, e foi
posteriormente aberta para toda comunidade.

A SCBB tinha um serviço de construção civil seja para construção de prédios


seus, casas operárias ou na construção de prédio públicos, sendo que os operários da
construção civil também eram vinculados à fábrica.
O novo mercado
Como noticiamos, inaugurou-se no domingo 29 do mez findo, o prédio
recentemente construído pela SCBB por ordem da prefeitura de Jaboatão,
que vae servir de mercado publico de Morenos.3

Além da escola, do mercado público, vemos que a Societé constrói um clube


para as festividades local, o Societé esporte clube, um campo de futebol- ainda hoje
conhecido como o campo da fábrica-, mantém dentro da fábrica um centro de
atendimento médico para os operários4, mantinha a energia elétrica da localidade5, além
de promover as festividades.

Um poder local determinado e exercido pelos industriais que detinham a oferta


do trabalho, do lazer, da moradia, da educação, a oferta de assistência à saúde. Assim,

3
Correio de Morenos, 13 de novembro de 1922
4
: “assistência médico-sanitário prestam, por alguma forma, serviços médicos de natureza assistencial
ou preventiva os seguintes estabelecimentos: Pôsto Estadual de higiene, com um médico e dois
enfermeiros; a enfermaria da Societé Cotonnière Belge Bresilienne, com dois médicos, um enfermeiro
diplomado e três auxiliares de enfermagem.” (enciclopédia dos municípios brasileiros, IBGE, 1958)
Apesar de em 1958 Moreno já se constituir como município independente desde de 1928, o suporte
maior em relação a saúde pública é dado pela Societé.
5
Ainda no censo de 1958 vemos que a energia da cidade era a fábrica que fornecia.
apontamos, nas três primeiras décadas, a criação da aparelhagem necessária para o
controle de sua mão-de-obra6.

Aliciamento para o trabalho fabril: a formação do corpo de operários do tecido.


O processo de aliciamento7 de trabalhadores, da Societé Cotonnière Belge-
Brésilienne é baseado na grande oferta de trabalho, trabalhadores de diversas cidades do
agreste pernambucano, sertão, zona da mata, além de outros estados do Nordeste de
outras regiões e até de outros países vão ser atraídos pela oferta de emprego na fabrica
de tecidos de Moreno8. A análise das fichas dos operários nos dá essas informações.
Notamos que a força de atratividade do trabalho é demasiadamente forte para fazer com
que centenas de pessoas e famílias inteiras migrassem para Moreno.

“Éramos do Rio Grande do norte e meu pai como agricultor possuía umas
terras e alguns animais(...) não sei o porque, mas um dia ele resolveu vir
para Pernambuco, pois minha mãe tinha uma irmã que morava em
Camaragibe. Contava minha mãe que quando chegamos, minha tia
aconselhou virmos para Moreno, porque aqui estava sendo construída uma
grande fabrica e com certeza teria emprego para todos. E assim aconteceu.
Quase toda a minha família trabalhou na Societé (...) quando fui funcionária
da fábrica ocupei o cargo de 1º escriturária, pois sabia datilografar e
cheguei até a fazer um curso de inglês. Meus pais criaram 11 filhos (...)
cheguei aqui com dez meses de vida”.9

Esse relato nos mostra uma família inteira migrando em busca de melhor lugar
para morar. Famílias que na maioria das vezes vivia no ambiente rural, tinham como
trabalho a vida no campo, passam, ao se transferirem para o trabalho na fábrica, por
intensa mudança de hábitos, cotidiano e disciplina.
Mas ao mesmo tempo, quando empregada toda a família, reproduzem uma
prática da moral do trabalho da família rural: o trabalho para todos da casa. Em busca de
trabalho assalariado, a família migrou do Rio Grande do Norte para Pernambuco, e aqui

6
Pois é esse momento de criação e estabelecimento do poder local que fez surgir a população da vila
Nathan, e posteriormente a cidade de Moreno que analisamos nesse capitulo. Como a criação de vários
instrumentos atraíram e fixaram o trabalhador naquela localidade.
7
Aliciamento para José Sergio Leite Lopes, que trabalha com a companhia de tecidos Paulista, tem dois
vieses, o recrutamento direto pelos industriais, e ida espontânea de trabalhadores. No caso da Societé
Cotonnière Belge- Brésilienne, trabalhamos com o aliciamento espontâneo dos trabalhadores, uma vez
que não temos noticias do recrutamento direto pela fábrica e desconhecemos outros métodos de se
aliciar os trabalhadores dessa empresa.
8
Pessoas dos mais diversos municípios, citamos alguns- de acordo com fichas dos operários- em
Pernambuco: Caruaru, Limoeiro, Vitória de Santo Antão, Jaboatão, são Lourenço da mata, bezerros,
cabo, Ipojuca, Sirinhaem, Belo Jardim, Bom Jardim, Camaragibe, Recife, Escada, Goyanna, Barreiros,
Palmares, Bonito, Floresta, Gloria do Goitá, Paud’alho, Gravatá, Chã de Alegria, Timbaúba, Paulista,
Águas Pretas, Altinho, Tracunhaem, Igarassu, Lagoa do Carro, Catende, Quipapa.
9
Entrevista concedida a historiadora Vera Lopes por uma ex- operária em junho de 2003. A ex-operária
tem sua data de nascimento em 20.06.1910.
chegando estabeleceu-se na próspera e crescente vila Nathan, núcleo industrial
aglutinador dos mais diversos trabalhos oferecidos pela societé.
Segundo análises nas fichas dos operários, o trabalho na societé era dividido por
diversas funções: tecelagem, fiação, o corpo de vigias, preparação, eletricidades,
enrolamento, branqueamento, nos eucaliptus, na construção civil, entre outros.
Os trabalhadores dos eucaliptos eram empregados direto da fábrica, o uso
do eucalipto, apesar de um trabalho agrícola, foi frequente pela societé.

Eucaliptos
A S.C.B.B. tem plantado em sua propriedade cerca de duzentos mil pés de
Eucalyptos que além de formarem bellissimas florestas, se prestam para
alguns misteres, como madeira de construção, servindo também de um bom
combustível, afora as propriedades medicinaes10.

Como centenas de outras famílias que saíram de outros estados a procura de


emprego em Pernambuco11 que com o desenvolvimento do trabalho assalariado,
impulsionado em grande parte, pelas indústrias têxteis migram à procura de emprego,
essa família tem quase todos seus membros trabalhando na fábrica. É o que a
historiadora Maria Rosilene Barbosa Alvim chama de recrutamento da mão de obra
familiar. Toda a família é atraída pela oferta de trabalho para todos os membros da
esfera familiar Para essa autora:

“No caso de Paulista e no de outras vilas operarias têxteis, o recrutamento


de famílias faz parte de uma política de recrutamento da força de trabalho
que implica em buscar no grupo familiar o fornecimento da mão-de-obra
necessária à industria, articulando família e trabalho numa relação de
dominação particular (...) a garantia de uma casa para morar em troca do
trabalho da maior parte de seus componentes, se apresenta como uma
garantia de sobrevivência e é um fator decisivo na “opção” por Paulista e
consequentemente pela proletarização e pelo trabalho industrial.”
(ALVIM,1978,p.396-397)

Para Alvim o recrutamento familiar faz parte da estratégia da fábrica com vila
operaria, que busca compor seu quadro de mão-de-obra estável, estabelecendo a família
inteira em suas dependências, assim, o controle de toda família é manipulável pela
fábrica. Se em Paulista, como aponta Alvim, se tinha a garantia do trabalho para toda a
família, na Societé, que segue o mesmo padrão de fabrica com vila operária, o trabalho

10
Correio de Morenos 29-08-1922
11
Podemos destacar, através das leituras das fichas dos operários, trabalhadores advindo de Alagoas:
União, Santa Luzia do Monte, Rio Largo, Riacho Doce; Paraiba: Villa São João, Serra da Penha, Guarabira,
João Pessoa, Barra de Natuba, Campina Grande, Cabedelo, Patos,Brejo de Areia. Entre outros estados
Rio Grande de Norte, Ceará, Sergipe, Paraná.
atrativamente oferecido da mesma forma, fez como que famílias inteiras se
estabelecessem em Moreno pelo mesmo motivo: trabalho abundante.

Para Leite Lopes o dispositivo da vila operária tem uma maior estabilidade do
grupo operário devido “a importância do trabalho feminino, a permanência dos
membros femininos da família contrabalançando as saídas cíclicas do trabalho dos
membros masculinos jovens” (LOPES, 1996: 288). Para esse autor a família que vive
dentro da vila com uma oferta de trabalho, desde o chefe da casa à sua mulher, se torna
uma mão-de-obra mais estável. Para esse autor:

“A política de aliciamento, ao povoar ou aumentar a povoação de uma


determinada área, tem por objetivo criar uma população trabalhadora local
cujo crescimento vegetativo atenda às suas necessidades de trabalho.
Bastará então que a fábrica espere que as gerações seguintes aos
trabalhadores aliciados venham procurar trabalho na fábrica no início de
sua vida ativa. (...) o aliciamento, ao ser desencadeado, criou um clima de
trabalho e de procura de trabalho que provocava a atração espontânea de
mão-de-obra para a vila operária, não somente do chamado interior, mas
das áreas mais próximas, rurais ou praieiras” (LOPES, 1988, p. 42).

Leite Lopes ver a política de aliciamento como formadora da mão-de-obra


trabalhadora da área de atuação da fábrica com vila operária, para ele os trabalhadores
aliciados além de comporem esse corpo de mão-de-obra os seus descendentes ao
procurarem trabalho na fábrica seguem a política de aliciamento pensado no início pelos
industriais. Em sua colocação pensa a fábrica de tecidos Paulista, mas ao analisarmos a
política de recrutamento na societé, vemos que o modelo fábrica com vila operária
construído em zona rural tem essa característica: povoar uma área e incentivar o seu
crescimento vegetativo.

Para Maria Celia Paoli a presença constante de crianças e mulheres compondo a


força de trabalho industrial, se dá em grande parte pela entrada nas fábricas através da
família, a proletarização familiar (PAOLI, 1992:03). Assim como Alvim, aponta o
interesse industrial por esse tipo de aliciamento como uma forma de reprodução da vida
camponesa em que todos trabalham. Para a autora a proletarização parece não ser
individual e sim familiar, uma regra que segundo ela se dá em todo o país nos centros
fabris que contam com vila operária e toda sua instrumentação de dominação.

Para Paoli esse padrão de recrutamento familiar se deu de forma diferenciada


seguindo as características de cada mercado de trabalho em suas peculiaridades, mas
que tem como ponto comum a proletarização familiar. “Há uma espécie de adaptação
coletiva ao trabalho individual comandada pelo capital, adaptação esta que conserva as
„tradições‟ simbólicas de distribuição de responsabilidades no interior da família.”
(PAOLI, 1992: 05) Assim o aliciamento familiar, segundo Paoli , tem a característica de
conservar a estrutura familiar anterior a proletarização da família, acompanhada, agora,
da disciplina fabril.

Para esses autores o aliciamento -ou recrutamento- se caracteriza, na fábrica com


vila operária, como familiar. Concordamos com essa visão. A forma de ingresso nas
fábricas têxteis em zona rural, que a Societé faz parte do modelo, baseou-se no
aliciamento familiar. Pelo menos até ter preenchido os cargos, criar uma mão-de-obra
local para o trabalho.

Caracterizamos o aliciamento familiar como forma de ingresso principal na


Societé, não deixando de lado o aliciamento individual ou qualquer outra forma de
aliciamento de operários. De certo existiram várias formas de atração e de aliciamento,
pois, não há um modelo homogêneo e único, o que há é o destaque, em grande parte, do
aliciamento familiar como proposta para formação do corpo de operários. Ao nos
referimos aos primeiros anos de funcionamento da Societé- período de afirmação da
fábrica, e formação do corpo de operários- destacamos como referência esse tipo de
aliciamento. Seja de famílias que já trabalhavam em fábricas, ou famílias que advinham
do meio rural, há por parte da Societé uma grande força de atração baseado no trabalho
para todos.

A vila, a cidade, que a fábrica fez surgir ao seu redor atraiu essas famílias e
operários de várias localidades. Se individual ou familiar, notamos, nas fichas dos
operários, trabalhos de crianças e mulheres quantitativamente consideráveis na
composição da força trabalhadora. Assim o trabalho têxtil na Societé alcança desde a
criança, passando pela mulher até o homem adulto, trabalho que envolve todas as idades
ou todos os membros da família. Fazendo que vidas de inúmeras famílias se passem no
cotidiano do trabalho disciplinar fabril. Fazendo com que essa disciplina docilize esses
corpos ou não.

Ao ambiente fabril da Societé estiveram direcionadas várias vidas, homens e


mulheres que buscavam trabalho. Esse mundo do trabalho em Moreno moveu vidas,
sonhos, conflitos, poder, uma intensa teia de sociabilidade operária
Considerações finais

Ao estudarmos o processo de industrialização têxtil em Pernambuco percebemos


que as fábricas que se destacaram nesse setor- as instaladas nas zonas rurais, como é o
nosso caso- traz consigo uma série de transformações em relação a moradia, disciplina,
trabalho. A fábrica, grande agregadora do novo trabalho fabril, faz surgir em
localidades como essas novas formas de sociabilidade, um novo modelo de vida, uma
vida perpassada pela disciplina fabril em contraposição ao trabalho baseado no meio
rural.

Ao buscarmos esse momento de mudança, buscamos na moradia, disciplina,


migração e poder localizado das fábricas o nosso meio para analisar esse período, essa
temática. Ao tentar reconstruir nosso objeto histórico partindo da perspectiva das
sociabilidades do ambiente fabril, buscamos, principalmente, no poder disciplinador do
ambiente fabril. Fazendo isso discorremos sobre o poder da disciplina, o que não nos
nega dizer que esse espaço foi palco de inúmeras resistências, inúmeros conflitos,
inquietações dos nossos sujeitos- os nossos tecelões e tecelãs. Trabalhamos com a
hipótese de que o poder disciplinador foi enormemente difundido, mas que houve
inúmeros conflitos e resistências. Negar isso é negar a capacidade de nossos sujeitos.
Sendo que essa discussão não se encaixa, ou não aparece no nosso texto por
posicionamento e escolha.

Tendo as discussões enfatizado alguns aspectos desse mundo do trabalho fabril


em Moreno, vemos as imensas possiblidades de se construir uma análise pautada na
história social do trabalho, onde os espações de análises se alargam cada vez mais. As
moradias, o aliciamento, a proletarização-seja individual ou familiar-, e outros aspectos
no que se refere às vidas e sociabilidade dos trabalhadores-sujeitos históricos-mais do
que nunca ganham espaço na historiografia.

Nesse texto se discutiu alguns aspectos das transformações advindas com o


industrialismo na zona rural de Pernambuco. Este é argumento maior do artigo. Essa
discussão abre bastantes possibilidades de análises, interpretações, vias de acesso que
podem nos levar a mais longe. Mais a proposta, creio, que foi cumprida. A discussão da
moradia operária, o poder local da fábrica, o aliciamento são o início para partimos a
outros pontos.
Referências bibliográficas

ALVIM, R. . Constituição da família e trabalho industrial, Rio de Janeiro,1985 Tese


de doutorado apresentada ao programa de pós-graduação em antropologia social do
Museu nacional-UFRJ.
____. Família e proletarização industrial: A constituição de um “mercado de
trabalho” específico a uma grande fábrica têxtil. UFRJ, 1978.

Blay, E. A., Dormitórios e Vilas Operárias: O Trabalhador no Espaço Urbano


Brasileiro, In: Valladares, Habitação e Questão, Prado. L. (org), Rio de Janeiro: Zahar,
1980.

CORREIA, Telma de Barros. DE VILA OPERÁRIA A CIDADE-COMPANHIA: as


aglomerações criadas por empresas no vocábulo especializado e vernacular. R.B.
estudos urbanos e regionais nº 4, Maio 2001.

ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Tradução de


Conceição Jardim e Eduardo Lúcio Nogueira, Livraria Martins Fontes, 1975.

Foucault, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 36 Ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2009.

FREITAS, Talita Bertanha. Trabalhadores fabris, trabalhadores de bancas de


pesponto e trabalhadores domiciliares: corpos modelizados a partir de um poder
disciplinar. São Paulo: Centro universitário de Franca- UNI- FACEF, 2000.
Hobsbawm, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.

LOPES, José Sergio Leite. A tecelagem dos conflitos de classe na cidade das
chaminés. São Paulo/ Brasília, Marco zero/ editora da UnB, 1988

____. Formas Comparadas de Imobilização da Força de Trabalho: fábricas com


vila operária tradicionais e grandes projetos. Museu Nacional, Universidade federal
do Rio de Janeiro, 1996.

PAOLI, Maria Celia. A família operária: notas sobre sua formação histórica no
Brasil. Tempo social; Rev. Social, 1992.
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar A utopia da cidade disciplinar Brasil: 1890-
1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

SILVA, Vera Lopes Torres da. Educação na cidade dos eucaliptos. Recife: EDUPE,
2006.

TRAMONTANO, Marcelo C. Paris-São Paulo-Tokyo: novos modos de vida, novos


espaços de morar. 1998. Tese (doutorado) – FAU-USP, São Paulo, 1998.

VIANNA, Mônica Peixoto. Habitação e modos de vida em vilas operárias.


Monografia final, 2004.

Referências documentais

Diário de Pernambuco, 1910

Correios de Moreno, 1922

Enciclopédia dos municípios brasileiros, IBGE, 1958

Fichas de cadastro operário, departamento de pessoal do Cotonifício Moreno S.A.

S-ar putea să vă placă și