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RESUMO:
Este texto tem como objetivo discutir a criação, disponibilidade e objetivo das moradias
operárias, assim como analisar a criação do espaço de trabalho e de sociabilidade
específicos a uma fábrica com vila operária- na zona rural da cidade do Moreno- seu
poderio local, paternalismo industrial e oferta de emprego.
Introdução
Este artigo visa analisar como a fábrica de tecidos Societé Cotonnière Belge-
Brésilienne cria mecanismos, desde sua instalação, para formar um grande espaço
baseado na moral do trabalho, emprego e disciplina fabril para um corpo de operários
que vai ser atraído por tais considerações. A vila é uma extensão direta da fábrica, é do
seu controle, uma forma de imobilização da mão de obra.
Vemos que essa fábrica tem um enorme poder exercido no cotidiano dos
trabalhadores. A disciplina fabril está presente dentro e fora da fábrica se pela figura
patronal ou pela disciplina já imposta no aliciamento. Os seus trabalhadores são homens
e mulheres que veem a essa vila cidade em busca de emprego, e a sua conquista implica
na sua proletarização- individual ou familiar. Não que essa disciplina fosse um
condicionante, que não se pudesse escapar, pois acreditamos nas estratégias e nas
quebras dessa disciplina, de forma alguma acreditamos estar, esses trabalhadores, presos
a uma cadeia panóptica1. Acreditamos que a disciplina esteve presente nesse ambiente
fabril, no entanto, não condicionamos os nossos sujeitos a uma rede impossível de se
romper. É que esse artigo tem o objetivo de evidenciar a disciplina fabril, seus usos.
Assim como contribuir para o entendimento das estratégias de aliciamento baseada no
trabalho para todos.
1
Para usar um conceito do Michel Foucault, onde os indivíduos são envolvidos numa rede disciplinar e
modelados por ela.
2
falta de moradia, ou péssimas condições, já denunciadas por Friedrich Engels em “A situação da classe
trabalhadora na Inglaterra”. Nesse livro, Engels, traz um panorama e denuncia as precárias condições
dos trabalhadores em importantes cidades inglesas, desde a questão da vestimenta, alimentação e
moradia. Sua análise traz à tona a precariedade das condições trabalhistas vividas pelos operários em
meados do século XIX.
“A vila de Saltaire foi construída entre 1851 e 1872, distante três milhas do
centro da cidade de Brodford na Inglaterra , no vale do rio Aire (...) com
2,59 Km², possuía além de 820 casas, escolas, igreja, hospital, banhos
públicos, clube e um amplo parque público. (...) nesses planos enfatizava-se
o efeito moralizante do caráter, o desenho e a aparência das casas, ruas e
edifícios públicos. Ou seja, casas boas produziam boas pessoas (...) quando
completa, ela tornou-se uma unidade econômica e social que oferecia tudo
que um empregado poderia querer para sua vida: trabalho, saúde, educação,
instruções de moral, provisões para atividades de lazer e boas casas”.
(VIANA, 2004, p.13)
Essas são as mais importantes fábricas com vila operária, do setor têxtil, que se
estabeleceram em Pernambuco no período do surto industrial têxtil pernambucano. A
fixação dessas empresas dinamizou a economia local suprindo a demanda e alimentando
outras regiões de produtos têxteis, no período que vai de fins do século XIX à década de
70 do século XX- período de declínio da maioria das fábricas têxteis pernambucanas.
A Vila Nathan
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Correio de Morenos, 13 de novembro de 1922
4
: “assistência médico-sanitário prestam, por alguma forma, serviços médicos de natureza assistencial
ou preventiva os seguintes estabelecimentos: Pôsto Estadual de higiene, com um médico e dois
enfermeiros; a enfermaria da Societé Cotonnière Belge Bresilienne, com dois médicos, um enfermeiro
diplomado e três auxiliares de enfermagem.” (enciclopédia dos municípios brasileiros, IBGE, 1958)
Apesar de em 1958 Moreno já se constituir como município independente desde de 1928, o suporte
maior em relação a saúde pública é dado pela Societé.
5
Ainda no censo de 1958 vemos que a energia da cidade era a fábrica que fornecia.
apontamos, nas três primeiras décadas, a criação da aparelhagem necessária para o
controle de sua mão-de-obra6.
“Éramos do Rio Grande do norte e meu pai como agricultor possuía umas
terras e alguns animais(...) não sei o porque, mas um dia ele resolveu vir
para Pernambuco, pois minha mãe tinha uma irmã que morava em
Camaragibe. Contava minha mãe que quando chegamos, minha tia
aconselhou virmos para Moreno, porque aqui estava sendo construída uma
grande fabrica e com certeza teria emprego para todos. E assim aconteceu.
Quase toda a minha família trabalhou na Societé (...) quando fui funcionária
da fábrica ocupei o cargo de 1º escriturária, pois sabia datilografar e
cheguei até a fazer um curso de inglês. Meus pais criaram 11 filhos (...)
cheguei aqui com dez meses de vida”.9
Esse relato nos mostra uma família inteira migrando em busca de melhor lugar
para morar. Famílias que na maioria das vezes vivia no ambiente rural, tinham como
trabalho a vida no campo, passam, ao se transferirem para o trabalho na fábrica, por
intensa mudança de hábitos, cotidiano e disciplina.
Mas ao mesmo tempo, quando empregada toda a família, reproduzem uma
prática da moral do trabalho da família rural: o trabalho para todos da casa. Em busca de
trabalho assalariado, a família migrou do Rio Grande do Norte para Pernambuco, e aqui
6
Pois é esse momento de criação e estabelecimento do poder local que fez surgir a população da vila
Nathan, e posteriormente a cidade de Moreno que analisamos nesse capitulo. Como a criação de vários
instrumentos atraíram e fixaram o trabalhador naquela localidade.
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Aliciamento para José Sergio Leite Lopes, que trabalha com a companhia de tecidos Paulista, tem dois
vieses, o recrutamento direto pelos industriais, e ida espontânea de trabalhadores. No caso da Societé
Cotonnière Belge- Brésilienne, trabalhamos com o aliciamento espontâneo dos trabalhadores, uma vez
que não temos noticias do recrutamento direto pela fábrica e desconhecemos outros métodos de se
aliciar os trabalhadores dessa empresa.
8
Pessoas dos mais diversos municípios, citamos alguns- de acordo com fichas dos operários- em
Pernambuco: Caruaru, Limoeiro, Vitória de Santo Antão, Jaboatão, são Lourenço da mata, bezerros,
cabo, Ipojuca, Sirinhaem, Belo Jardim, Bom Jardim, Camaragibe, Recife, Escada, Goyanna, Barreiros,
Palmares, Bonito, Floresta, Gloria do Goitá, Paud’alho, Gravatá, Chã de Alegria, Timbaúba, Paulista,
Águas Pretas, Altinho, Tracunhaem, Igarassu, Lagoa do Carro, Catende, Quipapa.
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Entrevista concedida a historiadora Vera Lopes por uma ex- operária em junho de 2003. A ex-operária
tem sua data de nascimento em 20.06.1910.
chegando estabeleceu-se na próspera e crescente vila Nathan, núcleo industrial
aglutinador dos mais diversos trabalhos oferecidos pela societé.
Segundo análises nas fichas dos operários, o trabalho na societé era dividido por
diversas funções: tecelagem, fiação, o corpo de vigias, preparação, eletricidades,
enrolamento, branqueamento, nos eucaliptus, na construção civil, entre outros.
Os trabalhadores dos eucaliptos eram empregados direto da fábrica, o uso
do eucalipto, apesar de um trabalho agrícola, foi frequente pela societé.
Eucaliptos
A S.C.B.B. tem plantado em sua propriedade cerca de duzentos mil pés de
Eucalyptos que além de formarem bellissimas florestas, se prestam para
alguns misteres, como madeira de construção, servindo também de um bom
combustível, afora as propriedades medicinaes10.
Para Alvim o recrutamento familiar faz parte da estratégia da fábrica com vila
operaria, que busca compor seu quadro de mão-de-obra estável, estabelecendo a família
inteira em suas dependências, assim, o controle de toda família é manipulável pela
fábrica. Se em Paulista, como aponta Alvim, se tinha a garantia do trabalho para toda a
família, na Societé, que segue o mesmo padrão de fabrica com vila operária, o trabalho
10
Correio de Morenos 29-08-1922
11
Podemos destacar, através das leituras das fichas dos operários, trabalhadores advindo de Alagoas:
União, Santa Luzia do Monte, Rio Largo, Riacho Doce; Paraiba: Villa São João, Serra da Penha, Guarabira,
João Pessoa, Barra de Natuba, Campina Grande, Cabedelo, Patos,Brejo de Areia. Entre outros estados
Rio Grande de Norte, Ceará, Sergipe, Paraná.
atrativamente oferecido da mesma forma, fez como que famílias inteiras se
estabelecessem em Moreno pelo mesmo motivo: trabalho abundante.
Para Leite Lopes o dispositivo da vila operária tem uma maior estabilidade do
grupo operário devido “a importância do trabalho feminino, a permanência dos
membros femininos da família contrabalançando as saídas cíclicas do trabalho dos
membros masculinos jovens” (LOPES, 1996: 288). Para esse autor a família que vive
dentro da vila com uma oferta de trabalho, desde o chefe da casa à sua mulher, se torna
uma mão-de-obra mais estável. Para esse autor:
A vila, a cidade, que a fábrica fez surgir ao seu redor atraiu essas famílias e
operários de várias localidades. Se individual ou familiar, notamos, nas fichas dos
operários, trabalhos de crianças e mulheres quantitativamente consideráveis na
composição da força trabalhadora. Assim o trabalho têxtil na Societé alcança desde a
criança, passando pela mulher até o homem adulto, trabalho que envolve todas as idades
ou todos os membros da família. Fazendo que vidas de inúmeras famílias se passem no
cotidiano do trabalho disciplinar fabril. Fazendo com que essa disciplina docilize esses
corpos ou não.
Foucault, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 36 Ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2009.
LOPES, José Sergio Leite. A tecelagem dos conflitos de classe na cidade das
chaminés. São Paulo/ Brasília, Marco zero/ editora da UnB, 1988
PAOLI, Maria Celia. A família operária: notas sobre sua formação histórica no
Brasil. Tempo social; Rev. Social, 1992.
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar A utopia da cidade disciplinar Brasil: 1890-
1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
SILVA, Vera Lopes Torres da. Educação na cidade dos eucaliptos. Recife: EDUPE,
2006.
Referências documentais