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REVISTA
y

ECLESIASTICA
BRA.SILEIRA
VOL. 3 DEZEMBRO 1943 . FASC. 4

SUMARIO

K e 11 e r, D. Thomaz, O. S. B., "Mystici Corporis Christi" 835


P e n i d·o, Pe. Dr. M. T.-L., A meditação anselmiana sôbre
o Verbo eterno . . . . .. . .... . ..... . ........... 856
M a c h a d o, Pe. Orlando, Paróquia e Diocese em face da
Ação Católica . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .
. 888
Z i o n i, Pe. Vicente M., Noções de Direito Litúrgico . . . 898
B r a n d ã o, Pe. Ascânio, Cartas a um Neo-Sacerdote . . . 922
F e r n a n d e s, Pe. Dr. Geraldo, C. M. F., O Capelão-das
religiosas . . ................................
. 928

.
O u g1i e 1 m e 11 i; Pe. Domingos, C. M., A Ação Católica
· e a Eucaristia . . . . . . . ..
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
· 935
O i 11 e s, Fr. Felisberto, O. F. M., Os religiosos e as paró-
quias (Conclusão) . . .......................... 944
R õ w e r, Fr. Basílio, O. F. M., A contribuição franciscana
na formação religiosa da Capitania das Minas Gerais 972

EDJTÔRA VOZES LTDA., PETRÓPOLIS, ESTADO DO RIO


REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILEIRA
Redator: Frei Thomaz Borgmeier O. F. M.

"Revista Eclesiástica B rasilei ra " , publicação tr�mestral para o Clero ca­


tólico aparece cm março, junho, sete m b ro e dezembro. O p re ito da
assin� tura anual é de Cr $ 50,00 para o B ra si l , e de 3 dólares a m e r i­
canos para o estran gei r o. A revista será expedida so b. regist ro postal
só mediante encomenda expressa. Tôda a correspondência re la ti va à
Administração (co mo sejam pedidos de assinatura, p agam"e ntos, recla­
mações) se di r ij a à "Editôra Vo zes Ltda.", Petrópolis, Estado do Rio.
Assuntos concernentes à Redação (como co labo rações, comunicações, etc.)
enviem-se ao redator: Convento dos Franciscanos, Petrópolis, R. j.
Os originais dos artigos, publicados .ou não, não serão devolvidos.

SUMARIO (Continuação)

Comunicações . . . . . ......... . .. . ..... . .... . .. . .. 983


S i 1 v a L e i te, D. Jaime de Barros Câmara, ho men agea do ..

pelo Clero do Rio de J a ne iro (983). - R eu s, Gênese his-


tórica da festa e do ofício da Epifani a (985). - Ca s t r o
N é r y, Más cara de gêsso para o ro sto de um Arcebispo
(989). Tau z i n, I r man d ades da Açã o Católica? (996).
-

- K o h n e n, Trist ão de Ata í de (997). - Parecer e s s ô b re


a Revista Eclesiástica Brasileira (999).
Assuntos Pastora i s . . . . . . . . .. . . ... . .. . . ... . . . ..... 1000
Fr. A 1 eixo , Matrimn ô io e êrro comum (1000). B o r- -

g e s, A comunhão frequn e te e a "In strução Reservada"


da S. Congregação dos S ac r ame nt os (1010). - Fr.
A 1 e i x o,
· P r ó Semi nári o (1013).
- Pequenos casos
pastorais (1017).
Ministerium verbi . . . . . ........ . .. . . . . . . . . . . . .. . . . . 1023
S i qu e i r a Lições do Evangelho (Í023).
,

Documentação . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . 1027
Littenc E nc y c l i c re Pii Papre XII de M ys t ico Iesu Ch ri st i
Cor po re dequc nostra cum C h r is to coniunc t io ne ( 1 02 7 ) .
- Carta Pastoral do Arcebispo Metropolitano do Rio de
janeiro sôbre a I g reja (1057).
Pelas Revistas . . ... . . . .......... . . . . ........... . . 1073
B a i s n é e, Maritain e sua o b ra O Crepí1sculo da Civi li -
"

z açã o " (107 3 ) - D. O a s t ã o L. Pinto , A A ç ão Ca-


t ó l i c a , pro l on ga m e nto do apostolado da I greja ( 1075).
- S. R o her to Belarmino e a Mt'1sica Sacra ( 1088). -

As incorreções da B iblia (1091 ). - A litu r gia na espiritua-


lidade co ntempor â nea (IOYI). Os estudos de ascética
-

e mística e as c o r rentes filosóficas modernas ( 1092).

Crônica eclesiástica . . . .. . . . . ...... . . . .. . . .. . .... . . 1092


Necrologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1101
Apreciações . . . . .. . . . . .. . . . . . .. . . . . . ... . .... . . ... 1107
Bibliografia . . . . .... . . . . . . . . . ............ . . . . . . 1117

A Revista Ecles!á�tica Brasileira cstú registrada no D. · I. P. E' �u Diretor


res1;011sável perante esta rcparllçüo I•'rci Jo�.o de Castro Abreu Magalhães O. F. M.
"M ystici Corporis Christi"
por D. T h omaz K e 11 e r, O. S. B., Abade do Mosteiro de São Bento,
Rio de janeiro

Apesar das dificuldades de comunicação dos tempos de guer­


ra, chegou ao Rio o texto da Encíclica do S. Padre sôbre o Corpo
Místico de Jesus Cristo, que os telegramas haviam anunciado.
O texto português da Polyglotta Vaticana, isto é, a tradução
oficial, foi publicado pelo Jornal do Comércio do dia 5 de outubro
do corrente ano, e reimpresso por outros diários. O texto latino
do Osservatore Romano foi publicado ao lado do texto portu­
guês pelas Edições "Lumen Clzristi".
Já que o telegrama que anunciava a Encíclica e resumia a
sua doutrina se ocupava principalmente com os erros por ela
rejeitados e falava neste conexo de "Iiturgismo deprimente", foi
ela ansiosamente esperada.
A Encíclica é realmente um dos documentos pontifícios mais
grandiosos, cere perennius. E' manifestação tão grande em amor
solícito e paterno pela Igrej a e pelo mundo dos fiéis fervorosos,
quão sublime em doutrina.
Examinemos, pois, rapidamente os seus motivos, a doutrina,
os erros indigitados, a exortação consequente.
Os m<>tivos
"Move-Nos . . . não só a excepcional importância da dou­
trina, mas também as circunstâncias atuais em que nos encon­
tramos.''
Sua Santidade tira primeiro três motivos das circunstâncias
atuais, para depois falar de um quarto motivo que chama principal.
O p r i m e i r o m o t i v o é a situação de desprêzo e perse­
guição em que a I grej a se encontra. O texto alude, sem o no­
mear, ao racismo nazista e às suas consequências funestas entre
9s cristãos: " . . . a I grej a de Deus não só é soberbamente despre­
zada e perseguida por aquêles que, desprezada a luz da sabedo­
ria cristã, voltam unicamente às doutrinas, usos e costumes do
antigo paganismo, mas frequentemente é desconhecida, descurada,
aborrecida por muitos cristãos que se deixam seduzir pelas apa­
rências de falsas doutrinas ou arrastar pelos atrativos e corrupção
do mundo." Em vista desta situação que a I grej a com par t il h a com
seu divino Fundador, quer o Santo Padr�, "obedecendo à voz
55
836 Ke11e r, "Mystici Corporis Christi"

da própria consciência", expor à vista de todos e celebrar a be­


leza, louvores e glórias d a S . Madre I g reja.
O mais forte antídoto que S u a S antidade conhece contra as
doutrinas deletérias e os costumes pagãos modernos é a bele z a
e a g l ó r i a d a I grej a . N a hora em que as fôrças do inferno ten­
tam com tôda a f ú r i a abala r o rochedo de Cristo, temos d e tom ar
consciência dos tesouros mais p reciosos e das belezas mais ín­
timas d a I grej a para orientar o s fiéis e dar-lhes fôrça para re­
sistir aos atrativos e à corrupção de um mundo novamente pa­
gão. Não é qualquer medida particular que se p ropõe, não s e
trata de p roblemas ainda que importantes a resolver ; n a hora
presente, o s cristãos, para estarem à altura, têm de ter claras
'di�nte dos olhos a bele z a e a gló r i a d a I greja. De fato o s erros
que trouxeram tanta desgraça sôbre o mundo e desencadearam
esta guerra tremenda são erros a respeito da sociedade. Consi­
deram a sociedade humana como última e definitiva, querem
nela construi r a felicidade, e podem por conseguinte dispensar
a Igreja. Mas têm d e persegui-la por ser o maior impedimento na
execução dos seus p l anos. P o r isso deve-se mostrar aos povos
e a cada cristão em particu l a r a situação absolutamente extr a ­
ordinária, a superioridade i m e n s a e o caráter m isterioso e espe­
cial d a I greja.
O s e g u n d o m o t i v o é que o S . P a d re espera pro­
d u z i rem o s seus ensinamentos e exortações em consequência d as
atuais ci rcunstâncias - "os infinitos trabalhos e sofrimentos des­
t a nossa tempestuosa idade que tão terrivelmente torturam gente
sem número" - mais copiosos frutos nos fiéis, já que "talvez
nunca a vaidade e inanidade das coisas d a terra se man ifestou
mais eloquentemente que hoje . " jul ga que também os de fora d a
I greja, nas discórdias e an tagon ismos d a hora, contem plando " a
u n i d a d e de origem divina, por cuja virtude os homens de tôdas
a s nacionalidades se unem a Cristo com vínculos f raternos", "ver­
se-ão forçados a admira r uma tal sociedade de amor e senti r-se-ão
atraídos com o auxí lio d a graça a participar d a mesma unidade
e caridade."
O t e r c e i r o m o t i v o é "um a razão especial e suavíssi­
ma pela qual Nos ocorreu ao espírito e grandemente Nos deleita
esta doutrina." E ' a participação universal dos cristãos de tôdas
a s p artes do mundo no j ubileu episcopal de S u a S antidade. "1:.ste
espetáculo não só demonstra a admirável unidade da famíl i a cris­
tã, mas atesta também que assim como Nós, com amor p aterno,
abraçamos o s povos de tôdas as nações, assim também o s cató­
licos d e todo o mundo, embora pertencentes a povos que se guer-
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 837

reiam m utua mente, olham para o Vigário de Cristo como para


0 Pai am antís simo de todos que, mantendo perfeito equilíbrio en­
tre ambas as partes contendentes e guiando-se por perfeita reti­
dão de ju ízo superior a tôdas as tempestades das perturbações
hum anas , recom enda e defende com tôdas as fôrças a verdade, a
justiç a, a carid ade."
Cons idera, enfim, o Santo Padre o q u a r t o m o t i v o, "a
causa princ ipal que o leva a tratar assaz difusamente desta ex­
celsa doutrina", e que é a sua solicitude pastoral.
Tem-se escrito muito sôbre êste argumento, "não poucos se
dão com grande empenho a êstes estudos". �ste movimento é
produzido por quatro causas : o renovado estudo da sagrada Li­
turgia, a maior frequência da mesa eucarística, o culto mais in­
tensificado do Sacratíssimo Coração de Jesus, e os documentos
sôbre a Ação Católica publicados nestes últimos tempos.
Se i Sto de um lado é muito consolador, deve confessar-se que,
l .º Há autores separados da Igreja espalhando graves erros nes­
ta matéria; 2.0 "também entre os fiéis vão serpejando opiniões
ou inexatas ou de todo falsas, que podem desviar os espíritos da
reta senda da verdade. "
O S . Padre indica o racionalismo que tem por absurdo tudo
que supera a capacidade da razão humana, o naturalismo vulgar
que não quer reconhecer na Igreja senão uma sociedade pura­
mente jurídica e um falso misticismo que pervertendo as Sagradás
Escrituras remove os limites i ntangíveis entre as criaturas e o
Criador.
A enumeração dêstes erros, tão diferentes entre si, mostra
quão largos campos abrange o olhar do Sumo Pontífice. O racio­
nalismo é dos autores separados da Igreja, o falso misticismo,
rebati do em dois trechos ( H abitação do Espírito Santo, Falso
Misticismo) é dos erros que serpeiam entre os fiéis, o n aturalismo
vulgar talvez se encontre em ambos os campos. Enquanto o falso
misticismo pode surgir de uma tentativa errônea de explicação
dos textos da Sagrada Escritura, como o Santo Padre expressa­
mente menciona, os outros são teses aplicadas de fora à expli­
cação do caráter social da Igreja.
�stes erros entre si opostos i ncutem temor em alguns, de
modo que consideram esta sublime doutrin a como perigosa e fo­
gem dela "como o pomo do Paraíso, belo mas proibido". Mas os
mistérios revelados por Deus não podem ser prejudiciais ao ho­
mem nem podem perman�cer i nfrutíferos como tesouro enterra­
do no campo ; foram dados para proveito espiritual dos que pia­
mente os contemplam.
�5·
838 K e 1 1 e r, "Mystici Corpo ris Christi"

Há, pois, p r i m e i ro , o p i n iões i n exatas a retificar e efro s a


co rri gi r ; há de o u tro l ado u m a atitude errada de i n f undado temor.
Abstração feita do s três m o t ivos anteriores, considerando só
o quarto pri ncipal, p arece-m e mesmo assim que n ão correspon­
deri a à verd ade, se alguém dissesse que S u a S antidade qu i s des­
envolver a do u t r i n a u n icamente p ara corrigir as opin iões inexa­
tas o u os erros que se i n f i l t r a m . Quer também reagir co n t ra o te­
mo r . Quer i g u a l m e n t e exp o r a doutri n a em si. "Move-No s . . .
não só a excepcion al importânci a da doutrina ..." Quer de u m
lado esti m u l a r a con t empl ação dêste subl i m e m i s tério, m a s quer
também doutro lado excluir o s erros funesto s . Parece, pois, o tre­
cho final da parte introdutóri a exprimir fielmente a i n tenção do
Sumo Pontífice :
"Portanto, tendo Nós maduramente pon derado tudo isto diante de
Deus, para q u e a i ncomparável formosu ra da Igreja resplandeça com nova
glória, para que mais esplên didamente se man ifeste a e xcelsa e sobre­
natu ral nobreza dos fiéis que no Corpo de Cristo se u nem à sua Ca­
beça; enfim, para fechar de uma vez a po rta a muitos erros que pode
haver nesta matéria, ju l gamos nosso dever Pastoral expor a todo o povo
cristão nesta Encíclica a doutrina do Corpo Místico de jesus Cristo e
da união dos fiéis com o divino Redentor no mesmo Corpo, e junta­
mente deduzir desta suavíssima doutrina alguns ensinamentos, com os
q u ais o maior conhecimento do mistério produza frutos cada vez mais
abundantes de perfei ção e santidade. "

As q u atro c a u s a s i ndicadas pelo S a n to P a d r e têm, aliás,


movido "muitos a um a m a i s profunda co ntempl ação das impers­
crutávei s riquezas de C r i s to q u e na I greja s e conservam", isto é,
despertado entre o s fiéis o i n terêsse pel a dou t r i n a , . fazendo - a e n ­
trar na s u a v i d a rel i g i o s a . A Teo l o g i a desde m a i s de m e i o s é ­
culo tem cuidado del a com especial atenção. O reflorescimento
do e studo da Teo l o g i a escolástica em geral, m as p r i nci palmente
de S. T o m á s , devido à orien tação cl arividente do S u m o Pon­
tífice Leão X I I I , reavivou o s tratados magistrais sôbre C risto
C abeça e sôbre a grafia capitis a que a E ncícl ica se refere : " B em
sabeis, Veneráveis I rm ão s , com q u e eloquência e esp l e n d o r tra­
t a ram êste assunto o s D o u tores escolástico s e princip almente o
D outor Angél ico." D o u tro lado o grande surto da exegese católica
d e a lguns decê n i o s a e s t a parte fêz surgir m u i to s trabalhos sôbre
a doutrina do C orpo M í stico nas epístolas paulinas, realçando
o seu caráter predomin a nte na doutrina sôbre a Igreja d o A pós­
tolo das Gentes. E' conhecida, também entre nós, La Théologie
de Saint Paul do P. Pr a t, S. J. Quanto bem pode pro duzir a
vulgarização e a aplicação prática desta doutrina à vida espiri­
tual, most r am os livrinhos tão propagados do Pe. R a u 1 P 1 u s,
S. J. e um outro traduzido para o português: Vida de ichntifi-
Revist a E clesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 839

cação ao Cristo Jesus, do Pe. P a u 1 d e J a e g h e r, S. J . As


obras de D . C o 1 u m b a M a r m i o n, O. S. B . , são impregna­
das desta doutrina. Do célebre mártir mexicano, Padre P r ó, S. J.,
diz a biografia que umas conferências do Pe. P 1 u s sôbre êste
assunto o impressionaram profundamente e deram um cunho a
tôda a sua vida interior.
Também o estudo dos Santos Padres, muito incentivado en­
tre os católicos pelo reflorescimento da Escolástica e da exegese,
não podia deixar de tratar dêste assunto. E' conhecida a obra
Le corps mystique du Christ, do R. Pe. É m i 1 e M e r s c h, S. J.
O concílio do Vaticano tinha-se proposto definir as teses
principais da doutrina sôbre a I grej a e restringiu-se à definição
da infalibilidade, sendo adiado por causa da guerra de 1 870. O
esquema De Ecclesia Clzristi que, é claro, não tem nenhum valor
de definição, mas que indica o que os teólogos consultores, es­
colhidos pela comissão do Concílio e aprovados pelo S. Padre,
consideravam como sendo possível ser definido, punha em pri­
meiro lugar a doutrina do Corpo Místico de Cristo, sendo fácil
tirar dela tôdas as outras propriedades da Igrej a. O que não
foi possível ser definido n aquela ocasião, parece o Espírito Santo
o quis proporcionar ao povo cristão através dos quatro caminhos
indicados pelo S. Padre, e agora pela própria Encíclica, que
certamente é uma definição "ex cathedra" . São aliás evidentes
os nexos entre êste esquema e a Encíclica de L e ã o XI I I sôbre
a I grej a Satis cognitum e talvez através dela, senão diretamente,
com a nossa Encíclica, acrescidos aliás vários pontos que alguns
Padres conciliares desej avam fôssem elucidados. (Cf. E. M e r s c h,
Le Corps Mystique du Christ, I I , 355.)
A doutrina
O Santo Padre trata da doutrina deveras, como o promete,
difusa e longamente. Em duas partes explana 1 .0 a Igrej a (mili­
tante ) , Corpo Místico de Cristo e 2.0 a união dos fiéis com Cris.to.
Primeira Parte

Tendo dito que, assim como o Verbo Eterno para nos remir
se serviu da nossa natureza, também se serve de modo seme­
lhante da Igreja para continuar perenemente a obra começada,
afirma : "Ora, para definir e descrever esta verdadeira I grej a
de Cri. s to, - que é a santa, católica, apostól ica I grej a Romana,
- nada h á mais nobre, nem mais excelente, nem mais divino do
que o conceito expresso na denominação Corpo Místico de Jesus
<::;risto; conceito que imediatamente resulta de quanto nas sagra-
840 K e 1 1 e r, "Mystici Corporis Christi"

das letras e nos escritos dos Santos Padres f requentemente s e


ensina."
Nada há, pois, mais nobre, mais excelente, mais divino, para
caracterizar a I grej a. E spera-se para uma descrição e definição
o que h á de mais "essencial" . Embora a E ncíclica evite talvez
de p ropósito esta pal avra, para não parecer dirimir ex catlzedra
a questão teológica se· de fato o conceito "Corpo M ístico de Cris­
to" exprime a essência e constitui uma definição científica d a
I grej a, diz, contudo, que para definir e descrever a Igrej a, nada
há mais excelente, mais divino, isto é, certamente, nada há mais
importante.
P rocede n a exposição por partes.
1 . A Igreja é um "Corpo"
" Ensi nam-nos m u itos passos da S agrada E scritura." Tiram­
se imediatamente as consequências desta afirmação escriturística.
Sendo Corpo, a I grej a deve ser u m todo, sem divisão e visível.
Por isso rej eita a E ncíclica o êrro protestante da I grej a invisível
e o êrro moderno do movimento unitivo de muitas comunidades
cristãs que fala da Una saneia, uma no P n�uma, no Espírito, em­
bora separada n a carne, n a aparência visível. Corpo diz um todo
indiviso, visível, e exige a interdependência dos m ú ltiplos membros.
E' composto orgânica e hierarquicamente. Os membros hie­
r á r q u i c o s são p r im ár i o s e p r i ncipais, contudo a orgânica e st r u t u ra
do corpo d a I g rej a não se l i m i ta aos graus de hierarquia, m a s
abrange também os p a i s e mães de f a m í l i a .
E ' dotado de m e i o s v i t a i s d e santificação, i . é , os S acramen­
tos. "E como o corpo humano nos aparece dotado de energias
especiais com que p rovê à vida, saúde e cresci mento seu e de
todos os seus membros, assim o S a lvado r do gênero humano
p rovidenciou adm i ravelmente ao seu Corpo Místico, enriquecen­
do-o de sacramentos, que com uma série i nin terrupta de graças
amparam o homem desde o berço até ao último súspi ro, e ao
mesmo tem po provêem abundantissim amen te às necessidades so­
ciais d a I g r e ja . "
E' . formado de membros determ i n ados, a saber, todos qu e
receberam o batismo, possuem a verdadeira fé, não se separaram
voluntariamente (pela apostasi a ou pelo cism a ) nem foram dêle
cortados pela legítima autoridade em razão de culpas ( pela ex­
comunhão ) , s e m excl u i r os p e c adore s , pois êles conservam a fé
e a esperança cristã. Exigindo como condição a profissão da
verdadeira fé, exclu i do Corpo Místico os heréticos, como excl u i
depois os cismáticos. N ão toca, porém, n a questão d o s que se
encontram na heresia ou no cisma bona fide, nascidos em terras
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 84 1

protestantes, ou cismáticas, dos quais hoj e geralmente se afirma


que não pertencem ao corpo mas à alma da I grej a.
2. A Igreja é Corpo "de Cristo"
E' esta a parte mais extensa da Encíclica. Ela coloca a dou­
trina sôbre as bases mais largas e mais seguras possíveis. Ex­
plana quatro razões pelas quais a I grej a deve ser chamada Corpo
de Jesus Cristo. Cristo é o Fundador, a Cabeça, o Sustentador
e o Salvador dêste Corpo.
.
a) Cristo é o Fundador do seu Corpo social, escolhendo os
apóstolos, enviando-os, como �le tinha sido enviado pelo Pai,
designando-lhes o chefe, seu Vigário na terra, fazendo-os conhe­
cer tudo que tinha ouvido do Pai, e instituindo por ú ltimo a Eu­
caristia, admirável sacrifício e admirável sacramento.
Mas esta fundação é sui generis, é um dar à luz. A I grej a
nasceu do lado do segundo Adão, adormecido na cruz, qual nova
Eva, mãe de todos os viventes. N a cruz, morreu a Lei Antiga e,
pela vitória ·na cruz, Cristo conquistou o poder e o domínio sôbre
tôdas as gentes e adqu iriu a I grej a, enriquecendo-a com a abun­
dantíssima comunicação do Espírito. São páginas cheias de un­
ção extraordinária, de doutrina profunda, mas ao mesmo tempo
clara e comovente. Conclu i o Sumo Pontífice : " D e fato a mis­
são j u rí dica da I grej a e o poder de ensinar, governar: e admi­
nistrar os Sacramentos não tem fôrça e vigor sobrenatural para
edificar o Corpo ele Cristo senão porque Cristo, pendente da
Cruz, abriu à sua I grej a a fonte das divinas graças com as quais
pu desse ensinar aos homens doutrina infal ível, governá-los salu­
tarmente por meio de Pastôres divinamente iluminados, e inun­
dá-los com a chuva elas graças celestes."
E acrescenta que, consi derando êstes mistérios da Cruz, "j á
nos não parecerão obscur a s as palavras do Apóstolo, onde en­
sina aos efésios que Cristo Com seu Sangue fêz um povo único de
j udeus e gentios "destruindo na sua carne a parede interposta'',
que separava os dois povos ; e que abrogou a Antiga Lei, "para
elos dois formar em si mesmo um só homem novo", isto é, a
I grej a ; e a ambos, reunidos n u m só Corpo, reconciliar com D eus
pela Cruz.
A fundação foi completada pela promulgação da I grej a, no
dia de Pentecostes. P romulgação de novo sui generis realizada
pela descida visível do Esp írito Santo.
b) Cristo é a Cabeça do Corpo, eis a segunda razão pela
qual a I grej a é o Corpo de Cristo. O Santo Padre segue nesta
exposição a doutrina dos grandes doutores escolásticos. Mostra
ser Cristo a Cabeça da I grej a : 1 ) por sua excelência, é "o pri-
842 K e I 1 e r, "Mystic i Corporis Christi"

mogêni to de tôda a criação" ( Col 1 , 1 5) "o primogênito dos


mortos" ( Col 1 , 1 5 ; Apoc 1 , 5) " o ú nico medianeiro entre D eus
e os homens" ( 1 Tim 2, 5 ) , não h avendo quem fôsse colocado
em maior altura ; 2) pelo govêrno ; 3) pela mútua n ecessidade;
4) pela semelhança ; 5 ) pela plenitude ; 6 ) pelo i nfluxo.
O govêrno é de um lado interno, arcano, mas tão forte que
"compele a seu benep lácito as vontades ainda mais rebel des" ;
exercido di retamente por Nosso Senhor, dirigindo tanto a cada
um em p articular como a tôda a I grej a, iluminando e fortalecendo
os sagrados Pastôres, fazendo surgir homens e mulheres de san­
tidade assinalada, velando do céu por sua Espôsa que labuta no
terrestre exílio, salvando-a, ou por si mesmo ou pelos seus an­
jos ou por Aquela que i nvocamos como Auxílio dos Cristãos, das
ondas p rocelosas, consolando-a enfim com a paz "que supera
tôda a i nteligência" . ( Filip 4, 7.) Mas êste governo torna-se de
outro l ado visível, no Vigário de Cristo na terra. Cristo, "sem
deixar de governar a I grej a m isteriosamente por si mesmo, rege-a
também de modo visível por meio daquele que faz as suas vêzes
na terra. " Por isso não são duas cabeças, m as uma só, Cristo.
O que vale do Sumo Pontífice a respeito da I grej a universal, vale
dos Prelados a respeito das comunid. a des cristãs particulares do
Ocidente e do Oriente ; não são, porém, plenamente independentes
mas estão suj eitos à autoridade do Romano Pontífice, de quem
receberam imediatamente o poder ordinário de j urisdição que
possuem. No breve trecho em que o Santo Padre trata dos Pre­
lados resume admiravelmente tôda a teologia dos Bispos, aos
quais "muito melhor do que às autoridades dêste m undo, ainda
às altíssimas, se pode aplicar aquela sentença : Não toqueis nos
meus Cristos."
Falando do govêrno visível pelo Romano Pontífice, repele a
Encíclica o êrro daqueles que querem uni r-se a Cristo sem aderir
fielmente ao seu Vigário na terra. Tratando dos Bispos fala d a
perseguição de Prelados que, a exemplo do supremo Pastor, de­
fen dem o próprio rebanho contra a rapacidade dos l ôbos : alusão
sem dúvida ao que aconteceu na Polôni a e na própria Alemanha.
" Estas i nj ustiças consideramo-las como feitas a N ós mesmo" ,
exclama o Santo Padre.
A terceira razão de Cristo ser a Cabeça é realmente admirá­
vel . Prova-se que �le é Cabeça porque p recisa dos seus mem­
bros : " é igualmente verdade por mais admirável que pareça, qu e
Cristo também precisa dos seus membros" ; é verdade, "não por
indigência ou fraqueza d a sua parte, mas ao contrário porque
�le assim o dispôs para maior honra da sua Espôsa i n temerata. "
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 843

Realmente, " tremendo m istério e nunca assaz meditado! Que


a salvação de muitos dependa das orações e dos sacrifícios vo­
luntários feitos com esta intenção pelos membros do Corpo Mís­
tico de jesus Cristo e d a colaboração que Pastôres e fiéis, sobre­
tudo os pais e mães de família, devem prestar ao divino S alvador!"
Os três seguintes motivos são intimamente conexos entre si.
Corpo e membros são d a mesma natureza. A nossa natureza,
inferior à angélica, vence-a por bondade de Deus. " O ra se o Ver­
bo se aniquilou a si mesmo tomando a forma de servo ( Filip 2,
7 ) , fê-lo também para fazer os seus irmãos segundo a carne con­
sortes da n atureza divina." " D e fato se o Filho Unigênito do
Eterno Padre quis ser filho do homem foi para que nós nos con­
formássemos à imagem do Filho de D eu s ( Rom 8, 24) e nos
renovássemos segundo a i magem dAquele que nos criou . ( Col
3, 1 0 . ) "
�ste aspecto de Cristo nosso I rmão e nós irmãos de Cristo,
deve servir de estímulo para não só olharmos para o divino S al­
vador como para u m altíssimo e perfeitíssimo exemplar de tôdas
as virtudes, mas também para, evitando o pecado e praticando
a virtude, procurarmos reproduzir em nossos costumes a sua
doutrina e vida, para sermos no dia em que o Senhor aparecer,
semelhantes a �le na glória . Que aplicação grandiosa desta dou­
trina !
Esta semelhança Cristo desej a-a dos membi:os em particular
como d e todo o corpo d a I grej a .
Seguem as d u a s razões de plenitude e influxo.
Cristo é C abeça d a I grej a, porque, avantaj ando-se n a pleni­
tude e perfeição dos dons sobrenatui:ais, desta plenitude houve o
seu Corpo Místico.
A página que segue sôbre o influxo de Cristo na Igrej a, ou­
tro motivo do título de Cabeça, pertence às mais elevadas e su­
blimes d a Encíclica : "E é que assim como d a cabeça partem os
nervos que, difundindo-se por todos os membros do corpo, lhes
comunicam sensibilidade e movimento, assim também o divino
S alvador infunde na sua I grej a fôrça e vigor, com que os fiéis
conhecem m ais claramente e mais avidamente apetecem as coisas
de Deus."
Fala primeiro d a iluminação e depois d a santificação .
E' impossível resumir a fôrça e beleza dêste trecho. Trans­
crevemo-lo na í ntegra .
" Cristo é autor e operador d e santidade. já que nenhum ato salutar
pode h aver q u e df:le não derive como de fonte sobera n a : Sem mim, diz
�!e, nada podeis fazer. - Se nos sentimos. movidos à dor e contrição
dos pecados cometidos, se com temor e esperança filial nos convertemos
844 K e 1 1 e r, "Mystici Corporis C hristi"

a Deus, é sempre a sua graça que nos m ove. A graça e a glória brotam
da sua inexau rível plenitude. Sobretudo aos membros mais e m i ne ntes
de seu C o rpo Místico enriquece o Salvador contin u a mente com os dons
de conselho, fortaleza, temor, piedade, para que todo o Corpo cresça
cada dia mais e m santidade e perfeição. E q u a n d o com rito externo se
m i nistram os Sacramentos d a I grej a, é 1:.le que opera o efeito dêles n a s
almas. E' t:: l e também q u e , n u t r i n d o os f i é i s com a própria Carne e S a n ­
gue, s e r e n a os movimentos desordenados das paixões ; é 1:. l e que a umenta
as graças e prepara a futura glória das almas e dos corpos. Todos êstes
tesou ros d a divin a bondade reparte i::l e aos membros d o seu Corpo Mís­
tico não só e n q u anto os o btém do Eterno Padre como Vítima eucarística
na terra e como Vítima glorificada n o céu mostrando as suas chagas e
a p resentando as suas súplicas, m a s t a m b é m porque "segundo a med i d a
d o dom de Cristo", escolhe, determina, distribui a cada u m as s u a s
g raças. Donde se segue que do d i v i n o Redentor, como de f o nte m a n a n ­
c i a l , " t o d o o C o rpo b e m o r g a n i z a d o e u n i do recebe por tôdas a s a rticula­
ções, segundo a medida de cada membro, o i nfluxo e energia q u e o faz
c rescer e aperfeiçoa r n a caridade."
Termina dêste modo a doutrina de Cristo C abeça, que mos­
tra tanto a superioridade e excelência quanto o íntimo conexo
e influxo vital . Passa a Encíclica a t ratar do terceiro grande mo­
tivo pelo qual a I grej a é Corpo de Cristo. Vimos 1 .º, que é o
Fundador ; 2.0 que é a Cabeça. Segue agora o terceiro.
c ) Cristo é o Sustentador do Corpo. A doutrina exposta
-

sôbre o influxo serve de nexo, pois ela demonstra como o corpo


social da Igrej a é Corpo de Cristo "por ser Nosso Salvador quem
divin amente sustenta a sociedade que fundou . " Pois, conforme
S . R o b e r t o B e l a r m i n o, Corpo de Cristo "não quer dizer
somen te que Cristo é a Cabeça do seu Corpo Místico, senão tam­
bém que �le sustenta a I grej a, vive na Igrej a de tal maneira que
a I grej a é como uma segu nda personificação de Cristo. "
O Santo Pa d re rej eita, porém, a limine qualquer tentativa de,
baseado nesta doutrina, alguém querer estender a u n i ão hipos­
tática, que se limita à natureza ú nica, que o Verbo E terno a si
uniu n o seio da Virgem Mãe, a tôda a I grej a. A santíssima hu­
manidade de N. Senhor é Cabeça por causa da u nião h ipostá tica
e por causa d a obra redentora tôda baseada nesta u n i ão, que
é privilégio ú nico, e absolutamente incomunicável .
Mas quão grande e rico é o tesouro dado !
D i z a Encíclica que a denominação de Cristo, dada à I grej a
( 1 Cor 1 2, 1 2 ) , "quer dizer que o Salvador comunica à sua I gre­
ja os seus p róprios bens de tal forma que esta, em tôda a sua
vida visível e i nvisível, é u m perfeitíssimo retrato de Cristo. "
Pois em fôrça da missão j ur í dica dos apóstolos é Cristo
"que pela sua Igrej a batiza, ensina, governa, ata, desata, oferece
e sacrifica." E pel a comunicação m ais elevada, interior e subli-
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 845

m íssima de influxo da Cabeça nos membros acima descrito "Cris­


to faz que a Igrej a viva da sua vida sobrenatural, penetra com
a sua divina virtude todo o Corpo, e a cada um dos �embros,
se gun do o lugar que ocupa no Corpo, nutre-o e sustenta-o do
me smo modo que a videira sustenta e torna frutíferas as vides
a der entes à cepa."
O princípio divino de vida e atividade, dado por Cristo, ou­
tro não é senão o próprio Espírito Santo, chamado de modo pe­
culiar " Espírito de Cristo" , ou "Espírito do Filho" . Com êle
0 Filho Eterno encheu a sua própria alma no imaculado seio da
Vi rgem, possuindo-o sem medida e distribui-o aos seus membros
na medida em que o quer dar.
Repete o Santo Padre a palavra de Le ã o XI I I , na Encíclica
Divinum il/ud, que o Espírito Santo é a alma da I grej a. "A êste
Espírito de Cristo, como a um princípio i nvisível, deve atribuir-se
também a união de tôdas as partes do Corpo tanto entre si como
com sua Cabeça, pois que êle está todo na Cabeça, todo no
Corpo e todo em cada um dos membros", estando-lhes presente
e assistindo-lhes de diversos modos. Dados os dons celestes que
o nosso Redentor Juntamente com seu Espírito dá à I grej a e
juntamente com o mesmo Espírito opera, pode a I greja não me­
nos que todos os Santos, membros seus, fazer sua a palavra do
Apóstolo : "Vivo, já não eu, mas vive Cristo em mim." (Gál 2, 20.)
d) Para ser completa, a Encíclica trata rapidamente de mais
uma razão de Cristo ser a Cabeça do Corpo, que é a Igrej a. E'
J�le o Salvador. Salvador de todos, m as sobretu do dos fiéis. 'f:ste
ponto, porém, já foi exposto tanto ao se tratar da I gr,ej a, nascida
na cruz, quanto na explanação da influência iluininativa, santifi­
cadora, e sustentadora de N. Senhor.
Encerra aqui a Encícl ica a prova e a explanação de que a
Igrej a é o Corpo de Cristo. Resta mostrar a terceira afirmação.
3. A igreja é Corpo "Místico" de Cristo
E' nesta parte e depois, falando da habitação do Espírito
Santo, que a Encíclica trata dos pontos mais delicados, dando
solução aos problemas mais difíceis da doutrina sôbre o Corpo
Místico de Cristo.
Qual é enfim a natureza dêste Corpo? A resposta é: que é
um Corpo Místico.
E' distinto, dum lado, do corpo físico de Nosso Senhor, glo­
rioso no céu ou oculto sob os véus eucarísticos, mas é distinto
também - "e isto é mais importante por causa dos erros atuais"
- de qualquer corpo natural, quer físico, quer moral .
846 K e 11 e r, "Mystici Corporis Christi"

Distingue-se do corpo físico, pois nêle as partes não têm


subsistência própria e todos os membros são unicamente desti­
nados ao bem de todo o composto. No Corpo Místico, cada mem­
bro conserva a sua própria personalidade e êle é ordenado ao
proveito de todos e de cada um dos membros, como pessoas que
são.
Doutro lado, não há no corpo moral outro princípio de união
a não ser o fim comum e a conspiração sob a autoridade social
para o mesmo fim .
No Corpo Místico, porém, junta-se a esta conspiração "outro
princípio interno, realmente existente e ativo tanto em todo o
composto, como em cada uma das partes" . E acrescenta : " ( prin­
cípio) tão excelente que supera imensamente todos os vínculos
de unidade que unem o corpo quer físico, quer moral."
E' êste princípio não natural, mas sobrenatural ; é até em si
infinito e incriado : é o próprio Espírito Santo.
Eis o sentido do têrmo "Místico" . Não quer dizer indeter­
minado, vago, irreal, mas ao contrário, sobrenatural, isto é, mais
determinado, mais preciso, mais real do que qualquer coisa na­
tural. Por isso a união dêste Corpo é maior, mais estreita, mais
vital do que a de qualquer corpo natural físico ou moral . Ela
não exclui os elementos sociais e j urídicos, inclui-os ao contrário
positivamente, pois é união de um corpo ; mas há um elemento
de união infinitamente mais importante, superior, o próprio Es­
pírito do Redentor.
Realça a Encíclica neste lugar a superioridade da Igrej a sô­
bre a sociedade civil, que, porém, não pode ser desprezada.
Tendo rej eitado de novo os dois erros, opostos, da Igrej a
invisível e da Igrej a, instituição humana sem comunicaç�o de
vida sobrenatural, lamenta e reprova o êrro funesto dos que so­
nham com uma I grej a, formada e alimentada s ó de caridade,
opondo-a com desprêzo à I grej a j urídica. Realça a necessidade
dos elementos j urídicos para uma sociedade perfeita no seu gê­
nero, como deve ser a I grej a. Existem êles na I grej a· para con­
seguir o mesmo fim para o qual são dados os dons e graças ce­
lestes pelo Espírito Paráclito. "Portanto nenhuma oposição ou
contradição pode haver entre a missão invisível do Espírito Santo
e o múnus j urídico dos Pastôres e Dou tores recebido de Cristo ."
Completam-se mutuamente como corpo e alma.
E' claro que é bem diferente a posição de outros que nem
negam nem desprezam os elementos j urídicos, mas insistem na
hierarquia dos elementos, dizendo que nunca o corpo pode fazer
as vêzes da alma.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1943 847

D ou tro lado, diz a Encíclica, não pode ser atribuído à cons­


tit uiçã o j urídica "se às vêzes se vê n a Igreja algo em que se
m ani festa a fraqueza humana, m as àquela lamentável inclinação do
homem para o mal que seu divino Fundador às vêzes permite, até
aos membros mais altos do seu Corpo Místico, para provar a
virt ude das ovelhas e dos Pastôres."
São comovedoras, de beleza e equilíbrio inigualáveis, as pa­
lavras nas quais o S. Padre mostra que "o escândalo" na Igrej a,
i . é, em alguns dos seus membros, não ofusca em nada o brilho
da sua santidade. Por isso não p recisa ser negado nem escondido,
nem deve ser fonte de receio para os fiéis, deve ser explicado e
suportado para o crescimento das virtudes.
"Sem mancha alguma, brilha a Santa Madre Igrej a nos sa­
cramentos com que gera e sustenta os filhos ; na fé que sempre
conservou e conserva incontaminada : nas leis santíssimas que
a todos impõe, nos consel hos evangél icos que dá : nos dons e gra­
ças celestes, pelos quais com inexaurível fecundidade produz le­
giões de Mártires, V irgens e Confessores. Nem é sua culpa se
alguns de seus membros sofrem de chagas ou doenças ; por êles ora
a Deus todos os dias : Perdoai-nos as nossas d ívidas - e in­
cessantemente com fortaleza e ternura materna trabalha pela sua
cura espiritual. " .
Com firme delicadeza, determina o Santo Padre a n atureza
particular da união dêste Corpo especial sem tocar outra questão
teológica, que não quer resolver, i. é, a da causalidade física
ou moral, que tem importância para a explicação da causalidade
que exerce em nós a santíssima humanidade de Cristo ou que
exercem os Sacramentos. Mostra que a união é superior à união
de qualquer corpo n atural quer físico, quer moral .
Eis por que a Igrej a é o Corpo Místico de Cristo. Vimos
gradativamente a I grej a ser Corpo, Corpo de Cristo, e Corpo
Místico de Cristo.
V imos neste último característico até a nota particulár e úni­
ca, quase diria a differentia specifica do Corpo que é a Igrej a.
Segunda Parte
A segunda grande parte da Encíclica trata ainda da doutrina.
Tira a consequência da 1 .ª parte, mostrando a união dos fiéis
com Cristo.
Ao começar, repete o Sumo Pontífice um aviso de S. A g o s - .
t i n h o : a nossa união com Cristo no Corpo · da Igrej a "por
is_so mesmo que é uma coisa grande, misteriosa e divina, sucede
muitas vêzes que é mal entendida e explicada", e passa depois
848 K e 11 e r, "Mystici C o rporis C hristi"

a expl anar " esta coisa grande, misteriosa e divin a", para só na
terceira grand e parte d a E n c íclica falar expressamente dos erros.
E' uma união estreitíssim a, comparada na Sagrada Escritura
à união do casto Matrimônio, à unidade vital dos sarmentos com
a videira e dos membros do nosso corpo, dizendo a tradição an­
tiqu íssima, continuada nos Ss. Padres, "que o divino Redentor
forma com o seu Corpo social uma única Pesso a m ística."
Trata primeiro dos vínculos j ur ídicos e sociais. �stes são
mais estreitos na I grej a do q u e em qualquer outro corpo social
e em qualquer outra sociedade humana. Pois "quanto mais nob r e
é o fim a que tende esta conspiração, tanto m ais divina é a fonte
donde ela procede, tanto m ais excelente é a u nião . O ra o fim
é a l tíssimo, a contínu a santificação dos membros do mesmo C o r­
po para a glória d e Deus e do Cordeiro que foi santificado." In­
siste depois na manifestação externa d esta conspiração para o mes­
mo fim , j á que o Corpo de C risto é visível .
Mais fortes são os vínculos d as três virtu des teologais : a fé,
a esperança e a caridade q u e nos unem estreitissimamente com
D eus e com C risto N osso S enhor.
A caridade que n os u n e a D eus deve manifestar-se no amor ao
p róximo. Pois, temos d e ser "membros uns dos outros" ( Rom
1 2, 5 ) "so l í citos uns pelos outros." ( 1 Cor 1 2, 2 5 . ) Porquanto
para sermos unidos à Cabeça temos de amar os i rmãos ; e quanto
mais unidos estivermos ao Senhor, tanto mais amaremos aos
irmãos.
Mas não é só a caridade em nós i nfusa que nos une ao S e­
nhor ; com muito m aior fôrça nos abraça o amor, com que desde
tôd a a eternidade nos ama. Amor e conhecimento que mesmo
em sua natureza humana teve de nós desde o primeiro instante
da su a I n carnação, de tal modo "que excede tudo quanto a r a­
zão humana pode alcançar."
Estando C risto em nós e nós em C risto pelo Esp írito S anto,
"que �l e nos comunica e pelo qual opera em n ós", " a I grej a vem
a ser como o complemento e a p l enitu d e do Redentor e C risto
como q u e se completa na I grej a."
Tendo falado de n ovo no Espírito S anto, fal a m ais d etidamente
das dificuldades que apresenta a explicação da nossa união com
o divino Redentor e especialmente da h abitação do Espírito S anto
em n ós. O que segue p ertence também aos trechos mais sublimes
da Encíclica : "Mas sabemos também que da investigação bem feita
e persistente e do conflito e concurso das várias opiniões, se a
investigação fôr o rientad a pelo amor d a verdade e pela d evid a
submissão à I grej a, bro tam faíscas e s e acendem l uzes com que,
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 849

mesmo neste gênero de ciências sagradas, se pode obter verda­


deiro progresso. Por isso não censuramos os que por diversos
cam inhos se esforçam por atingir e quanto possível declarar êste
tão subl ime mistério da nossa admirável união com Cristo."
E' pois necessária a investigação bem feita e persistente. E'
_
possível até o conflito e concurso de várias opiniões. Mas se hou­
ver amor à verdade e submissão à I greja, sai rão disto luzes
"com que, mesmo neste gênero de ciências sagradas, se pode
obter verdadeiro progresso." Há, pois, diversos caminhos para ex­
plicar êste mistério, que o Santo Padre não censura. Há opiniões
e expl icações nem mencionadas na Encícl ica que não são por êste
fato menos bem vistas ou condenadas. Não pertencem à dou­
trina que o Santo Padre propõe a todo o orbe católico, mas
também delas podem sair faíscas e acender-se luzes.
Há dois erros a evitar e um caminho a seguir. Dois erros
a evitar : deve ser rejeitada " tôda explicação desta u nião m ística
que preten da elevar os fiéis tanto acima da ordem criada, que
cheguem a invadi r a divina, a ponto de se lhes atribuir em sen­
tido próprio um só que seja dos atributos de D eus." A nossa
participação da natureza divina embora formal é �náloga, nunca
própria. Além disto, nestas m atérias, tudo que se refere e em
quanto se refere a Deus como à suprema causa eficiente é comum
à SS. Trindade e não pode ser explicado como sendo exclusiva­
mente do Espírito Santo. Quem está um tanto ao par da literatura
sôbre a habitação das três Pessoas divinas em nós e especial­
mente do Espírito S anto, sabe quão importante é êste aviso.
Mas sabe também que o Sumo Pontífice diz de p ropósito : tudo
que se refere e enquanto se refere a Deus como suprema causa
eficiente. Não se tratando da causalidade eficiente, como é o
caso quando se trata cio conhecimento e do amor, onde entra
em j ôgo o que a filosofia chama v eritas ontologica causa/is, não
é necessariamente tudo comum à S S. Trindade. único caminho
aliás para entrever alguma luz na doutrina da habitação das Pes­
soas divinas em nós.
O caminho a seguir : trata-se de um mistério recôndito, que
neste terrestre exílio nunca se poderá completamente desvendar
ou compreender, nem explicar em linguagem humana. Não de­
vemos, porém, deixar enterrado no campo o tesouro escondido.
Não podemos res · i gnar-nos sem esfôrço. Temos de seguir o ca­
minho e o m étodo recomendado peio concil io do V aticano nestas·
matérias : Comparar os mistérios entre si e com o fim supremo
a que se dirigem. Cita como exemplo o m étodo da Encíclica
Divinum illud de Le ã o X I I I , em que se compara a inabitação
850 K e 11 e r, "Mystici Corporis Christi"

das Três Pessoas divinas à união beatífica : " Esta admirável união
- diz êle - que com próprio têrmo se chama inabitação, difere
apenas na condição ou estado daquela com que Deus no céu
abraça e beatifica os bem-aventu rados."
Fala o Sumo Pontífice por último da Eucaristia como sinal
e manifestação de unidade. E' de modo especi al manifestação da
unidade, como Sacrifício : "no qual o celebrante faz as vêzes
não só do divin o Salvador mas também de todo o Corpo Mís­
_
tico e de cada um dos fiéis : e por sua parte os fiéis, unidos n as
orações e votos comuns, pelas mãos do celebrante apresentam
ao Eterno Pai o Cordeiro imaculado, - presente no altar à voz
unicamente do sacerdote - como vítima agradável de louvor e
propiciação pelas necessidades de tôda a I grej a." Como Sacra­
mento, ao mesmo tempo que é "viva e admirável imagem da uni­
dade da I grej a - pois que o pão da Hóstia é um, resultante de
muitos grãos - dá-nos o próprio Autor da graça sobrenatural, para
d�le haurirmos o Espírito de caridade que nos fará viver, não a
nossa, mas a vida de Cristo e amar o próprio Redentor em todos
os membros do seu Corpo social."
E is a união dos fiéis com Cristo. Vai das manifestações ex­
ternas, sociais, visíveis até o mais recôndito interior, onde habita
o Esp írito do Cristo, como princípio de vida e atividade. Possui
a sua manifestação maior no Santo Sacrifício e alcança o auge
na Santa Comunhão.
Erros indigitados
Terminadas as duas partes doutrinárias, tira a Encíclica na
terceira parte as consequências práticas, primeiro proscrevendo os
erros, que apontara no quarto motivo da escolha do assunto, se­
gundo exortando os fiéis ao amor sólido e prático da I grej a.
" A investigação dêste difícil assunto quando feita a capri­
cho, como alguns a fazem" expõe a erros, "não sem grande pe­
rigo para a fé católica e p erturbação das almas" . Ao tratar do
quarto motivo da escolha do assunto, n a parte introdutória, e
quando ao falar da habitação do Espírito Santo n a segunda parte
da Encíclica, recomenda o Santo Padre a atitude que o Concílio
do Vaticano prescreve na investigação dos mistérios da fé ; reco­
menda o amor à verdade e a submissão à Igrej a. A atitude con­
trária é a investigação feita por capricho, ao sabor da vaidade,
do orgulho, das inclinações e preferências humanas.
São indigitados cinco erros. O p r i m e i r o afirma "que o
Redentor e os membros da I greja formam uma pessoa físic a"
e consequentemente atribui aos homens p ro p ried a d es divinas e
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 85 1

faz Nosso Senhor suj eito a erros e à humana inclinação para


o ma l .
O s e g u n d o exclui o u menospreza a correspondência e co­
labo ração que devemos prestar à ação do Espírito Santo, atri­
buindo unicamente a tle a vida espiritual dos fiéis e todo o pro­
a resso na virtude. Mostra a Encíclica a necessidade da colaboração
d il igen te e enérgica com o Espírito Santo. Cita a palavra do
Apóstolo que, embora dissesse : "Vivo, não já eu, mas Cristo· vive
em mim" , não duvidou afirmar : "a sua graça ( de Deus) não foi
em mim estéril, mas trabalhei mais que todos êles, se bem que
não eu, mas a graça de Deus comigo."
O t e r c e i r o êrro é o dos que pretendem que não se deve
ter em grande conta a frequente confissão de faltas veniais. Con­
cede a Encíclica expressamente que "há muitos modos e todos
mu ito louváveis de obter o perdão destas faltas", mas recomenda
vivamente "o pio uso, introduzido pela I grej a sob a inspiração
do Espírito Santo, da confissão frequente", enumerando os seus
proveitos e a sua necessidade para progredir mais rapidamente
no caminho da virtude.
O q u a r t o e o q u i n t o referem-se à oração. Há alguns
que negam verdadeira eficácia impetrativa às nossas orações e
afirmam que a oração particular pouco vale sendo a oração pú­
blica que tem verdadeiro valor. Refuta essa opinião pela própria
doutrina do Corpo Místico, pois Cristo, "não só uniu estreita­
mente a si a I grej a como Espôsa queridíssima, senão também
nela as almas de todos e cada um dos fiéis." E' verdade que "a
oração pública feita por tôda a Igrej a é mais excelente que
qualquer outra, graças à dignidade da Espôsa de Cristo, con­
tudo tôdas as orações, ainda as mais particulares, têm o seu valor
e eficácia e aproveitam também grandemente a todo o Corpo
Místico, no qual não pode nenhum dos membros fazer nada de
bom e justo, que em razão da Comunhão dos Santos não con­
tribua também para a salvação de todos." E já que os indiví­
duos, sendo membros do Corpo Místico de Cristo, continuam,
entretanto pessoas independentes, com suas indigências próprias,
nada lhes veda que peçam para si graças particulares. Quanto
à meditação das coisas celestes - igualmente um ato particular
- os documentos eclesiásticos, a prática e exemplos de todos os
Santos provam em que grande estima deve ser tida.
Há, ainda, por último, quem afirme que as nossas orações
não se devem dirigir à Pessoa de Jesus Cristo mas a Deus. ou ao
Eterno Padre, por Cristo. E' isto contra o modo de pensar da
Igreja, contra o uso dos fiéis e é falso. Foi Cristo mesmo que
.56
850 K e 11 e r, "Mystici Corporis Christi"

das Três Pessoas divinas à união beatífica : " Esta admiráve l união
_ diz êle - que com próprio têrmo se chama inabitação, difere
apenas na condição ou estado daquela com que Deus no céu
abraça e beatifica os bem-aventu rados."
Fala o Sumo Pontífice por último da Eucaristia como sinal
e m anife stação de unidade. E' de modo especial manifestação da
un idade, como Sacrifício : "no qual o celebrante faz as vêzes
não só do divino Salvador mas também de todo o Corpo M ís­
tico e de cada um dos fiéis : e por sua parte os fiéis, uni dos nas
orações e votos comuns, pelas mãos do celebrante apresentam
ao E terno Pai o Cordeiro i maculado, - presente no altar à voz
unicamente do sacerdote - como vítima agradável de louvor e
propici ação pelas necessidades de tôda a I grej a." Como S acra­
mento, ao m esmo tempo que é "viva e admirável imagem da uni­
dade da I grej a - pois que o pão d a H óstia é um, resultante de
m u i tos grãos - dá-nos o próprio Autor da graça sobrenatural, para
d f. l e haurirmos o Espírito de caridade que nos fará viver, não a
nossa, m as a vida de Cristo e amar o próprio Redentor em todos
os membros cio seu Corpo social."
Eis a união dos fiéis com Cristo. Vai das manifestações ex­
ternas, sociais, visíveis até o mais recôndito interior, onde habita
o Espírito do Cristo, como p rincípio de vida e atividade. Possui
a sua m an ifestação maior no S anto S acrifício e alcança o auge
na Santa Comunhão.
Erros indigitados
Term inadas as duas partes doutrinárias, tira a Encíclica na
tercei ra parte as consequências práticas, primeiro p roscrevendo os
erros, que apontara no quarto motivo da escolha do assunto, se­
gundo exortando os fiéis ao amor sólido e prático da Igrej a .
"A investigação dêste difícil assunto quando feita a capri­
cho, como alguns a fazem" expõe a erros, "não sem grande pe­
rigo para a fé católica e p erturbação das almas" . Ao tratar do
quarto motivo da escolha do assunto, na parte introdutória, e
quando ao falar da habitação do Espírito Santo na segunda parte
da Encícl ica, recomenda o Santo Padre a atitude que o Concílio
do Vaticano prescreve na investigação dos mistérios da fé ; reco­
menda o amor à verdade e a submissão à Igreja. A atitude con­
trária é a investigação feita por capricho, ao sabor da vaidade,
do orgulho, das inclinações e pr ef e rê ncias h u ma n as .

São indigitados cinco erros. O p r i m e i r o afirma "que o


Redentor e os membros da I g rej a formam uma pessoa física"
e consequentemente atribui aos homens propriedades divinas e
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 85 1

faz Nosso Senho r suj eito a erros e à humana inclinação para


o mal .
o s e g u n d o excl u i ou menospreza a correspon dência e co­
l ab o r açã o que devemos prestar à ação do E spírito Santo, atri­
b uind o unica mente a 1:.le a vida espiritual dos fiéis e todo o pro­
a resso na vi rtude. Mostra a E ncíclica a necessidade da colaboração
d il ige nte e e nérgica com o Espírito Santo. Cita a palavra do
Apóst olo que, embora dissesse : "Vivo, não já eu, mas Cristo· vive
e m mim'' , n ão duvido u afirmar : " a sua graça ( de Deus) n ão foi
em mim esté ril, mas trabalhei mais que todos êles, se bem que
não e u, mas a graça de D eu s comigo."
O t e r c e i r o êrro é o dos que pretendem que não se deve
ter em grande conta a frequente confissão de faltas veniais. Con­
cede a Encíclica expressamente que "há muitos modos e todos
muito louváveis de obter o perdão destas f altas" , mas recomenda
vivamente "o pio uso, introduzido pela I grej a sob a inspiração
do Espírito Santo, da confissão f requente" , enumerando os seus
proveitos e a sua necessidade para p rogredir mais rapi damente
no caminho da virtude.
O q u a r t o e o q u i n t o referem-se à oração. Há alguns
que negam verdadeira eficácia impetrativa às nossas o rações e
afirmam que a oração particular pouco vale sendo a o ração pú­
bl ica que tem verdadeiro valor. Refuta essa opinião pela própria
doutrin a do Corpo M ístico, pois Cristo, " n ão só uniu estreita­
mente a si a I grej a como E spôsa queridíssima, senão também
nela as almas de todos e cada u m dos fiéis." E' verdade que "a
oração pública feita por tôda a I grej a é mais excelente que
qualquer outra, graças à dignidade da Espôsa de Cristo, con­
tu do tôdas as o rações, ainda as mais particulares, têm o seu valor
e eficácia e aproveitam também grandemente a todo o Corpo
Místico, n o qual n ão pode nenhum dos membros fazer nada de
bom e j usto, que em razão da Comunhão dos Santos não con­
tribua também para a salvação de todos. " E já que o s i ndiví­
duos, sendo membros do Corpo M í s tico de Cristo, continuan�
entretanto pessoas i ndependentes, com suas indigências próprias,
nada lhes veda que peçam para si graças particulares. Quanto
à meditação das coisas celestes - igualmente um ato particular
- o s documentos eclesiásticos, a prática e exemplos de todos os
Santos p rovam em que grande estima deve ser tida.
Há, ainda, por último, quem afirme que as nossas orações
não se devem dirigir à Pessoa de jesus Cristo mas a Deus. ou ao
Eterno Padre, por Crist<;>. E' isto contra o modo de pensar da
I grej a, contra o uso dos fi é i s e é falso. Foi Cristo mesmo que
.56
852 K e I 1 e r, "Mystici Corporis Christi"

disse : "Se me pedirdes al guma coisa em meu nome fá-la-ei." Até


no sacrifício eucarístico algumas orações dirigem-se ao divino
Redentor. Sendo �le Filho de Deus tem · direito à adoração e à
invocação, resposta da I grej a .militante à v oz da I grej a triunfante
que canta : "Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro, bênção
e honra e glória e poder nos séculos dos séculos. " (Apoc 5, 1 3 . )
D evido a o telegrama que anunciou a Encíclica o qual falou
da condenação dum liturgismo deprimente, palavra que não se
encontra nem nos títulos, acrescentados, da tradução portuguêsa,
como a outra de falso misticismo, a primeira tendência será con­
siderar todos êstes erros como sendo fomentados ou favorecidos
pelo Movimento Litúrgico. Vemos, porém, interpretando desapai­
xonadamente o texto - e posso afi rmar que precisamente por
estimar imensamente a Liturgia e a piedade litúrgica sou mais
sol ícito em zelar por sua pureza e em afastar do movimento que
cultiva êste espírito, tudo que o possa falsear e lhe ser obstáculo,
como lastimavelmente o são certas afirmações erradas - que a
Encíclica quer proscrever erros a respeito do Corpo Místico de
Cristo. Vimos, na análise do quarto motivo, como o Pontífice tem
diante dos olhos os erros mais opostos ; por exemplo, o raciona­
lismo, por êle indicado, é impossível dentro da I grej a. Seria por
isso absurdo querer atribuí-los todos ao mesmo Movimento Li­
túrgico. E' verdade que a Liturgia está estreitissimamente ligada
a êste mistério da nossa fé. Por isso há de fato erros sôbre a
Liturgia que são erros também sôbre o Corpo Místico de Cristo.
Subtrai-se ao meu conhecimento a quem se devem atribuir
o primeiro e o segundo erros p roscritos pela Encíclica. O pri­
meiro cai francamente no pantísmo. Não me consta no Movi­
mento Litú rgico católico quem o afirme.
A respeito do segundo êrro deve-se dizer que a doutrina do
Corpo Místi o,
� influxo de Cristo e do Espírito Santo, da nova
vida em nó nge · de diminuir a nossa colaboração, o espírito
de sacrifíci , deve, ao contrário, estimulá-los, dar-lhes vigor e
energia, consumindo generosamente as fôrças no crescimento de
Cristo em nós.
Os três seguintes erros devem manifestamente ser atribuídos
- absolutamente, não ao Movimento Litúrgico em si - m as ,a
indivíduos que a êle aderem e nêle militam. E' profundamente
lastimável que êstes erros se tenham levantado entre as fileiras
dos que se dedicam à Liturgia e procuram uma piedade por ela
nutrida. Embora se com preenda que p ossa haver erros e exa­
geros num movimento bom, é verdade que corruptio optimi pes­
sima. Equivale, porém, a proscrição dêstes erros a uma conde-
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 853

naç ão i mpl ícita do Movimento Litúrgico ? Não o posso crer. Pois


n este caso não teria o Santo Padre enumerado o renovado estudo
das co isas da Liturgia em primeiro lugar entre as causas, que
m ove ram "muitos a uma mais profunda contempl ação das im­
p erscr utáve is riquezas de Cristo, que na I grej a se conservam."
Ig ual m ente n ão insinua isto a nitidez serena e soberana com que
os erros são descr itos.
Exam inemos mais de perto os trechos em questão. E' pros­
crito, com o êrro, a pouca estima ou o pouco caso da oração par­
ticul ar. Co ncede-se, porém, expressamente que a oração pública é
mais exc elente que qualquer outra. Seria, pois, êrro oposto ter em
p ouca conta a oração pública da I grej a, ou mesmo apreciá-la me­
nos do que a oração em particular. Mostra aliás êste trecho de
ma neira admirável como qualquer ato bom ou j usto, feito p()r
um crist ão em particular, é realizado dentro da união do Corpo
M ístico em proveito de todos os membros. Não será, pois, peri­
goso ou prej udicial explicar aos fiéis que o católico batizado mm­
ca mais está sozinho, que sempre a Igrej a o acompanha, ani­
m ando-o a querer viver conscientemente nesta união a sua vida
espiritual.
E' êrro indigitado pela Encíclica afirmar que as nossas ora­
ções não se devem dirigir . a jesus Cristo. Não é indicado como
êrro querer ensinar aos fiéis que devem também dirigir-se ao Pai,
e que a Igrej a na sua oração oficial se dirige não única mas
principalmente à primeira Pessoa da SS. Trindade. Devemos ao
Cordeiro imolado adoração e invocação, mas seria êrro oposto
dizer que não · devemos rezar com e1e ao Pai.
Esta nitidez serena da Encíclica mesmo nas condenações in­
dica claramente quais os erros que devem ser evitados. Muitos,
preocupados e angustiados pelo anúncio da Encíclica, sentirão
alegria profunda encontrando nela a exposição tão clara quão
detida, do que há de mais caro para êles na vida espiritual. Mui- ·

tos e muitos se conservaram absolutamente isentos dêstes erros.


E onde houve, nem digo os erros, mas qualquer inclinação para
um dêles, tenho certeza de que a Encíclica é aceita com sincera,
alegre e humilde boa vontade. Pois é o Movimento Litúrgico que,
por ser baseado no mistério do Corp o Místico de Cristo, inculca
alta e firmemente a obediência ao Sumo Pontífice e aos Bispos,
e q!le enaltece o seu papel de Pastôres e Doutores.
Exortação
Depois de iluminar a inteligência, o Santo Padre quer incitar
os corações. Desej a que a doutrina não fique no campo intelectual
mas se torne atitude prática, não fique nos pensamentos mas se
oo •
85 4 K e 1 1 e r, "Mystici Corp o r i s Christi"

traduza em atos. D eve ser a sua consequência um amor sólido


à santa, catól ica e apostólica I grej a Romana, à I grej a tal qual
é em realidade, concretamente, estimando não só os S acramen­
tos, as solenidades, o s can tos da Litu rgia, m as também os sacra­
men tais e os vários exercícios de piedade com que suavem ente im­
pregna do Espírito de Cristo e conforta as alm as. O amor tem
de se man ifestar na veneração da autoridade, na obediência às
suas leis e p receitos morais, na m ortificação e ascese cristã. " N em
basta amar o Corpo Místico n o esplendor da Cabeça divina e dos
dons celestes que o exorn a m ; devemo s com amor efetivo amá-lo
tal qual se nos apresenta e m nossa carne mortal, composto de
elemento s humanos e enfermiços, embora p o r vêzes desdigam
um pouco do l u gar que ocupam em tão venerando Corpo. "
Neste trecho o S anto Padre exige a estim a das práticas ex­
tralitúrgicas, ao lado aliás da esti m a pelos sacramentais, cuj o
grande valor é p recisamente realçado pela renovação do estudo
das coisas da Litu rgia. Não há l u gar para ecletismo ; nosso amor
efetivo tem d e abraçar a I grej a tôda com tôdas as suas m ani­
festações. Não se nega a hierarquia de valores na I grej a, m a s
afirma-se o valo r d e t u d o que é del a.
Para cul tivar êste amor, " é p reciso que nos acostumemos · a
ver n a I grej a o próprio Cristo . " E isto em todos o s seus mem­
b ros, mas principal men te nos mais fracos e mais abandonados.
Q ueixa-se o S anto Pad re amargamente da eutanásia aplicada tão
cruelmente n a Alemanha aos aleij ados, dementes o u portadores
d e doenças hereditárias, como i n ú teis e onerosos à sociedade. " O
sangue dêstes infelizes tanto mais amados pelo Redentor, quanto
m ai s dignos de compaixão, brada a Deus d a terra. "
E:ste a m o r tem de s e r i mitação viva do amor com q u e o pró­
prio Cristo abraça a I grej a tôda, amor que nem a diversidade
d e nacionalidade ou de costumes pode quebrar, nem a vastidão
imensa do oceano pode diminuir, nem as guerras, j ustas ou in­
j ustas, a rrefecer, amor que temos de segu ir nesta hora tremen­
da, em que se prega o ódio, o rancor como coisas que elevam e
nobilitam a dignidade do homem, " e m que tantas dores torturam
os corpos e tantas angústias l ancinam as almas."
D eve ser imi tação ativa. A todos o s membros do Corpo Mís­
tico, não s ó ao Clero, aos Religiosos ou Religiosas, mas aos de­
mais membros do Corpo Místico de jesus Cristo, cada um n a
s u a esfera, incumbe a o b ri gação de trabalhar intensa e dil igen­
temente na edificação e incremento do mesmo Corpo.
E: ste amor deve m anifestar-se na oração i ncessante, à imita­
ção da qu e jesus d i dgi u pela Igrej a ao Pai celeste pelos mem-
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1943 855

h ros da Igrej a, pelos que não são ainda membros e pelos que
governam. As palavras do Sumo Pontífice nestes trechos mani­
fest am imensa solicitude paterna, amor sem limites ao mundo
que s ofre.
Temos ainda - eis a última manifestação dêste amor à I gre­
ja - de completar por ela o que falta à Paixão de Cristo. Fa­
la ndo da chuva ·dos dons celestes que depende não pouco das
nos sas boas obras, diz : "Será esta chuva abundantíssima, se, não
con tentes de oferecer a Deus fervorosas preces, sobretudo parti­
cipando devotamente e, quanto possível, todos os dias, ao S acri­
fício eucarístico, procurarmos com obras de misericórdia cristã
aliviar os sofrimentos de tantos indigentes ; se preferirmos os bens
eternos às coisas caducas dêste mundo ; se refrearmos êste corpo
mortal com vol untária mortificação, negando-lhe todo o il ícito,
e impondo-lhe fadigas e austeridades ; se recebermos com humil­
dade, como da mão da Deus, os trabalhos e dores desta presente
vida. E' assim que, segundo o Apóstolo, completaremos o que·
falta à paixão de Cristo em nossa carne, por amor do seu Cor­
po, que é a I grej a."
Lembrando-se da infinita multidão de infelizes, cuj a sorte
lhe arranca lágrimas da maior compaixão, exorta-os a oferecer a
Deus os seus trabalhos, tendo certeza de que a dor não é inútil
"mas será proveitosíssima a êles e também à I grej a, se com esta
intenção a sofrerem pacientemente." Recomenda ainda "o ofere­
cimento quotidiano de si mesmos a Deus, como usam fazer os
membro'S do Apostolado da O ração, pia associação, que Nós aqui
encarecidamente recomendamos."
Tendo insistido mais uma vez na gravidade da hora e no
dever decorrente de fugir cios vícios, das sedu r ões do século, das
paixões desenfreadas da carne e não menos da vaidade e futili­
dade das coisas terrenas, repete o Santo Padre a exortação ao
amor à Igrej a, amor que reza e sofre e tem a peito a salvação de
tôda a fam í l i a humana remida com o Sangue divino.
Deveri a tratar-se num artigo próprio o í logo, que contém

um admirável resumo da mais sublime teolo a Mariana. Impos­
sível resumir êste trecho. Deveria ser desdo do e explicado. Só
posso recomendá-lo à leitura e ao estudo. ·
Será necessário falar ainda da importância desta Encíclica
quer da parte doutrinária quer da p arte prática ? Justamente a
exortação longa e explícita faz-nos ver quanta importância o San­
to P adre atribui a esta verdade conscientemente vivida pelos fiéis.
856 p e n i d o, A meditação anselmiana sôbre o Verbo eterno

A meditação anselmiana sôbre o Verbo eterno


pelo Pe. Dr. M. T.-L. P e n i d o, Professor na Universidade do Brasil,
Rio de j aneiro

Tanto a ciência como a filosof i a contemporâneas insistem


sôbre a u niversal interdependência dos sêres. Tudo a tudo está
l i gado ; de m aneira que uma realidade só é adequadamente apreen­
dida, quando colocamo-l a n o entrosamento das rel ações mútuas.
Explica-se desta sorte que tantas verdades, fecu n d a s quando vi­
vem n o equ i l íbrio de uma síntese, lo go se detu rpam e enlouque­
cem, quando artificialmente separadas do con_i unto. Excl u sivismo
deformante - fruto da l i m i t ação de nosso espírito, e mais a i n da,
de nossa inércia in telectu al, de nossa tendência ao exagêro -
n em a própria teolo g i a a êle escapa. Resulta da h i stória dos

dogmas, que a heresi a não passa de u m a autêntica verdade que


n o isolamento se corrompeu, e p ro l i ferou em se g ui da, q u a l mons­
truoso neoplasma, com mortais consequências para a fé. Recorde­
mos, por exemplo, o i nterm i n ável conf l i to entre m ona rqu i an i sm o
e triteísmo, ou entre monofisismo e nestori anismo, enquanto a
I grej a mantinha, com inabalável i n t r a nsi g ê nc i a, a t r i p l i cidade de
P essoas na unidade de natureza, respectivamente a dualidade de
naturezas n a u n i dade da Pessoa ; recusando-se a sacrificar tão­
pouco uma como outra verdade.
N u nca m orre, porém, a tendência exclusivista e, através dos
séculos, arrasta amiúde os teólogos. Assim, uma das caracterís­
ticas do pensamento teológico de nossos dias é o retôrno à pa­
trística grega, o que muito seria de louvar se a falta de equ ilí­
brio, de esp í ri to de síntese, não gerasse exageros e confu sões
sobremodo nocivos. Já se apregoa, por exemplo, a tese segundo
a qual a idade patrística rep resentaria o catol icismo "cl ássico"
- essencial, acabado, perfeito - apa recendo consequentemente o
catolicismo medieval, e mais ainda o moderno, como p ro du tos ele
qualidade inferior, para não dizer degenerescências. Donde, em
teologia, a p referência dada à patrística sôbre a escolástica. Ora,
se a primeira qualidade cio teólogo é o " sentire cum Ecclesia" ,
como negar que esta atitude arcaizante constitui u m desvio pa­
tente? A I grej a, n a verdade, atribui aos Santos Padres, como
porta-v ozes da Tradição, uma autoridade sem par ; m as, não é
menos verdade que a I grej a pensa que os mesmos Santos P a dre s ,
como teólogos, foram u l trap a s s a d os pelos gra n de s escolásticos.
L e ã o X I I I , n a Encíclica "rEterni P a t ri s " , ensinava : " I nter
scholasticos Doctores, omnium princeps et m agi ster longe eminet
Thomas Aqu i n as qui, u t Caietanus anim advertit, doctores sacros
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 857

qu ia sum me ven eratus est, ideo intellectum omnium sortitus est.


Ill orum doctrin as, velut dispersa cuiusdam corporis membra, in
u n um Thom as collegit et coagmentavit, miro ordine digessit et
m agnis inc rementis ita adauxit, ut Ecclesire catholicre sing ul are
p r res idi um et decus j u re meritoque habeatur." 1 E no B reve "Cum
hoc sit", ao declarar S to. Tomás Patrono dos estudos, ponde­
rava o mesmo Pontífice : "Quidquid est vere dictum aut prudenter
dis put atum a p hilosophis ethnicorum ab Ecclesice Patribus et
Doc toribus, a summis viris qui ante ipsum floruerunt, non modus
me pen itus dignovit, sed auxit, perfecit, digessit tam luculenta
persp icuitate formarum, tam accurata disserendi ratione, et tanta
p rop rieta te sermonis, ut facultatem imitandi posteris reliquisse,
supe randi potestatem advenisse videatu r." 2 Os sucessores de
Leão X I I I, bem longe de revogar, confirmaram e até mesmo u r­
gira m as suas diretivas em prol da escolástica ; nem se explicariam
tal continuidade e tal firmeza, se a escolástica fôsse descaimento
da p atrística. Poucos são, sem dúvid a , os que ousam proclamar
ab ertamente esta pretensa degeneração ; muitos, infelizmente, os
que a admitem na prática, atribuindo à teologia 3 patrística u ina
importância desmedida, e quase só reconhecendo à escolástica um
val or pedagógico. O s Papas, muito ao contrário, nos mostram
na escolástica o desenvolvimento e aprofundamento da patrística ;
ordenam outróssim que a escolástica desempenhe um papel cen-
. trai no estudo da teologia 4 .
N inguém nega q u e sej a l ícito, louvável até, especializar-se
em patrística ; todavia, como os especialistas em S agrada Escri­
tura não são teólogos mas sim exegetas, tão-pouco serão teólo­
gos, mas apenas historiadores da teologi a, os especialistas em
patrística. No máximo, poderão uns e outros pretender ao título
ele "para-teólogos" ; teólogo no sentido próprio da palavra, será
tão-somente aquêle que estu da o dogma, valen do-se de todos os
"loci theologici" . Essa última observação vem-nos i n dicar que
recairíamos no excl usivismo deformante, se nos acantonássemos
na I dade Média, ou se transformássemos a teologia em j ôgo dia­
lético sem contacto com a tradição, ou ainda se a reduzíssemos
1 ) E n cícl ica /Eterni Patris, 4 de agôsto de 1 879.
2) B reve Cum /zoe sit, 4 de agôsto de 1 880.
3) D i go "teologia" p atrística ; não aludo ao a rgumento ex tradition e,
que é bem d iverso das especulações teológicas dos S. Padres. Todos
disti ngui mos muito bem, e ntre os Padres antenicenos, como testemu nhas
da fé católica n a SS. Trindade, e os mesmos Padres como teólogos -
frequentes vêzes i n ábeis e até inexatos - d a Trindade.
4 ) " . . . Multiplici eruditionis adj umento j uvari atque illustrari quidem
placet (sacram theologiam) sed omnino necesse est gravi Scholasticorum
more tractari, UT revelationis et rationis conj u nctis i n illa viribus, in­
victum fidei propugnaculum esse perseveret." (/Eterni Patris.)
858 P e n i d o, A meditação anselmiana sôbre o Verbo eterno

. a mera repetição da doutrina de tal doutor, vedando-lhe a pos­


sibilidade de u l teriores progressos.
Importa, pois, precavermo-nos contra todo e qualquer arcaís­
mo, sem adotar entretanto uma atitude de repulsa sistemática ã
atual " moda" patrística. Antídoto soberano dêsses diversos m ales
ser-nos-á o espírito de continuidade 5 . E' portanto sob o signo da
continuidade do labor teológico através dos tempos que empreen­
demos o presente ensaio sôbre um aspecto da especulação do D ou ­
t o r máximo da O rdem beneditina, corporação admirável e ve­
neranda que, há 1 4 séculos, vem dando ao mundo um exemplo
ímpar de progresso no seio da tradição. S. A n s e 1 m o apresen­
ta-nos j u stamente um l í dimo exemplo daquela continuidade, por­
quanto o seu pensamento l iga-se ao dos Santos Padres por mui
estreitos l aços s , ao_ mesmo tempo que o culto pela tradição não
o im pediu de meditar pessoalmente sôbre as verdades recebidas
qual herança p reciosa 7 . Bem ao contrário, meditou com u m a
originalidade e um vigor raramente igualados - se j amais o f o ­
ram - - pelos teólogos posteriores. N e m u m s ó instante se imagine
que a leitura das obras anselmianas revista tão-somente u m in­
terêsse histórico. Sabemos quão profícuo é, no estudo da teolo­
gia, a diuturna convivência com os grandes Doutores, para pers­
crutar-lhes a doutrina e, mais ainda, a fim de tentar surpreender­
lhes os métodos de pensar, com as respectivas vantagens e incon­
venientes. Tentativa tanto mais promissora, no caso de A nselmo,
quanto êle não regista apenas o resultado impessoal de suas pes­
quisas, mas, ao contrário, faz-nos assisti r à própria gestação de
seu pensamento, com as suas intuições, hesi tações, hipóteses, dú­
vidas, etc. Não devemos esquecer, entretanto, o reverso da me-
5 ) t:: s se espírito de conti nuidade nos é incu lcado pelo reinante Pontí­
fice na recente Encíclica Mystici Corporis Clzristi : " Be m sabeis, veneráveis
I rmãos, com que eloquênci a e esplendor trataram êstes assuntos os Dou­
tores <:scolásticos e principalmente o Doutor Angélico ; e n ão ignorais que
os seus argumentos reproduzem fielmente a doutrina dos Santos Padres,
os quais, por sua parte, não fazem senão expor e comentar as sentenças
das Sagradas Esc ritu ras. " Afirma, pois, o Papa continuidade entre a Bí­
blia e os Padres (contra os p rotestantes) e entre os Padres e os escolás­
ticos ( contra os arcaiza ntes) . Note-se também q u e ao falar do "esplendor"
d a escolástica, insi n u a o Papa q u e a escolástica é o fruto perfeito brotado
d a á rvore patrística - bem longe de ser degenerescência !
6) Monologion, prologu s : "Quam (scripturam) ego srepe retractans,
nihil potui inve n i re me i n ea d i xisse, quod non catholicorum Patru m et
maxime beati A u gustini scriptis cohrereat." - N o presente artigo, adota­
mos os seguintes sinais : M ( = Monologion) ; P ( = Proslogion) ; C. D. H.
( = Cur Deus homo) . O texto é o da edição crítica de Dom F. S. S c h m i t t,
O. S. B . ( Fascículos 1 8, 20 e 29, do Florilegium Patristicum. B onn, 1 929
e 1 93 1 . )
7 ) Cf. o i n ício do prólogo do M. ; e, n o proêmio do P., a narrativa
dos esforços que lhe custou a descoberta do argumento dito ontológico.
Revista Eclesiástica B rasilei ra, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 859

da l h a : a ap a rência altamente p aradoxal que revestem as espe­


cu l açõ es do S an to ; t ã o p aradoxal, que f ê z surgir p e r t i n a z es o po­
si ções e d e u o r i ge m à s m a i s graves acu sações. E stas q u a s e s e
n e u t ral i z am a l i á s , de tal m an e i r a se co ntradizem : An sel m o fo i
acoimado tan to d e f i d e í s m o q u a n to d e r acio n al i s m o ! Tamanha
co nfusão l eva-nos e quase n o s co n strange a co n s agrar a p r i m e i r a
par te d e n osso t r abalho ao escl a reci m e n to d a í n d o l e d a teo l o g i a
a n sel m ia n a , c o m o ú n ico m e i o de evi t a r con tra-sensos n a i n terp re­
taçã o da doutri n a.

1. lndole da teologia anselmlana

Possu i d o r do segrêdo das fór m u l as felizes, S. A n s e l m o i n t i­


t u l ara p r i m i tivamente o seu Monologion :· " Exem p l u m m e d i t a t i o n i s
de ratione f i d ei " , e o seu Proslogion : " Fi de s q u re re n s i n te l l ectu m " .
Estas curtas frases l at i n as , a segu n d a sobretudo, d ef i n i ra m p a r a
t o d o o sem p re a essên cfa d a teo l o g i a. D eu s , em s u a i m p e rscrutável
bon dade, reve l o u - n o s a s verdades n ecessárias à obtenção daquel a
beatitude, cuj o a n é l i to i n f u n d i u em nosso co ração. Q u a l deverá
ser a ati t u d e d e nossa i n t el i gência d i an t e dessa V e r d ade qu� a
ela se m a n ifest a ? - Acei tar e assi m i l ar. Aceitar, antes d e t u d o ,
d a n d o - l h e inco n d i c i on a l ades ão. N ão basta, por ém ; h á m i s ter
ainda assi m i l a r ; e m vez d e s e con tentar com uma apreensão
extrínseca ( verb al o u m esmo superf i c i a l ) , p rocu r a r viver i nte­
lectualmente a verdade s. E sfôrço por e n t e n d e r o que se crê -

fides qurerens intellectmn - e i s propriamente em q u e c o n s i s te


o labor teológico , p rel ú d i o da co ntempl ação beatífica º · S e m d t'1 -
v i d a , à c i ê n c i a s a g r a d a c a b e i gu a l m e n t e u m p apel defensivo : re­
f u t a r as heres i a s , cor r i g i r o s erros, afastar a s d i f i cul d a des, res­
po n der às obj eções, escl arecer o s m o t ivos d e credib i l i d a d e , n e m
ê s s e m ú n u s e r a desconhecido de A n s e l m o , p r o v a s ej am : o s e u b r i ­
l h ante escrito p o l ê m i co De processione Spiritus Sancti c o n t r a o s
grego s ; o s parágrafos co nsagrados n o Proslogion ao f a m igerado
" i n s i p i e n s " e ainda, as v á r i a s a l u s õ e s aos j u deus e aos gentios, n o
decu rso d e s u a s obras 1 0 .
To d av i a , êste trabalho defensivo , p o r i m po r t a n te q u e sej a,
em p a l i dece, com p ar a d o com a t a r efa p o s i tiva : assi m i l a r i n telectual-

8 ) C. D. H., e . 1 : " N egligentia mihi videtu r, si postquam confi rmati


sumus i n fide, non studemus quod cred i m u s i ntelligere."
9 ) Cf. as belas e profundas considerações de E . O i 1 s o n , Reason and
Revelation in tlze Middle A ges. N ew York, 1 938, p. 1 5-27.
1 0) Por exemplo : no prólogo do C. D. f!., anuncia a divisão do opús­
culo em dois livros : "quorum prior qu idem infidelium, christianam fidem,
q u i a rationi putant iliam repugnare, res p uentium, continet obiectiones et
f idel i u m responsiones, etc . " e, no derradei ro capítulo da obra : "non solum
l u dreis, sed etiam paganis, sola ratione satisfacias . . . "
860 P e n i d o, A meditação anselmiana sôbre o Verbo eterno

mente o dado revelado, procurando compreendê-lo cada vez mais


profundamen te ; explicitando-lhe as virtualidades. Em matéria de
teolo g ia trinitária, empenhou-se a patrística grega sobretudo 1 1
n a defesa do dogm a ; coube a S . A g o s t i n h o a imarcescível
glória de embrenhar-se decididamente nos refolhos do mistério,
à procura do quomodo sit: "Hanc ergo sapientiam quod est Deus,
quomodo intelligimus esse Trinitatem ? Non dixi : quomodo cre­
dimus ; nam hoc inter fideles non debet habere qurestionem, sed
si aliquo modo per intelligentiam possumus videre quod credimus,
quis iste erit modus?" 1 2 Com tamanho entusiasmo seguiu An­
selmo as pisadas de seu mestre, que houve até quem lhe atirasse
a pecha de racionalista. E stranho racionalismo êsse, que pressupõe
a mesma fé : "Rectus ordo exigit ut profunda christianre fidei prius
credamus, quam ea prresumamus ratione discutere." 1 s I nsistem :
Anselmo não deixa de ser racionalista, pelo fato de partir da fé,
porquanto aspira . a transformá-la em ciência demonstrada 1 4 ;
chegando ao ponto de excluir explicitamente de suas pesquisas
a autoridade da Escritura 1 5 . P rocederia êle, de outra forma, se
pretendesse evacuar a fé, substituindo-lhe a razão ? A suspeita,
visando um Doutor da I grej a, não poderia ser mais grave. Exco­
gita-se pois várias atenuantes que desculpariam, até certo ponto,
tão estranho deslise. Adianta-se que, em tão longínquos tempos,
não se delimitara ainda os respectivos domínios da fé e da ra­
zão ; acrescenta-se que, ao despertar de plurissecular Ietargo, a
1 1 ) Sobretudo, d i go, não exclusivamente ; baste recordar que a dou­
trina básica das " relações" i ntra-tri n itárias é descoberta grega. Sabido
é também que O r í g e n e s e os Capadóc ios têm muitas passagens de
p u ra especu lação ; nada há, entretanto, que se compare a S. A g o s t i n h o,
como p rofundeza de conceitos.
1 2 ) A u g u s t i n u s, De Trinitafe, 1 . 1 5, c. 6, n. 9. cf. op. cit. 1.
1 5, c. 1 , n. 1 et c. 2, n . 2. - Com sua costumeira clareza, S. T o m' á s
distinguiu duas espécies de p rocessos teológicos. O primeiro descobre "an
ita sit" e recorre sobretudo aos a rgumentos de autori dade ; o outro tem
por fito mostrar "q110111odo sit v erum quod dicitur" e propõe a rgumentos
que ati ngem a raiz da ve rdade. f:sse método é i n dispensável : "Alioqu i n ,
si nudis auctoritatibus magister qurestionem determinet, certificabitu r
quidem auditor quod ita est, sed nil scientire vel inte llectus acqui ret et
vacuus a hscedet." ( Quodl., 4, a . 1 8. ) Logo a teologia especulativa não
é o rgia di alética, mas aprof111ula111 e11to do co11h ecim e11to da fé.
1 3) C. D. H., c. 1 .
1 4) Op. cit., 1 . 2, c. 22 : "Rationabilia et, quibus n i h i l contradici pos­
sit, qure dicis, omnia mihi v i de11tur, et per unius qurestion is, quam p ropo­
sui mus, solutionem, quidquid in Novo veterique Testamento conti11etu r,
probatum i 11 telligo." - P., e . 4 : " G ratias tibi, bo11e Domine, gratias tibi,
q u i a quod prius credidi te clonante, j a m sic intelligo te illumi11a11te ut si
' '

te esse nolim credere, 11011 possim 11011 i11telligere."


1 5) M., prolog. : " . . . auctoritate Scripturre penitus nihil i11 ea persua­
deretu r." - C. D. H., prolog. : "Remoto Christo, quasi nu11quam aliquid
fuerit de illo, probat ratio11ibus necessariis esse impossibile ullum hominem
salvari si11e illo."
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 861

inteligência confiou demasiado em suas próprias fôrças : como


estranhar que Anselmo se tenha embriagado com o vinho recém­
descoberto da dialética ? Anumeram-lhe, aliás, entre os ilustres
co m panheiros de infortúnio : A b e 1 a r d o, H u g o e R i c a r d o
d e S. V í t o r. O logicismo era o mal do século !
Realizando, porém, um esfôrço de simpatia, para penetrar
até a inspiração recôndit<J. donde jorra a doutrina anselmiana, ve­
rifica-se em seguida que o grande Mestre não carece de tais "ex­
cusas" . Não fôra êle tão humilde e as houver.a olhado com tran­
quilo desdém. Tentemos, pois, delinear brevemente a perspectiva
sob a qual deve ser encarado S. A n s e 1 m o, para ser entendido
corr etamente 1 6 .
1 .° Claro é , antes d e tudo, que Anselmo não s ó não preten­
deu, mas nem mesmo sonhou, chegar até a fé, valendo-se do
adminículo das demonstrações racionais. Longe de desej ar com­
pree nder para crer, queria ao contrário crer para compreender 1 1 .
A f é depende tão-pouco d a intelecção - não apenas prévia mas
ainda subsequente a ela - que caso Anselmo não lograsse atin­
gir esta, aquela permaneceria tão firme quanto antes i s . As "de­
monstrações" dos mistérios, nem mesmo de longe, apresentam-se
como argumentos apologéticos, visando convencer os incréus, da
existência da Trindade ou da I ncarnação. São meditações teoló-
. gicas - logo pressupondo a fé - para uso de monges bene­
ditinos (e não para infiéis) r n . A famosíssima demonstração, em
má hora denominada por K a n t "argumento ontológico'', pouco
ou nada tem a ver com as provas filosóficas da existência de
Deus. Atônitos, perguntamos em virtude de que milagrosa ceguei­
ra tantos e tão famosos intérpretes não consegui ram ver que o
argumento se desenvolve sôbre o plano da fé, sendo pois estri-

1 6) t=:ste parágrafo j á estava redigido, quando lemos o livro magis­


tral de K a r 1 B a r t h : Fides qucerens i11tellect11m, Anselms Beiv eis der
Existenz Gottes irn Zusammenlzatzg seines theologisch en Programms,
Munique, 1 93 1 . Constitui para nós, excepcional encoraj amento, o verificar
que · ª nossa interpretação do método teológico de Anselmo concordava,
nas suas linhas gerais, com a do grande pensador suíço.
1 7 ) P., c. 1 : "Non tento, Domine, penetrare altitudinem tuam, quia
nullatenus comparo i l l i intellectum meum ; sed desidero aliquatenus in­
telligere veritatem tuam, quam credit et amat cor meum. Non enim qurero
intelligere ut credam, sed credo ut intelligam. Nam et hoc credo : quia,
nisi credidero, non intel ligam."
1 8) C. D. 1-I., c. 1 : " . . . gratia Dei prreveniente, fidem nostrre Re­
demptionis sic puto me tenere ut, eti am si nulla possum, quod credo, ra­
tione comprehendere, nihil tamen sit, quod ab eius firmitate me valeat
evellere."
19) Nem se diga que alguns monges ati n gidos de ceticismo necessi­
tavam ser confirmados na fé. O C. D. H. o exclui explicitamente ; cf. a
nota precedente e C. D. H., 1. 1 , e. 25 : "non ad hoc veni, ut auferas
mihi fidei dubitationem."
862 P e n i d o, A meditação anselmiana sôbre o Verbo eterno

tamente teológico. Bastava-lhes, entretanto, ler o final do proêmio


do Proslogion onde Anselmo rel ata que o título originário d a obra
era : "fides qurerens intellectum" ; bastava-lhes ler as primeiras
linhas do capítulo segundo 2 0 , nas quais afirma o Santo que
aceitava pela f é a existência de Deus mas, n a própria fé, há
uma tendência imanente à i ntelecção, que impele a nos não con­
tentar com o simples fato da existência de Deus, mas a indagar
o porquê dessa existência. O argumento dito "ontológico" tem
portanto por fito possibilitar a assimil ação intelectual do pri­
meiro artigo · do Credo.
Surge, todavia, uma dúvida : se Anselmo não descobriu seu
argumento para converter os ateus, por que motivo i ntroduziu
n a sua especulação o famoso "insipiens", cuj a causa G a u n i 1 o
devia posteriormente patrocinar? - Logo se desvanecerá a ob­
j eção, ao refletirmos que mesmo e sobretudo na perspectiva teo­
lógica de A nselmo o apêlo ao " insipiens" era inevitável ; a pró­
pria fé o exigia ! De fato, se, como arguí a Anselmo, a não-exis­
tência de Deus fôsse impensável , tornar-se-ia o ateísmo uma pura
impossibilidade : como então pôde o Livro inspirado afirmar a
existência de ateu s ? 2 1 A mesma fé n a Escritura pareci a combater
o asserto anselmiano. Donde a resposta do santo Doutor : o ateu
ao negar Deus fala ( dixit insipiens ) , mas não entende o que diz ,
merecendo pois a alcunha de "insensato" q u e l h e dá o Salmista.
Longe portanto de comprometer a índole teológica do argumento,
a introdução do "insipiens" vem confirmá-la plenamente.
2.0 Tão-pouco as "demonstrações" da Trindade e da I ncar­
nação perseguem a finalidade de chegar à fé pel a razão ; têm o
fito apenas de transformar em contemplação cheia de amor a
adesão inicial - mais ou menos cega - aos artigos do Credo 2 2 .
Não obsta que, subsidiariamente, essas demonstrações apresen­
tem um valor apologético. Com efeito, muitos infiéis afastam-se
do cristianismo, porque se lhes afigura que êste é por essência
i rracional . Belos quadros os dogmas, porém debuxados sôbre
nuvens ! :.? a Se Anselmo lograr p ô r em relêvo o conteúdo racional
20) " Ergo Domi ne, qui das fidei i ntellectum, d a mihi ut, qu antum
seis expedi re, intelligam quia es, sicut credinms, et hoc est quod credimus."
2 1 ) P . , e. 3 : "Cur itaque, dixit insipiens in carde suo : rzo n est Deus
( Ps. 1 3, 1 ) , cum tam i n promptu sit ratio nali menti te maxime o m n i u m
esse?"
22) C. D. H., 1. 1 , e. 1 : "petunt (discip u l i ) non u t per rationem ad
fidem accedant, sed ut eorum qure c redunt, i ntel lectu et contemplatione
delectentur . . . " - P . , e. 1 : " . . . desidero aliquatenus i ntelligere verita­
tem tuam, quam c redit ct amat cor meum."
23) C . D. H., 1 . 1 , e . 4: " q u asi super nubem pingere nos existimant"
( infideles ) ; 1. 2. e . 8; " estne hoc solidum quod diximus, au t vanum al iquid
s i c ut n ubes quod di xisti nobis i n fideles obicere ?"
Revis ta Eclesiástica B rasi lei ra, vol. 3, fase. 4, dezemb ro 1 943 863

esfô rço também aos i n crédulos


do s m i s t éri os, claro é q u e o seu
ser á p rov e i to so ; convencen do-os de i n sensatez 2 4 , removerá al­
se convert a m 2 5 .
g u n s óbic es a q u e
·

3 .º R aci onal i z a r a f é , n ã o resu l tará em fazê-Ia eva nescer, por­


2 6 estando e l a
q u e 0 des ej o de i n tel ecção é i m a n e n t e à própria fé
o r i e n ta da à visão beatífica. N o m a i s s i n ge l o . ato de fé, esconde­
se u m a i n telecçã o incoativa. Essa atual i z a-se não ap enas em vir­
tu de d u m puro esfôrço raci onal ; ao contrário, a i n tel ecção é fruto
da pr ece, obra d u m e sp í r i to i l u m i n ado p o r D e u s 21, movido pelo
r, f ru t ificando em a m o r 2 s.
amo
U m vivíssimo sentimento da Transcendên c i a d i v i n a d i s t i n gue
a A n s el m o ; com a maior energia, ê l e af i r m a q u e o s raciocínios
a podíticos n ã o desven dam o divino arcan o ; a t i n gem apenas o an
sit do mi stério, de modo algum acl aram o qucy110 do sit 2 9 . Longe
de s u p ri m i r a · crença, põem em m a i o r relêvo a m d a a incompreen­
s i b i l i d a d e d e D eu s 3 o . D e outro l ado, êsse apêlo à Transcendên­
cia, n ão acarreta a abdicação da i n t e l i gênci a ; pois entendemos
que é razo ável não enten damos D e u s 3 1 . Poder-se- i a , n a verdade,
opor q u e Ansel m o colocou a sagrada teologia no mesmo pl ano
do que a teologi a · racional ou teo di céi a : esta também demonstra
o an sit de D eu s , sem poder surpreender-Lhe o quomodo sit, en­
quan�o a sagrada teo logia nem mesmo o an sit dos m i stérios
pode provar, quer antes, quer dep o i s da R evelação. A vertigi­
nosa t ran scen dênci a d a Divin dade assoma m u i to mais abismal
aos olhos do teólogo, do que aos o l h os do f i lósofo deísta. -
Dificuldade séria, cuj a solução acha-se em função do sentido,
atri bu í do p o r Anselmo à s suas " demonstrações" da existência d a

24) P . , e. 3 : "Cur ( d ixit i nsipiens) n i s i q u i a stultus et insipiens?"


M., e. 1 : " ratione ducente . . . ad ea qure irrationabiliter ignorai, rationa­
bil iter proficiat."
25) C. D. fl. , 1 . 1 , e . 3: "JEquum est u t, c u m n ostrre fidei rationem
studemus i n q u i rere, ponam eorum obiediones, q u i n u l l atenus ad fidem
eandem sine ratione · vol u n t accedere."
26) L. e . : " l l l i , ideo rationem qurerunt quia non credunt, nos vero
quia credimus."
27 ) P., e . 2: " E rgo Domine, q u i das fidei i n tel lectum, da mihi etc."
28) P., e. 1 : " Doce me qurerere te, et ostende te qurerenti ; q u i a nec
qurerere te possum, nisi tu doceas, nec i nven i re, nisi te ostendas. Qureram
te desiderando, desiderem qu<erendo. I nveniam amando, amem i nvcn iendo."
29) M., e. 64 : "Sufficere namque debere existimo rem i n comprehen­
sibilem indaganti, s i a d hoc raticionando pervenerit, u t eam certissime
esse cognoscat, etiamsi penetrare nequeat i nte l l ec tu , quomodo it a sit."
Cf. · e. D. H., 1 . 2, e . 1 6.
30) C. D. li., l. e . : "Plus enim persuadebis altiores i n hac rationes la­
tere, si aliquam t e videre monstraveris, quam si te nu llam in ea rationem
i ntelligere, nihil dicendo probraveris."
3 1 ) M ., e . 64: "rationabiliter comprehendit i nc o m pre hen si b i le esse."
- P., e . 1 4 : "videt (anima) se non plus posse videre propter tenebras
suas."
864 P e n i d o, A meditação ansel miana sõbre o Verbo eter110

Tri n d a d e ou da I n carnação. M a i s a d i a n te , teremos ocasião d e d e­


frontarmos com êsse p r ob l e m a .
4.0 A excl usão d a Escritu ra, à p r i m e i r a v i s t a t ã o d e s u r p re­
en der, n ã o s i g n i f i c a de modo algum o repú d i o do j u go d a fé, a
reivi n d i c ação d a p l e n a l i b e r da de para a razão. A fé con t i n u a a
exercer o seu absol u to d o m í n i o , d i r i g i n do o desenrolar d a d i a lé­
tica 3 2 . Que vem pois a s i g n ifica r essa excl usão ? I n di c a, sob
fo r ma paradoxal, aquela d i stinção, f am i l i a r a todos os es t u d an tes
d e teologia, en tre o probatur thesis ex auctoritate ( M agistério
d a I grej a , Escritura, Tradição ) e o probatur thesis ratione theo­
logica. C o n h ecedor do p r i m e i ro gênero de provas, o a u d i tório
m o n á s tico d e Anselmo, pouco o u n a d a s a b i a do segu n do ; dese­
j oso de escl arecimen tos, p e d i u fôsse con s i derado como adqu i ri d a
a p rova " p e l a s autoridades " , a f i m de q u e o M e s t r e pu desse con­
centra r todo seu esfôrço no desenvolvimento da demonstração
" p e l a raz ão" 83. Em suma, i mpetraram u m esfôrço pessoal de
penetração, d e i n tel ecção da f é 3 4 . Verdade é que a razão teo­
l ógica d e A n s e 1 m o m u i to d i fere, à p ri m e i ra v is ta, da de
A g o s t i n h o; êste, mesmo e m suas mais ambiciosas espe­
cul ações, vem a cada passo se apoi a r sôb re a Escritura 3 5 , en­
q u anto aquêl e apresenta confi a n ç a m u ito m a i o r no labor racio­
nal as ; está persuadido que, argumentando corretamente, s ó po­
derá cam i n h a r na di reção dos divinos m i stéri o s . Conj eturamos

32) C. D. H., 1 . 1 , c. 2: . . . eo pacto, omnia qure d ico, volo accipi :


"

videlicet, ut si quid dixero, quod maior non confirmet au ctoritas, quam vis
illud ratione pro bare videar, non alia certitudine, accipiatur, nisi q u i a i n­
terim ita mihi videtur, donec Deus mihi mel ius aliquomodo revelei." Cf.
M., c. 1 . , onde diz o mesmo.
33) M., prolog. : " . . . hanc mihi fo rmam prrestituerunt (fratres) : qua­
tenus auctoritate scriptu rre penitus n i h i l in ea persuaderetu r, sed qu idquid
per singulas investigationes finis assereret, is ita esse plano stilo et vul­
garibus a rgumentis simplicique disputatione et rationis necessitas breviter
cogeret, et veritatis claritas patenter ostenderet."
34) P reciosa l ição para os teólogos hodiernos que tantas vêzes se
contentam com o papel de relatores : com grande erud ição narram as ori­
gens dum dogma, o seu progressivo desenvolver-se, as vicissitudes por
que passa ram as diversas teorias explicativas excogitadas no decorrer dos
sécu los ; sem perceber que tal conj u n to de dados positivos constitui apenas
o status qu<Zstionis. Não tentar esfôrço algu m de aval i ação e de e l abora­
ção pessoais é permanecer decidi damente no limiar da teologia. - Como
exemplo frisante de teólogo-relator, citemos A. d A 1 é s. D e Deo Tritw,
'

Parisi is, 1 934.


35) Cf. M. S c h m a u s, Die psychologische Trinitlitslehre des hl.
A ugustinus, Münster 1 927, p. 340 : " Dieses haüfige H e rvorheben voo
Schrifttexten ist für ein richtiges Verstãndnis seiner wissenschaftlichen
Methode sehr wichtig. Die Offenbarung bildet auch bei der Spekulation
sei ne stãndige Wegbahnerin und Begleiterin."
36) Não esqueçamos, todavia, que êste labor é subsconscientemente
dirigido pela fé ; pouco i mporta que A n s e 1 m o não cite textos d a Escri­
tura, se o seu pensamento dela vive e por ela se norteia.
Revis ta Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 865

u ten tativa A n selmo a efetuou em dois sentidos com pl e­


q e es sa
rn e nt a re s : no Monologion, partindo da razão para ir ao en contro
da fé ; no Proslogion, parti n do · d a fé para i r ao encontro da
r a zã o. E striba-se a nossa con j etura sôbre o proêmio do Proslo­
gio n on de, a l u d i n do ao Monologion, relata que êsse êle o escreveu
" i n pe rsona alicuius tacite secum ratioci nando, q u re nesciat i n ­
ves tig an tis", e acrescenta que o Proslogion êle o com pôs "sub
pe rs ona con an tis erigere men tem suam a d contem plandum D eu m
et q ure rentis intel l i gere quod cred i t . " O vocábulo " person a " , em­
p reg ado aqui e ali, designa u m artifício de método : A n selmo, para
chegar à verdade, representa sucessivamente doi s papéi s : o do i g­
norante ou i nfiel, à procura da verdade rel igios a ; o do fiel, à pro­
cura da intelecção desta mesma verdade. No Monologion, o San­
to, abstraindo momentâneamente d a fé 3 7 , finge-se de i gnorante,
coloca-se na situ ação de quem n ão ouviu p regar a religião ou,
tendo ouvido, não lhe quis assentir ; tenta então, pelo raciocínio,
descobrir as verdades que por hipótese ainda desconhece 3 s . Don­
de a forma de meditação, na qual foi o opúsculo vazado : é o
.
ignorante que monologa, à procu ra da l u z . No Proslogion, pelo
contrário, o Santo p arte da revel ação, e esforça-se por encontrar
demonstrações das verd á des nas quais já crê 39 . E' um diál ogo,
porque um crente pode falar a seu D eus, enquanto o i gnorante
ou infiel está fadado ao meditar solitário.
A índole do método teológico de S . Anselmo espelha-se ade­
quadamente no segu inte texto do Monologion: " I nventis tot est
tantis si ngulorum proprietatibus, quibus mira quredam, tam inef­
fabi lis quam inevitabil i s in summa u n i tate probatur esse plu ralitas,
val de mihi videtu r delectabile retractare srepius tam impenetra­
bile secretum . " 40 Aqui temos duas séries de conceitos conj ugados :
a) inevitabilis - probatu r ; b) ineffabilis - impenetrabilis.
a) inevitabilis - probatur. D eus existe necessariamen te ; a
prova dita "ontológica" , só col i m a evidenciar essa necessi dade.
Como não podemos pensar que 2+2=5, assim n ão podemos pen­
sar em a não-existência de Deus. Essa noção é contraditória, logo
auto-destruidora. Ora, como em Deus nada há de contingente,.

37 ) C. D. H., 1. 1 , e . 20 : "Christum et christianam fidem, quasi nun­


quam fu issent posu imus, quando sola ratione, utrum adventus eius ad sal­
vationem hominum esset necessarius, qurerere proposuimus."
38) M., e . 1 : "Si quis . . . qure de Deo eiusque creatura necessarie cre­
dimus, aut non audiendo aut non credendo ignorat : puto, quia ipsa ex.
magna parte, si vel mediocris ingenii est, potest ipse sibi saltem sola
ratione persuadere."
39 ) P., e . 4: "quod prius credidi, Te donante, jam sic intelligo. Te illu­
minante, ut si Te esse nolim credere, non possim non i ntelligere."
40) M., e. 43 .
866 P e n i d o, A meditação ansel m i a n a sôbre o Ve rb o eterno

não é a p e n as a sua exis tên cia, s e n ã o também todos o s seus atri­


b utos e a i n d a a s u a Trindade d e pessoas q u e s ã o neces s á r i a s .
D e u s é tão " i n evitavel m e n te" Trino, q u a n to " i nevi tave l m e n te" é
U n o . Essa i n evitab i l i d a d e da T r i n d ade, con temp l a d a pelo i n ­
tel ecto divino, p o r q u e n ã o s e r i a a t i n g i d a - por pouco q u e fôsse
- p e l o nosso i n telecto, p a r t i cipação àquele e por ê l e i l u m i n a d o ?
A necessidade se m a n ifesta ou p e l a visão o u pela demonstração ;
fal tando-nos a i n t u ição, p o r q u e n ã o l o graríamos p rovar - pro­
batur - a Trin dade e os d e m a i s m i stérios ? Penetraríamos e n t ã o
a n ecessi dade i n terna dos d o g m a s 4 1 ; essa necess i d a d e q u e tão
clara se desvenda aos o l h o s de D e u s . Não resta dúvida, q u e a
teologia pós-ansel m i ana apurou q u e as provas, apontadas p e l o
S a n to D o u tor qual apodíticas, n ã o passavam de "congru ências"
assaz débeis 4 2 ; algo h á , porém, d e i m perecível n a intuição bá­
sica d e Anselmo : se n ã o q u i sermos soçobrar n o agnosticismo,
deve m o s admitir q u e D e u s n ã o está fora d o âmbito do ser, con­
q u a n to estej a i ncomensu rave l m e n t e acima do ser criado. E ' p o i s
i mpossível q u e em D e u s f a l h e m o s p r i m e i ros p r i n c í p i o s . S er-nos-á
l ícito, p o r conseg u i n t e, dedu z i r, p o r evidente raciocí n i o , u m a sé­
rie d e necessi dades .
Em p rimeiro l u gar podemos, n ã o j á - como q u e r i a A n s e l m o
- p rovar a e x i s t ê n c i a dos m i stérios em D e u s , mas remover i m per­
feições e contradições, estabelecer h ipóteses e possibi l i dades. P o r
exemplo, antes de s a b e r s e, d e fato, j es u s C r i s t o é D e u s i n ca r­
nado, é perm i t i d o asseverar - com Ansel m o e a verdade - :
imposs ível haj a t ransformação d a n a t u re z a divi n a em n at u re z a
h u m a n a e vicevers a ; impossível t a m b é m q u e a m b a s a s n a t u rezas
se amalgamem, resu l tando u m m i sto nem divi n o nem h u m ano 4 3 .
O monofisismo n ã o s ó é herético como também é absurdo, porque
é i m p e n sável . Podemos, igual men te, do m i s tério já suposto exis­
ten te, d ed u z i r conclusões n ecessá r i a s , que serão teo l o gicamente

4 1 ) C. D . H., 1 . 1 , e . 1 : "A te peto mihi aperiri, quod, u t seis, p l u res


mec u m petu nt : qua necessita te scil icet et ratione Deus, cum sit o m n i potens,
h u m i litatem et i n f i rmitatem humanre n a t u r� pro e i u s restau ratione susce­
perit." - Op. cit., 1 . 1 , e. 25 : " l t a me volo perducas illuc u t rationa b i l i
necessitate i ntel l i g a m e s s e oportere o m n i a i l i a, qure n o b i s f ides catholica
de C h risto c redere prrec i p it."
42) S. Tomás e n s i n a rá : " Tri n itate posita, congruunt hu i usmodi ra­
t i ones", 1 , q . 32, a . 1 , a d 2 ; " Ratio hrec sufficienter probare non potest,
sed ex eo quod est in nobis aliqualiter, per símile, conject u r a re", De
Pot., q. 8, a. 1 , ad 1 2 ; "Aliquales rationes non necessarire nec multum
p robabiles nisi credenti", ln Boethium de Trinitate, q. 1 , a . 4.
43) C. D. H., 1 . 2, e . 7 : "l nvestigandum n u n c est, quomodo esse pos­
sit D e u s homo. D ivina enim natura et humana non possu nt in i nvicem
mutari, ut divina fiat humana aut humana divina ; nec ita misceri, ut qu�
dam tertia sit ex duabus, qure nec divina sit omnino nec humana . ..
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro t 943 867

c ert as ; por exemplo, da unicidade . de natureza concluir a uni­


cid ade de intelec ção, na Trindade 44.
Pod emos enfim estabelecer conexões necessárias, entre duas
ver dades de fé 45 ; por exemplo, entre a onipotência criadora e a
ciên cia divi na 46•
Bsses três processos estribam-se sôbre o "inevitabilis" an­
sel m iano, e ilustram a necessidade imanente às coisas divinas.
Em s uma, a tentativa de S . Anselmo visa determinar o ponto
má ximo que logra atingir a "prova de razão" . E' o cor ratio­
na le 47, esforçando-se quanto pode, a fim de que o culto a Deus
rend ido se torne em verdé>de rationabile obsequium 4B.
b) ineffabilis - impenetrabilis. Teria Anselmo porventura
claudicado, ao pretender demonstrar a existência dos mistérios ?
K a r 1 B a r t h p ropõe à pergunta interessante resposta 4 9 . Pon­
dera que não os textos isolados nos devem nortear, porém o con­
junto da obra ; aparece então que Anselmo não visava demons­
trar o fato da existência dos mistérios, mas tão-somente a racio­
nalidade dessa existência ; isto é, ansiava por descobrir-lhe a ne­
cessidade interna. Em outros têrmos : quando investiga a exis­
tência da Trindade ou da I ncarnação, êle não propõe a questão
an sit (se existe) , mas apenas a questão quomodo sit ( como
existe) . Cabe à Revelação resolver o que toca ao fato da exis­
tência, manifestando-nos que, verdadeiramente, existe o mistério ;
acode em seguida a teologia, e procura entender essa existência
já revelada ; nesse intuito, tenta descobrir o nexo necessário que
une o Deus Trino ao D eus Uno. Pôsto êsse nexo em evi dência,
vislumbraremos como a existência da Trindade corresponde a
uma necessi dade racional.
A determinação do quomodo sit dum m istério de fé proces­
sa-se, conforme Anselmo, em duas direções : 1 .0 esfôrço para pe­
netrar a essência do dogma (pouco pode progredir ; logo embate­
se com a impenetrabilidade dos segredos divinos ) ; 2.0 tentativa
para' aclarar a existência do dogma (Anselmo acredita ser mais
feliz, demonstrando-lhe a necessidade interna, já que consegue
ligá-lo, por um nexo evidente, a outras verdades conhecidas de
44) M., e. 60.
45) Concílio Vaticano : "Ratio fide i llustrata, cum sedulo, pie et sobrie
qurerit, aliquam Deo dante mysteriorum i ntell i gentiam eamque fructuo­
sissimam assequitur, tum ex eorum qure naturaliter cognoscit a n a logia,
tum e mysteriorum ipsorum 11exu inter se et cum fine hominis u ltimo."
(D-B., n.º 1 796. )
46) M., e. 9 et e. 1 0.
47 ) C. D. H. , 1. 2, e. 4.
48) Rom., e. 1 2, v. 1 .
49) Op. laud., pp. 20-22 ; 5 1 -52 ; 63.
57
868 P e n i d o, A meditação anselm i a n a sôbre o Verbo eterno

antemão) 5 0 . -e.ste D eus que, e m s i (ontologicamente) é neces­


sariamente trino ; que a fé revela ( sobrenaturalmente) como de
fato necessariamente trino ; a razão procura pensá-lo ( noetica­
mente) como necessariamente trino.
Em qualquer hipótese, devemos conceder que Anselmo equi­
vocou-se quando acreditou que essa necessidade imanente fôsse
pérvia ao nosso intelecto 5 1 . Mui to mais cedo do que o grande
D outor, vemo-nos compelidos a apelar para a Transcendência
inefável, o impenetrável arcano . E' j usto acrescentar que Anselmo
limitou as consequências de seu equ ívoco, restringindo as de­
monstrações à existênci a do m istério e mantendo a i nexplicabili­
dade do mistério em sua essênci a.
Encontra-se destarte o pensamento anselmiano, numa posi­
ção paradoxal . D ela teve o S anto perfeita consciência. Aliás não
lhe é pecul iar - apenas nêle aparece mais acentuada - pelo
con trário, encontra-se inviscerada à mesma teologia que, a um
tempo, é sab_er e não-saber. Duma extrem a lealdade na função
de auto-crítica, S . Anselmo formulou a objeção com tôda a fôrça :
admitida a validez das provas teológicas, não é mais exato que
a divi ndade sej a, para nós, impenetrabile secretum, pois ao me­
nos qualquer coisa del a percebemos ; se, pelo contrário, Deus
permanece i m penetrável, · então nossas demonstrações são sofís­
ticas ; os têrmos, ao aplicar-se a D eus, mudam de sentido 5 2 . Im­
placável antinomia que tortura todo e qualquer pensamento teo­
lógico ! Anselmo tenta tirar-lhe algo da u rgência, distinguindo
entre apreensão direta e apreensão indireta. Muitas vêzes, ensina
50) �sse d u plo sentido do quomodo sif, a c h a-se bem i lustrado pelo se­
guinte texto do M., c . 64 : " V idet u r m i h i h u i u s tam sublimis rei secretum
transcendere omnem intellectus aciem h u m a n i , et idcirco conatum expli­
candi qualiter hoc s i t ( é o "quomodo sit" d a essênc i a ) continendum p u to .
Sufficere namque debere existimo, rem i ncomprehensibilem i n daganti, s i a d
hoc ratiocinando pervenerit, u t eam certissime esse cognoscat ( é o " q u o ­
modo sit" d a e x i stênci a ) , etiamsi penetrare n e q u e a t i ntellectu q uomodo
ita sit ( de novo, a essência ! ) ; nec i d c i rco minus i i s adhibendam fidei cer­
titudinem, q u re probati o n i b u s n e cessariis n u l l a a l i a repugnante ratione
asserentur, si s u re naturalis altitu d i n i s i n c o m p rehen sibilitate explicari non
patiantu r . " - Qu anto à I ncarnação redentora, K. B a r t h (p. 55) mostra
que é deduzida d e uma longa cadeia d e verda des q u e a condicion a m ; são
6 essas verdades pressupostas !
5 1 ) Esca p a m-nos também certas conexões q u e A n selmo i m a g i n ava
descobrir, v. g. entre o f a to de haver em Deus i ntelecção ( o q u e a ra­
zão dl!monstra ) e o fato dessa i n telecção ser geração dum Verbo pes­
soal. ( A q u i o fato s ó a rl!vl!iação no-lo ensin a ; e a necessidade do fato
escapa-nos por completo . )
. 5 2 ) M . , c . 65 : " S i ita se ratio i neffabilitatis illius h a bet, i m m o q u i a
s1c est : quomodo stabit, q u i d q u i d de i l i a secun d u m Patris et Filii et p ro­
cedentis habitudinem disputatum est? N a m s i vera i l l u d ratione explicitum
est : qualiter est ilia ineffa b i l i s ? A u t si i neffab i l i s est : quomodo est ita '
sicut est disputat u m ?"
Re vista Eclesiástica B rasilei ra, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 869

êle não querendo ou não podendo atingir de chôfre uma reali­


da d e, lançamos mão de rodeios, servindo-nos para alcançá-la, de
uma outra realidade ; quando, por exemplo, falamos por enigmas,
ou mel hor, quando, à falta de visão direta, contemplamos a coi s a
numa s u a semelhança ou sej a n u m espelho, o n d e se vem refletir.
Assim entendido o saber teológico, não verifica-se mais contradi­
ção entre admitir a incompreensibilidade da divina essência, ao
mesmo tempo do que a vali dez de nossas demonstrações ; estas,
longe de expressar a D ivindade tal qual é, apenas a designam
indiretamente, tal qual se espelha numa imagem ou semelhança.
Vemos e não vemos, ao mesmo tempo ; não vemos a realidade
como é em si ; vemo-la pelo intermediário de uma outra, refletida
numa outra. Visão indireta e enigmática, que não logra saciar
a sêde de saber, que tortura a nossa inteligência ; nem aplaca o
coração, ansiado pelo desej o de melhor ap reender a fim de
melh or amar 5 3 .
Para nós modernos, à procura de uma teologia menos inte­
lectualista, menos fria, sirva S. Anselmo de precioso modêlo . Leia­
se, por exemplo, o preâmbulo daquela prova da existência de D eus
- unânimemente reconhecida como um prodígio dialético - êsse
preâmbulo é uma das páginas mais comovedoras da l i teratura
cristã ; brado sublime do amor impaciente ; queixa angustiada da
alma que não encontra o D eus beatificante. E, de quando em
vez, de permeio àqueles capítulos de argumentação tão densa,
onde as provas chovem como granizo, eis que uma pal avra de ter­
nura, um gemido de humildade, nos vem demonstrar que, por
detrás daquela couraça de silogismos, palpita um coração incen­
diado pela caridade ; evidencia-se que a energia propulsor a de tão
tremenda dialética é o desej o de D eus 54, Anselmo não é um
malabarista, deleitando-se em j ogar com idéias ; Anselmo é uma
alma de S anto, em presença duma Pessoa sagrada e amabilíssi­
m a ; alma, na qual os raciocínios mais abstrusos desabrocham,
naturalmente, em atos de puro amor.
li. Validez da teoria psicológica da Trindade
Em face do que acaba de ser explanado, manifesta-se logo
na impossibilidade de uma apreensão direta da Trindade -
a urgência de encontrarmos uma imagem, n a qual poderemos sur-

53) M., 1. e.
54) Muitas passagens de S. A n s e 1 m o como que confirmam ante­
cipadamente, os ditos de S. J o ã o d a C r u z, sôbre a alma contemplativa ;
êste, por exemplo : "A alma sente sempre vontade de entender clara e
puramente as verdades divinas e, qu anto mais ama, mais profundamente
as desej a penetrar." ( Ccfotico espiritual, estrofe 35, verso 5.)
57 *
870 P e n i d o, A meditação a n selmiana sôbre o Verbo eterno

preender qualquer reflexo do mistério. De fato, essas imagens


existem, em númer& i nfinito, pois tôdas as criaturas são vestígios
de D eus, portanto fontes d e conhecimento indireto ; nem tôdas,
porém, retratam de m aneira igual o divino Exemplar. Ora, nin­
guém contestará que, entre essas imagens, aquela ministrar-nos-á
u m conhecimento menos imperfeito que, de menos longe, refle­
tirá o original 55. Pelo que p o deremos ordenar as diversas ima­
gens - quanto ao seu valor representativo - numa escala as­
cendente ; poderemos igualmente prever que, em tal escala, ocupa­
rá o supremo degrau a alma humana, como sendo, entre tôdas as
criaturas de nosso u niverso, a que mais a Deus se assemelha.
Condição singular e privilegiada d a mente humana é ser, a um
tempo : a ) ontologicamente, a que melhor reflete a Trindade ; b )
noeticamente, a única que pode ascender a o conhecimento dêsse
mistério. Conj ugando uma e outra verdade, descobrimos que,
para chegarmos ao conhecimento racional 5G d a Tri ndade, não há
mister - dilatada i nvestigação pelo universo afora, pois quem co­
nhece é, por identidade, a i magem a conhecer ; bastar-lhe-á incur­
var-se sôbre si mesmo, apreender a si como i magem d a Trin­
dade 57. A mente humana encontra-se nas condições de um es­
pelho que tivesse consciência de sua função 5 8 ; será portanto
55) M., c. 66 : "Cum igitur p a teat, quia n ih i l de hac natura ( d ivi n a )
possit percipi p e r s u a m proprietatem, s e d p e r a l i u d : certum est, q u i a
p e r illud m a g i s a d eius cognitionem acceditur, quod i l l u d m a g i s per si-
militu dinem propinquat." ·

56) C l a ro que se trata aqui de u m conhecimento racional, ilumin ado


e dirigido pela fé. . .

57 ) M., c. 66 : "Sicut sola est mens rationalis i n ter omnes creatu ras,
qure ad eius i nvestigationem assurgere valeat, ita n i hilominus eadem sola
est, per quam maxime i psamet a d eiusdem i nventionem proficere queat.
Nam j am cognitum est, quia hrec i l l i maxime per naturalis essentire pro­
pinquat similitudinem. Qui d igitu r apertius, quam q u i a mens r ationalis,
quant� studiosius a d se discendum i ntendit, tanto efficacius a d i l l i u s cogni­
tionem ascendit ; et q uanto seipsam i n tueri negligit, tanto a b eius spec u l a­
tione· descend i t ?"
58) M., c. 67 : "Aptissime igitur ips� (mens) s i b i met esse velut spe­
culum dici potest, i n q u o speculetur, u t i t a d i c am, imaginem eius, quam
facie a d faciem videre nequit." - A nselmo parece i nc i d i r num círculo vi­
cioso ; ensin a que a mente human a é imagem d a Trindade pela memória,
i ntelecção e amor, o r a j ustamente a divi n a essên c i a desabrocha em Trin­
dade pela memória, i ntelecção e a m o r. Mas, pergu ntaremos, como sabeis
dêsse desabrochar por essas operações, senão porque a s encontrais n a
mente humana, conceb i d a já como i m a gem d a Trindade? - A resposta
talvez sej a a seg u inte : 1 .º não posso conhecer a Deus di retamente ; 2.º posso
con hecê-Lo i n d i retamente por suas obras ; 3.º sendo a alma a mais perfeita
dessas o bras, dela haurirei o con hecimento menos i nadequado de Deus ;
4.º n a alma hâ memó ria, i nteligência, amor, logo também n a essfncia
divina ( até aqui ten h o apenas a a l m a como imagem do Deus u n o ) ; 5.0
raciocinando sôbre a s operações i m a nentes a Deus, ( i ndependentemente do
recu rso à i m agem criada) vej o que a Essência desabrocha em Trindade ;
6.º posteriormente, voltan d o a considera � a a lma, verificarei que e l a é
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 87 1

p ersc rutando o nosso espírito que alcançaremos o conhecimento,


m e nos deficiente possível do augusto mistério. Que imensa, que
i ntr a nsponível distância, medei a entre a sabedoria helênica e a
s ab edori a cristã ! Aquêle "conhece-te a ti mesmo" , que Sócrates
in cul cava como lema a seus discípulos, transfigura-se, no clima
cr ist ão, num "conhece-te a ti mesmo como im agem da Trinda­
d e" 5 9 . O sábio grego procurava conhecer-se, a fim de conformar
a 'sua ação aos ditames da reta razão ; o sábio cristão desej a
conhecer-se, para agir como ordena a SS. Trindade. Essa seme­
lhança com Deus, que lhe provém da natureza, êle almej a torná­
la mais expressiva, pelo esfôrço de sua l ivre vontade 60.
A existência de uma escala ascendente . de imagens, cuj a su­
midade a alma ocupa, j ustifica cabalmente a teologia agostiniana
da Trindade. Sem dúvida, a dialética empregada por S. Anselmo
para legitimar o agostinismo, parece contrariar o que pronuncia a
fé sôbre o caráter estritamente comum das obras externas da di­
vindade 6 1 , Tôdas elas - logo a alma também - refletem a es­
sência una e não as diversas Pessoas. A objeção provaria tão­
somente que não é possível demonstrar a Trindade a posteriori,
"per ea quce facta sunf' ; todavia, suposta a revelação do mistério,
temos que enfrentar o seguinte dilema : ou renunciar à investiga­
ção do "quomodo sif' da Trindade, ou procurar atingir em nossa
mente, qualquer reflexo, por longínquo que seja, da divina reali­
dade. A todos é l ícito contentar-se com a simples adesão , ao
dogma, à imitação do fiel que se contenta com o catecismo, ou
do teólogo "positivo" , que se limita a mostrar que Deus deveras
se revelou como uno e trino ; mas, todos. aquêles que desej arem
penetrar mais além e investigar o mistério, procurando uma i n­
telecção por evanescente que sej a - fides qucerens intellectum
- todos êsses, ver-se-ão obrigados a recorrer a uma doutrina
de inspiração agostiniana 6 2 ,

tam bém i m agem da Trindade. H averia pois duas fases no estudo da men­
te como imagem : a) da alma até o Deus uno (via causalitatis efficientis)
b) do Deo Trino até a alma (via causalitatis exemplaris) .
59) M., e. 66 : "Mens rationalis, quanto studiosius ad se discendum in-
·
tendit, tanto efficacius a d illius cogn itionem ascendit."
60) M., e. 68. esse capitulo dá-nos preciosas indicações sõbre o que
pode ser uma moral exemplarista cristã. Cf. A u g u s t . , De Trinitate,
1. 1 5, e. 20, n. 39. .
6 1 ) P i o X I I recorda-nos êsse ponto de doutrin a na s u a Enciclica
Mystici Corporis Clzristi : "Retenham (os teólogos) firmemente aquêle prin­
cipio certíssimo que nestas matérias é comum à SS. Trindade tudo o que
se refere e enquanto se refere a Deus como suprema causa eficiente."
62) R i e a r d o d e S. V í t o r propôs na verdade uma teoria ori­
ginal, mas que entretanto não sai por completo dos moldes agostinianos,
porquanto é também psicológica, isto é, procura pela análise do nosso
psiquismo superior entrever . algo das processões divinas.
872 P e n i d o, A meditação a n sel m i a n a sôbre o Verbo e terno

U m dos próceres da teologia arcaizante, D . A n s e 1 m


S t o 1 z 6 3 , exprobou-nos certa feita o têrmos afirmado q u e a
especulação trinitária dos gregos 6 4 , n o q u e tem de viável, era
apenas antecipação mais ou menos longínqu a das intuições agos­
tinianas. H ouvera o douto beneditino meditado a doutrina de S .
Anselmo seu P atrono - Patrono também da abadia o n d e lecio­
n ava - e ter-se-lhe-ia desvendado em sua adam antina rigidez a
verdade do q u e asseverávamos. Senão vej amos. Ensina a fé que
devemos adorar em Deus duas processões : eis o dado revelado
cuj a explicitação cabe ao teólogo. O ra, n u m ser espiritual outras
processões não logramos conceber afo ra as que se efetuam por
via do i n telecto o u da vontade 6 5 . Atalhará alguém, que tal asserto
é verdadeiro quoad nos, espíritos sumamente limitados ; sendo D eus
sumo espírito, i nesgotável riqueza de ser, nada impede que, em
s u a essência, h aj a modos infindáveis de se comunicar ad intra. -
b e certo, reataremos, e a obj eção tem a vantagem de mostrar
que a Trindade não se demonstra a priori 6 6 ; acrescentar.emos
todavia que tais supostos m odos ou vias d e processão apresentam­
s e como de todo i mpérvios a nosso saber ; exulam das categorias
de nosso espírito. Volta a urgir o n osso dilema : ou adiantamos
que as p rocessões propostas a nossa crença escapam por com­
pleto ao nosso entender, ou concordamos em que s e efetuam pela
inteligência ou pela vontade 67. Optar pela primeira atitude equi­
vale a proclamar que todo labor teológico para penetrar o quo­
modo sit das processões, é baldo e vão ; deveremos por fôrça con­
tentar-nos com o simples enunciado de fé, devidamente purificado
de i magens corpóreas. Tal foi a posição de grande n úmero de
63 ) Os malefícios d a a t i t u d e arcaizante patenteiam-se n o fato de h a­
ver êsse disti nto teólogo escrito um volume i n teiro intitulado Th eologie
der Mystik, sem mencionar sequer o Doutor da mística, S. j o ã o da Cruz !
I n ac reditável e i mperdoável a nacronismo ! Em compensação, atri b u i u D .
S t o 1 z excep c i o n a l i mpo;tã n c i a a uma sente n ç a d e S. I reneu sôbre a e x i s­
t ê n c i a atual do paraíso terrestre como morada das almas santas, sente n ç a
i s o l a d a e singularíssima, que um teólogo c o r d a t o p o d e a penas exponere
reverenter. Cf. a m i n h a crítica na Revue Thomiste ( n ovembro de 1 93 7 ) com
a resposta de D . S t o 1 z ( ib i d . , julho de 1 938) e a minha répli c a ( ibid.,
outubro de 1 938) e também a crít i c a de D . M e i n r a d B e n z , da a b a d i a
de E i n siedeln. (Divus Tho mas, Frei b u rg, 1 94 1 , p. 348. )
64) Frisamos o têrmo " especulação" ; n ã o se trata dos gregos como
testemunhas d a fé, nem mesmo como apologetas ou exegetas ; trata-se
dos gregos como teólogos à procura d u m a explicação d o mistério.
65) Escrevemos i n telecto ou vontade e não i n telecto e vontade, p a r a
ressalvar a teo r i a d o V i to r i no que exp l i c a a m b a s a s processões pela von­
tade ou amor em Deus.
66) N em mesmo suposta a revelação dos processões podemos dizer
·

com absoluta certeza : essas p rocessões devem-se desen rolar p o r v i a de i n­


telecção ou de amor.
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 873

gr egos 6 s , nem a pretendemos insustentável ; mantemos tão-somente,


se m te mer contradição fundamentada, que equivale à abdicação
pu ra e simp les da teologia especul ativa. Quem a tal não se quiser
re sig n ar deverá, de uma maneira ou de outra, desposar a pers­
pe ctiva de S . A g o s t i n h o e admitir-lhe a j ustificação por S.
A n s e 1 m o, cuj a dialética perm anece invicta.
Ili. O Verbo eterno
·
D as três imagens da S S . Trindade, que A g o s t i n h o des­
cobriu em nossa mente, A n s e 1 m o preferiu a terceira ( memo­
ria, intellectus, voluntas) . Com sobej a razão aliás, porquanto de
tô das é a que mais ao Exemplar se assemelha 6 9 ,
Não podendo, no espaço de um artigo, analisar todos os as­
pectos da teologia trinitária do Santo D outor, vamos estudar aqui
um ponto apenas - a doutrina do Verbo - que apresenta, po­
rém, a vantagem de lhe caracterizar bem o método 10, prova sej a
a traj etória ousadíssima que o pensamento an�elmiano descreve :
partindo da criação do universo, forcej a por chegar até a geração
eterna, percorrendo as seguintes fases : 1 ) do ato de criar colige
a existência de um Verbo em D eus ; 2) demonstra que o Verbo
criador exprime também a essência divina ; 3 ) deduz do Verbo
67 ) Aliás não faltam dados "positivos" que nos permitem afirmar, com
suficiente fundamento, que a primeira p rocessão, pelo menos, é intelectual.
Cf. A. d ' A 1 e s, De Deo Trino, Parisiis 1 934, p. 1 33- 1 44 ; e P. O a 1 t i e r,
De SS. Trinitate irz se et in nobis, Parisiis 1 933, p. 1 62- 1 69. - D e nada
servi ria objetar que u m a dessas processões nos é revelada como "gera­
ção" ; porque se i nvestigarmos o quomodo sit de uma geração divina, ob­
teremos : l .º negativamente, a exclusão de tôda carnalidade ; 2.º positiva­
mente, resta-nos o resíduo : o Pai comun i c a a su a natureza ao Filho.
Não se aquieta nossa inteligência : Como se processa essa comun i c ação
de natureza, num puro espírito? Há duas respostas possíveis e só duas :
a) confessar que i gnoramos, como os teólogos gregos ; b) recorrer a uma
explicação tirada d a psicologia , como fêz S. A g o s t i n h o. - Uns pou­
cos teólogos, como D u r a n d o, afirmam que essa comunicação da na­
tureza divina se faz ex f rEctmditate naturre, o que equivale a responder à
questão pela mesma questão ; voltamos ao d i lem a : ou agostinismo ou ag­
nosticismo.
68) T h . d e R é g n o n, S. j., Eludes de théologie positive sur la Ste.
Trinité, t. I l i , Paris 1 898, p. 4 1 3 : "tous les Grecs sont unanimes à declarer
que le mode de l a génération divine est absolument inscrutable."
69 ) M., c. 67 : "si mens ipsa sola ex omnibus, qure facta sunt, sui
memor et i ntelligens et amans esse potest : non v i deo, cur negetu r esse
in ilia vera imago i llius essentire, qure per sui memoriam et intelligentiam
et amorem i n Trin itate i neffabi l i consistit."
70) Aos grandes escolásticos do século X l l l não escapou a importân­
cia dessa doutri n a anselmiana, tanto assim que, nos seus tratados sôbre
o Verbo, citam amiúde Anselmo. N o comentário de S. B o a v e n t u r a
sôbre as Sentenças ( 1 . 1 , dist., 27, pars 2.•, artículus u n icus, de nomine
Verbi) contamos 1 2 vêzes o nome de S. Anselmo ; n a Quarta Qurestio
disputata de Veritate, de S. T o m á s, consagrada ao Verbo, encontra­
mos 1 7 vêzes o nome de Anselmo.
874 P e n i d o, A meditação anselmiana sôbre o Verbo eterno

essencial o V erbo pessoal ; 4) remata, inferindo a qualidade de


Filho, da p ropriedade de Verbo.
a ) O Verbo criador
Animando o intento de descobrir, não j á o fato da existên­
cia do Verbo, senão a racionalidade dessa existência, Anselmo
escolheu, com seguro instinto, o caminho mais direto 7 1 . Estabe­
lece, antes de tudo, a existência do Deus U no, para mostrar, em
seguida, que a unidade deve desabrochar em Trindade. Nessas
condições, forçoso será que a doutrina da criação constitua o pri­
meiro elo da cadeia dialética. Com efeito, o Deus Uno é o Deus
Criador ; ora, a criação pressupõe o conhecimento daquilo que
a onipotência irá tirar do nada ; logo pressupõe um Verbo. Nem
deixa o p rocesso de fundar-se n a Escritura, tendo-nos S . J oão re­
velado que pelo Verbo divino "tudo foi feito, e nada do que tem
sido feito, foi feito sem �le." Coloca pois o Verbo em estreitas
relações com a criação do mundo ; motivo pelo qual, muitos Padres
preferiram o nome de " Filho", como descrevendo, com profundeza
maior, a segunda Pessoa da Trindade, parecendo-lhes que o nome
de "Verbo" expressava principalmente as relações de D eus Pa­
dre com as criaturas ; indicava, a saber, que pelo Filho Deus criou
o mundo e aos homens se manifestou 72, Era portanto permitido
a Anselmo tentar percorrer o caminho inverso, elevando-se das cria­
turas até ao Verbo, pelo qual vieram elas à existência. De ponto
de partida serve-lhe o princípio inconcusso segundo o qual, num
agente intelectual, a fase de execução da obra é precedida por uma
fase de planeamento. Donde legitimamente se infere que o ato
criador realizou um plano divino prévio : antes de . ser tirado do
nada, o universo já existia na mente de Deus. E ' sôbre êsse "pla­
no", que Anselmo firma o seu esfôrço. Antes de tudo, como de­
nominá-lo ? No capítulo nono do Monologion dá-lhe quabo no­
mes : rei faciendce exemplum, forma, similitudo, regula. No ca­
pitulo seguinte propõe uma quinta designação : locutio, porque
o artesão, antes de fabricar qualquer obj eto de sua arte, discorre
consigo mesmo, proj etando-o. Das cinco denominações, prefere
a derradeira, por um motivo óbvio : conhecendo de antemão o
ponto ao qual desej a chegar, escolhe logicamente o têrmo locutio,
sinônimo de verbum. Processo tendencioso, se pretendesse encon­
trar o Verbo divino pelo puro esfôrço racional ; processo legitimo,
7 1 ) Compare-se Anselmo com R i c a r d o d e S. V 1 t o r que, preten­
dendo o mesmo resultado, empantanou-se em uma análise, antropomórfica
ao extremo, das exigências do amor.
72) Cf. M. S c h m a u $, Die psyclzologische TriniUitslehre des hl.
Augustinus, p. 33 1 -332.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 875

da racionalidade
ao contr ário , se persegue apenas a manifestação
da fé ; ne sse ca so, não só pode como deve escolher a analogia
que m elh or escla recerá o dado revelado (pressuposto pelo menos
i mpli c ita ment e) . Estudemos pois a locutio. Anselmo distingue-lhe
qua tro ace pç ões, que podemos resumir no seguinte esquema :
ext erna: a palavra falada v. g. : pronunciar o vocábulo "homem"
{
1 '
1 a imagem verbal ; v. g. : imaginar
o vocábulo " homem"
Locttçáo imagina t tva
· ·

. a imagem representativa, v. g. :
imane nte ·
imaginar um homem.
i ntelectual : o verbo mental ou conceito ; v. g. :
pensar no homem 73 .
E' claro que a locução intelectual desempenha o papel de
summum analogatum, pois só o verbo mental nos dá a conhecer,
verdadeiramente, a realidade ; os três outros existem unicamente
em relação ao conceito, para manifestá-lo 74. Vamos agora unir
as nossas duas linhas de investigação : sabemos, de um lado, que
0 ato de criar deve ter si d o precedido por uma locução ima­
nente, na qual Deus diz interiormente o que há de fazer ; temos
do outro lado que, dentre as locuções, a mais perfeita é a in­
telectual. Surge, espontânea, a conclusão : a locução intelectual
de Deus ou verbo divino serviu de plano ou modêlo ao ato de criar
e, posteriormente, de meio para conhecer o mundo, uma vez tira­
do êle do nada 75 . Encontra-se agora Anselmo aparelhado para
dar exação maior à analogia entre o verbo do Criador e o plano
de um artífice ; põe na devida luz as dissemelhanças que separam
as duas causalidades exemplares. O artista, propriamente falan­
do, nada cria. Por maior que sej a o gênio que lhe assista, não
73) M., c. 1 0 : "Aliter dico hominem, cum eum hoc nomine, quod est
homo, significo ; aliter, cum i dem nomen tacens cogito ; aliter, cum eum
ipsum hominem mens aut per corporis imaginem aut per rationem in­
tuetur."
74) L. c. : "alia omnia verba propter hrec sunt i nventa . . . nullum
aliud verbum sic videtur rei símile, cuius est verbum, aut sic casu ex­
primit, quomodo illa similitudo, qure in acie mentis rem ipsam cogitantis
exp rimitur. l llud i_gitur iure d icendum est maxime proprium et principale
rei verbum." - S. A g o s t i n h o admitia 3 verbos : a palavra (verbum
prolativum i n sono) , a i magem verbal (verbum cogitativum i n similitudine
soni) e o conceito (verbum rationalis animantis) . Cf. De Trinitate, 1. 1 5,
c. 1 1 , n. 20. A n s e 1 m o completou-o, acrescentando a representação ima­
ginária das coisas : M., c. 33 : "Cum enim cogito notum mihi hominem ab­
sentem, formatur acies co � itationis mere in talem imaginem eius, qualem
illam per visum oculorum m memoriam attra.x i."
75) M., c. 1 0 : "non immerito videri potest apud summam substantiam
talem rerum locutionem et fuisse, antequam essent, ut · per eam fierent,
et esse, cum facta sunt, ut per ea sciantur." Fiel a seu propósito, A n s e 1 m o
não cita a Bíblia, porém os seus monges entenderam, sem dúvida, . êsse
capitulo 10 do Monologion como demonstração da racionabilidade daquele
lin � uaj ar interior - prévio e subsequente à criação - que o Génesis
atribm a Deus : "Dixit Deus . . . et fecit Deus e t vocavit Deus
. • . . • • "
876 p e n i d o, A meditação ansel m i a n a sôbre o Verbo eterno

tira totalmente de si as suas concepções, é obrigado a valer-se


de observações, de experiências passadas ou atuais ; mesmo ao
imaginar quimeras, comb i na-as com elementos de q ue j á dispõe.
Tão-pouco se real iza a obra de arte pelo simples fato da haver
sido concebida ; requer ainda matéria na q u al se possa corpori­
ficar. Em D eus, muito ao contrário, o verbo criador precede ab­
solutamente a sua obra ; ademais, real iza-a sem aj uda qualquer.
Não existiria a obra de arte, se nela algo não houvera que do ar­
tista não p rovém ; enquanto a criatura realidade alguma tem , que
a D eus não deva . Concluímos ser o verbo divino causa primeira,
porque nada o p recede, e causa auto-suficiente porque nada o
assiste ; n uma palavra : é causa total .
A êsse verbo ou locução, denominaram os teólogos idéia di­
vina e não hesitaram em m u l tiplicá-las em D eus, sem lesão da sim­
plicidade absoluta, pois que o nome "i déi a" design a então a mes­
m a essência divina como diversamente imitável . Não se afi rmam
real idades mú ltiplas em D eus, afirma-se uma plur_alidade d e rel a­
ções das cri aturas ao seu divino exemp l a r ; relações tôdas conhe­
cidas de D eus, através de sua única e transparente essência, mul­
tiplicadamente participável. Anselmo, porém, q u e já fita o Verbo
pessoal e único, não quer distinguir entre idéia divina e Verbo
divino. -
Não quer, porque esta distinção foi j u stamente encontrada,
a fim de melhor discernir o tratado d e Deus Uno do tratado d e
Deus Trin o : n aquele t ratado a ciência divina s e r á encarada sobre­
tudo como ciência criadora, e teremos as múltiplas idéias d ivinas
que serão outros tantos exemplares das criatu ras ; neste tratado,
a ciência divin a será sobretudo auto-conhecimento da vida pro­
funda de D eus, conhecimento fecundo, expressando-se no V erbo
único e pessoal. - Frisamos o têrmo "sobretudo" , porqu e distin­
guir não é necessariamente separar ; tanto assim que a teologia
natural demonstra q u e em D eus h á conhecimento não só das
criaturas, senão também de si mesm o ; como a teologia sob rena­
tural ensina que o Verbo é exemplar das criaturas. N estas con­
dições, perguntar-se-á por que um só V erbo-exemplar e i déias­
exemplares mú ltiplas : não se referem ambas às criaturas ? Porque,
responderemos, ao falar de "idéias divinas", temos primordial­
mente em vista a multiplicidade das criaturas, n a s u a con dição
de cópias longínquas da inesgotável perfeição divina ; a "plura­
lidade" das idéias, não multiplica os atos de conhecimento divino,
significa apenas que, num só ato, Deus apreende a mul tiplicidade
de rel ações das criaturas para com l:: l e. Enquanto o Verbo se
relaciona primordialmente ao princípio q u e o profere, é o fruto
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 877

da intelecção do único Padre, cuj o obj eto di reto é a essência


t'i nica ; por êsses dois motivos, será também único o Verbo ; to­
davia, sendo a essência exemplar das criaturas, o Verbo repre­
sentá-l as-á ig ualmente, e poderá ser apelidado por A g o s t i n h o
ars pa terna, porque é o receptáculo das idéias. A n s e 1 m o, não
que ren do dist ingu i r entre i déia e verbo, não ousa entretanto, no
capítulo 1 2 , decidir a questão da unicidade ou multiplicidade da
"loc ução" divina ; deixa-a em suspenso, decretando apenas que
es sa loc ução deve i dentificar-se com a suma essência.
b ) As propriedades do verbo-exemplar
Reata Anselmo, no capítulo 29 , 76 mas com novo intuito : pro­
cura descobrir, por antecipação, no verbo-exemplar as proprieda­
des que encontrará mais tarde (já o sabe) no Verbo pessoal. D e­
duz anal iticamente quatro propriedades do verbo-exemplar.
1 .º consubstancialidade. Constituiu trabalho insano e meritó­
rio, para a patrística grega, demonstrar a consubstancialidade do
Logos. A dificuldade provinha de partirem os Padres diretamente
das três Pessoas : como então reduzi-las à unidade da substância ?
Para Anselmo, a o contrário, que parte dessa substância comum,
a doutrina do homo-ousios não apresenta dificuldade especial. A
consubstancialidade que êle aqui demonstra não é a consubstan­
cialidade de uma pessoa, mas apenas de uma idéia-exemplar. E'
quase supérfluo mostrar que a idéia divina identifica-se com a di­
vina substância ! 77 Em compensação, Anselmo terá que defrontar
um problema desconhecido aos gregos : dar consistência pessoal
a essa idéia-exemplar. Enigma insolúvel na perspectiva ansel­
miana I
2.0 intelectualidade. Num puro espírito, é inconcebível o psita­
cismo ; claro fica portanto que a "locução" divina só pode ser ato
da inteligência de Deus 7 8 e, como essa se identifica com a es­
sência, temos um novo argumento em favor da consubstancialidade.
3.0 unicidade. Resolve-se ipso facto a questão que Anselmo
deixara em aberto no capítulo 1 2 : o verbo, sendo consubstancial,
será forçosamente único. Ficam pois excluídas as múltiplas lo­
cuções ou idéias divinas 79.

76) Os capítulos 1 3 a 29 d o Monologion s ã o consagrados à dedução


de outros atributos divinos v. g. eternidade, onipotência, etc.
77) Sôbre a consubstancialidade, ler, além do capítulo 29, os capítulos
30, 3 1 , 33, 35, 37, nos quais Anselmo alude novamente à doutrina.
78) Cf. os capítulos 35 e 36, nos quais p rovará que : dicere verbum =
intelligere.
79) O titulo do capitulo 30 rez a : "Quod eadem locutio (divina) non
constet pluribus verbis, sed sit unum verbum."
878 P e n i d o, A meditação anselmiana sôbre o Verbo eterno

4.0 exemplaridade. Por que afirmar que D eus profere u m


Verb o ? O único m otivo que até aqui encontramos para j ustific ar
essa afirmação foi o fato da criação pressupor um plano ou mo­
dêlo, a cuj a semelhança se realizará o mundo a o . Eis aqui o verbo­
exemplar s 1 . Mas, atalharemos, êsse verbo, consubstancial, inte­
lectual, único, possui tôdas as propriedades do Verbo j oanino,
salvo u m a : falta-lhe a subsistência pessoal; é tão-pouco Pessoa
como a inteligência ou a vontade divinas. Permanecemos, ainda
e sempre, sôbre o plano das relações de D eus ad extra. Torna-se
indispensável um novo passo para a frente ; a cadeia, já tão lon­
ga, dos engenhosos silogismos, exige um novo elo !
c) Passagem ao verbo essencial 8 2
Anselmo vai tentar a passagem da ciência, como conhecimento
causal das criaturas, à ciência, como conhecimento formal da
própria D ivindade : do verbo, exemplar dos sêres, ao Verbo, i ma­
gem do · Sumo Ser a s . Realizada a passagem, voltará sôbre seus
passos, a fim de reduzir o exemplar à imagem ; não só porque
em D eus cabe apenas um único verbo, senão também porque,
desempenhando o seu papel de trampolim, que nos lança do vi­
sível até aos refolhos do i nvisível, pode o verbo-exemplar ser
absorvido pelo verbo-essencial.
Dois princípios alicerçam a demonstração anselmiana : a ) a
prolação do verbo é a mesma intelecção ; b ) o verbo é semelhança
80) Capítulo 3 1 . - A n s e 1 m o aqui nega que o Verbo sej a "seme­
lhança" da criatura, o que S. T o m á s apresenta várias vêzes, sob for­
ma de objeção, para explicar em seguida que é questão de palavras : An­
selmo quer tão-somente i nsistir sôbre o caráter ativo do conhecimento
divino, enqu anto o vocábulo "semelhança" tem algo de passivo, de depen­
dente. Cf. De Veritate, q. 3 , a. 1 , ad 1 0 ; q. 4, a. 4, ad 2; a. 5, ad 2.
8 1 ) Dizíamos acima que o pensamento de Anselmo faz abstração da
Escritura apenas aparentemente, porque n a realidade não a perde de vista.
Aqui temos um novo exemplo bem c laro. Diz S. j o ã o : "omni a per ipsum
facta su nt", etc. ; ora, em seu raciocínio aparentemente a priori, A nselmo de­
pende, até literariamente, do texto j oanino. Cf. M., c. 29 : "opportunum
existimo, ut de eius locutione, per quam facta sunt omnia, s i quid possum,
considerem . . . S i enim i l le nihil fecit nisi per seipsum, et quidquid ab eo
factum est, per iliam est factum" ; c. 30 : "est unum verbum, per quod
facta suTZt omnia" c. 3 1 : "Quid tenendum de verbo, quo dicuntur et per

quod facta sunt omnia" ; ibid., in fine : "satis i taque manifestum est, in
verbo per quod facta stmt omTZia, non esse ipsorum similitudinem . . . " -
O processo anselmiano é interessante porque aproxima a Unidade da Trin­
dade ; dificultoso também, pois que ocasiona a tentação de passar horno­
g�neamente da primeira à segunda, atribuindo à idéia-exemplar o que
S. joão disse do Verbo pessoal.
82) Problema amplamente debatido na escolástica, o de saber se o
nome de "Verbo" era exclusivamente pessoal (o fruto da i ntelecção do Pai)
ou também esseTZcial ( intelecção comum às três Pessoas) .
83 ) M., c . 33 : "Ecce qurerenti mihi d e verbo, quo Creator dicit omnia
qure feci t, obtulit se verbum quo seipsum dic i t, qui omni a fecit."
Revis ta Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 879

e co mo tal , ap resenta um caráter relativo . Do primeiro p r in­


c f pio dedu z que um Deus sem verbo é um Deus sem intelecção,
84 : existe pois um verbo, necessa­
0 que se afigura inconcebível
ria mente, em Deus. D o segundo princípio tira uma alternativa :
êsse verbo será semelhança ou da criatura ou do Criador. Afasta
a prim eira s olução, porquanto a inteligência divina não depende
da criat ura (é o inverso que se verifica) ; ademais sendo a cria­
tur a contin gente, poderia não existir,. no qual caso o verbo divino
na da teria a que retratar ; voltaríamos ao D eus sem verbo, ao
D eus sem intelecção 8 5 . Temos pois que, em D eus, existe verbo e
que êsse verbo não se pode referir - ao menos diretamente -
à criatura. Deverá portanto exprimir o próprio ser divino ; será
0 fruto eterno da auto-intelecção do Sumo Espírito. Acode aqui
a analogia agostiniana : se a mente humana pensa em si, recorda­
se de si - bem mais, pensa em Deus e d �le se recor<;la - como
admitir que a Mente suprema lhe sej a inferior ? D evemos pelo
contrário inferir que êsses atos humanos de pensamento e de
memória são apenas míseras cópias dos mesmos atos em Deus 8 6 .
O verbo, exemplar das · criaturas, apareceu-nos dotado de
quatro prop riedades·: consubstancialidade, intelectualidade, unici­
dade, exemplaridade. Quão mais rico o verbo imagem da D ivin­
dade ! Aquêle exprime apenas a participação da Essência supre­
m a ; participações tão longín quas, limitadas, imperfeitas ! �ste é a
expressão exaustiva das per feições entesouradas no seio inson­
dável de Deus. Espanta-se o nosso esp írito quando os astrôno­
mos algo nos dizem dos ilimitados espaços celestes ; desfalece
a imaginação ao sabermos do dilatado tempo que a luz de certas
estrêlas, pôsto que tão veloz, requer para chegar até nossos olhos.
Tudo isso, sem embargo, é sombra e fumaça, contraposto às in-
84) M., c. 29 : "ipsa locutio nihil aliud potest intelligi quam eiusdem
spi ritus i ntel ligentia, qua cuncta i ntel l i & it" ; c. 33 : "quis neget summam
sapientiam, cum se dicendo i ntelligit, � 1gnere consubstantialem sibi simi­
litudinem suam, id est, verbum suum? ' (Notar o têrmo gignere que j á
prepara a doutrina d a filiação 1 )
85) M . , c. 32: "secundum hanc rationem, si nunquam u l l a prreter sum­
mum spiritum esset essentia, nullum omnino esset in i llo verbum. Si nul­
lum in illo verbum esset, nihil apud se diceret. Si nihil apud se diceret,
cum idem sit i l l i sic dicere aliquid quod est intelligere, non aliquid i n­
tel ligeret."
86) Seguindo S. A g o s t i n h o, distingue A n s e 1 m o entre memoria,
que é o pensamento habitual, e cogitatio que é o pensamento atual. (M.,
e. 48. ) O verbo é o fruto da atualização da memória ; fornece-nos uma
semelhança ou imagem mental da coisa. H á entre os dois doutores uma
contradição aparente, pois que Anselmo afirma de Deus a cogitatio,
o que Anselmo nega. Na fase de atualização Agostinho distingue (o q ue
Anselmo omite) um momento de pesquisa, de agitação, de elaboração do
verbo, que denomina propriamente cogitatio e afasta de Deus. Cf. De
Trinitate, 1. 1 5, c. 1 5, n. 25.
880 P e n i d o, A meditação ansel miana sôbre o Verbo eterno

findáveis camadas de ser, que se al argam aos olhos infinitamente


profundos de D eus. Essa visão não é distinta do objeto a ser con­
templado ; tão rico é o verbo divino, quanto o pensamento que
o profere ; é o próprio objeto, transparecendo a si mesmo, qual
luz que se apercebesse luminosa. TãoLpouco se distingue de seu
princípio : é o mesmo pensamento divino, o mesmo D eus ; ainda
menos é sucessivo e fugaz como o nosso : num · só ato, condensa
os séculos em u m presente que não passa.
d ) Redução do verbo-exef!1plar ao verbo-essencial
Tão diversos os obj etos a apreender - o eterno, o tempo­
ral -; tão diversos os verbos que os exprimem - verbo seme­
lhança do eterno, verbo exemplar e não semelhança do temporal
- deveremos porventura admitir em D eus duas formas de co­
nhecimento, logo dois verbos ?
Retorna a dificul dade, de que pensávamos nos haver des­
cartado.
, Contra a dualidade de verbos, vem protestar o famoso axio­
ma que tanto põe à prova os teólogos latinos, ao tratarem da dis­
tinção entre as Pessoas da Trindade : duas realidades i dentificadas
a uma terceira, devem identificar-se com a essência de Deus,
como pois h averiam de distinguir-se entre si ? Mais ainda : todo
e qualquer verbo é semelhança do obj eto conhecido ; e, como o
Verbo eterno, bem longe d e se assemelhar às criaturas, serve­
lhes de modêlo, segue-se que o verbo-exemplar propriamente não
merece o nome de verbo 8 7 . Ao contrário merece-o o Verbo, i m a­
gem da natureza divina.
Desvanecido o verbo-exempl ar, como conhecerá D eus as cria­
turas ? N ão foi j ustamente o conhecimento pressuposto ao ato de
criar que nos levou a afigurar a existência de u m verbo em Deus ?
Responde Anselmo que Deus conhecerá as criaturas, exaustiva­
mente, pelo verbo semelhança de sua essênci a, o qual é, subsi­
diariamente, exemplar das criaturas 8 8 .
Foi intuição genial de Anselmo, insistir sôbre o caráter de
semelhança, como essenci al à noção de verbo. Permitirá estabelecer
uma conexão racional entre os conceitos - à p ri meira vista dis­
paratados - sob os quais nos é revelada a segunda Pessoa : Ver­
bo e Filho 8 9 ; permitirá também a p assagem do tratado da ge-

87 ) Temos aqui um i ndício da falta que Anselmo sentia, da noção de


idéia divina como expressão direta da criatura, enquanto o v erbo divino
exprime di reta mente a Divindade. Cf. S. T o m á s, De Veritate, q. 4,
a. 4, ad 5.
88) M., c. 33 : "uno eodemque verbo, dicit seipsum et qurecumque
fecit."
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 881

raç ão ao trat ado da relação, pois a imagem é relativa ao seu


ori gin al 9 0 •
e) Passagem ao Verbo pessoal
E ' di gno de nota, o fato de não propor Anselmo argumento
al g um para demonstrar a subsistência, em D eus, de um . Verbo
pessoal 9 1 , Medita profundamente sôbre o conhecimento que Deus
te nt de si e das criaturas ; escreve, em suma, um tratado sôbre a
ciência divina ; mas, de forma alguma tenta provar que essa ciên­
cia desabrocha num Verbo pessoal, que se contrapõe a seu prin­
cípio. Aliás, de nada lhe valeria a analogia agostiniana, por­
quanto a trindade psicológica, transposta em D eus, n ão lograria
evidenciar que o auto-conhecimento divino sej a fecundo ao ponto
de se destacar dêle um fruto, a subsistir distintamente do ser
pensante que lhe dá origem . Fôsse embora claro qúe, em nós,
0 verbo se distinguira do ato intelectual, não haveria motivo para
transferirmos a Deus esta oposição ; pelo contrário, ela pareceria
ferir-lhe � simplicidade onf moda. Mais p recário ainda o argu­
mento, se admitíssemos com Anselmo que o verbo se não distin­
gue realmente da intelecção.
Nessas condições, devemos dizer que êle interpretou com
muito acêrto a imagem agostinian a : de um lado, deduziu a con­
substancialidade do verbo 9 2 , do outro l ado, absteve-se de mos­
trar que êste verbo, i dêntico à essência, é também distinto do
Padre que o emite. Todos os argumentos nesse sen�ido permanece­
riam na ordem essencial e poderiam, no máximo, levar-nos a al­
gumas apropriações : ao Padre a intelecção, ao Filho o verbo es­
sencial 93 , N ão seria suficiente mostrar que Deus exprime in­
telectualmente a sua essência ; caberia ainda p rovar que D eus,
ao pensar a sua essência, profere um verbo realmente distinto,
não j á da essência, mas do princípio que o deita de si . A racio­
nabilidade dessa verdade escapa-nos por completo ; defrontamos

89) M., 1. e . "Nulla ratione negari potest, cum mens rationalis seipsam
cogitando intelligit, imaginem ipsius nasci in sua cogitatione . . . H abet igi­
tur mens rationalis, rnm se cogitando intelligit, secum imaginem suam
ex se natam . . . Qure imago eius, verbum eius est."
90) M., e . 38 : "Verbum, hoc ipsum quod verbum est aut imago, ad
alterum est, quia nonnisi alicuius verbum est aut imago."
9 1 ) Aliás todo o tratado da personalidade em Deus está sacrificado.
Agostinho confessava-se incapaz de responder à questão "Quid tres?" ; com
Anselmo o problema não progrediu de modo algum. (Cf. M., e. 38. )
92) Se até . na criatura o verbo não é realmente distinto da intelecção,
a fortiori não o será em Deus.
93) Pode-se também mostrar - e Anselmo o fêz - que Deus atua
"pela sua sabedoria", mas não se pode mostrar, ante .revelationem, que
Deus atua pela "sabedoria-concebida-eternamente". A primeira verdade
é apenas aprnpriada ao Verbo, a segunda lhe é própria. Cf. S. T o m á s,
in Joan., e. 1 , 1. 2, n. 1 .
882 P e n i d o, A medita ção ansel miana sôbre o Verbo eterno

com os véus que recatam o Deus i mp erscrutável, m istério abs­


côndito no qual d evemos crer e que devemos adorar. Nem An­
selmo tenta rasgar, por pouco que s ej a, êsses véus sagrados. Dis­
serta sôbre o "Sumo Espírito", m o stra-O incu rvado sôbre si, ab­
sorto n a con templação de suas infinitas riquezas e, quando ain­
da nos acreditamos no·'. tratado do Deus Uno, eis que o "Sumo
Espírito " aparece-nos qual princípio fecundo, como Pai inclinan­
do-se para o Filho. P assamos, sem nos aperceber, da unidade à
dualidade. Anselmo afirma, por certo, que essa dualidade d e pes­
soas é necessária 9 4 e com tôda a razão, n ada e m D eus havendo
de contingente. Todavia, Anselm o não e xplica, nem pode expli­
car, qual sej a essa necessidade d u m a dualidade de pessoas. Em
compensação, suposta pela fé a dualidade, torna-se possível de­
monstrar apodíticamente que ela deve provir de u m a oposição
relativa 9 5 : duma oposição, sendo esta a fonte de tôda distinção ;
duma rel�ção, sendo esta o único gênero de oposição q u e não
multipl ica o ser divino. Aliás, S . Anselmo, sempre feliz quando se
trata de cunhar fórmulas exp ressivas, fixou para sempre a dou­
trina teológica : Unitas non amittit consequentiam, ubi non obviai
aliqua relationis oppositio 9 6 , N ão apenas a fórmu l a é feliz ; An­
selmo, preocupado em pôr n a devida luz a racionalidade do mis­
tério, deduziu engenhosamente, da p rópria noção de verbo, o con­
ceito d e relação ; essa não aparece mais como adventícia, mas
como brotada das próprias entranhas do dogm a ; h averá homo­
geneidade perfeita entre as diversas i déias de que nos servimos
para expri m i r a Trindade.
Pondera o Santo Doutor que, sendo o verbo por natureza,
imagem ou semelhança, está-lhe i nscrita, n a própria essência, uma
relação a seu original ; por conseguinte é impossível que o Ver­
bo divino s ej a Aquêle do qual p rocede, nem o Princípio pode
ser verbo, porquanto não deriva dum outro 97 .

. 94) Cf. o titu l o do capítulo 38 do Monologion : " Quod cjici non possit
quid duo sint, quamvis necesse sit esse duos", no mesmo capitul o : "Qu am­
vis necessitas cogat ut sint duo, nullo tamen modo exprimi potest, quid
duo sint."
95) M., c. 38 : "propriu m est unius esse ex altero, et proprium est al­
terius,_ alterum esse e x i l lo" ; c. 43 : "sic sunt oppoi;; i ti relationibus, ut alter
nunquam suscipiat propri um alterius ; sic sunt concordes natu ra, u t a lter
semper teneat cssentiam alterius."
96) De procession e Sp. Sancti. (PL. , t. 1 58, col. 288 c.) Sabido é que
esta fórmu l a foi "canonizada" pelo Concílio Florentino : "trium est una
su bstantia . . . omniaque sunt unum ubi non obviat relationis oppositio."
D-B., n.º 703. .
97) M., c. 38 : "Verbum hoc ipsum quod verbum est aut imago, ad
alterum est, quia non nisi alicuius verbum est aut ima ç: o ; et sic propria
sunt hrec a lterius, u t nequaquam a lteri coaptentur. Nam 11le, cuius est ver­
bum aut imago, nec imago nec verbum est."
Re vista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 883

O mesmo conceito de "semelhança" que lhe permitiu p as­


s ar sem hiato à doutrina da relação, vai agora facultar-lh e a pas­
sa gem à doutrin a da filiação.
f) E' Filho porque é Verbo
A segunda pessoa foi-nos revelada sob duas noções diversas
_ Filho, Verbo - ; cabe à teologia não apenas aproximá-Ias, an­
tes harmonizá-las e até tentar reduzi-las uma a outra, já que,
evidentemente, não designam duas p ropriedades diversas : eo Fi­
lius quo Verbum et eo Verbum quo Filius ensina S . A g o s t i -
n h o, aprovado por P i o VI 0 s . Sem embargo, é-nos l icito esco­
lher, como ponto de p artida da redução, um ou outro conceito.
Podemos, isto é, mostrar, ou que ao analisar a "filiação" num puro
espírito somos levados à vida intelectual, ou que a p rolação do
verbo,: numa inteligência perfeita, reveste os caracteres da filia­
ção. Anselmo opta decididamente p elo segundo p rocesso. Já ao
delinear a psicologia do verbo, empregara êle têrmos, que prepa­
ravam o espírito do · leitor à doutrina de geração 99 ; enfrentando
agora 1 00 o problema diretamente, ensina que o Verbo, no qual
a mente divin a expressa a própria imagem, reveste as seguintes
propriedades : 1 .0 êle procede do Sumo Espírito ; 2 .0 p rocede-Lhe
da própria substância e só del a ; 3.0 é-Lhe relativo ; 4.0 sobretudo
a �le se assemelha. Vocábulo não existe que melhor enfeixe tôdas
essas propriedades do que o de "filiação". D iscriminativo, deci­
sivo traço constitui a "semelhança". Ainda que os frutos proce­
dam da própria substância da árvore e lhe sej am relativos, contudo
não os apelidamos "filhos da árvore", por fal tar-lhes o caráter de
semelhança 1 0 1 . Enquanto o verbo mental sendo, por definição,
imagem, será por definição, semelhante àquilo que exprime. Bem
mais, no caso p resente, o obj eto representado é imanente ; logo
o verbo será fruto de u m pensamento reflexo e, portanto, s e asse­
melhará unicamente. ao principio do qual p rovém 1 0 2 . De i nício,

98) Cf. De Trinitate, 1. VII, e. 2, n. 3 et D-B., n.º 1 597.


99) M., e. 33 : " Nulla ratione negari potest, cum mens rationalis seipsam
cogitando intelligit, imaginem ipsius nasci in sua cogitatione . . . habet igitur
mens rationalis, cum se cogitandp intelligit, secum imaginem suam ex se
natam . . " Cf. supra, nota 84.
.

1 00) M., e. 39 : "Quod idem verbum sit a summo spiritu nascendo."


(Títu lo do capitulo. )
1 0 1 ) M., c. 39.
1 02) Os verbos que exprimem realidades extra-mentais, apresentam
duas relações de semelhança : a) à mente que os concebe ; b ) ao obj eto
que retratam. No caso do i ntelecto que reflete sôbre si mesmo, sendo
idênticos o principio e o obj eto do verbo, h averá uma só relação de se­
melhança, como que reforçada. Donde a i nsistência de Anselmo sôbre
o têrmo solus v. g. M., c. 39 : "cum patiat verbum summi spiritus sic esse
ab ipso solo, ut perfectam eius quasi proles parentis teneat similitudinem . . ."

58
884 P e n i d o, A meditação anselmiana sôbre o Ve rbo ete rn o

Anselmo parecia j u l ga r o têrmo " geração" apenas côngruo, quando


a plicado à primeira processão 1 o s ; porém, ao exam i n á-lo melhor,
pareceu-lhe desi g nar tão perfei tamen te a emanação do verbo que,
longe de ser m e táfora, simples comparação, vulgar analogia, de­
signava antes o summum analogatum, porquanto a prol ação do
Verbo divin o m erece o nome de geração, com titulo m u i to mais
j usto e próprio do que as gerações cri adas. Constituem êsse títu­
lo tanto a i n depen dência soberana do Padre eterno - quantas
causas, · pelo contrá_rio, concorrem para a geração humana ! -
quanto a perfeita semelhança do Filho ao seu Pai - não há
prole humana que s ej a i m agem sem defeitos, do seu genitor 1 0 4 .
Fides qurerens intellectum : peta fôrça da dial ética, m anifestou
Anselmo a racionabilidade do texto famoso de S. P a u 1 o : "ex
quo omnis paterni tas i n crelis e t in terra nominatur. " 1 0 5
g) Plano essencial e plano nocional
Assi m , a noção verbo intelectual foi o fio d e ouro que nos
permitiu passar, sem descontinuidade, do Deus criador ao D eus
pensamento ; daí ao Deus que, pensando, profere u m V erbo pes­
soal ; ao Pai enfim, que gera o Filho.
Ainda que, até agora, não impugnamos a dialética anselm i a­
na, antes esforçamo-nos por simpatizar com ela, contudo não es­
crevemos aqui uma apologia do Santo D outor ; primeira pre­
ocupação nossa é a obj etivi dade. D esta sorte, não nos é l ícito
ocultar uma obscuridade que vem empanar êsse pensamen to, de
ordinário tão lúcido e sagaz. Debalde procuramos n o Monologion
a distinção - cap i tal em teologia trini tária - entre plano "es­
sencial" e p l ano " nocional " . A obscuridade ou lacuna não é fruto
dum aci d ente fortuito - J ogo passível de correção• - está en-

1 03 ) M., c. 39 : " . . . si mu lta h u i usmodi non absu rde dicuntur nasci,


tanto congruentius dici potest ve rbum summi spiritus ex i llo existere n as­
cendo."
1 04) M., c. 40 : "tanto vc rior est ille parens et ista proles qu anto
magis et i l l e ad h u i u s n ativitatis perfectionem solus s ufficit, et q Í10d nas­
citur eius s i m i l itudinem exprimit. Namque i n rebus aliis . . . n u lia sic
gignitu r, ut, n u l la admi xta dissi m i l itudine, omnimodam similitudi nem pa-.
rentis exhi beat . . . profecto n u l l i s rebus tam convenienter videtu r aptari
habitudo parentis et prolis, q u am summo spiritui et verbo eius."
1 05) Ef., I I I , 1 5.
- N a controvérsia ( aliás sem importância alguma)
q u e divi d i u S. B o a v e n t u r a e S. T o m á s, dizendo o primeiro : "quia
generat, est P ater" ; e o segu ndo : "quia P ater est, generat", S. A n s e 1 -
m o de antemão opinaria em favor de Tomás. (M., c. 4 1 . ) P rossegu i ndo,
A nselmo propõe qu estões que nos parecem estranhas : Por que a p rimeira
Pessoa nos é reve lada como P a i e não como mãe, e a segu nda como
Filho e não como f i l h a ? Razões devem existir, mas o teólogo hodierno
achará razoável não i n q u i ri-las. A nselmo, confiante nas j ovens fôrças da
i n teligência renascida, enfrenta a tarefa (M., c. 42) . H averá de espantar,
se os argu mentos, por êle aduzidos, tem algo de pueri l ?
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 885

t ranha da no processo anselmiano, é exigida pelo seu método.


esse re quer, como vimos, que a Escritura não sej a invocad a ex­
plicitamente ; fica apenas em campo a razão, esforçando-se por ir
ao encontro da Revelação (j á conhecida pela fé, mas deixada de
lado por artifício de método ) . Segue-se fatalmente que, ao tratar
Anselmo do Deus Trino, invade-nos a impressão perene que nos
encontramos em presença, não já de Pessoas subsistentes e dis­
tintas, senão de personificações dos atributos divinos. A expressão
Summus Spiritus sob a pena de Anselmo, ora designa a essência
comum, ora denomina Deus Padre. Em consequência, a intelecção
do Summus Spiritus ora se desenrolará sôbre o plano essencial
(comum às três Pessoas ) ora sôbre o plano nocional (próprio ao
Padre) sem que Anselmo, aparentemente, se inteire dessa diferen­
ça; nem lho era facultado pela perspectiva em que se colocou.
Essa falha, todavia, não desacredita o método anselmiano, mar­
ca-lhe apenas os limites, salientando-os talvez mais, n a questão
do mútuo conhecimento das Pessoas divinas. Que cada Pessoa
conheça as duas outras, está fora de dúvida ; a dificuldade reside
no explicar por que, dêsse conhecimento recíproco, não surge um
tríplice verbo?
Tanto mais embaraçosa a questão, quanto Anselmo não dis­
tingue entre intel/igere e dicere verbum 1 0 0 , nem aliás lhe é lícito
distinguir. Lembremo-nos, com efeito, que êle escolheu, qual pon­
to de partida, o ato criador, demonstrando que o divino Artífice
1 06) M., e. 6 2 : "Dubium esse non debet, quia Pater et Filit•s et eorum
Spiritus unusquisqoe seipsum et alios ambos dicit, sicut se et alios intelligit."
Cf. e. 31 : "omnia huiusmodi verba, quibus res quaslibet mente dicimus,
id est cogitamus . . . " - Não deixou S. T o m á s de tornar-se sabedor da
dificuldade ; vej a-se a objeção 4.0 do artigo 2, da 4.• Qua!stio disputata
de Veritate, com a citação de Anselmo, e a resposta do Angélico : a) à
primeira vista Anselmo se contradiz ; b) mas na realidade é mera questão
de terminologia : Anselmo tomou o têrmo "dicere, communiter, pro intel­
ligere, et ver bum proprie ; et potuisset facere e converso, si placuisset ei."
Cf. Q. disp. de Potentia, q. 2, a. 4, ad 8 et q. 9, a. 9, ad 8 et t .• p., q. 34,
a. 1 , ad 3. - Como Doutor que é, S. T o m á s preocupa-se em afastar
a objeção que lhe foi feita ; não se inquieta com a interpretação exata do
texto de A n s e 1 m o. Para nós, que estamos procurando entender corre­
tamente Anselmo, a questão não se reduz a um problema de terminologia,
é muito mais grave. Procurando passar, sem descontinuidade, do Deus
Uno ao Deus Trino, vê-se Anselmo obrigado a identificar o intelligere
com o dicere verbum, porque na proposição : Deus intelligit, o suj eito de­
signará então o Padre, conforme o uso antigo. Mas, perguntamos, se :
Deus intelligit = Pater dicit Verbum, de duas coisas uma : a) ou afasta­
mos a intelecção das duas Pessoas procedentes ; b) ou concordamos que
ambas concorrem na produção do Verbo, e que, por conseguinte, êste não
p rocede só do Pai. Para desviar o golpe, Anselmo dá ao Verbum um
se ntido pessoal ou próprio, e ao diecere um sentido comum ou essen­
cial. A escapatória, porém, não logra resolver, nem mesmo afastar a
dificuldade.
58*
886 Pe n i d o, A meditação anselmiana sôbre o Verbo etern o

necessita de um verbo a Lhe servir de modêlo, para a obra a


executa r ; p rovou, em seguida, que êsse verbo não só era exem­
plar, senão também imagem da p rópria essência, em sua auto­
i ntelecção ; resul ta pois claramente que, em D eus, tôda intelecção
será produção de Verbo. Surge logo, espontânea e torturante, a
pergunta : haverá porventura vários verbos, portanto, vários filhos,
em Deu s ? Se, tanto a segunda como a terceira Pessoas são no­
tadas de intelecção, deverá cada qual p roferir, necessariamente,
o seu verbo ! Donde o título do capítulo 62, do Monologio n : "Quod
ex his multi filii nasci videantur." Forcej ando contra a dificul­
dade, pondera Anselmo que única é a intelecção, pois que se
identifica à essência ; convirá à cada Pessoa, sem todavia multipli­
car-se, como não se mul tiplica a essência. único será o Verbo,
como única é a intelecção da qual dimana i o 1 . ótimo, retnicare­
mos, porém escapa-se à triplicidade de filhos, apenas para cair
no triplicidade de pais do único filho ! De fato, a operação in­
telectiva sendo comum às três Pessoas, não existe motivo algum
para que a prol ação de verbo sej a privativa da primeira Pessoa :
demos que haja um só verbo, será êl e filho de todos os três ! Sem­
p re leal, Anselmo, longe de desconhecer a obj eção, formula-a com
inexorável vigor, nem lança m ão de subterfúgios pa r a escapar­
lhe. Confessa-se humildemente i ncapaz de responder : mirum et
inexplicabilel 1 o s Procedesse o ver!Jo da segunda Pessoa e seria
ela semelhança de si própria, nasceria de si mesm a ; procedesse da
terceira e os inconvenientes seriam idênticos. Só se evita êsses
abismos, restringindo ao Padre a emissão dum verbo. ó timo, di­
remos novamente ; mas então, como afirmar ainda que a segunda
e a terceira pessoas são dotadas de intelecção ? Eis-nos encerra­
dos em um círculo, no qual gi ramos sem possibilidade de evasão.
D e novo Anselmo concorda, reconhecendo a sua incapacidade de
divisar solução alguma 1 0 9 . Até nessa confissão de impotência,
revela-se o sumo teólogo ; não tanto porque aceita a derrota (a
derradeira palavra de todo teólogo digno do nome, será sempre
o Nescivi do Cânt,ico ) , mas porque não se obstinou a exigir dum
1 07) M., e . 63 : "Certissimum i a m consideratre rationes reddideru n t :
quidquid summre naturre i nest essentialiter, id perfecte convenire Patri et
Filio et eorum Spiritui singulati m ; et tamen idipsum , si simul dicatu r
de tribus, n o n admittere plu ralitatem. "
1 08 ) L. e . , " l n quo m i r u m q u i ddam et inexplicabile video. Ecce enim,
cum manifestum sit unu mquemque, scilicet P at rem et Filium et Patris
Filiique Spiritum, pariter se et ambos alios dicere, et unum solum ibi esse
Verbum : n u l latenus tamen ipsum Verbum videtur posse dici Verbum om­
n i u m trium, sed tantum u n i u s eoru m . "
1 09 ) M . , e . 64 : "Videtur m i h i h u i u s tam s u b l i m i s r e i secretum trans­
cendere omnem i n tellectus aciem humani, et idcirco conatum explicandi ;
qual iter hoc sit, continendmn puto . "
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 887

método teológico mais do que pode razoavelmente dar. Modéstia


anselmiana, bem digna dum filho daquele Patriarca que, com tan­
ta ins istência, inculc �va a seus monges a discrição !
Se lançarmos m ão de outro método - o método que recorre
ex plicit amente à Escritura - verificaremos que a dificuldade, em­
bora não possa ser plenamente dissipada (o qu� é normal, em
se tratando duma obscuridade que dimana diretamente cio mis­
tério) , todavia ela não urge mais sob forma tão implacável . O
dado bíblico que nos servirá de ponto de partida, j á nos ensinará
que o Verbo eterno procede do Pai somente, insinuando desta
sorte ao teólogo, que êle deye colocar, na fonte do Verbo um
pensamento como que embebido na Relação. Sendo a relação ao
Filho constitutiva da primeira Pessoa, é óbvio que, no Pai, a mes­
ma intelecção será afetada por esta relação. Diremos pois : "Pa�
ter intelligit ut generans" ; teremos então o pensamento nocional,
produtivo do Verbo, porquanto a própria relação de genitor, exige
um têrmo distinto de seu princípio. N a pessoa do Filho, a inte­
lecção será igualmente modificada pela relação ; essa, porém, con­
siste no caso presente em ser gerado por via intelectual. O Verbo
existe, como Pessoa, somente porque é gerado, o que nêle exclui
a geração ativa : " Filius intelligit ut genitus" ; teremos então o
·

pensamento essencial, não produtivo de verbo. Aliás, o próprio


nome de "Verbo" implica relação a um princípio pensante que
o profere ; insinuando �ssim que a segunda Pessoa não será prin­
cípio ativo de processão, na linha intelectiva 1 1 0 ; ela pensará,
não como proferidora de verbo, mas como Verbo proferido 1 1 1 .
O processo teológico que acabamos de esboçar possui, sôbre
o de Anselmo, a vantagem de não parecer multiplicar os verbos
em Deus. Aproveitemos-lhe pois a luz, sem todavia esquecermos
a sombra que encerra em si : como não transformar a intelecção
nocional e a essencial, em duas atividades diversas ? - De outro
lado, se êsse processo aparenta um contacto mais estreito com
o dado revelado, em compensação, cumpre não esquecer que,
1 1 0) Podemos, com efeito, conceber que, na mesma Pessoa divina,
existam as relações de "principia do" e de "principio" , contanto se refiram
a processões de índole diversa. (V. g. : a primeira por via de inteligência,
a segunda por via de amor. ) Porém, ser a um tempo principio e princi­
piado n a mesma linha (v. g. o Verbo proferido ser proferidor de verbo)
é coisa i nconcebível.
1 1 1 ) Cf. S. T o m á s, Summa tlzeologica, 1.• p., q. 34, a . 2, ad 4.
-

Do mesmo modo, no que tci iz respeito à causa exemplar do universo. De­


monstramos a criação e provamos a existência das idéias divinas como
exemplares das criatu ras ; cremos no Verbo como exemplar gênito ; em
outros têrmos, à luz da fé na Trindade, as idéias divinas nos aparecem
como ab alio e vem-se agru par no Verbo procedente. Cf. D e Veritate,
q. 4, a. 4, ad 4.
888 p e n i d o, A meditação anselmiana sôbre o Verbo eterno

para h aver teol ogia, não basta a fé, é ainda indispensável a razã o
- fides qucerens intellectum. Louvemos pois S . A n s e 1 m o que
tem perou admiravelmente o aço de que é feito o instrumento da
teologia ; permitindo aos Doutores que lhe sucederam levar a
profundezas nunca ainda atingidas a meditação do sumo mistério.

Paróqu i a e D i ocese em face da Ação Catól i ca


pelo Pe. Orlando Machado, Professo r do Seminário Metropolitano, Belo
Horizonte, Minas Gerais

J. Concepção jurídica
A H ierarquia recebeu de Cristo uma tríp lice missão : ensinar,
governar e dirigir.
E n s i n a r. - " I de e ensinai a tôda a criatura." E' a missão
de testemunhar perante o mundo o que o Verbo, Palavra viva do
Pai, ensinou também. Ensinar com a mesma autoridade do Filho.
A I grej a é mestra, coluna e fundamento da verdade. Ela é aqui na
terra, em face dos homens, esta grande luz colocada no alto, o
Verbo de Cristo como Cristo é o Logos do P a i.
S a n t i f i c a r. - A Igrej a é mãe também. Pelo Sacrifício
e Sacramentos ela comunica vida nova, a vida da graça, e gera f i­
lhos não nascidos da carne e do sangue, mas nascidos do Espírito
do Pai e do Filho : "A caridade de Deus é difundida em nossos
corações pelo Esp írito, no qual clamamos Abba : Pai ! "
O o v e r n a r. - A Igrej a n ão t e m apenas u m elemento in­
visível, a corrente vital da graça que l iga membro a membro e
êstes à cabeça. Assim como Cristo não tem apenas uma função
' vital mas j urídica perante a humanidade, assim a I grej a tem tam­
bém a sua parte visível . Ela é também uma sociedade visível na
qual há uma autoridade, uma H ierarquia, um serviço de caridade
que se ordena para a santificação das almas, com a tríplice mo­
dalidade de todo o império : poder l egisl ativo, j udiciário e executivo.
Em poucas palavras, a Igrej a tem o poder de ordem e de j u­
risdição. este último é um gênero que comporta uma espécie :
o magistério.
O poder de Ordem é conferido no Sacramento da Ordem e,
quando fundamentado no caráter, é imutável. R efere-se à santi­
fiq1ção individual de cada membro da I grej a e ordena-se para o
centro e sumo de todo o culto litúrgico : O Sacrifício-Sacramento
e o Sacramento-Sacrifício.
Revista Eclesiástica B rasilei ra, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 889

o po der de j urisdição quando de instituição divina é comu­


n i ca do dir eta ou indiretamente, e sendo de instituição eclesiástica
su põ e uma delegação eclesiástica. Seu objeto é o Corpo Místico
d e C ris to, a Igrej a, Incarnação continuada, na expressão de
B o s s u e t.
Por direito divino os únicos detentores dêste poder são os·
Bispos unidos ao P apa, cabeça visível da Santa Igrej a.
Papa
O Papa tem uma dupla primazia na I grej a : de honra e de
ju risdiç ão.
1. D e h o n r a. - O Pontífice Romano, sucessor de Pedro
na primazia, tem o primeiro lugar de honra, porque é o Chefe vi­
sí vel da Igreja, representante de Cristo. ( Cânon 2 1 8 , § 1 . )
ele é o chefe visível da Igrej a. E' cabeça da Santa Igreja aqui
na Terra. A cabeça tem uma dupla função, uma dupla influência
sôbre os membros :
a) Influência intrínseca : ela é a fonte da Vida motriz e sen­
sitiva. E' a função vital.
b) Influência extrínseca : é ela quem dirige as operações do
homem no seu comércio com o mundo que o cerca. E' a função,
por assim dizer, jurídica.
O ra, o influxo interior, profundo, vivo, da graça, só pode ter
sua origem em Cristo, cuj a humanidade, unida hipostaticamente
ao Verbo, tem o poder de santificar como causa instrumental da
D ivindade. "E' Cristo quem batiza", diz S. Agostinho.
A humanidade do Verbo é causa instrumental unida ao Ver­
bo e o Sacerdote é ainda como que o prolongamento desta huma­
nidade, instrumento consciente e unido ao Verbo.
Quanto à ação exterior sôbre os membros da Igrej a, Cristo
pode comunicá-la à Hierarquia. Em Cristo, êste poder é indepen­
dente de qualquer circunstância. Tran5cende o tempo e o espaço :
"Eu estarei convosco até à consumação dos séculos."
O Bispo é cabeça de sua Igreja particular.
O Papa é chefe da Igrej a Un iversal, e ambos são cabeça e
fundamento da Igrej a enquanto membros do único Pastor, diz S.
·

Agostinho.
I I . O Pap a tem ainda o poder de j u r i s d i ç ã o : O Pon­
tífice Romano possui também o poder de jurisdição no que se re­
fere não somente à fé e costumes, mas ao govêrno da Igreja em
todo o Universo, sendo seu poder :
a) supremo : superior a todo outro poder na Igreja e é
inapelável.
b) íntegro : isto é, perfeito, completo.
890 Ma e h a d o, Paróquia e Diocese em face da Ação Catól ica

c) universal : estende-se a tôda a I grej a e a cada uma de


suas partes e membro s.
d) v erdadeiramente episcopal : não se trata de um direito de
mera inspeção, direção, nem ainda é semelhante ao poder dos Me­
tropolitas para com os sufragâneos. E' poder de govêrno como
possui cada Bispo em sua diocese.
e ) ordinário : é possuído em virtude do p róprio pontificado.
f) im ediato : exerce o poder e pode exercê-lo de modo dire to
sôbre o conjunto das Igrej as e sôbre cada uma em particular, sem
a intervenção dos Pastôres destas I grejas ou dêstes fiéis.
Bispos
" S ão os sucessores dos apóstolos e são prepostos de direito
divino, a I grejas particulares que governam com um poder ordi­
nário, sob a autoridade do Papa. " ( Cânon 329, § 1 . ) ,
Não sucedendo aos apóstolos senão em corpo, colegialmente,
não gozam da jurisdição ilimitada que possuíam os Apóstolos sô­
bre tôdas as I grej as sob a autoridade de Pedro, e não recebem
os· carismas extraordinários conferidos aos Apóstolos. Ainda que
de instituição divina, não recebem, talvez, a j u risdição de manei­
ra imediata por Deus, mas seus poderes, de direito divino, não po­
dem ser limitados a ponto de serem praticamente abolidos. Contu­
do exercem-nos sob a dependência do Papa.
Os Bispos residenciais são os Pastôres ordinários e imediatos
nas dioceses que lhes são confiadas. ( C ânon 334, § 1 . )
a) poder ordinário : tem-no unido ao próprio cargo por um
poder eclesiástico e divino.
b) imediato : exercem a sua autoridade sôbre seus súditos
de modo direto, sem nenhum intermediário necessário.
São verdadeiros P ríncipes da S. I greja, com o direito e o
dever de reger a diocese no espiritual e temporal, pelo tríplice po­
der legislativo, judiciário e coercitivo. ( Cân. 335, § 1 . )
Cada Bispo na sua diocese é Mestre autêntico de Fé e ver­
dadeiro Doutor dentro da sua Igreja. Unidos em Cpncílio Ecumê­
nico, quando aderem à cabeça que é o Papa, s·ão infalíveis.
Párocos
Nos três primeiros séculos não havia paróquias distintas. O
Bispo assistido por Sacerdotes e Diáconos formava o Presbyterium
e só êle exercia e centralizava em si tôdas as· funções pastorais.
No século li, em Roma, existiam os tituli p resbiteriais que alguns
confundem com Paróquia. Entretanto, não passavam de simples
centros dependentes do Presbyterium para a prepara ç ão dos ca­
t ecúmenos.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 89 1

Só no séc. IV começam a se esboçar as primeiras Paróquias


c ujo Clero compreendia : Padres e diáconos. No O riente são gover­
na das por coepísco.p os assistidos por sacerdotes e ordenados por
B is pos.
No séc. IX. ao XI as Paróquias se colocam sob a proteção de
alg um vizinho influente e poderoso. Tornam-se verdadeiras pos­
s es sões feudais. O culto degenera em tôrpe comércio e a palavra
do Evangelho é tomada e aplicada ao pé da letra : "aquêle que
po d e p egar, pegue " .
Foi, justamente, neste período tão triste, em pleno século XI
que a Providência chamou para a S. Sé um monge austero e de­
cidido, Hildebrando, verdadeiro fogo das batalhas, Gregório V I I ,
que tirou as Pflróquias dêstes p astôres escandalosos e simoníacos.
Finalmente, o Concílio de Trento dá à Paróquia sua forma
definitiva até hoj e em vigor, na legislação canônica : "Divida-se
a diocese em fontes territoriais distintas com sua Igrej a e diretor
peculiares, como pastor de um todo determinado para o necessá­
rio cuidado das almas." (Cânon 2 1 6. )
Os Párocos não são, como os Bispos, d e instituição divina.
A Paróquia com o ofício que lhe está anexo não é de instituição di­
vina, nem mesmo apostólica. E' meramente eclesiástica.
Os jansenistas, galicanos e j osefistas sustentaram ser ofício
do cura um grau de Hierarquia de Direito divino. Esta doutrina
foi condenada e sabemos pela H istória que só no século IV foram
eretas Paróquias.
Na origem da Igreja a diocese chama-se Paróquia e só no co­
mêço do século IV é que o nome de D iocese substituiu o de P a­
róquia. Isto não obstante, a maioria dos poderes dos Párocos são
anexos pelo D i reito Canônico ao seu ofício. Não sendo entretanto
Chefes de Comunidade, Pastôres no sentido ·p leno da palavra e
não recebendo a plenitude do Sacerdócio, não gozam do poder
legislativo, judiciário e coercitivo :
a) Não podem editar leis para suas Paróquias.
b) Não podem - ao que pelo menos parece - dar precei­
tos sob pena de pecado.
Seus .poderes restringem-se ao fôro interno, à consciência, sob
forma de avisos, advertências, regulamentos para manter e des­
envolver a piedade dos fiéis e a organização do culto, mas nunca
para privar os fiéis do que lhes é devido por direito. Trata-se do
poder dominativo ao lado do verdadeiro poder administrativo do
qual gozam.
No sentido estrito, no fôro externo, os Párocos não têm ju­
risdição. L' Ami du Clergé diz : no sentido estrito jurisdição e cura
são dois têrmos contraditórios. (Junho de 1 930. ) A razão é que
892 M a c h a d o, Paróquia e Diocese e m face da Ação Catól ica

j u risdição no seu sentido próprio significa poder de governar e


êste comp reende necessariamente a tríplice modalidade de todo
o poder completo : legislar, j u l ga r e aplicar penas.
Entretanto, a I grej a confere aos Párocos alguns poderes. N ão
podemos dizer, simplesmente, serem êles meros delegados do Bis­
'
po, porq ue s e acham mun idos de certos di reitos conferidos pelo
D i reito que sem motivo legítimo não podem ser restringidos. N ão
faze n do parte da Hierarquia de jurisdição divina, contudo, pela
Instituição eclesiástica, podem nela ser incl u í dos. ( C ânon 1 08 . )
Por isto e m relação à A . C . , p e l o menos, podemos d i z e r que a
H ierarquia da jurisdição se compõe do P apa, dos B i spos e dos
Párocos. O Párocb n ão é u m simples Assistente da junta Paro­
quial ; é seu D i retor.
Receben do a A. C . uma missão que eleva o apostolado do
leigo de particular à categoria de oficial e público, e isto por u m a
delegação, é c laro q u e ê s t e laicato só poderá depender, essencial­
mente, da Hierarquia divina, pois é a única depositária daquela
m issão brotada, como diz P i o X 1 , dos lábios e do coração de
Cristo.
O acôrdo firmado entre a S. Sé e o Govêrno I taliano ( 2 set.
1 93 1 ) é claro : "A A. C. é essencialmente diocesana e depende dire­
tamente dos B ispos . " As di retrizes da Conferência de Fulda em
29 de agôsto de 1 933, repetem a mesma doutrina : "A A. C. é
uma organi zação diocesana que coloca à disposição do Bispo gru­
pos diocesanos." P i o X 1 em discurso de 1 O de j aneiro de 1 934
diz : "A. C. é ação do laica to sob a autoridade do Bispo com a
colaboração do Clero."
I sto, de modo nenhum significa tirar a autoridade do Pároco.
B asta-nos citar P i o X 1 : " 0 apostolado h ierárquico funda-se e
person ifica-se no Episcopado . . . apostolado genuíno em su a pri­
meira l inha construtiva traçada pelo D ivino Construtor da I grej a.
Assim como foram o s Apóstolos, assim também os B ispos con­
tinuam a ser a longa manus do D ivino Redento r . . . e os Párocos,
por sua vez, são a longa manus dos B i spos. Aos Bispos compete
traçar as grandes linhas, dar as magnas direções, intervir nos mo­
mentos importantes ; aos Párocos, receber e acatar as disposições
do B ispo . · . " ( 1 7-IV-936.)
.

li. Concepção teológica


Mas n ão basta u m a noção j u rídica sôbre a D iocese e a P a­
róquia. O que importa, antes de tudo, é ter de ambos uma con­
cepção teológica e ver n a Paróquia e D iocese não ineras circuns­
crições territoriais, mas sêres v ivos, Comunidades vivas, parcelas
vivas do Corpo Místico de Cristo, segundo a bela e fecunda dou-
Re vista Eclesiástica B rasilei ra, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 893

trina paulina : "Assim constituímos todos nós um só Corpo em


Cristo, ao passo que entre nós somos membros diversamente do­
ta dos ." ( Ro m 1 2 , 5.)
A paróquia
Uma visão puramente j u rídica da Paróquia, vamos ser cla­
ros o faze r de Paróquia uma célula fechada, eis aí a p rimeira
,
ba rrei ra ao desenvolvimen to e compreensão da A. C.
Paróquia não é apenas organização com direitos e deveres
definidos, e o Pároco não é um mero administrador. Nela, a orga­
nização existe para o organismo como o corpo para a alma. Se
fôsse somente organização, qual seria a relação do Jaicato para
com o Pároco ? Apenas de obediência.
Mas êle não é só · isto. E' isto e mais do que isto. E' parcela
do Corpo Místico da qual o Pároco, sob a dependência do Pas­
tor que é o Bispo, é Pai Espiritual . Neste sentido, nesta visão é
que se pode aplicar à Paróquia a palavra do Evangelho : "Vós
todos sois irmãos." Neste sentido, a Igrej a não se resume apenas
na H ierarquia e a próprra autoridade da Igreja está a serviço da
Comunidade. "A Igrej a - diz S. C i p r i a n o - é o povo unido
ao _;eu Pastor."
Neste sentido, cada um de nós tem uma função dentro do
Corpo Místico, e "o membro - diz S. P a u 1 o - que parece mais
desprezível, não é menos necessário" .
Como é expressiva e larga a linguagem de S. A g � s t i n h o.
Fala aos seus diocesanos como Bispo e sem perder sua autorida­
de, no aniversário de sua ordenação, chama-lhes i rmãos : "Para
vós, sou um Bispo. Convosco sou um cristão. A primeira qualida­
de, elevando-me acima de vós, impõem-me um cargo que me traz
gran de responsabilidade. A segunda, igualando-vos, é para mim,
como para vós, o princípio da graça e da salvação. N a verdade,
é-me mais doce e vantajoso ter sido unido convosco, do que estar
à vossa frente como Bispo." ( Sermão CCXL I I I , 1 . )
Só uma volta à doutrina do Corpo Místico aplicado à nossa
vida, à Paróquia, à D iocese, p reparará para a A. C. melhores dias.
Enquanto a Paróquia fôr encarada apenas sob o ponto de vist à
jurídico, terá o nome bastante comercial de freguesia e as belas
palavras de S. J o ã o C r i s ó s t o m o serão estranhas à maioria
dos fiéis : "A verdade que é necessário compreender bem é que
todos nós somos um só Corpo e que não há entre vós outra dife­
rença que a de membro para membro. Se assim é, não lancemos
tudo sôbre os ombros dos Padres." ( ln Epist. ad Cor. Rom. 1 8
- P . O . 6 1 , 577.) Mais do que nunca é necessário ter-se do Bispo
uma concepção teológica, olhá-lo menos como simples administra-
894 Macha d o, Paróquia e Diocese em face da Ação Catól ica

dor do que como D outor, Pai e Pontífice. E' o melhor modo de


se com p reen der o sentido vivo de Paróquia e D iocese.
Ainda que a Paróquia n ão sej a celula-mater é - o fundamen­
tal, e a A. C. será organizada em bases paroquiais. E por que isto ?
Com preende-se p erfeitamente : o Pároco é aquêle que mais unido
está ao B ispo, e que diretamente participa de seus cuidados pas­
toráis : "Todo o Pároco - diz P i o X I I - é u m apóstolo que
se fêz tudo ·p ara todos, a fim de a todos salvar. ele é P ai e
Pastor de almas. Ao altar,. nas fontes b atismais, no tribunal d a P e­
nitência, à mesa eucarística, n a bênção dos esposos, no leito dos
enfermos, n a agonia dos moribundos, entre as crianças ávidas do
futuro, nas Famílias e nas E scolas, nos asilos de dor e nas casas,
nos púlpitos, dos sorrisos e vagidos que p artem de cândidos b e rços
aos silentes cemitérios dos que repousam n a expectativa de um
imortal renascimento, o Sacerdote é, nas m ãos de Deus, o minis­
tro, o instrumento m ais operante." ( 6 - I I I-940.)
A di o c es e
O B ispo é o D ou tor, P ai e Pontífice, na D iocese, sua E spôsa.
ele é o grande liturgo, o gran de orante. Quando celebra o Sacri­
f ício, a E ucaristia, n a sua Patena, depõe tôdas as m anhãs, a s u a
D i ocese numa oblação total, e n ó s sacerdotes e leigos, consagramos
e oferecemos em união com êle e com o P apa, n a expressão do
·

Cânon.
A C atedral onde celebra, pontifica e prega, é o centro d a s u a
D iocese e as igrejas paroquiais l h e s ã o como que outras tantas
filiais.
Basta recordar uma cerimônia litúrgica : a do Sábado S anto.
Só o Pontífice sagra os ·s antos óleos rodeado de seu Clero e d e
s e u povo. N a ordenação sacerdotal, senta-se ê l e n a catedral, hem
em f rente do altar, e ali, como de uma fonte, vão receber as O r­
dens sacras os seus filhos, a fim de ·p articiparem da plenitude da
su a P aternidade espi ritual . E' que o B ispo traz e m si todo o mis­
tério da fecundidade espiritual d a I grej a. Unir-se a ê l e é estar em
comunhão com o Corpo Místico d e Cristo, com a I greja Univers-a l.
Outrora, realizava-se a unidade perfeita e visível em u m só
poyo, uma só cátedra, um só . Baptisterium, u m só Presbyterium.
A D i ocese, o u Paróquia Episcopal, é o fruto d a Paternidade
ep iscopal . E' um ser vivo, é um organismo vivente e que assim
cresce aos seus olhos e ao do Clero, gerada no Batismo e alimen--

tada pela E ucaristia.


·

A Igrej a é Mãe fecunda. Seus fil.h os crescem. Tornam-se mul­


tidão : "Todos os povos se congregam e vieram a ti, teus filhos vi­
rão d e longe e tuas filhas surgi rão de todos os lados. Então ve-
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezen:ibro 1 943 895

rão e estarão na opulência ; · teu coração se maravilhará e se dila­


tará quando a ti vier a multidão de além dos mares e os grandes
dentre os pagãos de ti se acercarem." ( Epist. da Epif. )
Sara torna-se fecunda e então, por desdobramento, das Dio­
ceses nascem Paróquias e estas são o fruto da ·p aternidade do
Bispo, que continua o centro de tudo : "Na sua Igreja particular,
na sua diocese é que o centro do govêrno e da unidade virá de
vida sobrenatural, fundamento no qual repousa o edifício, como
0 Papa é o centro da unidade, fundamento sôbre o qual se firma
a Igreja Católica." ( Mgr. T o u c h e t.)
O B i s p o é D o u t o r. Seu ·nome essencial é Verbo de
Cristo na terra como Cristo é o Verbo do Pai. Fala. Abre a sua
bôca no meio da Comunidade. Dá a cada u m a sua medida de tri­
go. Sua cátedra episcopal é o símbolo do .seu poder magisterial.
A g o s t i n h o dizia a seus paroquianos : "Na cadeira episcopal so­
mos vossos mestres e doutores, mas nesta escola, sob êste único
Mestre, somos vossos condiscípulos." ( Enarr. in Ps. 1 1 0.) Assim
tôda a p regação é participação do poder magisterial do Bispo.
Os Bispos Africanos reservaram para si o direito de pregar. S. J e­
r ô n i m o deplora amargamente o caso. ( P . L. 22 Epist. 52 col.
534. ) Valério é o p rimeiro B ispo a dar licença a um simples Pa­
dre - o futuro B ispo de H ipona - para pregar. ( Possid. in vita
S. Aug. 1 1 . ) H ouve uma grita geral e protestos calorosos. (Vacant
D . 1. C., I, 2275. ) Tôda novidade no comêço é de fato combatida.
Hoje, quem se admira de na Igrej a haver uma O rdem de Padres
que colocam depois do nome O . P . : O rdem dos Pregadores ?
E' P o n t í f i c e. Como mestre sua dignidade refulge na Mis­
sa dos Catecúmenos. A sua pregação é engastada na Missa e o
Credo é o Amém da Assembléia às suas palavras. ( D . C o e 1 h o,
O. S. B . ) Mas como Pontífice todo o seu esplendor se concentra
no silêncio, no coração do "Cânon", a regra por excelência : a
Consagração. O ator era a coisa essencial. O resto era coisa aci­
dental e S. G r e g ó r i o deixou-nos uma página belíssima sôbre
a impressão que se.. apoderou do Imperador V a 1 e n t e quando
contemplou o Bispo S . B a s í 1 i o celebrando os Santos Mistérios :
"Entrando o Templo, acompanhado de tôda a sua guarda - era
o dia da Epifania e havia uma multidão imensa - Valente tomou
o lugar no meio do povo realizando assim a unidade, a esta cir­
cunstância merece não ser esquecida. Q uando a salmodia feriu-lhe
os ouvidos como um ruído de trovão, quando viu êste oceano de
povo e tôda esta bela ordem em tôrno do altar, mais angélica do
que humana, viu de uma parte Basílio em face ao povo, de pé, na
atitude em que a S. Igrej a representa Samuel, sem um movimento
no corpo, nos olhos como se nada de n ovo acontecesse, como uma
896 Ma e h a d o, Paróquia e Diocese em face da Ação Católica

estrê la, se assim posso dizer, fixa em D eu s e no altar ; e de out ra


pa rte os santos o rodeavam na fé, no temor, e no amor . . " ( D is­.

cours Funeb res, S . G reg. 329-390. ) E' q u e outrora h avia a un ião


i deal : o p ovo e m tôrno d a a ra sacrifical e o S acrifício concelebr a­
do p elo B ispo e seu Clero. E ra a reali z ação plena das palavra s
do Cânon no "Memento" : et omnium circunstantium . E ra a uni­
dade do altar n a unidade d o S acrif ício. Mesmo depois d e criadas
as Paróquias e de haver nas mesmas a celebração d o Sacrifício,
o Bispo enviava aos tituli o fermento por êle confeccionado, como
símbolo da unidade. H oj e ainda h á vestígios desta u n i ão n a Q uinta­
Feira Santa, n o dia do aniversário da orden ação episcopal ; mas
com o s e p e rdeu, hoje, o sentido forte e consciente d a antiga u nião
com o Pontífice e Pai Espiritual da D iocese !
E' P a i . O B atistério é ó símbolo d a fecundidade espiritual
do B ispo. O B ispo na terra é o reflexo d o Pai e como Adão, j á
nasce adulto, d e posse d a plenitude d o poder. Tôda o utra pater­
nidade é participação da s u a : "Ainda que tivésseis m i lhares de pe­
dagogos em Cristo, não ten des todavia m u i t os Pais. O ra, pela p re­
gação do Evangelh o e u me tornei vosso Pai ' em C risto" , d i z S . P a u­
l o aos orgulhosos e desdenhosos coríntios ávidos pelos o u ropéis
enganadores d e u m a oratória fác i l e profana. ( 1 Cor 5, 1 4. )
A unidade do Batistério. A t é h oj e, n a Vigília da Páscoa é o
B ispo que, com seu Clero e cercado d e seu p ovo, benze as fontes
batismais, e o batismo dos adultos lhe é reservado. No século VI
os Batistérios começaram a ser concedidos à s P a róquias. E' que,
mais uma vez, o B atistério Paroquial é sucursal d o E piscopal e
os Padres s ão , ·n a expressão do Pontifical, " p róvidos cooperado-
res da Ordem episcopal" . .
O Bisp o participa ainda d a realeza d e Cristo. Mas qual é a
função da autoridade n a I grej a ? A resposta só pode ser u m a : é
função de amor, é serviço de caridade. Já S . 1 n á c i o d e A n­
t i o q u i a saudava a I grej a que está e m Roma como a Presidente
do Amor.
Ninguém m a i s belamente focal izou esta doutrin a do q u e
K a r 1 A d a m n o c a p . I I I d o s e u l ivro A Essência d o Catolicismo.
( Editôra Vozes Ltda., P etrópol i s . ) Na I grej a se reali z a o mais
audacioso sonho d e uma igualdade democrática. Nela' a u n i dade
e a caridade construíram u m a casa e nesta · casa só habitam, se­
gundo a expressão d e S . C i p r i a n o ( ap u d S . Aug. d e B at. c.
Don. V I I , 4.0) , o s que têm u m mesmo coração e u m mesmo espí rito.
S e só o B ispo: n o s dá esta i m p ressão de contin u i dade e u n i­
dade na I grej a, s e p o r ela n os unimos à I grej a, enquanto êle, como
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 897

membro do Corpo episcopal, tendo o Papa como cabeça, parti­


cipa do govêrno universal da Igrej a, "se a Igrej a Paroquial é nos­
so lar espiritual na medida em que é filial da Igreja Mãe" ( Quest.
Lit. IV, 1 9 1 3- 1 9 1 4, pág. 28) , é através da compreensão teológica
do Bispo e da Diocese que melhor compreenderemos o espírito
pa ro quial e que a A. C. realizará uma de suas mais importantes
· taref as : a volta à Paróquia.
" 0 monaquismo é a vida cristã realizada em sua forma cris­
tã mais perfeita e mais lógica possível nesta terra." ( D . E s t ê­
v ã o T a v a r e s, O. S. B., in A Ordem, n.º 3, 1 942. )
Pois bem : O Bispo " é suposto perfeito n o momento e m que
êle recebe a unção do Sacerdócio supremo" . ( Card. M e r c i e r,
La vie Intérieure. ) �le é o Bom Pastor, obrigado a dar a vida pe­
las suas ovelhas, e esta caridade pastoral jurada no dia da sua
ordenação episcopal, esta obla,ção total de sua pessoa à Igrej a,
deve fazê-lo religioso "protetor" da Comunidade cristã, amor vi­
sível e concreto. Se o religioso Padre que não tem amor de almas
é superior pelo estado ao sacerdote que tem cura de almas mas
não é religioso, é a êste inferior pelo ofício. Dadas as proporções,
vêde a dignidade da A. C. : Participa da mesma missão brotada
dos lábios e do coração de Cristo. Instrumentos de escolha nas mãos
da H ierarquia, os leigos são chamados a participar até de seu pró­
prio grau de perfeição, que é uma participação na perfeição episco­
pal . (2.ª 2re, q. 1 85, apud P o 1 1 e t , o. c.)
Também ao leigo em proporção ao seu estado e capacidade,
o Bispo, de certo modo, pede, dentro da A. C., a p romessa de
obediência e reverência e a resposta não se fará esperar : Presente i
- Presente ! "Palavra aristocrática" , disse D a n i e 1 R o p s.
- Presente ! "Palavra apostólica", dirão todos os leigos fer-
vorosos.
- Presentes ! Presentes para realizarem na arena do mundo
a eterna mensagem do Evangelho :
"Eu vim para que tenham a Vida e a Vida na sua plenitude."
898 Z i o n i, Noções de Direito Litúrgico

Noções de Direito Litúrgico


pelo Pe. V i c e n t e M. Z i o n i, Professor do Seminário Central de lpiranga,
São Paulo

Introdução geral.
a ) Direito litúrgico. b ) Fontes do Direito.
1 . Fontes "essendi et existendi" do Direito litúrgico.
1 . Causa eficiente da S. Liturgia.
a ) Causa eficiente djvina.
b ) Causa eficiente humana.
c ) H istórico do poder lit(1rgico da I grej a.
2. Exercício do poder litúrgico na I grej a.
§ 1 . O Papa e a D isciplina atual.
a) Principio de exclusividade ;
b) natureza dêste poder pontiffcio ;
c) exercício do poder pontiffcio ;
d) Congregação do Concilio ;
e) Congregação da Disciplina dos Sacramentos ;
f) Congregação do Cerimonial ;
g) Congregação da I grej a Oriental ;
h) Congregação dos Ritos (S. R. C . )
§ 2. O s Bispos e a D isciplina atual.
a ) I ntrodução.
b ) Disciplina atual.
c) Restrições.
d ) Atribuições.
e) Facu ldades.
§ 3. Erros dogmático-j urfdicos em matéria de Direito litúrgico .
. a) Introdução.
'' b ) Erros protestantes.
c) Erros galicanos.
§ 4. A autoridade civil e . o Direito litúrgico da Igrej a.

Introdução geral
Liturgia, na acepção mais comum e generalizada do têrmo é,
em grande s íntese, o Culto da Igreja, ou mais explicitamente, o
seu Culto público.
Efetivamente, em todo ato de culto há sempre dois elementos
essenciais a considerar : uma prestação de honra à pessoa cul­
tuada, e uma expressa protestaçã4> de suj eição ou dependência de
quem pratica o ato de culto. Donde o dizer-se que o Culto divino
não é mais do que a honra que tributamos a Deus, de conj unto
com a manifestação humilde da nossa inteira e absoluta depen­
dência : " honor Dei cum servitute coniunctus."
�ste culto pode ser dirigido a Deus diretamente, como tributo
da nossa adoração (culto de latria ) ; ou indiretamente, como culto
de veneração ( dulia) àquelas criaturas que, pela virtude e emi­
nente santidade, melhor e mais esplendorosamente manifestam as
grandezas de Deus. E' o culto relativo, pelo qual honramos os
Anjos e os Santos.
Re vista Eclesiástica Brasilei ra, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 899

Um a e outra modalidade de culto pode ser expressa pelo ho­


mem d e dois modos distintos : internamente, quando no ato de
c ul to em pregam os de um modo saliente e quase exclusivo as nos­
sa s fac uld ades interiores ; externamente, quando à ação das potên­
ci as da alma unimos uma acentuada participação externa do nos­
so cor po e sent idos corporais.
O culto externo, substrato sôbre o qual a divina Liturgia vai
fi rm ar seus alicerces, pode ser exercido na I grej a, pública ou pri­
va dam ente . Será culto externo e privado quando exercido pelos
mem b ros da I grej a, como indivíduos e em nome próprio ; externo
e p úb lico, sempre que o indivíduo como tal desaparece, para agir
em nome da I grej a, publicamente. E aqui temos o que diríamos
0 Culto Litúrgico na sua fase embrionária, porque destituído da­
quelas qualidades que estritamente o constituem n a categoria de
culto litúrgico pleno jure.
Para isso faz-se mister' ainda que os atos do culto externo e
público sej am feitos segundo as normas traçadas pela suprema
autorid ade na I grej a, normas que se enc9ntram estereotipadas prin­
cipalmente nos livros litúrgicos fundamentais ( Missal, Breviário,
Pontifical, Ritual, Cerimonial dos Bispos e Martirológio ) , e n a
exuberante Je·g islação litúrgica d a I grej a.
Sem isto, j amais um ato de culto, embora público, poderia
constituir culto estritamente litúrgico, Liturgia, ou Culto da I grej a.
A boa compreensão· ?ª Liturgia s � põe � �ns : g ��emen te uma
. . .
1dé1a exata, quanto poss1vel, do Direito Liturgtco,· ou sej. a uma
noção clara da genuína fonte de onde j orra tôda a Liturgia Ca­
tólica (fons essendi seu existendi) e um conhecimento bastante da
mole ingente de leis e documentos eclesiásticos que conservam
e perpetuam a mesma Liturgia da I grej a (fons cognoscendi) .
Eis a razão dêste humilde e despretensioso trabalho sôbre o
Direito Litú rgico Eclesiástico.
Direito litúrgico
Assim como o D i reito Canônico se define obj etivamente : "com­
plexo das leis eclesiásticas emanadas da legítima autoridade, pelas
quais a I grej a Católica se constitui, rege e ordena as ações dos
fiéis para o seu fim próprio" , 1 também o Direito Litúrgico pode
dizer-se, de modo geral, "complexo de leis que determinam o cul­
to público" 2 na I grej a, ou mesmo, "ciência e conhecimento destas
leis." 3
1 ) M a r o t o, lnstitutiones luris Canonici, Madri, 1 9 1 8, vo l . 11 p. '1:1.
2) O a s p a r r i, Tractatus Canonicus de SS. Eucharistia, Paras 1 897,
·vol. 1 , p . 36, n.º 56 .
3) O a s p a r r i, o. e., vo l . 1 , p . 36, n.• 56.
.59
900 Z i o n i, Noções de Direito Litúrgico

Assim compreendido, o Direito litúrgico pode ser estu da do


sob vários pontos de vista :
a) quanto à sua origem ou "fons essendi", subdividindo-se então em
direito l itú rgico divino e direito litú rgico humano-eclesiástico, seg und o
tem a Deus por autor ou à I grej a ;
b) quanto à sua extensão, será universal (geral o u comum) , conforme
atinge e obriga a todos os fiéis da I grej a universal, disseminada pelo
orbe inteiro ; particular (singular ou especial ) , quando sujeito a deter mi­
nadas restrições materiais, pessoais ou locais.
c) quanto à sua fonte o bjetiva ou "fons cognoscendi" , será escrito ou
meramente consuetudiná rio, conforme as leis litúrgicas estão contidas nos
documentos da legislação eclesiástica, ou na tradição oral.

Fontes do direito litúrgico


Fontes do direito litúrgico são as causas que lhe dão ser ou
existência e de cuj o conhecimento vai depender também o conhe­
cimento do Direito litúrgico e da Liturgia.
As fontes constitutivas do D ireito l itúrgico são de duas espé­
cies : 1 ) fontes essendi et existendi, ou sej a, causas eficientes da
Liturgia. Abrangem, como tal, tôdas as causas que podem originar
as leis e o Direito litúrgico, sej am elas divinas, humanas ou na­
turais ; 2 ) fontes cognoscendi ou indicandi ( fontes indicativi 4 se­
gundo algus autores) designam os livros ou demais monumentos
l itúrgicos onde estão as várias leis e normas, pelas quais o culto
divino é publicamente regulado na I greja.
Esquematicamente as fontes do Direito litúrgico são as se­
guintes :
Fons essendi seu existendi:
Direito natural,
Direito positivo :
divino (Antigo e Novo Testamento) ;
humano (Sé Apostólica, Sumo Pontlfice) .
Fons cognoscendi seu indicandi:
Livros litú rgicos :
primários (Missal, B reviário, Pontifical, Ritual, Cerimonial dos
Bispos, Martirológio ;
secu nd 1' rios (extratos ou explanações dos primeiros ) .
Costume ;
Direito comum (direta ou indiretamente ) ;
Direito particu lar :
Concilii Plenarii Brasiliensis ;
Synodorum Direcesanarum ;
jus proprium religiosorum.

c) Histórico do Direito litúrgico


Diversamente do que sucedeu com o Direito canônico em ge­
ral, as leis litúrgicas não constituíram, desde os p,imeiros séculos,
4) C o r o n a t a, lnstitutiones lllris Canonici, Turim 1 939, vol. I I,
p. 1 50, n.• 832 nota.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 901

um cor po jurí dico independente, mas foram emanadas da Autori­


da de ecle siástica, de mistura com outras determinações e leis de
ordem dog mátic� e disciplinar. �ste é o ensinamento que os escri­
to res ecle siásticos nos legaram dos primeiros séculos do Cristia-
nis m o.
No III século aparecem os primeiros escritos litúrgicos, com
a in dicaç ão dos ritos e cerimônias, compilados segundo as normas
co ncil ia res de então e os decretos pontifícios exist_e ntes.
A sistematização das grandes coleções de leis ( D ecretos, De­
cretais , Collectiones iuris, etc. ) que até às vésperas da Codificação
do Direito eclesiástico eram estudadas sob o nome geral de C or­
pus /uris Canonici, não atingiu as leis litúrgicas, aliás ainda mui
defici entes e incompletas. Tanto mais que até ao Concílio Triden­
tino a legislação l itúrgica não era exclusiva do Romano Pontífice.
Daí a grande variedade de ritos e cerimônias, e a necessidade ur­
gente de uma reforma geral que unificasse devidamente o Culto
p úblico da Igrej a.
Esta revisão litúrgica foi iniciada no Concílio Tridentino e
continuada diretamente pela Santa Sé, culminando com o estabe­
lecimento dos principais livros do culto público impostos obriga­
toriamente à Igrej a Latina.
Com isto se delineia o Corpus luris Liturg ic i, primeiro grande
passo para a organização do Código de D ireito Litúrgico.

1. fontes "essendl et exlstendl" do Direito Litúrgico

1 ) Causa eficiente da S. Liturgia

Ao falar da causa eficiente do culto litúrgico, faz-se mister


distinguir a causa última da causa próxima. A primeira é Deus,
razão última de ser de tôdas as cois�s. A segunda pode ser o
próprio Deus, enquanto Legislador supremo, ou mesmo o homem,
representante de Deus na comunidade religiosa. Donde a dupla
causalidade eficiente próxima : divina e humana.
a) Causa eficiente divina
Deus Nosso Senhor é a causa eficiente próxima (fons essen-
di) da liturgia sagrada, enquanto determina diretamente (por si
ou por outrem ) as partes e circunstâncias do culto, seja do Antigo
sej a do Novo Testamento, na qualidade de Legislador supremo.
No Antigo Testamento. As leis cerimoniais do Antigo Testa­
mento foram determinadas minuciosamente pelo mesmo Deus, se­
gundo consta de inúmeras passagens dos Livros Santos. Sirvam de
exemplo : as normas relativas à construção do altar : "Altare de
59•
902 Z i o n i, Noções de D i reito Litúrgico

terra facietis mihi et offeretis super eo holocausta" G ; " Quod, si


altare l apideum feceris mihi, non re dificabis i l l u d de sectis lapi­
dibus ; si enim levaveris cultrum super eo, polluetur" o ; a deter­
minação do rito e cerimônias das diversas espécies de sacrifícios.
( Cf. Lev. 1 a I V . )
E m o No vo Testamento . N a Aliança Nova as l e i s cerimoniais
antigas p erderam todo o seu valor, · porquanto j esus Cristo pes­
soalmente modificou as normas rituais do culto. a) Abrogou, por
exemplo, as leis antigas, instituindo o rito substancial dos S acra­
m entos e do S acrifício da Missa, S acrifício único, e verdadeiro
centro da Religião cristã. " E t accepto pane, gratias egit, et fregit,
et dedit eis dicens : Hoc est Corpus meum, quod pro vobis datur ;
hoc facite i n meam commemorationem . Similiter et calicem, post­
quam crenavit, dicen s : H i c est Calix novum testamentum i n san­
guine meo, qui pro vobi s fundetur ." 7 Vej a-se outrossim a mesma
i déia in 1 Cor 1 1 , 23; j o 3, 5 ; Mt 28, 1 9 ; j o 6, 54. b ) Confiou
à I grej a o poder de determinar e regular tudo o que se refere ao
rito acidental e às cerimônias sacramentais, deprecatórias e sacrifi­
ciais do culto, permitindo-lhe estabelecer ou mudar tudo aquilo
"qure suscipientium utilitati, seu ipsorum S acramentorum reveren­
tiam, p ro rerum, temporum et locorum varietate, magis expedire iu­
dicaret", no dizer do Tridentino s . Cristo, portanto, é autor do
elemento fundamental do Culto Litúrgico.
b ) Causa eficiente humana
O poder legislativo litúrgico é parte do poder de j urisdição,
confiado por Cristo à sua I grej a e, como tal, conferido em tôda a
sua plenitude ao Soberano Pontífice, com exclusão do povo e
dos poderes civis, bem como dos Bispos, i ndependentemente do
Papa.
" Po testas ecclesiastica i n rebus l iturgicis imprimis compe­
tebat S . Petro et reliqui s Apostolis eorumque legitimis successori­
bus ; supremo, i gitur, et universali modo est penes Romanum Pon­
tificem, vel Concilium CEcumenicum pro suo supremo plenoque
iure regendi u n iversam Ecclesiam, et ordinandi disciplinam atque
pro suo infallibili magisterio ; serva ta p roportione etiam spectat ad
Episcopos aliosque Prrelatos ecclesiasticos, cum vera dependentia
a Romano Pontifice, atque intra limites expresso vel tacito con­
sensu eiusdem supremi Pastoris statutos." o
5) ex 20, 24.
6) ex 20, 25.
7) Lc 22, 1 9-20.
8) Cone. Trid., 88. XXI, e . 2.
9) V i d a l, jus Canonicum, Roma 1 934, tomo IV, vol. 1, p. 41 1 .
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 903

A ssim pode resumir-se o poder da I grej a em matéria de Li­


turgia :
t .º p oder legislativo exclusivo, quanto aos sagrados ritos ;
2. º direito litúrgico próprio à I grej a docente, em oposição à
m u lti dão dos fiéis e aos Bispos, independentemente do Romano
P on tífic e, em cuj as mãos reside plena mente.
D êste modo são causa próxima do Direito litúrgico : o Ro­
ma no P ontífice, imediatamente ou por meio das Congregações Ro­
m an as, e os Bispos em união com o Papa.
e) Histórico do poder legislativo litúrgico da Igreja
O Histórico do exercício do poder legislativo litúrgico na
I g rej a pode _ ser distribuído dentro de três grandes períodos :
aa) Do início da Igreja até o século V. - Papa e Bispos,
de sde os primeiros tempos da I grej a, regularam a Liturgia : aquê­
le, pelo seu poder supremo ; êstes, subordinadamente ao Sumo
Pontífice. Baste-nos lembrar, sumariamente, a célebre questão da
determinação do dia da Páscoa, sob Vítor I , em 1 96, qu ando o
Papa ameaçou de excomunhão os renitentes ; a carta do Papa
São Sirício ao Bispo de Tarragona, determinando fôsse o Batismo
solene conferido somente nos tempos de P áscoa e Pentecostes,
salvo o caso de necessidade ; a carta do mesmo Pontífice aos Bis­
pos das G álias, mandando que o Batismo fôsse conferido pelos
sacerdotes, e não inais pelos diáconos, exceto em caso de neces­
sidade, etc. 1 º
bb) Do século V ao Concílio Tridentino. -Mais ou menos
pelo século V o poder l itúrgico dos Bispos começou a ser exer­
cido particularmente pelos Concílios e pelos Metropolitas, cele­
brizando-se, de modo especial, os Concílios de Toledo, na Espanha.
Contudo, a falta de unidade política e religiosa de certos paí­
ses, bem como a diminuta influência de muitas Metrópoles sôbre
suas dioceses sufragâneas deram lugar à grande desordem litúr­
gica dêsse período, que rapidamente se alastrou por tôda parte,
excetuadas apenas Roma e Toledo.
Cada diocese ou igrej a possuía, máxime nos séculos XIV e
XV, seus l ivros litúrgicos, seu cânon especial, sua liturgia própria.
Com o advento do Protestantismo, que também se valeu da
Liturgia para a difusão dos seus erros, a unidade litúrgica se tor­
nou uma necessidade urgente e imperiosa.
O estado da Liturgia até o Concílio Tridentino podia, por­
tanto, resumir-se no seguinte : a) os Romanos Pontífices conser­
vavam, sem contudo o urgir explicitamente, o seu direito supremo
1 0) Cit. por B o u i x, De Jure Liturgico, Paris 1 873, Ed. 3.", p. 1 28.
904 Z i o n i, Noções de Direito Litúrgico

em matéria de Liturgia. Tanto mais que repetidas vêzes se m ani­


festaram pela unidade l itúrgica sob as vistas e o rientação da Li­
tu rgia Romana, sem contudo impor expressamente esta unidade ; b)
os Bispos conservavam, também, o exercício do poder legislativo
l i t ú rgico para as suas dioceses ; embora j amais s e arro gassem o
direito absoluto de agir e o rdenar arbitrariamente a Liturgia nos
lugares de sua j urisdição ; c) o s concílios, aos poucos, f oram to­
mando atitudes em face do crescente confusionismo l i t ú rgico, res­
tringindo assim o exercido dos poderes episcopais.
cc) Do Concílio de Trento aos nossos dias. - O Concil i o
Tridentino, aberto solenemente a 1 3 de dezembro de 1 545, j á s e
apresentava c o m u m b e m traçado p l a n o de reforma geral da Li­
turgia. Era aliás o anseio comum d a Cristandade, revigorado pela
fala d e Bispos e Príncipes católicos, máxime d a Espanha, que sus­
piravam pela u ni dade l i t ú rgica, "ut i d ipsum officium dicamus
omnes, e t non sint in nobis schismata officiorum et missalium." 1 1
Esta oportuna reforma deveria principiar pe l a revisão cuida­
dosa dos Livros litúrgicos fundamentais, razão por que f o i apenas
i n iciada pelo Concílio e entregue aos cuidados diretos do Sumo
Pontífice.
D esta feita, 23 anos após o encerramento do concílio Pio V
conseguiu publicar o N ovo B reviário ( 1 568) e dois anos após
( 1 570) o N ovo Missal, impondo-os obrigatoriamente a tôda a
I grej a Latina de rito romano.
P oucos anos depois, ( 1 588) Sisto V estabeleceu defini tiva­
mente, com o nome de " S agrada Congregação dos Ritos", a an­
tiga Comissão Tridentina para a Reforma da Liturgia, conferin­
do-lhe o encargo de superintender a o bservância das novas dis­
posições litúrgicas então emanadas da Santa Sé.
D êste modo, para maior eficiência das medidas de reforma,
a Sé Apostólica reservou a si o exercício exclusivo do poder li­
t ú rgico, mesmo nas várias dioceses do o rbe, restringindo assim
o poder episcopal a u m a simples obrigação de alta e autoritativa
vigilância pela observação dos sagrados cânones e �eis eclesiásticas.

2) Exercício do poder litúrgico na Igreja


§ 1. O Papa e a disciplina atual
a) Princípio de exclusividade
Sistematizando num corpo o rgânico, e resumindo em poucos
cânones tôda a ingente mole de documentos j urídicos do Corpus
luris Canonici, o atual Código de D ireito Eclesiástico, vigente na
I grej a, não entendeu incl u i r entre seus cânones disposições ou leis
para a I grej a Oriental ou relativas à Liturgia.
Revista Eclesiástica Brasilei ra, vol. 3, f ase . 4, dezembro 1 943 905

Contudo, referindo-se à disciplina litúrgica, enuncia um prin­


cípio geral, que é também de índole dogmática, denominado "prin­
cípio de exclusividade" : "U nius Apostolicre Sedis est tum Sacram
ord in are Liturgiam, tum liturgicos approbare libros." (Cân. 1 257.)
A extensão dêste cânon é vastíssima, visto como, sej a pelo
texto sej a pelo contexto j u rídico, êle atinge de cheio tôda a Li­
turgia Católica, oriental e ocidental. Esta, diretamente, porque
0 Có digo foi feito para a I grej a Latin a ; aquela indiretamente, se­
gundo o teor do cânon 257 : "Congregationi pro Ecclesia Orientali
pr reest ipse Romanus Pontifex. Huic Congregationi reservantur
omnia cuiusque generis negotia qure ad ritus Ecdesiarum orienta­
Jium referuntur . . . " ( Cân. 257 . )
b ) Natureza deste poder pontiflcio
O poder litúrgico do Soberano Pontífice, além de nativo, é
também exclusivo : a) com relação à autoridade civil e aos fiéis
em geral 1 2 ; b ) com . relação aos Bispos, independentemente do
Papa, "quibus tamen, subordinate ad Romanum Pontificem et le­
ges universales, aliqualis potestas in Liturgia romana, et maior
etiam in aliis l iturgiis agnoscenda est." 1 a
Mais adiante indicaremos o sentido e a extensão dêste poder
episcopal em matéria de Liturgia.
e) Exercício do poder litúrgico pontifício
De dois modos o Santo Padre exerce na I grej a o seu poder
supremo em matéria l i túrgica : por si ( trâmite extraordinário) ou
por meio de órgãos especiais ( trâmite ordinário ) .
Trâmite extraordinário. Extraordinariamente o Papa exer­
-

ce o seu poder litúrgico sempre que direta ou pessoalmente trata


de questões relativas ao culto divino, sej a de modo simples ou
privado, sej a com aparato exterior e grande solenidade. Seguirá
o trâmite extraordinário simples, quando oralmente e sem do­
cumento público o Papa concede uma graça; i nterpreta um di­
reito ; restringe alguma lei litúrgica, etc. Será solene o seu modo
de agir, quando para isto se utiliza de um documento solene, co­
mo sej a : motupróprio, constituição apostólica, bula, breve pon- ·

tifício, encíclica, ou mesmo de algum Concílio geral 1 4 .


1 1 ) Cit. por " Liturgia", Etzcyclopedie pop11laire des cotznaissetzces
lit11rgiq11es, L. 935, p. 34.
1 2) e a V a g n i s, lnstit11tiones /11ris Publici Ecclesiastici, 4.ª, vol. I l i ,
n.º 1 47 ss.
1 3 ) C o r o n a t a, ltzstitutiotzes luris Canonici, Turim 1 939, vol. l i ,
p. 1 50, n.º 832. - Cf. etiam : C a 1 1 e w a e r t, lnstitutiones Liturgicm,
n.º 1 20 ; B a r i n, Catec/zismo liturgico, 1, p. 1 6- 1 7.
1 4) M a r o t o, lnstitutiones luris Canonici, Madri 1 9 1 8, vol. l i , n.º
789.
906 Z i o n i, Noções de D i reito Litú rgico

Trâm ite o rdinário . -Ordinariamente, entretanto, o exercício


do poder litúrgico pontifício é feito por meio das diversa s Con­
gregações R o manas, verdadeiros órgãos d e ativi dade pon tifícia
i m ediata, entre a s quais tem pri m a z i a n este setor a S agrada Con­
gregação dos Ritos. A distribuição d os ofícios e competê nc i a das
diversas Congregações Romanas está devid a m ente delineada n o
Código d e D i reito Canônico. Visto com o a l g u m a s têm atribu i ções
e competências afins com a Liturgia, o u gozam de certa compe­
tência claramente litú rgica, p rocu raremos catalogá-las segundo
êste ponto d e vista.
d ) Sagrada Congregação do Concilio (SCC., cOn. 250)
A S . C . C . trata d a s seguintes q uestões rel acionadas remo­
tamente com a Liturgia : "Congregationi Concilii est :
1 . " moderari q u re parochos et canonicos spectant", v. gr., a celebração
das missas capitu lares ; comutação, dispensa o u antecipação do ofício ca­
nical ou geral . . .
2 . " a u t qure pias sodal itates, pias u n i ones (etiamsi dependeant a re­
l igiosis vel e rectre s i n t in eorum ecclesiis seu domibus) atti ngunt", v. gr.,
uso de i n sígnias ou de determ i n ados u n i formes . . .
3. "videt quoque de controversiis circa prrecedentiam" ;
4. " e a o m n i a qure ad conciliorum celebrationem . . . ad -ccetus Episco­
porum seu conferen tias referuntu r."

e) Sagrada Congregação da Disciplina dos Sacram entos (SCS., cân. 249.)


A competênc i a litl't rgica da S . C . S . é m a i s estrita e refere-se
di retamente a tudo q u <!,nto, no sentido próprio, se ordena à reali­
z ação ( matéria e form a ) , a d m i nistração ( ministros ) , o u recepção
( co ndições ) dos Sacramentos. N o u tros têrmos, deter m i n a a legis­
l ação eclesiástica sôbre a discipl i n a dos S acramentos, salva a p a r­
t e dogmática própria d o S anto Ofício e a rito-cerimonial, d a com­
petência da Congregação dos R i to s .
E s t a Congregação trata, p o i s , dos ritos e cerim ô n i a s intima­
m ente relacionados com a real i zação, administração e recepção
dos S acramento s :
1 . "Congregationi de disci p l i n a Sacramento ru m proposita est u n iversa
legisl atio c i rc a disciplinam septem Sacramentoru m, incolumi i u re Con gre­
g ation i S. Officii, circa ea qure i n c. 247 statuta su nt, et Sacroru m Rituum
Congregati onis, c i rc a ritus et creremo n i a s q ure i n Sacramentis conficiend is,
m i nistrandis , et recipiendis serva ri debent" ;
2. . . . ea qure decerni concedique solent in celebratione Sacrificii Eu­
"

charistic i . . . " , v. gr., Missa campal ; conservação do SS. Sacramento em


capelas e o ratórios ; privilégio d e rezar a Missa n a Q uinta-Feira Santa,
hem como as três Missas d e N atal, nos oratórios privados ; uso do soli­
déu ; celebração d a Missa e m viagem marítima ; privilégio da Mis,�a votiva
de Nossa Senhora ou de réquie, para os sace rdotes cegos ; d i spensa do
j ej u m eucarístic o para os fiéis enfermos ; faculdade d e mudar o dia d as Or­
denações maiore s e Sagração episcopal, etc.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 907

f) Sagrada Congregação do Cerimonial. (SCC., carz. 254.)


Esta c ongregação, de caráter especificamente protocolar, trata
das rimô nias próprias da Capela Pontifícia ou dos Eminentís­
ce
si mos Srs. Cardeais e da precedência entre os Cardeais e Legados
ou E mb aixadores j unto à S. Sé. Suas atribuições litúrgicas podem
res umir- se no segui nte :
t . "moderatio creremoniarum in Sacello Aulaque Pontificali servan­
darn m" ;
2. "moderatio sacraru m functionum quas Patres Cardinalcs extra
pont ifica te sacellum peragunt" ;
3. "qurestiones de prrecedentia Patrum Cardinalium et Legatorum quos
v arire Nationes ad Sanctam Sedem mittunt."
g) Sagrada Congregação da Igreja Oriental. (SCEO., din . 257.)
A importância desta Congregação romana, em matéria de Li­
turgia, deve-se ao fato de ser presidida pessoalmente pelo Santo
Padre e de ter sob a sua jurisdição imediata, não só tôda a I gre­
ja Oriental, mas todos os negócios atinentes à mesma I grej a : " H uic
Congregationi reservantur omnia cuiusque generis negotia qure ad
personas, disciplinam et ritus Ecclesiarum orientalium referuntur."
(Cân. 257, § 1 . )
Conseguintemente :
"Pro Ecclesiis ritus orientalis hrec Congregatio omnibus facultatibus
potitur, quas atire Congregationes pro Ecclesiis ritus latini" (cân. 257,
§ 2) , como sej a :
1 . "ordinare liturgiam" (cân. 1 257) ;
2. "liturgicos approbare l ibros." (Cân. 1 257 . )

h) Sagrada Congregaçiío dos Ritos (SRC., cdn. 253.)


Dentre tôdas as Congregações' Romanas, é esta a mais im­
portante, sob o ponto de v ista do Direito li túrgico, razão por que
sôbre ela nos demoraremos um pouco mais.
H i s t 6 r i c o. - A Sagrada Congregação dos Ritos teve
seus inícios no Concílio Tridentino quando, aos 24 de j unho de
1 563, foi instituída uma Comissão Conciliar para a Reforma do
Breviário e do Missal romano.
Encerrado o Concílio a 4 de dezembro do mesmo ano, a Co­
missão foi c!:Jamada a Roma e encarregada de continuar os tra­
balhos de reforma. Para isto o Santo Padre Pio I V lhe aumentou
o número de membros.
Em 1 568 e 1 570 apresentou, respectivamente, o Novo Bre­
viário e o Novo Missal romano.
Anos mais tarde Sisto V, pela bula lmnzensa, de 22 de j a­
neiro de 1 587, estabeleceu-a definitivamente como órgão perpétuo
de vigilância e legislação litúrgica, atribuindo-lhe as seguintes fa-
908 Z i o n i, Noções de Direito Litúrgico

culdades : " u t veteres sacri ritus ubivis locorum, i n omnibus U rbis


orbisve ecclesi i s diligenter observentur, creremonire, si obsoleve­
rin t, restituantur, si depravatre fuerint, reformentur. " 1 5
C o m p e t ê n c i a. - Atualmente a competência desta Con­
gregação, que s e estende a tôda a I grej a L atina, está determinada
no Código do seguinte modo ( cf. c. 253 ) :
1 . "Sacra Rituum Congregatio j u s h abet videndi et statuendi ea om­
n i a qure sacros ritus et creremonias Ecclesire Latinre proxime spectant, non
autem qure latius ad sacros ritus referuntur", como sej a, estabelecer os
direitos de precedência, etc.
2. "advigilare u t sacri ritus ac creremonire diligenter serventu r : a)
i n Sacro celebrando ; b) i n Sacramenti administrandis ; c) i n divi nis of­
ficiis persolvendis ; d) in iis denique omnibus qure Ecclesire Latinre cultu m
respiciu nt" ;
3. "dispensationes concedere opportunas" ;
4. "insígnia et honoris privilegia qure ad sacros ritus vel creremonias
pertineant elargiri . . . "
O r g a n i z a ç ã o. A S . R . C . consta de um Corpo Le­
-

gislativo diretor, auxiliado por um Corpo Consul tivo e por u m


determinado número d e Comissões de estudos especi alizados per­
m anentes.
1 . O Corp o l egislativo, por sua vez, consta de uma D i retoria,
denominada Cong resso composta de cinco membros : Prefeito, dois
Prelados da Cúria Romana, u m S ecretário e u m Substitu to ; e de
uma Congregaçüo geral, para as questões extraordinárias, com­
posta de 25 membros, a saber : o s do Congresso e mais 20 E m .
S r s . Cardeais.
Além desta parte legislativa, a S . R . C . consta de uma ou­
tra, - subordinada e secundária, - para o cômputo meramente
executivo, consti tuída d e oficiais e de funcionários. São Oficiais :
O Mestre e o Sacristão dos Palácios Apostólicos ; um P rotonotá­
rio Apostólico ; dois Audito res da S agrada Rota ; um Promotor da
Fé e um Assessor ou Sub-Promotor da Fé. São Funcionários : um
Chanceler e respectivo substituto ; u m Hinógrafo e auxiliares ; um
Arquivista-chefe ; um P ro tocol ista ; Notários ; Escriturários e Au­
xiliares de Escritório .
2 . O Corpo consultivo consta de 40 membros escol hidos den­
tre o Clero secular e regular e d ivididos em dois grandes grupos
iguais, de 2 0 membros cada um, para tratar das questões rel ativas
às Causas de B eatificação e Canonização dos Servos de Deus e
para estudar e resolver as questões meramente litúrgicas.
3 . As Comissões permanentes auxiliares, anexas à Sagrada
Congregação dos Ritos são : Comissão de A rte Sacra ; Comissão
de Arqueologia Sa g rada ; Comissão de Música Sacra ; Comissão
1 5) " l m mensa", Bullarium Pontificium.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 909

p a ra a Pres ervação da Fé e para a Construção de I grej as em


Ro ma.
F u n c i o n a m e n t o.
- O funcionamento da Sagrada Con­
g reg ação dos Ritos varia, segundo a importância das questões a
tratar. Estas, com efeito, podem ser a) ordinárias ou simples, b)
semi-importantes e c) extraordinárias. De acôrdo com êste crité­
rio, serão resolvidas ora pelo simples Congresso, ora pela Con­
grega ção gera l .
1 . Pelo Congresso ( trâmite ordinário) são estudadas e re­
sol vidas as questões :
a) simples, ou normais, como seriam, v. gr. : a preparação da
m atéria para as Congregações gerais ; a execução das soluções
aprovadas pelo Sumo Pontífice ; a aplicação das soluções dadas,
anteriormente, a novos casos particulares semelhantes ; a conces­
são de graças e favores normais. Em todos êstes casos o Con­
gresso toma conhecimento das questões ; estuda-as, resolve-as e
manda executar por meio dos seus oficiais e funcionários.
b) Semi-importantes são as questões que requerem um es­
tudo especial. Nesta hipótese o Congresso toma conhecimento da
questão e a manda para o Corpo consultivo competente, para que
estude o assunto e dê seu parecer. Recebido êste, o Congresso,
em reunião ordinária, toma novamente conhecimento do caso e
resolve-o 11t supra.
2 . Pela Congregação Geral (trâmite extraordinário ) estu­
dam-se as questões relacionadas com a legislação universal da
Igrej a ou de cunho e importância geral, como seria o caso de
uma nova interpretação do Código de Direito Canônico em ma­
téri a de Litur gi a ; a concessão de graças e favores extraordinários ;
prescrições de ordem pública geral ; beatificação ou canonização dos
Servos de Deus . . .
Nestas circunstâncias, o Congresso recebe a questão e passa-a
para o competente Corpo consu ltivo, para seu parecer e voto. Re­
cebido êste, o Congresso toma conhecimento ; estuda-o, discute-o,
aprova-o e ordena se proceda, com as devidas observações do
·

Promotor da Fé, à impressão dos papéis referentes à questão,


para a distribuição dos mesmos a todos os membros da Congre­
gação geral. Nesta, o Cardeal Relator (Cardeal Ponente) faz à
assembléia um apanhado geral e sucinto do caso estudado, que a
seguir é imediatamente discutido por todos. Se a solução dada
fôr aprovada, envia-se ao Santo Padre para a aprovação defini­
tiva. A resposta pontifícia é apresentada ao Cardeal Relator e ao
Promotor da Fé para o devido reconhecimento legal de autentici-
910 Zio n i , Noções d e Direito Litúrgico

dade. Por último o Congresso a publica e divulga, em nom e da


S agrada Congregação, observando o que acima ficou relata do.
D e c i s õ e s . - As decisões da S agrada Congregação dos
Ritos devem ser consideradas sob vários prismas : forma, âmbito,
valor j urídico, m atéria e espécie.
1 . Espécies. -As decisões da S . R . C . podem ser : a) ofi­
ciosas, quand9 emitidas pelos seus membros ( m áxime os do Con ­
gresso) fora dos trâmites legais ou normais ; b ) autênticas, se
dentro de tais normas ou, pelo menos, com a assinatura do Cqrdeal
Prefeito ou do Secretário o u Substituto, e com o sêlo da Con­
gregação r n .
"Decreta e t responsioncs S . R . C . dummodo scripto formiter edit a
fuerint, eandem auctoritatem habent ac si immedi ate ab ipso Su mmo Pon­
tífice promanaverint." ( D ecr. 3023. ) 1 7 "Per verba formiter scripto edita
sufficit quod sint subscripta a Sacrre Rituum Congregationis Prrefecto et
Secretario, ac eiusdem sigillo rnunita." ( Decr. 3023. )
2 . Matéria. - Quanto à m atéria ou conteúdo, as decisões d a
S . R . C . versam sôbre u m ou alguns · dos seguintes pontos : a )
'
processos de beatificação e canonização d o s S ervos de Deus ; b )
concessão de favores ( rescritos, privilégios, dispensas . . . ) ; c ) m an­
damentos e instruções disciplinares ; d) decretos para a execução
de uma determinada lei ou resposta a soluções dadas ; e ) i n ter­
pretações do D i reito Canônico relacionado com a Liturgia ; f) em
qualquer dos casos enunciados as decisões podeni ser mera m ente
declaratórias, tôda vez que venham escl arecer um direito obscuro ;
explicativas se resolvem uma dúvida de Direito ; modifica tivas, se
m u dam u m direito existente.
. 3. Forma. - Quanto à forma, as decisões d a s . R . c . SãQ
apenas particu lares ou gerais.
a ) Particulares. -As decisões particul ares da Sagrada Con­
gregação dos Ritos podem ser tomadas em dois sentidos : estrito
e l ato. São estritamente particul ares quando destinadas a uma
determinada pessoa física ; são-no em sentido mais extenso, quan­
do dirigidas a uma pessoa moral ou fam ília ( Congregação reli­
giosa, Diocese . . . ) , ou quando tratam de um assunto de interêsse
particular e não comum a tôda a I grej a .
b ) Gerais. - A s decisões gerais, por s u a vez, também podem
ser consideradas de dois modos : "formaliter" e "requivalenter" .
São formalmente gerais, ou gerais em sentido p róprio tôdas as
1 6) " Liturgia'", o . c . , pág. 46.
1 7 ) C o r o n a t a, lnstitutio11es luris Cano11ici, Turim 1 939, vol. 1 1 ,
n.º 8 3 2 n o t a 5. - C f . etiam : C ã n . 2 ; S . R . C . decr. 29 1 6, de 23-5- 1 846 ;
decr. 295 1 ad 1 3, de 1 1 -9- 1 847 ; A p p e 1 t e r n , Sacra? Liturgire promptua­
rium, 1, 1 7 ; B a r i n , Cateclzismo liturgico, 1, p. 1 6- 1 7 ; 28-30 ; 53-55 ;
P i a c e n z a, Prrelectiorzes de Sacra L iturgia, De div. Off. , n.º 1 7 ss., etc.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 91 1

d eci sõ es da S . R . C . dirigidas a tôda a Igreja e que tratam de


assu nto de interêsse comum. Designam-se frequentemente com os
s eg uin t es têrmos : "Decretum general e" 1 s ; "Decretum " 1 9 ;
"Urb is et Orbis" 2 o ; " Romana et aliarum" 2 1 ; " Dubiorum"
2 2 ; etc. Serve também de subsídio para se conhecer a extensão
geral de uma decisão romana a forma solene empregada na sua
div ulg açã o : " lnstructio", "Constitutio", " Constitutio apostolica",
"Epistul a", "Motu proprio", "Declaratio", etc.
São decisões equivalentemente gerais, ou gerais em sentido
lato as que, embora destinadas a particulares ( indivíduos, famí­
lias religiosas ou dioceses) , contudo versam sôbre assunto de in­
terêsse geral para tôda a I grej a ; ou, quando são dirigidas a tôda
a I grej a, embora tratem de questões que interessam a uma deter­
min ada classe de pessoas, v. gr., Cônegos, Bispos, etc. 2 s
4. Valor.
- O valor das decisões da S . R . C . deve ser con­
siderado de modo geral e de modo especial .
a) Em geral. - Tomados de um modo global, tôdas as de­
cisões da S . R . C . são verdadeiras ordens pontifícias, e obrigam
como tais. "Decreta et responsiones S . R . C . eandem auctorita­
tem habent ac si immediate ab Ipso Romano Pontifice promana­
ve r int" ( decr. 3023) , " . . . quanivis nulla facta fuerit de i isdem re­
latio Sanctitati Sure." ( D ecr. 29 1 6. )
b) Em particular. - Considerada e m particular, a obrigato­
riedade dos decretos e decisões da S . R . C . varia de acôrdo com
a forma sob a qual foram publicados. Assim pois :
1 ) Os Decretos gerais obrigam sempre em consciência, por­
que verdadeiras leis eclesiásticas. "Decreta generalia S . R . C .
vim legis universalis et conscientiam obligantis habent." 2 4 Con­
seguintemente : se interpretam uma rubrica, urgem, como as ru­
bricas, em consciência.
Além disto, tenha-se em vista o seguinte : Os decretos formal­
mente gerais obrigam sempre tôda a I grej a, no sentido acima
exposto. Os decretos equivalentemente gerais obrigam tôda a I gre­
j a, porém de modo diverso, a saber : a) Quando interpretam um
·
direito ( lei litúrgica) certo, porém obscuro, obrigam tôda a I grej a
e têm efeito retroativo, porquanto esclarecem uma rubrica ou lei,
18) Cf. decr. 3922, sôbre Missas votivas.
1 9 ) Cf. decr. 392 1 , sôbre o número de Missas solenes num mesmo
templo, ofício e dia.
20) Cf. decr. 4 1 3 1 , sôbre a Reforma da Música Sacra.
2 1 ) Cf. decr. 4284, sôbre os decretos litúrgicos emanados pelas di-
versas Congregações Romanas.
22) Cf. decr. 4 1 08, sôbre a bênção nas casas no Sábado Santo.
23) Cf. decr. 3782, sôbre as funções canonicais.
24) 8 o u i x, De Jure Liturgico, Paris 1 873, ed. I I I, p. 1 70.
912 Z i o n i , Noções d e D i reito Litúrgico

anteriormente existente, embora de modo obscuro. Não estabel e­


cem leis novas. b ) Se explicam o sentido verdadeiro de um di­
reito (lei litúrgica) obj etivamente duvidoso, ou se modificam u m
direito existente (ampliando-o ou restringindo-o ) , são verdadei r a s
l eis novas e, portanto, somente obrigam seus destinatários, qu an do
devidamente publicados. Para os demais membros da I grej a ( n ão
destinatários) servem apenas como norma de agir, sumame n te
aconselhável, quando não houver razão mais forte em contrário.
2 ) O s decretos particulares podem ser considerados com o
leis particul ares e, pois, obrigam somente os seus destinatári os,
servindo aos demais unicamente como norma de agir.

§ 2. Os Bispos e a disciplina atual


a) Introdução
Segundo o que acima ficou dito, os Bispos, na I grej a, exer­
ceram, com o tácito consentimento do Sumo Po�tífice, e sob a
sua dependência, o poder legislativo em matéria de Liturgia até
o século V, mais ou menos. A partir dêsse tempo, o exercício
dêste poder passou, em regra geral , aos concílios e aos metropo­
l itas, sempre porém quanto às partes acidentais do culto divino.
Finalmente, o Concílio de Trento, ao iniciar a grande obra
da restauração l i túrgica, houve por bem chamar a si com exclu­
sividade todo o exercício do poder legislativo litúrgico na I grej a
O riental e Latina.
b) Disciplina atual
Hoje, o Código de D i reito Canônico ( cân. 1 257) , pelo seu
princípio de excl usividade, "unius Apostolicre Sedis est ordinare
liturgiam . . . " e pelas demais determinações canônicas 2 5 evidencia
uma verdadeira restrição quanto ao exercício do poder l egislativo
li túrgico, por parte dos Senhores Bispos, muito embora sem o
exclu i r de todo.
Resumidamente, a disciplina atual é a seguinte : 1 ) O s Bis­
pos, na I grej a universal, carecem de poder legislativo l itúrgico in­
dependente do Soberano Pon tlfice, pois assim o exige a prerro­
gativa do Primado de j urisdição Universal. 2) Portanto, em teoria,
poderiam os Bispos, mediante um consentimento tácito ou ex­
plícito do Sumo Pontífice, regular tôda a Liturgia em suas pró­
prias dioceses. Hoje, po rém, dada a atual disciplina do Código
( cf. cân. 1 25 7 ) , o exercido dêste poder pertence exclusivamente
à Santa Sé.
Como deveremos então entender o poder episcopal em ma­
téria d e Liturgia, 'd iante da atual legislação do Código ?
25) Cf. cc. 1 261 ss.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 913

A respo sta a esta pergunta nos vem d o mesmo Código de


Di rei to Can ônico : "Locorum Ordinarii advigilent ut sacro rum ca­
n on um prre scripta de divino cultu sedulo observentur . . . " (Cân.
1 26 1 . )
Conseg uintemente, o D i reito Comum estabelece restrições e
dem arca atribuiçõ es, aqui e ali ampliadas ou diminuídas segundo
esp eci ais faculdades concedidas pela Sé Apostólica.
e) Restrições
Em virtude do principio de exclusividade, os Bispos não
po de m :
a) "sacram ordinare liturgiam" (cân. 1 257) , ou sej a, insti­
tuir, sup rimir ou substituir as festas litúrgicas ; mudar o rito e as
ceri mônias das mesmas ; aprovar novas ladainhas para a recita­
ção em público. (Cân. 1 259, § 2. ) 2 a
b) "liturgicos approbare libros" . ( Cân. 1 257) . Trata-se aqui
da aprovação de novos livros litúrgicos e da aprovação das edi­
ções típicas, reservada à Santa Sé. Com efeito : "Singula editionis
typicre folia revisioni huj us S . R . C . submittentur, qure seu C om­
missionis Liturgicre, seu Commissionis de Musica et Cantu Sacro,
iuxta opportunitatem, sententiam exquiret. Quivis typographus, ac­
cedente consensu et approbatione respectivi O rdinarii, editiones
iuxta typicas . . . excutere potest." ( Decr. 4266. )

d ) A tribuições
O cânon 1 26 1 estabelece a linha das atribuições episcopais,
em matéria de Liturgia. Sumariamente é a seguinte :
a) direito e dever de mandar executar as decisões do Sumo Pontífice,
das Congregações Romanas e do Direito comum : "Locorum Ordinarii
advigilent ut prrescripta canonum sedu lo observentur." ( 1 26 1 . )
b) cuidar q u e nenhuma prática supersticiosa s e introduza no cu lto di­
vino público ou privado e na vida quotidiana dos fiéis : "prresertim in
cultum publicum sive privatum, aut in quotidiana fidelium vitam supersti­
ciosa ulla praxis inducatur" (cãn. 1 26 1 ) , como seria, v. gr., colocar uma
coroa · na cabeça dos esposos para evitar malefícios 2 1 ; imergi r o Santo
Lenho ou as Santas Relíqu ias na água, para obter chuva 2 s .

26) Nota : São aprovadas para a recitação pública, unicamente as se­


guintes Ladainhas : Todos os Santos ; SS. Nome de jesus ; Sagrado Co­
ração de jesus ; Nossa Senhora ; São josé e Todos os Santos, pelos Ago­
nizantes. ( Ritual.)
A recitação é pública tôda vez que alguns fiéis, embora sem o mi­
nistro sagrado, se reúnem numa igrej a ou público oratório ( não nos semi­
públicos) para recitar as Ladainhas em comum. Cf. decr. 3820 e 39 1 6.
C o r o n a t a, o. c., vol. l i , n.• 834.
27) B e n t o XIV, Omnis sollicitudinem, de 1 2-9-1 744.
28) Decr. 369 ; decr. 2486.
914 Z i o n i , Noções d e D i reito Litúrgico

c) v1gwr porque não se introduzam práticas religiosas con trá rias à


fé, à tradição eclesiástica ou aos bons costumes 2 9 , v. gr., o cult o ao
-Coração de S. josé 3 0 , ou a Nossa Senhora da Cruz 3 1 .
d ) evitar qualquer abuso n a admin istração dos Sacramentos e S a­
cramentais ; no culto de Deus e dos Santos, em geral ; na prega çã o d a
palavra divina ; nas sagradas indu lgências ; no cumprimento das pias v o n­
tades : "Advigilent ( Episcopi ) ne abusus in ecclesiasticam disciplina m ir­
repant, prresertim c i rca administrationem Sacramentoru m et Sacra men ta­
li um, cultum Dei et Sanctorum, prredicationem verbi Dei, sacras in dul­
gentias, implemcntum piaru m voluntatum . . . " (Cân. 336, § 2. )
e ) rever e aprovar expressamente, nas i8 rej as e oratórios, a s orações
e exercícios de piedade, recorrendo sempre à Sé A postólica nos casos mais
difíceis. ( C â n . 1 259. ) "Orationes et pietatis exercitia ne permittantur in
ecclesiis vel oratoriis sine revisione et expressa Ordinarii loci licentia,
quibus i n casibus difficilioribus rem totam Sedi Apostolicre subiiciant."
(Cân. 1 259, § 1 . )
f ) tolerar, por uma razão grave, a p resença de fiéis às funções de aca­
tólicos (núpci as, funerais, etc. ) : " Tolerari potest prresentia passiva seu
mere material is, civilis officii vel honoris causa, ob gravem rationem ab
Episcopo in casu dubii probandam, in acatholicorum funeribus, nuptiis, si­
m i l ibusque sollemniis, clummodo perversionis et scanclali periculum absit."
(Cân. 1 258, § 2 . )
g ) determinar a o ração imperata, segundo as rubricas. (Cf. Rub.
Miss. )
'
h ) completar o Código de D i reito Canônico sempre que fôr deficiente
o u mui geral, mediante leis 011 mandam entos especiais, com fôrça obriga­
tória em todo o território diocesano, inclusive para os religiosos isentos,
podendo o Ordinário, neste último caso, até mesmo visitar-lhes as igre­
j as e oratórios públ icos 32 ou semipúbl icos externos, a fim de certificar­
se da observâ ncia das leis diocesanas, sem excluir, se p reciso, as penas
canônicas. ( Decr. 9, 1 9, 262 1 -1 , 34 1 7-2. )
i ) estab elecer as normas ou mesmo leis necessárias para u rgir as de­
terminações pontifícias (v. gr., a observâ ncia do motupróprio sôbre a mú­
sica sacra) , ou regulamentar, nas suas d ioceses, aquilo que, na Litu rgia,
a Santa Sé entrega de modo explícito à prudência, custódia e execução
criteriosa do Episcopado, como seria, por exemplo, o caso das Missas
Dialogadas. E' dêsse teor a resposta da S . R . C . ao Em. Cardeal M i -
n o r e t t i, A rcebispo de Gênova, sôbre a oportunidade da Missa Dialo­
gada : "Spetta all'Ordinário giudicare se, nei singoli casi, avute presenti
tutte le circostanze di luogo, popolazione, número delle Messe celebrate
con temporaneamente etc., !'uso proposto, benché per se lodevole, importi dis­
turbio anziché fomentare la divozione." ( R . de 30- 1 1 - 1 935. )

e) Faculdades
Além das atribuições do Direito comum, a Santa Sé costuma
conceder aos Exmos. Senhores Bispos do Orbe católico determi­
nadas faculdades, válidas por poucos anos, e que devem ser pe-
29) S. Oficio. decr. Iam olim, de 26-5- 1 937. De novis cultus formis
non inducendis. A. A. S., vol. X X I X , p. 304.
30) S . R . C . decr. 3304, de 1 4-6- 1 873:
3 1 ) S . R . C . decr. 38 1 8, de 20-2- 1 894.
32) S . R . C . decr. 1 26 1 , § 1 -2.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 915

i o di cam ente renovada s. A estas faculdades, cuj as princip ais são


�s denom ina das " Faculdades Decenais" e " Faculda des Quinque­
n ai s" faz -se mister acrescentar, com relação aos Srs. Bispos do
Br asiÍ as " Facul dades Pós-conciliares " .
Resum iremos abaixo o que há, e m matéria litúrgica, nas so-
bre dita s fac uldad es.
Fac uldades Decenais. - Aos 28 de abril de 1 939 S. S . o Papa
p i 0 XI I se dignou renovar as faculdades decenais concedidas
pel o S. Padre P i o XI com o breve Litteris Apostolicis 33,
1. A os Párocos ou Missionários, nas regiões ou lugares em que lhes
sej a difícil pela grande distância ou por outro impedimento, tira� das fon­
tes batismais, onde se conserva, e levar consigo, a água que já foi benta
no Sábado Santo e Vigília de Pentecostes, os Ordinários locais podem
conceder a facilidade de benzer a ág11a batismal com a fórmula breve que
pelo Nosso Predecessor, de veneranda memória, P a u 1 o I I I foi conce­
did a aos Missionários dos fndios no Peru, e \! e encontra no Apêndice do
Ritu al Romano.
2. Os Párocos e Missionários, se, por deficiência de tempo e grande
facliga ou outras causas graves, não puderem facilmente empregar as ceri­
mônias prescritas para o Batismo dos adultos, poderão licitamente usar
apenas os ritos determinados na Constituição "Altit11do" de 1 de junho
de 1 537, do Papa P a u 1 o I I I , de veneranda memória, mas com a prévia
permissão cio Ordinário.
3. Os Ordinários locais, outrossim, podem dep11tar para administrar
o Sacramento da Confirmação a Sacerdotes, possivelmente constitufdos em
alguma dignidade eclesiástica ou que exercem o múnus de Vigário Fo­
râneo ; nunca, porém, simples Sacerdotes residentes nos lugares em que
o predito Sacramento deverá ser administrado ; devendo observar-se a
nova Instrução da Sagrada Congregação da Disciplina dos Sacramentos
para o simples Sacerdote administrante do Sacramento da Confirmação por
delegação da Sé Apostólica.
6. Concedemos aos fiéis, que contraem Matrimônio, possam receber
em qualq11er tempo do ano a betzção nupcial, contanto que se abstenham
de grande pompa nestes tempos em que as núpcias são proibidas pela
Igrej a ; cuide-se, porém, quando a bênção nupcial fôr concedida fora da
Missa, de se observar a fórmula contida no Apêndice : De MatrimOnio,
do Ritual Ro m ano.
7. Concedemos, outrossim, o 11so dos santos óleos, ainda que sejam
antigos, nunca porém além de dois anos, contanto que não estejam cor­
rompidos e, empregada tôda a diligência, não se possam obter novos
ou mais recentes óleos Sagrados.
8. Os Ordinários podem permitir aos sacerdotes o uso do altar por- .
tátil; êste uso, porém, sej a somente em benefício dos fiéis e nos lugares
em que não existem igrej as ou oratórios públicos, ou de onde muito
se distancia a igrej a paroquial. Não, porém, no mar. O lugar da cele­
bração deve ser recente e honesto, a celebração feita sôbre a pedra sa­
grada e os Párocos ou outros sacerdo.tes, aos quais se dá esta faculdade,
instrnam os fiéis, que assistem à Missa, com a expl icação do Santo Evan­
gelho ou o ensino do Catecismo.

33) P i o XI, Litteris apostolicis, de 30-4- 1 929. - Cf. Boletim Ecle­


siástico de São Paulo, janeiro 1 940, n.º 6, p. 1 1 ss.
60
916 Z i o n i , Noções de Direito Litúrgico

9. Os Ordinários podem conceder aos sacerdotes a faculdade de ce­


lebrar 1w navio o sacrossanto Sacrifício da Missa, somente durante 0
tempo de viagem, contanto que o lugar da celebração da Missa na d a
apresente de indecente ou indecoroso, o mar ou o rio encontre-se de tal
modo tranquilo que afaste qualquer perigo de efusão das Sagradas Es­
pécies do cálix ; e outro sacerdote revestido de sobrepeliz, se houver, as­
sista ao sacerdote celebrante.
Faculdades Quinquenais . Estas faculdades, já anterior­
-

mente concedidas, foram prorrogadas pelo Santo Padre P i o XII


aos t 5 de novembro de t 939 até o ano de t 944.
l. Da Sagrada Congregação do Concilio : N .º 4. Permitir que se pos­
sa antecipar a recitação privada de Matinas e Laudes, desde a primeira
hora depois do meio-dia, sempre que houver razoável motivo.
2. Da Sagrada Co11gregação dos Religiosos : N.º 2. Permitir a cele­
bração das três Missas rituais em a noite do Natal de Nosso Senhor
jesus Cristo, nas igrej as de religiosos não compreendidas no cânon 82 1 ,
§ 3, com facu ldade para os assistentes de se aproximarem d a Sagrada
Comunhão, de modo, porém, que as três Missas sej am celebradas por
um só e mesmo sacerdote. - N.º 7. Permitir a celebração do Santo Sa­
crifício da Missa na Quinta-Feira· Sa11ta (in Crena Domi n i ) , facultando
às pessoas que habitualmente coabitam em comunidade, nutri rem-se da
Sagrada Comunhão, mesmo para cumprimento do preceito pascoal.
2. Da Sagrada Congregação dos Ritos: N.º l . Deputar sacerdotes, se
possível constituídos em alguma dignidade eclesiástica, a fim de consagrarem
altares fixos e portáteis, observado o rito e a forma do Pontifical Ro­
mano ; e quanto aos altares portáteis, mesmo empregando-se tão-só a
aprovada fórmu la ritual mais breve.
N.º 2. Deputar sacerdotes, se possível constituídos em alguma digni­
dade eclesiástica, a fim de consagrarem altares fixos e portáteis execra­
dos, empregando-se a fórmula mais breve "B", para os casos do cânon
1 200, § 2, do Código de Direito Canônico. Ao passo que no caso do
cânon 1 20 1 , § l , já pelo mesmo cânon se indultava a faculdade, devendo­
se empregar a fórmu la "A".
N.0 3. Deputar sacerdotes, se possível constituídos em a lguma digni­
dade eclesiástica, a fim de co11sagrarem cálices e patenas, observando-se
o rito e a forma do Pontifical Romano.
N.º 4. Ler, em uma ú11ica Missa, some11te a parte final da Paixão,
("Altera autem die . . . " ) a favor dos sacerdotes, que de direito celebram
duas Missas por faculdade já conseguida, quando na Missa da Semana
Santa se recita o Passio, precedendo o "Munda cor meum . . . ", "Sequen­
tia Sancti Evangelii secundum (Matthreum ) '' .
N . º 5 . Dar a bênçlio nupcial fora da Missa, e recitar orações pelos
cônjuges, segu ndo as fórmulas aprovadas, com poder de subdelegar.
,N .° 6. Benzer e impor os cinco escapulários, sob fórmul a única, com
poder de subdelegar 34.
N.º 7. Be11zer e impor os ci11co escapulários, sob fórmula única, sem
recurso aos Ordinários ou às Co11gregações religiosas compete11tes, e sem
o encargo da inscrição nos casos de grande concurrência, no tempo dos
Exerclcios e das Missões espirituais, com poder de subdelegar.

34) Os cinco escapulários de que fala a Concessão ou Faculdade são


os seguintes : Da Paixão de N. S. J. Cristo ; da Imaculada Conceição ; da
SS. Trindade ; de N. Senhora das Dores ; de N. Senhora do Carmo.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 917

N.º 8 . Benzer o s Santos óleos, na Quinta-feira "in Cama Domini",


co o nú mero de presbíteros e de ministros sagrados que, dado o lugar
m
e dadas as circunstdncias, possam encontrar-se. (Em favor do Bispo ce­
l ebra nt e.)
N.º 9. Permitir a incensação na Missa cantada sem ministros sagra­
dos, nas festas dúplices de primeira e de segunda classe, nos domingos,
e qua ndo a Missa com canto fôr celebrada diante do Santissimo Sacra­
men to da Eucaristia, solenemente exposto.
N.º 1 0. Permitir o uso do "Memoriale Rituum", do Papa Bento XIII,
nas igrejas e oratórios . públicos ou semipúblicos (não paroquiais ou quase
paro quiais) , para as funções do Tríduo da Semana Santa, e para a Bên­
ção das Cinzas, das Candeias e das Palmas, contanto que conste com
cert eza haver-se assegurado bastante o decôro e a reverência dos misté­
rios sagrados.
N .º 1 1 . Benzer objetos de piedade com um sinal da Cruz, observando­
se os ritos que a Igrej a prescreve. Por ocasião, porém, da visita pastoral,
quando muitos pedirem e mostrarem nu merosos e vários obj etos de pie­
dade, permite-se então uma única fórmula abreviada, ao fazer-se o sinal
da Cruz sôbre os objetos, a saber : " Benedicat hrec omnia Deus, Pater et
Filius et Spiritus Sanctus. Amen ."
N .º 1 2. Celebrar o Ordinário Missa de Réquie lida, no selJ. próprio
oratório, uma vez por semana, contanto que não ocorra uma festa de rito
dúplice de primeira ou de segunda classe, domingo ou festa de preceito,
supresso muito embora, bem como uma oitava privilegiada, féria da Qua­
resma, das Quatro Têmporas, a 2."-feira das Rogações, uma Vigília ou
Féria na qual se deve antecipar ou repor uma Missa dominical, observando­
se, ademais, as rubricas.
4. Da Sagrada Penite11ciaria. N.º 1 0. Conceder, nas condições de cos­
tume :
1 ) l11dulgê11cia plenária a ser lucrada pelos fiéis cristãos : a) que as­
sistirem à Missa, celebrada pontificalmente pelo Ordinário, no dia que o
Ordinário marcar, uma vez cada ano, para cada lugar da Diocese ; b )
que visitarem devotamente a igrej a ou oratório público ou semipúblico no
ato em que o Ordinário aí fizer a visita pastoral ; e) no tempo do SI nodo
Diocesano, se visitarem a igrej a onde o mesmo Sínodo é real izado ; d)
no dia da Comunhão geral, uma vez cada ano, na igrej a catedral, ou numa
igrej a indicada pelo Ordinário, se ai se alimentarem do Sagrado Ban­
quete ; e) durante as Missões, que com licença do Ordinário se reali­
zarem na Diocese, quando ouvi rem ao menos a metade das conferências
sagradas. 2) Indulgência parcial de 200 dias, que poderão lucrar os que
assistirem devotamente a qualquer das conferências de que se tratou aci­
ma, na letra e ) .
Faculdades Pós-conciliares 3 5 , Após a celebração do Con­
-

cílio Plenário Brasileiro, os Exmos. Senhores Bispos do Brasil


recorreram à Santa Sé para obter algumas faculdades, benigna­
mente concedidas, no teor das seguintes respostas :
1 . Da Sagrada Congregação dos Sacram entos. A o s 1 3 de janeiro de
1940 foram concedidas, válidas por um triênio, no seu território, e de­
vendo ser distribuídas segundo o prudente j u ízo e consciência dos Ordi-

35) As Faculdades Pós-conciliares foram divulgadas pela Cúria Me­


tropolitana do Rio de janeiro, em data de 27-6- 1 941 . Cf. Boletim Ecle­
siástico de São Paulo, setembro 1 941 , n.º 9, p. 278 ss.
60*
918 Z i o n i , Noções de D i reito Litúrgi�

nários as segui ntes facu ldades : N.º 1 . de permitir que nas igrej as paro.
qma1s do território diocesano se possam celebrar três Missas imediata.
m en te depois da m eia-noite da Natividade do Senhor, com poder de ad­
min istrar a Sagrada Comunhão aos fiéis, cautelosamente, porém, a fim
de que tudo se faça com a devida reverência.
N.• 2. de permitir aos sacerdotes que nos domingos e outras festas
de p receito possam trinar a Santa Missa, contanto que se trate do bem
das almas.
N . º 3. de permitir aos sacerdotes que possam binar a Santa Missa na
prim eira sexta-feira de cada mês e também nas festas suprimidas, contanto
que sej a em benefício das a lmas.
N .º 4. de permitir aos sacerdotes que, durante todo o tempo que a
Santa Sé concede aos fiéis do B rasil para cumprimento do preceito da
Comunhão pascal e da Confissão anual, isto é, desde a dominga da Setua­
gésima até à festa dos Ss. Apóstolos Pedro e Paulo, possam celebrar duas
Missas em dias m esmo de semana, nos campos distantes da i grej a paro­
quial, em beneficio dos fiéis, isto é, para que n aqueles lugares onde rara­
mente chega o sacerdote, o p receito pascal sej a mais facilmente cumprido
pelos fiéis.
N .º 6. de permitir que se celebre na Catedral e igrejas paroquiais a
Missa imediatamente depois da meia-noite da Circuncisão do Senhor, por
ocasião d a exposição pública e da adoração do SS. Sacramento, nas ho­
ras finais do ano, em ação de graças pelos benefícios recebidos da libera­
lidade divina, com a faculdade de se admitirem os fiéis à S. Comunhão.
N .º 7. de permitir que se possa celebrar, em caso de verdadeira ne­
cessidade, m esmo sem ajudante, observando-se o prescrito no cânon 8 1 3,
§ 2, si f ieri poterit.
2. Da Sagrada Congregaçiío do Concílio . Aos 22 de fevereiro de 1 941
foram benignamente concedidas as seguintes faculdades : N .º 2. de conceder,
·
que, terminado o Ofício divino do dia, havendo uma causa racional ( ape­
nas em razão da liceidade ) , se possam recitar privadamente Matinas e
Laudes do dia seguinte, imediatamente depois do m eio-dia.
3. Da Sagrada Congregação dos Ritos. Aos 14 de fevereiro de 1 94 1
foram concedidas as segui ntes faculdades : N.º 1 . d e conceder a o s sacer­
dotes que, h avendo causas graves, possam b enzer água batismal, com a
fórmu l a mais b reve concedida aos Missionários peruanos, para os índios,
pelo Sumo Pontífice Paulo I I I . - N.º 3. Quanto à redução, com j usta
causa, do número de velas para oito na exposição pública do SS. Sacra­
mento, máxime nas i grej as e oratórios mesmo de religiosos, nos quais se
faz habitualmente a exposição pública ao menos por algumas horas ao
dia, a S . R . C . respondeu do seguinte modo : " N ão convém, a não ser no
caso de verdadeira deficiência de cera, e nesse caso supra-se por outros
modos, mesmo pelo emprêgo de lâmpadas elétricas." 36

§ 3. Erros dogmático-jurídicos em matéria de Direito litúrgico

a) Introdução
I números são os erros dogmático-j urídicos em matéria de Di­
reito litúrgico. Os principais, entretanto, e que refletem todos os
36) Boletim Eclesiástico de São Paulo, setembro 1 94 1 , p. 28 1 .
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 919

demais são o s d o Protestantismo e d o G alicanismo, razão por


que apenas consideraremos êstes dois.
Antes, porém, faz-se mister explicar alguns têrmos também
us ados pelos autores protestantes e galicanos.
Quanto ao direito litúrgico é preciso distinguir o direito de
legisl ar em matéria de culto público (ius liturgicum) do simples
direito de execut;lr as leis litúrgicas e vigiar porque não sej am
violadas (ius in sacra ou ius in liturgiam, ou circa liturgiam) .
Ambos êstes direitos (legislativo e executivo) podem estar
an exos ao ofício ou à posição do supremo governante de uma
nação e igrej a (ius maiestaticum), ou lhe podem ser concedidos
por uma delegação e liberalidade do povo, da comunidade ou do
colé gio (igrej a, ccetum fidelium) , denominando-se neste caso di­
reito colegial (ius collegiale) .
Esquematicamente teríamos :
O direito de j urisdição litúrgica do príncipe civil pode ser :
liturgicum in liturgiam
1. maiestaticum 1. maiestaticum
2. maiestaticum 2. collegiale
3. col le gia le 3. collegiale
4. collegiale 4. maiestaticum

b) Erros protestantes
Costumam os autores classificar os erros jurídicos dos pro­
testantes, relativos ao Direito litúrgico, em três grandes sistemas :
episcopaliano, territorial e colegial .
1 . Sistema episcopaliano. J:: s te sistema surgiu na Alema­
-

nha, depois de um decreto imperial datado de 1 555, por ocasião da


célebre confissão de Augsburgo, motivada pela aprovação, da
parte de Lutero, do Libelo de Melanchton (25 de j unho de 1 555) ,
apresentado ao I mperador da Alemanha, onde o seu autor se
propunha demonstrar que o Protestantismo não se tinha afastado
da mente dos Apóstolos e dos Santos Padres.
Segundo êste sistema, o príncipe temporal tem, simultânea­
mente, j urisdição temporal ou civil, e j urisdição episcopal ou reli­
giosa sôbre todos os seus súditos ou protestantes que aderiram
à Confissão de Augsburgo. A j urisdição sôbre os católicos é ex­
plicada pela suspensão definitiva da j urisdição episcopal.
2. Sistema territorial. Obra de Hugo G rotius, exposto mi­
-

nuciosamente no seu livro póstumo, inserido nominalmente n o


índex "De imperio summarum potestatum circa sacra'', o siste­
ma territorial foi também seguido e defendido por Hobbes, Tho­
masio, Spinoza e outros.
920 Zio n i, Noções de Direito Litúrgico

S u a tese principal é do teor seguinte : A autoridade civil pos­


sui, em seu território, todos os direitos e poderes, inclusive os
eclesiásticos, de tal modo que o príncipe civil é também, iure
proprio, ou maiestatico, o verdadeiro de.t entor da autoridade e j u­
risdição espiritual in sacra.
3. Sistema colegial. - Partindo de um ponto de vista total­
mente diverso, o sistema colegial supõe a constituição democrá­
tica da sociedade civil e religiosa. O príncipe civil possui tôda
a autoridade espiritual e civil. A primeira não iure proprio, mas
por uma concessão da comuni dade dos fiéis ou igrej a (no sen­
tido protestante) que é a verdadeira detentora do poder litúrgico.
Quando se trata de determinar melhor a natureza e as ca­
racterísticas do poder espiritual do príncipe civil, os autores pro­
testantes divergem entre si. Boehmerio, por exemplo, atribui ao
príncipe temporal o pleno direito litúrgico (ius liturgicu m e ius
in sacra ex officio), classificando-os como direitos m ajestáticos.
Cristiano Tomásio, porém, admite que o príncipe civil tem
como direito m ajestático o direito legislativo (ius liturgicum), não
porém o executivo, que é colegial, ou sej a, depende do beneplácito
popular. Mosheimio, finalmente, defende, para o príncipe civil, um
poder litúrgico meramente colegial (ius liturgicum collegiale), re­
servando-lhe como direito majestático (ex offleio) unicamente o
direito circa lifurgiam.
e ) Erros galicanos .
Não mui diversos são os erros galicanos. Primam, entretan­
to, pela inacintosa independência de Roma e humilhante servilis­
mo regalista. Com efeito. Os B i spos podem, i ndependentemente
do Papa, ordenar a liturgia n a p rópria diocese, sob a vigilância
e aprovação real .
Conseguintemente, o poder supremo em m atéria de liturgia
reside no príncipe civi l .
Alguns exemplos. - D u ra ndo de Maillana 3 7 refere o se­
guinte : "E' direito dos Bispos e, mesmo, uma obrigação . . . exa­
minar atentamente os livros da I grej a, tais como missais, antifo­
nários, breviários, rítuais, etc., e de reformar o que nêles há de
defeituoso", - e p rossegue - "porém não podem neste reino
( França) inovar coisa alguma no exercício e celebração do culto
divino, sem a autoridade do rei ."
Bordenaux reitera o mesmo pensamento : " L a cour de Par­
lement de Paris. . . . a fait inhibitions et deffenses au dit Evêque
37 ) D u r a n d o d e M a i 1 1 a n a , Dictio1111aire ca11011ique, verb. "Li­
vre", cit. por B o u i x , De Jure Liturgico, o. e., p. 1 1 1 .
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 921

( de Angers) d'innover rien en l'exercice et célebration des offi­


ce s, aux églises de son diocese, sans I' autorité du roy." 3 8
São frequentes as fórmulas : " Sans la permission du roy" ,
" san s l' autorité du roy" , "sans autorité précédente de sa Maj esté" ,
etc.
Não tentamos a refutação dêstes· erros p ara não estender de­
masiadamente o presente trabalho, e porque a mesma se localiza
melhor n a teologia fundamental ( tratado " De Romano Pontífi­
ce" ) , visto como tais erros são mais dogmáticos do que jurídicos.

§ 4. A autoridade civil e o Direito Litúrgico da Igreja


As relações entre a autoridade civil e a I grej a, sob o ponto
de vista do D i reito litúrgico podem resumir-se no seguinte :
1 . A autoridade civil pode manifestar seus desej os ( não di­
reitos) à autoridade eclesiástica relativamente à reza de deter­
minadas o rações de interêsse público ou à ordenação e promoção
de externas manifestações religiosas 3 9 .
2 . J amais, porém, poderá determinar e impor tais coisas por
si só, e independentemente da aquiescência da autoridade religiosa.
Ao concluir esta primeira parte dêste humilde estudo de Di­
reito Litúrgico, pensamos ser útil transcrever as palavras de O s i o
dirigidas a C o n s t a n t i n o M a g n o :
"Ne te misceas ecclesiasticis rebus nec nobis in hoc genere
prrecip e ; sed pascuis ea a nobis disce. Tibi Deus imperium com­
misit : no bis, qure sunt Ecclesire concredidit . . . Cave ne qure sunt
Ecclesire a d te trahens m agno crimine obnoxius fias. Scriptum
est : Qure sunt Cresaris, Cresari ; qure sunt Dei, Deo." 4 0
Continua

38) B o u i x, De fure Liturgico, o. e., p. 1 1 3.


39) C o r o n a t a, lnstitutiones luris Canonici, Turim 1 939, vol. I I ,
pág. 1 5 1 , n . º 833. .
40) B e n t o XIV, Const. Quemadmodum, de 23-3- 1 743, cit. por O a s ­
p a r r i , Fontes, vol. 1, pág. 336.
922 B r :a 1 1 d ã o, Cartas a um Neo-Sacerdote

Cartas a um Neo-Sacerdote
( Conclusão)
pelo Pe. Ascânio B randão, Sanatório de Maria Imaculada, São josé dos
Campos, Estado de São Paulo

A p i ed a de sacerdotal
Reza o cânon 1 25 do Código do Direito Canônico : "Curent
locorum O rdinarii : 1 .0 Ut clerici omnes prenitentire sacramento fre­
quenter conscientire maculas eluan t ; 2 .0 Ut quotidie orationi men­
tali per aliquod tempus incumbant, Sanctissimum Sacramentum vi­
sitent, Deiparam Virginem mariano rosario colant, conscientiam
suam discutiant."
Cinco exercícios de vida espiritual indispensáveis à nossa pie­
dade ; se quisermos corresponder à graça incomparável de nossa
vocação e nos sustentar em meio de tantos e tamanhos pei'igos
à virtude no mundo em que vivemos, havemos de ser fiéis e escru­
pulosamente fiéis ao que nos pede aqui o Direito Canônico :
1 .0 A Confissão frequente ;
2 .0 A Meditação quotidiana ;
3 .0 A visita ao SS. Sacramento ;
4.0 O Rosário de Mari a ;
5 . 0 O Exame d e consciência.
A Encíclica Mystici Corporis Christi de P i o X 1 1 veio con­
denar o êrro dos que diziam "que a oração feita em particular
pouco vale e que é a oração pública, feita em nome · da Igreja, que
tem verdadeiro valor, por partir do Corpo Místico de jesus Cristo."
"Não é exato - diz o Santo Padre ; - o divino Redentor n ão só
uniu estreitamente a si a Igreja como Espôsà queridíssima, senão
também nela as almas de todos e cada um dos fiéis, com quem
desej a ardentemente conversar na intimidade, sobretudo depois da
Comunhão. E embora a oração pública, feita por tôda a Igreja,
sej a mais excelente que qualquer outra, graças à dignidade da Es­
pôsa de Cristo, contudo tôdas as orações, ainda as mais parti­
culares, têm o seu valor e eficácia, e aproveitam também grande­
mente a todo o Corpo Místico." E diz ainda o Santo Padre : "Quan­
to à meditação das coisas celestes, os documentos eclesiásticos,
a prática e exemplo de todos os Santos provam bem em quão
grande estima deve ser tida por todos."
Eis ai, meu caro ,Neo-Sacerdote, como a Igrej a mais uma vez
inculca a necessidade da meditação e dos exercícios de piedade
sem deixar de realçar a p rimazia, a excelência e a dignidade da
oração litúrgica, isto é, da oração pública.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 923

Achamo-nos agora ante dois lamentáveis excessos. Um dos


que, se não desprezam a Vida Litúrgica, de tal modo a descuram
ou se ocupam do extralitúrgico e toleram o antilitúrgico, a ponto
de já se não conhecer mais o esplendor da casa de Deus. Donde,
abusos e profanações e a ignorância em que vive o povo do Augus­
to Sacrificio dos Nossos Altares e das belezas e ensinamentos su­
blimes da Liturgia. O chamado Movimento Litúrgico veio como
saudável e necessária reação a tantas e tamanhas deturpações e
profanações da Casa de Deus e à lamentável ignorância da Li­
turgia. E' realmente uma bela e edificante obra de restauração, e
nunca assaz louvada.
O segundo lamentável e perigoso excesso é o daqueles que
menosprezam a oração particular, julgam desnecessários os exercí­
cios de piedade sobremaneira a Meditação, e parecem dizer : Fora
da Liturgia não há oração/
Meu caro Neo-Sacerdote, é mister Sentire cum Ecclesia. E a
Igreja é o equilibrio entre os dois excessos.
Ama a Liturgia. O Opus Dei é vida. Sê apóstolo da Liturgia;
ela é escola de santidade, no dizer de Pio X. Insta oportune et im­
portune, prega a Santa Missa, esta participação mais intima dos fiéis
na vida da Igreja expressa admiravelmente no Santo Altar e na
beleza do Ano Litúrgico.
Nunca, porém, te deixes levar por qualquer dos dois erros
e exageros. Tua piedade seja alimentada quotidianamente na Vi­
da Litúrgica, fonte inexaurível de ensinamentos e estímulo pode­
roso de fervor. E tua Vida litúrgica se sus t ente daquele espírito
de reflexão, de penitência, de luta e vigilância que só se adquire
na prática dos exercícios de piedade.
Nunca te esqueças da tua Visità ao Amigo Divino do Sa­
crário. Sanctissimum Sacramentum visitent . . .
Reza, cultiva esta devoção preciosa e riquíssima de graças
que é o Rosário de Maria. Nem um dia pelo menos sem . . . o têrço.
Feliz o Padre que souber viver o seu Rosário cada dia . . . Deipa-
ram Virginem mariano rosario colant.
O Exame de consciência, Conscientiam suam discutiant. "Sem
um sério exame quotidiano de consciência - diz o ilustrado e pie­
doso Pe. V a 1 u y, - seremos em cinquenta anos o que somos hoje :
nem uma virtude a mais, nem um vício a menos."
Tantum proficies --diz a Imitação - quantum tibi vim in­
tuleris.
Meu caro Neo-Sacerdote, se ao entrar o Padre nas lutas do
ministério, ao sair do seminário, não tiver muito cuidado e um
zêlo ardente pela fidelidade aos exercícios de vida espiritual acon­
selhados e exigidos pelo Cânon 1 25, a ponto de confiá-los à vi-
924 B r a n d ã o, Cartas a um Neo-Sacerdote

gil ância dos Srs. B ispos, "Curent locorum Ordinarii . . . " ; se o Pa­
d re descura estas práticas salutares e necessárias para o santo
desempenho das funções divinas, a rotina, a tibieza o podem le­
var em pouco tempo a algum abismo a que êle n unca pudera ima-
ginar lhe fôsse possível tocar. .
Clerici omnes poenitentiae sacramento frequenter maculas
eluant . . . diz em primei ro lugar o Cânon 1 25. A Confissão fre­
quente nos é necessá ria para o fervor de nossa vida sacerdotal .
Lembremos o conselho do D i retório do Padre : "Tende um Con­
fessor certo, esclareci do, edificante, doce, firme e que cumpra êsse
cargo subl ime e tremendo com probidade de consciência. Entre um
D i retor mais piedoso mas ignorante da vida espiritual e suas vias,
e um outro menos virtuoso, porém mais esclarecido, n ão hesiteis em
dar preferência a êste. Se andais voando de um Confess·or a outro
Confessor, cuidado ! Tremei por isto !"
" Valde utile esset ut sacerdos certum ac firmum confessarium
sacerdotem habeat a quo non recederei, nisi magna necessitate;
siquidem animae solei non minus obesse conf essariorum mutatio,
quam corpori m edicorum." ( S. Caro l . )
'
Procuremos um Confessor q u e real ize o co nselho de Santo
Afonso : ln excipiendis sacerdotum confessionibus sit suavis atque
ur.banus corzf essarius sed contra, sit f ortis in correctionibus de bitis
adhibendis, aut ln deneganda absolutione, cum judicii ratio sic
exigit. E duas coisas exige o santo D outor, sej am objeto de cuida­
doso exame de consciência para o Padre e energia dos Confes­
sores : O estudo da teologia moral para ouvir confissões e . . . a
Meditação / Por quê? Responde o santo Moralista, o D outor seguro
da salvação : Affirnzo ln statu danznationis esse eum confessarium
qui sine sufficienti scientia ad confessiones excipiendas se exponit.
·
E depois : Est moraliter impossibile, nempe difficillimum ne
quis ln gravia peccata labatur, sine meditatione.
E m nossas confissões temos o cuidado, o zêlo de fazê-las bem ?
E j á pensamos n a responsabil idade de um sério exame sôbre êstes
deveres tão graves do estudo e da Meditação ?
Fala a Encíclica Mystici Corporis Christi, e não sem muita
oportunidade entre nós, contra o êrro, " a falsa opi n i ão dos que -
diz Pio X I I - pretendem que n ão se deve ter em grande conta
a f requente Confissão das faltas veniais ; pois que i mportante é a
confissão geral que a Espôsa de Cristo, com seus filhos e ela uni­
dos no Senhor, faz todos os dias, por meio dos sacerdotes antes
de subirem ao altar. E' verdade, e vós · bem o sabeis, Veneráveis
I rmãos, que há muitos modos e todos muito louváveis, de obter o
perdão destas faltas ; mas para progredir mais rapidamente no ca­
minho da vi rtude, recomendamos vivamente o pio uso, introduzido
Revista Eclesiástica Brasi leira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 925

pela Igreja sob a inspiração do Espírito Santo, da Confissão fre­


quente, que aumenta o conhecimento próprio, desenvolve a humil­
dade cristã, desarraiga os maus costumes, combate a negligência
e tibieza espiritual, purifica a consciência, fortifica a vontade, pres­
ta-se à direção espiritual, e por virtude do mesmo Sacramento
aumenta a graça. Portanto os que menosprezam e fazem perder a
estima da Confissão frequente à j uventude eclesiástica, saibam que
fazem uma coisa contrária ao Espírito de Cristo e funestíssima
ao Corpo Místico do Salvador."
Estudo
Meu caro Neo-Sacerdote, hoje o estudo nos é tão necessário
como a oração. Sempre o foi, é verdade. Hoje, porém, o Padre
no dizer de P i o X I não pode, não deve ser medíocre na virtu­
de e . . . na cultura.
A ignorância no Clero sempre marcou as horas mais som­
brias e trágicas da História da Igrej a. Anda sempre com a deca­
dência dos costumes. "Ciência e piêdade são os dois olhos do ecle­
siástico perfeito. U ma sem a outra é sempre falha lamentável",
escrevia S. Francisco de Sales.
Sicut vila, ita doctrina clarere debet.
E ouçamos o grande Santo Isidoro : Doctrina sine vita arro­
gantem reddit : vita sine doctrina inutilem facit.
Não somos os pregadores e doutores da verdade? Nossa
Missão sagrada exige a ciência : Labia sacerdotis custodient scien­
tiam . (Mal 2, 7.)
Ouvimos dos lábios do Sr. Bispo em nossa Ordenação : Sit
doctrina vestra spiritalis medicina populo Dei.
E se desprezamos a ciência sagrada, o estudo, não incorre­
mos na maldição Divina? Quia tu scientiam repulisti, et ego re­
peliam te ne Sacerdotio fungaris milli.
Que ciência há de ser objeto de nosso estudo, de nosso zêlo,
e nos há de fazer sentir o pêso tremendo da respom1abilidade de
cultivá-la e amá-Ia acima de tôdas as outras ? A ciência ecle­
-

siástica. A que se relaciona diretamente com nosso ministério, e


sem a qual nos arriscamos a perder nossa alma perdendo mui­
tas almas.
Fala-se muito hoje em cultura do Clero, mas há infelizmente
um desvio nesta cultura, para o terreno alheio à ciência propria­
mente eclesiástica. Há um prurido de vaidade em tôrno do Padre
inteligente e culto no sentido do mundo, isto é, o Padre literato,
poeta, matemático, cientista, pedagogo, astrônomo ou químico, etc.
O bom Teólogo e bom moralista andam sempre como que em
plano inferior. E não só entre profanos e leigos, mesmo entre nós,
926 B ra n d ã o, Cartas a um N eo-Sacerdote

os do Clero não faltam os que admiram e s e extasiam ante a pá­


gina estilizada e perfumada de um bom escritor de batina, e olham
q uase . . . compadecidos dêstes bons talentos que, como Santo
Afonso o exige, perdem horas no . . . callere tlzeologiam moralem . . .
H á em geral no P adre moço logo em contacto com o mundo,
uma tentaçãozinha de brilhar, não como bom teólogo o u cano­
nista ou mestre de Ascética, mas . . . como pregador de estilo e de
fama, -b om l iterato, homem culto e . . . para rodas d e i n telectuais 1
D a í os p regadores prurientes auribus e . . . j ustificada e m tô­
da parte a queixa do profeta : Parvuli petierunt panem et non erat
qui frang eret eis. O l iterato, o poeta, o cientista, a águia das al­
turas do pensamento, vai l á distribuir p ão de ·c atecismo a pobres
e rústicos campônios e às criancinhas de catecismo ?
Meu caro Neo-Sacerdote, antes do mais, s ej a a nossa cul­
tura . . . eclesiástica . . . O resto . . . v i rá por acréscimo.
Feliz o P adre que puder realizar o i deal do cientista e do
teólogo ! .
E quanta glória não deran1 j á à I grej a, ao mundo e à P átria
tantos nomes ilustre s no Clero, d e B á c o n, C o p é r n 'i c o, o Pe.
S e c c h i, o célebre Abbé M o r e u x ?
Convençamo-nos, porém, d e que estas vocações científ icas e
literárias cumpriram e cumpre m a sua missão excepcional para
glória e prestígio d o Clero, . todavia n ão podem servir a todos d e
modêlo. Nossa única m issão é - salvar · as almas rem idas p elo San-
·

gue de Cristo Nosso Senhor.


A ciência que nos há de apaixonar é a que nos l eva à con­
quista do tesouro das almas. Nossa grande preocupação há de ser
pois o nosso aperfeiçoamento cada dia n a ciência das ciências -

a Teologia.
· O prurido vaidoso d a cultura profana está criando entre · nós
uma mentalidade superficial e afastando do campo do apostolado
do ministério s acerdotal -n ão poucos Padres moços, -c ultos, espe­
ranças da I grej a, p a ra os reduzir a p u ros intelectuais e l iteratos
e mestres de cátedras de ciência p rofana, sem proveito algum para
a Igrej a e a salvação das almas.
Se a obediência e o i n terêsse das almas1 meu caro Neo-Sa­
cerdote, t e fêz professor e te obriga a aprofundar a ciência, cum­
pre a tua missão n a cátedra d e um Seminário ou d e u m Colégio,
porém não te esqueças da tua ciência : - a ciência eclesiástica !
Três livros aconselhav a aquêl e venerável Sulpiciano e incom­
parável D i retor de almas sacerdotais, o Pe . L e t o u r n e a u, três
livros que n ão podem sair das mãos de um bom Padre, que deseje
cada vez mais s e guiar com segurança n a ciência das ciências, a
da s alvação das almas : A Sagrada Escritura, A Suma Teológica
Revista Eclesiástica Brasilei ra, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 927

de Santo Tomás e o .Catecismo do Concílio de Trento ou Catecismo


Romano.
Há necessidade de repetir tantos e tamanhos elogios dêstes
três monumentos de nossa fé?
A falta de sólida cultura teológica tem sido a causa de apos­
tasias e daquela horrenda tragédia de que fala o C a r d e a 1 B e r­
. t r a m : a do Padre que perdeu a fé/
E S a n t o A f o n s o não nos obriga sub gravi ao estudo da
teologia moral?
Affirmo in statu damnationis esse eum confessarium qui sine
sufficienti scientia ad confessiones excipiendas se expo n it . ( Horn.
Aport. ) E ainda : Tenetur Sacerdos sub gravi callere theologiam
Moral em .
São verdades um pouco esquecidas estas . . . Não faltam, po­
rém, os que se desculpam com aquêle : Ligorista - rigorista, para
atribuírem ao Santo Doutor um rigorismo com que se desculpam
cômodamente e se tranquilizam, a ponto de lá deixarem nas estan­
tes empoeiradas a pobre teologia dos bons tempos do Seminário . . .
Desculpam-se alguns com a Teologia do bom senso.
Ponde na cabeça isto, escrevia L e t o u r n e a u aos Clérigos
e Neo-Sacerdotes : "Sem se estudar muito e de preferência aquilo
que já se aprendeu e estudou no Seminário, não é possível des­
empenhar dignamente as funções do ministério. Isto é de necessi­
dade de meio ou melhor - é um meio necess·á rio para chegar ao
fim a que se ·p ropõe o sacerdote na sua vocação." (Lettres de
Diretion.)
Com teologia do b o m senso não se resolve coisa alguma e
com ela se expõe o Padre às mais ridículas soluções, diz ainda o
S u 1 p i c i a n o. Nenhum homem de responsabilidade resolve pro­
blemas de ciência com simples bom senso. A teologia é uma ciên­
cia, é a ciência das ciências. E' arte e a suprema arte : ars artium . . .
Mais uma desculpa : "A virtude supre a ciência, vêde o Cura
de Ars l Não fêz mais que muitos teólogos e pregadores afama­
dos e grandes -cientistas?"
Que pretensão ! ,E quem assim anda a se desculpar terá mes­
mo os dons i nfusos do Santo Cura de Ars?
E o Santo não foi porventura um paciente estudioso até o
h eroísmo? Está mais que provado, S. João Vianney possuía bem
uma suficiente cultura eclesiástica para o desempenho do seu mi-
·

nistério.
A teologia do Cura de Ars estava muito longe da celebér­
rima teologia do bom senso.
A doutrina dos seus catecismos e sermões revela muito es­
tudo e sólida cultura teológica. O Dogma, e a Moral, o Direito
.
928 B r a n d ã o, Cartas a um N eo-Sacerdote

Canô nico, a Liturgia, os Documentos Pontifícios, que vasto campo


de estudo !
O essencial é conservarmos o amor ao estudo em tôda a nos­
sa vida, e o estudo da ciência eclesiástica.
U rria boa, variada e útil biblioteca. Amemos os livros. São
nossos melhores amigos. A ún ica ambição, o ún ico tesouro, diz o
Pe. V a 1 u y S. J. que um Padre pode e deve ter e fazer crescer
sempre mais - os livros, a sua biblioteca!
E estudemos para . . . salvar-nos e salvar almas. Tenhamos
no estudo a prudência que nos aconselha S. B e r n a r d o :
"Sunt qui scire volunt eo fine tantum ut sciant, et turpis curiosi­
tas est; sunt qui scire volunt ut sciantur ipsi, et turpis vanitas est;
et sunt item qui scire volunt ut scientiam suam vendant, et turpis
quaestus est; sed sunt quoque qui scire volunt ut aedificent, et ca­
ritas est; et item qui scire volunt ut aedificentur, et prudentia est."
( ln Cantic. sermo 36, n.0 3 . )
N o t a. - Aqui termina a primeira série das " Cartas a um
Neo-Sacerdote" . Com ligeiras modificações sairão dentro em bre­
ve em forma de opúsculo na "Coleção Sal terrae - Lux mundi",
da benemérita Editôra "Vozes" sob o título : "Ad Timotheum" .

O Capelão das religiosas


pelo Pe. Dr. O e r a 1 d o F e r n a n d e s, C. M. F., Professor do Colégio
Claretano, Curitiba, Estado do Paraná

O Código de Direito Canônico fala muitas vêzes dos Capelães.


Através do segundo e do terceiro livro, encontramos não poucas
referências aos Capelães ; a legislação, porém, é fragmentária e
bastante incompleta. Merecem menção especial os Capelães milita­
res 1 , os Capel ães das Confrarias 2 e os Capelães dos religiosos.
Não pretendemos falar . senão dos· últimos e, restringindo ainda
mais o campo da nossa investigação, trataremos somente dos Ca­
pelães das religiosas 3.
O cânon 479 previne que não se aplicam aos Capelães as nor-
mas dadas para os Reitores das igrej as no título De ecclesiarum
1 ) Cf. cân. 45 1 , § 3.
2) Cf. cãn 698, § 1 , 2 e 3 ; cân. 479, § 2.
3) Ainda que o nosso estudo verse ex professo sôbre o Capelão das re­
ligiosas, poderemos aplicar as mesmas normas aos Cape'. ães das Congre­
gações de I rmãos leigos, com as diferenças que assinalaremos oporhi-
namente. ·
Revista_ Eclesiástica Brasilei ra, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 929

rec toribu s 4, mas sim as normas que para êles serão dadas em di­
fe ren tes lugares do Código. De fato encontramo s frequentemente
e ssas leis referentes aos Capelães. Na Parte II do Livro II que
é dos Religiosos, chegando ao Cap. II do Título X, encontramos
a inscriç ão De .Confessariis et Capp ellanis. O leitor e ainda mai�
0 es tudioso diante dêsse título talvez se engane e leve uma desilu­
são quando, ao chegar ao fim do capítulo, não encontre mais do
que um cânon de cinco linhas no qual se fala dos capelães, sem
q ue nem sequer apareça a palavra Capelão, e dos Pregadores.
Para fazer, portanto, um pequeno estudo prático teremos de
ir respigando aqui e acolá determinações da legislação comum e
particular.
Nome e definição
Depois de diligentes estudos, prevaleceu a opm1ao dos que
encontram o étimo de Capelão em capa. Segundo T o m a s s i n o
e D u O a n g e que seguem a opinião de muitos antigos, cape­
lães se chamavam os Clérigos encarregados de guardar a rel í­
quia preciosa da capa de São Martinho de Tours. Chamou-se bem
cedo capela o lugar onde se guardava a capa, muitas vêzes uma
tenda, pois a famosa relíquia conservada em tempo de paz no pa­
lácio real, acompanhava em tempo de guerra os Reis dos fran­
cos nas suas expedições militares. Com o tempo veio a chamar­
se capela a uma igreja pequena e capelães aos Clérigos 5 encarre­
gados das capelas ou de determinadas entidades religiosas.
O Código, sem querer dar uma definição do ofício de Cape­
lão, define contudo o Capelão dos rel igiosos a , quando no cân. 529
o chama de sacerdos a sacris, sacerdote encarregado de celebrar
as funções sagradas próprias da Ordem sacerdotal 1 . Quais se­
jam essas funções, qual o ofício do Capelão nas comunidades re­
ligiosas, veremos logo. Devemos notar, porém, que chamamos de
4) Note-se de passagem aquêle hic do cânon 479, § 1 ; pois o mesmo
Código noutras passagens chama de Reitor da igrej a ao Superior religioso
que tem ao seu cuidado a igrej a dos religiosos.
5) Dizentos Clérigos, mas existe ainda o costume de se chamar vul­
garmente de Capelão a um leigo p iedoso que di rige certas funções religio­
sas em falta do sacerdote.
6) Isso já mandavam as Normas, § 1 , n. XI : "Sacerdos a sacris . . .
designare . . . munus Episcoporum est . . . " E em o ní1mero V I I I do § 2 : " l n
his q u re a d spiritualia pertinent subduntur sodalitates Episcopis direcesium
i n quibus versantur. Horum igitur erit sacerdotis ipsis et a sacris et a
concionibus designare." C o r o n a t a, lnstitutiones luris Canonici, 1, 556,
nota 3, diz que o cânon 529 se refere somente aos religiosos l eigos e não
às religiosas. Cremos que esta opinião não se pode admitir; j ulgamo-la
até destituída de fundamento. Contudo êle concorda em afirmar que se
pode aplicar às rel igiosas o estabelecido no cân. 529.
7) C o r o n a t a, lnstitutiones luris canorzici, 1, n. 556 ; L a r r a o n a,
CpR, X I I ( 1 93 1 ) , pág. 1 20 : "Sacerdos a sacris idem valet ac Cappellanus,
ut constat ex inscriptione ipsa cap itis."
930 F e r n a n d e s, O Capelão das re!.i giosas

c apelão som ente ao sacerdote que habitual mente exerce as fun­


ções sacerdotais para com as religiosas.
Nomeação
O Código p ara a n omeação dos Capelães distingue entre re­
ligiosas isentas e n ão-isentas.
a) Quando se tratar de religiosas não-isentas, tocará ao O r­
dinário do lugar nomear os Capelães. I sso, contudo, não impede
que possam as religiosas pedir um determinado Capelão, muitas
vêzes sendo até necessário que elas procurem o Capelão e o apre­
sentem ao O rdinário do lugar para a aprovação s .
b ) Corresponde a designação ao Superior regular o, quando
se tratar de rel igiosas isentas a êle sujeitas. Nesse caso o Su­
perior designará livremente, sem te r obrigação de consultar o O rdi­
.
nário do lugar 1 0 , deven do porém a escolha recair sôbre um s a­
cerdote que tenha uso de ordens na D iocese onde está situada a
casa religiosa 1 1 .
e ) Em caso de negligência por parte do Superior regular, to­
ca ao O rdinário do lugar nomear os Capelães, procedendo então
do mesmo modo que para a nomeação dos Capelães das religio­
sas n ão-isentas. Isto não é mais do que uma aplicação do prin­
é ípio geral que podemos deduzir do Código, de que o O rdinário
do lugar, por direito, supre as negligências do Superior regular
com relação às rel igiosas dêle dependentes 1 2 . No cânon 529 diz
expressamente o Código que êsse direito corresponde ao Ordiná­
rio do lugar, quando o Superior regular é negligente na nomeação
dos Capelães.
d ) Quando se tratar de monj as sujeitas ao Ordinário do lu­
gar, a êste corresponderá igualmente nomear os Capelães . Alguns
Autores querem que se aplique também esta norma quando se tra­
ta de monj as sujeitas diretamente à Santa Sé, e mesmo quando se

8) L a r r a o n a, CpR, X I I ( 1 93 1 ) , pág. 1 23.


9) O Código, como oportunamente n ota L a r r a o n a ·no CpR, X I I
( 1 93 1 ), pág. 1 23, nota 398, fala d e Superior regular; mas se existisse al­
guma Congregação isenta de religiosas suj eitas a um Superior religioso
isento, ex evidenti analogia iuris, nesse caso a designação deveria ser feita
pelo Superior isento e não pelo Ordinário do lugar.
1 0 ) Cf. L a r r a o n a, CpR, X I I ( 1 93 1 ) , pág. 1 23.
1 1 ) Em muitas dioceses do B rasil é costume renovar-se anualmente
a licença para uso de O rdens. Nesses casos tem aplicação o que estabe­
lece o decreto n. 1 26 § 3 do Concflio Plenário B rasileiro : "Moderatrices mo­
nialium aliarumque religiosarum tempestive petere curent renovationem fa­
cultatum, qure confessarium, cappellanum et cultum in ecclesia vel oratorio
respiciu nt."
1 2) Cf. cãn. 4 1 2, § 2, n . 1 .0 ; 525; 535 ; § 1 , 2.º ; Cf. CpR, XI I ( 1 93 1 ) ,
pág. 1 23, n ota 404.
Revista Eclesiásti ca B rasileira, vol. 3, fasç. 4, dezembro 1 943 93 1

trata de O rdens ele I rmãos nas quais há alguns sacerdotes como


são os I rmãos de São João de Deus 1 a .
Tratando-se de mosteiros de monjas, mesmo que estejam su­
jeitas ao Ordinário do lugar, e de religiões Jaicais isentas de ho­
mens, é obrigatória a nomeação de Capelães que, para elas, fa­
rão as vêzes de Pároco nas coisas determinadas pelo Código e de
que Jogo falaremos 1 4.
Para as religiosas não-isentas não existe obrigação de no­
mear Capelães, mas será sempre muito conveniente. O Ordinário,
em virtude do poder que lhe confere o cân. 46'4, § 2, poderá isen­
tar da autoridade do Pároco as religiosas por direito não-isentas.
Seguindo o parecer de C o r o n a t a 1 5 , julgamos oportuno que o
Ordinário, ao nomear os Capelães para as religiosas que por direito
não são isentas, as exima da jurisdição do Pároco, mesmo no rela­
tivo às funções estritamente paroquiais 1 a .
Qualidades do Capelão
O Código não exige determinados dotes ou requisitos de ida­
de, ciência ou prudência para os Capelães das religiosas, como
exige para os Confessores. De fato não se podem exigir sempre
os mesmos requisitos em todos os casos. Quando o Capelão mora
numa habitação contígua à casa religiosa ou à igreja, é natural
que se tenha mais em conta o que dizem os Canonistas, isto é, que
sej a de idade madura, de ciência e prudência reconhecida, mais
ainda quando se tratasse de casas religiosas destinadas exclusiva­
mente à formação da juventude feminina. Quando o Capelão não
residir no lugar da Capelania e também quando se exercerem as
funções do seu ofício sem ter que entrar na casa religiosa ou sem
ter que tratar com as religiosas, poderá haver alguma atenuação
nesse rigor 1 1 .
13) Cf. L a r r a o n a, CpR, X I I ( 1 93 1 ) , pág. 1 22- 1 23, q u e nesse caso
admite que o Superior possa escolher um sacerdote da mesma religião para
Capelão. Tratando-se, porém, de uma Ordem laical que dependesse di reta­
mente da Santa Sé, não nos parece repugnar que nesses casos o Superior
da mesma religião designasse o Capelão, pois o cân. 529 atribui êsse
direito, de modo muito genérico "Superiori regulari". Não se pode afirmar
que Superior regularis aqui signifique somente o Superior regular com re­
lação às religiosas dêle dependentes. Portanto nas Ordens, tanto de ho­
mens como de mulheres, que não estej am sujeitas nem ao Superior regu­
lar externo nem ao Ordinário do lugar, mas diretamente à Santa Sé, o Su­
perior ou Superiora (atenden do somente à letra do cân. 529) poderia de­
signar o Capelão.
1 4) Cf. CpR, XII ( 1 931 ) , pág. 1 2 1 .
1 5) Institutiones luris canonici, 1 , pág. 668.
1 6 ) De fato essas funções estritamente paroquiais que se podem exer­
cer nas casas religiosas são tão poucas que não ·haverá nenhum incon­
veniente em isentá-las da autoridade do Pároco.
1 7 ) Aos Capelães com igual razão pode-se aplicar o que manda o de-
61
932 F e r n a n d e s, O Capelão das religiosas

N ão está proibido aos religiosos serem Capelães de religiosas,


como gratuitamente ainda afirmam alguns, antes pelo contrário,
quando o Capelão é também pregador, como ordinariamente acon­
tece, será conveniente que sej a religioso, pois mais facilmente po­
derá falar da vida religiosa. Além disso o Capelão é o conselhei ro
nato das Comun idades religiosas, e n ão sendo religioso, dificilmen­
te poderá conhecer bem tantas e tão minuciosas leis eclesiásticas re­
lativas às religiosas.
N ão seria também contra a letra do cân. 500, § 3, que o s re­
ligiosos fundados por um mesmo Fundador que u m a Congregação
de religiosas, sej a m Capel ães dessas religiosas, orientando-as se­
gun d o o espírito d o Fundador.
O Código, que n ão exige requisitos especiais para o s Cape­
l ães das religiosas, excl ui contudo dêsse ofício os religiosos egressos
de qualquer religião 1 s .
P a ra o caso em que o Capelão residisse n a casa das Irmãs,
estabeleciam as Normas : " S i . . . cappellanus in domu Sororum ha­
bitet, eius habitatio ingressum separatum, nec ullam cum earum
h abitatione communicationem habeat." 1 0 N a p rática será difícil que
não h aj a nenhuma comunicação ; por isso, sendo possível, p ro­
cure-se que essa comunica_ção exista somente por um lugar pa­
tente, como é a igrej a ou a capela, e que a comunicação s ej a re­
duzida ao mínimo possível sob a d i reção absoluta das Superioras.
P a ra a s casas onde s ão e m grande número as religiosas e as
outras pessoas atendidas pelo Capelão, pode ser de grande van­
tagem que êle resida permanentemente junto à igrej a o u à casa
religiosa. O Capelão dedicado exclusivamente ou quase excl usiva­
mente ao cuidado da Comunidade religiosa é uma instituição q ue
tem dado ótimos resultados em várias n ações onde o Clero é
numeroso.
Ofício do Capelão
O cân. 5 2 9, ao definir o Capelão como sacerdos a sacris, diz
quais os seus ofícios : exercer a s funções sagradas. Contudo nem
tôdas as funções sagradas po derá exercer o Capelão nas igreja s
d a s rel igiosas. D everá t e r primeiramente e m conta as leis litúr-
ereto n . 1 27 do Concíl io Plenário B rasile i ro : "§ 2. Concionatores et con­
fessa rii ab omni otioso co lloquio aut fam iliaritate cum rel igiosis vel alumnis
aliisque m u l ieribus omnino se absti neant, sed habitis con cionibus vel con­
fessionibus auditis, statim e domu rel igiosa d iscedant. § 3 . Ceteri quoque
clerici cum religiosis mul ieribus n isi perraro et j usta de causa colloquantur."
Cf. cân. 605.
1 8) Cân. 642 : "Quilibet p rofessus ad sreculum regressus . . . .p rohibe­
tur . . . sine novo et speciali Sanctre Sedis indulto .
. . 3.0 Quocumque officio
v� I munere i n Curiis episcop alibus et i n re . igiosis domibus sive vi rorum
s1ve mul ierum, etiamsi agatur de religionibus d icecesanis."
1 9) Normas ( 1 921 ) , n . 1 78.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1943 933

gicas que proíbem ou permitem determinadas funções litúrgicas.


Mas disso falaremos logo.
Ao Capelão compete primeiramente celebrar tôdas as fun­
ções permitidas pelos livros litúrgicos e que não sej am estrita­
mente paroquiais. Se, porém, as religiosas ou por direito ou por pri­
vilégio concedido pelo Ordinário do lugar à norma do cân. 464,
§ 2, forem isentadas da autoridade do Pároco, o Capelão fará
em tudo as vêzes dêste, a não ser que no mesmo Código ou no
privilégio de isenção se diga o contrário. De fato são bem pou­
cas essas funções estritamente paroquiais que se podem exercer
para com as religiosas. Reduzem-se à administração dos últimos
Sacramentos', as exéquias e a bênção da casa religiosa.
a) Nos mosteiros de monjas impende ao Confessor ordinário
ou a quem suas vêzes fizer, administrar os últimos Sacramentos
às religiosas e às noviças, como determina o cânon 5 1 4.
b ) Compete ao Capelão das religiosas isentas por direito ou
por privilégio, celebrar as exéquias e benzer a casa religiosa. Quan­
to ao primeiro estabelece o cân. 1 230, § 5 : " Religiosas et novitias
in religiosa domu defunctas, ad clausurre limen deferant alire re­
ligiosre : indeque si de religiosis agatur iurisdictioni parochi non
obnoxiis, ad propriam religiosre domus ecclesiam deducit et exse­
quias peragit cappellanus." Quanto à bênção da casa religiosa,
ainda que o Código não o diga expressamente, pode-se deduzir
do cân 464. O citado cânon diz que o Pároco exerce a cura de
almas para com todos os seus paroquianos que não estejam legi­
timamente isentos ; ora o cânon 462 põe entre as funções reserva­
das ao Pároco a bênção das casas segundo o rito estabelecido nos
livros litúrgicos. Portanto, ao conceder ao Ordinário do lugar a fa­
culdade de isentar as religiosas da jurisdição ou autoridade do
Pároco, concede poder de isentar em tudo, absolutamente, a não ser
que alguma exceção apareça no mesmo Código. O mesmo deve­
mos dizer com igual razão do Capelão das religiosas por direito
isentas, pois elas não dependem em nada do Pároco.
Ainda que a bênção dos paramentos destinados aos cultos
l itúrgicos não esteja entre as funções estritamente paroquiais e ain­
da que os capelães isentos não estejam enumerados entre os que
po d em benzer os ditos paramentos, fundados no mesmo cân. 464,
§ 2 que fala de uma isenção absoluta, sem determinar nenhum li­
mite, julgamos poder-se afirmar que o Capelão das religiosas isen­
tas pode benzer · os paramentos destinados à igreja ou oratório
das religiosas isentas, pois do contrário a isenção não seria com­
pleta se ao Pároco somente estivesse reservado êsse ofício. C o-
61 *
934 P e r na n d e s, O Capelão das religiosas

r o n a t a 2 0 , ainda que timi damente, concede a mesma faculdade


ao Capelão das Monjas sujeitas ao O rdinário 2 1 , fazendo talvez
essa exceção porque as outras monj as que dependem do Supe­
rior regular, nisso não dependem do Pároco, porque o cân. 1 304
concede ao Superior regular o poder benzer os paramentos desti­
nados às igrej as ou o ratórios de monj as dêle dep endentes.
Quando, porém, a casa religiosa mantém hospital ou quais..!
quer outros institutos de benef icência, etc., a isenção da casa re­
ligiosa não leva consigo a isenção do hospital. Estendendo a êstes
a isenção, como pode de fato estender o O rdinário do lugar, se­
rão muito numerosas as funções estritamente paroquiais que o Ca­
pelão poderá exercer, mas então não p rocederá como Capelão das
religiosas, mas do hospital.
e) Quando as religiosas não estiverem isentas da j urisdição
paroquial, tocará ao Pároco administrar os últimos Sacramentos 22 ,
celebrar as exéquias 2 s, benzer a casa religiosa 2 4 e os para­
mentos 2 5 .
d ) Outros o/leios. O Capelão poderá ser pregador e então
deverá ser eleito e ter as qualidades requeridas para êsse ofício.
Poderá ser também Confessor, mas não convém que sej a o Confes­
sor ordinário.
Mesmo que êle resida na casa religiosa, sempre que alguma
religiosa o p rocure para se confessar, poderá confessar válida e
licitamente, com tal que estej a aprovado para ouvir confissões de
mulheres, observadas as circunstâncias do cân. 522 e as respostas
da Comissão Intérp rete do Código, de 24 de novembro de 1 920,
de 28 de dezembro de 1 92 7 e de 1 5 de fevereiro de 1 935.
Tendo em conta o que dizem os decretos 1 2 5 e 1 26 do Con­
cílio Plenário B rasileiro, somos do modesto parecer, que o Ca­
pelão, como aliás qualquer outro sacerdote, que esteja aprovado
para ouvir confissões de mulheres, p oderá válida e licitamente ou­
vir em confissão as religiosas, mesmo que na p rovisão ou licen­
ça de confessa r haja a cláusula : "menos das religiosas" . O de­
creto 1 26 e, portanto, as licenças para ouvi r confissões concedidas
pelo Ordinário do lugar, estão subordinadas ao cânon 522 e ao
cânon 523 e também ao decreto 1 25 do Concilio Plenário B rasi-
20) C o r o n a t a, lnstitutiones luris canonici, II, n. 885.
2 1 ) N aturalmente que o Superior regular pode benzer os paramentos
para as igrej as e oratórios das religiosas que dêle dependam, mas i sso
não impede que o · possa também o Capelão. Portanto, ou devemos conce­
der a todos ou negar para todos os Capelães isentos a faculdade d e ben­
zer os paramentos.
22) Cf. cân. 5 1 4, § 3.
23) Cf. cân. 1 230, §§ 1 e 5.
24) Cf. cân. 462, 6.º
25) Cf. cãn. 1 304.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 935

Jeiro, como expressamente diz o decreto 1 26. Portanto a limitação


acrescentada nas l icenças de confessar "menos das religiosas" de­
ve-se entender da Confissão habitual, por outras palavras, para
ter o ofício de Confessor. N ão é mais do que recordar oportuna­
mente o que estabelece o cânon 876, § 1 . Tenha-se ainda presen­
te que o cânon 876, § 1 deixa a salvo a liberdade concedida pelo
cânon 522 : " salvo prrescrip to can. 239, § 1 , n . 1 , 522, 523."
O Capelão nas Comunidades religiosas pode ter o seu ofício
reduzido simplesmente a sacerdos a sacris : celebrar a S . Missa,
d istribuir a S. Comunhão, dar a Bênção do Santíssimo e, talvez,
mais nada. Frequentemente, porém, o Capelão é tudo. E' o prega­
dor, ouve em confissão a muitas religiosas, aconselha, ensina, di­
rige. Nas casas de Noviciado, Cúrias provinciais e gerais, são ne­
cessários tais Capelães.
Contudo o que diz o cânon 523, § 3, deve-se aplicar também
aos Capelães, isto é, que não se deve intrometer no govêrno inter­
no ou externo da Comunidade. O ofício do Capelão p oderá ser de
sábio conselheiro ; nunca de Superior.

A Ação Católica e a Eucaristia


pelo Pe. D o m i n g o s O u g 1 i e 1 m e 1 1 i, C. M., Professor do Escolasti­
cado dos Padres Lazaristas, Petrópolis, Rio de janeiro

1. Considerações gerais
N ão é a Ação Católica, como todos sabem, uma simples mo­
dalidade da piedade cristã individual, nem tão-pouco uma nova
confraria que se estabelece, com fins específicos, cuidadosamen­
te deli mitados. O que distingue a Ação Católica das associações
até hoj e existentes, o que a desliga das formas particulares da
piedade, é sua perfeita hegemonia e sua real transcendência.
Esta hegemonia não permite que ela se filie a nenhum mo­
vimento ou forma de piedade, pois, é u m todo orgânico, completo.
Sua transcendência evita-lhe o paralelismo com as demais
manifestações de piedade, criadas para as necessidades particulares
de indivíduos e de épocas. A natureza d a Ação Católica expri­
me-se muito bem pela fórmula : ela está para as associações pie­
dosas, assim como a Liturgia está para as devoções particulares.
Esta eminência, por isso mesmo que é eminência, não estabele­
ce antagonismo nem, o que é p ior, concorrência. Nem ainda a
Ação Católica absorve tudo o que a piedade cristã, no correr dos
936 G u g 1 i e 1 m e 1 1 i, A Ação Católica e a Eucaristia

séculos, insp i ro u como movimentos i n d iv i duais ou associativos p a ra


0 desenvol vimento d a vida es piritual. O Espírito Santo, que d i ri­
ge a s almas n a s veredas d a v i rtude, s u gere diversos meios de che­
gar ao mesmo fim. "Div isiones v ero gratiarum sunt, idem autem
Spiritus ." 1
Aí está o l a do n egativo da Ação Católica : s u a in dependên­
cia e tran scen dênci a.
Focal i z a n d o agora seu lado positivo, ela se apresenta com
uma nítida feição de plenitude, de soberania e de amplitude. P l e­
n i tu de, pela i n tensidade de vida, ab ran gen do todos os elementos
essenciais d o cristian i smo em ação, h a u ridos em suas fontes au­
tênticas e imedi atas. Soberania, pela su µ..erioridade orgâ nic a que a
elev a acima de qualquer associação, conferin do-lhe u m p rima do
que n ão é a p e n a s de ordem ou de hon ra, mas de va lor . Ampli­
tude, pela liberdade d e movimentos, que lhe permite penetrar por
tôda p arte e adaptar-se a tôdas as s i tuações d e i n d ivíduos, lu­
gares e teinpo.
E m u m a p a l avra, a Ação Católica é católica 2 .
E' el a êste movimento que vem d a r à vida cristã seu f rescor
evan gélico, sua fec u n d i d a d e benfazej a , levando Cristo ao i n divíduo,
à família, à sociedade, e m tôdas as suas ativi d ades, econôm icas,
p olít icas, artísticas e c u l t u rais, nessa o b ra renovadora de recris­
t i a n i z aç ão, n a qual todos s ão chamados a participar, n ão só pas­
s iva, mas ativamente. A Ação Católica tem como obj etivo suprimir
esta triste, i nconceb ível separação entre a v i d a ordinária e a re­
l i gi ão, como se a rel igião fôsse t ão-somen te uma doutrina, u m
partido, e n ão u m a v i d a q u e deve animar, acompanhar e orientar
o homem, em tôdas as mani festações de s u a atividade, em qual­
quer das situações, em que o coloque a P rovidência. Por tôda p a r­
te é p reciso viver c ristãmente. V iver cristãmente, p o rém, é viver
a vida de Cristo, é entrar nesta corrente de vida sobrenatural
que do t ronco passa aos ramos, comunican do-lhes a seiva da g ra­
ça, nesta vinh a frutificadora que é Cri sto Senhor Nosso. Na me­
d i d a em que nos i n co rporamos a Cristo, participamos do i n fluxo
vital que dimana desta fon te única e u n iversal de santidade.
Destarte, a Aç ão Católica só real i z ará seu escopo d a santifi­
cação de seus memb ros para u m a ação apostol a r, enquanto esta­
belecer u m contacto assíduo e i n tenso com Nosso Senhor. Por isso
mesmo é que n ão se compreende a Ação Católica sem uma v i d a

1 ) 1 Cor 1 2, 4.
2) E' interessante n o t a r q u e , por ser católica, atravessa as mesmas
vicissitudes que a Igrej a Católica. Como esta, é a grande incomp reendida,
é superficialmente anal isada, mais por fora do que em sua estrutura ínti­
ma, e ainda, olhada com desconfiança à maneira de êmula, inovadora,
açamb arcadora.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 937

cabalmente integrada na vida e nas atividades essenciais de Cristo :


Cristo Sacerdote, no Sacrifício que honra a Deus ; Cristo Sacer­
dote, no ministério sacramental que santifica as almas ; Cristo Sa­
cerdote, na mediação que põe em comunicação Deus e a humani­
dade, pela oração. Eis por que o militante da Ação Católica há de
levar vida de assimilação ao sacerdócio de Cristo. Esta assimila­
ção consegue-se pela vida litúrgica e sacramental. Vida litúrgica
associando-se a Cristo, no ato central da Liturgia que é o santo
sacrifício da Missa. Vida litúrgica pela participação ativa na oração
coletiva da Igreja. Vida sacramental, pela volta frequente às fon­
tes da graça que são os Sacramentos.
�sses aspectos da vida litúrgica e sacramental, que são o prin­
cípio animador da Ação Católica, encontram sua expressão máxima
na Eucaristia · que, como Sacrifício e Sacramento, os reúne e re­
sume todos. Como Sacrifício, é a Eucaristia o ato principal da Li­
turgia ·católica. Em tôrno dela giram todos os demais atos litúr­
gicos. Para ela se ordenam, dela recebendo seu sentido e virtude.
Como Sacramento, é o mais excelente, no divino septenário, pela
presença real e pelo papel que desempenha na vida cristã.
Nestas considerações, é justamente o papel da Eucaristia na
vida cristã que vai ser encarado, pondo-se em relêvo as mútuas
relações entre o grande sacramento católico e a Ação Católica como
exercício de apostolado.
Evidentemente, a realização da Ação Católica, pela vida sa­
cramental, não deixa no esquecimento nenhum dêstes meios extra­
ordinários que Cristo estab e leceu para comunicar a graça. E o mem­
bro da Ação Católica procurará viver intensamente seu Batismo
que é o sacramento de sua incorporação a Cristo e o primeiro es­
bôço de seu sacerdócio cristão. Viverá igualmente a Confirma­
ção que o faz arauto do Rei imortal e campeão de sua fé, aberta­
mente professada. Viverá ainda a Penitência, êste banho purifi­
cador que conservará sua alma pura das manchas cotidianas. So­
bretudo, porém, viverá a Eucaristia que é o grande sacramento
da vida cristã e que une a alma a Cristo e n�le a transforma.
E a doutrina teológica sôbre a atuação dos Sacramentos em
geral, e da Eucaristia em particular, j ustifica a relação que vai
ser estabelecida entre êste último Sacramento e a Ação Cató­
lica. Realmente, se de um lado, a verdadeira vida cristã se origi­
na e se desenvolve pela união a Cristo e pela participação à sua
graça e dons, de outro lado, na economia atual da Redenção, o
meio pelo qual Cristo em nós exerce sua salutar influência san­
tificadora e conosco contrai uma inefável união, constituindo o Cor­
po Místico, são os Sacramentos. "E' necessário - diz S a n t o
T o m á s - que a virtude santificadora derive da divindade de
938 G u g 1 i e 1 m e 1 1 i, A Ação Catól ica e a Eucaristia

Cristo através de sua humanidade, até aos Sacramentos" , pois, con­


tinua o Santo Doutor : "Os Sacramentos da Igreja haurem sua
virtude especialment e da Paixão de Cristo, cuj a virtude nos é
apl icada pel a recepção dos Sacramentos." s E' pelos Sacramentos,
ajunta o Concílio Tridentino, que "tôda verdadeira j ustiça co­
meça, ou começada aumenta, ou perdida se repara" . 4
A vida, pois, que Cristo nos trouxe, �l e que veio para que
tenhamos a vida e a tenhamos abundantemente 5 , nós devemos
recebê-la e no-la apropria r ; mas esta apropriação e assimilação de
vida divina se verifica nos Sacramentos, "pelos quais - ensina
o Catecismo Romano, - assim como iniciamos a vida, é ainda
com êste alimento que nos nutrimos, nos conservamos e cresce­
mos" 6 , e "sem os quais, - insiste S. A g o s t i n h o - não se
entra na vida que é a verdadeira vida" . 1
Estabelecendo diversos meios para se chegar a esta vida de
união, Nosso Senhor não podia perder de vista o meio principal,
aquêle que em sua perfeição contém todos os outros. E j á que
o imperfeito se ordena sempre para o perfeito, e o perfeito para
o mais perfeito, todo o edifício sacramental deve organizar-se em
função da Eucaristia. "O que é comum aos mais Sacramentos -
diz S. T o m á s, - atribui-se por antonomási a a êste, por causa
da sua excelência" s ; o que facil mente se entende, pois a Euca­
ristia é o sacramento que tem como efeito próprio e primário nu­
trir a mais excelente das virtudes, a Caridade, em tôda a sua ex­
tensão : Deus e o próximo. Assim falava L e ã o X I I 1 : "Tôda a
nossa vida espiritual e tôdas as nossas operações salutares, n ão
as temos senão por Jesus Cristo, pelo qual dimanou e dimana tudo
o que há de ótimo e excelente. Mas a fonte e princípio dêsses bens
é, antes de tudo, a Eucaristia, que é como a alma da Igreja ; hau­
rindo dela a Igrej a sua virtude e glória, o esplendor dos dons divi­
nos da graça, tôda sorte de bens. " 9
Sendo a Ação Católica a atuação integral da doutrina cristã
na vida,, em suas diversas modalidades ; tendo por m issão trazer
Cristo ao mundo, saturando o ambiente humano de sobrenatural,
da presença ativa dAquele que é o caminho, a verdade e a vida,
a Eucaristia apresenta-se como seu melhor programa e como o
meio mais eficaz de ação. D a í resulta ser a relação entre a Eu­
caristia e a Ação C atólica não fictícia ou de mera acomodação ;
3) Sum. Theol. I I I , q. 62, a. 5 e 6.
4) Sess. VII, proem., D. B . 843.
5) jo 10 1 0.
6) Cat. k om. II, p. cap. 1, n.º 3 1 .
7 ) l n Joan., tr. CXX, n .º 2.
8 ) I l i, q. 72, a. 4, ad 2.
9) Encfclica Mirae Caritatis. A<:ta S. Sedis, 1 902, voJ. 34, p. 644.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 939

trata-se antes de nexo necessário que merece estudado. E' o que


se verá abaixo, onde a Eucaristia aparecerá no início e no têrmo
da Ação Católica. Ela é seu princípio e seu fim.
II. A Eucaristia, principio da Ação Católica
Ativamente considerada, a Ação Católica é obra eminente de
apostolado, não como inovação, mas como uma reabiHtação, pela
qual todos são chamados a trabalhar na expansão do reinado so­
cial de Cristo. Ora, a vida do apóstolo tem por fôrça de ser uma
vida de união com Deus. Já se repetiu à saciedade que a alma
de todo apostolado é a vida interior. E' uma verdade que ninguém
contesta. Igualmente, porém, ninguém contestará que não pode ha­
ver vida interior sem vida eucarística.
O apostolado é com a virgindade, depois do martírio, a for­
ma mais autêntica da vida heróica. Mas é na Eucaristia que acha­
mos a explicação natural, o segrêdo íntimo de tantos atos he­
róicos, de que a história da Igreja está cheia.
"Donde vem - pergunta M o n s a b r é, - donde vem aos
apóstolos esta chama divina de zêlo que os transporta às regiões
longínquas e fá-los arrostar mil perigos, para ganhar as almas a
jesus Cristo? Donde vem aos corações compadecidos que se dei­
xam seduzir pelas misérias humanas o inesgotável devotamento
que exercem até o último alento, nas grandes obras de caridade?
Do Pão eucarístico." 1 0
Com razão, São V i c e n t e d e P a u 1 o dizia às I rmãs
de Caridade : "0' minhas filhas, não negligencieis esta graça, eu
vo-lo rogo ; aproximemo-nos, porém, dêste fogo, para sermos pri­
meiro abrasados, e depois, com nossa caridade e bom exemplo,
para aí arrastarmos os outros. Sabei, minhas filhas, que a vir­
tude principal das Filhas de Caridade é comungar bem." 1 1
O verdadeiro apóstolo não é só o demagogo que sabe a dou­
trina e a expõe aos outros ; o verdadeiro apóstolo é aquêle que
pode dizer com S. Paulo : "Sêde meus imitadores, como eu sou de
Cristo." 1 2
Doutrina e santidade, eis as características do apóstolo, como
o encontramos em Cristo. Ora, esta cópia fiel do divino modêlo
deve ser especialmente atribuída à Eucaristia, cujo efeito é unir
intimamente o comungante a N. Senhor; união, que, crescendo em
perfeição, chega à transformação afetiva da alma em Cristo ; pen­
samentos, afetos, palavras, tudo o mais, enfim, se amolda aos pen-
10) M o n s a b r é, Conférences du Car�me, 1 884, 69." c onf.
1 1 ) P. C o s t e, St. Vincent de Paul, t. IX, p. 239-240.
12) 1 Cor 1 1 , t .
1 3 ) j o 6, 58.
940 O u g1 i e1 m eJ 1 i , A Ação Catól ica e a Eucaristia

samen tos, afetos, ações e palavras divinas. E' o mesmo N . Senhor


quem no-lo diz expressamente : "Assim como o Pai que está vivo
me enviou e eu vivo pelo Pai, assim quem a m i m come, vive por
mim." 1 3 "Eu sou o alimento dos grandes .- exclama S . A g o s­
t i n h o ; - n ão és tu quem m e mudarás em ti, mas tu quem te mu­
darás em m i m . " 1 4
Se a virtude da E ucaristia fôsse suficientemente conhecida,
teríamos o segrêdo íntimo da vida cristã. E ' nesta fonte divina
que devemos beber esta fôrça sôbre-h umana, para, de manhã à
noite, sem embargo de dificuldades, lutar seguros da vitória con­
quistada pelo heroísmo, sem os desfalecimentos que tecem a vida
das almas pusilânimes.
A vida do apóstolo, ao lado de suas consolações, quando se
vê a glória de Deus eficazmente p rocurada pela salvação das al­
mas, n ão deixa também de ter seus espinhos, suas agruras, capa­
zes de prostrarem as mais robustas virtudes, se não p udermos
encontra r alguém a quem sussurrar nossas ânsias, se não puder­
mos encontrar um alento que venha sacud i r as energias vacilan­
tes. �ste apoio não é outro senão a Eucaristia, onde o divino Ami­
go consola, conforta e deixa entrever esperanças.
A Comunhão f requente e bem feita terá como efeito constituir
o apóstolo de verdadeira têmpera, o apóstolo outro-Cristo.
O angélico S . T o m á s ensina-nos o seguinte : "O ,e feito pró­
prio de cada Sacramento deve ser tomado da matéria dêsse Sa­
cramento ; assim a purificação da vida velha é o efeito do Batis­
mo, significado pela ablução da água. Como, pois, o elemento m ate­
rial dêsse Sacramento é o alimento, importa considerar o efeito p ró­
p rio da Eucaristia em relação ao efeito do a limento material. O
ali mento corporal converte-se naquele que dêle se nutre, e assim
restaura suas fôrças, desenvolve-lhe o crescimento. U m alimento
espi ritual n ão pode ser assi m i l ado por aquêle que o come, mas,
pelo contrário, o converte em si. D onde, o efeito da E ucaristia é
a assimil ação do homem a C ri sto, a tal ponto que possa dizer :
Vivo, não sou eu quem vivo, é Cristo quem vive em mim." 1 5
A Comunhão opera entre a alma e Cristo essa aproximação,
éssa semelhança in dispensável na formação do apóstolo que será
tal n a medida mesma em que reproduz em si o Mestre. Assim, é
da E ucaristia que deve j o rrar todo apostolado. U m compasso só
traçará uma circunférência perfeita, quando uma de suas extre­
m idades estiver fixa em um ponto único e em tôrno dêste girar;
u m apóstolo só i rradiará a vida de Cristo, só espalhará em tôrno
de si o bom odor das virtudes, quando sua vida tôda gravitar em
1 4 ) Conf., 1 . V I I , e. 1 0.
1 5) IV S., d. X I I , q. 1 , a. 1 , sol. 1 .
Revista Eclesiástica B rasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 94 1

tôrn o da Eucaristia, sem que suas atividades exteriores o distraiam


do ponto central.
D êste modo o apóstolo se formará aos pés do Mestre, j u n to
ao tabernáculo, saturando-se de virtudes ; daí partirá em busca
de outras almas. Eis o primeiro aspecto da Eucaristia como prin­
cípio da Ação Católica.
Em b reve, porém, voltará e voltará não sozinho, mas com
um cortejo de recrutas, e virá de novo bater às portas do Sacrá­
rio, entregando estas almas a Jesus, para que também elas vivam
vida eucarística. Eis o segundo aspecto da Eucaristia, como têrmo
da Ação Católica.
Ili. Eucaristia, fim da Ação Católica
A Ação Católica visa penetrar a vida em suas d iversas ma­
n ifestações, com os princípios e p ráticas de um cristianismo sadio.
N ão hesitaremos, porém, em dizer que isto se alcança, sobretudo,
pela vida eucarística, sendo, por assim dizer, a Eucaristia o sa­
cramento que compendia a vida cr i stã. A Ação Católica terá con­
seguido sua finalidade, quando pudermos descrever a vida cris­
tã de nossos dias, como faz São Lucas n o l ivro dos Atos dos Após­
tolos. Eis o magnífico quadro : "Os cristãos perseveravam na dou­
trina dos Apóstolos, n a uniãp, n a {ração do pão e nas orações." 1 6
Eis aí a Eucaristia como elemento primordial da vida cristã, em
seus i nícios. E' ela que congrega os discípulos num só coração e
numa só alma ; é ela que os confortava para a luta que os espe­
rava a cada momento. E ninguém ignora o papel dêste Pão di­
vino na vida dos mártires.
�ste Sacramento encerra um aspecto particular que é a ex­
tensão de sua ação. O s Sacramentos, por si, diretamente, ordenam­
se ao bem individual de quem os receb e ; mas a Eucaristia, desen­
volvendo a mais excelente das virtudes cristãs, a Caridade, tem
um caráter social, de que abaixo falaremos.
Antes de tudo, a Eucaristia desenvolve a vida cristã e m uma
alma. S ã o V i c e n t e expressa-o com estas palavras : "A pes­
soa que bem comunga faz tudo bem . . . Traz a Deus em seu co­
ração, difunde por tôda parte um suave perfume de virtudes, nada
faz senão em vista e por amor de Deus . . . N ão fará suas ações,
fará as ações de jesus Cristo. Terá em sua conversação a doçura de
jesus Cristo ; terá a paciência de jesus Cristo. Numa palavra, tôdas
as suas ações serão ações, não de uma pura criatura, senão as
ações de jesus Cristo." .1 1

1 6) At 2, 43.
17) P. C o s t e, St. Vincent de Paul, IX, 33 1-333.
942 O u g 1 i e 1 m e 1 1 i, A Ação Católica e a Euca ristia

E que h á de mais natural ? Contendo a Eucaristia o mesmo


autor de tôda santi dade, modêlo d a vida perfeita que nos é pro­
posta, segue-se que a i encontrará o cristão tudo o que é n ecessá­
rio para l evar uma vida conforme as ex igências da fé que p rofessa.
L e ã o X 1 1 1 , em sua bela encíclica sôbre a Eucaristia, es­
creve : "Quemquer que atenciosamente consi dere os benefícios que
d i manam d a E ucaristia, ve rá que sôb re-sai aquêle, n o qual os de­
mais estão conti dos, a saber, ela comunica aos homens a vida que
é a verdadei ra vida : O Pão que vos darei é a m inha Carne para
a v ida do mundo. Tanto os homens como as n ações, assim co­
mo vieram de Deus, do mesmo modo, em nenhum outro podem
viver, mover-se, fazer algum bem, a n ão ser em Deus, por Jesus
Cristo, mediante o qual decorreram e decorrem todos os bens . A
fonte, p o rém, de todos êles, a principal é a d ivin a E ucaristia que
sustenta aquel a vida, pela qual aspiramos veementemente, e au­
menta i mensamente aquela dignidade de que tanto somos ciosos.
Que de mais excelente e desej ável do que torna rmo-nos, na medi­
d a do possível, participantes da n atureza d ivi n a ? Mas isto Cristo
reali z a pela Eucaristia que, el eva n do o homem às coisas divinas
pela graça, o une a si tão i n t imamente." 1 s
U n indo assim o comungante com N . Senhor, a Eucaristia es­
trei ta, ao mesmo tempo, o s fiéis entre si. Aí está o efeito s ocial
da Eucaristia : " U m só é o Pão e nós formamos todos um só
Corpo, ao participarmos dêsse único P ão'' , diz S ã o P a u 1 o 1 0 .
" E ' um belíssimo exemplo de fratern idade cristã, afi rma L e ã o
X 1 1 1, e de igualdade social, aproximarem-se todos, sem distinção
da mesa sagrada, o patrício e o plebeu, o rico e o pob re, o dou­
tor e o ignorante, sentando-se todos à mesma mesa, para p arti­
ciparem do mesm o festim celeste." 2 0
Nosso Senhor mesmo d i z i a : " Se, oferecendo teu sacrifício dian­
te d o altar, te lembrares que te u i rmão tem algo contra ti; vai
primei ro reconcil i a r-te com teu irmão, depois, vem, faze tua ofe­
ren da . " 2 1
Um a vez que a caridade é p raticada, tôdas as virtudes o serão
com i dêntica perfeição. A caridade fere de morte o egoísmo e a
busca excl usiva do próprio in terêsse, com p reju ízo dos outros . O ra,
isso obtido, a j ustiça social v i rá ocupar o lugar que lhe foi rou­
bado. "A sagrada mesa é o s ímbolo, o fun damento, o princípio
da un idade católica" , d i z-nos P i o X . 22

1 8) Enc. Mirae Caritatis, A. S. S. XXXIV, 642-645.


1 9) 1 Cor 1 0, 1 7 .
20) L . e., 648-649.
2 1 ) Mt 5, 23-24.
22) A. A. S., vai. IV, p. 6 1 5.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 943

A Ação Católica, bem compree n d i d a , encontrará na Eucaris­


tia seu mais p erfeito p rograma. A razão é evidente . D e um lado,
a Caridade é o fundamento do apostolado ; de outro, a Caridade
é o escopo do apostolado, porque é a virtude essencial do cris­
tiani smo.
Para conquistar as almas, nada pode competir com a Cari­
dade do que ama o :próximo como a si mesmo. Paciente, perspi­
caz, adivinha a palavra que comove, a resposta que convence. En­
genhosa, granjeia os corações, pelo bom senso e delicadeza q ue
a caracterizam. Cativado o coração, a conquista do espírito n ão
se faz esperar. E' o método de S ã o P a u 1 o 2 s .
Em seguida, o fim da Ação Católica confunde-se com o fim
supremo da I greja, que é triunfo do Reino de Deus, pela restau­
ração de tôdas as coisas em Cristo. P i o X 1 afirma que com a
Ação Católica se vincula indissoluvelmente a restauração do Reino
de Cristo e o estabelecimento da verdadeira paz que pertence
unicamente a êste Reino, " Reino de verdade e vida ; Reino de san­
tidade e graça ; Reino de j ustiça, ele amor e de paz. " 24
Ora, a explicação final, adequada, da caridade, há de se bus­
car na Eucaristia ; pois é esta virtude o fim específico dêste Sa­
cramento.
O apóstolo será, pois, homem de vida eucarística e as almas,
obj eto de seu apostolado, serão também almas eucarísticas que
virão haurir n a Eucaristia luzes e fôrças para viverem a vida cris­
tã n a sua integridade.
Eis aí a Ação Católica posta em sua base e conseguindo seu
escopo, porque realizada em Cristo, com Cristo, por Cristo.
D êste modo, quando o apóstolo, a transbordar de vida euca­
rística, encaminhar as almas à Eucaristia, teremos realiz�o a fi­
n alidade da Ação Católica, ao mesmo tempo que teremos conse­
guido a magnífica idealização de S ã o P a u 1 o : Cristo, centro
de tôda a human idade ; todos os homens reunidos em Cristo, nes­
·s a união sublime e misteriosa do Corpo M ístico, onde Cabeça e
membros serão vinculados pela Eucaristia, formando o "Cristo
total" ( Santo A g o s t i n h o ) , à espectativa de sua comunhão in­
defectível na glória. Cristo em tôdas as coisas : ln omnibus Christus/

23) l Cor 9, 1 9.
24) Prefação de Cristo Rei.
944 O i 1 1 e s, Os religiosos e as paróquias

, .
Os rel i gi osos e as paroquias
( Conclusão)

IP O r Frei F e 1 i s b e r t o O i 1 1 e s, O. F. M., Lente de Dire ito Canônico,


Convento de S. Francisco, Baía

Sumário
C ) Prescrições acêrca dos atos administrativos
1 . Qual a legislação que entra em conside ração ao l avrar con­
tratos
2. Prescrições gerais sôbre a al ienação de bens eclesiásticos
a ) O conceito de alienação
b) Requ isitos para a alienação
Para a val idade
Para a liceidade
3. Consequên ci.as de uma al ienação ilegítima
4. Determinações adicionais a respeito de certos atos de
alienação
a ) Doações ; b ) Comodato ; c) Empenho, hipoteca, em­
p réstimos em dinheiro ; d ) V,enda ; e) Troca de tí­
tulos ao portado r ; f) Locação ; g) Enfiteuse ;
h) Mútuo
5. Colocação de dinheiro
a) Como o din heiro pode ser emp regado frutuosamente
b) Determinações canôn icas sôbre as colocações de di­
nheiro
VII. A p restação de contas da administração de bens eclesiásticos
A) O dever dos admin istradores de p restar contas, em geral
1 ) A pessoa moral
2) Ao Ordinário do lugar
B ) A p restação de contas, em particular, nas Paróquias admin istradas
pelos religiosos
1 ) Prestação de contas sôbre a administração dos bens perten-
centes a uma igrej a (fabrica ecclesiae)
2) Do beneficio paroquial
3 ) Dos bens destin ados à Paróquia
4) Dos bens das irmandades, sodallcios e associações ecle­
siásticas
5 ) Dos institutos pios
6 ) Dos bens conventuais

C. Pr es criç õ es acêrca dos atos administrativos


1 ) Qual a legislação que entra em consideração ao lavrar con tratos
Nos negócios j urídico-eclesiásticos temporais observem-se,
afora as p rescrições canônicas, ainda as determinações do D i reito
civil a respeito dos tais atos, e isto com as mesmas consequências
j urí dicas. Contratos inválidos perante o D i reito civil s ão, geralmen­
te, também inválidos ante o D i reito eclesiástico.
Somente em dois casos a I grej a não reconhece as p rescrições
civis : a ) caso contradigam o D i reito divino ; b) se h á outra deter­
minação exp ressa no D i reito canônico. ( C. 1 529. ) Assim, p . ex. ,
o cânon 1 5 1 3 ordena q u e a s disposições testamentárias feitas a
bem da I grej a obriguem sempre em consciência embora não te-
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 945

nh am sido cumpridas as formalidades do D i reito civil. Igualmen­


te 0 mesmo cânon assegura que tôdas as pessoas que, em virtude
do D i reito natural ou eclesiástico, podem dispor sôbre a sua pro­
pri edade , se o fazem para causas pias, fazem-no validamente, de
man eira que aqui não se levam em consideração as leis puramen­
te civis a respeito da capacitas personae.
O citado cânon 1 529 merece especial atenção da parte dos
administradores na realização de negócios jurídicos e na aprecia­
ção da validade de contratos concluídos.
2) Prescrições gerais sôbre a alienação de bens eclesiásticos
a) O conceito de alienação
1 .0 Temos que distinguir aqui a alienação em sentido p róprio
e em sentido jurídico.
Em sentido próprio e estrito se entende em geral por aliena­
ção a renúncia ao pleno domínio (dominium perfectum ) sôbre al­
guma coisa, como nos casos de venda, troca, doação. Em sentido
mais lato implica também a renúncia ao direito de uso ( dominium
utile) , como há no arrendamento, aluguel, enfiteuse, comodato. Em
sentido Iatíssimo, porém, tôda obrigação contratual, E;m virtude
da qual se limita o direito sôbre alguma coisa ou se onera um
bem, se diz alienaçâo, p . ex., hipoteca, fiança, penhor.
Em sentido jurídico o conceito de alienação ainda é mais am­
plo. Estabelecidas as normas da alienação nos cânones 1 530- 1 532,
o D ireito diz no cânon seguinte que se deve considerar como alie­
nação qualquer contrato, pelo qual a condição econômica da I grej a
( pessoa moral ) possa "tornar-se pior " , mesmo que se n ão trate
de alienação em sentido p róprio, como, p. ex., sói acontecer nos
casos de aceitação de empréstimos sem hipoteca ou penhor.
2 .0 Qualquer alienação supõe uma obrigação p roveniente de
contrato, trate-se de obrigação unilateral (contractus gratuitus) ou
bilateral ( contractus onerosus. ) 1_ Em razão disso n ão se pode ta­
xar de "alienação " a danificação de bens ou a renúncia a ganhos
ou coisas sôbre que a pessoa moral ainda não possui nenhum di­
reito, se bem uma tal renúncia possa ser ilícita 2 . Se a pessoa
móral, porém, já possui algum direito sôbre a coisa, como nos ca­
sos de herança, legados, então a renúncia equivale a uma alie­
nação a .
3.0 Só estão sujeitas às leis canônicas da a'l ienação aquelas
coisas que são suscetíveis de serem guardadas e conservadas. ( Quae

1) Cfr. B 1 a t, o. c., n. 449, p. 555 ; S c h li f e r, o . c., n . 1 99.


2) Cfr. B 1 a t, o. c., n. 449, p. 556 ; C o r o n a t a, o. e., vol . I I , n. 1 070,
p. 482 ; V e r m. C r.,
- o. c., n. 85 1 .
3) Cfr. S c h li f e r, o . c., n . 1 99, p . 335.
946 O i 1 1 e s, Os religi osos e as paróqu ias

servando servari possunt, c . 1 530 , § 1 . ) Excetuam-se, por conse­


guin te, aquelas coisas que n ão podem ser conservadas. Pertencem
a esta espécie : a) tôdas as coisas, que logo ao primeiro uso, se
consomem, res prim o usu consumptihiles, p . ex., manti mentos, víve­
res, frutas, dinhei ro dispon ível e empregado nas despesas corren­
tes. h) Os objetos que n ão se p restam mais ao seu fim, p . ex.,
mobil ias, máquinas, etc. c) Igual mente tôdas aquelas coisas, se­
jam elas móveis ou i móveis, que s ão dadas em l ugar de <linheiro
dispon ível, ou que segundo a i n tenção do benfeitor podem ser usa­
das para determi n ados fins ou necessi dades. d ) Bens que são da­
dos a uma pessoa que j u ri dicamente é incapaz de possuí-los, v. g.,
casas que são legadas aos Frades Menores. - Tôdas estas coi­
sas podem ser gastas ou ven didas sem a solen idade exigida pe-
·

los cânones 1 530- 1 53 2 4 .


4.º P a ra a alienação não é necessário que os objetos deixem
de ser bens eclesiásticos. As leis de alienação valem também n a
transmi ssão d e bens d e um a pessoa j u rídica a outra 5 . Tratando­
se, porém, de d iversas pessoas j u rídicas, pertencentes a uma mes­
ma O rdem ou Congregação rel igiosa, na op inião de O o y e n e­
c h e G e L a r r a o n a 1 , n ão obrigam as p rescri ções concernentes
à al ienação ; outros s , entretanto, opinam de modo contrário.
5.0 A respeito dos gastos em dinheiro é que su rge111 dificulda­
des pecul iares. C a p e 1 1 o 9 pergunta se o emp rêgo de dinheiro
para qu alquer f i n a l i dade, p . ex ., para o levan tamento de um pré­
dio, consti t u i al ienação, e responde : " Controvertitur. P ractice lo­
quendo h u i usmodi consumptio al ienationi verius requiparanda. "
I gual mente P r ü m m e r 1 0 qualifica p o r ato de al ienação a com­
pra ( emptio ) , que em geral se faz em dinheiro.
P a ra um j u í zo se emp rêgo de dinh eiro é realmente a l i enação,
cumpre levar em con s i deração as seguintes ci rcunstâncias :
a) Despesas pecuniárias fazem-se para pagamento do necessário à ma­
nutenção o u p a ra a conservação ordinária do patrimôn io (simples uso, con­
sumo ) ; para a aquisição de bens frutíferos ou pa ra reparos extraord i n á­
rios e melhoramentos consi deráveis no patrimônio (colocação ) ; para dar
presen tes (alienação . )

4) Cfr. CpR, 1 932, p . 1 90- 1 9 1 ; V e r m. - C r., o . e . , vol . 1 1, n n . 852,


861 j e o ·r o n a t a, o. c., vol . l i , n. 1 07 1 , p. 483 ; e o e c h i, o. e., n . 2 1 4,
p. 4 1 0 ;V r o m a n t, o. e., n. 28 1 , 5.
5) Cfr. V e r m . - C r., o . e., vol . 11, p . 486, n. 85 1 ; C o r o n a t a, o. e .,
n. 1 070, p. 482 ; W e r ·n z - V i d a 1, o. c., t. I V, vol . 1 1, p. 757, IV.
vol . 1 1 ,
6) Cfr. O o y e n e e h e, De Religiosis, p. 7 1 .
7) Cfr. CpR, 1 932, p. 1 87.
8) Cfr. B e r u t t i, o. c., vol. I I I, p. 1 20, I V ; P e j s k a, /us Can. Re­
ligiosorum, p. 72, 5.
9) C a p e 1 1 o, Summa /. C., vol . l i , p. 1 48.
1 0) Cfr. P r li m m e r, o. e ., Qu. 45 1 .
Revista Eclesiãstica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 947

b) O dinheiro a ser despen dido pode ser livremente disponível, i. é,


exonerado de qualquer obrigação ; ou não é livremente disponível, achan­
do-se sujeito a uma obrigação (espórtulas de Missas, dote, etc. ) A êste ú l­
timo grupo pertence também o dinheiro proven iente da venda de bens ecle­
si ãsticos (c. 1 53 1 , § 3 ) , ou o dinheiro dado para um fim determinado, v. g.,
para a com,pra ou construção de uma casa.
c) Pode tratar-se de dinheiro jã emp regado frutuosamente, p. ex., num
banco, em títulos, ações, empréstimos e imóveis. Esta colocação pode ser
de/initiva ou transit ó ria.
Quando a colocação é defin itiva e quando transitória, nem semp re é
fãcil dizer. Devem-se considerar tanto a natu reza da colocação como tam­
bém a intenção do depositante. 1 ) A colocação em imóveis antigamente
e ra tida sempre como defin itiva. O mesmo poder-se-ã dizer hoje em dia,
se bem que alguns canon istas digam e, com razão, que ela possa ser igual­
mente transitória · em construções de casas, graças às emprêsas constru­
toras dos nossos dias 1 1 . 2) Depósitos nas casas bancãrias constituem
colocação transitória, quando se trata de dinheiro livremente disponível.
Nos casos de din heiro l ivremente não disponível, o que decide tudo é a in­
tenção do Superior que dã a l icença para a colocação ; geralmente se pode
dizer que êste intenciona uma colocação transitória. 3) Colocação em tí­
tulos, em geral, diz-se definitiva, se é que se não intencione somente uma
transitória 1 2, como sói acontecer, não raras vêzes, nos casos de din hei­
ro l ivremente disponível. Ao invés de o depor em casas bancãrias, prefe­
rem - por ser geralmente mais rendoso e quase sempre mais seguro -
emp regã-lo em apólices da dívida públ ica, jã como garantia em razão
de extraordinãrias e imprevistas despesas na conservação do patrimôn io
(p. ex., de casas) , jã para em dada ocasião convertê-los definitivamente
em imóveis. 4) Dinheiro emprest�do a j u ros não é tido como definitiva­
mente colocado 1 3.
Considerando o que até aqui dissemos, podemos estabelecer
as seguintes normas :
1 .ª Tratando-se de dinheiro livremente disponível ainda não
colocado, seu emprêgo para despesas correntes, pagamentos de
dívida, etc., ainda não constitui alienação 1 4 , mas tão-somente uso
ou, o que vem a ser o mesmo, consumo. Também quando com
êste dinheiro se compram coisas não consumíveis ao primeiro uso,
sej am elas móveis ou imóveis, ainda não se pode falar em aliena­
ção em sentido próprio, uma vez que o va:lor do dinheiro está
contido nos objetos adquiridos, e visto que geralmente em tais ca­
sos temos uma colocação frutífera do dinheiro. Entretanto as leis
de alienação aplicam-se tão-pouco ao consumo como à coloca­
ção 1 5 . Donativos puramente gratuitos dêste dinheiro seriam, po­
rém, al ienação.
1 1 ) Cfr. CpR, 1 932, p. 1 90, nota 630 ; V r o m a n t, o. c., n. 28 1 , 4 ;
Oo y e n e e h e, o . c., n . 36, nota 1 6, p . 68.
1 2) Cfr. CpR, 1 93 1 , p. 437-439. 1 3) Cfr. CpR, 1 932, p. 1 92, nota 634.
1 4 ) Cfr. W e r n z - V i d a 1, o. c., t. IV, vol. li, n. 757, p. 222.
1 5) Cfr. C o c c h i, o. c., n. 2 1 2 ; V e r m. - C r., vol. 1 1 , n. 85 1 ; P i s t o c­
c h i, o. c., p. 382 ; S c h ã f e r, o. e . , n. 1 99 ; C o r o n a t a, o. c., vol. l i,
n. 1 070, p. 482.
62
948 G i 1 1 e s, Os rel igiosos e as paróquias

2.n O emprêgo de dinheiro a que inere um ônus, quer seja


efetuado para pagamento de dívidas, quer para reparações de obje­
tos, é sempre alienação 1 6 . N ão se pode todavia falar em aliena­
ção, se tal dinheiro fôsse tão-somente feito frutífero 1 1 .
3.ª Em casos de dinheiro livre de tôda obrigação mas j á co­
locado, devemos distinguir entre colocação definitiva e provisória.
Se a colocação é apenas transitória, tal dinheiro é sem mais neín
menos aplicável para qualquer gasto necessário ou útil, de modo
que aqui não há alienação. Mesmo quando o dinheiro se acha co­
locado definitivamente, ainda assim deve-se considerar a natureza
da colocação. Caso se trate de imóveis ( casas, terrenos) , o uso
dos mesmos para compra, troca, solução de dívidas, está certa­
mente sujeito às p rescrições de alienação. Tratando-se, porém,
duma colocação em títulos, a simples troca dos mesmos por outros
títulos, mais ou pelo menos igualmente seguros e frutíferos, n ão
entram em aprêço as leis da alienação, mas tão-somezrle o cânon
1 539, § 2, e para os religiosos o c. 533. Se entretanto a mudan­
ça de tais títulos em bens imóveis esteja suj eita às leis da aliena­
ção, é questão ainda n ão resolvida entre os canonistas. Tratare­
mos disto ao explicar o cânon 1 539.
b ) Requisitos para a alienação
Devem-se distinguir, neste particular, os requisitos exigidos
para a validade e o s que são necessários para a l iceidade da
alienação.
1) Para que seja válida a alienação, o cânon 1 530, § 1 , 3. º re­
quer a licença do legítimo Superior i s . Qual seja êsse "legítimo
Superior", depende da natureza e do valor do objeto.
aa) Exige-se a licença da S. Sé :
1 .º Para a alienação de rellquias insignes, de imagens e quadros de
valor e de qualquer rellquia ou imagem que goza de grande veneração
por parte do povo. A transladação definitiva dos mesmos para outra igre­
ja equivale a uma al ienação. (C. 1 28 1 , § 1 . ) O dito cânon no seu pará­
grafo segundo tem como rel íquias insignes : "Co rpus, brachium, antebra­
chium, co r, lingua, manus, crus aut ilia pars corporis in qua passus est mar­
tyr, dummodo sit integra et non parva."
2.º Para a al ienação de objetos preciosos. (C. 1 532, § 1 , l .º) N o cânon
1 497, § 2 consideram-se p reciosas tôdas aquelas coisas que representam
grande valor histórico, artlstico ou material, p. ex., quadros de artistas
célebres, antigos livros e manuscritos, objetos sagrados feitos de ouro ou
engastados de pedras p reciosas, etc.
Para o conceito de res pretiosa o cânon 1 497, § 2 quer um valor
notabilis. No Código, porém, não há esclarecimentos mais pormenoriza-

1 6) P i s t o c c h i, o. e., p. 392 ; G o y e n e c h e, o. c., n. 36, nota


1 5, p. 68.
1 7) Cfr. j a n s e n, o. c., p. 275.
1 8) Cfr. CpR, 1 932, p. 3�3.
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 949

dos a respeito dêste valor "notabilis". Em 1 9 1 9 um Bispo ap resentou à


s. Congregação do Concílio entre ou tras a segui n te pergunta : "Quinam
valor dici possit notabilis i n rebus p retiosis, ita ut earum alienatio sit Ordi­
nariis vetita?" N a resposta, a S. Congregação uniu esta pergunta com
outra do mesmo Bispo, transformou-a na seguinte : "An donaria votiva
alienari possint absque beneplacito Apostolicre Sedis?, e a ela respondeu :
"Negative". 1ll Por conseguinte, a respeito do valor notabilis da coisa pre­
c iosa não ficou nada resolvido. Em janeiro de 1 922, a S. Congregação
do Concilio, novamente consultada sôbre o mesmo assunto, contentou-se
com a pontar ao interpelador a Com issão Pontifícia do Código 2 0.
O que podemos dizer é que, pelo que nos consta, até o p resente ainda
não existe nenhuma interpretação autêntica. As opi niões dos canon istas são
por demais divergentes. Enquanto uns já consideram valor notabilis a quan­
tia d e 500 francos, outros requerem para tal 3.000 ou até a elevada soma
de 30.000 francos, pelo menos nos casos onde só entra em aprêço o valor
material do objeto 2 1 . E' claro e fora de tôda dúvida que a soma de 30.000
francos é elevada demais, o que com evidência se prova com o simples
fato de que o cânon 1 532, § 1, 2.º, exige de modo geral a licença da S. S é
p a r a a alienação de todos os obj etos, cujo valor exceda t a l soma : pois
então supérfluo seria o ·número 1 .º do mesmo cânon 22. A opinião mais
aceita pelos canonistas requer para o valor notabilis duma coisa preciosa
ao menos a soma de 1 .000 francos 23. Também n o parecer do consultor
da S. Congregação do Concilio, anexo às decisões da mesma do dia 1 2 de
j ulho de 1 9 1 9 24 a fixação do valor notável duma coisa p reciosa em 750
li ras é qualificada de muito segura ( "tllfissime" ) , e como de certo licita
a fixação em 1 .000 l i ras 2 5 .
3.0 Para a alienação de ex-votos. Esta determinação não se encontra no
Código, mas sim foi dada pela S. Congregação do Concilio, e m 12 de julho
de 1 9 1 9 26 . Completando mais ainda esta sua p rescrição, a referida Con­
g regação declara, em 1 4 de j aneiro de 1 922 27 : a) que sempre se requer
a licença da Sé Apostól ica, ainda que se t rate de valores de somenos
importânc i a ; b) e isso também nos casos, em que o doador consinta na
alienação ; c) que todos os presentes feitos a um altar ou a uma imagem
devem ser considerados como ex-votos, a não se r que sej a outra a i n t en -
ção do benfeitor. ·
4.º Para a alienação de tôdas as coisas, sejam elas móveis ou imóveis,
cujo valor exceda a 30.000 l iras ou francos. (C. 1 532, § 1, 2 . 0) Segundo

1 9) Cf r. AAS, 1 9 1 9, p. 4 1 6-4 1 9.
20) Cfr. AAS, 1 922 , p. 1 60- 1 6 1 .
2 1 ) Cfr. P r ü m m e r , Theol. Mor., vol. I I I , n. 525 ; C h e 1 o d i , Jus
poenale, n. 79, p. 103, nota 4 ; C e r a t o, Censurae vigentes, n. 43.
22) C fr. C a p e 1 1 o, De censuris, n. 408, p. 355.
23) Cfr. V e r m. - C r., o. e., vol. 1, n. 607 ; vol. l i , n. 8 1 9 ; C a p e 1 1 o,
o. e., n. 407, p. 355 ; S c h ã f e r, o. e. , n. 206, p. 337, nota 5; F e r r e r e s,
lnst. Can., n. 47 1 , p. 1 99.
24) Cf r. AAS, 1 9 1 9, p. 41 8.
25) Para a avaliação dos objetos são fatores determinantes : a) a
moed a ouro e não a moeda papel. (Cfr. V e r m. C r., o. c., vo l . 1, n. 607 ;
-

L e i t n e r, o. e., p. 354 ; C a p e 1 1 o, De Censuris, p. 356 ; Apollina_ris, 1 932,


p. 248 ; B e r u t t 1, o. c., vol. I I I , p. 1 20, IV, A, 2.) - b) A avahação dos
peritos, e não a· oferta obtida por ocasião da venda. (Pont. Com. Cod.
j. C., 24 nov. 1 920, AAS; XII, p. 577 ; Cone. PI . B r., Decr. 481 , § 2�)
26) Cfr AAS, 1 9 1 9, p. 4 1 6.
.

27) Cfr. AAS, 1 922, p. 1 6 1 .


62•
950 O i 11 e s, Os religiosos e as paróquias

dec laração da Comissão do Código, esta l icença é exigida também nos ca­
sos em que são vend idos de um a vez (per modum· unius) vários objetos
de uma mesma pessoa moral, excedendo o valor global dos objetos a soma
de 30.00 0 l i ras 28.
bb) E' mister a licença do Ordinário do lugar, e isto da se­
guinte forma :
I .º Obtido o consentimento do Cabido da Catedral, do Consel ho Admi­
nistrativo e dos interessados, p a ra a alienação de coisas cuj o p reço está
contido entre 1 .000 e 30.000 l i ras ou francos. (C. 1 532, § 3.) 2 9
2.º Obtido o parecer do Conselho Administrativo e o consentimento
dos interessados, para a a l ienação de bens cujo valor não excede 1 .000
francos. (C. 1 532, § 2.)
3.º Obtido o consentimento dos interessados, para a alienação de coi­
sas de pequen a importância. (C. 1 532, § 2.) Determinar quais as coisas
que sej am de pouca importância (res minimi m omenti) é da competência
do Ordinário, uma vez que o Código o não delimita.
1 1 ) Para a liceidade duma alienação se requer :
aa) Um motivo j usto e razoável. Segundo o Código são motivos jus­
tos : uma necessidade u rgente, uma evidente utilitlade da Igrej a (pessoa
moral ) , ou de obras pias. (C. 1 530, § 1 . )
bb) A avali ação da coisa, realizada por pessoas probas e peritas e
apresentada por escrito. (C. 1 530, § 1 , l .º) Abaixo do p reço avaliado o '
objeto não pode ser vendido. (C. 1 53 1 , § 1 . )
cc) A al ienação deve-se fazer por meio de leilão público, ou, .p elo
menos, por meio de publ icação, se as circunstâncias não aconselharem
outro p rocesso ; o objeto alienável deve ser dado àquele que, omnibus per­
pensis, oferecer mais. ( C. 1 53 1 , § 2 . )
dd) O dinheiro obtido p e l a alienação deve ser empregado, cuidadosa,
segura e utilmente em favo r da Igrej a . ( C. 1 53 1 , § 3.) s o Em virtude dêste
cânon é vedado o emprêgo dêste dinheiro para outros fins, sej a embora
para pagamento de dívidas o u para reparos necessários n a I grej a .
Que dizer, porém, do caso, · e m que c o m a devida licença s e fizeram
alienações j ustamente no intuito de solver dívidas o u de realizar neces­
sários repa ros, que só assim poderão ser feitos? Será que esta licença,
nos casos, em que se pode recorrer ao Ordinário (po r conseguinte, nas

28) Cfr. AAS, 1 929, p. 574 ; C. PI. B r., Decr. 48 1 , § 1 .


29) a ) Nos casos em que o Conselho Administrativo e o Cabido não
concordarem entre si e fôr necessário o consentimento de ambos, o Sr.
Bispo não pode suprir o voto de uma destas partes. ( Cfr. S. C. C., 14 de
j an. 1 922 : AAS, 1 922, p. 1 6 1 ; C. PI. Br., Decr. 480. )
b) I gualmente, tratando-se de bens em valor inferior a 30.000 francos,
al ienados inval idamente por falta da licença n ecessária do Ordinário, êste
não pode posteriormente revalidar tais vendas. N este caso devem-se p ri­
meiramente preencher as p rescrições do cânon 1 532, § 2 e 3, e fecha r nova­
mente o contrato ( cfr. S. C. C., 17 de maio de 1 9 1 9 : AAS, 1 9 1 9, p. 3871) ,
ou é necessário obter a sanação pela S. Sé. ( Cfr. C o r o n a t a, o. c.,
vol . II, n . 1 07 1 , p. 486 ; V e r m. - C r., o . c., vol . II, n . 856, p. 599 ;
B o u u a e r t - S i m., o. c., vol. 1 1 1, n. 285, 4, p. 202. )
c) Para a validade da l icença requer-se, em se tratando de objetos
divisíveis, que n o requerimento se mencionem as partes eventualmente já
alienadas. ·

30) Cfr. C o r o n a t a, o. c., vol. I I , n. 1 07 1 , p. 484.


Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 95 1

alienações de valor inferior a 30.000 francos ) , igualmente inclua em si uma


dispensa d a determin ação do cânon 1 53 1 , § 3? A resposta deve ser n ega­
tiva, em razão do cânon 8 1 , segundo o qual os Ordinários só podem d i s­
pensar das leis gerais da Igrej a, quando êsse poder lhes é conferido pela
S . Sé, o u quando o recu rso a Roma é diffcil e a demora possa causar gra­
ves p rej uízos. Esta opinião encontramo-l a cla ramente expressa numa ex­
plicação, que foi acrescentada à decisão d a S. Congregação do Conci­
lio de 1 2 de j ulho de 1 9 1 9. Referindo-se ao cânon 1 53 1 , § 3, e l a diz que o
dinheiro proveniente da alien ação de bens eclesiásticos não pode ser gas­
to p a ra obras pias e n ecessidades u rgentes, mas sim deve ser conservado
frutífero. Por conseguinte, a fim de que possa ser despendido, req uer-se a
licença da S. Sé ou uma dispensa da obrigação tão claramente expressa no
referido cânon 3 1 . N estes casos, a S. Sé ·reserva p a ra si o j ulzo sôbre a
u rgência dos motivos que j ustificam a alien ação 3 2 . N o s casos, portanto,
em que o dinheiro recebido p o r bens alienados deva ser empregado em
gastos u rgentes e necessários, é aconselhável, como mui acertadamente
nota P i o C i p r o t t i 3 3 , que se i mp etre a licença da Sé Apostólica, uma
vez que sem ela não existe nenhuma razão suficiente p a ra tal aliena­
ção. N o s casos, em que há indulto apostólico p a ra a venda de bens ecle­
siástico s com o fim de socorrer extraordinárias necessidades, êste indulto
só é concedido sob a condição de que o valor da coisa alienada sej a n o­
vamente recuperado p o r meio de quotas anuais 34 .

3) Consequéncias de uma alienação ilegltima


a) Nos casos em que tenha havido uma alienação sem a obser­
vância das formal idades exigidas para a liceidade do ato, à pessoa
m ora·1 compete a ação pessoal contra o alienador e os seus h erdei­
ros. S e foram omitidos os requisitos para a validade da aliena­
ção, compete à pessoa moral u m a ação real contra qualquer pos­
suidor do objeto alienado, salvo o direito do comprador contra o
que ilegalmente alieno u . Contra a alienação inválida das coisas
eclesiásticas podem agir aquêle que alienou, o seu S uperior, o su­
cessor de um e outro, e qualquer Clérigo adscrito à I grej a que
sofreu o dano. (C. 1 534. )
b ) Aquêle que contra as prescrições dos cânones 534, § 1 e
1 532 alienar bens eclesiásticos, ou der consentimento para a alie­
nação, ·p ratica um ato nulo, e tem a obrigação de repa ra r o s da­
nos causados. Além disso : 1 ) S e se trata de coisa cuj o preço n ão
exceda m i l l i ras, deve ser punido pelo Superior eclesiástico com-..
peten te, com penas proporcionadas. 2 ) Se se trata de coisa cuj o
preço exceda a mil liras, mas estiver abaixo de 30.000 liras, deve
ser privado do direito de padroad o ; se é administrador, deve ser
p rivado do cargo de . administrado r ; se .é Superior rel igioso ou ecô­
nomo religioso, deve ser privado do ofício e da habilidade para

31) Cfr. AAS, 1 9 1 9, p. 4 1 8.


32) Cfr. Apollinaris, 1 932, p. 249.
33) Cfr. Apollinaris, 1 938, p. 1 30.
34) Cfr. C. PI. Br., Decr. 479.
952 Oi 1 1 e s, Os rel igiosos e as paróquias

outros ; o O rdinário e outros clérigos que têm ofício, benefício,


dignidade ou cargo na Igreja, devem pagar o dôbro em favor da
Igreja ou da obra pia lesada ; e outros -clérigos sejam suspensos
ad tempus ao arbítrio do O rdinário. 3) Se a obrigação de pedir o
beneplácito apostólico, i mposta nos referidos cânones, iôr dente­
mente negl igenciada, todos os que, de qualquer modo, são réus,
o u porque deram ou porque receberam ou consentiram, estão su­
j eitos à excomunhão latae sententiae a ninguém reservada. ( C.
2347 . ) Para incorrer a excomunhão - única pena ipso facto incor­
renda do referido cânon, - segundo muitos canonistas se requer
sej a alienação em sentido estrito 3 5 .
4) Determinações adicionais a respeito de certos atos de alienação
Chamamos estas determinações "adicionais" ; pois, em se tra­
tando nestes contratos de alienação quer em sentido p róprio quer
em · sentido j urídico, ficam sempre em vigor as p rescrições gerais,
contidas nos cânones 1 530- 1 532, a não ser que so.fram alguma
modificação em virtude das determinações especiais, p. ex., na
locação.
a ) Doações. - Os P relados e os Reitores não podem fazer
doações dos bens das suas igrejas, exceto se trate de coisas de
somenos importância e em pequena quantidade, conforme o uso
do lugar, e que haj a j usta causa de remuneração ou de piedade
e caridade cristã. Do contrário, a doação ·p ode ser revogada pelos
seus sucessores. ( C. 1 535.)
b) Comodato. - O comodato é um contrato, em que uma
coisa não-fungível é gratui tamente emprestada a uma pessoa por
tempo determinado, só para o uso, com o ônus de restitu í-la in in­
dividuo . Obj etos sagrados não podem ser emprestados para usos
que repugnem à natureza dos mesmos. ( C. 1 537 . )
c) Empenho, hipoteca, empréstimos tomados em dinheiro. -
Quando por um motivo legítimo os bens da Igrej a devem ser em­
penhados ou hipotecados, ou quando se trata de tomar emprésti­
mos pecuniários, o cânon 1 538 manda que o legítimo superior que,
segundo a norma do cânon 1 532, deve dar licença para tal, exij a
sej am ouvidos todos os interessados, e providencie para o rápido
resgate da dívida. Para êste fim deve o mesmo O rdinário de­
terminar quotas anuais que sej am destinadas a amortizar a
dívida 3 6 .
35) Cfr. C a p e 11 o, De Censuris, n. 4 1 0 ; E i c h m a n n, o. c., vol. I I ,
p. 537 ; C h e 1 o d i, o. c . , n. 79 ; Theol-prakt. Quart., Linz 1 93 1 , p . 356 ;
Apollinaris, 1 932, p. 250.
. 36) Nos casos de hipoteca em geral só se oneram bens imóveis, que
Já se encontram no domínio da pessoa. Acontece, entretanto, que j á na
compra de um terreno ou de uma casa se faça uma hipoteca para garan-
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 953

d) Venda. - Em se tratando de objetos sagrados é termi­


nant emente proibido avaliá-los com respeito à sua bênção ou con­
sag ração ( c. 1 539, § 1 ) ; seria simonia. ( C. 727 . )
e) Troca d e títulos a o portador. - "Títulos a o portador " são
letras de crédito que não têm designação de pessoa certa e que hão
de ser pagas a quem quer que as apresentar. Quase todos os em­
p réstimo s dos Estados, dos Municípios ,e das sociedades �nônimas
s ão feitos por meio de títulos ao portador.
Conforme o cânon 1 539, § 2, êstes títulos podem ser comu­
tados pelos administradores das pessoas j urídicas por outros tí­
tulos, mais ou pelo menos igualmente seguros e frutíferos, excluída
porém tôda espécie de comércio e negociação, sendo ainda p re­
ciso o consentimento do O rdinário e do Conselho Administrativo
D iocesano ê de outros interessados 37 .
H a r i n g 38 não consi dera estar resolvido se essa aprovação
( consensus) do Conselho Administrativo é absolutamente necessá­
ria em tôdas as circunstâncias, ou se apenas, segundo o cânon
1 532, para a soma que exceda 1 .000 francos. Mas, parece-nos que
no caso n ão há motivo para dúvida. Pois, se para uma alienação
no valor de menos de 1 .000 francos o Bispo apenas precisa con­
sultar o Conselho Administrativo, então certamente para uma tro­
ca de títulos de idêntico valor, não se exige mais ; é evidente 3 9 .
Outrotanto para permuta de títulos no valor de mais de 30.000
f rancos não mais se requer um indulto apostólico. E isto também
tir a soma que ainda falta para completar o preço da compra. Neste caso
ainda não existe al ienação, em sentido próprio, mas talvez em sentido j urí­
dico, dependendo isso das leis civis que regulam a hipoteca. Se conforme
estas somente o bem hipotecado responde pela solução da dívida, não se
pode ainda falar de alienação ; há apenas colocação de capital. (Cfr.
V e r m. - C r., o. e . , vol. 11, n . 659, p. 49 1 . ) Se, porém, além da coisa one­
rada também a pessoa moral é responsável pela dívida, temos um contra­
to pelo qual a condição da igrej a pode "tornar-se pior", entrando por con­
seguinte em vigor as leis de alienação, em virtude do cânon 1 533. ( Cfr.
Teol. prakt. Quart., Linz, 1 93 1 , p. 358. ) Segundo o Direito brasileiro a
hipoteca encerra sempre uma responsabil idade pessoal, porque, no caso de
o produto do bem onerado não bastar para o pagamento da dívida e das
despesas j udiciais, conti nuará o devedor obrigado pessoalmente pelo res­
tante. (Art. 767.)
2. Acêrca dos empréstimos V e r m e e r s e h (cfr. o. e., vol. 1 1 , n . 860,
p. 492) aborda a questão, se mesmo nos casos que a pessoa moral pos­
sua dinheiro à sua disposição, mas levado por outros motivos, como sej a
para diminuir os impostos, toma quantia emprestada, se mesmo assim tem
que obter a l icença prescrita pelo cânon 1 532. E responde : "Petendam
esse licentiam ad normam e. 1 532, quia persona vere obligatur."
37) Trata-se aqui de colocações feitas por pessoas morais eclesiás­
ticas, que estão sob a jurisdição do Ordinário do lugar. Para os religio­
sos temos prescrições especiais, contidas ·p rincipalmente no cânon 533 ;
cfr. B 1 a t, o. e., p. 565.
38) O. e., p. 702.
39) Cfr. C o r o n a t a, o. e . , vol. II, n. 1 076, p. 492.
954 Oi 1 1 e s, Os religiosos e as paróquias

nos casos em que a permuta não é imediata, devendo os títulos


primeiramente ser vendidos, para depois se comutarem por ou­
tros 4 0•
Fa'l a o cânon numa permuta de títulos. Não raras vêzes, po­
rém, acontece que os administradores achem por bem, mais útil
e mais seguro, converter êstes títulos em outras colocações mais
rendosas, p. ex., em casas ; ou por vêzes, os administradores p re­
cisam dêsse dinheiro para levar a efeito reparos necessários na
igreja, em casas, ou mesmo para pagar dívidas.
P raticamente temos, pois, que responder a duas perguntas :
1 ) Será que, segundo o cânon 1 539, é permitida uma permuta dês­
tes títulos em imóveis, sem indulto apostólico, quando se trata
de valores acima de 30.000 francos ? 2) Que dizer do emprêgo de
títulos para pagamento de dívidas ou reparos necessários ?
Para responder a essas perguntas, ser-nos-ão úteis as duas se­
guintes notas : a) Segundo o Direito antigo o dinheiro colocado em
títulos, caso a colocação fôsse definitiva, era considerado (fictione
juris ) bem imóvel e como tal suj eito às leis da alienação. Não so­
mente para a venda mas também para qualquer permuta era exi­
gida a licença da S. Sé, como autênticamente o declarou ainda
a S. Congregação do Concilio, aos 1 7 de fevereiro de 1906 4 1 .
Abstraindo da atenuação feita em o novo D ireito canônico a res­
peito da al ienação de bens imóveis, onde se requer o indulto apos­
tólico somente para bens de valor acima de 30.000 francos, é de
notar que pelo novo Código foi também deixada de lado aquela
ficção j urídica de equiparação entre títulos e os imóveis, no senti­
do de que para permuta dos mesmos não é mais necessária a li­
cença da S. Sé, como no-lo afirma o cânon 1 539, § 2. b) Tenha­
mos presente o que j á dissemos sôbre a colocação e alienação de
dinheiro. An tes de tudo é necessário atender : 1 .0 se êsses títulos
são constituídos por dinheiro livremente dispon ível, ou por dinhei­
ro ao qual inere uma obrigação ; 2.0 se se trata de colocação de­
fini tiva ou somente temporária.
Primeira pergunta : Será que, segundo o cânon 1 539, § 2, é
sempre permitida a mudança dos títulos em imóveis ?
a) Se a colocação dos títulos não é definitiva, esta mudança dos mes­
mos em i móveis não apresenta nenhuma dificuldade. Com a licença do Su­
perio r competente para a colocação, os admin istradores poderão sem mais
formalidades realizar a mudança, sej a qual fôr a importância.
b ) Se, p o rém, a colocação do d i n heiro em títulos é realmente defini­
tiva, então, interp retando estritamente as pal avras do referido cânon, se
poderia duvidar que para uma mudança dêstes titulos, em valor de mais
de 30.000 francos, sej a suficiente o consentimento do Ordinário, do Con-

40) Cfr. S c h ii f e r, o. c., p. 333.


4 1 ) Cfr. Analecta Ecclesiastica, 1 906, p. 60.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 955

se lho e dos interessados, sem se requerer a licença da S. Sé ; pois o cânon


fa l a somente duma mudança in alias títulos 4 2.
Na expl icação do cânon, os canonistas geralmente só falam de per­
muta em outros títulos. Parece-nos, entretanto, que também para a mu­
dança dos títulos em bens imóveis, não entra mais em aprêço o indu lto
apostól ico. Os motivos em que nos apoi amos são êstes :
O cânon 1 532, que exige a licença da S. Sé para os valores superio­
res a 30.000 francos, trata sôbre a alienação dêstes bens. Ora, uma mu­
dança de títulos em bens imóveis, segundo o Direito novo, consoante a nos­
sa opinião, não constitui alienação. Antes· de tudo é certo que a primei­
ra colocação do dinheiro não é alienação. Pode ser feita em bens móveis
( títulos) e imóveis, e constitui ato administrativo regulado por leis p ró­
prias. Igualmente, levando os canonistas em consideração os cânones 1 539
e 533, não têm mais por alienação mas sim por ato administrativo a trans­
ferência duma colocação em tltulos para outros tltulos 4 3 . Como é natu­
ral, é essencialmente necessário que a nova colocação sej a segura e fru­
tífera, pois do contrário a situação econômica da pessoa moral sofre ria
detrimento, razão por que haveria uma al ien ação, pelo menos em sentido
j u ríd ico. Esta é também a causa por que a transferência duma colocação
em imóve is para móveis, p. ex., tltulos, é reputada como alienação ; pois
j urídicamente a colocação em imóveis é mais segura, sendo por isso pre­
ferível a uma col ocação em móveis 44 .

42) E m relação aos religiosos, neste ponto, n ã o parece existir dúvida


alguma. Pois o cânon 533 que regula a colocação de dinheiro de religio­
sos, diz simplesmente no seu parágrafo 2.º que para qualquer mudança
de colocação de dinheiro valem as mesmas regras como para a primeira.
Nessa, porém, não se requer nenhuma licença da S. Sé, sej a qual fôr a
soma a colocar, p o r consegu inte, nem para substituição de títulos por bens
imóveis, o que representa apenas uma simples mudança da colocação pri­
mei ramente feita em tltulos. Cfr. CpR, 1 932, p . 1 92. Quanto aos dotes de
rel igiosas o cânon 549 determina expressamente que sejam colocados em
títulos, razão por que a sua mudança e m imóveis é ilicita sem indulto da
S. Sé. Cfr. CpR, 1 940, p. 28.
43) Cfr. W e r n z - V i d a 1, o. c., tom. IV, vol . 1 1 , p. 34 1 , n. 856,
I l i ; P i s t o c c h i, o. c., p. 442 ; B o u u a e r t, vol. I l i, p. 206.
44) V e r m e e r s c h - C r e u s e n vê na mudança da espécie da co­
locação o motivo pelo qual esta mudança deve ser considerada como alie­
nação. "Alienat qui ipsum genus collocationis mutat, ut si in re immobili
c-01locata pecunia j am nominibus publicis vel privatis e mendis destinetur.
Si autem genus idem manet aberit alienatio." ( Cfr. o. c., vol. 1 1 , n . 852. )
Com isso V e r m e e r s c h parece não acertar bem com a última e verda­
dei ra causa, que faz de uma tal mudança realmente uma alienação. A r c.
L a r r a o n a, C. M. F., nota o seguinte a respeito dessa opinião de Ver­
meersch : "Respondem us, indubium esse conversionem immobilium in tí­
tulos veram secumferre alienationem. Dici tamen potest, rationem non in eo
inveniri quod mutetur ratio seu genus collocationis, sed in eo quod mu­
tatio fiat in minus securam et minus stabilem collocationem. ju ridice, et
etiam hucusque socialiter, est certe minus stabilis collocatio pecunire in ti­
tulis quam in bonis immobili bus. Hinc facile intelligitur, cur non liceat absque
fomtalitatibus p ro alienatione necessariis, convertere immobilia in titulos et
non adeo intell igeretur cur non sufficiant formalitates p ro mutatione collo­
cationis quando mutatio non jam in alios titulos reque tutos fit sed in bona
immobilia qure j u ridice tutiora et stabil iora sunt." Cfr. CpR, 1 932, p . 1 93,
nota 640.
956 O i 1 1 e s, Os religiosos e as paróquias

Do q u e temos dito resul ta q u e n o caso de permuta de títulos em i m ó­


veis não existe n e n h u m a alienação, n e m sequ e r em sentido j u rídico, fi­
cando por isso i n apl icáve is o s cânones 1 532 e 1 533 para a n ossa q uestão.
Por fim, se considerarmos ainda que, m itigando o legislador essen­
cial mente pelo cânon 1 539, § 2 o rigor do D i reito antigo a respeito da aliena­
ção dos títul o s, q u is sem dúvida alguma atender às n e cessi dades da admi­
n istração econômica dos nossos dias e tornar possível u m a rápida mu­
dança de títulos, q u e n o p resente muitas vêzes se impõe em razão das m u i
acen tuadas variações de câmbio. E por isto pode-se dizer q u e u m a m udan­
ça de títulos e m bens i m óveis, ainda que n ã o se acomode à acepção l iteral
e rigo rosa dos têrmos d o cânon 1 539, contudo corresponde à intenção do
l egisl ador, ficando por isso desnecessário o recurso à S. Sé Apostól ica,
mesmo n o s casos em q u e o s títulos a serem mudados e m i m óveis u l t ra­
passam o valor de 30.000 francos 4 5 .
S egunda pergunta : Que dizer do emprêgo de títulos em re­
paros necessários ou em pagamento de dívidas?
a ) Reparos q u e se fazem em bens i móveis, máxime em casas, u n s são
ordinários, necessários para a sua simples conse rvação ; o utros são extra­
ordinários, propriamente m e l h o ramentos, que valorizam mais o i m óvel. A q u i
só entram em q uestão o s reparos o rdinários, pois é só nêles q u e se gasta
realmente o din heiro. O s rep aros extraordinários, p o rém, por darem mais
valo r ao i m óvel, são antes u m a colocação do que u m a alien ação do d i­
nheiro empregado.
b ) E m se tratando de d i n heiro l ivremente disponível , colocado em tí­
tulos apenas tempora riamente , talvez mesmo já na p revisão de f u t u ra des­
pesa extraordin ária, é c l a ro que se não exige i n d ulto apostólico, n e m m es­
mo p ai:a soma superior a 30.000 francos. N este caso há tão-somente, c o m o
j á n o t a m o s a l h u res, u m c o n s u m o , e não alienação em sentido próprio o u
m esmo j urídico.
c ) O ponto critico d a q uestão é somente o caso e m q u e o din heiro
j á ten h a sido defi n i tivamente colocado e m títulos, form a n do destarte pa rte
i n tegrante do patrimônio.
Para m e l h o r solução temos q u e considera r, p r i m e i ramente, se as q u an­
tias col ocadas são d i n h e i ro a que i n e re ou não uma o b rigação. Caso se­
j a m colocações de dotes, fundações, de bens eclesiásticos vend idos, etc.,
não há dúvida nenhuma que se req u e r a l i cença da S. S é para se empre­
ga rem d o modo i n d i cado. Q u anto aos dotes de religi osas, p o rém, n ote-se
que após a m o rte d a irmã o dote passa a ser dinheiro l ivremente dis­
p o n ível 4 6 .
M a s se os referidos títulos s e compõem de din h e i ro l ivremente dispo­
n ível, n a opinião d e 1 . T e o d o r i 4 7 não se req u e r o i n d u l to apostóli­
co. Segundo êle podem-se conside rar êstes títu l o s com o pecwzia pro occur­
ren tibus n ecessitatibus impe11de11da. F u n damenta sua opinião n u m a res­
p osta dada pelo S ubsecretário da S. Congregação dos Rel igiosos ao Pro­
c u rador d a Ordem franciscana, n a segui nte circu nstância : Um Mostei ro
de re l i giosas possuía grande n ú mero de títulos advindos a u m a das irmãs
p o r herança. A Superiora j u lgou necessário valer-se dos mesmos para cobrir
grandes e u rgentes despesas n a restau ração do convento, e como se tratas­
se de q uantias superiores a 30.000 fran cos, dirigiu-se à Congregação com-

45) Cfr. CpR, 1 932, p . 1 93- 1 94.


46) C f r. J a n s e n, o . e . , p. 1 0 5 ; c. 548.
47) Cfr. Apollinaris, 1 932, p. 250-25 1 .
Revista Eclesiástica Brasilei ra, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 957

pete nte para obter o indulto apostól ico. Em resposta o Subsecretário da


Con gregação declarou que um tal i n dulto era desnecessário, uma vez que
os di tos títulos não constituíam nem dotes das i rmãs, nem legados de Mis­
sas, nem rep resentavam bens imóveis.
Considerando que esta resposta foi emitida ainda antes da publ icação
do novo Direito (em 22 de maio de 1 9 1 5) , portanto em tempos em que
esta questão de títulos era encarada com mais rigor, n ão podemos dei­
xar de conceder certa razão à opinião do referido canonista, por mais es­
tranha que ela nos pareça à primeira vista. Contudo, ao nosso ver, n ão
deixa de ser um tanto arriscado concl u i r, de modo geral, daquela respos­
ta do Subsecretário da S. Congregação, que dinheiro colocado em tí.t ulos
e isento de qualquer obrigação, possa considerar-se sempre pecun ia pro
occ11rren tib11s necessitatibus impendenda. Visto como no caso em aprêço
se tratava de uma decisão em negócio particular, de maneira que não po­
demos sem mais nem menos socorrer-nos del a para resolver outros casos.
( C. 1 7, § 3.) Pode dizer-se que, após a morte da irmã, o mostei ro possuía
direito de l ivre disposição sôbre os títulos herdados, porque não estavam
ligados a um deve r qualquer. Além disso, os títulos deveriam ser emp re­
gados em reparos necessários, e - como a soma parece indicar - reparos
extraordinários do próprio convento. Empregar, porém, dinheiro no melho­
ramento de casas; dan do-lhes desta rte mais valor, parece ser antes coloca­
ção de dinheiro em bens imóveis do que propriamente al ien ação ; no refe­
rido caso haveria, portanto, apenas uma conversão de títulos em bens imó­
veis e por conseguinte mudança da colocação, o que as d itas religiosas
podi am fazer de conformidade com o cânon 533, § 2.
f) Locação - E ' o ato de alguém en tregar a o u t rem, por ·certo
tempo e mediante certa ret r i b u i ção, o uso e gôzo d e coisa n ão-:
fungível.
1 .0 Sem especial l i cença do Ordinário do l u gar, os a d m i n i s­
t radores ou s eu s parentes em p r i m e i ro ou s e g u n d o grau de consan­
g u i n i dade o u afi n i d a de n ão podem s e r l o c a d o res ele bens i móveis
( e. 1 530. )
ecl e s i á s t i c o s por êles a d m i n i strados.
2.0 Tratando-se de fundo eclesiástico, observem-se as p res­
crições d o cânon 1 53 1 , § 2 : p o r conseguinte, caso as c i rcunstân­
cias n ã o o aconselharem de outra m a n e i ra , a locação deve ser
feita e m l e i l ã o p ú b l ico o u pelo menos com o conhecimento do p ú ­
b l i c o . Ademais, c uide-se el e que n o contrato sej am estatu ídas a s
necessárias con d i ções p a r a se defenderem os l i m i tes, se cultivar
devidamente o terreno, ser pago pontualmente o fôro, e a i n d a s e
aj u nte a c a u t e l a que sej a m c u m p r i das as m e s m a s condições. (C.
1 54 1 , § 1 .)
3.º Em qualquer locação de bens imóveis eclesiásticos, sej a m
fundos, sej am casas o u o utros i móveis, devem s e r · observadas as
s e g u i n tes prescrições :
aa) P roíbe-se o pagamento adiantado da renda da locação por mais de
seis meses, a não ser que se obtenha a devida l icença do Ordinário do lu­
gar. ( C . 1 54 1 , 1 479. )
958 G i 1 1 e s, Os religiosos e as paróquias

bb) E' necessário o consentimento do Superior eclesiástico competen­


te. A competência regul a-se pelo p reço das rendas anuais e pela du ra­
ção do a l uguel.
S e o . valor d o a l u guel exceder a 30.000 francos e o contrato exceder
a nove anos, é n ecessária a l i cença da S. Sé.
Se o valor do al uguel exceder a 30.000 francos, mas o contrato fôr
para menos de nove anos, req uer-se a l icença do Ordinário com o consen­
timento do Cabido, do Conselho Admin istrativo diocesano e dos interessados.
Se o valor do aluguel estiver contido entre 1 .000 e 30.000 francos, e o
contrato fôr p a ra mais de nove anos, req uer-se também a l i cença do Or­
dinário com o consentimento do Cabido, do Conselho e dos interessados.
Se o valor do aluguel não exceder a 1 .000 francos e a locação se es­
tender além de n ove anos, é necessária a licença do Ordinário n a mesma
forma.
Se o valor do aluguel não exceder 1 .000 francos e a l ocação não fôr
além de nove anos, a locação pode ser feita pelos admin istradores, deven­
do êstes avisar o Ordinário ( monito Ordinario. ) (C. 1 54 1 , § 2, 1 .0, 2.º,
3.º) 48
g) Enfiteuse. - Enfiteuse ou aforamento é o contrato por que
o domínio útil de um imóvel, geralmente de um terreno, é transfe­
rido a outrem para sempre ou para longo tempo, obrigando-se o
enfiteuta a pagar ao proprietário uma pensão determinada, a que
se dá o nome de fôro ou cânon .
O Direito canônico estabelece as seguintes normas :
1 .0 O enfiteuta n ão se pode remir ao aforamento sem licença
do Superior eclesiástico competente. ( C. 1 542, § 1 . ) Qual sej a
êsse "Superior competente" infere-se do valor do bem aforado,
segundo as normas estabelecidas no cânon 1 532.
2.0 Se o foreiro remir-se, deve, dar à Igrej a uma quantidade
de dinheiro que equivalha, pelo menos, ao aforamento (c. 1 542,
§ 1 ) ; portanto uma soma que, colocada, produza tanto quanto são
as rendas do aforamento. Pagando-se em títulos, deve tomar-se
o valor real e não nominal 4 9 .
3.0 Deve-se exigir do forei ro uma caução relativa ao paga­
mento do fôro e às condições que devem ser observadas ; na mes­
ma escri tura do con trato estatua-se como árbitro, para dirimir
as cont rovérsias que possam surgir entre as partes, a autoridade
eclesiástica, e declare-se expressamente que os melhoramentos re­
verterão em favor do solo. ( C. 1 542, § 2 . ) 5o
48) Trata ndo-se de b e n s pertenc!entes a rel igiosos, a l icen Ç a será da­
da pelos Superiores designados n o cânon 534 ; cfr. S i p o s, o. c., p . 836,
nota 38.
49 ) Cfr. S. C. C., 23 jan. 1 923 : AAS. XV ( 1 923) , p. 5 1 3.
50) Muitos códigos civis não favorecem a enfiteuse e também no fôro
e � le �iástico ela � stá hoje pouco em uso, por causa do perigo que corre o
d1re1to do do.mimo. sôbre o bem aforado. Cfr. S i p o s, o. c., p. 837, nota 44.
_
. q o Código c1v!I brasileiro sej am aqui lembradas as disposições que
mais mteressam : 1. O fôro anual que o e nfiteuta deve pagar ao senhorio
direto é invariável. ( A rt. 678. )
Revista Eclesiástica Brasilei ra, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 959

h ) Mútuo. - No mútuo transfere-se o domínio duma coisa


f u n g ível 51 a outra pessoa, obrigando-se esta a restituí-la em coi­
sa do mesmo gênero, quantidade e qualidade, no tempo prefinido.
2.º O contrato de enfiteuse é perpétuo. A enfiteuse por tempo limita­
do consi dera-se arrendamento, e como tal se rege. ( Art. 679. )
3.º Só podem ser obj eto de enfiteuse terras não cultivadas ou terre­
nos que se destinem a edificação. ( A rt. 680.)
4.º Os bens enfitêuticos transmitem-se por herança na mesma ordem
esta belecida a respeito dos alodiais nos arts. 1 603- 1 6 1 9 ; mas, não podem
ser divididos e m glebas sem consentimento do sen horio. ( Art. 681 . )
5.º E ' obrigado o enfiteuta a satisfazer o s impostos e ô n u s reais q u e
gravarem o imóvel. ( Art. 682.)
6.º O enfiteuta ou foreiro não pode vender nem dar em pagamento
0 domínio útil sem prévio aviso ao senhorio dire to, para que êste exer­
ça o direito de opção ; e o sen horio di reto tem trinta dias para declarar,
por escrito datado e assinado, que quer a preferência na alienação, pelo
mesmo p reço e nas mesmas condições. Se dentro do prazo indicado não
responder ou não oferecer o preço da a l ienação, poderá o fore i ro efeti.tá­
la com quem entender. (Art. 683.)
7.º Compete igualmente ao foreiro o direito de p referência, no caso
de querer o senhorio vender o domínio ou dá-lo em pagamento. ( Art. 684.)
8.º Sempre que se realizar a transferência do domínio útil, por venda ou
doação em pagamento, o senhorio que não usar da opção terá direito de
receber do al ienante o laudêmio, que será de dois e meio por cento sôbre
o p reço da alienação, se outro não se tiver fixado no titulo de aforamento.
(Art. 686.)
9.0 A enfiteuse extingue-se, quando o fore i ro deixar de pagar as pen­
sões devidas por três anos consecutivos, caso em que o senhorio o inde­
nizará das benfeitorias necessárias. ( Art. 692, l i . )
1 0.º Todos o s aforamentos, salvo acôrdo entre as partes, são resga­
táveis trinta anos depois de consfüuídos, mediante pagamento de vinte
pensões anuais pelo fore iro, que não poderá no seu contrato renunciar
o direito . ao resgate, nem contrariar as disposições imperativas a respei­
to da enfiteuse. (Art. 694.)
51 ) Fungivel chama-se uma coisa que é consumida com o primeiro
uso a que se destina e cuj a restituição pode ser feita com outra coisa da
mesma espécie ; tal é ordinariamente o que está sujeito a pêso, número
e medida, como pão, farin ha, vinho, frutos, etc. A utilidade duma coisa
fungível consiste un icamente no seu uso, e é pelo uso que se consome. Não
poucos moralistas especificam também o dinheiro simplesmente como coi­
sa fungível. E' verdade, o dinheiro em si é coisa estéril e somente se tor­
·n a útil pelo uso ; contudo, a perfeita equiparação do dinheiro com as coi­
sas consumíveis não parece mui acertada e feliz. O dinheiro constitui u m
objeto sui generis, um obj eto quase q u e universal, q u e representa virtual­
mente todos os bens temporais. Sem ser usado, não há dúvida, o dinhei ro
é infrutífero, mas não é qualquer uso que o consome. Consumo propriamen­
te só há, quando o dinheiro é usado e m pagamento de despesas corren­
·tes, em compra de coisas primo uso consumptibiles; sendo, porém, emp re­
gado no comércio, na indústria, na compra de casas, fundos, etc., não so­
mente conserva o seu valor real, mas ainda se torna produtivo ; sua fecun­
didade virtual torna-se atual. O dinhei ro, portanto, pela sua natureza é
tanto coisa consumível como frutífera. Por isso : emprestar dinheiro para
o consumo é emprestar coisa fungível e assim quadra perfeitamente no
conceito de mútuo, por todos os moralistas tido como contrato gratuito.
Emprestar, porém, dinheiro para fins industriais, comerciais, e tc., é em­
prestar coisa frutífera, o que em si não deve ser feito gratuitamente ; cfr.
T h. J o ri o, S . J., Theol. Moratis ( 1 939) , vol. II, n. 909-9 1 3.
960 O i 1 1 e s, Os r e ligiosos e as paróquias

Transferindo a propriedade da coisa mutuada, o mútuo diferen­


cia-se essencialmente do contrato de condonato e locação.
1 .0 Sendo o mútuo por sua natureza um contrato gratuito, não
é l ícito auferir l u c ro algum em razão do mesmo contrato. N ão é,
porém, vedado estabelecer por contrato o lucro legal, a n ão ser
que conste ser êsse l ucro imoderado ; ou mesmo estabelecer um
lucro maior, se há título justo 5 2 e proporcionado. ( C. 1 543 . ) D i z
o citado cânon per se n o n est illicitum, pois per accidens pode ser
il ícito, a saber, quando a caridade ou equidade exigem que se
faça o mútuo gratuitamente.
2 .0 Geralmente o mútuo se faz em dinheiro. Neste ·caso te­
mos que considerar se se trata de dinheiro livremente disponível
ou n ão. Caso se trate de dinheiro l ivre e disponível, temos somen­
te o uso útil ou uma colocação transitória, podendo esta ser fei­
ta pelos administradores de conformidade com os estatutos. Em
razão, porém, dos perigos neste negócio, quase sempre lhes é
vedado pelos estatutos dar mútuos. Dinheiro a que inere uma obri­
gação .só pode ser mutuado com a licença do Superior competente.
5) Colocação de dinheiro
Entre as obrigações dos administradores de bens eclesiásti­
cos, o cânon 1 523, 4.0 cita o dever de colocar em proveito da Igre­
ja o dinhei ro que sobrar das despesas.
a) Como o dinheiro pode ser empregado frutuosamente
Em consequência da rigorosa p roibição de juros por emprés­
timos pecuniários, decretada pela I grej a nos séculos passados, no
intuito de extirpar o grande mal da usura então reinante, uma co­
locação frutífera de dinheiro era naquele tempo um tanto difícil ;
o modo quase que único e possível era o seu emprêgo em imó­
veis. De mais de um século para cá, porém, desde que a I greja
começou a tolerar 5 3 o costume, inveterado em muitos lugares, de
se tomarem os juros legais ou usuais, mesmo independentemen­
te de qualquer título exterior, e tendo ela ultimamente declarado
de maneira expl ícita ser lícito· exigir os ditos juros nos emprés­
timos de coisas fungíveis, as possibilidades para a colocação fru­
tífera de dinhei ro são variadas e fáceis. Além de ser empregado
em bens frutfferos ( casas, fundos, etc. ) , o dinheiro facilmente po-

52) Trtulos j ustos são : dano emergente, lucro cessante, perigo da coi­
sa emprestada, pena convencia! para o caso de não restituir o mutuário
no tempo aprazado.
53 ) Esta tolerância claramente se depreende de várias respostas da
Cúria Romana, p. ex., da S. Pamit., 1 6 set. 1 830 ; 14 agôsto 1 83 1 ; 1 1 nov.
1 83 1 ; 23 nov. 1 832 ; 1 8 dez. 1 872 ; e do S. Oficio, 17 jan. 1 838 ; 26 mar­
ço 1 840.
Revista Eclesiástica Brasileira , vol. 3, fase. 4, dezem b ro 1 943 96 1

de ser rendoso de muitas outras maneiras : pode ser pôsto a j u ros


por simples empréstimos ou depositado em algum banco ou caixa
econômica, ou pode-se com êle comprar apólices da d ívida pí1bli­
ca ou de outras sociedades particulares ; por fim podem-se adqui­
rir ações de companhias comerciais ou industriais.
D e per si e geralmente, tôdas essas manei ras de colocação
são l ícitas. D úvidas reinavam apenas a respeito da compr,a de
ações de emprêsas comerciais e industriais, porque muitos preten­
diam ver nisso uma espécie de mercatura e indústria, interditas
aos clérigos pelo cânon 1 42 . Hoje em dia, porém, geralmente to­
dos os canonistas advogam a sua liceidade, com a cautela, po­
rém, que as sociedades não visem a fins ilícitos, n ão empreguem
manipulações moralmente proibidas, e além disso não se faça co­
mércio ou negociação com as próprias ações. Acresce ainda a cir­
cunstância de que aos clérigos é vedado tomarem parte na admi­
nistração destas sociedades, de modo que pudessem ser obrigados
a prestar contas 5 4 .
D issemos, há pouco, que de per si e geralmente tôdas as for­
mas mencionadas para a frutificação de capitais são l ícitas . Isto,
porém, não quer dizer que seja indiferente a escolha de qualquer
uma das formas para a colocação, em caso concreto.
Em primeiro lugar nem tôdas as formas oferecem a mesma
segurança. Entre tôdas as mais seguras são, sem dúvida, as co­
locações em imóveis. Mais seguras são, em geral, as colocações
em papéis do Estado do que as em papéis de sociedades parti­
culares ou em ações. Nas czolocações frutíferas deve-se, porém,
considerar não somente o maior ou menor lucro, mas também, e
n ão em último lugar, a segurança dos capitais empregados; isto é
de máxima importância, quando se trata de dinheiro que exige
colocação bem segura, como sói acontecer sempre com dinheiro su­
jeito a uma obrigação qualquer, p . ex., dinheiro de fundações pias.
Além disso, nem tôdas as colocações são igualmente estáveis.
O s imples mútuo ou depósitos nos bancos ou nas caixas econô­
micas, donde podem ser retirados à vontade, são todos tidos co­
mo colocações passageiras, não entrando por isso em questão nos
casos em que se requer uma colocação definitiva.
Finalmente, cumpre advertir ainda, se não existe determina­
ção do Direito prescrevendo determinada forma de colocação. Quan­
to aos dotes das freiras p. ex., manda o cânon 549 que a colo­
cação seja feita em titulos. Também o Ordinário, em vi rtude do
cânon 1 5 t 9, pode dar normas a respeito da colocação.
54) Cfr. Ha r i n g, o. e ., p. 1 74 ; J a n s e n, o. e ., p. 27 8 ; P r n m m e r,
o . e., qu. 7 1 , p. 1 00 ; S i p o s, o. e., p. 1 40 ; V e r m. - C r., o. e ., vol. I r
n. 224, p. 1 53 ; J o r i o, o. e. , vol . l i , n. 1 1 2 1 , p. 707.
962 G i 1 1 e s, Os religiosos e as paróquias

b ) Determ inações canônicas sôbre as colocações de dinheiro


Como já dissemos em outra parte, a primeira colocação de
dinheiro ainda não constitui alienação, razão ·por que também não
se regula pelas leis da mesma. Dizemos a "primeira" colocação ;
pois quando entram em vigor as leis da alienação em caso de trans­
ferência de uma colocação para outra, disto já tratamos ao falar­
mos da permuta de títulos.
O emprêgo f rutífero ·· de capitais é puro ato administrativo
que é regu lado .p or leis especiais. Nas O rdens e Congregações re­
ligiosas a colocação de dinh�iro atém-se às normas gerais do cânon
"
533, sendo que a colocação de dotes tem seu regulamento especial
no cânon 549. Deixando de lado as determinações do direito par­
ticular dos religiosos, queremos mencionar tão-somente as que
afetam o direito comum 5 5 ,
aa) O cânon 1 523, que estatui as obrigações dos administra­
dores dos bens eclesiásticos, manda sob o n. 4.0 que, mediante o
consenti mento do Ordinário, o dinheiro supérfluo seja colocado fru­
tuosamente a ·b em da Igreja.
I .º Trata-se aqui apenas daq uele dinheiro livre e disponível que ainda
resta depois da solução de tôdas as contas correntes. Da colocação do di­
nheiro proven iente da venda de bens eclesiásticos ou a que inere uma obri­
gação falam os cânones 1 53 1 , § 3 e 1 547, sôbre os quais mais adiante.
2.0 De que modo se deva fazer a colocação não está determinado. Por
conseguinte deixa-se à vontade do administrador escolher a forma que q u i­
ser, salvo determinações em contrário nos estatutos ou da pa rte do Ordiná­
rio. Não é necessário que e ssa colocação seja logo definitiva, de modo
que o dinheiro fique subtraido à livre disposição dos administradores. Bas­
ta que sej a transitória, p. ex., em casas bancárias, em mútuo, ficando-lhes
assim a possibilidade de se servirem do dinheiro mais tarde para as des­
pesas necessárias que possam surgir 5 6 .
3.º Diz o cânon de consensu Ordinarii. Não é ainda certo se se re­
quer essa l icença do Ordinário também nos casos de colocação t ransitória.
Muitos canonistas negam-no simplesmente 5 7 . Certo é que a· licença pode
se r dada em forma gera l , e também não é necessário que sej a dada por
escrito ; igualmente não padece dúvida que não é exigida para a valida­
de do ato, pelo menos não em virtude do re ferido cânon ; se, porém, em
virtude do cânon 1 527, § 1 é inválida uma colocação feita sem a l icença
do Ordinário, depende confo rme é efetuada por ato administrativo o rdi­
nário ou extraordinário , questão esta que todavia ainda não foi unãn ime­
mente resolvida entre os canonistas.
bb) O cânon 1 53 1 , § 2 ocupa-se da colocação de dinheiro
proven iente da venda de bens eclesiásticos, e diz : " Pecuni a ex
55) Acontece m uitas vêzes que o direito particul a r contém determi­
n ações especiais sôbre a colocação de dinhei ro. Por isso não se devem
deixar de l ado os estatutos e as determinações do Ordinário.
56) Cfr. V e r m. - C r., o. c., vol. II, p. 845 ; P i s t o c c h i, o. c., p. 347.
57) Cfr. W e r n z - V i d a l, o. c., tom. I V, vol. I I , p. 2 1 9 ; S c h ã f e r,
o. c., n. 1 97 ; P r il m m e r, o . c., Qu. 1 94, d ; C o r o n a t a, o. c., p. 673 ;
CpR, 1 926, p. 263 ; V r o m a n t, o. c., n. 1 73.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 963

alienatione percepta caute, tuto et utiliter in commodum Ecclesire


collocetur." S Obre êsse dinheiro os administradores não possuem
o direito de l ivre disposição; somente com o consentimento da S. Sé
é que podem gastá-lo, como seja para pagamento de dívidas, para
despesas correntes, etc. 5 s e ste dinheiro deve ser conservado e co­
locado frutuosamente, e isto, como no-lo acentua o cânon : caule et
tufo. Por isso, não é principalmente o lucro, mas, antes de tudo,
a segurança que deve determinar a foi:ma destas colocações. Esta
a razão por que, em geral, -tal dinheiro não se pode colocar em
ações de sociedades comerciais ou industriais, por se tratar de
colocação menos segura 6 9 embora, njio raras vêzes, mais rendosa.
N ão se requer licença especial para a referida colocação, pois
j á está impl icitamente contida na licença da alienação dos bens ;
mas, como todos os demais atos administrativos, também êste es­
tá sujeito à vigilância do Ordinário. ( C. 1 5 1 9.) o o
cc) Afi nal temos ainda que mencionar o cânon 1 547. Trata
da colocação de dinheiro de fundações pias. Também aqui sem­
pre e antes de tudo se exige colocação segura ; deve ser feita quan­
to antes e na forma ·prescrita pelo O rdinário, depois de ter êste
ouvido os interessados e o Conselho Administrativo diocesano.
Caso se trate de fundações pias em igrej as isentas, mesmo paro­
quiais, é o Superior maior que providencia quanto à colocação.
(C. 1 550.)
VII. A prestação de contas da administração de bens eclesiásticos

A) O dever dos administradores de prestar contas, em geral

l ) A pessoa moral
Esta obrigação de ajustar contas com a pessoa moral, que têm
os administradores, deflui imediatamente da natureza de seu ofi­
cio. São apenas administradores e não proprietários dos ·b ens que
administram . Todo aquêle, porém, que administra bens alheios, es­
tá obrigado a prestar contas ao proprietário. Proprietário dos bens
eclesiásticos é a ·p essoa jurídica. A ela por conseguinte é que os
administradore s em primeiro lugar têm que prestar contas, e isto
tantas vêzes- quantas os estatutos o exigirem .
.

2) Ao Ordinário do lugar
O direito de posse da pessoa moral na Igreja não é absolu­
to. Na aquisição, na posse e na administração, tôdas as pessoas
j urídicas na Igrej a se acham sujeitas às prescrições canônicas. Isto
58) Cfr. AAS, 1 9 1 9, p. 4 1 8.
59) Cfr. J a n s e n, o. e., p. 277.
60) Cfr. 1> i s t o e e h i, o. e., p. 403.
63
964 Oi 1 1 e s, Os religiosos e as paróquias

encon tramos claramente exp resso no cânon 1 495, § 2 : " E tiam · ec­
clesiis singularibus ali isque person is moralibus qure ab ecclesiastica
auctoritate in iuri dicam personam e rectre sint, ius est, ad normam
sacrorum canonum bona temporal i a acqu irendi, retinendi et admi­
nis tran d i . "
O D i reito ecles iástico obriga a todos os admin istradores de
bens ecles iásticos, que se en con tram sob a j u risdição do O rdiná­
rio do lugar, a lhe prestarem conta tôdas as vêzes que êste o de­
sej a r ; além disso casos há, em que têm que fazê-lo, ainda que não
solicitados nos tempos marcados pela lei.
a) Esta obri gação ressal ta em geral, se bem que indi reta­
mente, do cânon 1 5 1 9, § 1 : " Loci O rdinarii est sedulo advigilare
administration i omnium bonorum ecclesiasticorum, qure i n suo ter­
ritorio sint, nec eius iurisdiction i fuerin t subducta . . '! E' por con­
.

segu inte d i reito e obrigação do O rdinário do lugar ter tôda vigi­


lância sôbre a admini stração de todos os bens eclesiásticos, que
existem em sua diocese e que n ão estão subtraí dos à sua j u risdi­
ção . D i sto, porém, resulta n ecessariamente também o direito de o
O rdinário exigir conta da administração dos referidos bens. A êste
ú ltimo d i reito segue-se igualmente, por necessidade, a obri gação
de os admin istradores prestarem conta da sua admin istração ao
O rdinário do lugar e isto quando e do modo que êste o prescrever.
b) Em diversas partes do Código, impõe-se d i reta e explici­
tamente aos adminis tradores de determinados bens ecles iásticos
a obrigação de p restarem contas da sua administração ao Ordiná­
rio do lugar, ou pelo menos ao Sr. Bispo é con ferido o direito de
exigir a p restação de contas.
1 .º O cânon 535, § 1 obriga tôdas as monjas a p restarem,
ao menos uma vez por ano, contas ao O rdinário do lugar. O pa­
rágrafo 2. º do mesmo cânon p resc reve . a tôdas as irmãs prestar
contas dos dotes ao Sr. B i spo, e isto ao menos por ocasião d a vi­
sita canônica (c. 5 1 2 , § 2 , 3 .0 ) , sendo que ao Sr. B ispo é dado
também o d i reito de pedi-la mais vêzes, quando o achar necessário.
2 . 0 Em virtude do cânon 535, § 3 cab e ao Ord inário o direito
de inspeção, por conseguinte também de exigir p restação de contas :
a) sôbre a admi nistração de bens, nas casas de Con gregações re­
li giosas de direito dio cesano. ; b) sôbre a administ ração de fundos
dados a uma casa de Congregações para fins pios a se real izarem
dentro dos l i mites do lugar, em que se encontra o conven to 1 ; c) sô­
b re dinheiro colocado em benefício duma Paróquia o u Missão, por
rel igiosos, ainda · que . isentos 2 .

1 ) Cfr. REB, 1 943, fase. 2, p. 399.


2) Cfr. REB, 1 943, fase. 2, p. 401 .
·Revista Eclesiástica B rasileira, vol . 3, fas<:. 4, dezembro 1 943 965

3.0 O cânon 1 1 82 , § 3 obriga todos os Vigários , Missioná rios


e Rei tores de i g rej as seculares a p restar contas ao O r d i n á rio sô­
b re os donat ivos fei tos à P a róqu ia ou M i ssão.
4.º O cânon 1 549 determina que an ualmente sej a p restada
conta ao Sr. Bispo sôbre a a d m i n i stração dos bens de fun d ações
pias, a n ão �er q u e se trate de fun dações pertencen tes a igrejas
de rel igiosos isentos. ( C . 1 550. )
5.0 Especial menção me rece final mente o cânon 1 52 5 , que tor­
n a obrigató ria a p restação de contas a lodos os administradores
de quase tôdas as pessoas j u rí d icas depen dentes do O rdinário do
lugar. O cânon assim reza :
"§ 1 . Rep robata contraria consuetudi � e, administratores tam eccle­
siastici quam laici cui usvis ecclesire, etiam cathedral is aut loci p i i canonice
e recti aut confraternitatis singulis annis officio tenentur reddendi rationem
administrationis Ordinario toei.
§ 2. Si ex peculiari iure aliis ad id designatis ratio reddenda sit, tunc
etiam Ordina rius toei vel eius delegatus cum his admittatu r, ea lege u t
al iter l i berationes ipsis administratoribus m i n i m e suffragentur."
Dêstes d i zeres se col i ge :
aa) Nenhum costume, ainda que sej a de 1 00 anos ou de tempo imemo­
rável, p revalece contra as prescrições do cânon ; pois diz-se repro b ata con­
traria consuet11dine, e costumes rep rovados expressamente no Código são
tidos como desa rrazoados e por isso j amais pode rão ter fôrça de lei ( e. 27 ) ;
e onde vigorarem tais costumes, devem ser suprimidos como iuris cor­
ruptelae. ( C. 5.)
bb) Não importa que os admin istradores pertençam ao estado leigo ou
clerical ; também aqu.ê les são obrigados à p restação de con tas, o que se
encontra exp resso de modo geral n o cânon 1 52 1 , § 2.
cc) A o b rigação esten de-se a todos os admin istradores de igrej as, l u­
ga res pios canôn icamente eretos e i rman dades.
N o · cânon se l ê : c11iusvis ecclesiae. Ecclesia aqui não deve ser toma­
da no sentido l ato do cânon 1 498, compreendendo tôda e qualquer pessoa
moral eclesiástica, pois se assim fôra, seri a inútil a enumeração das outras
pessoas morais, feita no mesmo cânon ; mas sim, em sentido estrito, de­
signando apenas qualquer edifício destinado para o culto públ ico, quer se­
j a igrej a no sentido do cânon 1 1 6 1 , ou o ratório públ ico conforme o cânon
1 1 8 1 , § 2, 1 .0, que em virtude do e . 1 1 9 1 , § 1 é j u ridicamente equ iparado
às igrej as. Se o cânon diz "cuiusvis" ecclesiae, então só podem ser com­
preendidas as igrej as, cuj a administração de bens está suj eita ao Ordinário
do lugar em vi rtude do cânon 1 5 1 9. Só entram, por conseguinte, em aprêço
as igrej as seculares, mas tôdas el as, ainda que tenham u m religioso como
Reitor e ainda que sej a a matriz de alguma P a róquia entregue pleno iure
aos cuidados dos religiosos s. O cânon no entanto não pode ser apl icado
às igrej as conventuais, embora nelas sej a ereta uma Paróquia 4 . E' verdade
que também ce rtas i grej as conventuais estão obrigadas a p restar conta

3) Cfr. B 1 a t, o. e., n . 439, p. 538 ; C o c e h i, o. c., ·n . 206, p. 394 ;


S i p o s, o. c., p. 827, ·n ota 8 ; E i c h m a n n, o. e., vol . I I , p. 1 69.
4 ) Cfr. P. D r. A d . .L e d w o 1 o r z, O. F. M., De bonis Eccle�iae .tem­
po ralib us, ( P ro Manuscr1pto ) , Romre 1 938.l p . 1 6 1 ; W e n n e r, K1rchl1ches
Vermiigensrecht, ed. 2.•, Paderborn 1 936, s 50, p. 20 1 .
63 *
96 6 G i 1 1 e s, Os rel igiosos e as paróqu i as

ao Sr. Bispo, mas isto cm virtude de ou tras determin ações do Código e não
pelo cânon 1 525. Assim é que as i rmãs de votos solenes ( moniales) estão
ob rigadas pelo c. 535, § 1 , I .º a prestar anualmente ao Ordinário contas
de Mda a admin istração de seus bens. Para os reli giosos iuris dioecesani
( c. 488, 3.0) o Sr. B i spo, apoiando-se -no c. 535, § 3, I .º, pode p rescreve r
p restação anual de contas.
S ob o têrmo locus p ius se enten dem os i nst i tutos pios de que nos falam
os cânones 1 489- 1 494, como hospitai s, o rfan atos, escolas e estabelecimen­
tos congêneres, que se acham destinados ao exercício da rel igião o u para
o b ras da misericórdia corporal ou esp i ritual, suposto po rétn que sej am
canôni camente e retos e portanto possuam personalidade j u rfdico-ecle­
siástica 5.
A tercei ra cl asse de pessoas morais eclesiásticas, cujos admin istra­
dores estão ob rigados a p restar conta ao Ordinário do lugar, em virtu­
de do c. 1 525, são as i rmandad e s. O Código emprega a palavra con fra­
temitas, têrmo que aqui não deve ser tomado no sentido estrito do cânon
707, § 2; pois confratemitas aqui designa tôdas as associações eclesiásti­
cas, que possuam personal idade j u rldica. I sto nos patenteiam cla ramente
o s di zeres do cânon 69 1 , § 1, que de maneira explfcita i mpõe a p re sta­
ção de contas, na forma do e. 1 525, a tôda a associação legitimamente
e reta 6 . Até m esmo as asso ciações e retas nas igrej as regul a res não se po­
dem esquivar das p rescrições do c. 1 525, ainda que se trate de associa­
ções q ue, graças a u m privilégio apostól ico, são e retas pelos regulares em
suas p róprias igrej as, como são p . ex., os sodalfcios da Ordem I l i . (C. 690. )
dd) A apresentação de contas deve ser feita anualmente e i s to ex of/icio,
por consegu inte sem nenhuma i ntimação.
ee) Também nos casos em q ue, devido a u m d i re ito ·p a rticular, se tenha
de prestar conta a outras autori dades o u pessoas, p. ex., por causa de con­
cordatas, prescrições n a fundação, legltimos costumes, leis civis, ainda as­
sim p revalece a obrigação da p restação de contas ao Ordinário do l ugar 7 .

B) A prestação de contas, em particular, nas :Paróquias administradas


pelos religiosos

O que agora vamos referi r, essencialmente nada apresenta de


novo. E' quase que u m ligeiro e sistemático resumo do que jâ vimos
tratando no decorrer dêsse nosso trabalho acêrca da p restação de
contas por parte dos administradores de bens eclesiásticos. Por isso
quer-nos pa recer que para futuras explicações e fundamentações
muitas vêzes basta somente apontar o que já dissemos atrás.
1 ) Prestação d e contas s O bre a administração dos bens pertencentes
a uma igreja (fabrica ecclesiae)
Ternos que fazer aqui urna distinção entre a igreja paroquial e
as demais igrej as situadas na Paróquia .
.a) A igreja paro quial pode ser ou uma ecclesia religiosa o u
u rn a ecclesia saecularis . - Sendo a igrej a ·p aroquial ecclesia reli-
5) C f r. R E B, 1 943, fase. 2, p. 380, f) ; P i s t o c c h i, o. c., p. 36 1 ;
Le dwo 1 o r z, o. c., p. 1 6 2.
6 ) Cfr. S � p o s, o. �·· p. 827, nota 8; P i s t o e c h i, o. c., p. 362.
7) Cfr. P 1 s t o c c h 1, o. c., p. 364 ; E i c h m. a n n, o. e., vol. li, p. 364.
-R evista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 967

giosa s, a ad ministração compete ao Superior do convento ( c. 630,


§ 4 ) u , e êste n ão precisa p restar contas da administração dos
bens da igreja ao Sr. Bispo 1 0, mas somente às pessoas designa­
das pelos estatutos. Existe apenas uma exceção para os i;eligio­
sos não-isentos acêrca dos fundos dados para fins rel igiosos e ca­
ritativos no lugar, em que se encontra o convento e acêrca dos bens
das fundações pias. (C. 1 544. ) Quanto aos ·p rimeiros o Sr. Bispo
poderá exigir prestação de contas ( c. 535, § 3, 2.0) 1 1 , sendo que
no respeitante aos segundos a apresentação deve ser feita anual­
mente, ·s em convite prévio. ( C. 1 549, § 1 . ) 12
Se a igrej a paroquial é saecularis, poderá pertence r ou à D io­
cese ou a outra pessoa moral eclesiástica, a uma irman dade, p. ex.
Caso pertença à D iocese, a administração dos seus bens, numa Pa­
róquia administrada por religiosos, caberá ao Sr. Bispo. ( C. 630,
§ 4 . ) 1s Os administradores nomeados por êle, quer sej a unicamen­
te o Pároco, quer seja um Consilium fabricae (c. 1 1 83) , estão
obrigados a p restar-lhe anualmente contas da administração.
(C. 1 525. ) O Pároco religioso está, além disso, sujeito à vigi­
lância do seu Superior que, em virtude dêsse seu direito de inspe­
ção, poderá também exigir conta da administração 14 . Pertencen­
do a matriz a outra pessoa jurf dico-eclesiástica qualquer, então,
caso n ão haja nenhum dispositivo contrário 1 5, a administração
dos bens pertencentes à igrej a será feita pela referida pessoa, sen­
do porém que essa deve anualmente prestar contas ao Sr. Bispo.
(C. 1 525.) 1 a
b) Outras igrejas existentes na Paróquia poderão ser i grejas
seculares ou religiosas.
As igrej as seculares pertencem ou à D iocese ou a outra pes­
soa moral eclesiástica. Caso pertençam à Diocese e tenham um
Reitor nomeado pelo Sr. Bispo, no sentido do cânon 479, § 1 , êste
administrará os bens ( c. 1 1 82, § 1 ) , podendo fazê-lo sozinho ou
em união com o Consilium fabricae (c. 1 1 83) , onde ·h ouver, tendo
porém a obrigação de prestar, anualmente, conta ao Sr. B ispo,
mesmo que o Reitor seja membro de O rdem isenta, e a esta a Pa­
róquia tenha sido entregue pleno iure. N ão possuindo, porém, a
igrej a administração p rópria, então é o Pároco que deverá fazê-la,
8) Cfr. REB, 1 94 1 , p. 7 1 7, 2) ; 1 943, fase. 3, p. 65 1 , ·n ota 1 3.
9) Cfr. REB 1 943, fase. 3, Jl. 65 1 .
.t
1 0) Cfr. Cpt<, 1 922, p. 27 1 ; D e 1 g a d o, o. e., p. 1 20, 3, a ) .
1 1 ) Cfr. REB, 1 943, fase. 2 , p . 398, e ) , 5.0
1 2) Cfr. REB, 1 943, fase. 2, p. 392, 6.0
1 3 ) Cfr. REB, 1 943, fase. 3, p. 652.
1 4) Cfr. W e r n z - v. i d a 1, o. e., vol. I I I , n. 4 1 6, p. 448; REB, 1 943,
fase. 3t p. 657.
1 51 C f r . Cânon 69 1 , § 1 .
1 6) Cfr. C o r o n a t a, o . e., vol. li, p . 58.
968 Oi 1 1 e s, Os religiosos e as paróquias
.
se é que não existe legítimo costume ou determinação particular
do Direito, mandando o contrário. ( C. 1 1 82, § 2.) 17 O dever da
prestação anual de contas obriga também aqui conforme determi­
na o cânon 1 1 82, § 3.
Sendo a igreja propriedade de outra pessoa juridica, p. ex. ,
duma irmandade, será ela quem administrará os bens de sua igre­
ja, a não ser que vigorem outras determinações, persistindo tam­
bém para ela o dever da prestação anual de contas ao Ordiná­
rio do lugar. (C. 69 1 , § 1 . )
As igrejas religiosas são administradas pelos respectivos reli­
giosos 1 s e a prestação de contas ao Sr. Bispo só obriga as M o ­
niales e os religiosos iuris dioecesani; bem assim os religiosos não­
isentos, quanto aos bens de fundações pias e quanto aos fundos
dados para fins religiosos e caritativos, como já foi dito ao tra­
tarmos das igrejas paroquiais.
2) Apresentação de contas da administração do beneficio paroquial 1 0
E' de notar, antes de tudo, se a Paróquia está incorporada,
ou não. Nas Paróquias incorporadas, a administração do benefi­
cio paroquial cabe ao Superior rel igioso, não precisando êste pres­
tar contas ao Sr. Bispo 2 0 .
Nas Paróquias não-incorporadas, os referidos bens são admi­
nistrados pelo Pároco, caso não tenha havido outro acôrdo com
o Sr. Bispo na ocasião da entrega da �aróquia 2 1 ; e êste, em vir­
tude de seu direito de vigilância ( cc. 1 478, 1 5 1 9) , poderá exigir
p restação de contas da administração.
3) Prestação de contas s6bre os bens destinados à Paróquia 2 2
Podemos distinguir en tre os bens paroquiais propriamente di­
tos e as simples esmolas. Sob bens paroquiais se entendem tôdas as
coisas móveis e imóveis, que como tais passaram à posse perma­
nente da Paróquia, constituindo destarte o patrimônio paroquial .
Simples esmolas e tudo que foi dado para os fins paroquiais e que
é empregado diretamente para tais fins. Dizemos diretamente;
pois, caso as referidas esmolas fôssem colocadas frutuosamente,
ou caso se tratasse de donativos de bens frutíferos, os quais por
vontade do benfeitor devem permanecer intactos e somente podem
servir aos empreendimentos paroquiais quoad fructus, então to­
dos êsses bens passariam para o patrimônio paroquial.
1 7) Cfr. Cone. PI. Br., Deer. 322, § 2 ; REB, 1 943, fase. 3, p. 654.
1 8) Cfr. C a p e 1 1 o, o. e., vol. 1 1 , p. 27 1 , n. 679 ; L e d w o 1 o r z, o. e.,
p. 1 6 1 ; T o s o, o. e., tom. I I I, p. 480, 2. ; Anonymus, o. e., p. 1 3.
1 9) Cfr. REB, 1 943, fase. 2, p. 372.
20) Cfr. CpR, 1 929, p. 4 1 . 2 1 ) Cfr. REB, 1 943, fase. 3, p. 650.
22) Cfr. REB, 1 943, fase. 2, p. 375 ; fase. 3, p. 653.
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 969

Ao O rdinário do lugar dever-se-á prestar conta sôbre a admi­


nistração dos bens paroquiais, ainda que se trate de Paróquia in­
corporada ao conven to. Esta obrigação depreende-se do cânon 1 5 1 9,
§ 1 , o qual confere ao Ordinário do lugar o direito e o dever de
vigiar sôbre a administração de todos os bens eclesiásti êos exis­
tentes em sua Diocese e sujeitos a sua j urisdição. No Código não
encontramos nenhuma prova de que os bens paroquiais pertencen­
tes a uma Paróquia administrada por rel igiosos estejam subtraídos
à j urisdição episcopal. Pelo contrário, o cânon 63 1 , § 3 manda ex­
pressamente, que quanto aos bens paroquiais, sej a m observados
os cânones 53 1 , § 1 , 4.0 e 535, § 3, 2 .0 O ra o cânon 53 1 , § 1 , 4.0
diz que as esmolas dadas à Paróquia só poderão ser frutuosa­
mente colocadas com a licença do Ordinário do lugar, e o cânon
535, § 3, 2 .0 confere a êste o direito de inspeção sObre a admi­
n istração dêsses bens, ou por outras palavras, autoriza-o a exi­
gir a p restação de contas da administração. Que êstes cânones
valham também para as Paróquias incorporadas, ficou definitiva
e expressamente resolvido pela resposta dada pela Comissão Pon­
tifícia do Código, a 25 de julho de 1 926, a uma consulta a êsse
respeito 2s . Em virtude do cânon 1 1 82, § 3 a apresentação de
contas deve ser feita anualmente.
Quanto às simples esmolas dadas ao Pároco para as neces­
sidades da Paróquia, deve-se distinguir entre esmolas cuj a pro­
p riedade passa à Paróquia, e esmolas cuja propriedade permane­
ce em mão do benfeitor até que sejam consumidas ou por êle pró­
prio diretamente transferidas a uma causa pia.
Caso a Paróquia se torne p roprietária das esmolas - o que
quase sempre acontece quando são dadas ao Pároco para as ne­
cessidades paroquiais de manei ra geral e o benfeito r nada condi­
ciona expressamente, - o Pároco deverá, segundo o e. 1 1 82, § 2, ·

·p restar anualmente conta ao Ordinário do lugar sôbre a adminis­


tração ou aplicação destas esmolas 24 . E' por conseguinte o b rigação
do Pároco assentar e anotar exatamente a entrada e saída dêstes
donativos.
Quan do, porém, a propriedade n ão passa à Paróquia, - o
que sempre se pode supor quando as esmolas são dadas para fins
determinados - n ão existe a obrigação de p restar contas ao Sr.
Bispo. Neste caso, o P ároco é apenas o portador o u distribuidor
das esmolas. Em se tratando, porém, de bens fiduciários propria­
mente ditos, observe-se o cânon 1 5 1 6 2 5 .

23) Cfr. AAS, 1 926, p. 39 3 ; CpR, 1 926, p. 43 5 s s ; Cone. PI. Br.,


Decr. 1 1 5, § 2; Anonymus, o. e., p. 9.
24) Cfr. B e r u t t i, o. e., vol. Ili, p. 3 1 2, n . 1 42.
25) Cfr. REB, 1 943, fase. 2, p. 396.
970 O i 1 1 e s, · Os religiosos e as paróquias

O religioso permanecerá sempre sob a vigilância de seu Su­


perior, quer as esmolas passem a ser propriedade da Paróquia,
quer não 2 a .
4) As irmandades, sodallcios e associações
As irmandades, sodalícios e associações com personalidade
jurídica administram seus bens independentemente do Pároco, Ca­
pelão ou Moderador. A administração será feita pelos administra­
dores legitimamente eleitos conforme os estatutos. (C. 697 ; todos
os anos têm de prestar contas ao O rdinário do lugar, cc. 69 1 , § 1 ;
1 525. ) Se fôr necessário, o Pároco, ou o religioso ao qual está
confiada: a sua direção, lembrar-lhes-á esta obrigação.
5) Institutos pios (hospitais, escolas, etc.)
Quanto à prestação de contas podemos distinguir três clas­
ses : Institutos pios leigos, institutos pios canônicamente eretos, ins­
titutos pios pertencentes a pessoas jurídico-eclesiásticas.
a) Institutos pios leigos 2 1 . São os que foram fundados ou
por pessoas particulares, sej am leigos, clérigos ou religiosos, ou,
como não raras vêzes acontece, por sociedades não-eclesiásticas,
mas não foram ainda positivamente reconhecidos pela autoridade
eclesiástica. Os bens dêstes institutos leigos não são bens ecle­
siásticos e ·p or conseguinte os seus administradores, sejam leigos,
clérigos ou religiosos, não estão obrigados a prestar contas ao Or­
dinário do lugar 2 s . Caso, porém, tais institutos recebam legados ·

ad causas pias 2 0 , o Ordinário tem o direito e o dever de cuidar


que · a vontade do benfeitor seja fielmente cumprida, podendo para
isso, se necessário fôr, levar a efeito a visita e exigir conta da
aplicação dêstes legados. ( Cc. 336, § 2; 1 5 1 5 .) s o
b) Institutos pios canônicamente eretos s 1 , embora sejam con­
fiados a religiosos isen tos, são obrigados a prestar anualmente
contas da administração econômica ao Ordinário do lugar. ( Cc.
1 525 ; 1 492, § 1 .)

26) Cfr. Cânon 630, § 4; B e r u t t i, o. e . , vol. Ili, n. 1 42, p. 3 1 2 ;


REB, 1 943, fase. 3 , p. 657.
27) Os institutos pios leigos não devem · ser confundidos com os pro­
priamente chamados profanos. Os leigos sempre supõem um fim sobrenatu­
ral de religião ou de caridade, enquanto os p rofanos só procuram o bem
meramente natural : são produtos da filantropia humana e não da caridade
cristã. Quase todos os institutos fundados pela autoridade civil, hoje po­
dem ser considerados profanos. Cfr. V e r m. - C r e u s e n, o. e., vol . l i,
·n . 8 1 2 ; C o r o n a t a, o. e., vol. l i, n. 1 024, p. 429.
28) Cfr. V e r m. - C r., o. e., vo l . li, n. 8 1 2, p. 463 ; AAS, 1 92 1 , p. 1 1 5
ss ; C o r o n a t a, o. e., vol . li, n. 1 065, p. 478.
29) Cfr. REB, 1 943, fase. 2, p. 388.
30) Cfr. C a p e 1 1 o, o. e., vol . l i, 11 . 9 1 0, p. 5 1 0 ; C o r o n a t a, o. e.,
vol. li, n. 1 024, p . 429.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, ®zembro 1 943 97 1

e) Quanto aos institutos pios pertencentes a pessoas jurídico ­


eclesiásticas, geralmente trata-se de institutos por elas mesmas fun­
dados ; podem, entretanto, também constituir bens de fundação pia.
Para o caso de prestação de contas é de mister notar, qual seja
a pessoa a quem pertence o instituto :
l .º Se o instituto é propriedade de religiosos isentos, não existe ne­
nhuma obrigação de prestar conta da admin istração temporal ao Ordinário
do lugar, mesmo no caso em que se trate duma fundação pia. (C. 1 550. ) 3 2
2.0 Se pertencer a religiosos não-isentos de direito pontifício (e. 488,
3.0) a obrigação de prestar contas só u rge : anualmente, caso o instituto
constitua uma fundação pia (e. 1 549) ; e tôda vez que o Ordinário o exi­
gir, quando o i nstituto foi fundado com fundos pecuniários no sentido
do cânon 533, § 1 . (C. 535, § 3, 2.0) 33
3.º Institutos -p ios pertencentes a religiosos iuris dioecesani estão obri­
gados a prestar conta ao Ordinário do lugar sempre que êle o exigir.
(C. 535, § 3, 1 .º)
4.0 Pertencendo o instituto à Paróquia, a prestação de contas é obriga­
tória, como a dos demais bens paroquiais, quer a Paróquia sej a incor­
·p orada, quer não.
5.0 Enfim, se o instituto pertencer a uma i rmandade, a um sodalfcio
da Ordem I l i , ou em geral a uma associação com personal idade j u rfdico­
eclesiástica, a .p restação de contas ao Ordinário do lugar deve ser feita,
anualmente. ( C. 1 525. )

6) Prestação de contas s"bre a administração dos bens conventuais


Quando e a quem os administradores, dentro da sua própria
Ordem ou Congregação, têm que prestar contas, determinam as
Constituições ou estatutos dos respectivos religiosos. Quanto à pres­
tação a ser feita ao O rdinário do lugar, o Código determina o
seguinte :
1 .0 Tôdas as Moniales devem prestar anualmente contas da
administração ao Ordinário do lugar e outrossim ao Superior re­
gular, caso o convento esteja sujeito ao mesmo. ( C. 535, § 1 , 1 .0)
2.0 Todos os religiosos iuris dioecesani podem ser obrigados
a prestar contas ao Ordinário do lugar. ( C. 535, § 3, 1 .0)
3.0 Tôdas as irmãs estão obrigadas a prestar contas sôbre
a administração dos dotes, e isto por ocasião da visita canônica,
podendo contudo repetir-se mais vêzes, caso o Sr. Bispo o exija.
( C. 535, § 2 .)
4.0 Todos· os religiosos de direito pontifício são geralmen­
te independentes do Ordinárfo do lugar, na administração de seus
bens, salvo os casos em que o Código determina expressamente o
contrário. (C. 6 1 8, § 2, 1 .0) Tal dispositivo contrário encontramos :
3 1 ) Cfr. REB, 1 943, fase. 2, p. 3 80.
32) Cfr. C o r o n a t a, o. e., vol. l i, n. 1 03 1 , p. 434 ; REB, 1 943, fase. 2,
p. 395, 7.0
33) Cfr. REB, 1 943, fase. 2, p. 399.
972 Oi 11 e s, Os religiosos e as paróquias

a) para todos os religiosos : no cânon 533, § 1 , 4.0, quanto ao


dinheiro recebido em benefício duma Paróquia ou Missão, que por
êles só poderá ser frutuosamente colocado com a licença do res­
pectivo O rdinário e de cuj a administração devem prestar contas
ao mesmo Ordinário, quando êle o exigir 3 4 ; no cânon 1 5 1 6, a res­
peito dos bens fiduciários para causas pias, sujeitas à jurisdição
do Ordinário do lugar 3 5 ; b) para os religiosos não-isentos : no
cânon 533, § 1 , 3.0, quanto à colocação de fundos recebidos para
fins religiosos e caritativos 36 ; nos cc. 1 545- 1 549, a respeito das
fundações pias 37 .
34) Cfr. REB, 1 943, fase. 2, p . 40 1 .
35) Cfr. REB, 1 943, fase. 2, p . 396.
36) Cfr. REB, 1 943, fase. 2, p . 398.
37 ) Cfr. REB, 1 943, fase. 2, p . 392.

A contribuição franciscana na formação


religiosa da Capitania das Minas Gerais
por Frei Bas11io Rõ w e r, O. F. M., Convento de S. Antônio,
Rio de janeiro

Escreve A u g u s t o d e L i m a j ú n i o r em seu excelente


l ivro A Capitania das Minas Gerais que os frades de S. Francisco
merecem homenagens especiais por seus serviços apostól icos presta­
dos na Capitania de Minas Gerais.
Estas palavras do i lustre escritor e o fato, observado nas
nossas visitas, de a imagem de S. Francisco se encontrar em ma­
trizes do Interio r que aparentemente nada têm com a Ordem fran­
ciscana ( Caeté, Taquaraçu, Lagoa Santa) sugeriram-nos o pensa­
mento de consultar as fontes que temos à disposição sôbre a par­
ticipação franciscana na formação rel igiosa do povo mineiro no
século XV I I I . Fizemo-lo. Se as noticias colhidas não são abun­
dantes, s ão, contudo ap reciáveis, porque de fato atestam que a co­
laboração franciscana em prol da Religião nas Minas não foi de
somenos importância.
A H istória de Minas começa propriamente com o descobri­
mento de ouro e pedras p reciosas no fim do século XVI I. A sêde
de riqueza atraía uma imensidade de gente. Vinham afluindo da
Bafa, de Pernambuco, de São Paulo e " a Capitania de São Vi­
cente em pêso se deslocou para o novo território" .
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezem b ro 1 943 973

Sôbre as levas de imigrantes que vinham de Portugal a par­


ticipar dos tesouros que estavam à mão com tanta facilidade, tem
o citado escritor estas passagens :
" D o Minho, de T rás os Montes, das Bei ras, desciam caudais humanos
q u e disputavam l ugares nas n aus que, form·a ndo grandes comboios, par­
tiam para o B rasil. Fidalgos, militares, negociantes, a rtífices: trabalha­
d o res do campo ven diam tudo quanto possuiam e l a rgavam-se cegos de
ambição pelo o u ro do B rasil. A própria Capital do Reino via sair, aos
grupos, indivíduos de tôdas as castas, que se lançavam à aventu ra nas no­
vas terras descobertas pelos paul istas. Pelos livros de n avegação, pode-se
em cálculo aproximado estimar que, de 1 705 a 50, mais de vinte m i l pes­
soas deixavam a n u almente Portugal em busca do B rasil." 1
N ão faltava aos adventícios espírito rel igioso. Apenas locali­
zados, erigiam uma ermida de taipa de sebe, colocando nela o Santo
de sua devoção. E ra o ponto de reunião para l adainhas e benditos.
A seu redor s e formava o arraial, berço de posterior vila e cidade.
Mas, por mais profundo que fôsse o sentimento religioso, na vida
prática campeava a dissolução dos costumes, ódios, vinganças com
mortes sem conta. " Somente cuidadosos dos haveres que desco­
briam, [ viviam ] sem fazerem caso dos preceitos da Igrej a, por­
que muitos n ão acudiam sequer uma vez no ano a confessar-se e
comungar ; a Missa n ão gastavam tempo em ouvi-la ; o jejum não
lhes causava mortificação, porque em quaresmas e mais dias proi­
bidos comiam carne, e em tudo o mais a lei de D eus desatendida." 2
A notícia dêste estado moral precário chegou ao conhecimen­
to de D. Ped ro I I, Rei de Portugal de 1 683 a 1 706. Para reme­
diá-lo dirigi u-se aos Superiores das Ordens religiosas estabeleci­
das na vasta diocese do Rio de janeiro, a fim de mandarem os seus
Religiosos missionar nas Gerais. Refere Frei A p o 1 i n á r i o d a
C o n c e i ç ã o, cron ista da nossa Província, n o seu livro Primazia
Será/ ica, editado em 1 733, que os Religiosos das outras Ordens
n ão quiseram encarregar-se da i ncumbência, senão os Francisca­
nos e atribui isto à P rovidência divina que quis fôssem os filhos
de São Francisco os refórmadores dos costumes n a Capitania.
Ouçamo-lo :
"Era no princip io aspérrima a j ornada pela fragosidade das terras e
caminhos mal abertos, e nêles se não achavam casas, mas sim corpos de­
funtos e o utros que estavam acabando sem mais companhia que a do mal
de que finalizavam ; o mantimento era p reciso conduzi-lo, o risco do gen­
tio não se desp rezava, com que, o u por êstes inconvenientes, o u porque
q u i s o Céu se devesse a reforma das Minas aos Religiosos da O rdem se­
ráfica, não aceitando as mais Rel igiões [ O rdens] esta árdua emprêsa, lhe
d e u feliz princip i o minha santa P rovín cia, e continuou fervorosa a mes­
ma missão p o r mais de vinte anos com . . . singulares efeitos." 3

1 ) A u g u s t o d e L i m a j ú n i o r, A Capitania das Minas Gerais, 32.


2) F re i A p o 1 i n á r i o d a C o n c e i ç ã o, Primazia Serdfica na Re-
gião da A mérica, 67. 3) I dem, ibidem.
974 R õ w e r, A contribu ição franciscana, etc. ·

Convém lembrar que desde os últimos decênios do século XVII,


depois que os Franciscanos do Sul do Brasil se constituíram em
Província autônoma em virtude do Breve do Papa Clemente X, de
1 5 de julho de 1 675, os Nossos desenvolveram dilatada atividade
missionária em tôdas as Capitanias. Nas do Sul, o número de seus
missionários chegou a ultrapassar o de tôdas as outras O rdens
juntas 4 .
Com o fervor de apóstolo, pois, iniciaram os F ranciscanos a
obra missionária nas Minas Gerais e o primeiro que percorreu as
inóspitas regiões foi Frei A r c a n j o d a A s c e n s ã o. E' fácil
imaginar as peripécias, privações, perigos e fadigas no vencer as
distâncias de uma povoação a outra. Acontecia caminhar léguas
e léguas e noites em seguida para socorrer a algum moribundo.
Como bom filho de São Francisco, quis Frei Arcanjo ser um
anjo de ,p az entre os colonos que se degladiavam mutuamente nas
rixas constantes que conduziram à guerra chamada dos Emboa­
bas. Mas a sua missão de paz foi mal interpretada e mais de uma
vez teve de subtrair-se ao punhal ou à escopeta com que os irre­
conciliáveis tentaram dar-lhe a morte. C om a consciência tranqui­
la, esperando só de Deus a recompensa, Frei Arcanjo continuou
o trabalho de pregação, administração dos Sacramentos e extir­
pação dos vícios. D epois de tornar ao Rio de janeiro, êste missio­
nário voltou mais uma vez às Minas em companhia do Governador
Antônio de Albuquerque, que o escolhera para seu Confessor. No
Capitulo de 1 7 1 0, Frei Arcanjo foi isento de fazer hebdómadas e
de pregar, provavelmente em atenção à sua avançada idade e fôr­
ças quebradas. Não consta precisamente o ano de sua morte 5 .
As jornadas de Frei Arcanjo através dos sertões de Minas
abriram o caminho a outros m issionários franciscanos que partiam
do Convento de S. Antônio do Rio de janeiro. Em 1 7 1 6, o povo
mineiro pediu o estabelecimento de três Hospícios franciscanos
(o G ovêrno não permitia Conventos) , o que porém a Metrópole
não concedeu por se dizer n a Informação que as povoações não
tinham ainda muita estabilidade. Em compensação, todavia, o Pro­
vincial teve ordem do Rei para mandar todos os anos dois Re­
·l igiosos de virtude e prudência a missionar nas coma rcas de S. joão
de E l-Rei, Mariana e Ouro Preto, que eram os centros principais ª·
Desde então, pois, as missões populares, pregadas pelos Francis­
canos, realizavam-se, se não com regularidade anualmente, certa­
mente com frequência.
4) Tombo Geral da Provlncia, 1, fls. 90, 90 v.
5) Frei A p o 1 i n á r i o, Primazia, 65.
- Frei D i o g o d e F r e 1 t a s,
Elenco, n.º 80. - Tombo Geral da Provlncia, 1, fls. 1 4 1 v.
6) Tombo Geral, 1, fls. 150 v., 1 5 1 .
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 9T5

Por onde andavam êsses operários evangélicos, reconcil iavam


os pecadores, promoviam o perdão dos agravos, a restituição da
honra e fazenda, apaziguavam inimizades e legalizavam uniões ma­
trimoniais il ícitas. Pregavam com a palavra, pregavam com o exem­
plo. E tão eficaz foi êste que em menos de trinta anos mais de
doze jovens se fizeram Religiosos na nossa Provinda 7. Entre estas
vocações conta-se também a do Vigário de Passagem de Ouro
Branco, que tomou o hábito em 1 730 ou 32 e é conhecido pelo
nome de Frei A n t ô n i o d o E x t r e m o. Tornou-se o grande
apóstolo, que não somente missionou nas Minas, na comarca de
São joão de El-Rei, mas principalmente em Goiás, Mato Grosso
e em todo o S ul, vindo a falecer em S ão Paulo em fevereiro de
1 753 s .
Outro indefesso trabalhador foi Frei M a n u e 1 d o S a c r a­
m e n t o S i 1 v a, com o título de Missionário Apostólico � que em
1 758 achamos presente em Mariana, onde concorreu para a fun­
dação da O rdem Terceira 9.
Além dêsses nomes de missionários nas Minas (as notícias
são muito escassas) , achamos nas tábuas capitulares de 1 779 a
83 nomeações de outros, caindo a nomeação três vêzes em Frei
J o s é M a r i a n o d o A m o r D i v i n o, que sempre teve com­
panheiro 1 0 . Remetemos o leitor também ao que adiante diremos
sôbre os esmoleres e Comissários das Ordens Terceiras.
Sôbre como foi estimado o trabalho dos nossos missionários
escreve Frei A p o 1 i n á r i o : "Tem a Província certidões do mui­
to fruto que êstes Missionários nêles [ no povo] faziam, umas dos
Párocos, outras das Câmaras e Governadores, entre as quais se
acha uma do Senhor D. L o u r e n ç o d e A l m e i d a ( 1 72 1 -32 ) ,
constando d e vários elogios, significativos do grande serviço que
a Deus fizeram os últimos que em seu govêrno foram
à tal missão." 11
Pesquisando no Novo Orbe Seráfico de Frei J a b o a t ã o, en­
contramos notícias individuais de um missionário franciscano na
Capitania das Minas Gerais não pertencente à nossa Província,
mas à de S. Antônio, do Norte do Brasil . E' Frei . M a n u e 1 d e
S. O r s u 1 a, gigante de missionário que em sua vida de após­
tolo andou mais de 3.400 léguas. Naquele tempo, o Norte de Mi­
nas .p ertencia eclesiasticamente aos Bispados da Baía e Pernam­
buco ; mas as divisas eram indecisas de modo que representan-

7) Frei A p o 1 i n á r i o, Primazia, 64.


8) Frei B a s 1 1 i o, A Ordem Franciscana no Brasil, 1 34.
9) Frei D i o g o, Elenco, n.º 2 89 .
10) Pastorais de /tu, 1, fls. 2 1 v. 27 v. 39.
1 1 ) Frei A p o 1 i n á r i o, Primazia, 64.
976 Rõ w e r, A contribu ição franciscana, etc.

tes dos ditos Bispados apareciam às vêzes diante das ·portas de


Sabará. Frei S. ú rsula, que com perigo, fomes e sêdes atraves­
sou regiões incultas e rios caudalosos, andando às vêzes muitos
dias sem encontrar alma de cristão, mas indios de quem teve de
fugir, in iciou a primeira missão em 1 748, na freguesia de Para­
catu, onde as minas de ouro foram descobertas em 1 744. Encon­
trou uma situação religiosa lamentabil íssima ; as famílias viviam
em ódios mortais e quase n ão passava um dia sem haver morte.
Frei S. úrsula l utou com vigor contra o espfrito das trevas, não
sem êste tentar perturbar a grande procissão no fim da missão, re­
conciliou as famílias e desde então não houve mais homicídios.
Finda esta missão, o incansável missionário foi arrotear a vinha
do Senhor em outros povoados e freguesias, chegando a penetrar
as dioceses de Mariana ( criad;l em 1 7 45) e do R io de Janeiro.
Em 1 757, recolheu-se ao Convento da Baía 1 2 .
Além dos Franciscanos das Províncias da Imaculada Concei­
ção e de S. Antônio, foram ainda outros filhos de São Francisco
que fizeram ouvi r a sua voz apostólica nas Minas Gerais, no sé­
culo XVI I I .
A í está e m primei ro lugar o próprio Bispo do R i o d e Janeiro
( 1 725 a 40) , D . Frei A n t ô n i o G u a d a l u p e. Pertencia à
Província franciscana de Lisboa. No ano imediato à sua posse, es­
tando a par das necessidades espirituais que sofriam as suas ove­
lhas no extenso território das Gerais, empreendeu a penosa viagem
para o longínquo Interior, demorando-se dois anos ; e nos anos
de 1 733 e 35 repetiu as visitas 1 a . N ão achamos mencionadas as
localidades por onde andou o vigilante Pastor, a não ser que estêve
no sertão de S. Luzia do Rio das Velhas, onde, em 1 727, tomou
sábias providências com relação ao Recolhimento de Macaúbas 14 ,
de que mais adiante nos ocuparemos. P i z a r r o refere em têr­
mos gerais que "espa'rgiu naquele país as luzes da virtude", "co­
lheu o dil igenciado fruto, tanto proveitoso à Igrej a como às almas,
encaminhadas com o seu exemplo à prática dos deveres morais." 1 5
E não era de esperar outra coisa ; pois, além de ser o primeiro
P relado diocesano que percorreu as Minas Gerais, era sacerdote
e Religioso de grande virtude e zeloso do serviço de Deus, o que
tudo mostrou durante os anos de sua administração.
Com o início das visitas pastorais de D . Frei G uadalupe, coin­
cide o aparecimento nas Minas dos PP. C apuchinhos italianos. Tam-

1 2) Frei j a b o a t ã o, Novo Orbe Serdfico, li, 796 ss.


1 3 ) P i z a r r o, Memórias, IV, 1 45 ss.
1 4) D. j o a q u i m S i 1 v é r i o d e S o u s a, Sltios e Personagens,
2. ed., 259 ss.
1 5 ) P i z a r r o, op. cit. 1 v., 1 46.
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 977

bém êstes filhos de S. Francisco têm a sua quarta parte na forma­


ção religiosa da população mineira. Vieram dois casualmente ao
Rio de janeiro em 1 72 1 ; mas em 1 723 tiveram licença de Roma
para ficarem. Chegando, em 1 725, o Bispo D. Frei Antôni o Gua­
dalupe, puseram-se à sua disposição e no ano seguinte foram às
Minas preparar com missões a visita do Prelado. O Recolhimento
de Macaúbas guarda grata recordação de Frei j e r ô n i m o d e
M o n t e R e a 1, que elaborou Estatutos para as Recolhidas, con­
tribuiu com o seu conselho para se fazer a mudança da Casa para
o sítio atual e, estando em 1 733 a m issionar em Sêrro Frio, ti­
rou esmolas para a nova construção 16. Outros Capuchinhos tra­
balharam com muito fruto na Capitania em 1 7 42 ( du rante dois
anos} , sendo-lhes oferecido pela Câmara de Vila R ica sítio para
Hospício com Capela, o que porém não aceitaram. No mesmo ano
de 1 742, dois Religiosos da mesma O rdem acompanharam o Bis­
po D . j o ã o d a C r u z ; e em 1 748 pregou nas Minas Frei L u i s
M a r i a d e F o 1 i g n o. Durante os anos de 1 753 a 56 palmilha­
ram os sertões da Capitania os Capuchinhos Frei j o ã o F r a n­
c i s c o d e O ú b i o e Frei F é l i x d e C r e m o n a. De 1 759
a 64 dedicou-se de novo às missões das Minas o citado Frei Luís
Maria de Foligno. Foi o último no tempo a que se estendem as nos­
sas investigações. Surgiram, em 1 764, dificul dades causadas pelas
relações tensas entre Portugal e o Vaticano, e pelo fim do século
XV I I I faltavam aos Capuchinhos suficientes missionários 1 7 ,
Com i sto concluimos o l igeiro esbôço que o resultado das
nossas pesquisas permite fazer sôbre as missões populares com
que os filhos de São Francisco contribuíram para a formação,
conservação e solidificação da vida religiosa na Capitania das Mi­
nas Gerais.
Passemos agora a ocupar-nos com outras Instituições ou fa­
tores franciscanos que não é lícito ter em pouca conta ao estudar
a paisagem espiritual das Minas Gerais no tempo colonial.
Observan do a ordem cronológica, colocamos em p rimeiro lu­
gar o Recolhimento de Macaúbas. Foi fundado em 1 7 1 6 no ser­
tão de S. Luzia, junto ao Rio das Velhas, pelo piedoso alagoano
F é 1 i X d a c o s t a, coadj uvado pelos irmãos. Depois de fun­
cionar 1 7 anos na primeira Casa, deu-se in icio ao atual grande
mosteiro, em que as Recolhidas viviam uma vida espi ritual tôda
vazada de piedade franciscana. Vestiam o hábito das I rmãs da
Conceição, recitavam sempre em comum o breviário franciscano,
São Francisco era o seu Patriarca e franciscanas as suas devo-
1 6) Frei A p o 1 i n á r i o d a C o n c e i ç ã o,,_ Claustro Franciscano, 1 72.
1 7 ) Frei F i d é 1 i s M. d e P r i m e r i o, v. M. C., Capuchinhos em
Terras de Santa Cruz, 202 ss.
978 R o w e r, A c o n t r i b u ição francisca n a , etc.

ções prediletas. D e Francisco imitaram a devoção a D eus Meni­


no e, em particular, êsse amor a jesus Sacramentado, que ·n elas
se paten teou no lausperene, p raticado documentadamente já an­
tes de 1 725, conservando-se dia e noite duas Recolhidas no côro
em adoração. Em 1 788, o P rovincial Frei J o s é d o D e s t ê r r o
autorizou a recepção das Recolhidas n a Ordem Terceira, admi­
tindo-as, nesta qualidade, à obediência da P rovfncia 1 s .
Era o Recolhimento de Macaúbas não somente um recinto
onde floresciam almas ornadas com os esplendores da virtude,
como atestavam as Autoridades eclesiásticas e civis e Frei A p o­
i i n á r i o confirma em 1 740 1 0 ; mas também um centro de edu­
cação, aond e as melhores familias mandavam as suas filhas, visto
não existir n a Capitania outro Instituto ·p ara semelhante fim 2 0 .
A coadj uvação das Recolhidas de Macaúbas n a formação e con­
solidação da Religião nas Minas foi eficiente porque elas mesmas
davam o exemplo de uma moral elevadfssima e principalmente
porque pelas suas educandas, futuras mães de familia, formadas
no genufno espf rito religioso, a boa moral se espalhava largamen­
te pelos l a res. As Recolhidas de Macaúbas, sej a p elas manifesta­
ções de sua própria piedade, sej a pelo modo como orientavam a
piedade das educandas, contribuíram também para imprimir à re­
l igiosidade m ineira o acentuado cunho f ranciscano que persiste
até os nossos dias. Haja vista o culto da Imaculada Conceição, tão
profundamente enraigado na devoção do povo, a devoção ao Meni­
no jesus, à P aixão de Cristo e ao S S . Sacramento 2 1 .
já florescia em Macaúbas o Recolhimento da Conceição, pois
em 1 725 contava trinta e duas Recolhidas, quando em Vila Rica
( O u ro Preto) se fundou, em 1 726, o primeiro Hospfcio da Terra
Santa. V ieram a estabelecer-se outros e de alguns dêles dependiam
ainda pequenas casas, chamadas " Peditórios" , em diferentes loca­
lidades. Até 1 750, achavam-se Hospícios ou Peditórios nos se­
guinte s lugares : Vila Rica, com peditórios em Mariana, Meia Ponte
( Pirinópolis) , A raxá; Sabará; São joão de El-Rei, com peditórios
em Campanha e Sêrro Frio, posteriormente unido ao de Dia­
mantin a 2 2 .
Percorriam os esmoleres as cidades e vilas da Capitania, re­
colhendo donativos, alistando os fiéis ·n a I rmandade, distribuindo
1 8) Tom b o Geral da Provlncia, I l i , fls. 1 22.
1 9) frei A p o 1 i n á r i o, Claustro Franciscano, 1 72.
20) O Recolhimento da Chapada começou muito depois do de Ma­
caúbas e não teve longa existência. D. J o a q u i m S. d e S o u s a, op.
cit. 323, nota.
2 1 ) D. J o a q li i m S. d e S o li s a, op. cit. 245 ss.
22) frei A p o 1 i n á r i o, Claustro, 1 07. frei S a m u e 1 T e t t e­
-

r o o, O. f. M., A Ordem dos Frades Menores no Brasil 77 ss.


,
Revis�a Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 979

recordações dos Lugares Santos. Isto não podiam fazer sem se


tornarem pregadores da fé, principalmente se eram sacerdotes,
pois tinham de falar forçosamente sôbre jesus e a sua obra de
Redenção. O povo, além disso, via o bom exemplo que o:; esmo­
·l eres davam e edificava-se com as fadig.as que por amor de jesus
arrostavam nos seus peditórios. Os altos cruzeiros com as insígnias
da Paixão e as capelas da Santa Cruz, ainda hoje frequentes no
Interior de Minas, atestam a passagem dêsses abnegados filhos de
São Francisco e a devoção a jesus Crucificado que souberam plan­
tar tão fundo no coração do mineiro.
Mas a Capitania era visitada também por outros esmoleres.
E ram os que pediam esmolas para os Conventos franciscanos. A
pobreza voluntária por amor de Deus é o apanágio dos filhos do
Pobre de Assis ; viviam como vivem hoje dos donativos que rece­
bem ou como esmola ou como retribuição de seus trabalhos. En­
viavam os Superiores os seus Religiosos ao Interior. Geralmente
eram sacerd�tes que, recebendo o pão material, distribuíam o es­
piritual no exercício do ministério sagrado. Descalços, vestidos de
hábito e manto côr de cinza 2 s e enorme chapéu da mesma côr,
sem guarda chuva, que era vedado, mas com o inseparável bastão
de peregrino, acompanhados de um camarada para receber as es­
molas e m dinheiro, e tocando um lote de animais, eis como os
esmoleres franciscanos palmilhavam o pó ou a lama das estradas
da Capitania, de vila em vila, de aldeia em aldeia, de porta em
porta, a repetir : " U ma esmola pelo amor de Deus, para a Reli­
gião de São Francisco." .Quem podia, dava, e o esmoler agrade­
cia dizendo : " São Francisco lhe acrescente." Quem não podia,
dizia : "Deus o favoreça, Irmão." E o frade retirava-se com as pa­
lavras : " Seja tudo pelo amor de Deus." Frei A n t ô n i o d e S.
T e r e s a N a z á r i o percorreu assim as Minas Gerais durante
alguns anos, desde 1 765, e cremos que foi cwi1 esta vida de pri­
vações que se lhe inoculou o germe da longa doença de que veio
a falecer em 1 789 24 .
No mesmo ano morreu Frei j e r ô n i m o d e S. R o s a,
.que foi esmoler durante tôda a sua vida, nas Capitanias do Rio
de janeiro e Minas, e dêle Frei D i o g o d e F r e i t a s 2 5 atesta
- expressamente que foi grande auxiliar dos Párocos para o ato de
desobriga.
Consta o nome de mais alguns esmoleres nas Minas Gerais.
23) A côr e forma de hábito dos Franciscanos estão unificadas em
1ôda a Ordem somente de 1 897 para cá.
24) Registo dos Religiosos Europeus, 1, fls. 49. - Frei D i o g o d e
F r e i t a s, Elenco, n.º 352.
64
980 Rõ w e r, A contribu ição franciscana, etc.

E' só considerar um pouco de perto a vida de abnegação do


esmoler, o uvi-lo no púlpito das igrej as a falar sôbre a caridade
cristã e assegurar aos benfeitores as orações da Comunidade e nos
dias seguintes vê-lo no seu humilde peditório na vila e pelos cam­
pos a fora, para se convencer da influência benéfica que exercia
o aparecimento do esmoler sôbre a mental idade dos moradores.
Com o fazer bem por amor de Deus _ cultivavam o sentimento re­
ligioso, e êste por sua vez moralizava os costumes. estes esmole­
res, portanto, como os da Terra Santa, eram inegavelmente cola­
boradores para a formação rel igiosa e depois para o aumento da
Rel igião na Capitania das Minas Gerais.
Chegamos ao último fator f ranciscano que contribuiu para o
florescimento da Religião na Capitania das Minas Gerais. E' a
Ordem Terceira da Penitência.
Foi ela fundada por S ão F rancisco para os seculares que nas
familias e no mundo quisessem imitar os Religiosos, levando uma
vida mais perfeita. A essência da Regra que lhe ditou o seráfico
Pai e que teve nova redação pelo imortal Papa L e ã o X 1 1 1
consiste n a pureza da fé e costumes, observância das leis de Deus
e da S . Igrej a e na caridade para os I rmãos, principalmente doen­
tes e pobres. A experiência de séculos tem mostrado que os Ter­
ceiros, com a observância de sua Regra e bem dirigidos, tem sido
ótimo elemento para o florescimento da vida cristã.
Por êste motivo, os Religiosos da P rimeira O rdem seráfica,
uma vez estabelecidos com Conventos no Brasil, nunca esmore­
ceram na p ropaganda pela O rdem Tercei ra, e nãa somente nas
suas igrej as, mas também em outras fundaram " Penitências" e
dirigiram-nas ou em pessoa ou por sacerdotes seculares, comis­
sionados pelo P rovincial.
E convém notar que, seguindo os Terceiros do Brasil os Es­
tatutos G erais adotados em Portugal, além da assembléia mensal
com prática, reuniam-se com mais frequência para exercicios pie­
dosos (os homens até praticavam a disciplina) , e a recepção da
S . Comunhão j á n aquele tempo estava p rescrita para todos os
meses. L argamente se exercia a caridade para com os I rmãos ne­
cessitados.
Tendo p resente tudo isto, é forçoso reconhecer que São F ran­
cisco criou com a sua terceira Instituição a vanguarda do catoli­
cismo entre os seculares. L e ã o X 1 1 1 , quando Bispo de Perúgia,
dizia que n a sua diocese aquelas Paróquias eram as melhores em
que florescia a O rdem Terceira de S. Francisco.
25) Frei D i o g o, Elenco, n .º 363.
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 U81

Na Capitania das Minas Gerais, apesar d e a Metrópole não


permi tir Conventos, a Ordem Terceira franciscana se espalhou
mais do que em qualquer outra parte. A primazia compete a Vila
Rica, onde foi fundada em 1 746 e tão fecunda se mostrou que em
seu distrito surgiram nada menos do que 1 6 filiais 2 6 , como nos­
so já falecido confrade Frei S a m u e 1 T e t t e r o o verificou, es­
miuçando o Livro das Correspondências dessa Ordem. Ainda em
1 794 foram nomeados Vice-Comissários -para 1 9 filiais, todos êles
com faculdade de receber na Ordem e admitir à profissão. Vila
Rica foi o oásis do franciscanismo nas Minas.
A Vila Rica associavam-se os distritos de São joão de El-Rei
e Diamantina, de modo que em todos os centros da antiga Minas
se achava estabelecida a Ordem Terceira da Penitência, incen­
tivando a piedade de seus Irmãos em proveito do florescimento da
Religião em geral .
De passagem seja dito que compete à Ordem Terceira fran­
ciscana a glória de com as esculturas nas igrej as de São Fran­
cisco em Ouro Preto e São joão de El-Rei ter criado o que exis­
te de mais belo nesse gênero de arte no Estado de Minas 27 • .

Se por via de regra o Comissário das Ordens Terceiras das


Minas era um Padre secular, não faltava a presença, pelo menos
temporária, de um Religioso, designado pelo Provincial para visi­
tá-las canônicamente, quer dizer, para vigiar sôbre a observância
da Regra, corrigir abusos e presidir as eleições. Demoravam-se
frequentemente alguns anos, exercendo ao mesmo tempo o múnus
de missionário.
Um documento avulso de 1 786, remetido de São joão de El­
Rei ao Provincialado, menciona quatro dêsses visitadores missio­
nários de 1 75 1 a 67 : Frei Boaventura de S. Salvador Cepeda
( 1 75 1 -53 ) , Frei Manuel do Livramento ( 1 756-62 ) , Frei Fernan­
do de S. josé Meneses ( 1 762-64) , e mais uma vez Frei Manuel
do Livramento ( 1 764-67.) O último do século de ouro foi o céle­
bre poeta Frei F r a n c i s c o d e S. C a r 1 o s, que em 1 796 fêz
26) Eram estas : 1 ) Catas Altas do Mato Dentro ; 2) N. Senhora de
Nazaré do lnficionado ; 3) Santa Bárbara ; 4) Piranga ; 5) S. josé da Bar­
ra Longa ; 6) S. Gonçalo da Ponte ; 7) Santa Ana de Paraopeba ; 8) N. Sra.
da Piedade dos Campos Gerais; 9) S. Antônio de Catas Altas de ltave­
rava ; 10) S. Antônio de Ouro Branco ; 1 1 ) N. Sra. da Boa Viagem de
lta b i ra ; 1 2) Carijós (depois Queluz, hoje Lafaete) ; 1 3 ) Rio das Pedras ;
1 4) Congonhas; 15) Sasuf e Redondo ; 16) Vila Real de Sabará. - Além
destas, houve ainda no século XVIII diversas fundações e algumas no sé­
culo XIX, como p. ex. Santa Luzia do Rio das Ve has e Caeté, onde a Or­
dem Terceira construiu a existente capela de S. Francisco, bastante gran­
de e com interessantes pinturas, entre 1 81 1 e 25.
27) Padre H e 1 i o d o r o P i r e s, O Aleijadinho ( I nfluências francis­
canas ) , pág. 94.
64•
982 R õ w e r, A contribuição franciscana, etc.

a viagem a Minai; em companhia de B ernardo josé de Lorena,


General de Vi la Rica 2 s .
Concl uindo o que íamos dizer sôbre a O rdem Terceira fran­
ciscana, vem a pêlo lembrar em particular o 1 r m ã o L o u r e n­
ç o, falecido em outubro de 1 8 1 9. D epois de ter sido dedicado es­
moler da Terra S anta, fêz-se Terceiro no Arraial d o Tij uco ( D ia­
mantina) em 1 763, tendo licença do P rovincial para trazer a des­
coberto o ·h ábito da O rdem. A sua pessoa envolve-se em certo mis­
tério e pouco se sabe a seu respeito. Mas o que consta é suficien­
te para se não apagar a · sua memória. Desde 1 774 construiu o
Santuário do Caraça, em que pretendia reunir uma comunidade sob
a regra de S . Francisco ou mandar vir para êle Fr:anciscanos de
Portugal. N ão o conseguiu. D e sua obra, entretanto, todos o sa­
bem quantos benefícios dela dimanaram em prol da Religião 2 9 .
Recapi t ulando, a Capitania das Minas Gerais foi beneficia­
da religiosamente pelos filhos de S . F ranci sco desde o comêço
de sua H istória com o descobri mento de ouro e pedras p recio­
sas. Os Franciscanos foram os seus primeiros missionários. Asso­
ciaram-se, e m 1 727, os P P . Capuchinhos. As Recolhidas da Con­
ceição de Macaúbas difundiram a espirituali dade franciscana com
a educação que, durante mais de século, deram às meninas de
seu Colégio. O s esmoleres da Terra Santa e dos Conventos per­
corriam a C apitania, fomentando o espírito religioso e a O rdem
Terceira, por fim, moral izava o i n divíduo e estabelecia os bons
costumes no seio da família s o .
Q u e o seráfico Pai S . F rancisco continue a i nterceder j unto
de Deus e da V i rgem I maculada e m favor do povo mineiro, para
que nêle sempre mais floresça a Religião, que é seu padrão de ·

glória.
28) Registo dos Religiosos Bras., fls. 63.
29) D. j o a q u i m S i 1 v é r i o d e S o u s a, op. cit., 43 ss.
30) Não abrange êste esbôço o tempo atual, em que os Franciscanos,
residentes em 2 Conventos e 1 9 Residênci as, exercem o ministério no Estado
de Minas.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, .dezembro 1 943 983

CO M U N I CAÇÕ ES
D. Jaime de Barros Câmarà, homenageado pelo Clero do
Rio de janeiro
Na reunião do Clero do Rio de janeiro, que se real izou em 4 de outu­
bro p. p., o Exmo. é Revmo. Sr. Arcebispo D. Jaime de Barros Câmara
foi saudado pelo Revmo. Mons. M a x i m i a n o d a S i 1 v a L e i t e que
proferiu o seguinte discurso :
Exmo. e Revmo. Sr. Arcebispo Metropolilano. - E' a primeira reunião
do Clero do Rio - em conferêndas eclesiásticas - a que preside V. Excia.
E' o Pastor que, em harmonioso concêrto com seus auxiliares, aqui se
acha para discutir planos, para afastar dificuldades, na campanha sagra­
da da conquista de almas para o céu l
Neste mesmo recinto, há mais de 40 anos, o 3.º Arcebispo do Rio, D.
A r c o v e r d e, instituíra as conferências eclesiásticas Por motivos que não
vêm à baila, tiveram vida efêmera . . .
Após a promulgação do novo C. D. C., o mesmo D. Arcoverde, já o
1 .º Cardeal da América Latina, pelo seu Vigário Geral Mons. F e r n a n­
d o R a n g e 1, restabelecera ditas Conferências. E desde então continuam
regularmente, p roduzindo seus frutos benéficos, quando mais não seja, dan­
do o ensejo de, ao menos uma vez por mês, se comunicarem os levitas do
Senhor, os sacerdotes que mourejam em prol do mesmo ideal, na porção
da grei que o Divino Mestre lhes confiou.
Os Estatutos que regem estas Conferências passaram por três refor­
mas : os primei ros eram mui sucintos e os segundos eram mais adstritos
ao Cân. 1 30 e aos seus três parágrafos do que os atuais.
S. Emcia. o Cardeal L e m e teve a delicada idéia de redigi r uma be­
la e edificante oração para ser recitada pelos sacerdotes reunidos; é uma
verdadeira consagração ao Coração Eucaristico de jesus.
Desde a segunda reforma dos Estatutos, ouvimos palavras autorizadas
e próprias para sacerdotes de lábios de venerandos Padres da Compa­
nhia de jesus : Pe. Locher, Pe. Madurei ra, Pe. Lombárdi, Pe. Natúzzi e
tantos outros Mestres.
Sr. Arcebispo, sou um dos veteranos assistentes a estas conferências,
desde -as primeiras presididas pelo Em. Cardeal Arcoverde ou por seu Vi­
gário Geral Mons. Fernando Rangel.
Sua Emcia. o Cardeal Leme levando em conta minha pouca virtude,
satisfez sua generosidade para com êste Clero que me dispensa estima,
conservando-me a seu l ado na presidência destas reun iões - presidência,
aliás, sem deveres especiais, cuja razão de ser outra não é senão a delica­
deza de Sua Emcia. ; é uma como Presidência /1011oris causa.
Há 1 6 anos tivemos diante de nós, ao lado do Em. Cardeal Leme,
a Mons. R o s a 1 v o C o s t a R ê g o. Estamos de parabéns, vendo-o re­
conduzido por V. Excia. ao pôsto que vinha ocupando com dedicação e com­
petência. Ninguém mel hor do que êle poderá ser o Cireneu valente de
V. Excia., continuando a ser para nós o Amigo leal do Clero.
Sr. Arcebispo, apesar de terem decorridos tão poucos dias de sua per­
manência entre nós, posso afirmar, em nome do Clero, que V. Excia. ga­
nhou a estima filial de vossos Padres do Rio. V. Excia. tem o fado sagrado
984 Comunicações

da despretensão das coisas terrenas . . . preocupam-lhe a alma de Pasto r


a s d o céu . . . V. E x c i à . n ã o trouxe p a ra o n osso meio eclesiástico com­
promisso al gum ; p ode-se dizer que V. Excia. nos não conhecia . . .
Foi o Espirita de Deus que no-lo pôs entre nós para nosso Guia e nos­
so Chefe esp i ritual. O Clero do R i o já vene ra e estima a V. Excia. não
pelo q u e disseram o s outros . . . mas sim pelo que j á ouvimos de V. Excia .
e vimos em sua pessoa : u m coração de Pai.
V. Excia. p refere-nos, a n tepõe-no s à s outras ovel has ! já d ivisamos
prolongar-se n o coração d e V. Excia. o confirma traires tuos de Cristo
a S. Pedro.
Exmo. Sr. A rcebispo, esta reunião é m a is um desafôgo de almas sa­
cerdotais a se alevantarem e spiritualmente d a orfandade dessa patern ida­
de esp i ritual que, saindo do seio de Deus, j amais desaparece, à maneira
da Fên i x da fábula, tão bem lembrada, alhures, por S. Paulo.
Por ·i sso, peço licença a V. Excia. me releve qualquer prolixidade e,
q u i çá, infantilidade de velho, em querer reco rd a r coisas que pareçam a l heias
ao fim destas conferências.
V. Exc i a . fechou s u a apostól ica l .ª Pastoral com um mimoso ln m e­
moriam, q u e ecoou p rofundamente em m e u coração de Padre do Arcebis­
pado de S. Paulo : dessa P rovfn cia Eclesiástica que é hoje, creio, a m a i o r
n a jerarq u i a d a I g rej a C atólica, Apostól ica, R o m a n a ( 1 3 D ioceses e m a i s
umas t r ê s em p erspectiva . . . ) , cuj o s Prelados t i n h a m a felicidade da p re­
sidência do Sr. D. j o s é G a s p a r, que no dizer de V. Excia. era "um
zelosíssimo Arcebispo, q u e Nos vinha esperar n o R i o de j aneiro, - tem di­
reitos especia i s à N ossa gratidão, à N ossa perene saudade ! 1"
Pois bem, p retendo, por u ns i nstantes, avivar tão merecida saudade . . .
E u d isse atrás que V. Excia. vem a n ó s p reced i d o de u m fado sagrado :
n a verdade, ·na Bíblia, tôda vez q u e se comemoravam feitos nacionais entre
o s j udeus e se estabeleciam governos sob a p redestinação de Jeová, Deus
Onipotente, a n te s de tudo, erguiam-se altare s para o holocausto d a vítima
propiciatória e d e ação de gràças.
O Exmo. S r . D. A q u i n o C o r r e i a, sempre eloquente e fel iz cm
seus conceito s, apontou-nos a vítima escol h i d a ; e a I .ª Rom e i ra do Congres­
so Eucarfstico de S. P a u l o, N . Sra. Aparecida, embalando-a em seu regaço
nos dias em que se lhe p reparavam festividades espec i ai s, a oferecia ao
céu para se r o pen hor d a s bênçãos de Deus p a r a o pasto reio do Arcebispo
d a Capital da Rept'1 b l i c a .
Permita-me ler o · belíssimo soneto de D . Fran cisco d e A q u i n o Corre i a .

O sacrifício
Ubi cst victima liolocaus t i t (Gn 22, 7 . )
A baía ampla e azul, a l i n d a Guanabara,
Sob a arcada dos céus, era u m temp l o , êsse d i a :
Entre n uvens de i n censo, ao sol de o u ro, se erguia,
Vasta, a Esco l a N aval, q u a l m ajestosa ara :
E r a o altar d o holocausto ! E d a a l ta serrania,
Cristo, à e spera, p a ra êle o s b raços a l a rga ra,
Um cantochão solene, a l ém, na serra c l a ra,
Se rra dos órgãos, lento e lento j á se ouvia . . .
M a s a vítima, ó Deus, o n de, onde está ela?
E que hóstia pode ser, i n d a que p u ra e bela,
D i g n a de tão grandiosa oferenda ao Senhor?
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 985

Fôste tu, meu irmão, tu, flor do Episcopado,


Que no esplendor da vida ao céu fôste imolado
Em mfstica obl ação de mocidade e amor !
Foi N. Sra. Aparecida quem atrapalhou os planos de V. E�cia : quis
Ela que V. E xc i a fôsse à terra paul istana partilhar da pungente dor de
seus filhos na o rfandade de um pai estremecido ; quis que V. Excia. sentisse
o contacto daquele peito que encerrara um coração abrasado de fé inte­
merata, um tabernáculo vivo de jesus ; e mais ainda : que, do seu Santuá­
rio Nacional da Aparecida, em seu nome, nos trouxesse V. Excia. as bên­
çãos de suas Dores Maternais, abrindo-nos V. Excia. seu grande coração
de Prelado !
Meus caros sacerdotes, meus Colegas, em vosso nome, afir·m o aqui, -
em vossa p resença - .ao Exmo. Sr. Arcebispo que �le pode contar com
nossa submissão filial, com nossa incondicional obediência.
Meus caros Colegas, tenhamos receio de contristar nosso Prelado ! Ali­
viemos-lhe o pêso da cruz que carrega.
Mons. "M a x i m i a n o d a S i 1 v a L e i t e (Rio)

Gênese histórica da festa e do oficio da "Epifania"


A festa da Epifan i a desenvolveu-se pouco a pouco. Acreditar que ela
surgiu de repente na vida da Igrej a é contra a expf!riência haurida dos
acontecimentos históricos. Muitos decênios eram n ece ssár io s p a ra se fixar
a festa da Assunção de Nossa Senhora, mu itos séculos para a festa da
Im aculada Conceição da Mãe de Deus. At é a .festa de Cr i st o Rei, que apa­
receu para ·n ão poucos inesperada no ano de 1 925 p o r iniciativa d e P i o
X 1, e s ta va p reparada desde mu ito tempo. A enclclica Quas primas diz-nos
como a prepararam : por grande quantidade de l ivros sôbre êste assunto ;
pela consagração de inume ráveis fam íli as, cidades e reinos e de todo o
gênero humano ao divino Coração ; pelos frequentes congressos euca rísticos,
e também pela p rópria reação contra o l aicismo e a situação moral de m u i­
tas pessoas, que não q u iseram reconhecer a soberania de jesus Cristo. A
encíclica deixou de mencionar a p ropaganda tenaz feita nos últ imos decê­
nios por um grupo de pessoas, com o n (1cleo central em Paray le Mon ial.
A festa da Epifania te m igualmente a sua história p rópria e o liturgista
deve-se submeter às leis das investigações históricas. Analisando e des­
crevendo o histo riador os fatos históricos, sempre pergunta - e isto é
p róprio da ciência histórica - como isto se poderia ter dado n a realidade.
Quando, po rém, se mencionam circunstâncias favoráveis ao desenvolvi­
mento de uma festa, não se afirma serem elas o germe do qual se origina
a festa. Tomemos um exemplo frisanfe : a festa da Aparecida é celebrada

n ó dia do grito do lpi ranga, data da independência n a c io nal . E' exato dizer :
o grito do lpi ranga d eu ensejo para se fixar a festa da Aparecida no dia
7 de setembro. Todavia não é exato afirmar : a festa da Aparecida deriva­
se do fato hi stórico do grito do l pi ran g a. O desenvolvimento da festa, a
contar do dia em que pescadores acharam a estátua de Nossa Senhora
no rio até o decreto da Congregação dos Ritos prescrevendo-a para o d ia
7 d e setembro, levou mais ou menos duzentos anos. E' um desenvolvi­
mento vagaroso, dependente de muitas circunstâncias privadas e públicas,
p rofanas e rel i g ios a s O resultado dêste conj unto é a festa da Padroeira
.

do B rasil no dia 7 de setembro.


986 Comunicações

Estas n o rmas são conhecidas. Contudo achamos oportuno lembrá-las


para evitar qualquer suspeita de q uerer derivar u m a festa eclesiástica de
fontes p rofanas. As linhas seguintes e m p a rte são resum o de u m artigo
publ icado na revista S timmen der Zeit ( 1 939, pág. 207-225, com a l itera­
tura ) , em p arte, q u anto à explicação d a origem do ofício, são o fruto d e
p róprias investigações.
1 . A f e s t a. - Epifania era um têrmo conhecido entre o s pagãos
e significava a aparição d o deus Apolo. Para o cristão (Dict. d'arch. V, 1 99 ) ,
"epifania" é o têrmo técnico, q u e significa n a teologia grega a incarnação
do Filho de Deus m a n i festada pelo seu n ascimento. A comemoração dos
três m i stérios d a festa : adoração dos Magos, bodas de Caná e o batismo
d e jesus Cristo no J o rdão, talvez derive dos costumes e festas pagãs, entre
o s q u a i s os cristãos viviam e que se celebravam neste dia. Mas n o ssa epi­
fania não é cóp i a das epifanias p agãs nem tem com elas a mesm a raiz.
Adoração dos Magos. - A adoração dos Magos o r ientais está em re­
lação com a festa do n ascimento de jesus Cristo. A festa do N atal n o
O riente p rovavelmente se rel acionava c o m .a festa p a g ã do equinócio d o
i nverno, n a q u a l os p agãos celebravam o n ascimento do d e u s A ibn ( S o l )
. j á m u ito tempo a n tes de Cristo. D i sso nos fala Epifânio (sec. I V ) d i zendo,
que n a no ite de 5 p a ra 6 de janeiro , segundo o calendário j uliano, o s p a­
gãos levavam uma criança pelo interior do templo com a exclamação : " A
virgem deu à l u z o A ibn." Um outro escritor, posterior, d i z que isto se fa­
zia n a n o i te de 24 p a ra 25 de dezembro e que se gritava : A uxei phos,
" Cresce a luz." A d iferença das duas d atas p rovém do fenômeno astronômi­
co da p recessão do sol. O ponto equinocial m uda-se continuamente e al­
c an ç a n o decurso de séculos diferenças notáve is. Por con seguinte a festa,
celebrada antigamente (c. 2000 antes de Cristo) no e q u i nócio, i . é, no d i a
6 de j aneiro, devido à mudança e q u i n o c i a l , d e v i a ser celebrada p e l o ano
300 antes d e Cristo n o d i a 25 de dezembro. Das notícias colhidas de cha­
pas com sinais c u n eiformes concl u ímos efetivamente, que semelhantes fes­
tas se conservavam p o r muitos séculos.
Alexa n d ria, com os seu s astrônomos d o utíssimos, percebeu a mudan­
ç a e celebro u o nascimento do Aiôn n o d i a 25 de deze m b ro. N o s outros
l ugares n ada sabiam da m udança do equinócio e continuavam a feste­
j a r o d i a 6, ou melhor, a noite de 5 para 6 de j aneiro. H avia p ortanto n o
d i a 6 de j an e i ro u m a festa p agã, p a r a comemoroc o nascimento de u m deus,
cujo nome e ra dife rente conforme as regiões : Aiôn, D i o n ísio, Oslris, O u­
s a res. Para contrabalançar esta festa pagã, os cristãos do Oriente cele­
bravam a festa do N atal de jesus C r i s to, mas só depois do ano 300 mais
o u menos. Q u a n do em Roma a festa d o Natal foi fixada p a ra o d i a 25 d e
dezembro, o O riente, aceitan do-a, continuava a festej a r n a E p i f a n i a só a
adoração dos magos e a vocação dos gentios p a r a o rei n o do Messias.
As bodas de Caná. - No dia 5 para 6 de j a n e i ro, confo rme Ep i fânio,
celebrava o povo pagão em m u itos l u g a res a festa do n a scimento do deus
D i o n ísio. E r a crença geral, que neste dia a água tirada d e fontes se trans­
fo rmava em vinho. Os sacerdotes pagãos por m a q u in ismos artificiais sabiam
imitar tais tran sformações. Em várias igrej a s do O riente o s fiéis neste dia
ti ravam água ·de poços e fontes, e m a i s tarde de rios, atribuindo-lhe fôr­
ças milagro sas. Sugestionados pelos p a gãos, con servavam o s costumes po­
pulares. P a ra sobrepuj a r a festa pagã, ap roveitar a i d é i a da água feita
vinho e desvia r a fantasia pop u l a r dos ídolos, a I grej a c e lebrou o m i l agre·
histórico de Caná, em que se tirou água de u m a fonte, e , o Redentor a con-
Revista Eclesiástica B ras ilei ra, vol. 3, fase. 4, dezembro t 943 987

verteu em vinho. Assim se explica êste segundo elemento do dia da


Epifania.
Batismo de Jesus Cristo no Jordão. - A Epifan ia celebrada no dia
6 de j aneiro, era a festa da aparição de jesus Cristo n a carne �elo nasci­
mento temporal. Mas esta palavra significa também aparição na glória ;
semel hante àquela manifestada por ocasião do batismo no Jordão, quan­
do êle revelou o seu nascimento eterno do Pai celeste. A idéia · da água
do rio por outros motivos se l igara da mesma fornta a esta festa. Os ba­
silidianos celebravam neste dia excl usivamente o batismo no Jordão. E
assim se expl ica o tercei ro mistério da festa cristã da Epifania.
Em jeru salém explicavam a comemoração simultânea dos dois misté­
rios, nascimento e batismo de jesus Cristo, pelas palavras da Escritura
Sagrada ao referir que na época do batismo o Redentor entrava no seu
trigésimo ano de idade (Lc 3, 23) ; celebrava portanto o an iversá rio do seu
nascimento. (Dict. d'arch., V, p ág. 1 99.)
Qual dêstes três elementos se festejou por primeiro n a Epifania cris­
tã, não é certo. Provavelmente foi o batismo, como parece constar pelo
uso dos basilid ianos ; ter-se-lhe-ia associado o nascimento de jesus Cris­
·to, substituido pela adoração dos Magos, devido à fixação do N atal para
o dia 25 de dezembro n a Igrej a romana. (Stim. d. Z., 1 939, pág. 207-225. )
1 1 . O o f 1 c i o. - Por que se omite nas matinas : Domine, labia mea
"

aperies, o invitatório e o hino p a ra começar logo pelo salmo do primeiro


noturno?" D u r a n d u s (VI c. 1 6, n. 8-9) responde, que em algumas igre­
j as se p rocede assim, para indicar a p rontidão com que os pagãos vieram,
quando a estrêla lhes apa receu. O invitatório não se diz, porque os pa­
gãos não foram convidados por um p rofeta, mas por uma estrêla muda,
envergonhando os que ouvem pregadores e são vaga rosos para cre r e ado­
rar Nosso Sen hor. ( R e u s, Liturgia, n. 285. )
Esta interpretação é mística. A razão histórica parece se r "o costu­
me antigo" de que fala A m a 1 á r i o de Metz : " Nostra regio in prresenti
officio solita est unum omittere de consueto more, id est i nvitatorium. l n­
vitatorius est psalmus : Venite exultemus Domino." (ML 1 05 c. 2 1 , pág.
1 275. ) E' um costume antigo gal icano e remonta com a liturgia galicana
até ao sec. V o u IV. (Dict. d'arch., VI, pág. 474. )
A antiguidade dêste costume é comprovada : a) Pela estrutura do ofí­
cio da Epifania. Os sls. 94, 95, 96 do terceiro notu rno, na sua o rdem nu­
mérica, dão indício da antiga organ ização dêste ofício divino e não pre­
cisamos recorrer a razões místicas. ( Cf. Beletho, c. 73.) b) Pelos diferen­
tes saltérios, de q u e são ti radas as duas traduções do si. 94 : uma do an­
tigo saltério romano, usada no comêço do ofício ; a outra do saltério ga­
licano, empregada no te rcei ro noturno da Epifania. São portanto dois sal­
térios dife rentes, usados em tempos diferentes. c ) Pelo ofício provavel­
mente organizado por S ã o B e n t o, que manda dizer o Domin e labia m ea
aperies e o si. 94 no primeiro notu rno e cm lugar dêle o si. 86 no terce i ro
noturno. Portanto antes dêle o si. 94 não se rezava desta forma e um ofí­
cio, que não o tem no l ugar marcado por êle, deve-se datar de época an­
terior. d) Pelo ofício da oitava da Epifania introduzido no sec. V I I I . E' por
conseguinte posterior ao método de São Bento, tem o Domin e� labia mea
aperies e o si. 94 no inicio. Esta particula ridade permite a concl usão, que
o oficio do dia 6 de j a neiro é anterior a São Bento. e ) Pelo teor do invi­
tatório ou antífona. E' certo, que em Roma havia dois ofícios da Epifa­
n ia, um de São Bento nas igrej as da sua ordem ou em igrej as nas quais
exercia influência, o outro do Clero secular. E' certo ainda que se rezava o
988 Comunicações

oficio do N atal separado do oficio da Epifania, pois as festas não coinci­


diam. Os ofícios das duas festas e ram de o rganização igual e tinham o
i nvitatório com o si . 94 no princípio. E' lícito concluir, que se organizaram
no mesmo l ugar e mais ou menos no mesmo tempo. Não são posteriores
a S. Bento. O oficio d a Epifania nem foi muito anterior ao grande Patriar­
ca visto não ter sido capaz de impedir a coexistência do ofício indepen­
dente de São Bento. Ora o oficio do dia 6 de janeiro traz o invitatório ou
antífona não do domingo comum, embora sej a muito semelhante a êste, mas
o festivo : Venite adorem11s e11m, q 11ia ipse est Domi11us Deus noster, sem
dúvida muito p róprio para a festa da adoração dos Magos, mas também,
sem mudar sílaba, p ropriíssimo para a festa do Natal. Os i nvitatórios idea­
dos por São Bento, são mais perfeitos, por não permitirem a mistura das
festas. Christ11s natus est nobis, é o j úbilo do N atal. Clzristus apparuit n o b is
é o j úbilo da Epifania. Considerando a lei geralmente acatada, que supõe
o rito imperfeito anterior ao mais aperfeiçoado, consideramos justifica­
da a conclusão, de que o ofício de 6 de j aneiro é mais antigo e remonta
a uma época anterior e a um lugar, em que ainda não existia a festa do
N atal, pelo que n ão era necessária a discriminação das duas festas. Real­
mente na Gália a festa do N atal, aos 25 de dezembro, não e xistia no sec. IV,
ao menos não se pode provar a sua existência, e só foi introduzida n o
sec. V. O ofício da Epifania servia para venerar o s dois m istérios : N atal
e Epifania. Por isso êste oficio remonta até aquela época. E' o que nos
atesta Amalãrio dizendo, que era costume antigo "galicano", omitir o in­
vitatório e por conseguinte rezar o si. 94 com o seu invitatório antigo no
terceiro noturno. Em Roma, êste oficio galicano foi adotado e rezado, até
que São Bento o m u do u nas suas igrej as, ao passo que o Clero secular
continuava a recitar o ofício galicano pu ro, ao menos n a festa da Epifania.
Pa rece que no ofício da Epifania possuímos, como venerável relíq uia,
o (mico ofício de estrutura antiga, conservado piedosamente -p ela Igrej a .
Em vista dêste ofício torn a-se insustentável a opinião de C a b r o 1 e de
outros, que ensinam ter São Bento introduzido o invitatório no oficio, quan­
do êle só o colocou no i n ício.
O texto emp regado para provar, que êste grande organ izador intro­
duziu o invitatório, p rova o contrário. Diz a regra e . 9 : " Post hunc, (se.
ps. 3 ) psalmus non agesimus q u a rtus cum antiphona, aut certe cantandus."
(Dicl. d'arcll., V i l , pág. 1 4 1 9. ) Fala o Santo do invitatório? Não. Pois êste
têrmo só se usou m a i s ·t arde e oco rre em Amalário no texto cit a do. Fala,
porém, da antífona, nome ainda conservado no terce i ro noturno d a Epifa­
n i a . Deve-se pois dizer o invitatório duas vêzes como agora é uso? N ada
se diz n a regra. Deve-se repetir a antífona ( i nvitató rio) depois de cada
versícul o ? N ada se diz. Portanto na suposição de ser São Bento o auto r
do invitatório, a regra torn a-se completamente i n suficiente ou ao menos
obscura.
A regra fala portanto dum rito conhecido, como existia em Roma. São
Bento adotou do oficio do Clero secu l a r o si. 94 com a antífona. Dêste
ou de ofício organizado dum modo idêntico fala a regra, tornando-se desta
maneira cla ríssima. Provar que São Bento não conhecia o oficio da Epi­
fania recitado pelo Clero secular será impossível.
O salm o 94 com o invitatório era cantado no terceiro noturno p rova­
velmente p o r causa do povo, que na festa da Epifania assistia ao oficio
n oturno ( Ordo rom., X I ; ML 78, pág. 1 035) , mas só do tercei ro noturno
em diante. Assim o si. 94 servia de convite solene ao povo, para toma r
parte n as f unções sagradas. Semelhante costume s e conserva até hoje n a
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 989

fesl'- do Natal nas regiões, que estão sob a influência galicana. Canta-se o
Venite exultemus e o terceiro noturno e segue-se a missa de galo. Em al­
gumas regiões, na Epifania, o si . 94 Venite exultemus não se rezava no
7.º lugar, i. é, no início do terceiro noturno, mas no fim do segundo, por­
tanto no 6.º l ugar. (Beletho c. 73 ; Amalârio 1 c.) Posição esta incom­
preensível para um salmo tão solene de convite, mas muito natural, consi­
derando-se a entrada sucessiva do povo na igrej a no fim do segundo no­
turno, a fim de assistir ao terceiro noturno e .ai;; demais funções. O si. de
convite preenche neste caso perfeitamente sua finalidade.
Pe. J. B. R e u s, S. �· (São Leopoldo)

Mâscara de gêsso para o rosto de um Arcebispo


O Clero de São Paulo fêz recentemente uma homenagem à memória
do pranteado Arcebispo D. J o s é G a s p a r d e A f o n s e c a e S i 1 v a,
tão tragicamente desaparecido em agôsto p. p. Nesta ocasião, o Revmo.
Pe. Dr. José de Castro N é r y, da Academia Paulista de Letras, proferiu
o seguinte brilhante di scu rso :
Quem entra no salão nobre da Cúria Metropol itana ·logo se impressio­
na com o Cristo de madeira que faz fu n do à mesa da presidência. Parece
um tanto deslocado, grande demais p a ra um recinto de teto mediano. A
obra de arte revela o gôsto do século XVII, com a singeleza e o realismo
das suas consanguíneas de Ouro Preto e Congon has do Campo. E' um
Cristo e s co rren do sangue, que evoca tôda uma época d e sofrimentos po­
pulares, quando a escassez dos recu rsos col oniais p rocu rava contrabalan­
çar-se com o rus/1 sertanejo, página viva e mosaica de um novo l ivro do
Êxodo. Cristo das bandei ras, alçado n a velha Sé, perante ele desfilaram
milhares dos nossos antepassados, antes de rumar para a s Vupabuçus e as
·

I ta be rn b a s
.

Em derredor d�le, postam-se doze personagens eclesiásticas. Algumas


têm fisionomias portuguêsas, outras se parecem mais à gente brasileira.
.

Muitas ostentam rugas e cabelos brancos. Tôdas se acham revestidas de


m u rça e roq uete, cruz peitoral e anel. Nas t a rdes de garoa, quando a l u z
dificilmente pe ne t r a a v i d r a ç a d a s janelas, creríamos que elas en tram e m
concílio, trocam imp ressões acêrca d o s acontecimentos e sugerem a s pro­
vidências req ueridas pelas circunstâncias. U m as rezam, outras p a recem es­
crever com as suas anacrônicas penas-de-p ato, outras simulam consultar
algum livro da biblioteca particul ar. Estas vos abençoam, aquelas vos subme­
tem a inte rrogatório, aqueloutras voltam o olhar inspirado para os céus,
como se estivessem em audiência p rivada com o Altíssimo.
O que vem à fren te dos portuguêses, p el a esquerda, é um velho doutor
em cânones pela u n iversidade de Coimbra ; morreu dois anos depois da
posse : D. Bernardo Rodrigues Nogueira. Os dois seguintes, de murça côr
de chumbo, são D. Antôn io da Madre de Deus Galvão e D. Manuel da
Ressurreição. D . Mateus de Abreu Pereira e D. Manuel joaquim Gonçalves
de Andrade, que aparecem em se g uid a, gove rnaram a diocese após a Inde­
·p endência do Brasil ; foram políticos e il u stra do s ; o primeiro regeu a pro­
víncia c ivil, o segundo teve assento na Assembléia Legislativa.
Aquêle, ao fundo do salão, imponente como um velho militar, cujos
ombros parecem carregar ainda os distintivos dos dragões do rei, é o ituano
D. Antônio Joaquim de Melo, ex-soldado da milícia imperial e posterior­
mente um dos generais da milicia eclesiástica. ele abre a série dos brasi-
990 Comunicações

leiros e merecia ser denominado o São Carlos Borromeu da Paulicéia, . ..aois


foi o fundador do Seminário. Fazem-lhe séquito três Bispos que nascél'am
noutros Estados do Brasil : D. Sebastião Pinto do Rêgo, natu ral de Angra
dos Reis, na região fluminense ; D. Lino Deodato, de São Bernardo das
Hussas, no Ceará ; D. joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcânti, ·p er­
namb ucano que honrou mais tarde o sólio do Rio de janeiro, com a púrpura
de Cardeal.
Agora os três (1ltimos. Todos paulistas, respeitáveis pelas suas virtudes
e obras. D. Alvarenga, êsse de cabelos brancos é uma nova edição de S. Ca­
milo de Lélis ou de S. Roque : o Bispo que não teve mêdo da febre ama­
rela, como os seus antepassados no sertão não recuaram diante da ma­
leita. O seguinte olha ao longe, como se procurasse descobrir no horizon­
te um navio de salvamento : D. josé de C. Barros que, depois de fundar vá­
rios j o rnais, coroar solenemente Nossa Senhora Aparecida, foi ao fundo do
mar, na costa de Cartagena, como uma antiga caravela carregada com
ouro brasileiro. O último, que vos sorri inteligentemente com a sua fisio­
nomia suave de La Tour, é D. Duarte Leopoldo e Silva, o que ilustrou as
letras brasileiras, foi o pai de cinco dioceses sufragâneas e, como um dês­
ses escultores norte-americanos que tomam uma montanha inteira para ·t rans­
formar em obra de arte, lavrou êstes três monumentos ún icos na histó­
ria eclesiástica do Brasil : a Cúria Metropol itana, o novo Seminário Central
do lpi ranga e a catedral de São Paulo.
O décimo terceiro retrato acaba de ser colocado. E' de um homem de
quarenta e dois anos. Testa intel igente e ainda moça, mas já marcada pela
experiência. Rosto moreno como o dos filhos do trópico. Queixo poderoso
dos que têm vocação para mandar, contrastando com lábios sin uosos de
quem sabe ser amável. O melhor trecho da fisionom ia são os ol hos, olhos
talhados no veludo dos céus paulistas e feitos com a doçura das águas
virtuosas que brotaram do Araxá. Traz o manto violáceo por cima da so­
brepeliz como se houvesse acabado de dizer a ação de graças após a Missa,
e se assentasse na poltrona, ao pé do altar, para dirigir a pal avra aos seus
queridos Padres. Tem no dedo o camafeu da Santíssima Vi rgem, espécie
de rellquia que recebeu de D. Duarte e que deveria transmitir em breve
tempo ao p residente do Cabido, sede vacan te. Todo êle se inclina para a
frente, como se acabasse de ouvir um chamado misterioso e fôsse levantar­
se para atendê-lo . . . a custo da p róp ria vida.
Tal é o retrato a óleo, real izado por um artista, cujo nome não con­
segui ler no canto do quadro. Retrato feliz, mas incompleto, como devem
ser as obras de arte p lástica. Não poderíamos nós, na medida do possível,
reduzir-lhe as lacunas, trocando a caixa das tintas pela caixa das letras?
Quando o o escultor Emendabile, à uma hora da madrugada, deu comêço
à máscara do finado, bem certo estava . de que as feições do modêlo prin­
cipiavam a deformar-se ; isto não o impedi u de continuar no trabalho, fixan­
do no bronze os traços fisionômicos daquele que foi, até dois meses · atrás,
o nosso A rcebispo Metropolitano. Façamos nós outro tanto, empregando
idéias e sentimentos p a ra modelar as linhas morais, antes que a lenda e
o tempo se encarreguem de as desintegrar por completo. Máscara mortuá­
ria será, cujo gêsso foi hidratado com três partes de lágrimas.
Ble tinha o aspecto do.s homens sadios. Em moço talvez, fôra enfer­
miço, com jeito de pessoa recentemente saída do hospital. Depois, entre­
tanto, os incômodos se disciplinaram como feras domésticas. Excetuadas
as pequenas indisposições de estação, nunca esthe gravem e nte de cama.
Deveu parcialmente êsse estado de higidez relativa à vida metódica à que
Revista Eclesiástica B rasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 99 1

se submeteu. Era sóbrio à mesa, como aquêle A rcebispo de Cambraia re­


tratado a pena pelo duque de Saint-Simon. Inaugurava o seu dia com a
ducha e, a exemplo do Papa Pio X I I , não dispensava o seu qua rto de hora
de ginástica, espécie de elixir de longa vida que o bem dispunha para as
tarefas cotidianas. Ganhara por isso uma resistência fora do comum, do
que pôde dar p rova a atuação continua du rante os dias do Congresso Eu­
carístico. Nas visitas pastorais confessava ter o corpo à p rova de can­
saço como outros o têm à prova de bala e, numa das romarias à Apa re­
cida, aguentou j unto do microfone desde as três da madrugada até depois
·

do meio dia.
Colaborava nisto o seu temperamento, sem oscil ações p ro fundas ou
bruscas, como êsses traços da agulha nos aparelhos sismográficos quando
os movimentos geológicos são normais. Ti rante uma série de anos j uvenis,
demonstrou sempre bom humor. Possuo dêle uma vintena de cartas que va­
lem por um florilégio da alegria tais as observações engraçadas que ti rava
dos acontecimentos privados e p(1blicos. Em Roma, esta excelente qual ida­
de atraia ao pé de si uruguaios, argentinos, chilenos, venezuelanos e porto­
riquenhos. Sabia tirar partido do calembu r ou da an edota. Perto dêle, co­
mo perto das parrei ras italian as, nunca havia frontes pensativas e bôcas
intei ramente mudas. Mesmo depois de Bispo, quando os seus hábitos tive­
ram que mudar p o r fôrça das circunstâncias, tinha para os seus íntimos
o comentário facêto, a frase chistosa ou a exclamação expansiva. Guardou
o segrêdo de ser alegre sem perder jamais a compostura. De boa mente,
segundo penso, estaria com Renan, para quem o Novo Testamento é a obra
religiosa da antiguidade onde mais amiúde aparece a palavra alegria.
I n tel igente, apanhava de p ronto as idéias dos outros, como certos caça­
dores peritos acertam nas aves em pleno .vôo. Na conversação se revel ava
um ouvinte atento e um interrogado r oportuno. De bom grado conco rda­
ria com Madame de Stael, para quem o melhor dos cursos superiores de
ensino se realiza com os anônimos que o acaso coloca ao nosso lado. Es­
pirituosamente disse um dia que seguira, em Roma, mais o "Corso Italia"
que o "Corso do Palazzo Borghese". Gostava imenso dos l ivros, com os
quais mantinha um p roveito s o comércio de idéias ; mas dava preferência
à biblioteca das ruas, salas de audiência, confessioná rios, hosp itais, cami­
nhos de ferro e transatlânticos. Não escondia o seu fraco pelas viagens,
p referindo atravessar o deserto na corcova do dromedário, a sestear inutil­
mente, numa casa de férias, sob a canícula civilizada de L ivorno.
Desde aluno se interessara pelos assuntos arquitetônicos e, quando p ro­
fessor do seminário, não esquecia levar, de quando em quando, os seus
discípulos à aula viva de uma catedral em construção. Foi por meio dêle que
adquiri dois pesados volumes de Charles Blanc a respeito das a rtes do
desenho e das artes decorativas. Há di:z anos atrás, confessava-me, em
carta, o entusiasmo de que se sentira acometido quando lêra a Vida de
Miguel Angelo, de Romain Roland. N ac!a o preocupou mais durante um
lustro inteiro do que a bibliografia da H istória da Arte, dizendo-se interes­
sado em encontrar, por qualquer p reço, o volume de Lecoy de La Marche
sôbre os manuscritos e calígrafos da Idade Média. A num ismática não lhe
tomou menos tempo que os seus estudos de direito canônico. A música en­
controu nêle um entusiasta tão enternecido quanto Santo Agostinho nas
festividades de Milão. Era dos que p referiam adiar um dever escolástico
a deixar escap a r a oportunidade ou de ouvi r a missa do Papa Marcelo, diri­
gida por Casimiri, no "Gesú" de Roma. Aqui mesmo em S. Paulo tentou
criar uma "Schola Cantorum", comm'il faut, subsidiada diretamente pela
992 Comunicações

Ct'i ria, com uma contribuição mensal por parte dos catól icos. Nesse intuite .
organizou a infel izmente t'm ica audição de mllsica polifônica que se real izou,
com grande repercussão social, na Igrej a de ·sa nta I figên ia, ao tempo do
Interventor Armando Sales Oliveira.
Se não chegou a fazer versos, apreciava-os com singular intuição, pe­
sando atentamente as gradações de sentido com a mesma dil igência com
que o droguista pesa miligramas de substâncias terapêuticas na sua ba­
lança de precisão. Certa vez f�1i encontrá-lo, na sua "câmera" do Colégio
Pio Latino, terminando a leitura dos Lusíadas, no comentário em dois tomos
de Lancastre. "N unca penséi (segredou-me então) que isso fôsse tão bo­
nito ; e dizer que vim a ler Camões fora do Brasil." De Dante Alighieri se
tornara um degustador oficial, uma espécie de rep resentante estrangeiro
da Academia da Crusca. Desde Roma, vivia esgaravatando um exempl ar
minllsculo da Divina Comédia, edição Hoepl i. Introduziu, no curso antigo do
Seminário, um estudo do poema que sintetizou o pensamento medieval. E
mesmo depois de Bispo, tinha sempre na bõca alguns tercetos de Dante
como outras pessoas andam a chupar confeitos e pastilhas.
Estou que se poderia falar dêle como poeta, da mesma forma com
que, dadas as proporções, Hipólito Taine se referia a Michelet qual um dos
quatro vates do seu tempo. Várias cartas inéditas o poderiam comprovar.
Numa delas, - que se diria escrita na quinta de Refaldes, sob as olaias
do Minho, por algum discípulo retardatário de Fradique Mendes, - êle ob­
sen•a finamente os cambiantes do céu nas horas da madrugada, sente a pas­
sagem das b risas que fixaram residência nos grotões da serra, escuta o diá­
logo das cachoeiras gêmeas no alto da montanha e sobretudo se delicia
com o cõro polifônico dos pássaros b rasll icos. Poucos terão esquecido o
encerramento de certo mês de maio na Rádio-Bandei rante quando êle des­
creveu uma das romarias à Aparecida : os carros da Central transforma­
dos em cated ral volante, os romei ros subindo lentamente a ladeira sagra­
da, as velas "balouçando no ar frio da manhã suas chamas inquietas e me­
drosas", e os grandes sinos da basílica cabriolando no espaço. "na ânsia
de impor às brisas que passam os sons que andaram compondo em lon­
gas horas de silêncio" no cimo das tôrres. E no entanto era o mesmo ho­
mem que disse, poucos anos depois, aos bacharelandos do Ginásio do Car­
mo : "Encontro mais atração nos rugidos de um coração revoltado à p ro­
cura de Deus, do que em tôdas as harmonias literárias."
Por isso p rezava em muito a eloquência. Quando eu, certa feita, lhe
dissera que a oratória de hoje voltara à idade da pedra lascada, êle me
respondeu que cumpria aos Padres elevá-la à idade de ouro. Tinha um
timbre agradável, de gongo noturno num tombadilho ao luar. Não ·l he fal­
tavam idéias nem sentimentos. Pregando, no comêço da sua carreira, re­
velava sestros que a experiência tribunfcia eliminou por inteiro. Certa tona­
lidade cantada e chorona foi aos poucos substituída por uma eloquência
direta e masculina. Dava-se nos improvisos melhor do que nos discursos
lentamente preparados. Seus brindes, nos almoços de gala, traziam quase
sempre a nota certa, o elogio discreto e a observação oportuna, não raro
interrompida pelo aplauso dos convivas. Entre os discursos, alguns me­
moráveis, que ouvi sob as arcadas da Faculdade de Direito, um dos mais
acabados pela gravidade do tom, densidade e pensamento e sobriedade das
imagens, foi o p ronunciado por D. josé, quando da homenagem que lhe pres­
taram estudantes e doutores de borla e capelo. Ninguém possivelmente
esqueceu ainda os que êle dirigiu ao povo de São Paulo finalizando a pri­
meira procissão luminosa em louvor da Aparecida, ou abrilhantando as ce-
Revista Eclesiástica B rasilei ra, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 993

rimônias do IV Congresso Euca rístico N acional. Rouco de tanto fal a r, ain­


da tinha labareda para manter a cem graus de calor a temperatura do
auditório.
Amou a sua Pátria. Fêz pelo B rasil, tudo quanto poderia fazer um ci­
dadão altamente colocado, não perdendo uma só ocasião d e cooperar com
os poderes constituídos para a grandeza e a prosperidade do seu povo. Co­
laborou na campanha contra o alcoolismo e a tuberculose, p restando todo
apoio à obra d a assistência social máxime aos operários. Fal ava do nosso
torrão bandeirante, das nossas fazendas, das nossas indústrias, do nosso
passado e do nosso futuro, como se houvesse n ascido, não num antiplano
do Oeste de Minas, mas às margens anchietanas do Tieté. Referiu-se a
seus pais, com pal avras e acentos que nenhum Bispo, a meu ver, ousou
até hoje inserir n a p rosa austera das Ca rtas Pasto rais. Evocou nela os
silêncios do interior mineiro, a luz morna do lampeão de querosene, os "gran­
des e p u ros ol hos" de sua mãe - "duas clareiras abertas p a ra o infinito",
- e o vulto venerando do seu pai, atravessando a praça da matriz, nas
noites de ventania, para renovar o azeite e a chama à lâmpada do Santlssimo.
Tôdas essas qualidades aliás pesam menos que outras de maior quila­
te n a ava l iação das pedras preciosas do espirita. O que brilhava à primei­
ra vista era a s u a peculiar atratibi lidade. Tinha um modo seu d e imantar
as pessoas, como essa ilha negra das Mil e uma noites em relação aos na­
vios que singravam o alto mar. De um alto membro da Academia B rasi lei­
ra de Letras sei eu que, decla rando-se difícil nas amizades, se tornou ami­
go de D. josé antes mesmo de conhecê-lo em pessoa. O utro, con fessada­
mente incrédulo, quase anticlerical, mudou de sentimento, no decorrer d e
um banq uete, ao t e r p o r vizinho o Arcebispo de S. Paulo. U m tercei ro, ta­
lhado a pique como certas falesias j unto do mar, após uma simples conve r­
sa no "foyer" do Municipal, voltou dizendo q u e ninguém podia resistir
a êsse B ispo : "C'est un charmeur." Também tinha êle gestos que conquis­
tavam a multidão mais q u e as moedas de o u ro atiradas pelos reis antigos
em sinal de regozijo. Haja vista aquela vez em que o povo lhe pediu man­
dasse dimi n u i r a m a rcha do automóvel, pois desej ava acompan há-lo. O
novo P relado respondeu, descendo do veiculo, e acrescentando : "Quero se­
guir com o povo, lado a lado, a pé até São Luis."
Sua amabil idade não estava apenas à superficie. Como o esguicho das
fontes artesian as, guardava o lençol de água a muitos metros de profundi­
dade. Bispo auxiliar, asseverou um dia a um dos seus intimas : "Tudo quan­
to acon tece r de bom atribu i-lo-ei a Dom Dua rte ; tudo quanto fal h a r, se­
rei o primeiro a atrib u i r a mim mesmo." O rador, com predicados q u e se­
riam o reclame de qualquer, preferiu passar a outros a incumbência dos
melhores sermões. Neste ano trágieo - pela primeira e ú ltima vez - con­
sentiu em continuar a tradição dos sermões duartinos na Sexta-feira da
Paixão. Do primeiro dia em que aqui chegou com o pálio de A rcebispo, até
o momento em que daqui partiu no vôo fatal, não deu senão demonstra­
ções do humilde sentir de si mesmo. Tomou posse da Arq u i diocese, como
então se exprimi u : "abismado num grande sentimento de h umil dad e " ; e
q u ando terminou o Congresso Eucaristico, recordando os dias de glória,
pôs a face de rojo contra a terra, a repetir como o barqueiro do Tibe rias,
após a pesca milagrosa : "Senhor, apartai-Vos de mim, que sou grande
pecador.'' A êle se aplicariam aquelas palavras de Lamartine, citadas pelo
próprio D . josé a p ropósito de um seu antecessor no Episcopado : "Que
i mporta ao cisne, em vôo pela altura, a sombra que produz sôbre a relva
·

do prado?"
994 Comunicações

Tolerante, quanto pode ser um Bisp o católico, não andou queiman­


do em efígie nenhum dos seus adversários religiosos. Olhava o quin­
tal do seu vizin ho, se assim me posso exprimir, não por uma fresta no
muro, mas da tôrre mais alta do seu campanário. N a primeira pastoral
teve uma palavra de cortesia para os homens de outras religiões e, numa
das suas mensagens de N atal, melodiosas como o coral dos anjos sôbre
o estábulo de Belém, exclamava pelas ondas da Rádio Excélsior : "Abençoa
também, n esta n oite, ó meu jesus, os n ossos queridos i rmãos protestantes,
espíritas, e os que seguem outras seitas, e faze brilhar para êles o teu nasci­
mento . . . " Por isso teve m u i tos amigos entre os que se encontram da outra
m a rgem do rio, separados pela mesma corrente de idéias. Entre os que o fo­
ram visitar, já morto, na I grej a de Santa I figênia, contavam-se centenas
de pessoas que não seguiam os dogmas do catolicismo. E estou certo que
não deveria ser i n tei ramente baldo de eloquência, êsse longo sermão de
três dias, verdadeiro retiro espiritual sôbre os novíssimos do homem, pre­
gado a um auditório de quase quinhentas mil pessoas por um pregador que
se encontrava mudo, num púlpito horizontal coberto de violetas e de l írios.
A sua mão esquerda não sabia o que dava a direita. No dia e m que
êle morreu, muitas famíl ias perceberam que se lhes iria apagar o fogo onde
se assava o pão de cada dia. Tinha por assim dizer pudor da caridade, e
só depois de morto se descobriram o segrêdo de certas verbas palacianas.
Protegia os inválidos, especialmente as crianças aleijadas, como se êle fôsse
responsável pela deformidade que sofriam. "Nossa casa está de luto (dizia­
me o pai de uma delas) como se houvesse morrido pessoa de nossa famí­
l i a ; meu filho acaba de perder o seu segundo pai." Por uma carta publi­
cada n a Revista "Lar", se pode ver como costumava dar esmolas em nome
de terceiros, que n a realidade haviam apenas pedido uma visita. As .n otas
biográficas que o chanceler do Arcebispado vem coligindo para uma pró­
xima poliantéia, referem-se constantemente ao amor que tinha aos l ep rosos,
no tratamento dos quais se esquecia, como outro São Fra n cisco de Assis,
das mais elementares precauções da higiene. Seminaristas pobres e cole­
gas em apertos financeiros, e n contravam sempre nêle a carteira recheada
de n otas. Pintando sem o saber o seu auto-retrato, assim escrevia a res­
peito daquela outra grande alma, o Cardeal Leme : "Sabia curar, mansa e
delicadamente as feridas abertas pelas decepções." Para aclarar os compar­
timentos do seu espírito, não queria os tubos fluorescentes, que tinham lu­
zes frias mas a lanterna de S. joão Batista, "ardens et lucens". Poderia
aplicar � si mesmo os versos dantescos que escolhera para epitáfio de um
dos seus chefes e modelos : " E se il mondo sapesse il cor ch'egli ebbe
assai lo Ioda e piu lo loderebbe."
Deveria haver n o nosso vocabulário o neologismo benedicência, para
explicar o emprego que D. josé dava à p rópria língua. Tudo se poderá di­
zer da sua conversa : que era franca, j ovial, brilhante, substanciosa, su­
culenta como um fruto maduro. Mas não gua rdava n a polpa o tanino da
m al dade. Detestava antes os "diseurs de bons mots", que umedecem de tó­
xicos violentos as pontas dos arames com os quais fazem a armação das
suas flores de retórica. Vi-o certa vez cortar de um só golpe certeiro a
cabeça de uma intriga que conseguira rastej ar pelas escadas do Palácio
de São Luís. N unca aceitou as delações que se apresentassem destituídas
de p rovas. No elogio que deveria pronunciar a respeito do Cardeal Leme
não esqueceu o parágrafo negro das i n trigas : "A êste cisco raste i ro tran �
c ava tôdas as portas e j anelas da alma . . . Mortificava a l lngua com a
severidade de um Santo, sem dela j amais servi r-se para ganhar a fama
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 995

alheia . . . Nunca os ventos portadores da vaza chegaram a soprar-lhe sô-


bre as cumiadas do coração." ,
Respirando sempre o oxigênio do sobrenatural escrevia a um dos Pa­
dres, seu antigo aluno : "Mais do que nunca devo vive r da minha fé e ex­
clusivamente para Deus." Essas palavras foram escritas antes de ser eleito
Arcebispo. Mas elas refletem tôda· a existência de D. josé. As coisas da pie­
dade, em menino, o interessaram mais do que os brinquedos. No colégio de
ltu, conforme no-lo contam seus mestres, tinha o apelido de "Vigarinho".
No antigo Seminário P rovincial, j unto à gare da Luz, as suas demonstra­
ções de piedade faziam santa concorrência a êsse outro predestinado -
S. Rafael da nossa enfermaria doméstica - o suave Cônego josé Amaral de
Melo. No Colégio Pio Latino-Americano, o seu modo de rezar chamou
a atenção do arguto Padre Monaco, que o nomeou prefeito da primeira
"camerata". Todos quantos ouviam uma vez a sua Missa nunca mais es­
queciam o fervor com que ajoelhava no supedâneo do altar, ou levantava
para o alto a Hóstia consagrada. Os Padres, sobretudo, conheciam quanto
êle era edificante nas várias funções eclesiásticas, especialmente durante
os dias do retiro espiritual. Viamo-Io n a capela muito antes que soasse a.
hora da primeira meditação ; e na capela permanecia de j oelhos boa parte
do tempo livre. Santo I nácio podia ser citado, de segunda-feira à noite,
até sábado pela manhã : o verdadeiro pregador do retiro, para muitos, de­
pois de Deus naturalmente, era aquêle Bispo ainda moço, no seu genufle­
xório de damasco vermelho, de mãos postas, olhos fechados, a fronte pensa
para a terra como se estivesse pesada de Deus - tal qual aparece na es­
tampa ultimamente distribuída pela Cúria Metropolitana.
estes estigmatas de vida religiosa não eram epidérmicos, vinham do
fundo do coração. As demonstrações da sua piedade não se pareciam a es­
sas orquídeas de pétalas estravagantes que nascem no cimo do a rvoredo ;
mergulhavam, ao contrário, suas raízes pelo solo a dentro à procura da linfa
interior. Sabia recolher-se am iude para meditar longamente na presença de
jesus Sacramentado. Não se esquecia do seu têrço, nem mesmo nos dias
mais agitados, rezan do-o muitas vêzes no automóvel, n a companhia do seu
fiel secretário, o também saudoso Padre Nélson Vieira. Recitava de attente
ac devote o seu breviário, procurando, nas horas livres, recapitular o Le­
sêtre, cicerone das suas viagens pelo país dos hinos eclesiásticos. Como
aquêle coraj oso chanceler austríaco, Dol fuss, que fôra surpreendido, quando
criança, de ouvido colado ao chão, n a esperança de ouvi r as vozes dos mor­
tos, D. josé - que também relembrou essa passagem num discurso de pa­
raninfo - encostou os ouvidos à terra para escutar as confidências do céu.
Tinha de certo vi rtudes menos amáveis, quando o arminho dos pon­
tificais parecia transformar-se na pele de camelo de S. joão Batista, e a voz
abemol ada que vinha do Palácio de S. Luís se diria p rovinda dos escuros
subterrâneos de Maqueros; quando era preciso fustigar certa literatura
infantil menos escrupulosa nas questões do bem, certa educação física mal
orientada pelas equívocas exigências da civilização, certa condescendência
social para com os casais que se aj untam metaforicamente n a orilha do Rio
da P rata ou sob os palmares do México.
Eis aqui o meu pobre "crayon'', o meu guache temperado com água
de lágrimas, a máscara de gêsso plástico que foi dado estender sôbre as
feições de um morto querido. A 13 de fevereiro de 1 939, antes de ser no­
meado Arcebispo, escrevia-me êle da fazenda do Campo : "Vivo de olhos
fechados para os acontecimentos. Cada dia peço a Deus que me faça maior
que as pequeninas coisas da vida e maior também do que as grandes ale-
65
996 Comunicações

grias e as grandes tragédias da existência." Alegrias e tragédias teve-as,


e grandes, no decu rso da sua breve existência ; e êle soube estar sempre
à altura de umas como de outras. E' que êle aceitou o jugum meum sôbre
os dois ombros. Parafraseando um místico moderno, compatricio de
Ru ysbreck, o Admirável, posso dizer : Quando Deus lhe perguntou o que lhe
dava, D. josé respondeu : "Tudo" ; quando lhe perguntou que coisa reser­
vava para si, respondeu : "Nada". Na escrituração que abriu com Deus, não
pensou em quocientes nem em dividendos. E foi por ter pensado assim que,
na manhã de 27 de agôsto passado, podendo seguir calmamente de trem,
ou de automóvel, como se qu isesse atender mais depressa ao chamado des­
sa voz longínqua, fugiu da terra para o céu nas asas misteriosas de um
avião . . . Pe. ] . d e C a s t r o N é r y (São Paulo)

Irmandades de Ação Católica?

já quatro meses nos separam do Congresso de Ação Catól ica de Belo


Horizonte. Antes de mais nada p recisa ser expresso o agradecimento a Deus
pelo modo com que se real izou. Marcado visivelmente desde o comêço por
uma bênção do céu que, no dia do encerramento, exprimiu-se no telegra­
ma do Santo Padre, o Congresso colocou-nos em um ambiente sobrena­
tural e largo que pairava m uito acima dessas pequeninas paixões que por
vêzes dimin uem a influência dos grandes movimentos e onde não havia l u­
g ar para nenhuma dúvida. Francamente tivemos a impressão de uma coisa
nova, de um cato l icismo mais profundo, de uma compreensão mais séria
de tudo o que constitui a autêntica beleza do ideal cristão. Como é bom
respirar êsse clima espi ritual onde os cristãos exprimem sua vida e os pró­
prios leigos se interessam pelas grandes doutrinas que fundamentam o apos­
tolado e dão uma razão de ser à sua existência.
Se o Congresso terminou, o movimento iniciado continuará, e não se
pode duvidar que os germes lançados nesses dias abençoados hão de fru­
tificar e preparar uma messe abundante. Entretanto nessa fase de prepara­
ção tão importante para o futuro, tomamos a liberdade de assinalar um
perigo que poderia prej udicar a realização de tantas boas resoluções. Alguns
organi zadores, quer levados espontâneamente pelo entusiasmo do Congres­
so, quer impel idos pelo espl rito de obediência, quer desejosos de agradar
ao chefe de Diocese vão pôr mãos à obra e executar imediatamente as or­
dens emanadas da autoridade.
Quando essa boa vontade fôr norteada pelo conhecimento dos caracte­
res da Ação Catól ica, lançará um admi rável movimento, conforme os de­
sej os do Santo Padre, e teremos a Ação Católica não só porque o Papa
quer, mas também como o Papa quer.
Quando, porém, o organ izado r não estiver ao par do movimento ou
não possu ir a boa vontade indispensável para nêle se integrar, será tenta­
do de proceder de um modo exageradamente simplista. Tomará os elemen­
t? s de qualquer associação já existente, e sem nenhuma preparação espe­
cial, nenhuma mudança de formação ou orientação, decidi rá chamar êsse
grupinho de "Ação Católica" ; colocará no peito dos jovens ou das senhoras
o distintivo de A. C. para substituir ou acompan har a fita habitual. O
grupinho contin uará a viver no Colégio ou na paróquia uma vida indivi­
dual ista, sem contacto com os outros setores, al heio à formação e ao .tra­
balho da Ação Catól ica. Será a A. C. de um individuo, do Padre Fulano de
Tal, desta ou daquela capelinha, com idéias especiais, particularistas sem
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro t 943 997

coordenação, sem plano de conj unto, o que é simplesmente a negação da


Ação Católica. Talvez ven ha a ser tão amorfe a sua caracterizaç ão que
os grupos de A. C. nem mesmo consignam reuniões especiais, abafando -se
os traços característicos da A. C. a pretêxto de salvaguardar a espiritua­
lidade das Associações.
O grande perigo seria organizar não a grande e bela Ação Católica, de
espírito largo, do tamanho da Igrej a, mas uma nova irmandade, a irman­
dade da ação católica, ou antes, tantas irmandades distintas quantos fo­
ram os núcleos fundados. Teremos assim oblatos, ordens terceiras, frater­
nidades, associações continuando sua vida antiga com o titulo de A. C.
Muito melhor seria conservar simplesmente as antigas associações com seu
nome tradicional e procurar seguir fielmente seus Estatutos aprovados pela
Santa Sé e consagrados pela experiência do que batizá-las apressadamen­
te de Ação Católica. Pelo menos isso não traria confusão e o desejo de
novidade poderia ser satisfeito por uma oportuna modificação introduzida
na côr ou no tamanho da fita geralmente usada. Pensando nos remédios
que poderiam afastar os perigos que achamos de apontar, parece que pode­
mos traçar as regras seguintes :
t ) Procurar, antes de fundar a Ação Católica, estudar-lhe a natureza,
o espírito, a técnica. E' tão diflcil corrigir o que foi começado de modo
errado !
2) Não ter preocupação de um recorei de velocidade ou de número.
A formação inicial é o germe de todo o futuro.
3) Entrar em contacto com as diretorias diocesanas que, com seus as­
sistentes eclesiásticos, são qualificadas para auxiliar e orientar os primei­
ros passos das diversas fundações. Procurar sempre a maior união de _ vista
e a mais estreita co!aboração com êsses centros, para assegurar a unidade
indispensável à A. C.
4) Formar em si e em tôrno de si o clima da A. C., êsse espirita abne­
gado capaz de sacrificar os caprichos do individualismo para o Bem Comum
e de colocar os interêsses da Igrej a acima das ambições pessoais, essa
atmosfera de compreensão mútua em que os diversos grupos, em vez de
viverem ciumentos uns dos outros, procuram por tôdas suas fôrças, e sem
medir sacrifícios e renúncias, o triunfo da Igrej a, o Reino de Deus na Terra.
Frei S e b a s t i ã o T a u z i n, O. P. (Belo Horizonte)

Tristão de Ataíde
Não se pode silenciar a jubilosa data do 50.º aniversário natallcio (ocor­
rido no dia 1 1 de dezembro) e 1 5.º aniversário de conversão ( 1 .ª comunhão
1 5-VII I-928) do conhecido católico, brasileiro e homem de letras. Todo o
mundo catól ico no Brasil lerá com intima satisfação o interessante e belo
estudo da autoria de Luís Santa Cruz : "Tristão de Ataíde e seu itinerário
de conversão" (Stella Editôra) para festej ar as datas acima mencionadas.
Não é possível silenciar estas datas, embora a campanha do silêncio seja,
em nosso meio, a mais p referida e mais eficiente para abafar - em público
e principalmente na imprensa i - as manifestações de real valor católico.
Mas repito, não se pode silenciar estas datas por dois motivos : gra­
tidão e reconhecimento.
Gratidão a Deus Trino que escolheu e encontrou em Tristão um ins­
trumento dócil para realizar os seus desígnios na Igreja Católica em ter­
ras brasileiras.
65 *
998 Comunicações

Gratidão que também o mundo sacerdotal endereça, publicamente, ao


homen ageado, porque soube ser - como pouquíssimos ! - um dos melho­
res e mais eficientes auxil iares e cooperadores do sacerdócio leigo brasi­
leiro em muitlssimos domlnios. Tristão tem a compreensão universal e a
interpretação humana da situação diflcil da nossa realidade religiosa-ecle­
siástica. Procura ampará-la com tacto finlssimo - o que constitui um dos
seus característicos particulares dentro da atual situação em tôrno do pro­
blema laicato e Clero.
Gratidão inspirada, finalmente, em motivos pessoais ante o eminente
professor quando estudávamos com êle, através de dois semestres, a Lite­
ratura Brasileira na Faculdade Nacional de Filosofia ; quando colaborou
conosco na nossa Coleção "Presença" pela publicação de seu oportuno e pro­
fundo estudo sôbre o "Humanismo Pedagógico" e quando aceita, por sin­
gular deferência os convites franciscanos de fazer suas magistrais confe­
rências, já há nove anos, no Convento ou no "Centro de Estudos Fran­
ciscanos", em Petrópolis.
Nossa gratidão intensifica-se à vista desta vida que foi orientada pela
lealdade diante de Deus, do próximo e de si mesmo, pelo acatamento aos
princípios inconcussos e pela fidelidade a uma convicção generosa e no­
bilitante.
Se a vida de Tristão excita nossos sentimentos de gratidão, sua obra
obriga ao mais irrestrito reconhecimento.
A obra de Tristão de Atalde é, inegavelmente, importante pela signi­
ficação, influência e autoridade que exerce dentro e fora do Brasil em vá­
rios domln ios. Isso, principalmente graças ao seu invulgar universalismo.
Anotamos, propositadamente, o universalismo do autor dos "Estu­
dos", universalismo êsse que não se pode identifica r - como sói aconte­
cer tantas vêzes entre nós - com superficialismo, cosmopolitismo e saber
apenas enciclopédico, e que não exclui análise aguda e rápida, síntese clara
e definitiva, agilidade e pureza de estilo.
E' evidente, nem semp re devemos nem precisamos concordar com êsse
un iversalismo. O mestre seria o ítltimo a obrigar-nos a isso, pois, êle mes­
mo presa muito o valor da pessoa livre como das opiniões não impedidas
por obstáculos culpáveis. Mas concordamos que o autor das "Meditações
Sôbre o Mundo Moderno" possui, em alto grau, o dom de interpretar, orien­
tar e j ulgar. Interpretar os sinais do tempo, do nosso tempo ; orientar a
atualidade brasileira sôbre o valor ou desvalor dos fenômenos hodiernos ;
julgar os resultados concretos da vida real para . exaltar jubilosamente as
afirmações acertadas ou condenar e evitar os erros.
Concordamos ainda com Tristão de Ataíde ao ver que êle faz a tentati­
va grandiosa, dentro da sua função de intérprete, orientador e juiz, de
submeter os acontecimentos e as personalidades ao estudo realístico nos
domínios substanciais do "plano social, intelectual e espiritual". E tôdas as
produções literárias do Autor de "A Igreja e o Novo Mundo" servem, de
qualquer manei ra, à realização dêste estudo.
E não discordamos dêle - como muitos o fazem sob qualquer pretêxto
- qitando leva as suas exigências religiosas e morais a todos os domínios
onde outros apenas e exclusivamente colocam, num unilateralismo assus­
tador, as exigências estéticas ou l iterárias.
Não discordamos, pois, queremos o lzomem todo.
Que Tristão de Ataíde não é, em vida e obra, aquêle que mutila e di­
vide, mas une e reúne, canaliza e vitaliza, no mais fecundo universalismo
Revist·a Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezemb ro 1 943 999

catól ico, faz dêle uma autêntica figura de mestre na atualidade católica
e brasileira.
Neste sentido o saudamos franciscanamente - in I PSO - por oca­
sião de seu 50.º aniversário natalicio e 1 5.0 an iversário de conversão com
um cordial - pax et bo11uml
Frei M a n s u e t o K o h n e n, O. F. M. (Rio)

Pareceres sôbre a "Revista Eclesiâstica Brasileira"


D. Fr. H e n r i q u e O. T r i n d a d e, O. F. M., Bispo de Bonfim
(Baia) : "Meu caro Frei Tomás. Em primeiro lugar, meus parabéns pela
REB. Só agora está chegando o Fase. 2. Esplêndido ! Sei que o Sr. tem tra­
balhado muito, aqui no Brasi l. Entretanto, duvido que tenha real izado tra­
balho de maior alcance do que a direção dessa Revista, que realmente es­
tá à altura de sua finalidade. E' certo que, onde ela penetra, o nível sacer­
dotal tem que se elevar. E que mais .p odemos querer? Meus parabéns."
D. P a u 1 o O o r d a n, O. S. B. (Mosteiro de São Bento, Rio de j a­
neiro) : "Aproveito-me da ocasião para felicitar a V. Revma. pelo serviço
benfazejo que está p restando aos seus irmãos no sacerdócio e geralmente à
cultura católica no Brasil. A REB, não contente em manter o alto -nível dos
primeiros números, continua a subir e "ducere in ai tum". Livre de pre­
conceitos e predileções doutrinárias tornou-se esta Revista em tão pouco
tempo indispensável a quem quer que deseje consciente e inteligentemente
sentire cum Ecclesia."
D. J o ã o M e h 1 m a n n, O. S. B. (Três Poços) : "Recebemos o no­
vo número da REB que está bem como semp re. Acho muito justo o au­
mento da assinatura anual e estou certo que isto não prejudicará a Revista
de modo algum. Obra tão grandiosa merece apoiada."
Mons. V í t o r R i b e i r o M a z z e i (Araçatuba, S. Paulo) : "Li o avi­
so do aumento da assinatura para cinquenta cruzeiros. Muito j usto. Tenho
recebido regularmente. Faz muito bem a sua leitura a todos nós, Padres
do Interior, sobrecarregados de lutas em todos os setores."
Fr. A 1 f r e d o, O. F. M. (Monte Belo, Sul de Minas) : "Sou assinan­
te da Revista Eclesiástica B rasileira e desej o continuar com a minha assi­
natura de uma Revista tão importante, t.ão útil para o Clero."
Pe. A f o n s o H a n s e h (Bom Despacho) : "Aproveito esta ocasião
para agradecer a remessa da REB. E' uma Revista indispensável para o
Clero, visto que dá informações seguras, adequadas à nossa época e às nos­
sas necessidades. Além de ser sumamente instrutiva em Direito e Moral, é
ainda um guia na vida e sp iritual do Sacerdote."
A p o s t o 1 a d o L i t ú r g i e o (Montevidéo, Uruguai ) : "Su Revista
es una verdadera joya, cada dia nos gusta más. Hacemos la mayor propa­
ganda por ella, lástimaque a muchos !e cueste comprender el idioma. Hemos
pensado que si Vds. quisieran podriamos reparti r algunos volantes o cir­
culares, para ver de difundiria. As! mismo les agradeceríamos mucho que
nos permitiesen tomar algún articulo .p ara nuestras revistas, naturalmente,
poniendo que es propiedad de Revista Eclesiastica Brasileira. Hay algunos
que viene tan bien para nuestro ambiente."
H é 1 i o D a m a n t e, em "O Estado de São Paulo" : "Está em circula­
ção o Vol. 3 do fase. 3 da "Revista Eclesiástica Brasileira", correspoµd en-
1000 Comunicações

te ao mês de setembro do co rrente ano. O excelente periódico da Editôra


"Vozes", com cresc�nte êxito, continua refletindo as manifestações cultu­
rais do nosso clero e ascendendo à posição de relêvo na imprensa inter­
nacional. Organizada inicialmente para enfeixar, em volumes trimestrais, 800
páginas por . ano, apresentou sempre número maior : 944 em 1 94 1 ; 1 . 1 04 em
1 942 e mais de 800 nos três primeiros volumes dêste ano, não obstante as
dificuldades decorrentes do confl ito mundial. Isto quer dizer que a Revista
marcha vitoriosamente, o que é atestado sobremaneira confortador da afir­
mação do pensamento católico, no sentido de uma benéfica orientação do
nosso clero e laicato nos mais árduos terrenos do pensamento moderno. .
E' redator da "Revista Eclesiástica Brasileira", o Revmo. Frei Tomás
Borgmeier, O. F. M., que, como vemos, a vem conduzindo com raro bri­
lho, elevando-a principalmente à qualidade de bela afinnação da cultura
católica em nossa Pátria.

ASSU NTOS PASTORAIS


Matrimônio e êrro comum
Escreve F e r r e r e s ( Th. Mor. II, n. 1 075) : "Qureritu r : An matri­
monio valide assistat sacerdos, qui falso parochus existimatur. Resp. -
Affirmative, tam in antiqua disciplina, quam in nova inducta per decr.
"Ne temere", modo adsit errar communis cum titulo colorato. (Schmalzgr.,
lib. 4, tit. 3, n. 1 8 1 ; Gasparri, De matrimonio, n. 9 1 3 ; Van de Bu rgt, n.
222, cum commtmi. ) Ratio est, quia tunc Ecclesia censetur supplere ob
bonum commune. lmmo probabiliter, etiamsi desit titulus coloratus, dum­
modo adsit error commu nis. (Sanchez, lib. 3 disp. 22, n. 99 sp. ; Wernz,
n. 1 76. ) Immo etiamsi baptizatus valide non fuerit et hoc ignoretur. (Vide
n. 647 q. 6 et 65 1 . ) "
Ora, baseando-se neste texto d e Ferreres, sustenta u m sacerdote co­
lega meu que, em nossos dias, dificilmente haverá matrimôn ios nulos por
falta de jurisdição. Afirma que, se um sacerdote qualquer fôsse à deter­
minada Paróquia, ainda que só de passagem, e os fiéis de lá lhe pedis­
sem o favor de assistir a algum Matrimônio, o Matrimônio seria válido,
porque, pelo fato de o sacerdote se prestar para atender ao pedido da­
queles fiéis, êsses necessariamente o crerão provido da necessária juris­
dição, tornando-se assim parochus falso existimatus. E', pois, (assim diz
êle) o caso do êrro comum, em que a Santa Igrej a supre a ju risdição,
segundo o cân. 209 ; ainda mais, se o oficiante nem Padre fôsse mas se
fingisse sacerdote, a Igrej a supre a ju risdição. Peço uma explicação na
REB para pôr fim à nossa controvérsia. - (N. N.)

E ' doutrina comum dos autores

Para solução dessa dificuldade é de mister pôr em relêvo


que o ensino de F e r r e r e s - de ser também competente para
-Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1001

assistir ao Matrimônio o Pároco presuntivo é doutrina co­


-

mum entre os melhores e mais afamados canonistas e moralistas.


W e r n z - V i d a I, De Matr., n. 536 : "Competentia non deest in pa­
rocho putativo, qui potest esse talis ob solum errorem communem aut in
dubio positivo et probabili sive iu ris sive facti, cum deficientem iu ris­
dictionem in tali casu suppleat Ecclesia. (C. 209. ) "
C a p e 1 1 o , D e Matr., n . 663 : "Parochus p11tativ11s sei. ille quem er­
rore communi, etiam sine titulo colorato - hoc certissimum hodie est,
cum Codex eum non requ irat, et contraria sententia quovis caret fun­
damento - fideles pro parocho legitimo habent, valide assistit ; nam
Ecclesia iurisdictionem supplet. (C. 209.) Ceterum hrec erat commu n is iu ris
Tridentini interpretatio quam pontifícia documenta complura confi rmaverant
·

et DD. decreto Ne temere merito applicabant."


V e r m e e r s c h, Epit. 11, n. 392, habet eu ndem textum fere ad lit­
teram, adj ungendo in fine : "Textus vero decreti Ne temere in can. 1 094
et i n primam partem c. 1 095 assu mitur." (Cf. N. R. Th., 1 92 1 , 366. )
C h e 1 o d i, De Matr., n. 1 3 1 : "Etiam parochus putativus valide assistit,
quia deficientem iu risdictionem supplet Ecclesia. (C. 209. ) "
E ' , pois, competente para assistir ao Matrimônio validamen­
te também o Pároco presuntivo (ou putativus) , tido como tal por
êrro comum ; e é certíssimo que hoje já não se requer um título
viciado (coloratus), como seria, por ex., se a investidura do Pá­
roco fôsse inválida por um defeito oculto, por simonia, etc.
Como se prova a verdade desta asserção
Essa afirmação unânime dos autores de que também o Pá­
roco presuntivo é competente no caso, "porque a santa I greja su­
pre a jurisdição segundo o cân. 209", poderá, à primeira vista,
causar estranheza a quem não estej a bastante versado nos es­
tudos jurídicos, na suposição que todos os sacerdotes saibam
que o Pároco, etc., assistindo ao Matrimônio, não exerce ne­
nhum ato de jurisdição. Daí deve de surpreender : como poderão
os autores falar em "a Igrej a supre a jurisdição segundo o cân.
209" ? Entretanto, os autores dizem a verdade ; a Santa I grej a
supre de fato, porque a assistência do Pároco ao Matrimônio, etc.,
embora não sej a um ato de jurisdição propriamente dita, é no
entanto o ato público dum múnus eclesiástico público.
Assim, em seu Tractatus de Matrimonio ( I I , n. 936 ) , escre­
ve o grande Cardeal P. O a s p a r r i que foi, como todos sabem
o autor principal, a mão de mestre na codificação das leis ca­
nônicas : "Quod attinet ad parochum putativum, hic per se nullo
iure (i. é, matrimonio assistendi) pollet, sed si parceciam regit
in errore communi aut in dubio ·positivo et probabili sive iuris
sive facti, valide matrimonio assistit, quia tunc iurisdictionem
supplet Ecclesia pro foro tum externo tum interno ex prrescripto
can. 209 : Iicet enim assistentia matrimonii non sit actus iuris.-
1002 Assuntos pastorais

dictionis, tamen in favorabilibus, iuxta loquendi usum, actui iuris­


dictionis cequiparatur; unde verba delegatio, delegatus, etc."
A razão intrínseca desta afirmação encontraremos na inter­
pretação do próprio cân. 209, o qual tem sua origem no cap.
"Barbarius", leg. 4. de officiis Prcetoris ( D . 1. 1 4 ) , que mais
tarde foi incorporado no Decreto Oratiani (C. 1. C. I I I . q. 7) e
obteve assim fôrça de lei por O r e g 6 r i o IX, "inserindo êste em
sua Coleção a resposta de I nocêncio I I I , in cap. 24 de sentent.
et re iudic. X ( 1 1 . 27 ) " (Vide M. F á b r e g a s, S. J., in Pe­
.

riodica, 1 933, p. 1 93.)


Em virtude, pois, desta disposição legal também a I grej a
começou a suprir e considerar válidos os atos públicos, - quan­
do nulos por um defeito oculto - de quem exercia um ofício
público, e isto por causa do bem público.
Por conseguinte, segundo a opinião certa e comum dos an­
tigos juristas, o Pároco presuntivo assiste validamente ao Matri"'I
mônio, porque a sua presença é um ato público de múnus eclesiás­
tico público, para o qual a Igrej a, em virtude do "c. 24, de sentent.
et re iuridic. X ( I I . 27.) ratifica e sanciona os seus atos como
válidos, por causa do bem público. Ora, o cân. 209, referindo
ex integro o Direito antigo - se queremos abstrair da contro­
vérsia dos autores sôbre o titulus coloratus - segundo as nor­
mas do c. 6, deve ser interpretado como o Direito antigo. Se al­
guém desej ar uma argumentação mais profunda e minuciosa, con­
sulte M. F á b r e g a s, in Periodica, 1 933, p. 1 92- 1 96.
Noções sôbre o êrro comum

Antes de prosseguirmos em nossa disquisição sôbre quem


possa vir a ser Pároco presuntivo com relação à assistência ao
Matrimônio, torna-se imprescindível a intercalação dum esbôço
sumário sôbre o êrro comum, de cuj a reta interpretação depende
em grande parte a solução do nosso caso.
Com relação ao êrro comum sempre demos preferência à dou­
trina de C a p e 1 1 o ; e agora tivemos a . satisfação de ler na Re­
vista Christus ( México) , como o Pe. O e n a r o A 1 a m i 1 1 a, em
uma controvérsia com o Pe. Noé Garcia Moratin, defendeu sabia­
mente e com clareza a doutrina de Capello, Wernz-Vidal, Ver­
meersch, Tomás jório, Regatillo e outros. (Cf. Christus, 1 942,
j ulho, p. 623-629; dez. 1 942, p. 1 1 66- 1 1 69, Mons. O. Aguilar ;
1 943, fevereiro, p. 1 93-2 1 3. ) Além de outros autores, aproveitar­
nos-emos particularmente desta controvérsia para o nosso ligeiro
resumo sôbre o êrro comum.
Em primeiro lugar convém lembrar aqui a distinção entre êrro e ig­
norc2ncia. �rro é um ju lzo falso1 é a discordância do juízo com a coisa,
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1003

enquanto que ignorOncia é apenas " a carência de conhecimento devid�",


assim como insci�ncia (nescientia) é a carência de conhecimento não.
devido. A ignorância não é, pois, j u ízo algum. S e creio, por ex., que Tf­
cio tem j urisdição para ouvir a minha confissão, embora não tenha,
estou em êrro ; se, porém, somente ignoro se tem j u risdição ou não, não
estou em êrro, mas em estado de ignorância.
O êrro é particular, quando só alguns membros da comundidade se
enganam (privado , se é só de um ) , enquanto a maioria conhece a ver­
dade. Tal caso se dará facilmente com um sacerdote publ icamente suspenso.
O êrro é comum, quando no lugar ( D iocese, Paróqu ia, Capitu lo, Co­
munidade religiosa ) onde alguém exerce a j u risdição publicamente o
crêem provido da mesma . Pode ser um êrro comum de fato e de direito,
contanto que o êrro de direito sej a provável. ( D ' A n n i b a 1 e, 1, 79. ) Por
conseguinte o êrro comum de direito só pode ter l ugar, se fôr p rovável,
i . é, baseando-se em razões que possam convencer u m homem prudente
e honesto. Por isso mesmo, diz V e r m e e r s c h - C r e u s e n, (Epit. /.,
n . 284) , mais facilmente se verificará tal êrro em impúberes, mulheres
e militares ; não será tão frequente haver êrro comum acêrca de um
direito fácil e de per si conhecido por determinado povo ( D i ocese, Pa­
róquia, Capítulo, Comunidade religiosa ) .
Existe êrro comum de fato, quando muitos, i . é , moral mente tôda
comun idade crê que Tfcio estej a provido de j u risdição. O êrro comum
de direito abstrai do n úmero dos que de fato se ilude m - podem ser
muitos ou poucos, pode ser um só ou até nenhum. 'Para haver êrro comum
de direito, basta que haj a um fato público que por sua natureza tende
a induzir em êrro qualquer pessoa. Por ex., se um sacerdote sem j u ris­
dição se assenta, numa igrej a pública, no confessionário aberto, todos
quantos entrarem n a igrej a e virem o sacerdote sentado no confessio­
nário o crerão provido da necessária j u risdição.
· D adas essas noções sumárias, vej amos agora em qual dêsses êrros
a Santa Igrej a pode e quer suprir a j u risdição. Reza o cân. 209 : " ln er­
rore commu n i aut in dubio positivo et probabili sive i u ris sive facti, i u ris­
dictionem supplet Ecclesia pro foro tum externo tum interno." A j urisdição
a suprir pode ser ordinária, delegada e também a que nunca antes havia
sido concedida, como, por ex., no caso dum sacerdote aindij não aprovado.
"A I grej a supre a j u risdição" não quer dizer que a própria I grej a
ou os Superiores eclesiásticos põem os atos para os quais se supre a
j u risd ição ; mas que confere ao sacerdote, c uj a j u risdição é suprida, a
n ecessária j u risdição ou poder para vali damente realizar o ato, embora
sem titu lo. E m outras palavras, a Igrej a supre o titulo mediante o qual
possam ser realizados os atos ; de forma alguma, porém, supre os atos
que requerem o titulo, como se torna evidente na j u risdição suprida ao
Confessor ; nem outra é a razã � m outros casos onde se supre a j u­
risdição. ( V e r :n e e r s c h, Perio �, 1 934, p. 60. )
A j u risdição baseia-se sempre em algum titulo, o qual n ã o é ou tra
coisa senão a causa pela qual se adquire a j urisdição. Assim a j u ris­
dição ordinária obtém-se pelo oficio eclesiástico ao qual está anexa,
sendo neste caso, pois, o titulo a legitima e eficaz concessão do ofício
eclesiástico ; a j u risdição delegada obtém-se por comissão da parte do
competente Superior, sendo, pois, o titulo a legitima e eficaz delegação.
Onde falta tal titulo, não existe a j u risdição.
O titulo pode ser verdadeiro, como o que acabamos de descreve r ;
pode s e r viciado (coloratus), o q u a l t e m a aparência d e verdadeiro, mas
1 004 Assuntos pastorais

na realidade não existe, porque o ato pelo qual fôra conferido estava
su bstancia lmente viciado (v. g., por simonia ) ; pode ser ainda presumido
(existimatus) , quando de fato não existe título algum, nem válido nem
inválido, mas razoavelmente se j u lga existir em virtude de certas cir­
cunstâncias peculiares. �sse título presumido, que existiria em dadas cir­
cunstâncias, refere-se a tempo futuro e, por isso, nada vale e nada ope­
ra, porque é meramente hipotético ; deve o titu lo ser real, sej a no sen­
tido objetivo sej a no sentido subjetivo, i. é, na opinião dos que j u lgam
haver realmente um título.
Hoj e em dia, como ficou dito acima, já não é necessário que haj a
um título coloratus ; é indispensável, porém, ao menos o título suposto,
presu mido ou presu ntivo ( existimatus) , pois sem titulo não é concebível
a j u risdição. Sempre que houver êrro comum, existe também êsse titulo
presuntivo na suposição daqueles que j u lgam alguém provido da neces­
sária j u risdição ; e tal título é suficiente. ( Cf. C a p e 1 1 o, De Prenit., n .
494-496.)
Em que êrro comum supre a Igrej a a j u risdição? já que o cân. 209
diz simplesmente, sem especificação nenhuma, "a Igrej a supre em êrro
comu m", afi rmam os mel hores e mais afamados autores, como Capello,
Vermeersch-Creusen, Wernz-Vidal, Bucceroni, D'Ann ibale, jombart,
Schrepman, Hegatil lo, etc., etc., que a Igrej a supre a j u risdição não so­
mente em êrro comum de fato, mas também em êrro comum de direito
sob as segu intes condi ções : a) que sej a necessário para o bem comum,
ainda que num ou noutro caso o benefício sej a desfrutado por uma só
pessoa ; por isso não supre em êrro privado e particu lar ; b) que se trate
dum caso em que a Igrej a possa e queira suprir, por ex., a Igrej a não
pode suprir a incapacidade de quem não é sacerdote para ouvir con­
fissões ; para isto se requer de D i reito divino o poder da Ordem sacer­
dotal ; c) que haj a causa grave, (mas é condição de liceidade apenas ) ,
o u da parte dos fiéis ( ficar e m estado de pecado mortal ) ou da parte
do sacerdote (calúnias, di famação, murmurações, etc. ) Havendo, pois,
na realidade êrro comum de fato ou de direito, a Igreja supre certissi­
mamente a j u risdição "pro utroque foro", e por isso o ato realizado é
válido.
Os poucos fiéis que sabem que o sacerdote não está provido da ne­
cessária j u risdição, num caso de êrro comum, também recorrem valida­
mente ao beneficio de tal j u risdição suprida, mas licitamente o farão so­
mente em caso de grave necessidade.
Quanto ao ministro devemos dizer que provocará o êrro comum
licitamente só por uma grave necessidade sua (murmu rações, etc . ) ou
da parte dos fiéis, se bem que um só membro da comunidade desfrute
o beneficio no caso. A êsse respeito escreve C a p e 1 1 o (De Prenit., n.
493 ) : " l n praxi difficile est interdum fidelium necessitatem cognoscere. At
seponendi sunt scrupu li et anxietates, ita ut vix non semper ilia admit­
tenda vi deatur, quoties sponte fideles audiri in confessione postu lent, aut
peculiaris occurrat circumstantia. Certe, nostro iudicio, sacerdos licite
agit in casu erroris communis, si diebus dominicis et festis de prrecepto
aut alia occasione extraordinaria fideles cupiant confiteri, et alius sacer­
dos desit, aut nonnisi cum notabili i ncommodo adiri possit." Provocando
um sacerdote o êrro comum sem necessidade, seu pecado será provavel­
mente apenas venial ; assim afirmam C a p e 1 1 o e outros bons autores.
Ora, sendo o pecado provavelmente só · venial, o ministro não incorre na
pena do cân. 2366.
Revista Eclesiástica B rasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 005

Jul gamos necessário insisti r : para que haja €rro comum de direito,
basta ter o fundamento público, em virtude do qual os fiéis, por causa
das circunstâncias concretas, forçosa e razoavelmente serão levados ao
êrro. O Pe. M o r a t i n (na controvérsia acima mencionada) ataca êste
conceito do ê r ro comum, dizendo que tal êrro não é de verdade comum ;
o fato não deve ser apenas público, mas também conhecido po r muitos;
e tal é a signifiacção que tem a palavra "públ ico" em tôdas as línguas
e, segu ndo o cân. 1 8, devemos entender as leis eclesiásticas segundo a
significação própria das palavras no texto e contexto.
Entretanto não é bem assim, como diz o Pe. M o r a t i n, pois o cân.
2 1 97, por ex., reza : "Publiwm, si jam divulga tum est aut talibus contingit
seu versatur in adiunctis ut prudenter iudicari possit et debeat facile divul­
gatur iri." Por consegu inte, público é também aquilo que pode e deve
ser divulgado, se as coisas segu i rem o curso natu ral. Além disso, o Le­
gislador falando dos impedimentos matrimoniais, diz no cân. 1 037 : "Pu­
bl icum censetur impedimentum quod in foro externo probari potest" ; e
para isto j á são suficientes duas testemunhas. Como se vê, para que algo
seja público, não é preciso que muitos o conheçam.
Não resta, pois, dúvida alguma : aquêles bons e afamados
autores acima mencionados têm motivos sobej os e bem fundados
para afirmar que a Santa I grej a supre a j u risdição, segundo as
normas do cân . 209, não somente em êrro comum de fato, quan­
do muitos erram, mas também em êrro comum de direito, se­
gundo as explicações dadas.
Enfim, sendo esta doutrina defendida por tão numerosos co­
mo doutos doutores, é sem dúvida doutrina provável, que sem es­
crúpulos e ansiedades pode ser seguida em prática, sem expor
os Santos S acramentos ao perigo de nulidade. Porque, sendo
doutrina provável, defendida por tantos autores, temos aqui o
caso da "ju risdição positiva e provável", em o qual a Santa Igre­
j a, segundo o mesmo cânon 209, supre certamente a j urisdição.
Logo, a Santa I grej a supre certissimamente a j urisdição em êrro
comum de direito.
Com esta sábia disposição do cân. 209, a nossa Santa Madre
I grej a, segundo o axioma Sacramenta propter homines, assegura
às almas a validade dos Santos Sacramentos e livra os ministros
sagrados de muitas perplexidades e ansiedades. Nem há tão gran­
de perigo de abusos como os adversários dizem, porque os sa­
cerdotes, obrigados a tendtfr seriamente à perfeição e santidade,
não negligenciarão de pe d ir a tempo a j urisdição e faculdades
necessárias ; e, se forem culpavelmente negligentes neste ponto,
obrigando assim a I grej a a supri r a j urisdição, cometerão ao me­
nos pecado venial . A tal perigo, porém, os verdadeiros ministros
do Senhor não se irão expor.
Tudo quanto até aqui ficou exposto trata da suplência da
jurisdição em geral, em grande parte até se refere ao fôro in­
terno ; segue agora a parte mais difícil do nosso estudo, isto é :
1 006 Assuntos pastorais

a quem e em que casos supre a Igreja a jurisdição no tocante


à assistência do Matrimônio, ou em outras palavras : quem po­
derá ser "Pároco presuntivo" ?
Quem será Pároco presuntivo
Tomemos por ponto de partida o cânon 1 094, que define a
forma juridica da celebração do Matrimônio : "Ea tantum matri­
monia valida sunt qure contrahuntur coram parocho vel loci Or­
dinario, vel sacerdote ab alterutro delegato et duobus saltem
testibus, secundum tamen regulas expressas in canonibus qui se­
quuntur et salvis exceptionibus de quibus in can. 1 098, t.099."
A forma jurídica fica, pois, constituída pela assistência de ao
menos três testemunhas, das quais o Pároco (ou Ordinário ou
sacerdote delegado) assiste como testemunha qualificada, i. é,
revestida de qualidade especial designada pelo Direito, sendo ao
mesmo tempo o ministro sagrado para receber o consenso dos
contraentes ; as outras duas assistem como testemunhas ordi­
nárias ou comuns.
Ora, segundo todos os expositores do Código de Direito Ca­
nônico, é aqui designado pelo nome de "Pároco" não somente
o Pároco no sentido estrito da palavra ( c. 45 1 , § 1 ) , mas tam­
bém o Quase-Pároco e os Vigários paroquiais revestidos de ple­
no poder paroquial, como são : a) o Vigário atual ( c. 47 1 ) que
exerce a cura de alma numa paróquia unida "pleno iure" a uma
pessoa moral ; b) o Vigário ecônomo ( c. 4 72, § 1 ) que rege uma
paróquia vacante ; c) o Vigário cooperador (único ou mais an­
tigo) ou (na falta dêstes) o Pároco vizinho que, segundo as nor­
mas do cân. 472, 2.0, assume o govêrno da paróquia antes da
constituição do Vigário ecônomo ; d) o Vigário substituto ( c. 465,
§ 4) que faz as vêzes do Pároco ausente da paróquia além de
uma semana ; de ordinário, porém, só terá pleno poder paroquial
depois de ser aprovado pelo Ordinário ; antes de tal aprovação
(c. 465, § 5) gozará de pleno poder, quando o Pároco por uma
causa repentina se ausentar da paróquia por mais de uma se­
mana, a não ser que o Pároco tiver limitado o poder do substituto
ou fôr limitado depois pelo Ordinário ; e) o Vigário coadjutor
(c. 475) que supre em tudo o Pároco permanentemente inábil ;
f) o administrador duma paróquia designado pelo Ordinário para
governar a mesma, pendente o recurso instituído pelo Pároco
privado da paróquia segundo as normas do cân. 1 923 ; g) os
Vigários cooperadores, quando tiverem recebido faculdades gerais
"ad universitatem causarum" .
M . F á b r e g a s, S . j . (Periodica, 1 933, p. 1 96) afirmando com os
demais autores que o Pároco presuntivo validamente assiste ao Matri-
Revis�a Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezemb ro 1 943 1 007

mônio em êrro comum, conclui dizendo : e isto se deve afirmar de todos


aquêles que, segundo as normas do Código, se igualam ao Pároco nos
respectivos direitos e obrigações paroquiais, como são : os Quase-Párocos,
os Vigários paroquiais (e. 45 1 , § 2 ) , o Vigário ecônomo e Vigário substi­
tuto. A enumeração não é completa ; segundo nossa opinião deve-se isto
afirmar de todos os que acabamos de enumerar e que gozam de pleno
poder paroquial.
O mesmo M. Fábrega:;, examinando em segu ida a questão : se a Santa
I grej a, pelo e. 209, quer também suprir, ou n ão, a falta de delegação no
sacerdote que sem ela em êrro comum assistir ao Matrimônio, divide
a questão em duas partes : 1 .º se os casamentos contraídos em êrro comum
perante um Vigário cooperador, não delagado ad tmiversitatem causa­
ram, poderão ser considerados válidos, ou não ; 2.º se poderão ser válidos
os casamentos contraídos perante um sacerdote de quem se j u lga, em
êrro comum, que estej a delegado para um caso particular.
Respondendo à dupla pe'rgunta, diz M. F á b r e g a s : julgamos válido ·

o casamento em ambos os casos sob a condição que possa h aver êrro


comum em ambos os casos. Pois sendo possível haver êrro comum em
ambos os casos, não encontramos nenhuma razão no próprio Código para,
por exemplo, �firmar a suplência da j u risdição no primeiro caso, quando
se trata d a suplência do direito próprio e, por assim dizer, notarial do
Pároco, e negar a suplência no segundo caso, onde só se trata de suprir
a delegação dada em vi rtude daquele mesmo poder. Acresce, diz Fábregas,
que também em cada Matrimônio particular se verifica a razão da utili­
dade pública e do bem público, porque é certamente do interêsse da Santa
I grej a que cada qual possa validamente contrai r o Matrimônio.
Entretanto, continua o mesmo autor, a dificuldade consiste em saber,
se em ambos os casos é possível verificar-se o êrro comum, ou não. A
solução desta dificuldade é que devemos procurar na noção do próprio
êrro comum, o qual é ( como também nós dissemos acima) um tal j u ízo
falso de alguém ou de vários que, tomando em consideração o objeto
acêrca do qual existe o êrro como também os meios de que dispõem em
geral os fiéis para combater tal êrro, outra qualquer pessoa com certeza
moral cairia no mesmo engano, e que tal j u ízo falso poderia (pro subiecta
materia) causar um prej uízo grave a cada um dos fiéis. O exemplo dum
sacerdote que, sem ter a necessária j u risdição, se assentar no confessio­
nário com as j a nelinhas abertas de maneira que possa ser visto pelos que
entram na igreja, explica perfeitamente o que ficou dito. Porque todos os
fiéis que vêem o sacerdote em tais circunstâncias sentado no confessio­
nário, logo formarão o j u ízo : "2ste Padre pode ouvir-me de confissão."
"Destas explicações segue logicamente - assim conclui M. Fábregas
- que o cân. 209 poderá ser aplicado aos casamentos contraídos perante /

um Vigário cooperador que, segundo o cân. 1 095, § 1 , costuma gozar de


licença geral para assistir aos Matrimônios, e que n ão poderá ser apli­
cado aos casamentos celebrados perante um sacerdote delegado para
um caso determinado. Porque no primeiro caso poderá dar-se o êrro co­
mum, no segundo haverá apenas ignorc1ncia comum, ou êrro privado e
particular. Pois os fiéis sabem mu ito bem comumente que devem tratar
com o Pároco sôbre o Matrimônio a contrair e não com qualquer sacer­
dote. E por isso mesmo o êrro dêstes ou daqueles noivos não é tal que
também outros quaisquer nas mesmas circunstâncias cairiam no mesmo
engano ; e por isso também · não haverá o caso do dano público."
1 008 Assuntos pastorais

Pe. U b a c h, S. J., examinando em seu Compendium Tlz.


Mor. li, n . 849 ( nota) esta mesma questão do Pároco presuntivo,
diz resum idamente o seguinte : 1 .0 Assistir ao Matrimônio é um
ato que, para ser válido requer a jurisdição no assistente ou no
que conferiu a delegação ao assistente ; porém a assistência em
si não é nenhum ato de jurisdição. 2.0 Verdade é que essa assis­
tência se assemelha muito à ju risdição, mas, se lhe parece ser
igual, é só por causa da jurisdição pressuposta, necessária para
assistir ou para conceder a delegação, e não porque se exerce um
ato de jurisdição pela a·s sistência. Tal igualação encontramos
ainda em o novo Código, onde a licença, da qual falam os cc.
1 096, 1 097, é chamada delegação nos cc. 1 094, 1 096, 1 098, 1 1 03
em razão da jurisdição pressuposta no delegante. Essa licença
é chamada delegação não porque o delegante confere sua jurisdi­
ção, mas porque, em concedendo a licença, exerce tal poder. 3.0
Não pretende o cân. 209 suprir qualquer licença necessária para
o valor do ato, mas só a jurisdição. Querendo, porém, alguém es­
tender o cân. 209 também à licença ( delegação) , deve supor que
o êrro comum exista com respeito ao "ofício" da pessoa e não
acêrca da existência da " licença" ; pois assim o entendia a opinião
dos antigos juristas sancionada pelo cân . 209, e entendê-lo de
outro modo seria contra o bem público.
Do que ficou dito tira U b a c h a seguinte conclusão : Haven­
do, pois, êrro comum, supre a Santa Igrej a quanto ao Pároco a
jurisdição pressuposta, de que carece para a validade do ato ;
e, por isso, depois do novo Código, a assistência dêle ou a de­
legação dada por êle é certamente válida ; não é, porém, vál ida
a assistência de quem não é Pároco, porque êsse não precisa
ter jurisdição mas licença ( delegação) , a qual não é suprida.
Eis a razão por que os tribunais eclesiásticos sempre declar:aram
nulo o Matrimônio contraído por falta de delegação no assistente.
C a p e 1 1 o, (De Matr., ed. 4, 1 939, n. 67 1 ) , depois de ha­
ver explicado a doutrina sôbre a suplência da j urisdição em êrro
comum com relação ao Matrimônio, declara : "O que ficou dito
até aqui, de per si deve ser apl icado também à licença ( delega­
ção ) concedida a um sacerdote para assistir ao Matrimônio. A
d�11ida positiva e provável facilmente poderá verificar-se. Dificil­
mente, porém, haverá êrro comum ao tratar-se dum sacerdote
especialmente delegado, isto é, ao tratar-se da licença ( delegação)
concedida para um caso particular. T ratando-se ao contrário dum
sacerdote delegado ad universitatem causarum, sobretudo quando
fôr Vigário cooperador, ou quando se trata dum sacerdote que
muitas vêzes supre o Pároco no seu ofício, não poucas vêzes po-
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 009

derá verificar-se o êrro comum. E', pois, uma questão de fato.


E' preciso considerar as circunstâncias de cada caso, sobretudo
qual o fundamento do êrro, qual o modo de proceder do sacerdote
e qual a opinião dos paroquianos. Facilmente poderá verificar-se
o caso do êrro comum com relação ao Pároco, Vigário substituto
e sacerdote suplente, os quais, havendo êrro comum, validamente
assistem ao Matrimônio."
D e S m e t (De Sponsalib. et Matr., 1 , n. 1 1 8) diz apenas
o seguinte : "lta locus esse potest suppletio11i Ecclesice, quatenus
valida sit assistentia prrestita a sacerdote, qui errore communi
reputatur delegatus, aut cuj us delegationi favet dubium positi­
vum et probabile, sive iuris sive facti."
Conclusões
De tudo quanto ficou exposto podemos tirar as seguintes
conclusões :
l .º A Santa Igrej a supre certamente a j u risdição em êrro comum, quer
se trate de êrro comum de fato quer de di reito.
2.º Supre certamente também sem título colorat11s, conquanto que
exista título presu mido ; requer-se ao menos êste, porque sem título não
é concebível a ju risdição. Não se requer título coloratus, porque a razão
que mi lita em prol do êrro comum com título coloratus, i. é, o bem pú­
blico, essa mesma razão milita, quando não há senão êrro comum.
3.º Facilmente verificar-se-á o êrro comum com relação aos sacerdotes
que o povo j u lga estarem providos de plenos poderes paroqu iais, como
são todos aquêles designados no cân. 1 094 pelo nome de "Pároco". (Vide
supra.) N o 1 d i n exclui (Th. Mor. I l i , De Sacr., n. 637 ) o Pároco intruso
dizendo : "Não assiste validamente o Pároco intruso, i. é, nomeado e insti­
tuído por uma autoridade i legítima (v. g., autoridade civi l ) sem o con­
sentimento do legitimo Superior eclesiástico, porque tal intruso nem é
Pároco nem foi nomeado pela legítima autoridade." Mas, segundo a nos­
sa opinião, se o povo ignorar o fato da ilegítima instituição (hipótese
inverossími l ) , considerando tal "i ntruso" como seu legítimo Pároco, não
há motivo de fazer-se uma exceção na regra geral, porque em tal caso
certamente estará o povo em êrro comum. Além disso ju lgamos ser rela­
tivamente fáci l que o nosso povo, sobretudo no Interior, nas paróqu ias
administradas por rel igiosos, tenha um Padre em conta de Vigário co­
operador delegado ad w1iversitatem causarum que o não é; basta para
isto um Padre da mesma Ordem ou Congregação visitar as capelas or­
dinariamente administradas pelos Vigários cooperadores e o povo con­
clui : "E' um dos nossos Padres, tem todos os poderes."
4.º Enfim, quanto ao sacerdote delegado para um caso particular, diz
M. F á b r e g a s que não é possível verificar-se o êrro comum, e sim
só o privado ou particular, enquanto C a p e 1 1 o e D e S m e t admitem
a possibil idade de êrro comum também neste caso, negando U b a c h a
suplência da Igreja no caso, porque o cân. 209 não quer suprir a licença
e sim a j u risdição pressuposta.
Julgamos mais acertada a opinião que diz : dificilmente veri­
ficar-se-á o êrro comum com relação ao sacerdote apenas dele-
1010 Assuntos pastorais

gado para um caso particular, quando não é tido pelos fiéis, com
boas razões, como Pároco p resuntivo. E' uma questão de fato,
dizemos com C a p e 1 1 o ; é preciso avaliar o fundamento que
causa o êrro, o modo de p roceder do sacerdote e a opinião dos
paroquianos e, havendo deveras ( será dificílimo) êrro comum,
não hesitamos em afirmar a suplência da I grej a . Não raras vê­
zes, em nosso País o casamento será válido por se verificar o
caso exceto do cân. 1 098.
Por fim um breve aviso ao amável Consulente : Poderá haver,
ainda em nossos dias, casamentos nulos por falta de j u risdição no
assistente, i . é, por falta de delegação, sendo, por isto, as afirma­
ções do colega do Consulente bastante temerárias. Nem devemos
esquecer os cc. 1 O 1 9- 1 032 que falam dos requisitos antes de ad­
mitir os nubentes ao casamento e dos proclamas. Tudo isto, em
circunstâncias ordinárias, só poderá ser feito convenientemente
pelo próprio Pároco e, por isto mesmo, não há grande perigo
que sacerdotes não competentes se atrevam a provocar o êrro
comum. Frei A 1 e i x o, O. F. M. ( Petrópolis)

A comunhão frequente e a "Instrução Reservada"


da S. Congregação dos Sacramentos
Querendo acostumar os meus paroquianos à Comunhão frequente,
comecei por introduzir a Comu nhão mensal, fixando para cada domingo
do mês a Comunhão geral de uma das i rmandades e associações paro­
quiais. Entretanto não me dei por satisfeito com u m simples aviso, mas
acrescentei que, faltando alguém duas ou três vêzes por ano, sem razões
j ustificativas, à Comu nhão geral, seria eliminado da associação. O meu
novo coadjutor reprova êsse meu procedimento e diz que estou pecando
contra algumas recentes determinações d a S. I grej a a êsse respeito, as
quais prolbem qualquer coação, e que também n ão é lícito empregar a
expressão "Comu nhão geral". O mesmo êle foi ensi n a r à I rmã Superiora
dum Colégio de meni n as ; e essa, quando chega a hora de as meninas se
confessarem, dá o seguinte aviso : " Estão dois Padres na Capela para
atender às confissões ; as que se querem confessar podem fazê-lo, as
que não querem podem i r passear ; pois não quero saber, se alguém de
vocês se confessa ou não se confessa, nem faço caso, se vocês vão receber
a Comun h ão, ou não." Em consequência disto diminuiu mu ito o n ú mero
das comun h ões n aquele educandário. Quais são estas determinações d a
S. I grej a de q u e f a l a o meu coadj utor?
- N. N .

Con teúdo essencial d a Instrução Reservada

Existem, de fato, determinações bastante recentes da S. I grej a


concernentes à Comunhão frequente e cotidiana, isto é , a tal
lnstructio Reservata da S. C ongregação da Disciplina dos S. Sa­
cramentos, de 8 de dezembro de 1 938, comunicada ao princípio
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1943 1 01 1

qua se em segrêdo aos Revmos. Ordinários, mas depois publicada


em não poucas revistas e periódicos eclesiásticos.
Essa Instrução Reservada não é de forma alguma contra a
Comunhão frequente e cotidiana, pelo contrário louva-a muito,
defende e promove a sua difusão entre os fiéis em geral, sobre­
tudo entre a juventude católica, citando Jogo no princípio os se­
guintes documentos da S. Sé : "Communio frequens et quotidia­
na . . . quam maxime promoveatur in clericorum Seminariis . . .
item in aliis christianis omne genus ephebeis." (Decretum Sacra
Tridentina Synodus, n. 7 . ) Et "puerorum curam habentibus omni
studio conandum est ut post primam communinem iidem pueri ad
sacram mensam srepius accedant et, si fieri possit, etiam quotidie,
prout Christus et mater Ecclesia desiderant, utque id agant ea
omni devotione quam talis fert retas." (Decretum Quam singu­
lari, n. 6.)
Ao mesmo tempo, porém, inculca a S. Congregação a obser­
vância das condições necessárias para a Comunhão frequente e
cotidiana ( isto é, status gratice atque recta intentio ), para se evi­
tarem, na medida do possível, as comunhões sacrílegas. Tal pe­
rigo, diz a S. Congregação, existe infelizmente por causa de nos­
sa pobre natureza humana, cui assueta vilescunt, e êsse perigo
é bem maior, onde se faz a aproximação à Mesa Sagrada em co­
mum, como sói acontecer nos Seminários, Comunidades religiosas
e colégios e institutos destinados à educação da j uventude católi­
ca, e também às vêzes por ocasião de outras comunhões coletivas.
Nestas circunstâncias pode mais facilmente acontecer que alguém,
tendo embora consciência de pecado mortal em sua alma, por
respeito humano, para não se expor à admiração dos outros, se
aproxime sacrilegamente da Mesa Sagrada.
A fim de eliminar, na medida do possível, tais abusos deplo­
ráveis, a S. Congregação houve por bem indicar aos Pastôres
de almas os seguintes remédios :
1 . Os pregadores e d iretores de almas, ao exortarem os fiéis, sobre­
tudo os j ovens, à Comunhão frequente e cotidiana, não deixem de de­
clarar abertamente que ela não está preceituada e que é preciso receber
a Comunhão em estado de graça santificante e com reta i ntenção.
2. Juntamente com a Comun hão frequente, promova-se a Confissão
frequente, concedendo a todos grande facilidade e plena liberdade de se
con fessarem, devendo h aver tal faci lidade e liberdade também pouco an­
tes da S. Comunhão ; e isto sobretudo nos educandários da j uventude
de ambos os sexos.
3. A lém disso, os Superiores declarem abertamente aos seus súditos
que, embora muito se alegrariam com a Comunhão frequente dêles não
merecem censura os que a não recebem frequentemente, antes êles toma­
rão isto por i ndício de consciência tenra e delicada. Tomem, porém, cui­
dado os Superiores para que, por fatos, não contradigam as suas pró-
66
1012 Assuntos pastorais

prias palavras. Tendo, pois, os Superiores de se pronunciar sôbre o pro­


gresso na piedade dos j ovens seus súditos, não tomem em consideração
a maior ou menor assiduidade com que os mesmos se aproximam da
Sagrada Mesa.
Nunca se marcará nas comu nidades de meninos ou de meninas uma
Comunhão geral para determinado dia ; também fora das comunidades
não se deve emprega r a expressão "Comunhão geral", e, se fôr usada,
deve explicar-se o seu sentido, a sabe r : que todos estão convidados, mas
que ninguém está obrigado a receber a S. Comunhão, ficando a todos
plena liberdade de ação.
Na hora d a Comunhão se deve evitar tudo quanto possa causar in­
cômodo àqueles que não querem comu ngar. Por isso, para que mais fa­
cilmente passe despercebida a sua não-aproximação da Sagrada Mesa,
evite-se todo incitamento e também qualquer regu lamentação rígida e
quase militar. Por outras palavras, a I nstrução desej a que os comun­
gantes se aproximem da Sagrada Mesa em santa desordem, e não em
filas organizadas.
A I nstrução fala ainda das Religiosas, mas os remédios acima ex­
postos são os principais e de aplicação geral ; a êstes, os respectivos Or­
dinários poderão ainda acrescentar outros que acharem oportunos. E
tudo isto deve ser observado, para que o SS. Sacramento da Eucaristia,
instituído por N . S. jesus Cristo para o progresso e bem espiritual dos
homens, não venha a transform ar-se pela mallcia ou culpável negligência
dos mesmos e m detrimento e perdição das almas.

Resposta mais direta à consulta


Tudo quanto ficou dito já é uma resposta às dificuldades
do Consulente ; contudo será conveniente dar resposta mais cir­
cunstanciada.. Antes de tudo convém lembrar que o Vigário,
exortando seus paroquianos à Comunhão frequente, não faz ou­
tra coisa do que cumprir o dever que lhe é imposto pelo cân.
863 : "Excitentur fideles ut frequenter, etiam quotidie, pane Eucha­
ristico reficiantur ad normas in decretis Apostolicre Sedis tradi­
tas ; utque Missre adstantes non sol um spirituali affectu, sed sa­
cramentali etiam sanctissimre Encharistire perceptione, rite dispo­
siti, communicent." O nosso Cone. Plen. vai além, no decreto n .
225, § l : " Parochi, concionatores et confessarii . . . iuxta can.
863 fideles vehementer hortentur ut frequenter et, si fieri potest,
etiam quotidie SS. Eucharistiam digne ac devote suscipiant. "
Mas o que é reprovável no procedimento do digno Consu­
lente é que procurou coagir à comunhão frequente, expulsando
da Associação os membros negligentes e tíbios. Tal coação de
forma alguma é sustentável em vista das determinações da I ns­
trução Reservada ; poderá o V igário expulsar os membros negli­
gentes, em assistir à reunião mensal, etc., mas não preci�amente
por faltarem à S. Comunhão. Nem lhe é lícito dizer, por ex. : "No
próximo domingo haverá Comunhão geral para determinada as­
sociação", mas simplesmente falará em Comunhão de tal. asso-
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1013

ciação ; o u então, como ficou dito acima, explicará o sentido da


palavra "geral".
Também a Irmã Superiora ultrapassou os limites da pru­
dência . A Santa Igrej a quer que se promova, sobretudo entre os
.

jovens, a Comunhão e Confissão frequentes, embora sem coação.


E' preciso, pois, instruir as almas juvenis sôbre os efeitos mara­
vilhosos e sôbre a necessidade da Comunhão frequente em nossos
tempos, falar-lhes do desej o veemente de jesus de reinar em
'
nossos corações, etc., para que espontâneamente se decidam à Co-
munhão assídua. Pe. H . B o r g e s ( Pouso Alto)

Pró-Seminário
Numa reuntao do Clero diocesano, estando presente quase todo o
Clero secular e regular da Diocese, exortou o Sr. Bispo encareci damente
os seus Padres a uma cooperação mais ativa e mais eficaz em tavor do
Seminário em constru ção. Manifestando um dos Padres presentes as suas
dificuldades para angariar esmolas, surgiu uma discussão pró e contra,
até que o Sr. Bispo, para cortar tôdas as controvérsias, decidiu : " I mpo­
nho a todos os Vigários e Reitores de igrej as o preceito de pedir esmolas
dos fiéis para a construção do nosso Seminário sob a cominação de uma
sanção penal." Cessaram logo as discussões, mas não os comentários :
uns aprovaram o procedimento do Sr. Bispo, outros o reprovaram. Quid
de iure? - ( Pe. M. L. )

Urgente necessidade dos Seminários


Todos conhecem sobej amente a urgente necessidade dos Se­
minários, mais evidente do que a luz do sol, e que constantemente
é relembrada pelos Concílios e pelos SS. Pontífices. Contudo o
primeiro ponto da nossa resposta à consulta acima será um rá­
pido esbôço desta tão premente necessidade, porque ela constitui
a base para a nossa resposta, e ademais "de hac re nunquam
satis" .
Diz a Carta Pastoral Coletiva de 1 9 1 5 (n. 1 234) :
"E' disposição do S. Concílio de Trento, que cada d iocese tenha seu
Seminário. E no dizer do B. Gregório Barbarigo é impossível dar a uma
diocese boa di reção e govêrno sem o auxílio de um ótimo e florescente
Seminário. Onde é florescente o Seminário, florescente será também a
d iocese, e onde é decadente o Seminário, agonizará a d iocese. Eis por
que exclamava S. A f o n s o d e L i g ó r i o : Heu quot episcopi, eo quod
Seminarium negtexerint, damnabuntur!"
"Para que se torne florescente (n. 1 235) o Seminário, duas condições
são necessárias : disciplina e boa administração de seu patrimônio."
" D a formação dum bom Clero ( n . 1 238) depende a salvação do B ra­
sil . . . " N. 1 270 : "E' o Clero a porção mais mimosa da Igrej a, como o
sol em seu fi rmamento. Para fazer reinar jesus Cristo no mundo ne­
nhuma coisa é tão necessária como a santidade do Clero, muito bem
o disse o SS. fadre P i o X, porque com o exemplo, com a palavra e com
66*
1014 Assuntos p astorais

a ciência é guia cios fiéis, que, como diz antigo p rovérbio, serão tais quais
forem os sacerdotes : Sicut sacerdos, sic p opulus."
O S. Padre Pio X I , fala em sua Epistola Apostólica De se­
minariis et studiis ( 1 ag. 1 922) desta grande necessidade do
Clero, tão intimamente relacionada com a existência da própria
I grej a que a Providência divina cuidará sempre para que haj a
número suficiente de sacerdotes. Contudo o S . Padre acrescenta :
"Todos conhecemos a palavra de N . Senhor : Messis quidem multa,
operarii autem pauci. Rogate ergo Dominum messis, ut mittat
operarios in messem suam." (Mt 9, 37-38.) Por isso para que
cresça sempre mais o número dos apóstolos sagrados, queremos
que se observe o que o Código de Direito Canônico assim pres­
creve : Dent operam sacerdotes, prresertim parochi, ut pueros,
qui. indicia prrebeant ( i . é, boas qualidades físicas, morais e in­
te lectuais) ecclesiasticre vocationis, peculiaribus curis a sreculi
contagiis arceant, ad pietatem informent, primis litterarum studiis
imbuant divinreque i n eis vocationis germen foveant. (C. 1 353. ) "
NB. O Concflio Plenário B rasileiro ( decreto n. 443) recomenda mais
uma vez esta prescrição do Código, dizendo : § 1. Sacerdotes et p rreser­
"

tim paroch i ad normam can. 1 353 vocationes ecclesiasticas totis viribus


foveant, habeantque sibi i n Domino commendatos pueros, q u i ad statum
ecclesiasticum adspirant.
§ 2. Eosdem adscribi cu rent piis adolescentium associationibus, ex. gr. ,
congregationibus SS. Cord is jesu vel B . Marire Vi rginis, atque in sacris
creremoniis erudiant, eorumque opera utantur i n sacris functionibus
peragendis."
Continua Pio XI : " Estando os seus alunos suficientemente
preparados, tratem de enviá-los a algum Seminário eclesiástico,
para que ali sej am aperfeiçoadas a educação e instrução princi­
piadas sob a direção do Vigário ou outro sacerdote. Se a pobre­
za dos candidatos fôr um impedimento para a sua admissão no
Seminário e os próprios sacerdotes não puderem custear as des­
pesas do estudo, instruam os bons fiéis sôbre a santidade e in­
crível utilidade dessa obra para que êsses então prestem o ne­
cessário auxílio pecuniário." Por fim recomenda o Papa a todos
que amam deveras a S. Igrej a de promoverem com tôdas as suas
fôrças a Obra das Vocações Eclesiásticas, instituída para auxi­
liar tais j ovens de boa esperança. Com respeito a essa Obra das
Vocações prescreve o decreto n. 444 do Cone. Plen. Bras. : " l n
singulis dkecesibus instituatur Opus vocationum ecclesiasticarum,
quod omni studio in quavis diorecesis parrecia a clero et a piis
associationibus, prresertim vero ab adscriptis Actioni catlzolicl2,
promoveatur."
Na sua Encíclica Ad Catholici Sacerdotii o mesmo S. Padre P i o X I ,
f alando da formação do Clero, diz : "O Seminário é , pois, e deve ser, como
a pupila de vossos olhos, Veneráveis I rmãos, que participr.is conosco do
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1015

pesado fardo d o govêrno d a Igrej a. O Seminário é e deve ser o objeto


principal de vossas preocupações . . . Por Nossa própria conta (fala dos
Seminários regionais), como todos sabem, lá onde julgávamos necessário,
temos edificado, aperfeiçoado e ampliado alguns dêsses Seminários re­
gionais, e isto não sem pesadas despesas, nem sem grandes cuidados e,
com o auxílio de Deus, continuaremos ainda no futuro a consagrar todo
Nosso zêlo por uma obra que Nós colocamos entre as mais úteis para
o bem da Igrej a . . . " "Quanto mais também refletirmos e pensarmos -
assim afirmava o amável Santo da Caridade, Vicente de Paulo - sem­
pre acharemos que nunca poderíamos contribuir para coisa maior do
que para fazer bons Padres." Na verdade, nada é mais agradável a Deus,
mais honroso para a Igrej a, mais proveitoso para as almas do que o
dom de um santo sacerdote. Se aquêle que oferece um copo dágua ao
menor dos discipulos de Cristo não perderá sua recompensa (Mt 1 0, 42) ,
qual não será a recompensa daquele que põe, por assim dizer, nas mãos
puras de um jovem levita o cálix sagrado, empurpu rado do Sangue da
Redenção, e aj uda a elevar para o céu êste cálix, penhor de pacificação
e de bênção para a humanidade.
"E' aqui que Nosso pensamento reconhecido se volta para a Ação
Católica por Nós com tanto esfôrço prescrita, promovida e defendida e
que, unindo os leigos ao apostolado hierárquico pela união dos mesmos
trabal hos, por isso mesmo não pode deixar de se interessar pelo pro­
blema das vocações sacerdotais. E, de fato, para Nossa profunda con­
solação, Nós a vemos em tôda parte distinguir-se neste campo particu lar
da atividade cristã, como em todos os demais ; certamente, a recompensa
mais rica de seu devotamento é precisamente esta admirável floração de
vocações sacerdotais e religiosas no seio de suas organizações de j u­
ventude, provando assim, que elas não são apenas um terreno fecundo
para o bem, mas também um j ardim bem guardado e bem cultivado
onde as flores mais belas e mais delicadas podem expandir-se sem pe­
rigo. Apreciem todos os membros da Ação Católica a honra que daí
decorre sôbre sua associação e se persuadam de que pela colaboração
neste recrutamento do Clero secular e regular, melhor do que por qual­
quer outra maneira, o laicato participará efetivamente da alta dignidade
do sacerdócio real, cuj o povo de aqui11ição o Príncipe dos Apóstolos
saúda . . . "
A legislação eclesiástica
B sses poucos textos, escolhidos quase a êsmo entre muitís­
simos, facilmente explicam o porquê das leis eclesiásticas que
regem a presente matéria.
Ordena, pois, o cânon 1 355 :
"Para ereção do Seminário e manutenção dos seminaristas pode o Sr.
Bispo, se faltarem rendimentos próprios :
t .• Mandar aos Párocos e outros Reitores de igrej as, ainda que isen­
tas, que façam, em tempos marcados, coletas em suas igrejas para êste
fim ;
2.º Prescrever em sua diocese uma taxa ou tributo ;
3.º Caso tudo isto não sej a suficiente, atribuir ao Seminário alguns
beneficias simples."
O segundo e terceiro meios já foram inculcados pelo Concí­
lio de Trento ; e h oje é o cânon 1 356 que contém as necessárias
1016 Assuntos pastorais

explicações sôbre essa taxa ou tributo. O primeiro meio é novo ;


foi introduzido pelo Código de Direito Canônico. A sua realização
é facílima, sobretudo se o Pároco e os demais Reitores de igre­
j as, em seu zêlo pela causa de Deus, souberem instruir o povo
sôbre a utilid_ade destas esmolas em prol do Seminário.
Prescreve o cânon 1 505 :
"A lém do tributo para o Seminário, do qual falam os cânones 1 355
e 1 356, ou da pensão beneficial, de que trata o cânon 1 429, pode o Or­
dinário do lugar, por causa duma especial e u rgente necessidade da dio­
cese, impor a todos os beneficiários tanto seculares como religiosos uma
extraordinária mas moderada arrecadação."
O Concilio Plenário Brasileiro, confirmando essas prescrições
dos cânones 1 355 e 1 356, declara no decreto 454 :
"que os P árocos, a fim de providenciar a respeito das n ecessidades
temporais do Seminário e manutenção dos seminaristas, devem lembrar
aos fiéis a obrigação que têm de fomentar as vocações eclesiásticas por
meio de contribuições pecu n iárias e os devem exortar a fazerem donações
inter vivos aut mortis causa."
No segundo parágrafo diz o mesmo decreto : "Os sacerdotes, mor­
mente os que receberam no Seminário i nstrução gratu ita, fora das outras
obrigações talvez contraídas, não deixem, em sinal de gratidão e memó­
ria, de prestar ao mesmo Seminário o seu auxílio, ficando fi rme a p res­
crição do decreto 22, § 2. i:.ste decreto recomenda encarecidamente aos
sacerdotes que, nas disposições testamentári as feitas em vida, não dei­
xem de c u i dar da p rópria alma, das causas pias, das necessidades da dio­
cese, mas sobretudo das vocações sacerdotais, do Seminário e de . sua
igrej a, legando a essa as sagradas alfaias." Aqui convém lembrar tam­
bém a prescrição do cânon 1 473, isto é, que "os beneficiários tem a
obrigação de gastar o supérfluo dos bens beneficiais em prol dos pobres
ou de causas pias."
Determina o decreto n. 484 do Concílio Plenário Brasileiro : "Anual­
mente far-se-á em tôdas as igrej as, também nas isentas, e em dias mar­
cados, estando o povo p reviamente �avisado, uma coleta que logo deve
ser transmitida à Cúria d iocesana, e m favor . . . f) do Seminário dioce­
sano ; g) do Seminário Brasi leiro em Roma."
E para terminar, ouçamos mais o decreto n . 445 : "Ao menos uma vez
cada ano, segundo as ordens do Ordinário, façam-se em cada Paróqui a so­
lenes suplicações, mormente Comu nhões gerais e adoraçãQ pública do
SS. Sacramento, para i mpetrar de Deus vocações eclesiásticas. Neste
mesmo tempo façam-se, em tôdas as igrej as, também nas dos religiosos,
e em tôdas as Missas e outras funções . sagradas, coletas, a fim de assim
prover às necessidades temporais do Seminário e à manutenção dos se­
minaristas."
Conclusão
Em vista destas leis eclesiásticas, claras e precisas, clara e
unívoca é também a resposta que devemos dar como solução ao
caso proposto : ·

Sim, assiste ao Ordinário do lugar o direito de exigir dos


seus sacerdotes que peçam esmolas dos fiéis para o bem do Se­
minário ; o decreto n. 454 do Concílio Plenário até diz que os
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1017

fiéis estão obrigados a d a r tais esmolas. E o cânon 1 355 afirma


"Episcopus iubere potest." Ora, se pode mandar, se pode dar um
preceito, pode também aj untar ao preceito uma sanção penal con­
tra os reni tentes. Por conseguinte, o Sr. Bispo, de quem fal a
o caso, procedeu conforme as suas legítimas faculdades e po­
deres.
Naturalmente, a sanção penal deve estar em proporção com
a gravidade da lei e sua transgressão. Inconveniente, por exem­
plo, seria, se, no caso presente, o Sr. Bispo cominasse os reni­
tentes com a exoneração da Paróquia. Tal remoção, se o Pároco
fõr inamovível, só poderá ser feita segundo as normas dos cc.
2 1 47-2 1 56 ; se amovível, segundo as normas dos cc. 2 1 57-2 1 6 1 ;
e num caso de transferência se devem observar os cc. 2 1 62-2 1 67.
Frei A 1 e i x o, O. F. M. (Petrópolis)

Pequenos casos pastorais


Oratório e conservação da SS. Eucaristia. - No centro do prédio
dum pequeno hospital - a Comunidade religiosa consta apenas de cinco
I rmãs de Caridade - existe uma capelinha com o Santlssimo, onde tam­
bém se celebra a S. Missa. A I rmã Superiora achou a situação da capeli­
nha muito inconveniente, por estar demasiadamente exposta às garga­
lhadas dos doentes, etc. ; e, por isso mesmo, menos apta para a medi­
. tação e recitação do ofício divino. Dai, com as devidas licenças do Sr.
Bispo, mandou transferir a capela para um quarto do segundo andar do
sanatório anexo ao hospital. �sse novo oratório fica encostado à clau­
sura das Irmãs ; é lá que agora rezam o divino oficio e fazem os outros
exercidos de piedade. No dito sanatório estão i nternados os doentes ri­
cos. Por isso os doentes pobres do hospital não podem mais assistir
às sagradas funções. Por êste motivo o Capelão do hospital opôs-se a
tal transferência, e resolveu celebrar a S. Missa um dia na antiga capela
do hospital, outro dia no oratório novo, conservando-se em ambos a SS.
Eucaristia. E', porém, i ntenção da I rmã Superiora de guardar o San­
tlssimo somente no oratório removido. Quid ad casum?
A única dificuldade do caso é a questão se é permitido conservar em
ambos os lugares a SS. Eucaristia, visto que nada impede se celebre em
ambos a Santa Missa. Os motivos da transferência alegados pela I rmã
Superiora são razoáveis, como também está fundada em sérias razões a
oposição por parte do Capelão. Solução ideal do caso seria a combinação
harmônica das aspirações legítimas de ambas as partes. E esta solução
i deal, só a encontraremos no titulo XV do livro l l l do Código de Di­
reito Canônico : "De custodia et cultu sanctissimre Eucharistire" . Vejamos :
Antes de tudo não faltam no caso presente as duas condições estabe­
lecidas pelo cânon 1 256, como absolutamente necessárias para a conser­
vação da SS. Eucaristia, a saber : celebração da Santa Missa uma vez
por semana, de ordinário ao menos, e a presença dum custódio, o qual
não precisa ser necessariamente sacerdote ou clérigo. ( Cf. resp. S . R . C . ,
1 7 febr. 1 88 1 , vide apud V e r m e e r s c h, Epitome, l i , n . 588. ) O nú­
mero 2.º do mesmo cânon diz : "Com a licença do Ordinário do lugar
1018 Assuntos pastorais

poderá ser guardada a SS. Eucaristia nas i grej as colegiais e no oratório


principal, sej a público sej a semipúblico, duma casa pia ou religiosa,
como também no oratório de colégio eclesiástico, cujo regime estã en­
tregue ·ao Clero secular ou religioso." O cânon segui nte (c. 1 267 ) res­
tringe esta faculdade, revogando qualquer privilégio contrário e declarando
que numa e mesma casa religiosa ou pia a SS. Eucaristia não poderá
ser conservada sen ão n a i grej a ou no oratório principal. Ora, estã claro,
no mesmo edifício material só poderá h aver u m único oratório principal,
a não ser que nêle residam separadas familias, formando assim formal­
m ente diferentes casas religiosas ou pias. Tal caso verificar-se-á, por
exemplo, quando num Seminário reside também u m a comunidade de
I rmãs religiosas para determinados trabalhos, ou quando num convento
moram a comunidade dos religiosos e a dos alunos. Nestes casos cada
comunidade tem d i reito ao seu oratório principal separado, com a facul­
dade de nêle guardar a SS. Eucaristia. ( Cf. V e r m e e r s c h, Epitom e,
I I , n . 592. ) Segundo a descrição dada pelo consulente, parece haver no
caso proposto duas casas não só formalmente mas até materialmente se­
p aradas : o hospital para os doentes pobres e o sanatório para os ricos
j unto com a residência para as I rmãs. Se fôr êste o caso, tanto o sana­
tório com a residência para as I rmãs, como também o hospital têm di­
reito a u m oratório principal. Nada p arece, pois, obstar a q u e o Sr.
B ispo permita a conservação d a SS. Eucaristia tanto n a capela do hos­
pital, como também n a do sanatório, contanto que se observem as de­
mais normas prescritas. Para u lteriores explicações, referimos o leitor ao
artigo publicado em o número p recedente desta revista, pelo Pe. Frei
Francisco X avier, O. F. M. (REB, 1 943, p. 725. ) Pe. P . M o n t e i r o

Oratorlum ad in s t a r - "Muito desejo que os Revdos. canonistas da


.

, Revista me resolvam esta dúvida. Na minha paróquia hã u m Oratório


ad instar - quer dize r : u m oratório cuj o dono tem licença para fazer
celebrar nêle Missas e outros atos religiosos. Ali se realizam casamen­
tos, batizados, etc.
E' como um oratório semipúblico, mas pertence a um fazendeiro. Está
colocado no fundo de uma varanda d e modo que as pessoas que dese­
j a m podem a l i assistir à Missa, etc. A licença para funcionar êsse ora­
tório se renova de 5 em 5 anos, pela autoridade episcopal.
Pergunto : pode u m B ispo permitir que o. oratório acima .funcione?
E' certo que o pode per m odum actus ( c . 1 1 95, § 2 ) ; também o pode
por alguns anos? O meu próprio Ordinário desej a ouvir a opinião da
Revista." - ( V i gário de N . )
A ntes de tudo vamos p ô r em relêvo o s vários pontos d a consulta
o que tornará mais fácil a nossa resposta. Fala o consulente dum "ora­
tório ad i nstar", que é "como u m oratório semi público", "colocado no
fundo de uma varanda d a casa dum fazendeiro, dono do oratório" ; "neste
oratório celebram-se Missas e outros . atos religiosos, como casamentos,
batizados", etc. ; "a licença para funcionar o oratório é renovada de 5
em 5 a nos, pela autoridade episcopal." Ora, comparando entre si todos
êsses pontos, desde jã estamos inclinados a crer que o dito oratório não
sej a apenas "como um oratório semi público", mas que de fato o é, tendo
se tornado tal ou por prescrição ou por declaração d a autoridade com­
petente. Porque, dar licença para que funcione habitualmente um ora­
tório p rivado ou particu lar compete exclusivamente a S. Sé. No caso
presente, porém, a licença pa ra funcionar o oratório é renovada de .5
Hevista Eclesiástica Brasilei ra, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 101 9

e m 5 anos, pela autoridade episcopal, o que faz supor tratar-se d e um


costume de longos anos. E é muito provável que a autoridade episcopal
dos tempos passados tenha declarado o oratório da fazenda, ao principio
privado por indulto da S. Sé, semipítblico, o que segundo a nossa opi­
nião podia fazer, porque não parecem faltar as condições necessárias.
Vej amos. - O cânon 1 1 88, § 2, n. 2.º, definindo o oratório semipítblico, diz :
Semipublicum est "si in commodum alicuius commu nitatis vel cret11s per­
sonarttm erectum sit, neque liberum cuique sit illud adire." Interpretando
o cânon citado, escreve C o r o n a t a (111st. /. C. I I , n. 762, p. 64) : "Si
oratorium privatum prrescriptione aut expressa Romani Pontifiris vel etiam
Ordinarii loci concessione determinatis personis alicuius ditionis aut in­
colis intra aliquam villam degentibus, aliis fidelibus exclusis, usui adhibe­
atur, tales coloni aut familire cretum perso11ar11m de quo in canone consti­
tuere videntur et proinde illud oratorium inter semipublica adnumerandum
erit." O que acabamos de expor parece verificar-se perfeitamente no caso
presente, isto é, que o oratório da fazenda, ao principio privado, tenha
sido mudado ou pur prescrição ou por concessão do Ordinário do lugar
em semipítblico, para uso e comodidade não só da familia do fazendeiro,
mas também para os colonos da redondeza, formando aquêle núcleo de
moradores o "ccetus personarum" de que fala o cânon citado. Nem parece
faltar a outra condição que o cânon exprime pela cláusula decenter
instr11ctum, porque escreve o consulente "o oratório está colocado no fundo
de uma varanda." Nesta sua situação parece concordar perfeitamente
com o que escreve C o r o n a t a ( loc. cit., n. 767, . p. 70) : "Oratorium
generatim ita constru i debet ut formam cubiculi tribus saltem muris
clausi habeat. Admitti tamen etiam videtur forma armarii ex ligno con­
fecti, quod claudi possit, et formam altaris habeat." Concluindo diremos :
se o dito oratório por acaso não se tenha tornado semipítblico nos tem­
pos passados, ou por prescrição ou por um ato da autoridade episcopal,
nada parece o bstar que essa mesma autoridade episcopal o declare semi­
pítblico com os efeitos de que fala o cânon 1 1 93, dizendo : "ln oratoriis semi­
publicis legitime erectis omnia divina officia functionesve ecclesiasticre ce­
lebrari possunt, nisi obstent rubricre aut Ordinarius aliqua exceperit."
Pe. F. M e n d e s

Ainda a assistência ao matrimônio segundo o cânon 1098. - O Rev.


Frei A 1 e i x o escreve no artigo "Assistência ao matrimônio segundo o
cânon 1098", publicado na REB, I I I ( 1 943 ) , fase. I I , p. 45 1 : "Salvo en­
gano, é esta a ú ltima decisão dada pela S. Sé na presente controvérsia."
E' verdade, segundo A . A . S . , órgão oficial da S. Sé, n ão houve outra
decisão. Existe, porém, uma resposta privada dada pela S. Congr. dos Sa­
cramentos, aos 24 de abril de 1 935, ao Exmo. Sr. Bispo da diocese de
Metz do teor seguinte : "An, ratione habita responsi dati a Pontificia
Commissione ad Codicis canones authentice i nterpretandos diei 25 j u l i i
1 93 1 relate ad c a n . 1 098, ad h u n c canonem referendus s i t casus, q u o Pa­
rochus vel Ordinarius celebrationi matrimoni i religiosi assistere nequit,
quia lege civili prohibetur, etiam sub prena, matrimonium sic dictum civi­
le, et hoc ab auctoritate civili omnino recusatur, v. g. ob defectum instru­
mentorum qure lex civi lis requi rit." Resp. Affirmative. ( Cf. Periodica , 1 938,
p. 45-46 ; li Monitore Eccl., 1 938, p. 68.) A presente resposta, embora
não publicada no órgão oficial da S. Sé, vem confirmando tanto a doutrina
1 020 Assun tos pastorais

magistralmente exposta por Frei Aleixo n o artigo acima mencionado, como


também a opinião do Rev. Pe. H . B o r g e s no artigo intitulado "Nu­
bentes já civilmente ligados com outra pessoa" (ib. pgs. 453-457) .
Fr. Fr. X a v i e r, O. F. M.

Faculdades concedidas ao Episcopado Brasileiro. - "Venho solici­


tar a V. Revma. u m a explicação a respeito das faculdades que são em
uso e m algumas dioceses. Assi m, por ex., na diocese de N . que recebeu
estas faculdades e q u e foram comunicadas ao Clero nestes têrmos : Fa­
zemos saber q u e a S . Sé, atendendo aos pedidos formulados pelo Exmo.
Sr. Cardeal-Arcebispo do Rio de j a n e i ro e demais A rcebispos, Bispos e
P relados do B rasil por ocasião do Cone . Plen . Bras . , houve por bem
conceder-nos estas faculd ades . . . Foi feito talvez u m pedido particul a r ou
é êle extensivo a todos os Srs. Bispos? pois aqui e m N . , por q u anto m e
i nformei, não se s a b e de n a d a . P e ç o u m a resposta." - Sim, trata-se d e
faculdades concedi das pela S. Sé ao Episcopado Brasileiro depois do Con­
cílio Plenário B rasileiro, faculdades essas que se encontram p u blicadas
n a REB. (vol. 2, fase. 1 , 1 942, p. 203 sq.) E são : 1 .º D e z faculdades
concedidas pela S. Congregação dos Sacramentos, a respeito das quais
se lê n o fim d o rescrito : " O SS. Senhor N osso Papa Pio XII . . dignou­ .

se conceder aos mesmos orado res benignamente as faculdades solicitadas,


válidas por u m triênio no seu território, e devendo ser distribuídas se­
gundo o seu prude nte j u ízo e consciên c i a ; n ão obstante qualquer coisa em
contrário." 2.0 T rês faculdades concedidas pela S. Congregação do Con­
cilio, válidas por um quirzquê1Zio. 3.º Por intermédio d a S. Congregação dos
Ritos foram pedidas 4 facu ldades, mas só e m parte concedidas (vide R E B ,
t o e . c i t . , p. 205) . 4 . º U m a faculdade p o r i n termédio d a S. Congregação
dos Religiosos, d a qual diz o rescrito " esta faculdade é anual". 5.º P o r
i ntermédio d a Suprema S. Congregaçiio do S. Oficio f o i o b t i d a a facul­
dade de dispensar os sacerdotes súditos d o j e j u m eucarístico. As facul­
dades dêste rescrito "valerão até a expiração das o utras faculdades quin­
quenais". O u tras i n formações nós não podemos dar ; queira, pois, o con­
sulente dirigir-se ao· seu Exmo. Sr. B ispo, o qual lhes saberá dizer, se as
faculdades já foram renovadas. Frei A 1 e i x o , O. F. M.

Retificação. - Confiando que F a n f a n i, O . P., n o seu l ivro


De jure Religiosorum, n . 397, tivesse reproduzido com tôda fidelidade a
resposta d a Comissão do Códi go, não hesitamos e m escrever nesta Revista
(vol. 2, fase. 4, p. 999, dez. 1 942) : " A Comissão dos Cardeais para in­
terpretação do Código declarou aos 13 d e dez. de 1 923 q u e a Missa con­
ventual, de acôrdo com o ofício do dia, deve ser celebrada tam bém nas
casas dos religiosos de aml1os os sexos que tem apenas votos simples,
mas cuj as constituições, aprovadas pela S. Sé, impõem a obrigação d o
côro." Verificamos a g o r a que, n a realidade, a d ú v i d a proposta à S. S é
está redigida d a seguinte forma : " Utru m . . . Missa officio di e i respondens
debeat celebrari tantum i n religionibus regu l a r i u m et monialium vota sol­
lemnia h abenti u m ; a n etiam i n domibus religiosarum ( Fanfani a q u i intro­
duziu "in domibus religiosomm et religiosaru m " ) vota simplicia habentium,
quibus e x constitutionibus a S. Sede approbatis est obligatio chori . R. Ne­
gative a d primam partem, affirmative a d secundam." O cânon 6 1 0, para
cuj a i nterpretação a dúvida havia sido proposta, reza assim no § 2 : "Mis­
sa quoque officio diei respondens secundum rubricas quotidie celebrari ·

debet in religionibus virorum et etiam, quoad fieri possit, i n religionibus


Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 02 1

mulierum." Ora, em virtude dêste cânon e d a resposta acima mencionada


têm obrigação grave de celebrar todos os dias a Missa conventual corres�
pondente ao ofício do dia tôdas aquelas Religiões de homens que estão
obrigadas "sub gravi" à recitação coral do ofício divino e as monjas,
como também as casas de Religiosas de votos simples, cujas constituições,
aprovadas pela S. Sé, impõem a recitação do oficio divino ( não outro
ofício ) . Tôdas as demais Religiões de religiosas e de religiosas não pa­
recem estar obrigadas "sub gravi" à celebração cotidiana da Missa con­
ventual por faltarem argumentos suficientemente demonstrativos d e tal
obrigação (cf. P r ü m m e r, Mmmale /. C., n . 235, p. 3 1 4 ) .
Frei A 1 e i x o , O . F . M .

Preces post Missam lectam. - l n dubio d e j ure hanc R. Vestrre pro­


ponam consultationem : Numqu id potest prohiberi ab Ordinario 1oci reci­
tatio lingua latina precum "Deus refugium" et " Sancte Michael" post Mis­
sam lectam j uxta prrescriptu m decr. 355 Cone. Plen. Sras. et "Ordo
div. officii recitandi sacrique peragendi", sub tit. X X X l l I ? - Convém
distingu i r : Quando o celebrante rezar as d itas preces em voz baixa, por
exemplo, para não perturbar outros Padres celebrando ao mesmo tempo
em outros altares, pode, certamente rezá-las em qualquer língua e n e­
nhuma proibição da a u toridade eclesiástica lhe causará obstácu los ; mas
quando o celebrante rezar as preces depois d a Missa e m voz alta, não
vej o por que o Ordinário do lugar, para que haj a u niform idade e se
evite a admiração do povo, não possa impor aos seus sacerdotes a reci­
tação das d itas preces em vernáculo. Pe. H . B o r g e s

Asperges ante Missam. - Parochus quidam diebus dominicis nun­


quam facit aspersionem cum aqua benedicta ante Missam solemnem, quia
cantores apti non adsun t. Qureritu r : t .• Utrum recte egerit parochus iste
necne, et quare? 2.º Qua mensura "asperges" diebus dominicis est obliga­
torium, a n forsan ut i ntroducatur optandum? - Resp. ad. lum : Non
recte egit parochus i n casu, ut patebit ex responsione ad 2um. - Resp.
ad 2um : Aspersio diebus domi nicis peragenda prrescl-ibitur in Rit. Rom.
(tit. V I I I , e. I I , n . 1 et 4) dicente " D iebus domin icis, et quandocumque
opus sit, p rreparato sale et aqua munda benedicenda in ecclesi a , vel i n
sacristia, sacerdos . . . primo dicit : (sequitur ritus benedicen di ) . Post be­
nedictionem aqure, sacerdos dominicis diebus, antequam i ncipiat Missam,
aspergit altare, deinde se et ministros, ac populum, prout i n missale prrescri­
bitur, et in Appendice huj u s Ritualis habetu r". Hoc igitur prrescriptum,
quamvis, ut mihi - salva meliore - videtur, norma di rectiva sit potius
quam prreceptiva, observa re qu am maxime decet parochos rectorcsque ec­
clesiaru m. Valet hic quod Paulus P P . V, editionem Ritualis appro hans, ad­
monet : ·"qure Catholica Ecclesia et ab ea probatus usus antiqui!atis sta­
tuit, i nviolate observent". Unde a uctores, qui d e Liturgia tractant, hanc
creremoniam uti partem integrantem considerant officii sollemnis dominical is ;
debet fieri ah ipso sacerdote celebrante, non vero ab alio, a quo forte aqu a
benedicta sit (vide R ubr. Missal is in loco ) , neque a diacono ministrante
etiam si sacerdos foret ( S . R . C . 27 nov. 1 632 et 1 2 nov. 1 83 1 ) et quidem
in colore officii diei.
Finis huius creremonire est per vi rtutem sacramentalis aqme bene­
dictre prreparare fideles a d digne riteque celebranda sacra mysteria, de­
fendendo eos contra instigationes diabolicas, purificando corda eorum
elevandoque animas fidel ium ad crelestia. Uti i ndicatu r per antiphonam
1022 Assuntos pastorais

et psalmum qui canuntur, aqure aspersio significat puritatem cordis et


provocat animre elevationem quacum decet christianum i n gredi templum
et sacrosancto Sacrificio inte resse. Speciali modo symbolizat aquam et
gratiam B aptismi, quo, mortui cum Christo, cum Christo resu rreximus
ad novam vitam spiritualem, sicque exhortat fideles conservare gratiam
et fideliter exsequ i compromissa Baptismi (cfr. ad Rom. VI 3 ss) . Qua­
propter aspersio populi non in festis de p rrecepto prrescribitur, sed reser­
vatur dominicis diebus, utpote i n resu rrectionis Domini memoriam prreser­
t im sanctificandis. Ex eadem symbolica ratione in dominica Paschatis
et Pentecostes hrec aspersio fit cum aqua, pridie pro Sacramento B aptismi
administrando benedicta. H u ius efficacire atque symbolicre significationis
causa hoc Ritualis prreceptum, etiamsi forse vim directivam tantum h abeat,
non facile est negligendu m. I nsuper, quamquam maxime desiderandum, ut
cantentur qure cantanda prrescribuntur, s i tamen forte cantari non pos­
sint antiphona et psalmus, e x hoc solo defectu hrec creremonia sua signi­
ficatione et effectu minime privabitur, cum sit Sacramentale, cuius ef­
fectus non ab apparatu externo pendet, sed vi orationis Ecclesire effectum
suum producit. Maxime igitu r optandum, ut parochi hoc Ritualis prreceptum
observent ; nec recte agere dici potest, qui ob solum defectum cantorum
hoc salutare prreceptum omittere solet.
F r. P a c ô m i o T h i e m a n, O. F . M.

Canto da Paixão. - No canto da Paixão, de Domingo de Ramos ou


outro dia, pode o celebrante fazer as partes de Cronista ou de Sin agoga,
n a falta de outro cantor? - Em rigor a Paixão deve ser cantada n a
Missa solene p o r três diáconos ou três sacerdotes, q u e não sej am o s minis­
tros da Missa. Somente a ú ltima parte da Paixão, que vale pelo Evan­
gelho, é cantada pelo diácono d a Missa. Se não houver três diáconos ( o u
três sacerdotes) p a r a cantar a Paixão, o celebrante a poderá cantar j unto
com os m i nistros da Missa, contanto que o subdiácono j á tenh a sido
ordenado diácono. Pois o costume de a Paixão ser cantada por u m sub­
diácono que não tenha a ordem do diaconado, foi estigmatizado como
" abusus" e "consuetudo scandalosa" . ( S . R . C . 16 j a n . 1 677 ad V I I I . )
Neste caso, sendo a Paixão cantada pelo celebrante c o m seus m i nistros
( ambos diáconos ) , o celebrante só pode cantar a parte de Cristo, o diá­
cono faz o Cronista e o subdiácono representa a S i n agoga, sendo per­
mitido que êste ú ltimo cante apenas o que tiver sido proferido por u m a
pessoa ( como por e x . , Pedro, Caifás, Pi latos, etc . ) , enquanto as frases
da turba se executam então pelo côro, constando embora de meros lei­
gos. (Cf. C o p p i n - S t o m a r t, Sacrre Liturgire Compendium, 1 905 n.
547, nota 1 . ) Eis em poucas palavras as leis litúrgicas que regem o canto
d a Paixão e que constituem uma resposta negativa à coo.s uita. De resto o
próprio consu lente s aberá discernir se, em casos particulares, as circuns­
tâncias são tais que sej a lícito recorrer a lei da epiqueia, ou que sej a
permitido aplicar o princípio dos moralistas : "Lex ecclesiastica 1wn obligat
cum gravi ilzcommodo." Pe. P. M o n t e i r o

Coros mistos e bandas de música no interior das Igrejas. O Vi­


-

gário geral do Rio de janeiro baixou o segui nte aviso : "Lembro o opor­
tu níssimo Aviso n.º 375 da Cú ria . Arquidiocesana, pela qual nosso cardeal
arcebispo, de s. m., solicitava a atenção do Revmo. Clero, das Comunidades
religiosas, bem como das Ordens Terceiras, I rmandades, Associações e
Obras Pi as, para os decretos 363, 364, 365 e 366 do Concilio Plenário Bra-
Revista Eclesiástica Brasilei ra, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 023

si leiro que u rgem o cumprimento do Código de D i reito Canônico c m ma­


téria de cântico e música nas igrej as. Queiram, pois, os srs. Capelães
avisar as respectivas administrações que : 1 .0 em funções religiosas ficam
proibidos os coros mistos, isto é, de cantores e cantoras ; 2.º dentro do
recinto sagrado propriamente dito não podem as "bandas de música" exe­
cutar peça alguma ; 3.º à porta das igrej as podem as mesmas ser admiti­
das, contanto que não perturbem as funções litúrgicas e, sobretu do, no
momento da consagração, fiquem inteiramente silenciosas ; 4.º n ada im­
pede que, logo após a consagração, à porta das igrej as ou nas míssas
campais sej a executado o H i n o N acional, como é do costume, em dias
mais solenes. - Rio de janeiro, 24 de novembro de 1 934. Mons. Rosalvo
Costa Rêgo, Vigário geral."

M I N I STER I U M VERBI
Lições do Evangelho

pelo Pe. j o ã o B a t i s t a d e S i q u e i r a, Catedral Metropolitana,


Rio de j aneiro

As bodas de Canâ
(Segu1Zdo Domillgo depois da Epifallia; ]o 12, 6-1 6)
jesus Cristo manifestou su a glória, e seus disclpulos creram nêle.
São estas as ú .l timas palavras do Evangelho que, como as demais, nos
sugerem reflexões. A vista do estupendo m i lagre, (conversão instantânea
de água em vinho ) , os primeiros apóstolos creram mais viva e mais
perfeitamente no Mestre. Eis a fôrça dos prodígios operados por jesus
Cristo. Mais fervorosos se tornam os apóstolos e os que o ouvem se tor­
nam fiéis. Multidões imensas o seguiam ou se transportavam com rapidez
a qualquer sítio onde �!e apa recesse. Vinham de tôda a Palestina, da
I duméia, da Síria, da Fenícia e dos l ados do mar. Corriam todos para
vê-lo, ouvi-lo, ser testemunhos dalgum milagre, pedir a cura de seus
doentes, aproveitar-se, por alguma forma, de tudo o em que jesus ma­
n ifestasse o seu poder e bondade. Apinhavam as casas onde sabiam que
Ble se encontrava. Nem sequer lhe davam tempo para tomar alimento.
O entusiasmo do povo tocara o delírio na multiplicação dos pães.
Quiseram aclamá-lo rei (Jo 6, 1 5) . Aos milagres j untava jesus a bon­
dade, a misericórdia, a paciência, a mansidão. Otimamente amparada es­
tava a doutrina que pregava. Sublime exemplo deixara aos apóstolos de
todos os tempos. �eguindo os passos do Mestre, Pedro opera maravi lhas
na Igrej a n ascente. Paulo congrega os gentios dispersos, funda as famo­
sas igrej as, prega, exorta, repreende, pede, aconselha, e sua palavra é
ouvida e acatada pelos disclpulos. Admirável fôra o apostolado de joão,
André, Tiago e dos demais disclpu los de jesus Cristo. Explica-se. Re­
produziram, em tudo, a doutrina e os exemplos do grande Mestre. Tôda
a históría da Igrej a se resume no triunfo da p regação, baseada nos mi-
1 024 Ministerium verbi

Iagres de ordem física e moral . I ndescritível é o que conseguira Francisc o


X avier n a s f ndias. M a s , t ô d a a sua v i d a se resume n u m c a pítulo : fôra
u m perfeito imitador do grande Mestre. Aos prodígios que operava c u ra n­
do enfermos, u n i a u m a inalte rável . paciência, posta à p rova de fogo. Co­
nhecidas são as m aravi lhas do grande taumatu rgo d o Brasil - Anchieta.
Mas era u m Cristo vivo. P a r a converter o mundo, n ã o há outro meio :
pregar e operar m i lagres. Vej a o mu ndo, nos apóstolos, pregadores d a
doutrin a eva n gélica, e hc,>mens que reproduzam, n a sua vida, os exemplos
do Mestre, e voltará a melhores sentimentos. Mas, d i rão, o dom dos
m i lagres não é concedido a todos. S i m ; e m se tratando de cu rar, prodi­
giosamente, e n fermos, ressuscitar m ortos, só alguns privi legiados possue m
essa g r a ç a gratis data. Quanto aos prodígios d e o r d e m m o r a l ; todos po­
dem e devem operar. Sim. D a i-me um apóstolo verdadeiramente cristão :
po bre, desprendido, h u m i l de, manso, paciente, que n a d a quer para si,
' e só procura a glória de jesus Cristo, e eu vos apontarei u m m i l a gre
na ordem moral . . . o fato é tanto mais prodigioso, quanto mais tristes
são os tempos. E m Sodoma e Gomorra havia alguns j ustos. Era u m
m i l a gre. j ó se conserva n o meio d e u m povo idólatra.
Eis outro prodígio. Apóstolos que n ã o se contaminam, são porte ntosos
e c onvertem o mundo. O mundo, esta é a .verdade, é governado pelos
santos. A s u a palavra tem a fôrça, que vem de u m a vida i rrepreensíve l .
A experiênc i a nos está a dizer que u m a mulherzinha, cheia d o es­
pírito de Deus, faz muito m a i s do que os gênios e talentos. Conversões
a d m i ráveis se têm operado pela i nfluência 'dessas a lmas, que são e x­
pressões vivas de Cristo N osso Senhor. Aceitam-lhe a doutrina, porque
a sua vida é uma m a ravi l h a de virtudes. Tenhamos apóstolos que, ver­
dadei ramente, o sej a m e o m u n d o voltará a adorar jesus Cristo.

O semeador

(Domingo da Sexagésima; Lc 8, 4-15)


As d iversas espécies de terrenos são as almas dos filhos e dos dis­
cípulos. Os terrenos abertos são a s a l m as dissipadas. E m m á h o ra apren­
dera a criança a viver uma vida fútil. Não sabe o que é refletir, con­
centrar-se e encarar a vida como é na realidade. A guisa d e borboleta,
voej a daqui para lá, d e um lado para outro. Não tem a míni m a noção
d e responsab i l idade. Não cu ltiva um ideal. E' terreno aberto. A semente
religiosa e moral que nêle é atirada, a í fica inerte, até que o i n i migo
a leve. A p a l avra dos pais e educadores n ã o produz a mínima impressão.
Dêle nada se espera. Será, mais tarde, u m dos tantos sem rumo na vida,
tangidos pelos seus insti ntos, escravos das suas pai xões. D a í a i m por­
tância da vida d e reflexão na criança. Naturalmente leviana, l evia n a per­
manecerá a vida tôda, se n ã o l h e obstamos ao natural pendor. I g u a l mente
perigosos são os terrenos espinhosos e pedrentos. Nas a l m as em que a
p a l avra do educador vicej a por u m tempo, vindo a fenecer mais tarde,
há u m obstáculo que deve ser removido. A criança, dissera, erradamente,
alguém, é n aturalmente boa. A sociedade a corrompe. Poderia a sociedade
corrompê-la, perguntamos, se nela não houvesse u m natural pendor para
o mal ? N ão, d e certo. Em tôda criança, esta é a verdade, h á o germe
d e um santo, mas o há também de um c r i m inoso.
A o lado d o pendor para a virtude, h á u m a lamentável tendência pa r a
o vício. Eis os espinhos, eis a s p e dra s que i mpedem a frutificação. E'
possível arrancá-los e removê-los? S e m dúvida. E n isto c onsiste a grande
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 025

missão do educador. Aqui entram os educadores leigos com as suas


normas puramente humanas. A ciência salvará a criança. "Pais e educa­
dores, dizem êles, pregai a virtude a vossos filhos e educandos. Mostrai­
lhes a hediondez do vicio. Dizei-lhes que o homem deve ser honesto, cu ltor
da verdade, deve detestar a mentira, a dobrez, deve cumprir o que pro­
mete . . . ", deve . . . deve . . . deve . . . A isso se limita essa educação que
fala continuamente em dever, mas não diz uma só · palavra sôbre a ver­
dadeira base dêsse dever. Apoi am-no em motivos natu rais : as exigências da
sociedade, a honestidade n atu ral, o bom nome, a honra, a felicidade . . .
tudo isso equivale a dizer : deve porque deve. Para êsses pregoeiros da
moral leiga, o grande princípio é: a ciência salvará o homem. Eloquen­
tlssimos tem sido os desmentidos da experiência. Desmentida fôra a pa­
lavra de Vítor H ugo : abrir escolas é fechar prisões. Multiplicara m-se as
escolas, mas também se multiplicaram as penitenciárias. Além da i nteli­
gência que conhece o bem e o mal há no homem outra faculdade susce­
tlvcl de educação - é a vontade. A ciência com o seu mágico poder, n ão
a move. Mais fortes do que a ciência são a paixão, o mau hábito, o vício.
Para domá-los só há uma fôrça - a religião. A prova a ;emos na
expetiência quotidiana. Confessam-no, em os momentos de sereni dade, os
próprios anti-religiosos, apologistas da ciência. Que cegueira a de certos
pais que se limitam a dizer aos filhos : isto é bom, aquilo é mau ! Esta
palavra não arrancará das almas as pedras e os espinhos. Para comba­
ter as paixõezinhas que despontam, é necessária a idéia de Deus, que
pune o pecado e recompensa a virtude. E ' necessário ainda o contacto
da criança com Deus, na santa comunhão.
Empenhem-se os pais n a educação religiosa dos filhos. Levem-nos,
quanto antes, aos pés de jesus. Hoje, mais do que n u nca, é necessário
fortificar a vontade das almas inocentes. Tudo conspira contra a sua
candura.
A rma-se o inferno e tudo tenta para corrompê-las. Venha a semente
do bem, antes que o I n imigo espalhe o pern icioso j oio. O bom fruto que
produzirem essas almas, isentas da corrupção rei nante, será, para os
pais que lutaram, uma grande consolação.

jesus prediz a sua Paixão


(Domingo da Quinquagésima,· Lc 18, 31-43)
Pela terceira vez, jesus prediz a sua paixão e morte, com as circuns­
tâncias que acompanharão a terrível tragédia. "Subimos para jerusalém.
Lá se cumprirá tudo o que predisseram os p rofetas a respeito do filho
do homem. Será entregue nas mãos dos gentios, será zombado, flagelado,
coberto de escarros. Depois de o terem flagelado, o matarão, e n o ter­
ceiro dia ressuscitará." Quem é êsse homem extraordiná rio, pe rgunta o
Cardeal de la Luzerne, que tem o dom de predizer a su a morte próxima
e as circunstâncias de que será acompanhada? Quem é êsse homem que,

ciente e voluntariamente, seguro de seu destino, e absolutamente isento


de coação, vai se entregar aos tormentos e à morte? Explique-nos a
incredulidade, que lhe contesta a divindade, como jesus Cristo, cujo
proj eto era dar ao mundo religião nova, tenh a escolhido, para meio, uma
mo, i e tão cruel e tão ignominiosa? Explique-nos que, para ser adorado
como Deus, tenha permitido que o supliciassem como se fôra u m crimi­
noso . . . Eis uma profeci a de u m gênero singularmente extraordinário.
1 026 Ministerium verbi

jesus prenuncia a sua morte e também a sua ressurre1çao. Que o utro,


a não ser Aquêle que se declarara o filho de Deus, poderia dize r : eu
ressuscitarei no terceiro d i a ? Citem-nos um só mortal que tenha ousado
fazer uma profecia dêste gênero 1 Bem certo estava da sua onipotência,
êsse homem divino que, confiadamente, assegurava, que ter em suas mãos
o pleno domínio d a vida, e que depois de ter morrido, podia recuperá-la.
P rometera a sua ressurreição, e e l a de fato se realizou. D iante de provas
tais, pretender negar a divindade de jesus Cristo, é pretender tapar a luz
do sol. E, todavia, houve e há quem o tente.
E' um espírito superior, afirma a antiga heresia, h oje ressuscitada ;
é u m espírito superior e nada mais. Que sej a um espírito superior, não o
negamos, e até aju ntamos : tão superior que até hoje não surgira u m
igual. Espírito superior que tem pleno conhecimento do futuro livre, es­
pírito superior que voluntari amente vai ao encontro da morte ; espírito
superior que predissera e realizara a sua ressurreição. Será !:: t e uma sim­
ples criatura? Responda o bom senso. Respondam os homens bem i nten­
cionados que, acima de tudo, colocam a verdade. A divindade de jesus
Cristo é o al icerce do cristianismo. Negá-la é destruir' pela base o grande
Edifício. Se jesus Cristo não é Deus, não há cristi anismo ; não houve
redenção ; não há Igrej a, nem hierarquia, nem sacramentos. A essas afir­
mações são levados os heresiarcas e os que lhe adotam a doutrina. Bem
astuto fôra o I n imigo, abrindo esta brecha no dogma católico. E' expli­
cável o esfôrço que faz para arrancar, da fronte de jesus Cristo, a auréola
da sua divindade. Contra êstes, escrevera o apóstolo S. joão : "Quem é
o mentiroso? Só quem nega que jesus é o Cristo. J::s te é o anti-Cristo.
Nega o Pai e o Filho. Quem nega o Filho, também não admite o Pai.
Quem confessa o Filho, admite também o Pai" ( 1 .ª ep. 1 -22 . . . ) "Todo
espírito que confessa que jesus Cristo apareceu em carne, êsse é de
Deus_; ao passo que o espírito que não confessa a jesus não é de Deus"
( 1 .ª ep. 4-2 . . . ). O Cristo de que fala o apóstolo, é designado nessas mes­
mas epistolas, pelas palavras Filho de Deus, ( t .• 3, 8 ) , Filho Unigênito
de Deus (4, 9 ) ; Verdadeiro Filho de Deus, verdadeiro Deus e vida eterna
(5, 20) .
E' espírito superior, sim, porque nêle se uniram em un idade de pes­
soa, a natureza divina e a natureza humana. H omem verdadeiro, e tam­
bém Deus verdadeiro - segunda Pessoa da Trindade Santíssima, é o
funador do verdadeiro Cristianismo, que enfrentara e enfrentará tôdas as
fú rias do inferno.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro t 943 1 027

D O C U M E N TACAO
Litterre Encyclicre Pii Papre XII de Mystico lesu Christi Corpore
deque nostra cum Christo coniunctione

Reproduzimos aqui o texto latino da momentosa Encicllca, publicado pelas "Edi­


ções Lumen Chrlstl" (Rio de Janeiro ) e transcrito do "Osservatore Romano"
n . 163 ( 4 de julho de 1943 ) .

Venerabilibus Fratribus Patriarchis, Primatibus, A rchiepiscopis, Epis­


copis, a l iisque locorum Ordinariis pacem et communionem cum Apostolica
Sede habentibus. PIUS PP. X I I . Venerabiles Fratres : Salute m et Aposto­
licam Benedictionem.
Mystici Corporis Christi, quod est Ecclesi a (cf. Col., 1 , 24) , ex ipsius
Redemptoris labiis primitus excepta doctrina, ex qua magnum i n sua luce
ponitu r beneficium, satis nunquam elatum laudi bus, a rctissimre coniunctionis
nostrre cum tam excelso Capite, res eiusmodi profecto est, qure p rrestantia
dignitateque sua omnes homines, quotquot D ivino moventur Spiritu, ad
contemplationem i nvitat, eorumque mentes coll ustrando, a d salutifera e a
opera, qure p rreceptis hisce consentanea sint, summopere excitat. Nostra­
ru m igitur esse partiu m ducimus hac de causa per Encyclicas h as Litteras
vobiscum colloqui, e a p rresertim enucleando edisserendoque, qure a d mili­
tantem pertinent Ecclesiam. Ad quod quidem facien dum non modo inslgnis
huius doctrinre granditas Nos permovet, sed prresentes etiam, quibus
utimur, reru m condiciones.
Loq u i siquidem in animo est de divitiis in sinu cond Ítis Ecclesire,
quam Christus acquisivit sanguine suo (Act., XX, 28) , et cuius membra
spineo serto redimito gloriantur Capite. Quod q u i dem perspicuum testi­
moni u m est gloriosíssima qureque atque eximia non nisi ex doloribus
nasci, atque adeo communicantibus nobis cum Christi passionibus esse
gaudendum, ut et in revelatione · glorire eius gaudeamus exsultantes.
( Cf. I Petr., IV, 1 3. )
A c principio animadvertendum est, quemadmodum humani generis
Redemptor ab i isdem fuit, quorum salutem procu randam susceperat, in­
sectationibus, calumniis, cruciatibusque affectus, ita constitutam a b eo
societatem hac quoque i n re divi no adsi mulari Conditori suo. Etenim,
quamquam non i nfitiamur, immo potius grato e rga Deum fatemu r animo,
turbulenta etiam retate hac nostra non paucos esse, q u i , etsi a Iesu Christi.
grege seiuncti, a d Ecclesiam tamen veluti a d u n icum salutis portum
a dspiciant, haud ignoramus tamen non modo ab iis, qui, contempto
c hristia n re sapientire lumine, a d ethnicre vetustatis doctrinas, mores insti­
tutaque miserrime regrediantur, Ecclesiam Dei contemn i ac superbe
hosti literque detrectari, sed a plu ribus etiam christianis ; vel fucata erro­
rum specie a l lectis, vel sreculi i l lecebris corruptelisque delenitis, eam
srepenumero ignorari, neglegi ac quodam etiam tred i o fastidioque haberi.
Est igitur c u r Nos, Venerabi les F ratres, ex ipsius conscientire Nostrre
officio ac multorum obsecundantes votis, Ecclesire Matris, c u i post Deum
omn i a debemus, p u lchritudinem, laudes gloriam ante omnium oculos col-
·

locando celebremus.
Ac spes est hrec prrecepta hortamentaque Nostra uberiores esse, i n
p nesentibus rerum adiunctis, christifidelibus paritura fructus : quandoquidem
novimus tot procel losre h u i u s retatis rerumnas doloresque, quibus pene
67
1 028 Documentação

i n n umed homines acerbissime torquentur, si veluti e Dei manibus pacata


qu iescentique voluntate excipiantur, eorum an imos e terrenis fluxisque
rebus ad crelestia reternumque mansura natu rali quodam impulsu conver­
tere, atque arcanam quandam in eis commovere spiritualium rerum sitim
impensumque desiderium, quo, Divino exstimulante Spiritu, ad Dei Regnum
studiosius inquirendum excitentur ac veluti compellantur. Quo enim magis
homines ex huius sreculi vanitatibus et ab i nordinato prresentium rerum
amore abstrahuntur, eo aptiores profecto fiunt ad supernorum mysterio­
rum lucem perspiciendam. Atqui luculentius fortasse hodie, quam unquam
alias, terrenarum rerum levitas et inan itas cernitur, dum Regna Civita­
tesque corruunt, dum ingentes opes omneque genus divitire per vasta
oceani a spatia submerguntur, dumque urbes, oppida, fertilesque terrre
immanibus consternuntur ruinis fraternaque crede fc:edantur.
A c prreterea fore confidimus u t iis etiam, qui a Cathol icre Ecclesire
gremio seiuncti sunt, ea non ingrata neque inutilia evadant, qure mox
sumus de mystico lesu Christi Corpore exposituri. l dque non modo quod
eorum erga Ecclesiam benevolentia in dies augeri videtur, sed quod
etiam, cum i idem i n prresens cernant gentem adversus gentem, Regnumque
adversus Regnu m exsu rgere, atque i n immensum excrescere discordias,
i nvidias simultatisque semina, si ad Ecclesiam oculos convertant, si eius
divinitus acceptam unitatem contemplentur - qua omnes cuiusvis stirpis
homines fraterno fa:dere cum Christo couiunguntur - tum profecto
eiusmodi caritatis cc.etum admi rari cogentur, et ad eandem unitatem
caritatemque participandam, divin a adspirante iuvanteque gratia, allicientur.
Peculiaris quoque ratio est, eaque suavíssima, qua huius doctrinre
caput menti Nostrre occurrit eamque summopere delectat. Per elapsum
scil icet annum a suscepto a Nobis Episcopatu XXV, aliquid summo solacio
vidimus, quod mystici lesu Christi Corporis imaginem i n totius terrarum
orbis partibus perspicue significanterque refu lgere iussit. Vidimus nempe,
quamvis per i nternecivum diutu rnumque bellurn fraterna gentium commu­
n itas misere diffracta esset, quotquot tamen ubique habemus in Christo
filios, una omnium volu ntate caritateque, animum ad commu nem Patrem
erigere, qui, omnium sollicitudines anxitudinesque i n se referens, Catholicre
Ecclesire navigio tam adversa tempestate moderatu r. Qua quidem i n re,
non modo mirabilem christianorum cc:etus unitatem, sed hoc etiam testatum
animadvertimus, quemadmodum N os omnes cuiusvis n ationis populos
paterno amplectimur pectore, ita undique catholicos homines, e gentibus
etiam i nter se digladi antibus, ad lesu Christi V icarium, quasi ad univer­
sorum Parentem amantissimum suspicere qui integra i n utrasque partes
requabilitate i ncorruptoque iudicio ductus, ac turbulentas humanarum
perturbationum procellas transcendens, veritatem, iustitiam, caritatemque
commendet ac pro viribus tueatur.
Nec minus solacii i d attu lit, quod novimus u ltro l ibenterque fuisse
stipem corrogatam, qua sacra redes Romre· excitari queat sanctissimo
Decessori N ostro ac nominali P rrestiti Eugenio 1 dicanda. Ut igitu r hoc
templo, christifidelium <imnium voluntatibus largitionibusque excitando,
faustissimi huius eventus erit memoria perennanda, ita cupimus ut grati
animi Nostri testimonium per Encyclicas has Litteras exh ibeatur, in quibus
res est de vivis illis lapidibus, qui superredificati lapidi vivo angulari, qui
Christus est, coredificantur i n templum sanctum, quovis templo manibus
constructo longe excelsius, in habitacu lum videlicet Dei i n Spiritu. ( Cf.
Eph. , li, 2 1 -22 ; J Petr., li, 5.)
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 1029

Pastoralis autem sollicitudo Nostra potissimum in causa est, c u r Nos


in prresens hac de excelsa doctrina enucleate satis pertractemus. Multa
siquidem hac super re in lucem prolata sunt ; neque ignoramus non paucos
hodie actuosiore volu ntate ad hrec studia converti, quibus etiam christia­
noru m pietas delectatu r et alitur. Quod quidem inde prresertim repetendum
esse videtur, quod et renovatum sacrre liturgire studium, et frequentius
in morem inducta Eucharistici pabuli perceptio, et impensior denique
sacratissimi Cordis Icsu cu ltus, quo hodie lretamur, ad altiorem contem­
plationem i nvestigabil i u m divitiaru m Christi, qure in Ecclesia adservantu r,
multorum animos adduxerint. Accedit quod, qure de Catholica Actione
postremis hisce temporibus prodiere documenta, quandoquidem ch ristia- •

noru m inter se et cum ecclesiastica hierarchia i mprimisque cum Romano


Pontífice, magis magisque adstrinxere nexus, ad hanc causam in sua luce
ponendam haud paru m procul dubio contulere. Nihilo secius, si de his,
qure supra attigimus, i u re meritoque gaudere possumus, diffitendum tamen
non est, non modo ab iis, qui sunt a vera Ecclesia disiuncti, graves, ad
hanc doctrinam quod attinet, disseminari errores, sed inter christifideles
etiam vel minus accu ratas, vel omnino falsas serpere sententias, qure
quidem mentes e recto veritatis tramite abducant.
Dum enim ex una parte commenticius perdu rat rationalismus, qui
perabsurdum reputat, quidqu i d transcendat atque evincat humani ingenii
vi res, dumque eidem comitatu r cognatum erroris genus, naturalismum
vulgarem quem vocant, qui in Ecclesia Christi, nihil aliud nisi vincula
mere i u ridica et socialia nec videt, nec cernere vult ; ex altera parte
falsus subrepit mysticismus, qui immobiles limites removere conatus inter
creatas res ea rumque Creatorem, Sacras Litteras adulterat.
Hrec autem contraria sibique invicem adversantia ac falsa commenta
id efficiu nt, ut quidam inani quodam timore perculsi, altiorem eiusmodi
doctrinam utpote periculosum quiddam considerent, atque adeo ab ea
tamquam a pulchro, sed prohibito Paradisi pomo abhorreant. H au d recte
id sane : non enim revel ata a Deo mysteria exitialia hominibus esse possunt,
nec instar thesauri in agro absconditi, infructuosa permanere debent ; sed
idci rco divinitus data sunt, ut pie contemplantium ad spiritualem conferant
profectum. N am, ut Vaticana Synodus docet, "ratio fide illustrata, cum
s·e dulo pie et sobrie qurerit, aliquam Deo dante mysteriorum intelligentiam
eamque fructuosissimam assequitur, tum ex eorum, qure naturaliter
cognoscit analogia, tum e mysteriorum nexu inter se et cum fine hominis
u ltimo" ; quamquam eadem, ut ipsa sacra Synodus admonet, "numquam
idonea redditu r ad ea perspicienda i nstar veritatum, qure proprium ipsius
obiectum constituunt." (Sessio I I I : Const. de /ide cath., c. 4.)
Quibus omnibus coram Deo mature perpensis : u t summa Ecclesire
pulchritudo nova gloria affulgeat ; u t fidelium qui in Ch risti Corpore cum
Capite suo coniunguntu r, nobilitas eximia supraque naturam elata luculen­
tius innotescat : ut denique multiplicibus erroribus i n hanc rem penitus
claudatur aditus, Nos partoralis Nostri officii partes duximus universo
christiano gregi per Encyclicas has Litteras doctrinam proponere de
mystico I esu Christi Corpore deque fidelium i n eodem Corpore cum divino
Redemptore coniunctione ; simulque ex suavíssima eadem doctrina do­
cumenta quredam proferre, quibus altior mysterii huius i nvestigatio uberiores
usque edat perfectionis sanctitatisque fructus.
* * *

Meditantibus nobis huius doctrinre caput Apostoli verba princ1p10


occurrunt : "Ubi abundavit delictum, superabundavit gratia." (Rom., V,
67 *
1 030 Documentação

20. ) Constat siquidem totius humani generis parentem in tam excelsa fuisse
a Oco condicione constitutum, ut una cum terrena supernam posteris
traderet crelestis gratire vitam. Attamen post miserum Adre casum, u n i­
versa hom i n u m stirps, hereditaria labe i n fecta, divinre n aturre consortiu m
( c f . li Petr., 1 , 4 ) amisit, omnesque facti sumus f i l i i irre. (Eplz., l i, 3.)
Sed miserentissimus Deus "sic . . . dilexit mundum, ut Filium suum u n i­
genitum daret" (loann., 1 1 1 , 1 6) , et Verbum JEterni P atris u n a eadem
divina dilectione sibi ex Adre progenie humanam assumpsit naturam, in­
n ocentem tamen omnique labe expertem, u t ex novo ac crelesti Ada
Spiritus Sancti gratia i n omnes protoparentis filios deflueret ; qui quidem
cu m fuissent per peccatum primi hominis divinre subolis adoptione privati,
per l ncarnatum Verbum, fratres secundum carnem effecti Filii Dei U n i­
geniti, potestatem acciperent, q u a filii Dei fierent. ( Cf. loann., 1 , 1 2. ) Atque
adeo pendens e Cruce Christus lesus non modo violatam resarsit JEterni
Patris iustitiam, sed ineffabilem nobis consanguineis suis gratiarum co­
piam promeruit. Quam directo per se ipse un iverso humano generi dilargiri
potuerat ; voluit tamen per adspectabilem, in quam homines coalescerent
Ecclesiam, u t per eam omnes i n divinis i mpertiendis Redemptionis fructibus
sociam quodammodo sibi operam prrestarent. Sicut enim Dei Verbum,
ut doloribus cruciatibusque suis homines redimeret, nostra voluit natura
uti, eodem fere modo, per sreculoru m decu rsum utitur Ecclesiá sua, ut
i nceptum opus perennet. ( Cf. Cone. Vat., Const. de Eccl., pro l . )
lamvero ad definiendam describendamque h a n c veracem Christi Ec­
clesiam - qure sancta, catholica, apostolica, Romana Ecclesia est (cf.
ibidem, Const. de /ide cath ., cap. 1 ) - nihil nobilius, nihil prrestantius,
nihil denique divinius i nvenitur sententia ilia, qua eadem n uncupatur
" mysticum lesu Christi Corpus" ; qure quidem sententia ex iis effluit ac
veluti efflorescit, qure et in Sacris Litteris et i n sanctorum Patrum
scriptis crebro proponuntur.
Ecclesiam esse corpus srepe Sacra Eloqui a prredicant. "Christus,
inquit Apostolus, est Caput Corporis Ecclesire." ( Col., 1, 1 8. ) Quodsi
corpus est Ecclesia, unum quiddam et indivisum sit oportet secundum illud
P au l i : "Multi unum corpus sumus i n Christo." (Rom., XII, 5. ) Nec solum­
modo unum quiddam et i ndivisu m esse debet, sed aliquid etiam concretum
ac perspicibile, ut Decessor Noster fel. rec. Leo X I I I i n Encyclicis Litteris
Satis cognitwn affirmat : "Propter eam rem quod corpus est, oculis cer­
n itur Ecclesia." ( Cf. A . S. S., XXVl l l , p. 7 1 0. ) Quapropter a divin a ve­
ritate ii aberrant, qui Ecclesiam ita effingunt, ut neque attingi neque videri
possit, sitque tantum "pneumaticum" aliquid, u t aiunt, quo multre Christia­
norum communitates, licet fide ab se i nvicem seiunctre, inter se tamen
haud adspectabili nexu coniungantur.
At corpus multitudinem quoque membrorum exigit, qure ita inter se
connectantur, ut mutuo sibi auxilio veniant. Et quemadniodum i n mortali
concretione nostra cum membrum dolet, cetera omnia condelescunt ; et
qure sana sunt regrotantibus suppetias veniunt : ita i n Ecclesia singula
membra non sibi u nice vivunt, sed aliis quoque opitulantur, atque omnia
sibi i nvicem adiutricem operam prrestant, cum ad mutuam consolationem,
tum ad ampliorem usque redificationem totius Corporis.
Ac prreterea sicut i n natura rerum non ex qualibet membrorum con­
gerie constitu itur corpus, sed organis, uti aiunt, instructum sit oportet,
seu membris, qure non eundem actu m habeant ac sint apto ordine com­
posita : ita Ecclesia ea maxime de causa Corpus dicenda est, quod recta
consentaneaque coalescit partium temperatione coagmentationeque, ac di-
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 03 1

versis est sibique invicem congruentibus membris instructa. Nec aliter


Apostolus Ecclesiam describit, cum dicit : "Sicut . . . in uno corpore multa
membra habemus, omnia autem membra non eundem actum habent, ita
multi unum corpus sumus i11 Christo, singuti autem a lter alterius membra."
(Rom., X I I , 4. )
Minime autem reputandum est hanc ordine digestam, seu "organicam",
ut aiunt, Ecclesire Corporis structuram solis hierarchire gradibus absolvi ac
definil'i ; vel, u t opposita sententia tenet, unice ex charismaticis constare ;
qui quidem donis prodigiatibus instructi, 11umquam sunt in Ecclesia defutu ri.
Omnino utique retinendum est, qui sacra potestate in eiusmodi Corpore
fruantur, primaria eos ac principalia membra exsistere, cum per eosdem,
ex ipso D ivini Redemptoris mandato, munera Christi doctoris, regis, sa­
cerdotis pere11nia fiant. Attamen iure meritoque Ecclesire Patres, cum
huius Corporis ministeria, gradus, professiones, status, ordines, officia
dilaudant, 11on eos tantum prre oculis habent, qui sacris fuerint ordiriibus
initiati ; sed eos quoque omnes, qui evangelica consilia amplexi, vel
operosam i nter homi nes, vel umbratllem i n silentio vitam agant, vel utrumque
pro pecutiari i nstituto suo efficere contendant ; eosque etiam, qui licet
in sreculo vivant, actuosa tamen voluntate misericordire operibus se dedant,
s ive animis, sive corporibus iuvandis ; ac denique eos quoque, qui casto
sint connubio coniugati. Quin imo animadventendum est, i n prresentibus
potissimum rerum condicionibus, patres matresque familias, ac patres
matresque e x baptismate, eosque nominatim, qui ex laicorum ordine ad
Divini Redemptoris regnum dilatandum adiutricem ecclesiasticre h ierarchire
operam n avent, honorificum, etiamsi srepenumero humilem, i n christiana
societate obtinere locum ; ac vel eos posse, adspirante faventeque Deo,
ad sanctitudinis culmen ascendere, numquam in Ecclesia ex I esu Christi
promissionibus defuturum.
Sicut autem humanum corpus propriis instrumentis ornatum cernitur,
qui bus vitre, sanitati, ac sui ipsius singulorumque membrorum incremento
consulat : sic humani generis Servator ex i nfinita bonita te sua Corpori
suo mystico mirum in modum prospexit, illud sacramentis ditando, quibus
membra quasi per non i ntermissos gratiarum gradus, ab incunabulis ad
extremum usque halitum sustentarentur, itemque socialibus totius Corporis
necessitatibus uberrime provideretur. Siquidem per lustralis aqure lavacru m
11011 modo qui sunt mortali huic vitre nati, ex peccati morte renascuntur
et Ecclesire constituuntur membra, sed spirituati etiam charactere insigniti
ca p aces aptique fiunt ad cetera suscipienda munera sacra. Confirmationis
vero chrismate credentibus novum robur inditur, u t Ecclesiam Matrem
et quam ab ea acceperint fidem, strenue tueantur ac defendant. Per Preni­
tentire autem Sacramentum Ecclesire membris, i n peccatum lapsis, salutaris
prrebetur medicina, non solum ut ipsorum saluti consulatur, sed ut ab
allis etiam mystici Corporis membris contagionis periculum removeatur,
immo potius virtutis iisdem p rrestetur incitamentum atque exemplum.
Neque id satis ; nam per sacram Eucharistiam fideles uno eodemque
epulo enutriuntur ac roborantur, atque inter se et cum divino totius
Corporis Capite i neffabili ac divino copulantur vinculo. Ac postremo ho­
minibus ad mortem oblanguescentibus prresto est pia Mater Ecclesia,
qure per sacram infirmorum unctionem, si non semper mortalis huius corporis
sanitatem, ita volente Deo, impertit, s upernam tamen sauciatis animis
med icinam prrestat, ut novos cives novosque sibi datos prrestites creio
transmittat, divina bonitate omne per revum fruituros.
1 032 Documentação

Ac pecu liari modo Ch ristus socialibus Ecclesire necessitatibus per duo


instituta ab se sacramenta consu luit. Matrimonio enim, quo coniuges sibi
i nvicem sunt min istri gratire, externo Christianre conso rtionis providetur
ordinatoque incremento ; et quod maius est, rectre etiam reli giosreque subo­
lis educationi, sine qua mysticum eiusmodi Corpus gravissimum in discri­
men vocaretur. Sacro autem Ordine i i Deo mancipantu r ac consecrantur,
qui Eucharisticam H ostiam i m molent, qui fidelium gregem A n gelorum
Pane et doctrinre pabulo enutriant, q u i divinis e u m prreceptis consiliisque
di rigant, q u i ceteris denique supernis muneribus confi rment.
Quam ad rem animadvertendum est, quemadmodum Deus initio tem­
poris hominem ditíssimo corporis apparatu instru xit, quo c reatas res sibi
subiceret, ac multipl icatus repleret terram, ita eum christi a n i revi exordio
necessariis opibus comparasse Ecclesiam, ut, pene innumeris superatis pe­
riculis, non modo u n iversu m terraru m orbem, sed crelestia quoque repleret
regna .
l n Ecclesire autem membris reapse i i s o l i a n n u merandi sunt, q u i rege­
nerationi s l avacrum receperu nt veramque fidem profitentur, neque a Cor­
poris compage semet i psos misere separarunt, vel ob gravíssima �dmissa
a legitima auctoritate seiuncti sunt. " Etenim i n u n o Spiritu, a i t Apostolus,
o mnes nos i n u n u m Corpus baptizati sumus, sive l udrei, sive gentiles,
sive servi sive liberi." (/ · Cor., X I I , 1 3 . ) Sicut i gitur i n vero christi­
fideli u m cretu u n u m tantummodo habetur Corpus, u n u s Spiritus, u nus Do­
minus et unum Baptisma, sic haberi non potest nisi una fides (cf. Eph .,
IV, 5 ) ; atque adeo qui Ecclesiam a u d i re renuerit, i ubente Domino habendus
est u t ethnicus et publicanus. ( Cf. Matth., XV I I I , 1 7. ) Quamobrem q u i
f i d e v e l regimine i nvicem dividuntur, i n u n o eiusmodi Corpore, atque
u n o eius divino Spi ritu vívere nequeunt.
Neque existimandum est Ecclesire Corpus, idci rco quod Christi no­
mine i nsigniatur, hoc etiam terrenre peregrinationis tempore e x membris
tantummodo sanctitate p rrestantibus constare, vel ex solo eorum cretu
exsistere, qui a Deo sint ad sempiternam felicitatem prredestinati. Id enim
est infinitre Servatoris nostri misericordire tribuendum, quod heic in m ystico
suo Corpore iis locum non deneget, quibus olim i n convivio locum non
denegaverit. ( Cf. Mattlz., IX, 1 1 ; Marc., I I , 1 6 ; Luc., XV, 2.) Siquidem
non omne admissum, etsi grave scelus, eiusmodi est ut - sicut schisma,
vel hreresis, vel apostasia faciunt - suapte natura hominem ab Ecclesire
Corpore separet. Neque ab iis omnis vita recedit, qui licet caritatem divi­
namque gratiam peccando amiserint, atque adeo superni promeriti iam
non capaces evaserint, fidem tamen christianamque spem retinent ac crelesti
luce collustrati, intimis Spiritus Sancti suasionibus impulsionibusque ad
salutarem i nstigantur timorem, et ad precandum suique lapsus pren iten­
dum divinitus excitantur.
H orreat igitur omnium animus peccatum, quo mystica maculantur
Redemptoris membra ; sed qui m isere deliquerit, nec contumacia sese in­
dignum reddiderit christifidelium communione,. summo excipiatur amore,
i n eoque actuosa caritate conspiciatur infirmum Iesu Christi membrum .
P rrestat e n i m , u t H ipponensis Episcopus a n i madvertit, " i n Ecclesire com­
page sanari, quam ex i l l i u s corpore veluti insanabilia membra resecari."
( August., Epist., C LV I I , 3, 22 ; Migne, P. L., X X X I I I , 686. ) "Quidquid
enim adhuc hreret corpori, n o n desperatre sanitatis est ; quod autem prre­
cisum fuerit, nec currari nec sanari potest." ( August., Serm., CXXXVI I ,
1 ; Migne, P. L., XXXVI I I, 754. )
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Usque adhuc edisserendo vidimus, Venerabiles Fratres, ita constitu­


tam esse Ecclesiam, ut corpori adsimulari queat ; superest in prresens
ut enucleate accurateque explanemus quibus de causis eadem non quale­
cumque corpus, sed lesu Christi Corpus prredicanda sit. Quod qu idem
ex eo eruitur quod Dominus Noster mystici huius Corporis est Conditor,
Caput, Sustentator, Servator.
Exposituris b reviter, qua ratione Christus sociale Corpus suum con­
diderit, principio hrec Nobis occurrit Decessoris Nostri fel. rec. Leonis X I I I
sententia : "Ecclesire, q u re i a m concepta, e x latere ipso secundi Adami,
velut in Cruce dormientis, orta erat, sese in lucem hominum insigni modo
primitus dedit die celeberrima Pentecostes." (Encycl. Divimzm lllud,
A. S. S., XXIX, p. 649.) Divinus enim Redemptor mystici Ecclesire templi
redificationem tum inchoavit, cum concionando sua tradidit p rrecepta ; tum
consummavit, cum clarificatus e Cruce pependit ; ac tum denique manifestavit
promulgavitque, cum adspectabili modo Paraclitum Spiritum in discípulos
misit.
Dum nimirum concionatoris munus obibat, Apostolos elegebat, mittens
eos sicut ipse erat missus a Patre (loann., XV I I , 1 8) , doctores nempe,
rectores, sanctitatisque effectores in credentium cretu ; eorum Principem
suumque in terris Vicarium indicabat (cf. Matth., XV I , 1 8- 1 9) ; omnia,
qure audierat a Patre, eis nota faciebat (loann., XV, 15 coll. XVI I , 8 et
1 4) ; Baptismum quoque designabat (cf. loann., 1 1 1 , 5) , quo credituri Ec­
clesire Corpori insererentur ; ac tandem ad vitre vesperam cum pervenisset,
novissimam celebrans crenam, Eucharistiam, mirabile sacrificium mirabileque
sacramentum, instituebat.
Opus autem suum in Crucis patibulo consummavisse, haud interrupta
Sanctorum Patrum testimonia asseverant, qui qu idem animadvertunt in
Cruce Ecclesiam e latere Salvatoris esse n atam instar novre Evre, matris
omnium viventium. (Cf. Oen., 1 1 1 , 20. ) "Et nunc, ita magnus Ambrosius
de latere Christi perforato agens, redificatur, et nunc formatur, et nunc
. . . figuratur, et nunc creatur . . . Nunc domus spiritalis surgit in sacerdotium
sanctum." (Ambros., ln Luc., II, 87 ; Migne, P. L., XV, 1 585. ) Quam
venerandam doctrinam qui religiose perscrutatus fuerit, haud difficulter
rationes, quibus eadem innititur, cernere pote rit.
Et primo quidem Redemptoris morte, Legi Veteri abolitre Novum
Testamentum successit ; tunc Lex Christi una cum suis mysteriis, legibus,
institutis, ac sacris ritibus pro universo terrarum orbe sancita est lesu
Chtisti sanguine. Nam, dum Divinus Servator in angusto territorio con­
cionabatur - non enim erat missus nisi ad oves qure perierant domus
I srael (cf. Matth., XV, 24) - simul currebat Lex et Evangelium (cf. S.
Tlzom., 1-I I , q. 1 03, a. 3, ad 2) ; in sure autem mortis patibulo lesus Le­
gem cum decretis suis evacuavit (cf. Eph., I I , 1 5) , chirographum Antiqui
Testamenti Cruci affixit (cf. Col., 1 1 , 1 4 ) , in sanguine suo, pro universo
humano genere profuso, Novum Testamentum co n stituens. (Cf. Matth.,
XXVI, 28 et I Cor., XI, 25. ) "Adeo tunc, ita S. Leo Magnus de Cruce
Domini verba faciens, a Lege ad Evangelium, a Synagoga ad Ecclesiam, a
mu ltis sacrificiis ad unam hostiam evidens facta est translatio, ut emitten­
te spiritum Domino velum illud mysticum, quod templi penetralia sanctum­
que secretum suo intercludebat obiectu, a summo usque ad imum vi subita
scinderetur." (Leo M., Serm ., LXVl l l , 3 ; Migne, P. L., LIV, 374. )
ln Cruce igitur Lex Vetus mortua est, mox sepelienda et mortífera
futura (cf. Hier. et August., Epist., CXI I , 14 et CXVI, 1 6 : Migne, P. L.,
XXII, 924 et 943 ; S. Thom., 1-11 q. 1 03, a. 3 ad 2 ; a. 4 ad 1 ; Concil. Flor.,
1 034 Documentação

pro Jaco b ,· Mansi, XXXI, 1 738) , ut Novo Testamento locum cederet, cuius
quidem Christus i doneos ministros Apostolos elegerat (cf. li Cor., I I I , 6) :
atque e Crucis virtute Servator noster, etsi iam i n utero V i rginis Caput
totius humanre familire constitutus, ipsum Capitis munus i n Ecclesia sua
plenissime exercet. "Per Crucis enim victoriam, ex Angelici Communisque
Doctoris sententia, meru it potestatem et dominium super gentes" ( cf. S.
Thom., 1 1 1 , q. 42, a. 1 ) : per eandem i n immensum nobis auxit thesau ru m
i l lum gratiarum, quas gloriosus regnans i n creio, membris suis mortalibus
nulla intermissione elargitu r ; per sanguinem i n Cruce profusum i d effecit,
u t d ivinre i rre remoto obice, omn i a crelestia dona imprimisque spiritualia
Novi et JEterni Testamenti munera e fontibus Servatoris i n salutem ho­
minum, maximeqüe fidelium, effluere possent ; in a rbore Crucis denique
sibi suam acquisivit Ecclesiam, hoc est omnia mystici sui Corporis mem­
bra, quippe qure per Baptismatis lavacrum mystico huic Corpori nori
coagmentarentu r, nisi ex salutifera virtute Crucis, in qua quidem iam
plenissimre Christi ditionis facta essent.
Quodsi morte sua Servator noster, plena atque i ntegra verbi signifi­
catione, factus est Ecclesire Caput : haud secus Ecclesia per sanguinem
eius uberrima ilia Spiritus communicatione ditata est, qua quidem, i n de
a " filio hominis" i n saum dolorum patibulum elato ibique clarificato, divi­
nitus i l lustratur. Tunc enim, u t A ugustinus animadvertit ( cf. De pecc.
orig., XXV, 29 ; Migne, P. L., X L I V, 400 ) , concisso templi velo factum
est, ut ros charismatum Paracliti, qui eo usque descenderat i n solu m
vellus, h o c est i n populum I srael, large abundanterque, exsiccato et re­
licto vellere, universam terram, Catholicam scilicet Ecclesiam irrigaret,
qure nullis vel stirpis, vel territorii finibus terminaretur. Sicut igitur primo
i ncarnationis momento, A:: t erni Patris Filius humanam naturam sibi substan­
tialiter unitam Sancti Spi ritus plenitudine ornavit, ut aptum divinitatis
instrumentum esset in cruento Redemptionis opere : ita pretiosre sure mortis
hora Ecclesiam suam uberioribus Paracliti muneribus ditatam voluit, u t i n
divinis Redemptionis fructibus impertiendis validum evaderet incarnati Ver­
bi instrumentum, numquam utique defuturu m. l u ridica enim, quam vocant,
Ecclesire missio, ac docendi, gubernandi sacramentaque administrandi po­
testas, idcirco ad redificandum Christi Corpus supernam vim h abent atque
vigorem, quod Christus J esus e Cruce pendens Ecclesire sure divinorum
munerum fontem aperu it, quibus et fallentem numquam doctrinam homines
docere posset, et eos per divinitus illuminatos Pastores salutariter regere,
ac crelestium gratiarum imbre perfundere.
Quodsi hrec omnia Crucis mysteria attente consideramus, iam ea non
obscura nobis sunt Apostoli verba, q uibus docet Ephesios, Christum san­
guine suo ludreos et Gentes unum fecisse, "medi um parietem . . . solvens . . .
i n carne sua'', quo duo popul i dividebantur ; itemque Legem Veterem
evacuasse "ut duos conderet i n semetipso i n unum novum hominem", Ec­
clesiam videlicet : "et ambos in uno Corpore reconciliaret Deo per Crucem."
(Cf. Eph., I I, 1 4- 1 6. )
Quam autem sanguine s u o condidit Ecclesiam, e a m Pentecostes die
peculiari virtute, crelitus delapsa, roboravit. Siqu i dem, i n excelso suo munere
sollemniter eo constituto, quem suum iam antea designaverat Vicarium,
crelum ascenderat ; ac sedens ad Patris dexteram, Sponsam suam adspecta­
bili Spiritus Sancti adventu, cum sonitu flaminis vehementis ignitisque linguis
(cf. Act., II, 1 -4) , manifestare ac promulgare voluit. Nam, sicut ipse, cum
concionandi munus inchoaret, ab JEterno Patre suo per Spiritum Sanctum,
s u b spe c ie colu mbre descen dentem manentemque super eum (cf. Luc., I I I,
Revista Eclesiástica Brasilei ra, vol. :J, fase. 4, dezembro 1 943 1035

22 ; Marc., 1 , 1 0 ) , manifestatus est ; ita pariter, dum Apostol i sacru m con­


cionandi officium inituri erant; Christus Dominus suum e creio demisit
Spiritum, qui eosdem per flammeas linguas attingens, supernam Ecclesire
missionem supernumque munus veluti divino digito i ndicaret.
Secundo autem loco, hoc mysticum Corpus, quod est Ecclesia, Christi
nomine insigniri ex eo evincitur, quod ipse eiusdem Caput reapse sit ab
omnibus habendus. " Ipse, ut inquit Paulus, est Caput Corporis Ecclesire."
(Col., 1 , 1 8. ) l pse est Caput, ex quo totum Corpus congruo ordine com­
positum, succrescit et augmentum facit in redificationem sui. (Cf. Eplzes.,
IV, 16 coll. Col., I I , 1 9. )
Exploratum habetis, Venerabiles Fratres, quibus luculentissimis sen­
tentiarum luminibus Scholasticre Theologire Magistri, ac prrecipue Angeli­
cus Communisque Doctor, hac de re disputaverint ; vobisque profecto est
cognitum prolata ab eo argumenta sanctorum Patrum placitis fideliter
respondere, qure ceteroquin nihil aliud referebant edisserendoque commen­
tabantur, nisi divina Sacrarum Litterarum eloquia.
Libet tamen Nobis heic i n communem utilitatem id presse attingere.
Ac principio perspicuum est Dei Be!)treque Virginis Filium peculiarissima
quadam excellentire ratione Ecclesire Caput esse vocandum. Caput enim in
sublimi locatum est. Quis autem est altiore loco locatus, quam Christus
Deus, qui utpote JEterni Patris Verbum, "primogenitus omnis creaturre"
( Col., 1, 1 5) haberi debet? Quisnam elatiore i n vertice positus, quam
Christus homo, qui e Virgine labis experte natus, verus naturalisque Dei
Filius est, et ob prodigalem gloriosamque anastasim, qua ex triumphata
morte surrexit, "primogenitus mortuorum" (Col., 1 , 1 8 ; Apoc., 1, 5) exsistit?
Quisnam denique excelsiorc in culmine collocatus quam ille, qui utpote
"unus . . . mediator Dei et hominum" (/ Tim ., I I , 5), mirando prorsus
modo terram cum creio coniungit ; qui exaltatus in Cruce, veluti in miseri­
cordire solio, omnia traxit ad semet ipsum (cf. loawz ., X I I , 32) ; quique,
filius hominis electus ex miriadibus, plus quam omnes homines, omnes
angeli, omnesque creatre res a Deo diligitur? ( Cf. Cyr. Alex., Comm. i11
lolz., 1, 4 ; Migne, P. G., LXX l l I , 69 ; S. Tlzom., 1, q. 20, a. 4, ad ! . )
Quia vero Christus tam sublimem occupat locum, iure meritoque ipse
solummodo est, qui Ecclesiam regit atque gubernat ; proptereaque hac
quoque de causa capiti adsimulari debet. Siquidem, quemadmodum caput
- ut Ambrosii verbis utamur - est "arx regalis" corporis (Hexai!m., V I ,
55 : Migne, P . L . , X IV, 265) , ab eodemque, utpote potioribus dotibus prre­
dito, omnia membra, quibus superponitur ut consu lat (Cf. August., De
Agon. Clzrist., XX, 22 : Migne, P. L., XL, 301 ) , natura ipsa diriguntur, ita
Divinus Redemptor universre Christianoru m reipublicre clavum tenet eiusque
gubernacula moderatur. Ac quandoquidem hominum cretum regere nihil
est aliud, nisi utili eos providentia, idoneis opibus rectisque rationibus
ad assignatum finem perducere (cf. S. Tlzom., 1, q. 22, a. 1 -4) , facile
cernere est Servatorem nostrum, qui bonorum Pastorum forma et exem­
plar exsistit (cf. loann., X, 1 - 1 8 ; 1 Petr., V, 1 -5 ) , hrec omnia mirando
prorsus exercere modo.
Ipse enim, cum in terris commorabatur, legibus, consiliis, monitis, per
eiusmodi verba nos docuit, qure numquam transibunt, qureque cuiusvis
retatis hominibus spiritus erunt et vita. (Cf. loan11., VI, 63. ) Ac prreterea
triplicem potestatem Apostolis eorumque successoribus impertiit ; docendi
nempe, regendi, ad sanctitudinemque ducendi homines ; quam quidem po­
testatem peculiaribus prreceptis, iuribus officiisque prreflnitam, primariam
legem statuit totius Ecclesire.
1 036 Documentaçãc

Sed directo etiarn per se divinus Servator noster conditam ab se so­


cietatem moderatu r ac dirigit. I pse enim regnat in mentibus animisque
hominum et acl beneplacitum suum vel rebelles i nflectit ac compellit vo­
lunt ates. "Cor regis in manu Domini, quocumque voluerit inclinabit i l l ud."
(Proverb., X X I , 1 . ) Quo quidem interno moderamine non modo ipse, u t
"pastor et episcopus animarum nostrarum" (cf. I Petr., I I , 25) , singulo­
rum curam habet, sed un ive rsre quoque p rospicit Ecclesire ; sive quando
eius rectores ad munia cuiusque sua fideliter fructuoseque obeunda illu­
minat atque corroborat ; sive, quando - in gravioribus prresertim reru m
adiunctis - viros ac mulieres, sanctitatis fu lgore enitentes, e gremio
Ecclesire Matris excitat, ut ceteris christifidelibus exemplo sint ad mystici
sui Corporis i ncrementum. H u c accedit quod e creio Ch ristus intemeratam
Sponsam, heic in terris exsi lio laborantem, pecu liari semper amore respicit ;
cumque eam periclitantem cernit, vel per se i psemet, vel per angelos
suos (cf. A ct., V I I I , 26 ; IX, 1 - 1 9 ; X, 1 -7 ; X I I , 3- 1 0 ) , vel per eam, quam
Auxilium Christianoru m invocamus, aliosque crelestes prrestites, e tempes­
tatis fluctibus eripit, ac sedato tranquil latoque mari, pace ea solatur, "qure
exsuperat omnem sensum." (Philipp., I V , 7.)
Non est tamen reputandum eius regimen modo non conspicuo (cf.
Leo X I I I , Satis Cognitum, A. S. S., XXV I I I , 725) vel extraordinari o tan­
tum absolvi ; c u m contra, adspectabili quoque ordinariaque ratione, D ivinus
Redemptor per suum i n terris Vicarium Corpus suum mysticum gubernet.
Norunt enim omnes, Venerabi les Fratres, Christum Dominum, postqu a m
per h o c mortale i t e r "pusi l l u m gregem" (Luc., X I I , 32) per se i pse perspi­
cibili modo rexisset, mox hunc mundum relicturu rn ac rediturum ad P a­
trem, totius ab se conditre societatis adspectabile regimen Apostolorum
Principi commisisse. Siquidem, u t sapientissimus erat, constitutum ab se
sociale Ecclesire corpus nequaquam sine conspicuo capite relinquere poterat.
Neque ad rem eiusmodi infitiandam asseverari potest per statutum i n Ec­
clesia i u risdictionis primatum, mysticum e iusmodi Corpus gemino i n­
structum fu isse capite. Est enim Petrus, vi primatus, nonnisi Christi vi­
carius, atque adeo u n u m tantum primarium habetur huius Corporis Caput,
nempe Christus : qui quidern arcana ratione Ecclesiam per sese gubernare
non desi nens, adspectabi l i tarnen modo per eurn, qui suam i n terris per­
sonam gerit, eandem regit Ecclesiam, i a m post gloriosarn suam in crelum
A scensionem non in se solo, sed i n Petro quoque tarnquam i n perspicuo
fundamento redificatarn. Unum solu mmodo Caput constituere Christum
eiusque Vicarium, Decessor noster imm. mem. Bonifacius V I I I per Aposto­
licas Litteras Unam Saneiam solemniter docu it ( cf. Corp. Jur. Can., Extr.
comm., I , 8, 1 ) , idque subinde Successores eius iterare non desiere unquam.
Periculoso igitur i n errore ii versantur, qui se Christum Ecclesire Caput
amplecti posse existimant, licet eius i n terris Vicario fideliter non adhre­
reant. Sublato enim adspectabili hoc Capite, ac diffractis conspicuis u n i­
tatis vinculis, mysticum Redemptoris Corpus ita obscu rant ac deformant,
u t ab reternre qurerentibus salutis portum iam nec videri, neque inveniri
queat.
Qure autem Nos heic de u n iversali Ecclesia diximus, id de peculiaribus
etiam asseverari debet christianorum communitatibus, c u rn Orientalibus,
tum Latinis, ex quibus u n a constat ac componitur Catholica Ecclesia :
quandoquidem et ipsre a Christo Iesu proprii u n iuscuiusque Episcopi voce
potestatequ e regu ntur. Quamobrem sacrorum Antistites non solum eminen­
tiora u niversalis Ecclesire membra habendi sunt, u t qui singulari prorsus
nexu iunguntur cum divino totius Corporis Capite, atque adeo i u re vo-.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 037

can tur "partes membrorum Domini primre" ( G reg. Magn., Moral. , X I V,


35, 43 : Migne, P. L., LXXV, 1 062) ; sed, ad propriam cuiusque D iceccsim
quod s pectat, utpote veri Pastores assignatos si.bi greges singuli singulos
Ch risti nomine pascunt ac regunt (cf. Cone. Vat., Const. de E cc/., cap.
3 ) ; id tamen dum faciunt,. non plane sui iuris sunt, sed sub debita Roma ni
Po ntificis auctoritate positi, qu amvis ordinaria i urisdictionis potesta te fruan­
tur, immediate sibi ab eodem Pontífice Summo impertita. Quapropte r, ut
Ap ostoiornm ex divina institutione süccessores (cf. Cod. Jur. Car1 ., can.
329, 1 ), a populo venerandi su n t ; ac magis quam huius mundi modera­
tori bus, etiamsi altissimis, illud Episcopis, utpote Spi ritus Sancti chrism ate
ornatis, convenit effatum : "Nolite tangere Christos meos." (/ Parai., XVI,
22 ; Ps., CIV, 1 5. )
!taque summo N o s maerore afficimur, c u m Nobis affertur, non pau­
cos e Nostris i n Episcopatu Fratribus, idcirco quod facti sint forma gregis
ex animo (cf. l Pe tr ., V, 3 ) , ac sacrum sibi traditum "fidei depositum"
(cf. / Tim ., V I , 20) strenue, ut addecet, fideliterque custodi ant ; idcirco
quod sanctissimas Ieges u rgeant, in animis hominum divinitus· insculptas,
ac sibi creditum gregem, supremi Pastoris exemplo, adversus rapaces lu pos
tutentur, non modo in semetipsos illatas insectationes vexationesque per­
peti , sed - quod cru delius ipsis graviusque est - in oves etiam suis
curis commissas, in apostolici Iaboris socios, ac vel in i psas virgines
Deo sacratas. Eiusmodi Nos iniu riam, utpote Nobismet i psis inustam re­
putantes, Decessoris Nostri imm. rec. Gregorii Magni grandiloquam sen­
tcntiam iteramus : Honor Nos ter universal is Ecclesire est honor ; honor
Noster solidus Fratrum Nostrorum est vigo r ; ac tunc Nos vere honorati
sumus, cum singulis quibusque debitus honor non negatur. ( Cf. Ep. ad
Eulog., 30 : Migne, P. L., LXXV I I , 933. )
Nec tamen putandum est, Christum Caput, cum tam sublimi in loco
sit positum, opem non requirere Corporis. Etenim de mystico quoque hoc
Corpore illud asseverandum est, quod Paulus de humana concretione as­
severat : "Non potest dicere . . . caput pedibus : non estis mihi necessarii."
(/ Cor., XII, 2I . ) Liquido utique patet christifideles divini Redemptoris
ope omnino egere, cum ipse dixerit : "Sine me nihil potestis facere" (loarm.,
XV, 5 ) , et cum ex Apostoli sententia, omne mystici huius Corporis in­
crementum i n redificationem sui ex Christo Capite sit. ( Cf. Epll., IV, 1 6 ;
Col., 1 1 , 1 9. ) Attamen hoc quoque retinendum est, quamvis mirandum
prorsus videatur, Christum nempe requirere membra sua. l dque primo
quidem, quatenus lesu Christi persona a Summo geritur Pontífice, qui ne
pastoralis officii onere obruatur, alios non paucos in sollicitudinis sure
partes vocare debet, ac cotidie est totius comprecantis Ecclesire adiutorio
reievandus. Ac prreterea Servato r noster, prout ipse per se non adspectabi li
modo Ecclesiam regit, a mystici vult sui Corporis membris adiuvari in
exsequendo Redemptionis opere. Quod tamen non ex eius indigentia de­
bilitateque accidit, sed ex eo potius quod ipsemet ad maiorem inteme­
ratre sure Sponsre honorem rem ita disposuit. Dum enim in Cruce emoriens,
immensum Redemptionis thesaurum Ecclesire sure, nihil ea conferente, di­
Iargitus est ; ubi de eiusmodi thesau ro distribuendo agitur, id efficiendre
sanctitatis opus non modo cum intaminata sua Sponsa communicat, sed
ex eius etiam opera vult quodammodo oriri. Tremendum sane mysterium, ac
satis n u mquam medita tum : multorum nempe salutem a mystici lesu Christi
Corporis membrorum precibus voluntariisque afflictationibus, ab iisdem
hac de causa susceptis, pendere, et ab adiutrice Pastorum ac fidelium, im-
1 038 Documentação

primisque patrum matrumque familias opera, quam iidem divino Servator i .


nostro q uasi sociam prrestare debeant.
ln prresens autem rationibus modo expositis, quibus eruitur Christum
D ominum socialis sui Corporis Caput esse vocandum, tres alire adiciendre
sunt, qure et ipsre intimis nexibus devinciuntur. _

l nitium sumimus ex i nvicem conformata ratione, quam inter Caput et


corpus intercedere videmus, cum eiusdem naturre exsistant. Quam ad rem
animadvertendum est naturam nostram, quamvis inferior sit angelica, ex
Dei tamen bonitate angeloru m naturam evincere : "Christus enim, u t dicit
Aquinas, est Caput angeloru m. Nam Christus prreest angelis etiam secun­
dum humanitatem . . . Item etiam secundum quod homo angelos i lluminat
et i n eis influit. Quantum autem ad naturre conformitatem, Christus non
est Caput angelorum, quia non angelos apprehendit, sed - secundum
Apostolum - semen Abrahre." ( Comm. in ep. ad Eph., cap. 1 , lect. 8 ;
Hebr., l i , 1 6- 1 7. ) Nec solum naturam nostram apprehendit Christus, sed
i n fragili etiam, patibili mortalique corpore consanguineus noster factus
est. At si, Verbum "semetipsum exinanivit, formam servi accipiens"
(Plzilipp., li, 7 ) , hoc ea quoque de causa egit, u t suos secundum carnem
fratres consortes faceret divinre n at u rre ( Cf. li Petr., 1, 4 ) , cum i n terrestri
exsilio per sanctitatis effectricem gratiam, tum i n crelesti patria per sem­
piternam assequendam beatitatem. ldcirco enim JEterni Patris U nigenitus
filius hominis esse voluit, ut nos conformes efficeremur imagini Filii Dei
(cf. Rom., V I I I , 2 9 ) , ac renovarem u r secundum imaginem illius, qui creavit
nos. ( Cf. Col., I l i , 1 0. ) li igitur omnes, qui christiano nomine gloriantur,
non modo divinum Servatorem nostrum, veluti excelsum perfectissimum­
que virtutum omnium exemplar intueantur, sed per sollertem etiam pecca­
·
torum fugam sanctimonireque exercitionem studiosissimam, ita eius doctri­
nam ac vitam suis moribus exprimant, ut cum Dominus apparu erit, i n
gloria similes ei fiant, videntes e u m sicuti est. ( Cf. 1 Joan., I l i , 2 . )
Quemadmodum autem singu l a membra s i b i adsimulata vult Christus,
ita totum etiam Ecclesire Corpus. Quod profecto evenit, cum ipsa, Con­
ditoris sui vestigiis insistens, docet, regit, divinumque sacrificium immolat.
lpsa prreterea, dum evangelica consilia amplectitur, Redemptoris pauper­
·

tatem, obedientiam, v i rginitatemque in se refert. l psa per multiplicia va­


riaque i nstituta, quibus veluti monilibus ornatur, Christum quodammodo
commonstrat, vel in monte contemplantem, vel concionantem ad populos, vel
sanantem regros et saucios, ac peccatores ad fru gem bonam convertentem,
vel denique benefacientem omnibus. Nihil igitur mirum si e adem, quamdiu
hisce i n terris degit, i nsectationibus quoque, vexationibus doloribusque,
Christum imitando, afficiatur.
Ac prreterea idcirco Ecclesire Caput h abendus est Christus, quod su­
pernorum munerum plenitudine perfectioneque cum prrestet, ex ciusmodi
plenitudine mysticum eius Corpus haurit. Sicut enim - quod plures P a­
tres a n imadvertunt - mortalis nostri corporis caput sensibus omnibus
pollet, dm;n ceterre concretionis nostrre partes tactu solummodo fruuntur,
ita qure in societate christiana virtutes sunt, qure dona qure charismata,
ea omnia i n eius Capite Christo perfectissime renident. " l n ipso complacuit
omnem plenitudinem inhabitare." ( Col., 1 , 1 9. ) Eum super ria e a munera
exornant, qure hypostaticam u n ionem comitantur : siquidem i n eo Spiritus
Sanctus habitat cum tali gratiaru m plenitudine, ut maior intelligi nequeat.
E i data est "potestas omnis carnis" (Cf. loann., XV I I , 2) ; uberrimi in eo
sunt "omnes thesauri sapientire et scientire." ( Col., l i , 3.) Eaque etiam,
quam visionis scientiam vocant, ita i n eo viget ut tam ambitu quam ela-
Revista Eclesiástica Brasi leira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 039

rita te, be atam id genus scientiam p r o r s u s exsu p e re t sanctonu n o m n i u m


crel itum. Ac denique t a m ipse est plenus gratire et veritatis , ut d e inexhau sta
ple nitudine eius nos omnes accipiamus. ( Cf. loann., 1, 1 4- 1 6. )
H re c autem illius discipuli verba, quem singulari caritate diligebat
I esus, ad extremam edisserendam rationem Nos movet, e qua quidem pe­
culiari quodam modo evincitur Christum Dominum mystici sui Corporis
Caput esse asseverandum. Sicut scilicet nervi in omnes nostri corporis
artus e capite diffunduntu r, i isdemque sentiendi seseque movendi facul­
tatem impertiunt, ita Servator noster vim virtutemque suam in Ecclesiam
immittit, qua fit u t res divinre et illustrius a christifidelibus cognoscantu r
et appetantur avidius. Ex eo p rofluit i n Ecclesire Corpus omnis lux, qua
c redentes divinitus i llustrantur, omnisque gratia, qua sancti fiunt, sicut ipse
sanctus est.
Universam Ecclesiam suam illuminat Christus ; quod quidem ex pene
innumeris Sacrarum Litterarum sanctorumque Patrum locis comprobatur.
"Deum nemo vidit unquam : unigenitus F i lius, qui est i n si nu Patris, ipse
enarravit." (Cf. loann., 1 , 1 8. ) Veniens a Deo magister . (cf. Ioann., I I I, 2 ) ,
ut testimon ium perhiberet veritati (cf. loann., X V I I I , 37 ) , primrevam
Apostoloru m Ecclesiam ita sua luce i l lustravit, ut Apostolorum princeps
exclamaret : "Domine, ad quem ibimus? verba vitre reterme babes" (cf.
Ioann., VI, 68) ; Evangel istis e creio ita adfuit, ut tamquam membra Christi
illud operati sint, quod veluti dictante Capite cognoveru nt. (Cf. A u gust.,
De cons. evang. , 1, 35, 54; Migne, P. L., XXXIV, 1 070. ) Atque etiam hodie
nobis, hoc i n terrestri exsi lio commorantibus, est auctor fidei, sicut in pa­
tria consummator. (Cf. Hebr., X I I , 2.) lpse est qui i n fideles lumen fidei
infundit ; ipse qui Pastores et Doctores, imprimisque suum in terris Vica­
rium, supernis scientire, intellectus, sapientireque donis divinitus ditat, ut
fidei thesaurum fideliter adservent strenue defendant, pie . diligenterque
explicent atque corroborent ; ipse denique est, qui, etsi non visus, Eccle­
sire Conciliis prresidet atque prrelucet. (Cf. Cyr. Alex., Ep. 55 de Sym b.,
Migne, P. G., LXXV I I , 293. )
Sanctitatis auctor est atque effector Christus. N u llus siquidem salu­
taris actus haberi potest, qui ex eo, tamquam e superno fonte, non pro­
fluat. "Sine me, inquit, nihil potestis facere." (Cf. Ioanrz., XV, 5. ) Si, ob
·

admissa perpetrata, animi dolore prenitentiaque movemur, si filiorum ti­


more ac spe ad Deum convertimur, ipsius semper virtute ducimur. Gratia
et gloria ex inexhausta eius plenitudine oriuntur, Eminentiora prresertim
mystici sui Corporis membra, consilii, fortitudinis, timoris pietatisque do­
nis Servator noster continenter munerat, u t totum Corpus magis i n dies
magisque vitre sanctitate i ntegritateque augeatur. Et quando Ecclesire Sa­
cramenta externo ritu administrantur, i psemet effectum i n animis opera­
tur. (Cf. S. Tlwm., I I I, q. 64, a. 3 . ) I temque ipse est, q u i redemptos nu­
triens propria carne et sanguine, concita tos ac turbidos animi motus sedat ;
ipse est, qui gratias auget assequendamque animorum corporumque gloriani
prrepa rat. Quos qu idem divinre bonitatis thesauros, mystici sui Corporis
membris non modo i dcirco i mpertire dicendus est, quod eos, tam eucha­
ristica hostia i n terris, quam clarificata in crelis, ostensione vulnerum
precumque effusione a Patre )Eterno efflagitat, sed i dcirco etiam quod sin­
gulis singulas gratias "secundum mensuram donationis Ch risti" (Eph ., IV,
7), eligit, determinat, distribuit. Ex quo consequitur ut a Divino Re­
demptore, tamquam ex capita l i fonte vim hau riens, "totum corpus com­
pactum et connexum per omnem i uncturam submln istrationis, secundum
1 040 Documentação

operationem i n mensuram u n i uscuiusque membri, augmentum corporis faciat


in redificationem sui in cari tate . " ( Eplz., IV, 1 6 ; cf. Col., I I , 1 9. )
Qure supra expos u i mus, Venerabiles Fratres, modum presse b reviter­
q u e explana ntes, q u o Christus Dominus ex divina plenitudine s u a i n Ec­
clesiam vult ubera sua dona i n fluant, ut eadem s i b i met ipsi q u a m m a­
x i m e adsimu letur, h a u d p a r u m profecto conferu nt ad tertiam i l i a m ed is­
serendam rationem, ex q u a etiam e ru i t u r c u r soci ale Ecclesire Corpus
nomine Christi decoret u r : qure q u i dem i n eo ponitur, quod Servator noster
a b se conditam societatem i pse divinitus sustentat.
U t acute subtil iterque Bellarminus (cf. D e Rom. Pont., I , 9 ; De
Con c il., I I , 1 9 ) a n i m advert it, hrec Corporis Christi n o m i n atio non ex eo
s o l u m modo explicanda est, quod Christus mystici s u i Corporis Caput est
dicendus, sed ex eo etiam quod ita Ecclesi am susti net, et i ta in Ecclesia
qu odammodo vivit, u t ipsa q u asi a ltera Christi persona exsistat. Quod
q u i de m gentium Doctor a d Corinthios scribens affirmat, cum, nihil a l i u d
adiiciens, " Ch ristum" Ecclesiam vocat ( c f . I Cor., X I I , 1 2 ) , i p s u m profecto
Magistru m i m itatus, qui eidem Ecclesiam i nsectanti adclamaverat ex alto :
"Saule, Saule, c u r m e persequeris?" ( Cf. A ct., I X, 4 ; X X I I , 7 ; X X V I ,
1 4. ) Q u i n immo si N y s s e n o credimus, srep ius a b Apostolo Ecclesi a "Ch ris­
tus" n u ncupatur (cf. G reg. Nyss., D e vita Moysis ,- Migne, P. O., X L I V ,
385 ) ; nec i g n o t u m v o b i s est, Venerabiles Fratres, i l l u d A u g u s t i n i effatu m :
"Chri stus Christu m prredicat." ( Cf. S erm., CCC L I V , 1 ; Migne, P . L.,
XXXIX, 1 563. )
Nobilissima tamen eiusmodi appellatio n o n ita accipienda est, ac s i
i neffa bile i l l u d v i n c u l u m , quo D e i F i l i u s conc retam assumpsit humanam
naturam, ad u niversam pertineat Ecclesi a m ; sed i n eo posita est, q u o d
Servator Noster bona maxime s i b i p r o p r i a ita c u m Ecclesia s u a commu­
n icat, ut hrec sec u n d u m totam vitre sure rationem, tam adspectabi lem quam
a rcanam, Christi imaginem q u a m perfectissime exprimat. Nam pe r i u r i­
dicam, ut a i u nt, missionem q u a Divinus Redemptor Apostolos i n m u n d u m
misit, sicut i p s e m issus e r a t a Patre ( c f . Ioann., X V I I , 1 8 et XX, 2 1 ) , ipse
est, qui per Ecclesiam baptizat, docet, regit, solvit, l igat, offert, sacrificat.
E a vero altiore d o n atione, i nterna ac sublimi prorsus, quam supra
attigimus, Capitis scilicet rationem describentes influendi i n membra sua,
Christus D o m i n u s Ecclesiam superna sua vita vívere i u bet, totu m e i u s
C o r p u s divina virtute s u a permeat, et s i n g u l a membra secu n d u m locum,
q u e m i n Corpore occupant, eo fere modo a l i t ac sustentat, quo cohrerentes
sibi palmites vitis n u t r i t facitq u e frugife ros. ( Cf. Leo X I I I , S apientire
Clzristianre, A. S. S., X X I I , 3 9 2 ; Satis cognitum, Ibidem, X X V I I I , 7 1 0. )
Quodsi divi n u m hoc, a Christo datum, vitre virtutisque pri'ncip i u m at­
tente consideramus, prout ipsum fontem constituit c u i usvis doni gratireque
c reatre, facile i n tellegimus i l l u d n i h i l aliud esse nisi Paraclitum S p i ritum,
q u i a Patre Filioque procedit, quique pec u l i a r i modo " S p i ritus Christi"
seu "Spiritus Filii" dicitur. (Rom., V I I I , 9 ; l i Cor., I I I , 1 7 ; Gal., I V, 6. )
H o c e n i m gratire veritatis q u e Flamine F i l i u s Dei i n i pso i ntaminato V i r­
g i n i s si n u a n i m a m s u a m o r n avi t ; h i c Spiritus in deliciis h abet i n almo
Redemptoris a n i m o tamquam in templo s u o d i lectissimo habitare ; h u n c
Spiritum proprio effuso cru o re Christus no bis i n Cruce promeru i t ; h u n c
d e n i q u e s u p e r Apostolos efflans, Ecclesire ad peccata .r emittenda largitus
est (cf. loamz ., XX, 22) ; ac d u m Christus solummodo h u n c Spiritum non
a d mensuram accepit (cf. loann . , I I I , 34) , membris tamen mystici Corporis
non n isi secu n d u m mensuram donationis Christi ex ipsius Christi pleni­
tudine i mpert itur. ( Cf. Eplz. , I , 8 ; IV, 4-7 . ) Ac postq u a m Christus in
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 04 1

Cruce clarificatus est, eius Spi ritus c u m Ecclesia uberrima effusione com­
mu nicatur, ut i psa eiusque singu l a membra magis in dies magisque Ser­
vatori nostro adsimu lentu r. Spiritus Christi est, q u i nos adoptivos Dei fi­
lios effecit (cf. Rom., V I I I , 1 4- 1 7 ; Gal., IV, 6-7 ) , ut aliquando " omnes
revelata facie gloriam Domini speculantes, in eandem imaginem transfor­
memur a claritate in claritatem." ( Cf. li Cor., I l i , 1 8. )
H u i c autem Christi Spiritui tamquam n o n adspectabili principio i d
quoque attribuendum est, ut omnes Corporis partes t a m inter sese, quam
cum excelso Capite suo coniu ngantur, totus i n Capite cum sit, totus i n
Corpore, totus i n singulis membris ; quibus p r o diversis eoru m muncribus
atque officiis, p ro maiore vcl minore, quo fru u ntur spiritualis san itatis
gradu, diversis rationibus prresens est atque adsistit. l lle est, qui c<elesti
vitre halitu i n omnibus corporis partibus cuiusvis est habendus actionis
vitalis ac reapse salutaris principium. llle est, qui licet per se ipse in
omnibus membris habeatur, i n iisdemque divinitus agat, i n i nferioribus
tamen etiam per superiorum ministerium operatu r ; ille denique est, qui
dum Ecclesire nova semper in dies, sua afflante gratia, incrementa parit,
membra tamen, a Corpore omnino abscissa, renuit sanctitatis gratia in­
habitare. Quam quidem Iesu Christi Spiritus prresentiam operationemque
sapientissimus Decessor Noster imm. mem. Leo X I I I Encyclicis Litteris
Divinum illud per hrec verba presse 11ervoseque significavit : "Hoc affir­
mare sufficiat, quod cum Christus Caput sit Ecclesire, Spiritus Sanctus sit
eius anima.'' (A. S. S., X X I X, p. 650. )
Si vero vitalem iliam vim virtutemque, qua tota Christianorum com­
munitas a Conditore suo sustentatu r, iam no11 i n semet ipsa, sed in creatis,
qui inde oriuntur, effectibus spectamus, in crelestibus ea muneribus con­
sistit, qure Redempto r 11oster una cum Spiritu suo Ecclesire impertit, u 11aque
cum Spiritu suo, supernre lucis dator sanctitatisque effectór, operatur. Ec­
clesia igitur haud aliter ac sancta eius omnia membra, grandem hanc
Apostol i sententiam sibi sumere potest : "V ivo autem, iam non ego ; vivit
vero in me Christus." (Gal. , I I , 20. )
Hrec N ostra de "Capite mystico" (cf. Ambros., De Elia et ieiun.,
1 0, 36-37 et llZ Psalm . 1 1 8, ser1J1 . 20, 2; Migne, P. L., XIV, 7 1 0 et XV,
1 483 ) facta eloquia imperfecta quidem manerent, si 11011 paucis saltem
attingeremus hanc eiusdem Apostoli sententiam : "Christus Caput est Ec­
clesire : l pse Salvator Corporis eius." (Eph., V, 23. ) H isce enim verbis
postrema i 11dicatur ratio, cur Corpus Ecclesire Christi nomine donetur. Est
nempe Christus huius Corporis divinus Servator. I pse enim i u re meritoque
a Samaritanis prredicatur "Salvator mundi" (Joann., IV, 42) ; immo absque
ullo dubio dicendus est "Salvator omnium" ; quamvis cum Paulo sit ad­
dendu m : "maxime fidelium". (Cf. J Tim ., IV, 1 0. ) Prre aliis vi delicet
omnibus, membra sua, qure Ecclcsiam constituu11t, acquisivit sa11g11 i 11e suo.
(A ct., XX, 28.) Hrec tamen, cum supra de Ecclesia e Cruce orta, de Christo
lucis datore efiectoreque sanctitatis, deque eodem mystici sui Corporis
susteutatore, enucleate satis scripserimus, non est cur amplius explanemus,
sed cur potius om11es, immortales grates agentes Deo, demisso intcntoquc
animo meditemur. Quod a utcm Servator noster, olim e Cruce pendens,
inchoavit, id perpetuo continenterque in crelesti beatitate pcragere . non
desinit : " Caput nostrum, ait Augustinus, i nterpellat pro nobis : a l i a mem­
bra rccipit, alia flagellat, alia mundat, alia co11solatur, alia creat, alia
vocat, alia revocat, a l i a corrigit, ali a redintegrat." ( Enarr . in Ps., LXXXV,
5; Mig11e, P. L., X X XV I I , 1 085. ) Nos autem omnes Christo in salutifero
hoc opere debemus sociam p rrestare operam, "qui ex uno et per unum sal-
1 042 Documentação

vamu r et salvamus." ( Clem. A l c x . , S!ro m . , V I I , 2; Mignc; f>. G ., IX, 4 1 3. )


I a m nunc, Venerabiles Fratres, ad illud edisserendum gradum facia­
mus, per quod quidem i n sua luce ponere cupimus Christi Corpus, quod
est Ecclesia, mysticum esse appel landum. Appellationem ei usmodi, qure
i a m i n plurium retatis veteris scriptorum usu habetur, haud pauca Sum­
moru m Pontificum documenta comprobant. Non autem u n a de causa hrec
vox adhibenda est ; quandoquidem per iliam sociale Ecclesire Corpus, cuius
Christus Capu t est ac moderator, i nternosci potest a physico eius Cor­
pore, quod e Deipara V i rgine natum nunc ad Patris dexteram sedet, ve­
lisque Eucharisticis delitescit ; ac discerni i tem potest, quod ob hodiernos
errores maioris momenti est, a naturali quovis corpore sive physico, sive,
ut aiunt, morali.
Dum enim i n n aturali corpore u nitatis principium ita partes iungit,
u t propria, quam vocant subsistentia singulre prorsus careant ; contra in
mystico Corpore muture coniunctionis vis, etiamsi i ntima, membra ita i nter
se copulai, ut singula omnino fruantur persona propria. Accedit quod,
si totius et singulorum membrorum mutuam inter se rationem considera­
mus, in physico quolibet viventi corpore totius concretionis emolumento
membra singula universa postremum u n ice destinantur, dum socialis qure­
l ibet hominum compages, si modo u ltimum utilitatis finem i nspicimus,
ad omnium et u n iuscuiusque membri profectum, utpote personre sunt, pos­
tremum ordinantur. !taque - ut ad rem nostram regrediamur - sicut
.iEterni Patris Filius ob sempiternam omnium nostram salutem de creio
descendit, ita Corpus Ecclesire condidit divinoque Spiritu ditavit ad i m­
mortalium procurandam assequendamque animarum beatitatem, secundum
illud Apostoli : " Omnia enim vestra sunt ; vos autem Christi ; Christus autem
Dei." (/ Cor., I I I , 23 ; Pius XI, Divini Redemptotis, A . A. S., 1 937, p. 80. )
Ut enim Ecclesia in bonum conformatur fidelium, ita i n Dei et quem
ipse misit Christi I esu gloriam destinatur.
Quodsi mysticum comparamus cum morali, ut aiu nt, corpore, tum etiam
animadvertendum est non leve quidam interesse, sed aliquid summi mo­
menti i nter utrumque summreque gravitatis. ln hoc enim, quod morale
vocant, nihil aliud est u n itatis principium, nisi finis communis, commu­
nisque omnium i n eundem finem per socialem auctoritatem conspiratio ;
dum i n mystico, de quo agimus, corpore conspirationi huic i nternum aliud
adiungitur principium, quod tam i n universa compage, quam i n singulis
eius partibus reapse exsistens virtuteque pollens, talis est excellentire,
ut ratione sui omn i a unitatis vincula, quibus vel physicu m vel morale cor­
pus copuletur, in immensum prorsus evi ncat. Hoc est, ut supra dlximus,
aliquid non naturalis, sed superni ordinis, immo i n semet ipso infinitum
omnino atque i ncreatum : Divinus nempe Spiritus, qui, ut ait Angelicus,
"unus et idem numero, totam Ecclesia m replet et unit." (De Veritate, q.
29, a. 4, e.)
Recta i g i t u r voeis h u ius significatio i n mentem revocat, Ecclesiam,
qure perfecta genere suo societas haberi debet, non ex socialibus solum­
modo ac i u ridicis elementis rationibusque constare. Ea nimirum longe
prrestantior est quam qurelibet atire hominum communitates (cf. Leo X I I I ,
Sapie11tice christiatzce, A . S. S., X X I I , p . 392) ; quibus quidem sic antecellit,
ut gratia naturam exsuperat, rebusque caducis omnibus immortali a sunt
prrestabiliora. ( Cf. Leo X I I I, Satis cognitllm, A . S. S., X XV I I I , p. 724. )
I d genus communitatis, imprimisque Civilis Societas, utique non spernen­
dre sunt, nec parvi habendre ; verumtamen in earum rerum ordine non
tota Ecclesia est, sicut i n mortalis corporis nostri concretione, non totus
Revista Eclesiástica B rasilei ra, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1043

hom o. ( Cf. Ibidem, p. 7 1 0) . Quamvis e n i m i u r idicre rationes, quibus Ec­


clesia etiam i n n ititur atque componitur, ex divina o riant ur a Christ o data
con stitu tione, ad supernumque finem assequendum conferant, i d tamen
quo c h risti a n a societas ad gradum evehitur, qui omnem naturre ordine �
pr orsus evi ncit, Redemptoris n ostri Spiritus est, qui ceu fons gratiaru m,
don orum, ac charismatum omnium, perpetuo et intime Eccles iam replet
et i n ea operatur. Siquidem, quemadmo dum mortalis nostri corporis com­
pages mirificum utique est Creatoris opus, sed quam longissim e distat
ab excelsa animi nostri dignitate : sic socialis ch ristianre reipu blicre structu­
ra, quamvis divi n i A rch itecti sui sapientiam prredicet, aliquid tamen in­
ferioris omnino ordinis est, u b i cum spiritualibus donis comparatur, q u i bus
eadem ornatu r ac vivit, cum eorumque divino fonte.
Ex iis, qure adhuc, V e nerabiles Fratres, vobis scribendo explanan­
doque persecu ti su mus, omnino patet gravi eos i n errore versari, qui ad
arbitrium suum quasi !atentem minimeque conspicuam fingant Ecclesiam ;
itemque q u i eam perinde habeant atque institutum quoddam lu1manum cum
certa quadam disciplinre temperatione externisque ritibus, at sine super­
nre vit<e communicatione. ( Cf. Ibidem, p . .7 1 0. ) U u m contra, sicut Christus
Ecclesire Caput et exemplar, "non omnis est, s i i n eo vel humana du mtaxat
spectet u r . natura visibilis . . . , vel divina tantummodo natura i nvisibilis . . . ,
sed· u n a est ex utraque et in utraque natura . . . : sic Corpus e i u s mysti­
cum", (cf. Ibidem, p . 7 1 0 ) , quandoquidem Dei Verbum humanam natu­
ram assumpsit doloribus obnoxiam, ut adspectabili societate condita et
divi no sanguine consecrata, " per visibilem gubernationem ad invisibilia
homo revocaretu r . " ( S . Thom., D e Veritate, q. 29, a. 4, a d 3. )
Quapropter fu nestum etiam eoru m errnrem dolemus atque improba­
mus, q u i commenticiam Ecclesiam s i b i somniant, u tpote societatem quan­
dam caritate a litam ac formatam, c u i qu idem - n o n sine despicientia -
aliam opponunt, quam i u ridicam vocant. At perperam omnino ei usmodi
distinctionem inducunt : non enim intellegunt divi num Redemptorem eadem
i psa de causa conditum a b se ho m i num cretum, perfectam volu isse genere
suo societatem constitutam, a c i u ridicis omnibus socialibusque elementis
i nstructam, ut nempe salutiferum Redemptionis opus hisce i n terns peren­
na ret (Cone. Vat., Sess. IV, Co11st. dogm. de Eccl., prol. ) ; et ad eundem
finem assequendum crelestibus eam volu isse donis ac muneribus a Para­
c l ito Spiritu ditatam. Eam utique .A:: t ernus Pater voluit " regnum F i l i i di­
lectionis sure" ( Col., 1 , 1 3) ; attamen reapse regnum in quo n i m i ru m c re­
dentes omnes plenum prrestarent intel lectus volun'tatisque sure obseq u i u m
( Cone. Vat., Sess. I l i , Const. de /ide cat/z., C a p . 3), ac demisso obedien­
tique animo ei sese confi rmarent, q u i pro nobis "factus est obediens usque
ad mortem." (Philipp., l i , 8.) N u l l a · igitur veri nominis oppositio vel re­
pugnantia haberi potest inter invis ibilem, quam vocant, Spiritus Sancti
missionem, ac i u ridicum Pastorum Doctorumque a Christo accept um mu­
n u s ; quippe qure - u t i n nobis corpus animusque - se i nvicem com­
pleant ac perficiant, et ab u no eodemque Servatore nostro procedant, q u i
m o d o divinum afflato halitum dixit : "Accipite Spiritum Sanctum"
1 1 0 11

( Ioann . , XX, 22) , sed etiam clara voce imperavit : "Sicut misit me Pater,
et ego mitto vos" (loamz., XX, 21 ), itemque : "Qui vos audit, me audit."
(Luc., X , 1 6. )
Quodsi i n Ecclesia aliquid cernitur, quod hum anre arguit conditionis
nostrre infirm itatem, id quidem non i u ridicre est e i u s constitutioni attri­
buendum, sed lamentabili potius singulorum ad malum procl ivitati, quam
idcirco divi nus eius Condito r i n al tioribus etiam mystici sui Corporis mem-
68
1 044 Documentação

bris esse patitur, ut et ovium Pastorumque virtus comprobetur, et in om­


nibus increscant christianre fidei promerita. Christus enim, ut supra dixi­
mus, ex constituto a se cretu seclusos noluit peccatores ; si igitur -nonnulla
membra spiritualibus morbis l aborent, non est c u r erga Ecclesiam nostrum
minuamus amorem, sed cur potius erga eius membra pietatem adaugeamus.
Utique absque u l l a labe refulget pia Mater i n sacramentis, quibus
filios procreat et alit ; i n fide, quam nullo non tempore i ntaminatarn ser­
vat ; i n legibus sanctissimis, quibus omnes iubet, consiliisque evangelicis
quibus admonet ; i n crelestibus denique bonis et charismatis, per qure i n­
numera parit, inexhausta sua fecunditate ( cf. Cone. Vat., Sess. I I I , Const.
de fide catholica, cap. 3 ) , martyrum, virgi num confessorumque agmina.
Attamen e i dem vitio verti nequit, si quredam membra vel infirma vel sau­
cia languescant, quoru m nomina cotidie ipsa Deum deprecatur : "Dimitte
nobis debita nostra", quorurnque spirituali c u rre, nu lia interposita mora,
materno fortique animo incurnbit.
Cum igitur "mysticum" Iesu Christi Corpus nu ncupamus, per i psam
huius voeis significationem gravissime admonemur. Qure q uidem monita
i n hisce S. Leonis verbis quadammodo resonant : "Agnosce, o Christiane,
dignitatem tuam, et divinre consors factus n atu rre, noli in veterem vilitatem
degeneri conversatione redire. Memento cuius Capitis et cuius Corporis sis
membrum." (Serm., X X I , 3 ; Migne, P. L., X I V, 1 92- 1 93 . )
* * *

P lacet i n prresens, Venerabiles Fratres, pecu liarissimo modo verba


facere de nostra cum Christo in Ecclesire Corpore coniu nctione, qure si
- ut i u re meritoque Augusti nus ait (cf. August., Contra Faust., 2 1 , 8 ;
Migne, P . L., XLI I , 392) - res grandis est, arcana atque divina, a c eadem
-
tamen de causa srepenumero contingit, ut a nonnullis perperam i n tellega­
tur atque explicetur. I mprimis patet eam arctissimam esse : nam i n Sacris
Litteris non modo casti connubii vinculo adsimulatur, et cum vitali pal­
mitum vitisque unitate, nostrique corporis compagine comparatur (cf.
Eph ., V, 22-23 ; loann., XV, 1 -5 ; Eph ., IV, 1 6) ; sed etiam tam intima
exhibetur, ut - secundum illud Aposto l i : " l pse ( Christus) est Caput Cor­
poris Ecclesire" ( Col., 1 , 1 8)- perantiqua perpetuoque a Patribus t ra­
dita documenta doceant, divinum Redemptorem curn suo sociali Corpore
unam dumtaxat constituere mysticam personam, seu ut Augustinus ait :
Christum totum. ( Cf. Enarr. in Ps. X V I I , 5 1 et X C, I I , 1 ; Migne, P. L.,
XXXVI, 1 54 et XXXVI I , 1 1 59. ) Quin immo ipse Servator noster in sacer­
dotali sua oratione eiusmodi coagmentationem cum miranda ilia un itate,
qua Filius est i n Patre et Pater i n Filio, conferre non dubitavit. (loann.,
X V I I , 2 1 -23. )
Nostra autem qure i n C hristo est et cum Christo compages, primo
loco ex eo constat, quod cum christiana respublica ex Conditoris sui vo­
luntate sociale exsistat perfectumque Corpus, idcirco in ea copulatio insit
oportet membrorum omnium ob eorum i n eundem finem conspirationem.
Quo autem nobilior est tinis, ad quem et conspiratio contendit, quo divi­
nior est fons ex quo eadem procedit, eo excelsior procul dubio evadit
u nitas. I am vero a ltissimus finis est : continuata nempe ipsius Corporis
membroru m sanctificatio i n gloriam Dei et Agni, qui occisus est. (Apoc.,
V, 1 2- 1 3. ) Fons autem divinissimus : non modo scilicet JEterni Patris pla­
citum, studiosaque Servatoris n ostri voluntas, sed i nternus etiam Sancti
Spiritus in mentes animosque nostros afflatus atque appulsus. Si enim ne
minimus quide m actus, qui ad salutem conducat, elici potest, nisi in Spiritu
Sancto, quomodo possunt innumerre cuiusvis gentis, cuiusvis stirpis mul-
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t itu dines i n supremam u n i u s trinique Numinis gloriam commun i consílio


co nspi rare, nisi e x illius virtute, q u i a Patre Filioque uno reternoque
e fflatur amore ?
Quoniam vero, u t supra diximus, sociale eiusmodi Christi Corpus ex
Con ditoris sui voluntate adspectabile esse debet, conspiratio ilia membro­
rum o mn i u m extrinsecus etiam sese m a n ifestet opus est, cum per e iusdem
fid ei professionem, tum per eorundem communionem sacrorum, per eiu sdem­
que participationem sacrificii, tum denique per actuosam earundem legum
observantiam. I dque prreterea omnino necessarium est, u t i n oculis om­
nium conspicuum adsit supremum Caput, a quo mutua invicem adiutrix
omni u m opera ad propositum assequendum finem efficienter dirigatur : Iesu
Christi dicimus in terris Vicarium. Quemadmodum e n i m divinus Redemptor
Paraclitum misit veritatis Spiritum, qui suas partes agens ( cf. Ioamz., X I V,
1 6 et 26) , arcanam sumeret Ecclesire gubernationem, ita Petro eiusque
Successoribus m a ndavit, ut suam in terris gerentes personam perspicibilem
quoque christianre reipublicre moderationem agerent.
I uridicis autem hisce vinculis, qure iam ratione sui sufficiunt, ut cuiusvis
alius, etsi supremre, humanre societatis nexus longe exsuperentur, a l i a ne­
cesse est accedat u nitatis ratio ob tres i l i as virtutes, quibus nos i nter et
cu m Deo a rctissim e copulamu r : christianam inquimus fidem, spem, cari­
tatemque.
Siquidem " u n u s Dominus, u t admonet Apostolus, una fides" (Eplz.,
IV, 5 ) ea n i m i ru m fides, qua uni Deo adhreremus et ei, quem misit Iesu
Christo. ( Cf. Ioann., XV I I , 8 . ) Quam i ntime vero hac fide obstringamur
Deo, verba discipuli docent, quem · J esus pecu liari modo diligebat : "Quis­
quis confessus fuerit, quoniam Jesus est Filius Dei, Deus i n eo m anet et
i pse in Deo." (1 Ioann., IV, 1 5. ) Nec minus i nter nos et cum divino
Capite nostro christiana hac fide copulamur. Nam quotquot credentes
sumus, "habentes . . . eu mdem Spiritum fidei" (// Cor., IV, 1 3 ) eadem
Christi luce collustramu r, eodem Christi pabulo enutri mur, eademque Chris­
ti auctoritate et magisterio regimur. Quodsi i dem in omnibus fidei spiritus
virescit, omnes quoque eandem vitam "in fide vivimus Filii Dei, qui dilexit
nos et tradidit semet ipsum pro nobis" (cf. Gal., I I , 20) ; et Christus Caput
nostrum vivida fide i n nobis susceptus et habitans i n cordibus nostris (cf.
Eplz., I I I , 1 7 ) , sicut fidei n ostrre est a uctor, ita erit et consummator. ( Cf.
Hebr., X I I , 2 . )
S i c u t autem per fidem hisce i n terris D e o ut veritatis fonti adhrere­
mus, ita eum per christianre spei vi rtutem appetimus ut fontem beatitatis,
"expectantes beatam spem et adventum glorire magni Dei". ( Til., I I , 1 3. )
Ob commune autem i l l u d crelestis Regni desiderium, quo heic manentem ci­
vitatem h abere renu imus, sed futuram i nquirimus (cf. Hebr., X I I I , 1 4 ) ,
supernamque gloriam anhelamus, gentium Apostolus dicere n o n dubitavit :
" U n u m Corpus et u n us Spiritus, sicut vocati estis in u n a spe vocationis
vestrre" (Eph., I V , 4 ) ; immo Christus i n nobis veluti spes glorire residet.
( Cf. Col., 1, 27. )
At s i fidei e t spei nexus, quibus c u m Divino Redemptore nostro i n
mystico eius Corpore i ungimur, magnre sunt gravitatis maximique momenti,
non m i noris profecto gravitatis efficientireque sunt vincula caritatis. Nam­
que, si etiam in rerum natura aliquid p rrestantissimum est amor, ex quo
vera amicitia ducitur, quid de superno illo amore dicendum, q u i ab ipso
Deo i n a n imos i nfunditur nostros? "Deus caritas est, et q u i manet in
caritate, in Deo m anei et Deus i n eo." (1 Ioarzn., IV, 1 6. ) Qure quidem
caritas id efficit quasi ex constituta a Deo lege, ut in nos amantes eum
t1s •
1 046 Documentação

redamantem descendere i u beat, secundum illu d : "Si quis diligit me . . , et .

P ater meus d i l i get eum, et a d eum ven iemus et mansionem apud eum
faciemus." (loann., X I V, 28. ) Caritas igitur omni alia virtute a rctius nos
coniungit cum Christo, cuius - crelesti ardore i nflammati, tot Ecclesire f i l i i
gavisi sunt pro eo contumeli a m p a t i , et a d supremum u s q u e vitre halitum
sangu i n isque effusionem, qurelibet, etsi maxime ardua, o b i re atque evin­
cere. Quapropter divinus Servator noster hisce verbis vehementer nos
adhortatu r : "Manete in d i lectione mea." Et quandoquidem caritas ieiun a
res est ac prorsus vacua, si bonis operibus n o n panditur et quodammodo
efficitur, idcirco hrec continuo subiungit : "Si prrecepta mea servaveritis,
manebitis in dilectione mea ; sicut et ego Patris mei p rrecepta servavi et
maneo i n eius di lectione." ( loann., XV, 9- 1 0. )
H uic tamen erga Deum, erga Christum amori caritas i n proximos res­
pondeat oportet. Siquidem quomodo asseverare possumus divinum nos
Redemptorem d i l i gere, s i eos oderimus, quos ipse u t mystici s u i corporis
membra faceret, pretioso suo sanguine redemit? Quamobrem ita ille nos
admonet, quem prre ceteris Christus d i lexit Apostolus : " S i quis dixerit
quon iam diligo Deum, et fratrem suum oderit ; mendax est. Qui enim
n o n diligit fratrem suum, quem videt, Deum quem non videt, quomodo
potest d i l i gere? Et hoc mandatum habemus a Deo, ut q u i diligit Deum,
diligat et fratrem suum." (/ loann., I V , 20-2 1 . ) I mmo i d etiam est affirman­
dum, eo magis nos fore c u m Deo, cum Christo coniu nctos, quo magis futuri
simus alte r alterius membra (Rom., X I I , 5), pro i nvicem sollicita (/ Cor.,
X I I , 25) ; sicut ex altera p arte, eo magis nos fore i nter nos cohrere ntes
caritateque copul atos, quo flagrantiore amore ad Deum divinumque Caput
nostrum adstricti fuerimus.
Nos autem U n i genitus Dei F i l ius, i a m ante mundi exordium, rete m a
i nfinitaque cognitione sua perpetuoque amore amplexus est. Q u e m quidem
amorem, ut adspectabili ac m i randa prorsus ratione patefaceret, nostram
' ·
sibi i n hypostaticam u n itatem adiunxit n aturam ; q u a fit - quod candida
q u adam s implicitate Maximus Taurinensis a n i madvertit - u t " i n Christo
caro nostra nos d i l i gat." (Serm ., X XI X ; Migne, P. L., LV I I , 594. )
E i u smodi vero amantissim a cognitio, q u a divinus Redemptor a primo
I ncarnationis sure momento nos p rosecutus est, studiosam quamlibet hu­
manre mentis vim exsupera t ; quandoquidem per beatam i l i a m visionem,
qua vixdum in Deiparre sinu exceptus, fruebatur, o m n i a mystici Corporis
membra continenter perpetuoque sibi prresentia h abet, suoque complectitur
salutifero amore. O ·mira erga nos divinre pietatis dignatio : o i nrestim a­
bilis ordo i mmensre c aritatis ! l n p rresepibus, i n cruce, i n sempite rn a Patris
gloria omnia Ecclesire membra Christus s i b i conspecta s i b ique coniu ncta
habet longe clarius, longeque a m a ntius, quam mater filium suum i n gre­
mio positum, quam q u i l i bet semetipsum cognoscit ac dil igit.
E x hucusque allatis facile cern itur, Venerabiles F ratres, cur Paulus
Apostolus tam frequentei· scribat Christum esse i n nobis, nosque esse in
Christo. Quod quidem subtiliore quoque ratione comprobatur. Est nempe
Christus in nobis, u t supra enucleate satis exposu imus, per Spiritum suum,
quem nobiscum commun icat, et per quem ita i n nobis operatu r, u t qure­
cumque divi n a a Spiritu Sancto i n animis peraguntur, etiam a Christo ibi
peracta · dicantur oporteat. ( Cf. S. Thom., Comm. irz Ep. ad Eplz., cap.
11, lect. 5. ) "Si quis Spiritum Christi n o n h abet, i nquit A postolus, hic non
est eius : s i autem Christus i n vobis est . . . , spiritus vivit propter i ustifi­
cationem." (Rom., V I I I , 9- 1 0. )
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Ex eadem autem Spiritus Christi commu nicatione efficitur, ut, cum


omnia dona, vi rtutes et charismata, qure i n Capite excellenter, uberrime ef­
ficienterqu e i nsunt, i n omnia Ecclesire membra deriventur, et i n i i s se­
cundum locum quem in mystici Iesu Christi Corpore occupant, in dies
perficiantur, Ecclesia veluti plenitudo constituatur et complementum Red­
emptoris ; Christus vero quoad omnia in Ecclesia quodammodo adimplea­
tur. ( Cf. S. Thom., Comm. in Ep. ad Eph., cap. 1, lect. 8 . ) Quibus quidem
verbis ipsam attigimus rationem, cur, secundum Augustini placita, iam bre­
viter i n dicata, Caput mysticum, quod Christus est, et Ecclesia, qure hisce
in terris veluti alter Christus eius personam gerit, unum novum hominem
constituant, quo i n salutífero Crucis opere perpetuando crelum et terra
i ungantu r : Christum dicimus Caput et Corpus, Christum totum.
P rofecto non sumus nescii, arcanre huic i ntellegendre explicandccque
doctrinre - qure circa nostram versatur cum D ivino Redemptore coniu nctio­
nem, pecu liarique modo circa Spiritus Sancti in animis i n habitationem -
multa obstare velamina, quibus arcana eadem doctrina ob i n q u i rentium
mentis debilitatem quasi quadam caligine o. bvolvatu r. At novimus etiam e x
recta adsiduaque h u i u s r e i pervestigatione, atque e x variarum opinionum
conflictu sententi a ru mque concursu, si modo veritatis amor ac debitum
Ecclesire obsequíum eiusmodi i nquisitionem dirigant, pretiosa scatere atque
exsilire lumina, quibus i n sa1.ris quoque i d genus disciplinis p rofectus reapse
habeatur. Non eos igitur improbamus, qui diversas vias rationesque ingre­
diantur a d tam altum atti ngendum et pro viribus collustranduni m irandre
huius nostrre cum Christo coniunctionis mysterium. Verumtamen i d omni­
bus commune atque i nconcussu m esto, si a germana velint doctrina, a
rectoque Ecclesire magisterio non aberrare : omnem nempe reiciendum esse
mysticre huius coagmeotationis modum, quo christifideles, quavis ratione
ita creatarum rerum ordinem p rretergrediantur, atque i n divina perperam
i nvadant, u t vel una sempiterni Numinis attributio de i isdem tamquam pro­
pria prredicari queat. A c prreterea certissimum illud firma mente retineant,
hisce i n rebus omn i a esse habenda Sanctissimre Trinitati communia, qua­
tenus eadem Deum ut supremam efficientem causam respiciant.
A n i madvertant quoque necesse est, hac i n causa de occu lto mysterio
agi, quod i n hoc terrestri exsilio, velamine quolibet detectum, omnino
introspici, humanaque l í n gu a significari numquam possit. I n h abitare quidem
Divinre Personre d icuntur, quatenus i n creatis ani mantibus i ntellectu p rredi­
tis imperscrutabili modo prn!sentes, ab i isdem per cognitionem et amorem
attingantur (cf. S. T/zom., 1 , q. 43, a. 3 ) , quadam tamen ratione omnem
n aturam transcendente, ac penitus intima et singulari. Ad quam qu idem
i ntuendam u t parumper saltem accedamus, non ilia via ac ratio negle­
genda est, quam Vaticana Synodus (Sess. I I I , Const. de /ide catlz., cap.
4) in i d genus rebus valde commendat ; qure quidem ad hau riendam lucem
contendens, qua Dei arcana paullisper saltem internoscantur, id assequitu r,
myster i a eadem i nter se comparans et cum supremo fine, quo di rigantur.
Opportun e i gitu r sapientissimus Decessor Noster fel. rec. Leo X I I I , cum
de hac nos"tr a cum Christo coniunctione deque Divino nos inhabitante Pa­
raclito loqueretur, ad beatam iliam visionem oculos convertit, qua aliquando
i n crelis hrec eadem mystica copulatio consummationem suam perfectio­
n emque consequetur. " Hrec mira coniunctio, i nquit, qure suo nomin e inhabi­
tatio dicitur, conditione tantum seu statu ab ea discrepat, qua crel ites
·

Deus beando complectitu r." ( Cf. DivinuTTJ illud, A. S. S., X X I X, p. 653. )


Qua quidem visione, modo prorsus ineffabili fas e rit Patrem, Filium Divi­
numque Spiritum mentis oculis superno lumine auctis contemplari, divina-
1 048 Documentação

rum Personarum processionibus reternam per revu m proxime adsistere, ac


simillimo illi gaudio beari, quo beata est sanctissima et indivisa Trinitas.
Qure autem hacten us de a rctissima hac mystici lesu Christi Corporis
cum Capite suo coniu nctione proposuimus, imperfecta Nobis videretur, si
heic pauca saltem de Sanctissima Eucharistia non adiiceremus, qua eius­
modi coniunctio hac in mortali vita velut ad culmen adducitur.
Voluit siquidem Christus Dominus u t hrec miranda, ac numquam satis
exornata laudi bus coagmentatio, qua i nter nos et cum divino Capite nostro
i u ngimur, per Eucharisticum Sacrificium peculiari modo credentibus mani­
festaretur. ln eo enim sacrorum administri non solum Servatoris nostri
vices gerunt, sed totius etiam mystici Corpo ris singulorumque fidelium ;
itemque i n eo ch ristifideles ipsimet immaculatum Agnum, unius sacerdotis
voce in altari p rresentem constitutum, communibus votis precibusque con­
sociati, per eiusdem sacerdotis manus iEterno Patri porrigunt, gratissimam
quidem laudis placationisque hostiam pro totius Ecclesire necessitatibus.
E t perinde ac divinus Redemptor, i n Cruce moriens, semet ipsum, ut totius
humani generis Caput, JEterno Patri obtulit, ita idem "in hac oblatione
munda" (Mal., 1 , 1 1 ) non modo semet ipsum, ut Ecclesire Caput, crelesti
Patri offert, sed in semet ipso mystica etiam sua membra, q.u ippe qui
eadem omnia, debiliora quoque et infirmiora, i n Corde suo amantissime
includat.
Eucharistire vero sacramentum, dum vivida et mira prorsus unitatis
Ecclesire i mago exsistit, - quandoquidem consecrandum panis ex om itis
granis oriens i n unum coalescit (cf. Didache, I X , 4 ) - nobis ipsum su­
pernre gratire auctorem i mpertit, ut i l l u m ex eo caritatis Spiritum hauria­
mus, quo non iam nostram, sed Christi vitam vivere iubeamur, et in om­
nibus socialis sui Corporis membris Redemptorem ipsum diligamus.
S i igitur in tristissimis, quibus hodie angimu r, rerum adiunctis, plu­
rimi habeantur, qui Christo Domino, Eucharisticis velis delitescenti, ita
adhrereant, u t nec tribulatio, nec angustia, nec fames, nec nuditas, · nec
periculum, nec persecutio, nec gladius eos separare queant ab eius caritate
(cf. Rom., V I I I , 35) , tum procul dubio sacra Synaxis, non sine providentis
Dei consilio, postremis hisce temporibus i n frequentiorem usum inde a
pueritia restituía, illius fortitudinis fons evadere queat, qure haud raro
christianos etiam heroas excitare ac fovere possit.
* * *

Hrec sunt, Venerabi les Fratres, qure, si Ch ristifideles pie ac recte in-
tellegant diligenterque retineant, faeilius a b illis etiam erroribus cavere
possunt, qui ex difficilis huius causre i nvestigatione, per arbitrium a qui­
busdam peracta, non sine magno· catholicre fidei discrimine animorumque
pertu rbatione scateant.
Non enim desunt, qui haud satis considerantes Paulum Apostolum,
translata tantummodo verborum significatione, hac i n re fuisse locutum,
nec peculiares ac propria corporis physici, . moralis, mystici sign ificationes,
u t omnino opoi:tet, distinguentes, perversum aliquod inducunt unitatis com­
mentum ; quandoquidem divinum Redemptorem et Ecclesire membra i n phy­
sicam unam personam coi re et coalescere iubent, et dum hominibus divina
attribuunt, Christum Domi num erroribus hu manreque in malum proclivitati
obnoxium faciunt. A qua quidem doctrinre fallacia quemadmodum catholica
fides sanctorumque Patrum prrecepta prorsus abhorrent, ita pariter gen­
tium Apostoli mens ac sententia omnino refugit, qui, quamvis Christum
eiusque mysticum Corpus mira i nter se coagmentatione coniungat, alterum
tamen alteri ut Sponsum Sponsre, opponit. ( Cf. Eph., V, 22-23.)
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezemb ro 1 943 1 049

Nec minus a veritate aberrat pericu losus eorum error, q u i ex arcana


om n ium nostrum cum Christo coniu nctione i nsanum quemdam, ut aiunt
quietismum deducere conantu r ; quo quidem spiritualis omnis Chris tianor u �
vi t a eoru mque ad virtutem progressio Divini Spi ritus actioni unice attri­
buu ntur, ea nempe seclusa ac posthabita, qure a nobis eidem pne stari
de bet, socia ac veluti adiutrice opera. Nemo profecto infitiar i potest
San ctum I esu Christi Spiritum unum esse fontem, ex quo superna omnis
vis i n Ecclesiam i n eiusque membra profluat. Etenim " gratiam et gloriam,
ut Psaltes ait, dabit Dominus." (Ps., LXXX I I I, 1 2. ) Attamen, quod ho­
mines i n sanctitatis operibus constanter perseverent, quod in gratia in
virtuteque alacri animo proficiant, quod denique non modo ad christia nre
perfectionis apicem strenue contendent, sed ceteros quoque ad eam asse­
quendam pro viribus excitent, hrec omnia crelestis Spiritus operari non vult,
nisi i i dem homines cotidiana actuosaque navitate suas partes agant. " Non
enim dormientibus, ait Ambrosius, divina beneficia, sed observantibus de­
fernntur." (Expos. Evang. s e c. Luc., I V , 49 ; Migne, P. L., XV, 1 626.)
Namque, s i i n mortali nastro corpore haud intermissa exercitatione mem­
bra roborantur ac vigescunt, multo profecto magis id contingit in sociali
Iesu Christi Corpore, i n quo singula membra propria cu iusque li bertate,
conscientia agendique ratione fruuntur. Quam ob rem, q u i dixit : "Vivo
autem, iam non ego : vivit vcro in me Christus" (Gal., I I , 20) , idem as­
severare non dubitavit : " Gratia eius . ( hoc est Dei) i n me vacua non
fuit, sed abundantius i llis omnibus laboravi : 11011 ego autem, sed gratia
Dei mecum." (1 Cor., XV, 1 0. ) Om11i110 igitur perspicuum est fallacibus
hisce doctri11is mysterium, de quo agimus, non in spiritualem chistifidelium
p rofectum, sed i n eorum ru inam miserrime verti.
Quod ex falsis etiam eoru m placitis even it, q u i asseverant non ta11ti
esse faciendam frequentem admissoru m ven i alium, ut aiunt, confessionem,
cum prrestet potius ge11eralis ilia co11fessio, quam singulis diebus Sponsa
Christi cum filiis suis sibi i n Domino coni unctis, per sacerdotes faciat ad
altare Dei accessuros. Pluribus utique modis, i isque summopere laudandis,
ut probe nostis, Venerabiles Fratres, hrec admissa expiari possunt ; sed ad
alacriorem cotidie per virtutis iter progressio11em faciendam maxime com­
mendatum volumus pium i llum, non sine Spi ritus Sancti i 11stiRctu ab Ec­
clesia i nductum, crebre confessionis usum, quo recta sui ipsius cognitio
augetur, christi a11a crescit humilitas, morum eradicatur pravitas, spirituali
neglegentire torporique obsistitur, conscie11t ia purificatur, roboratur volun­
tas, salutaris animo ru m moderatio procuratur, atque ipsius sacramenti vi
augetu r gratia. li igitur animadvertant, qui i nter i uvenis cleri ordines fre­
quentioris confessionis restimationem minuant atque extenuent, rem se
aggredi a Christi Spiritu alienam, ac mystico Servatoris nostri Corpori
funestissimam.
Sunt prreterea non11ulli, qui precibus nostris omnem veri nominis im­
petrandi vim denegant, vel qui i n hominum mentes insinuare conantur
supplicationes ad Deum privatim admotas parvi esse faciendas, cum publica:
potius, Ecclesire nomine adhibitre, reapse valeant, quippe qure a mystico
proficiscantur I esu Christi Corpore. Perperam i d qui dem : nam divinus
Redemptor non modo Ecclesiam suam, utpote Sponsam dilectissimam, sibi
coniunctissima habet, sed i n eadem singulorum quoque fidelium ani mas,
quibuscum percupit, postquam p rresertim ad Eucharisticam mensam ac­
cesserint, quam intime colloqui. Et l icet publica comprecatio, utpote ab
ipsa Matre Ecclesia procedens, ob Sponsre Christi dignitatem prre qualibet
alia excellant : attamen preces omnes, vel p rivatissime prolatre, nec dignitate
1 050 Documentação

nec vi rtute carent, et ad totius etiam mystici Corporis util itatem, multopere
conferunt ; in quo quidem nihil bene, nihil recte a singulis membris perfici
potest, quod per Sanctorum Communionem in universorum quoque saiu­
tem non redundet. Neque singuli homines prohibentu r, idcirco quod huius
Corporis sunt membra, quominus peculiares quoque gratias, vel ad prresen­
tem vitam quod attinet, servata tamen divinre voluntati obtemperatione,
sibimet ipsis petant ; manent enim iidem sui iuris personre, et singularibus
suis obnoxii necessitatibus. (Cf. S. Thom., II, II, q. 83, a . 5 et 6. ) Creles­
tium vera rerum meditationem quanti debeant facere omnes, non solum­
modo Ecclesire documentis, sed omnium etiam sanctitate prrestantium usu
atque exemplo comprobatur.
Non desunt postremo, qui dicunt suppticationes nostras non ad ipsam
Iesu Christi personam, sed ad Deum potius, vel ad reternum Patrem per
Christum esse dirigendas, cum Servator noster, prout mystici sui Cor­
poris Caput, "mediator Dei et hominum" (1 Tim., I I , 5) solummodo sit h a­
bendus. Attamen id non solum Ecclesire menti adversatur Christianorumque
consuetudini, sed veritati etiam offendit. Christus enim, ut proprie accu ra­
teque loquamu r, secundum utramque n aturam una · simul, totius Ecctesire
est Caput (cf. S. Thom., de Veritate, q. 29, a. 4, e.) ; ac ceteroquin ipse sol­
lemniter asseveravit : "Si quid petieritis me in nomine meo, hoc faciam."
(loann., XIV, 1 4. ) Et quamvis i n Eucharistico prresertim Sacrificio - i n quo
Christus, cum sacerdos ipsemet et hostia sit, conciliatoris mu nere peculiari
modo fungitur - orationes ad JEternum Patrem per Unigenitum suum
plerumque admoveantur, nihilo secius non raro, ac vel in ipsa litatione,
ad Divinum quoque Redemptorem preces adhibentur ; quandoquidem Chris­
tianis omnibus cognitum clareque perspectum esse debet hominem Christum
Iesum eundem esse Dei Filium ipsumque Deum. Atque adeo, dum militans
Ecclesia i ntaminatum Agnum sacratamque Hostiam adorat ac precatur,
triumphantis videtur Ecclesire voei quodammodo respondere, perpetuo ca­
nentis : "Sedenti in throno et Agno : benedictio et honor et golria et po­
testas in srecula sreculorum." (Apoc., V, 1 3. )
Postquam, Venerabites Fratres, in huius comméntatione mysterii, quod
arcanam omnium nostru m amplectitur cum Christo coniunctionem, ut u n i­
versalis Ecclesire Magister, mentes veritatis luce collustravimus, pastorali
·

muneri nastro consentaneum ducimus animis quoque stimulos adiicere ad


mysticum eiusmodi Corpus incensa ilia caritate adamandum, qure non
modo cogitatione verbisque, sed dedita etiam opera proferatur. Si enim
Veteris Legis sectatores de terrestri Civitate sua hrec cecinere : "Si oblitus
fuero tui, Ierusalem, oblivloni detur dextera mea : adhrereat lingua mea fau­
cibus meis, si non meminero tui ; si non proposuero Ierusalem in principio
lretitire mere" (Ps., CXXXVI, 5-6) , quanto cum maiore gloria effusioreque
gaudio idcirco nobis exsultandum est, quod Civitatem inhabitamus ex vivis
et electis lapidibus exstructam in monte sancto, " ipso summo angular! la­
pide Christo lesu." (Eph., I I , 20 ; / Petr., I I, 4-5. ) Siquidem nihil glorio­
sius, nihil nobilius, nihil profecto honorificentius cogitari potest, quam
sanctam, catholicam, apostolicam Romanamque Ecclesiam participare, qua
unius tam venerandi Corporis membra efficimur, ab uno dirigimur tam
exce lso Capite ; ab u n o perfundimur Divino Spiritu ; una denique doctrina
unoque Angelico Pane hoc i n terreno exsilio enutrimur, eo usque dum
tandem aliquando una sempiternaque in crelis beatitate fruamur.
Ne autem a tenebrarum angelo decipiamur transfigurante se ln an­
gelu m lucis (cf. li Cor., XI, 1 4 ) , hrec sit amoris nostri suprema lex ut
nempe Christi Sponsam, qualem eam Christus voluit suoque sanguine
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 051

acquisivit, diligamus. Non modo igitur sacramenta, quibus Ecclesia pia


Ma ter nos alit ; non modo sollemnia, quibus nos solacio lretitiaque afficit
'
ac sacra cantica et liturgici ritus, quibus mentes nostras ad crelestia erigit
carissima nobis sint oportet, sed et sacramentalia, qure dicimus, atque vari �
ilia pietatis exercitia, quibus . eadem fidelium animos Spiritu Christi sua­
viter imbuit et consolatur. Nec solummodo officium nobis est maternam
cius erga nos pietatem, ut filios addecet, rependere, sed acceptam etiam
a Christo auctoritatem eius revereri, qure in captivitatem redigit intellectus
nostros in obsequium Christi (cf. li Cor., X, 5) ; atque adeo eius legibus
eiusque de moribus prreceptis, nonnunquam naturre nostrre a primreva in­
nocentia lapsre durioribus, obtemperare iubemur ; itemque rebellans quod
gerimus, corpus voluntaria castigatione compescere ; quin immo intcrdum
a iucundis etiam rebus, neque iis noxiis, abstinere admonemur. Nec satis
est mysticum hoc Corpus diligere, divino Capite crelestibusque dotibus
insigne ; sed actuoso etiam a more idem prosequi debemus, prouti in mor­
ta li manifestatur carne nostra, ex humanis nempe infi rmisque elementie
constans, etsi minus eadem nonnunquam ei loco congruunt, quem in ve­
nerando illo Corpore occupant.
Ut autem solidus P:usmodi atque integer amor in animis resideat nostris,
in diesque augeatur, assuescamus necesse est in Ecclesia ipsum Christum
videre. Christus est enim, qui in Ecclesia sua vivit, qui per eam docet,
regit, sanctitatemque imperti t ; Christus quoque est qui varie sese in variis
suis socialibus membris manifestat. Ubi igitur vivido hoc fidei spiritu
christifideles omnes vivere reapse conitentur, tum profecto non solum al­
tiora mystici huius Corporis membra, eaque prresertim a quibus est ex divini
Capitis mandato ratio aliquando reddenda de anima bus nostris ( cf. Hebr.,
X I I I , 1 7 ) , honore debitoque obsequio prosequentur, sed ea etiam sibi cordi
habebunt, erga qure Servator noster peculiaríssimo amore affectus est :
infirmos dicimus, saucios et regrotos, qui vel natu rali, vel superno medi­
camine indigent ; pueros, quorum innocenti a tam facile hodie periclitatur,
quorumque animula ut cera effingitur ; pauperes denique in quibus iuvandis
ipsa lesu Christi persõna miseratione summa agnoscenda est.
Ut enim i u re meritoque Apostolus admonet : "Multo magis qure vi­
dentur membra Corpo ris infirmiora esse, necessariora sunt ; et qure puta­
mus ignobiliora membra esse Corporis, his honorem abundantiorem cir­
cumdamus." (/ Cor., X I I , 22-23.) Quam quidem gravissimam sententiam
Nos in prresens, pro altissimi conscientia officii, quo obstringimur, iterandam
reputamus, dum magno cum mrerore cernimus corpore deformes, amentes
patriisque morbis infectos, utpote molestum societatis onus vita interdum
privari ; idque a quibusdam efferri quasi novum humanre progressionis in­
ventum, communique utilitati maxime consentaneum. At quisnam cordatus
non videat hoc non tantum naturali divinreque legi (cf. Decret. S. Of/icii,
2 Dec. 1 940 ; A. A. S., 1940, p. 553) in omnium animis inscriptre, sed
altioris, etiam humanitatis sensibus acerrime adversari? Horum igitu r san­
guis, qui sunt Redemptori nostro idcirco cariores, quod maiore sunt mi­
seratione digni, "clamat ad Deum de terra." (Cf. Gen., IV, 1 0. )
Ne autem sincera i l i a caritas, q u a in Ecclesia eiusdemque membris
Servatorem nostrum cernere debemus, pedetemptim languescat, valde op­
portunum est ipsum Iesum, veluti supremum erga Ecclesiam amoris exem­
plar, intueri.
Et primum quidem huius amoris amplitudinem imitemur. Una profecto
est Christi Sponsa, nempe Ecclesia ; attamen divini Sponsi amor tam late
patet, ut neminem excludens, universum hominum genus in sua Sponsa
1 052 Documentação

amplectatur. H ac scilicet de causa sanguinem suum Servator noster ef­


fudit, ut omnes homin es, natione ac sti rpe seiunctos, Deo reconci liaret i n
Cruce, eosdemque i n u n u m Corpus coalescere iuberet. Verus igitur Eccle­
sire amor postul at non solum u t i n ipso Corpore simus alter alterius mem­
bra pro i nvicem sollicita (cf. Rom., X I I, 5 ; 1 Cor., X I I , 25) , qure gloriante
alio membro gaudeant, patienti compatiantur oporteat (cf. 1 Cor., X I I , 26) ,
sed etiam u t alios homines nobiscum nondum in Ecclesire Corpore con­
iunctos, fratres agnoscamus Christi secundum carnem, una nobiscum ad
eandem reternam salutem evocatos. Utique, proh dolor, hodie prresertim
non desunt, qui simultatem, odium l ivoremque superbe i actent, veluti quid­
dam extolens atque efferens humanam dignitatem, humanamque virtutem.
Nos tamen, dum funestos huius doctrinre fructus dolentes cernimus, paci­
ficum Regem nostrum sequamur, qui nos docu it non solum eos amare, q u i
non ex eadem gente, n e q u e ex eadem stirpe s i n t o r t i ( Cf. Luc., X, 33-37) ,
sed vel i psos i n imicos diligere. ( Cf. Luc., V I , 27-35 ; Matt/1., V , 44-48. )
Nos, suavissima Apostoli gentium sententia perfusis animis, cum eodem
canamus qure sit longitudo, latitudo, subli mitas, profundum caritatis Christi
( cf. Eph., 1 1 1, 1 8) ; quam quidem nec generis morumque diversitas dif­
fringere, nec immensi oceani tràctus immin uere, nec bella denique, vel
iusta vel i niusta de causa suscepta, dissolvere possunt.
G ravissima hac hora, Venerabi les Fratres, qua tot dolores corpora
lacerant mreroresque animos, ad hanc supcrnam caritatem excitari omnes
oportet, ut collatis omnium bonorum viribus - eoru m prresertim recorda­
mur, qui cuiusvis generis consociationibus ad suppetias occurrendum tlant
operam - tam ingentibus animi corporisque· necessitatibus mira pietatis
misericordireque contentione subveniatu r ; atque adeo mystici lesu Christi
Corporis stu diosa largitas et inexhausta fecu nditas ubique gentium re­
fulgeant.
Quandoquidem autem caritatis amplitudini, qua Christus dilexit Ec­
clesiam, actuosa, in eo respondet caritatis constantia, nos quoque omnes
adsidua studiosaque volu ntate mysticum Christi Corpus adamemus. Porro
nulla assignari potcst hora, qua Redemptor nostcr a b l ncarnatione sua,
cum primum Ecclesire fundamcntum posu i t, usque ad mortalis vitre exi­
tum, et fulgentibus sanctitudinis sure exemplis, et concionando, col loquendo,
convocando, constituendoque, ad Ecclesiam aut formandam aut- confi rman­
dam, ad fati gationem usque, licet Dei Fil ius, non l aboraverit. Cupimus
igitur, ut omnes, quotquot Ecclesiam agnoscunt veluti matrem, sedu lo per­
pendant, non modo sacroru m administris, i isque dumtaxat, qui Deo man­
cipati religiosre vitre se dederint, sed ceteris quoque mystici lesu Christi
Corporis membris, pro sua cuiusque parte, officium esse impense diligen­
terque adlaborandi ad redificationem et i ncrementum e i usdem Corporis.
Quod ut peculi ari modo animadvertant optamus - quod ceteroquin l au­
dabiliter faciunt - ii, qui i n Catholicre Actionis agminibus militantes, sa­
crorum Antistitibus ac sacerdotibus in apostolatus munere adiutricem
operam navant ; i ique etiam, qui i n piis sodaliciis ad eundem finem auxi­
liariam opem prrestant. Quam qu idem eorum omnium sollertem navita­
tem, in prresentibus rerum condicionibus, summi esse momenti, maximreque
gravitatis, nemo est qui non videat.
Neque heic prreteriro silentio possumus patres matresque familias,
quibus Servator noster tenerrima sui mystici Corporis membra concre­
didit ; enixe igitur eos ob Christi Ecclesireque amorem compellamus, ut sibi
demandatre suboli cura diligentissima p rospiciant ; eamque ab insidiis omne
a-enus, quibus tam facile hodie illaqueatur, prrecavere iubeant.
R evista Eclesiástica B rasileira, vol . 3, fase. 4, dezemb ro 1 943 1 053

Peculiari autem modo Redemptor noster suum e rga Ecclesiam fla­


grantissi mum amorem piis ostendit supplicationibus, ad crelestem Patrem
pro eadem admotis. Siquidem - u t hrec solummodo i n memoriam revo­
cemus - omnes norunt, Venerabiles Fratres, eum, mox Crucis pati bulum
subiturum, incensissimas effudisse preces pro Pctro (cf. Luc., X X I I , 32)
pro ceteris Apostolis (cf. /oann., X V I I , 9- 1 9 ) , pro omnibus denique, qu Í
per divini verbi prredicationem eidem essent creditu ri. (Cf. loann., X V I I ,
20-23. ) ·
Quod qu idem nos Christi exemplum imitan tes, cotidie Dominum messis
adprecemur, u t m i ttat operarios i n messem s u a m (cf. Matth ., IX, 38 ; Luc.,
X, 2) ; ac cotidie omnium nostru m comprecatio ad crelestia evehatur omnia­
que commendet mystici lesu Christi Corporis membra. l n p rimisque sacro­
rum Antistites, quibus pec uliaris c u ique sure D irecesis cu ra demandata
est ; ac sacerdotes dein religiososque viros ac m u l i eres, qui i n sortem
Dei vocati, cum apud suos, tum i n exsteris etiam ethnicoru m region ibus
divi n i Redemptoris Regnum tutantur, adaugent, provehunt. Nullius autem
membri huius venerandi Corporis hrec communis supplicatio obl iviscatu r ;
eosque prresertim remin iscatur, qui vel terrestris huius i n colatus dolo rr­
bus angusti isque premu ntur, vel vita functi piaculari igne p u rificantur.
Neque eos prretermi ttat, qui christianis prreceptis i nstruuntur, ut quam
primum lustralis aqua? h1.vacro expiari queant.
Ac vehementer cupimus, u t eis quoque communes hre preces incensa
caritate prospiciant, qui vel nondum Evangelii sint veritate collustrati, ne­
que in secu ras Ecclesire cau las i ngressi ; vel a No bis, qui l icet immerentes
l esu Christi personam hisce in terris sustinemus, ob miseru m fidei un ita­
tisque disci dium seiuncti sint. Quam ob rem, divinam i l iam Servatoris
nostri ad crelestem Patrem orationem geminemus : "Ut omnes unum sint,
sicut tu, Pater i n me et ego i n te, ut et ipsi i n nobis u n u m sint, ut credat
mundus, quia tu me misisti ." (loann., X V I I , 2 1 . )
Hos etiam, qui a d adspectabilem non pertinent Catholicre Ecclesire
compagem, ut profecto nostis, Venerabiles Fratres, inde ab in ito Pontificatu,
supernre Nos commisimus tutelre supernoque regimini, sollemniter adseve­
rantes n i h i l Nobis, Boni Pastoris exemplum sequentibus, magis cordi esse,
quam ut vitam habeant et abundantius habeant. (Cf. Litt. enc. Summi
Pontificatus, A. A. S., 1 939, p. 4 1 9. ) Quam qu idem sollemnem adsevera­
tionem Nostram per Encycl icas has Litteras, quibus "magni et g: oriosi
Corporis Christi" ( l ren., A dv. Haer., IV., 33, 7; Migne, P. G., V I I , 1 076)
laudes prredicavi mus, imploratis totius Ecclesire precibus, iterare cupimus,
eos singulos u n iversos amantissimo animo i nvitantes, ut in terris divinre
gratire impulsion ibus ultro l i benterque concedentes, ab eo statu se eripere
studeant, i n quo de sempiterna cuiusque propria salute securi esse non
possunt (cf. Pius IX, Iam vos omnes, 13 Sept. 1 868 ; Act. Cone. Vat.,
C. L. , V I I , 1 0 ) ; quandoquidem, etiamsi inscio quodam desiderio ac voto
ad mysticum Redemptoris Corpus o rdinentur, tot tamen tantisque crelesti­
bus muneribus adiu mentisque carent, quibus in Catholica solummodo Ec­
:elesia frui l i cet. lngrediantur igitu r cathol ica unitatem, et Nobiscum omnes
in una lesu Christi Corporis compagine con i u ncti, ad unum Caput i n
gloriosissimre dilectionis societate concurrant. (Cf. Gelas. 1 , Epist. X I V ;
Migne, P. L. , L I X , 89. ) Nunquam i ntermissis ad Spiritum dilectionis et
veritatis precibus, eos Nos elatis apertisque manibus exspectamus, non
tanqu am alienam, sed propriam paternamque domum aditu ros.
At si cupimus non i ntermissam eiusmodi totius mystici Corporis com­
precationem admoveri D eo, - ut aborrantea omnes in unum lesu Ch risti
1054 Documentação

ovile quam p r i m u m i n grediantur, p rofitemur tamen omnino necessarium


esse i d sponte l i benterque fieri, c u m nemo credat nisi volens. ( Cf. August.,
ln /oann. Ev. Tract., X X V I , 2 ; Migne, P . L . , XXX, 1 607. ) Quam ob
rem si qui, non credentes, eo reapse compelluntur u t Ecclesire redificium
intre n t, ut a d altare accedant,- sacramentaque suscipiant, i i procul d u b i o
v e r i christifideles non fiunt (cf. August., Ibidem) ; f i d e s e n i m sine q u a
" i mpossib i l e e s t placere Deo" (Hebr., X I , 6) l i berrimum esse debet " o b­
seq u i u m i n tellectus et voluntatis." ( Cone. Vat., Corzst. de fide catlz., cap.
3 . ) S i igitu r a l i quando contingat ut, contra constantem A postolicre huius ·
Sedis . doctr i n a m (cf. Leo X I I I , lmmortale Dei, A . S. S., XV I I I , pp. 1 74-
1 75 ; Cod. lur. Can., e. 1 35 1 ) , a d amplexandam catholicam f i dem a l i q u is
adigatur i nvitus, i d Nos facere n o n possumus q u i n , pro officii Nostri
conscientia, rcprobemus. A t quoniam homines l i bera f r u u n t u r voluntate,.
a c possu n t etiam, a n i m i pert u rbationibus p ravisque cupidi n i bus impu lsi,
sua libertate abuti, i d c i rco necesse est, u t a P atre l u m i n u m per Spiritum
d ilecti F i l i i s u i a d veritatem efficaciter pertrahantur. Quodsi multi adhuc,
proh dolor, a catholica veritate aberrant, nec d ivinre adspiranti gratia
volentes concedunt, i d non modo idcirco evenit, quod ipsimet ( cf. August.,
Ibidem ) sed quod etiam c h ristifideles p reces h a c de causa incensiore s aã
Deum non a dmovent. Quas q u i dem Nos u t o mnes, erga Eccles i a m amore
flagrantes, ac divin i Redemptoris exemplum secuti, continenter adhibeant,.
iterum atque iterum adhortamur.
Idque etiam, i n p rresentibus potissimum rerum adiunctis, n o n tam.
opportunum quam n ecessa ri u m esse videtur, ut nempe pro Regib u s ac
Principibus, pro i isque o m n ibus, q u i populorum gubernacula modera ntes,
externa tutela sua Ecclesire auxili ari queant, i ncensre fundantur preces, ut
rebus recto ordine compositis, "opus iustitire pax" ( Is., XXX I I , 1 7 ) , di­
vina afflante caritate, fatigato humano generi, e teterri mis huius tempesta­
t i s fluctibus emergat, ac p i a Mater Ecclesia quietam ac tranqu illam vitam
agere possit in omni pietate et castitate. ( Cf. l Tim., I I , 2. ) A Deo est
efflagitandum, u t d i li gant sapientiam omnes, qui prres u n t populis ( cf.
Sap., V I , 23) , it a q u i dem ut gravíssima hrec Sancti Spiritus sententia i n
e o s n u m q u a m cadat : " l nterrogabit A ltissimus opera vcstra et cogitatlo­
nes scrutabitur, q uoniam, c u m essetis m i n istri regn i i l l ius, n o n recte
i u d ic astis, nec c u stodistis legem i ustitire, neque secundum voluntatem Dei
ambulastis. H o rrende et cito apparebit vobis quoniam iudicium du rissim u m
h i s , q u i p rresunt, fiet. Exíguo e n i m conceditur misericordia, potentes autem
potenter tormenta paticntur. N o n e n i m subtrahet person a m c u i usquam Deus,
nec verebitur magnitudinem c u iusqu a m ; quoniam pusi llum et magnum i pse
fecit, et requaliter c u ra est i l l i de omnibus ; fortioribus autem fortior i nstat
cruciatio. Ad vos e rgo, Reges, sunt h i sermones mei, u t discatis sapientiam
et non excidatis." (Ibidem, VI, 4- 1 0. )
Non modo autem i mpense l a borando constanterque precando, Ch ristus:
Domi n u s suum erga intaminatam Sponsam patefeci t amorem, sed per do­
lores etiam a ngoresq u e suos l ibenter pro ea amanterque toleratos. "Cum
dilexisset suos . . . , i n finem dilexit eos." (loann., X I I I , 1 . ) A c n o n n isi
sanguine suo Ecclesiam acquisivit. ( Cf. A ct., XX, 28. ) H i sce igitur cruentis
Regis nostri vestigiis, ut nostra salus in tuto collocanda postulat, volentes
i ngrediamur : "Si enim complantati sumus similitudini mortis eius, simul et
resu rrection is erimus" (Rom ., VI, 5) et "si commortui sumus, convivemus.''
(li Tim ., I I , 1 1 . ) Id postul at quoque tum Ecclesire, tum earum etiam, q uas.
eadem Christo procreat, animarum germ a n a actuosaque caritas. Quamvis
enim Servator noster per acerlilos cruciatus acerbamque mortem infinitum
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 055

prorsus gratiarum thesauru m Ecclesire sure meruerit, harum tamen gratia­


rum munera, ex providentis Dei consilio, nobis per partes dumtaxat i m­
pertiuntu r ; earumque maior vel minor ubertas haud parum a nostris quo­
que pendet recte factis quibus eiusmodi crelestiu m donorum imber, sponte
a Deo datus, super homi num attrahatur animos. Qui quidem crelestium
gratiarum imber u berrimus profecto erit, si non modo incensas adhibebimus
ad Deum preces, Eucharisticum prresertim Sacrificium vel cotidie, si potest,
pie participando, si non modo per christianre caritatis officia tot indigen­
tium regritudines relevare conabimur, sed si caducis etiam huius s�culi
rebus non peritura bona prreoptabimus, i temque s i mortale hoc corpus vo­
lunta ria afflictatione cohibebimus, eidem illicita denegando atque aspera
etiam i mponendo et ardu a ; ac si denique prresentis huius vitre labores
doloresque veluti e Dei manibus demisso animo suscipiemus. lta enim, se­
cundum Apostolum "adimplebimus ea, qure desunt passionum Christi, i n
c a r n e nostra, p r o Corpore eius, q u o d e s t Ecclesia." ( Cf. Col., l , 24. )
Q u re d u m scribimus, prene infinita, proh dolor, ante oculos Nostros
-obversatur miserorum multitudo quibus dolenter i n l acrimamu r : infirmos
dicimus, pauperes, artubus mutilos, i n viduitate ve l orbitate degentes, ac
plurimos etiam ob proprias vel suorum acerbitates haud raro ad mortem
usque oblanguescentes. Omnes igitur, qui q u avis de causa i n mrestitia i n
angoreque i acent, paterno adhortamur ani mo, ut fidentes ad crel u m respi­
c iant, suasque rerumnas ei offerant, qui aliquando iisdem uberem est mer­
cedem redditurus. Ac meminerint omnes non inanem esse dolorem suum,
sed sibimet et Ecclesire etiam esse admodum profuturu m , si iidem, i n hunc
finem erecti, eum sint patienter toleraturi. Ad quod quidem propositum
aptius efficiendum multum profecto multumque confert cotidiana sui ipsius
Deo oblata devotio, qure membris in usu est pire illius sodalitatis, quam
a b orationis apostolatu vocant, quam quidem sodalitatem utpote Deo gra­
tissimam, Nobis cordi est heic summopere commendare.
Quodsi nullo non tempore ob animaru m salutem procurandam, cum
divini Redemptoris cruciatibus nostri sunt dolores consociandi, i d hodie
potissimum, Venerabiles Fratres, omnibus officium esto, dum ingens belli
conflagratio prene u niversum terrarum orbem i ncendit, ac tot mortes, tot
m iserias, tot rerumnas parit ; itemque hodie peculiari modo omnibus offi­
cium esto sese a vitiis, ab i llecebris sreculi ab effrenatisque corporis vo­
·
luptatibus abstinere, atque ab e a etiam terrenarum rerum inanitate vani­
tateque, qure n i h i l ad animum christiano more excolendum, nihil ad crelu m
assequendum attineant. Ea potius mentibus nostri inculcanda sunt gravis­
sima immortalis Decessoris Nostri Leonis Magni verba, adseverantis nos
baptismate factos esse Crucifixi carnem (cf. Serm ., LX l l I , 6; LXV I , 3 ;
Migne, P . L., LIV, 357 e t 366) ; a c pulcherrima i l i a S . Ambrosii precatio :
" Porta me, Christe, i n Cruce, qure salutaris errantibus est, in qua sola est
requies fatigatis, i n qua sola vivent, quicumque moriuntur." (ln Ps. 1 1 8,
XXI I , 30 ; Migne, P. L., XV, 1 52 1 . )
A ntequam scribendi finem facimus, temperare Nobis n o n possumus
quin iterum atque iteru m adhortem u r omnes, ut piam Matrem Ecclesi am
studiosa actuosaque caritate diligant. Pro eius incolumitate ac felicioribus
auctioribusque incrementis preces, labores angoresque nostros cotidie
�terno P atri offeramus, si reapse u niversre hominu m familire, divino san­
gu ine redemptre, nobis cordi est salus. Ac dum crelum coruscantibus infus­
catur nubi bus, magnaque discrimina in u niversum hominum consortium in
ipsamque Ecclesiam ingruunt, nos nostraque omnia misericordiarum Patri
committamus supplicantes : "Respice, quresumus, Domi ne, super hanc fa-
1 056 Documentação

miliam tuam, pro qua Dominus noster lesus Christus non dubitavit ma­
nibus tradi nocentium et Crucis subire tormenh1m." (Olf. Maior. Hebd.)
* * *

Efficiant, Venerabiles Fratres, hrec Nostra paterna vota, qure vestra


etiam profecto sunt, ac veracem erga Ecclesiam amorem omnibus impetret
Deipara Vi rgo, cuius sanctissima anima fuit, magis quam ceterre, una simul
omnes a Deo creatre, divi n o lesu Christi Spiritu repleta ; qureque con­
sensit "loco totius humanre naturre", u t " quoddam spirituale matrimonium
i nter Filium Dei et humanam n atu ram" haberetur. (S. Thom., 1 1 1 , q . 80,
a. 1 . ) l psa fuit, qure Christum Dominum, iam i n vi rgi neo gremio suo
Ecclesire Capitis dignitate ornatum, m i rando partu utpote crelestis omnis
vitre fontem edidit ; eumque recens natum, iis qui primum ex l u dreorum
ethn icoru mque gentibus adoraturi advenerant, Prophetam, Regem, Sacer­
dotemque porrexit. Ac prreterea U nigena eius, eius maternis precibus " i n
C a n a Gali lere" concedens, m i r a b i l e s i g n u m patravit, quo "crediderunt i n
eum discipu l i eius." (loann., l i , 1 1 . ) l p s a fu it, q u re v e l proprire, v e l here­
dita rire labis expers, arctissime semper cum Filio suo coniu ncta, e u n dem
in Golgotha, u n a cum maternorum iurium matern ique amoris sui holo­
causto, nova veluti Eva, pro omnibus Adre fili is, miserando eius lapsu
fredatis, )Eterno Patri obtu l i t ; ita qu idem, ut qure corpore erat nostri Ca­
pitis mater, spiritu facta esset, ob n ovum etiam doloris glorireque titulum,
eius membror u m omnium mater. l psa fuit, qure validissimis suis precibus
i mpetravit, u t Divini Redemptoris Spi ritus, iam in Cruce datus, recens
ortre Ecclesire prodigialibus muneribus Pentecostes die conferretur. l psa
denique immensos dolores suos forti fidentique animo tolerando, magis
quam Christifi deles omnes, vera Regina martyrum, " adi mplevit ea qure
desunt passionum Christi . . . pro Corpore eius, quod est Ecclesia" ( Col.,
1, 24) ; ac myst icum Christi Corpus, e scisso Corde Servatoris nostri n a­
tum (cf. Olf. Ssmi. Cordis, in hymno ad vesp. ) , eadem materna cura
i mpensaque caritate prosecuta est, qua i n cunabulis puerulum lesum
l actentem refovit atque enutrivit.
l psa igitur, omnium membrorum Christi sanctissima Genitrix (cf. Pius
X, A d diem illum, A . S. S., XXXVI, p. 453 ) , cuius Cord i l mmacu lato om­
nes homines fi denter consecravimus, et qure nunc in creio corporis animi­
que gloria renidet, u naque simul cum Filio suo regnat, ab eo efflagitando
contendat, u t uberrimi gratiarum rivu l i ab excelso Capite in omnia mystici
Corporis membra haud intermisso ordine deriventu r ; itemque prrescntissimo
patrocinio suo, sicut anteactis temporibus, ita i n prresens Ecclesi am tueat u r,
eique atque u n iversre homin u m communitati tandem aliquando tranqui lliora
a Deo tempora impetret.
Qua Nos superna spe f reti, crelestium gratiarum auspicem, pecu lia ris­
que Nostrre benevolentire testem, vobis singulis u n iversis, Venerabiles Fra­
tres, ac gregibus unicuique vestrum concred itis, Apostolicam Benedictionem
effuso animo i mperti mus.
Datum R omre, apud Sanctum Petrum, die X X I X mensis l u nii, i n festo
Ss. Apostolorum Petri et Pauli, anno MD CCCCXXXXl l l , Pontificatus
Nostri quinto. - P I U S PP. X I I .
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 057

carta Pastoral do Arcebispo Metropolitano do Rio de j aneiro


sôbre a Igreja
No seguinte transcrevemos a magnifica Carta Pastoral , que D. J a t m e de
B a r r o s C à m a r a, em boa hora escolhido pela Santa S6 para governar 0 Im­
portante Arcebispado do Rio de Janeiro, dirigiu aos seus diocesanos.

Já não é à vasta e querida arquidiocese de Belém do Pará, que nos d i­


rigimos nesta carta pastoral . Já não é como prelado-missionário do Norte,
que traçamos estas despretensiosas linhas.
Ao Grão-Pará dissemos adeus em modesta circular, que singelamen­
te procurava traduzir os sentimentos de paternal afeto e muita gratidão
ao bom Clero, às distintas Autoridades e a tôda a grei p a raense.
Agora, outras responsabilidades nos preocupam, e bem de perto : a im­
portantíssima arquidiocese do Rio de janeiro.
Será p reciso manifestar quanta angústia nos cingiu e apertou a al­
ma, ao tomarmos conhecimento das i ntenções do Sumo Pontífice a nos­
so respeito? Preferimos correr em silêncio um véu que oculte os íntimos
sentimentos de incapacidade pessoal . . . sim, preferimo�, a fim de não
parecer que estamos apenas a render homenagem a êsses lugares comuns
de modésNa e simplicidade, que nem por isso deixam de ser real idade e
convicção.
N ão obstante, - num Dei p ossumus resistere volun tati? podemos
-

·acaso resistir à vontade de Deus? 1


N a voz do Santo Padre Pio X I I , gloriosamente reinante, percebemos
a voz de Deus a ordenar : "Surge, et vade in . . . civitatem grande mi Le­
vanta-te e vai à grande cidade ! " 2
Obedecendo assim, n ada mais fizemos do que seguir, mesmo como
pigmeu ao gigante, as gloriosas pegadas daquele fulgurante a rquétipo de
Prelado, o Eminentíssimo Senhor Cardeal D. Sebastião Leme da Silveira
Sintra, que, em sessão do CoRcílio Plenário Brasileiro, pôde afirmar pe­
rante nós todos : "Por desobediência à Santa Sé, não terei de passar um só
dia no p u rgatório."
A orientação, portanto, desta carta pastoral, reverendos Sacerdotes e
prezados fiéis, não queremos sej a n ossa, mas do inesquecível Cardeal, que
não desapareceu nem desaparecerá da memória e do coração do seu po­
vo. B em sabemos que, de sua luminosa pena, mais amplo seria o traçado,
os conceitos mais elevados, . mais graciosas as frases, mais empolgante
o estilo.
Se, porém, agora como sempre, temos de confessar q ue j amais con­
seguiremos substitui r o inclito Arcebispo, "cujus non sum dignus solvere
corrigiam calceamentorum" 3, desej amos, ainda assim, esboçar nesta car­
ta pastoral um assunto caríssimo ao grande coração do grande Cardeal
brasileiro : a obediência e amor à Santa I grej a Católica e a seu Chefe visl­
vel, o Pontífice Romano.
Não leva finalidades apologéticas a singeleza destas linhas, não visa es­
clarecimentos dogmáticos, n ão se expande em su rtos de retórica, nem se
orna com erudição de literatu ras, nem se aprofunda em filosóficas lucubra­
ções. Tudo isso podia comportar - bem o recon hecemos - um documen­
to desta ordem, primor que deveria ser de graça e espírito a mensagem
oficial às Autor·idades, Clero e fiéis da Capital do Pais. Mas, como o após­
tolo São Paulo, receamos ser j ulgado acima do valor real 4 , e mesmo não
1) Gen. , L, 19. 2) Jonas, I, 2.
S) Luc. , III, 16 "a quem eu não sou digno de desatar a correia doa seua
sapatos".
1 058 Documentação

desej amos afastar "vossos sentidos daquela simplicidade que está em Cris­
to" 5 ; pelo que, assentamos tomar-Lhe o conselho de fornecer e " rep a r­
tir com simplicidade". 6 E estamos que mais não esperais de nós, se nos
olhais como a bispo e pastor de vossas almas 7 . Se, pois, é assim que a
vós nos d irigimos, de que outras credenciais mister h avemos para falar-vos?
Apenas, devemos advertir que, por isso mesmo, a doutrina que expomos não
é nossa, mas d Aquele que nos enviou s.
Oxalá das considerações que vamos explanar, apareça melhor qual
deva ser o p rocedimento de n ós todos para com a I grej a de Cristo, cuj os
direitos, e p o rtanto deveres n ossos, de sua p rópria n atureza decorrem,
e das qualidades características com que a distinguiu o divino Fundador,
bem como d a s prerrogativas que o mesmo Cristo lhe conferiu.
Natureza da Igreja. - Longe de ser a Igreja, como preten diam Harnack
e Loisy, o resultado de uma evolução que jesus Cristo j amais sonhara, é a
concretização do reino de Cristo, não só anunciado e p reparado pelo Ho­
mem-Deus, mas realmente por �le fundado e defin i tivamente estabelecido,
com forma determinada de sociedade religiosa, visível e perpétua. Fôra
nosso i n tento apresenta r-vos uma dissertação apologética, prezados Coope ra­
dores e amados fil hos, e seria esta a ocasião de apontar-vos jesus C risto
a reu n i r discípulos, escolhendo apóstolos, nomeando um Chefe supremo
entre os doze encarregados de ensin a r, reger e santificar, com os quais
estar i a "até o fim do mundo" o e isso p a ra que não só "na j u déia e Sa­
maria, mas até os extremos da terra" 1 0 fôssem evangelizadas tôdas as
n ações, e se salvassem todos os que adquirissem a fé e fôssem batizados 1 1 .
Entretanto, mesmo sem aprofundar a explicação dos textos aduzidos, j á se
torna bem p a tente a mútua dependência entre o Cristian ismo e a Igrej a.
"Que rel ação existe entre o Cristia n i smo e a I g rej a ? Não h á Cristianis­
mo sem I grej a. O Cristian ismo sem I g rej a é só um "ente de razão'', abstra­
ção morta e sem rea l idade, que n ã o é nem foi. Como a idéia de humani­
dade só vem à realidade no homem, e só aí tem obj etividade, também o
Cristianismo só se mostra cheio de l u z e esp l êndido de vida dentro da I g re­
j a . A Igrej a é a revelação convicta do Cristiani smo . . . 12 Torna-se-nos
agora evidente que o Cristianismo não tem só por fim salvar algumas al­
mas, mas fundar uma comunhão de fiéis e de vida, .uma e xistência real­
mente comum, uma sociedade de Deus no mundo ; que a I grej a é um reino
independente, forma essencial da mani festação do Cristianismo. E como
entre a idéia de humanidade e a sua realização h á apenas distinção men­
tal, e não separação real, podemos fazer uma distinção entre o Cristia­
n i smo e a I g rej a ; mas d istinção e sep a ração reais destruiriam ambos. O
Cristianismo é a I g reja, e esta aquêle. Pelo mesmo ato p o r q u e jesus C ris­
to estabeleceu a sua Religião fundou também a sua Igrej a, i sto é, a comuni­
dade visível de todos os fiéis sôbre a terra, n a qual com auxílio do mi­
nistério doutrinal e p astoral, p o r �le estabelecido, v ive o seu espírito, se
4 ) II Cor. , XII, 6 : Ne quis me exlstlmet supra ld, quod vldet ln me.
6 ) I I Cor. , 3 : Ne . . . excl'dant a slmpllcltate, qure est ln Chrlsto.
6) Rom . , XII, 8 : Qul trlbult l n slmpllcltate.
7 ) I Petr. , II, 26 : . . . ad pastorem et eplscopum anima.rum vestrarum.
8) .Joan. , XIV, 10 : Verba, qure ego loquor vobis, a me lpso non loquor . .Joan . ,
I I , 34 : Quem e n l m mlslt Deus, verba D e i loquitur.
9 ) Math. , XXVI II, 20 : Et ego vob!scum sum omnlbus dlebus, usqu o ad con-
summatlonem srecull.
10) Act. , I, 8 : . . . Et ln omn! .Judrea, et Samaria, et usque ad ultlmum terrre.
11 ) Marc. , XVI, 16 : Qu! credlderit, et baptlzatus fuerlt, salvus erlt.
12) Aqui o autor cita Thomaslus em "Das Wledererwachen des evangellschen
Lebens und der lutherlschen Klrche. " Erlangen 1867, pág. 247.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro t 943 1 059

perp �tua na sua palavra e beati �ica a sua graça. O mesmo ato, pelo qual
os d1scfpulos creram nêle o enviado de Deus, un iu-os como membros ao
seu corpo m ístico 13, tornou-os fiéis e cidadãos do seu império celeste e
cordeiros do seu rebanho. Com a mesma solenidade e autoridade deri­
vada do Pai, com que anuncia a sua Religião, sempre nova e sempr� anti­
ga, funda l!le também a sua Igrej a." 1 4
Até aqui Hettinger em sua conhecida Apologia do Cristianismo. Não
são p orém menos íntimas, como j á veremos, as re'ações da I grej a para
com o Homem-Deus. "Para nos dar uma idéia exata desta obra prima da
sabedoria do Verbo Incarnado, assevera o apóstolo São Paulo que jesus
Cristo é a cabeça d a I grej a, e a Igrej a o corpo de Cristo 1 5 ; fazendo-nos
claramente ver que entre jesus Cristo e a sua Igreja existe uma união
Intima, análoga à que existe entre a cabeça e o corpo humano. Não é uma
simples união moral, como, por exemplo, a de um rei com os seus súditos.
É, antes, uma união física, como a que existe entre a cabeça e o corpo,
en tre o tronco da videira e os seus ramos 16 consoante a exp ressão do
-

divino Mestre - porquanto, assim como a cabeça domina, vivifica e go­


verna todo o corpo humano, da mesma forma (comenta S. Tomás) jesus
Cr,isto domina, vivifica e governa tôda a sua Igrej a 1 7 ; e, assim como,
p a rtida do tronco a seiva se comunica aos ramos todos da árvore, fazen­
do-a continuamente c rescer até se to rnar robusta e majestosa, coberta de
fôl has, engalanada de flores e onusta de f rutos, assim também a seiva di­
vina da graça promanada de Jesus . Cristo, que a possui em tôda a ple­
n itude, se difunde por todo o seu corpo místico, que é a Igreja, dando-lhe
sempre maiores incrementos, dilatando-lhe pelo mundo •i nteiro os ramos
férteis, vistosamente adornados com uma p rodigiosa florescência de vi rtudes
e fortemente c arregados de ótimos frutos de vida eterna." 1 8
A I greja é a contin u ação da vida de Cristo n a h istóri a da humanida­
de através dos séculos : é Cristo a ensinar, a sofrer e a santificar. Como
jesus Cristo, ela só existe para espalhar o bem 1 9 ; mas, com o 1!.le, é ca­
luniada e perseguida. Porém, todo o desprêzo lançado sôbre ela, todo o me­
noscabo exterior ou intern a desestima para com essa •instituição, vem a
recair sôbre o próprio Cristo. Eis por que abertamente afirma : "Quem
vos despreza, a mim despreza." 20 Quanto melhor compreendemos o Evan­
gelho, tanto mais estimamos a Igrej a de Cristo, e mais admiramos o mes­
mo Cristo em sua I grej a.
Oxal á fôsse a Igrej a sempre respeitada e e stimada quanto merece i
P restando o acatamento que lhe devemos, mais não fazemos do que
saldar nossa mais estrita obrigação. Ou, não será dever nosso ouvir e
atender a Cristo, Senhor nosso ?
Pois bem : "quem vos ouve, a mim ouve" 2 1, asseverou o d ivino Mes- .
tre, referi n do-se à I grej a.
Se de cristãos o nome temos, herança gloriosa de que nos ufanamos,
é porque de Cristo nos h avemos por filhos. Mas em vão usurparemos tal

13) Eph. , I, 23 ; Mt. , V, 14 ; X, 7; J o . , X, 1.


ut s l n t unum, slcut et n o s . . . u t s l n t consummatl l n unum (v. 23. )
14) Apud F r a n e 1 s e o H e t t 1 n g e r , Apologia d o Cristianismo, Tomo IV,
pég. 304 , 16. Livraria Internacional , Ernesto Chardron, Pôrto, 1878.
1 6) Col . , I, 18 : Ipse est caput corporls Eccleslro ; Eph . , I, 22 : Ipsum dedlt
caput supra omnem Eccleslam, quro est corpus lpslus.
16) Joan. , XV, 6 : Ego sum vltls, vos palmltes.
17) Summa Th . , 3.• p. , q. VIII, a. 1, c.
18) Dom Fernando T a d d e 1. Propaganda protestante e deveres dos cató-
licos, pég. 14.
19) Act . , X, 38 : Pertranslit benefaclendo.
20) Luc . , X, 16 : Qul vos spernlt, m e spernlt.
2 1 ) Luc . , X, 1 6 : Qui v os audlt, me audlt.
69
1 060 Documentação

dign idade , se não quisermos por mãe a sua I grej a, pois garante São Ci­
priano : "Não pode ter a Deus por pai, quem não ·tem a I grej a por mãe." 22
A Igrej a é, pois, nossa mãe : não nos envergonhemos dessa filiação.
A Igrej a é nossa mestra : aprendamos em sua escola.
A Igrej a é salvadora : lancemo-nos em seus braços.
Notas características. - Não só a natureza da verdadeira Igreja, mas
tôdas as suas qualidades distintivas, se bem conside radas, são aptas a nos
aliciar sincera afeição e filial estima para com essa boa Mãe.
Espôsa (m ica de Cristo 23, a Igrej a se aprese n ta coroada com o d i a­
dema de sua unidade, e aureolada com o n imbo da santidade ,· o riquíssimo
colar de sua catolicidade lhe adorna o materno sei o ; e pode marcar seus
documentos com o sinete d a apostolicidade, cujo anel possui como .prova da
aliança com o d ivino Espôso. Sentada no trono real de sua indefectibili­
dade, ela p roclama a lei de Cristo, e conservando na esquerda o cetro da
j urisdição esp iritual, derrama com a destra o cálice das bênçãos e graças
sacramentais.
Coroa da unidade. - O diadema que orna a legítima Espôsa de Cristo
é a un idade mais perfeita na fé que professa, no regime hierárquico de seu
govêrno e no culto que tributa ao Deus de majestade infinita.
E m todos os recantos do mundo, uma só é a doutrina que a Igrej a
implanta entre os homens das mais variadas categorfas. N e m todos esta­
rão à altura de penetrar no sentido mais profundo dos seus dogmas, nem
na apreensão mais perfeita da sua moral puríssima. Mas, desde que se
p ro fessem e tenham por filhos d a Igrej a, admitem-lhe implicitamente os en­
sinos na acepção em que ela os p roporciona. Submetem-se ao Pontlfice Ro­
mano, como a Sucessor de Ped ro e Chefe visfvel d a Igreja, reconhecen­
do-lh e a autoridade p a rticipada de lugar-tenente do Homem-Deus. Mais;
recebem os mesmos sacramentos e assistem ao sacrifício (mico, o da Missa,
celebrado nas grandes basílicas ou nas humildes capelin has rurais, quando
não à orla das m atas perante os selvagens, ou nos campos de batalha ante
os que vão morrer pel a Pátria.
"E' claro como o sol que não há nem pode haver senão uma só e ver­
dade i ra Igrej a de Cristo, na qual p u ra e completa deslise a corrente da ver­
dade e da Fé, porque o Cristianismo verdadei ro sempre estêve onde a ver­
dadeira Igrej a ; mas esta I grej a não é nem podia ser senão a católica. Ao
catolicismo da doutrina corresponde um catolicismo de forma. A Igrej a é
o reino do céu, que Cristo trouxe sôbre a terra : deve necessariamente · apa­
recer como tal e em unidade, encerrado em si e compreendendo todos em
si, como u m grande todo, n a história do mundo." 24
A Igrej a, tendo recebido esta pregação e esta fé de que acima fala­
mos, apesar de disseminada pelo mundo, guarda-a com tôda a dil igência,
como se habitasse n a mesm a casa ; e c rê igualmente nela como se tivesse
uma só alma e um só coração e uniformemente a prega e ensina e transmi­
te como se tivesse uma só bôca. Pois ainda que no mundo as línguas se­
j am diversas, é uma só e a mesma a fôrça da tradição. Pois não c rêem nem
transmite m a doutrina de outro modo as Igrej as fundadas n a Germânia,
na Esp anha, nas Gálias, n o O riente, no Egito, na Llbia ou as que estão
no meio do mundo. Mas como o sol, criatura de Deus, é em todo o mundo
um só e o mesmo, assim a p regação da verdade em tôda a parte se mostra,
22) Cyprlanus, De unltate Eccleslie, n . 0 6 : Habere jam non potest Dewn
patrem, qul Eccleslam non habet matrem.
23) Cant. , VI, 8 : Una est columba mea ; Math. , XVI, 18 : ACdl!lcabo Eccle­
elam meam.
24) H e t t l n g e r, loc. clt.
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezemb ro 1 943 1 06 1

Humina todos os homens que querem chegar ao con hecimento d a verdade.


E entre os chefes das Igrej as, nem os que se avantajam na arte de fal a r
dirão alguma coisa além d o q u e receberam (ninguém está acima d o Mes­
tre ) nem os que são fracos na eloquência diminuirão em alguma coisa a
tradição. Pois sendo uma e a mesma fé, nem o que pode falar muito amp lia
nem o que pode falar menos diminui alguma coisa.
Essa un idade, imprescin dível à vera Igrej a de Cristo, nós a contem­
plamos sempre no cenário do mundo catól ico.
Se alguém lhe quebrar a unidade, negando u m dogma e se obstinan­
do em perfilhar o êrro, torn a-se herege, afasta-se da Verdade, é um n á ufra­
go na Fé. Se recusa submissão ao Soberano Pontlfice e assim à I grej a, essa
revolta, que rasga a caridade, torn a-o cismático, separa-o da comunhão
dos fiéis e do próp rio Cristo, autor do sistema governativo d e sua grei .
A Igrej a, que é u m a só, participa, pois, d a natureza da uni dade. Os
hereges, porém, forcej am por d ividi-la em muitas 25.
"Mensagei ra autorizada da verdade de jesus, não cessará j amais a
·
Igrej a de testemunhar a verdade, fazendo uso de sua autoridade, assim
como jamais deixará de l igar as consciênci as, tôdas as consciências, a essa
"'
verdade, sem que p retenda com i sso violentá-las. O que ela quer é a sua
adesão, não p u ramente exterior, mas i n terior. Quando essa adesão interior
lhe é recusada, ela abandona a alma à misericórdia de Deus e a despede.
Não é isto nem fanatismo, nem du reza de coração ; é simplesmente p re­
ocupação de sinceridade e de retidão interior. A I grej a não pode tolerar
n em tem mesmo o d i reito de fazê-lo, que no número de seus membros se
encontrem "crentes" que só o sej am de nome. Exige que êstes, deixando
a Igrej a, tirem a s consequências de sua nova atitude de consciência, se na
verdade e sta é sincera e persistente. Garante por êsse meio, tanto a leal
·
atitude dessas consciênci as, q u anto ·a sua própria." 2 6
Deus é um só. Cristo é um só, e é uma só a Igrej a e a Cátedra fun-
dada sôbre Pedro, pel a voz do Senhor. Erguer outro altar e fazer um novo
sacerdócio, além dêste único altar e sacerdócio, é impossível. Quem j unta
noutra parte, separa 27.
A túnica vestida por jesus, ainda no tempo do seu aprisionamento e
martírio, era inconsútil ou tecida por inteiro 2 s, sem costura nem emenda
alguma. Ainda hoje se conserva em T reveris, e é exposta, em determina­
das épocas, à contempl ação de devotos e ao exame dos cu riosos.
Bem pode ser tomada essa veste como imagem representativa da uni­
dade social e doutrinária do Catolicismo. Se n a mo rte de jesus, a alguém
houve de ser dada, foi por sorte que lhe coube a tún ica, mas a um só, pois
todos logo e n tenderam que rasgá-la o u dividi-l a seria i n util izá-la 29. Tal a
u n idade da Igrej a, essa unidade que jesus impetrou do Pai celeste em
nosso favor, em sua oração pontifical, prestes a entrar no horto das Oli­
vei ras : "Pai Santo, conserva no teu nome aquêles que tu me deste, para
q ue sej am um, como n ós . . . para que sej am consumados n a unidade." 3 0
'
25) ln unlus ergo naturre sortem cooptatur Ecclesla, qure est una, quam co-
nantur hrereses ln multas dlsclndere. Clemens Alexand rlnus in "Quis dives Salve­
tur" , C. 21, ne. 3, 4 . Ano 150-211.
26) K a r 1 A d a m, A essência do Catolicismo.
27) Deus unus est et Chrlstus unus et una Eccl esla et Cathedra una super
Petrum Domlnl voce fundata. AUud altare constitui et sacerdotlum novum fl erl
prrete r · unum altare et unum sacerdotlum non potest. Qulsque allbl collegerlt, spar­
&'lt. S. Cyprla,nus ln "Eplst. plebi unlversre" a. 251" . Ano 200-258.
23) Joan . , XIX, 23 : Erat autem tunlca inconautllls, deauper contexta per totum.
29) J oan . , XIX, 24 : . . . sed sortlamur d e m a cujus slt.
30) Joan. , XVII, 1 1 : Pater Sancte, serva eos ln nomlne tuo, quos dedlstl mlhl :
ut 11lnt unum, slcut et nos . . . ut slnt consummatl in unum (v. 23. )

69 •
1 062 Documentação

Quanto a estimavam os cristãos da era primitiva ! Com que desvêlo ·

e carinho a inculcaram os apóstolos, até que realmente a multidão dos fiéis


se tornasse "uma só alma, um só coração ! " 3 1 E não e ra êsse "cor unam
et anima una " a divisa tão significativa de nosso querido Predecessor, D. Se­
bastião Leme? Oh ! que lá da eternidade possa êle ver sua amadlssima a r­
quidiocese realizar êste seu anelo 1
"Um dos mais belos espetáculos que a terra pode oferecer é indubita­
velmente o de uma diocese governada por um bispo santo, contando nu­
meroso e edificante clero, que lhe obedece como ao mesmo Deus, e se com­
praz em dar-lhe em tôda ocasião p rovas de p rofundo respeito e cordial afei­
ção. Quando essa fel iz famflia - pois n a verdade é uma familia - con­
suma sua unidade, i nclinando-se respeitosa e amorosamente perante o So­
berano Pontífice, que é o seu centro, então a terra admira e o céu
aplaude." 32
Eia, poi s ! Que não haj a refratários a essa lei da unidade ! Que não
haj a quem golpeie a túnica inconsútil de jesu s ! Que não haj a dissen­
sões por amor a particularidades ! Que nas fileiras do laicato, prestimosos
elementos de eficiente apostolado, como também, e muito mais, nas falanges
gloriosas do sacerdócio católico, uma só voz ressoe, um sentimento ú nico
impere, um liame a todos una, um abraço estreite a todos : " Cor unam et
anima una. "
Auréola da santidade. - E ' da pulcritude espiritual e da maternidade
geradora de santos que deve nimbar-se a imaculada Espôsa de Cristo. San­
ta, por ser fundada pelo próprio Deus, que lhe deu como finalidade última
a santificação dos homens, a I g rej a possui meios aptos a santificá-los : dou­
trina santa, moral pura, sacramentos santificadores. Eis por que santos
pode tornar seus membros, desde que se não afastem de suas normas de
pureza. Destarte, podia chamá-los São Paulo "concidadãos dos santos e
membros da famíl i a de Deus" 3 3 ; e São Pedro ainda mais acentuadamen­
te : "Sacerdócio real, povo santo." 34 De Cristo jesus promana a abundân­
cia das graças que santificam sua Espôsa, como se lê n a Epistola aos Efé­
sios : "Cristo amou a Igrej a e se entregou por e l a a fim de purificá-la e
santificá-la pelo banho n a palavra de vida, para que ela aparecesse d iante
dBle, essa I grej a gloriosa, sem mancha nem ruga, sem nada de semelhan­
-
te a isso, porém santa e imaculada." 3 5
A atração que sôbre as almas exerce a vida sublime de jesus, e o sa­
criflcio voluntário dessa mesma vida, desperta entusiasmos que, fertilizados
pelo orvalho de celestes graças, rebentam em frutos sazonados de perfei­
ção e santidade. Dai essa floração de santos, que em tôdas as épocas ful­
guram no agiológio católico. Nunca há faltado no solo feraz da Igrej a
o cultivo das mais nobres virtudes, elevadas ao mais alto grau, ao mais
oculto e sobrenatural herolsmo, que n as canonizações dos santos surpreen­
dem os adversários do Catolicismo.
"O que a I grej a possui de melhor são os seus tesouros espirituais, o
heroísmo da virtude, o espírito de sacrifício, a santidade de seus filhos de
eleição. Essas belezas divinais não transparecem geralmente fora. Mas se
os mundanos pudessem devassar o interior dêsse mundo de ma·ravilhas, dês-
31) Act. , IV, 32 : Multltud inis autem credentlum erat co r unum, et anima u nâ .
32) H. D u b o 1 s, O Padre Santificado, cap. VIII.
33) Eph . , II, 19 : Ergo jam non estis hospltes et advenm : sed estis clves sancto­
rum et domesticl Dei.
34) I Petr. . II, 9: Vos autem genus electum, regale sacerdoti um, gens s ancta .
36) Eph . , V, 26, 26 : . . . slcut et Chrlstus dllexit Eccleslam, et selpsum tra­
didit pro ea, ut lllam sanctiflcaret, mundana lavacro aquee ln verbo v l tie.
Revista Eclesiástica Brasiíeira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943
1 063

se ignorado santuário, quão outra seriam a sua e stimati va ' a sua estim a
e admiração I " 36
Por o utra parte nada há de admirar no fato de se mistura r na I gre­
j a tanto j oio ao trigo eleito 3 7 . já o Senhor o havia p redito : a mesma rêde
pesca maus peixes j unto com os bons 3 8 . Consideremos : nos sapient íssi­
mos planos da Providência divina já não entrava essa aparente falha? " De
fato, por que fundou Cristo sua Igrej a ? - inquire certo pregad or de Notre
Dame de Paris 39 . - Para reunir numa sociedade a elite da human idade,
os santos? - Ah l vós não o afirma reis, sem negar sua intenção de evan­
gelizar tôdas as n ações 40, de reunir num só aprisco a universalidade dos
homens 4 1 ; e ainda mais, sem esquecer sua p alavra expressa : não vim cha­
mar os j ustos, mas os pecadores . . . 4 2 Cristo não constituiu, portanto, uma
Igrej a para agrup a r santos, mas para os formar."
A êsse respeito comenta Bossuet : " Está escrito no Evangelh o que a
ovelha que o Salvador busca não está mais e m companhia de todo o reba­
nho ; p o r consequência está separada. Entendamos o sentido dessa pará­
bola. O rebanho dos filhos de Deus é a Igrej a. E aquêle que está separado
do rebanho, parece estar fora da verdadeira I greja. Poderemos acaso dizer
que o Filho de Deus não fala neste lugar senão dos hereges que romperam
o l aço d a unidade? Mas a sequência do nosso Evangelho refutará manifes­
tamente essa explicação, pois jesus Cristo nos faz compreender que fala
geralmente de todos os pecadores, porque desej a encoraj a r todos os peni­
tentes. E poderemos nós dizer - fiéis - que todos os pecadores estão
separados do sagrado rebanho e da comunhão da Igrej a ? De modo ne­
nhum. E' êrro de Calvino e dos calvinistas, contra o qual o F ilho de Deus
nos p revine ao falar da zizânia mesmo no seu campo, porque h á escândalo
mesmo em sua casa, como h á m aus peixes mesmo nas suas rêdes." 4 3
Desde a c ristandade primitiva até n ossos dias, e mesmo até o fim dos
séculos, fiel ao ·seu programa de redenção, a Igrej a terá de l amentar a exis­
tência de fraquezas morais em os elementos que a constituem, mas não
se limitará a deplorar-lhes as misérias, porque há de procurar lenir as cha­
gas à imitação do bom Samaritano d a parábola, e há de combater as cau­
sas das enfermidades esp i rituais, como fêz seu divino F undador e Mestre,
denunciando nos fariseus as máscaras de virtudes. F risemos bem a cir­
cunstância que segue : "E' n a Igrej a que o inal é mais visível, porque nela
é que êle é mais ardentemente combatido." 44
"E' certo, o ideal de uma cristandade sem mancha e sem ruga não po­
derá j amais realizar-se completamente na Igrej a da terra. Pode-se-lhe apli­
car o que Nosso Senhor dizia aos seus discípulos : "Sois p u ros mas não
todos . . " 45 Enquanto a Igrej a estiver à espera aqui em baixo, da volta de
.

jesus, não se contentará com dizer a Deus : "Santificado sej a o Vosso no­
me, ven.ha a nós o Vosso reino." Ser-lhe-á preciso implorar sempre : "Per­
doai-nos as nossas dívidas e não nos deixeis cai r em tentação." 4 6
36) A. H u o n d e r S. J. , Aos Pés do Mestre, 166, 4.
37) Math., XIII, 30 : Slnlte utraque crescere usque ad roessem.
38) Math. , XIII, 47 : Ex omnl genere p l sclum congregantl.
39) H . Plnard de L a B o u l a y e S. J . , Jésus vlvant dana l' J!:gllse, pág. 254.
40) Math . , XXVIII, 19 : Euntes, ergo, docete omnes gentes ; Marc . , XVI, 15 :
Euntes in mundum unlversum, prredlcate Evangellum omni creaturre.
41) Joan . , X, 16 : Et alias oves habeo, qure non sunt ex hoc ovili ; et mas oportet
me adducere, et vocem meam audlent, et flet unum ovlle et unus pastor.
42) Luc. , V , 32 : Non venl vocare justos, sed peccatores ad pcenltentlam .
43) Oeuvres complêtes de Bossuet, Tome VI. Sermon sur la glolre qui revlent
à Dleu de la converslon des p écheurs, pág. 300.
� 4 4 ) K a r l A d a m, A essência do Cristianismo, cap. XI.
46) Joan . , XIII, 10 : Et vos mundl estls, aed non omnes.
46) K a r l A d a m , A essência do Cristianismo, cap. XI.
1 064 Documentação

Se Deus, pois, em seus misteriosos desígnios não estende o braço de


sua Onipotência para impedir escândalos que já previra 4 7 , é que enten­
deu ser melhor tornar também ·r elacionado com a liberdade humana o cur­
so ascensional da vitalidade cristã. "A Vida da I greja, o desenvolvimento
de sua fé e sua caridade, a elaboração do seu dogma, de sua moral, de
seu culto e de seu direito, tudo isto se acha em estreita dependência da fé
e da caridade pessoal dos membros do corpo de Cristo. Pel a elevação ou
rebaixamento de sua Igrej a na terra, Deus recompensa o mérito ou confunde
e pune o demérito dos fiéis. Pode-se dizer em mui verdadei ro sentido, co•
mo São Paulo (Eph. II, 2 1 , 22) que a Igreja fundada pelo Cristo é, não
obstante, edificada também pela obra comum dos fiéis. Trabalhamos sem­
pre na edificação do templo de Deus (serm. 1 63, 3) e, precisamente aqui em
baixo trabalhamos em sua casa, isto é, na I grej a, diz profundamente Santo
Agostinho (Enar. 2, 6 in ps. 29. ) Quis Deus uma Igrej a cujo pleno desen­
volvimento e perfeição fôssem o fruto da vida sobrenatural e pessoal dos
fiéis, de sua oração, de sua caridade, de sua fidelidade, de sua penitência
e de seu devotamento." 4 8 E nisso consiste justamente o "adimptere ea quae
desunt passionum Christi" , que devemos realizar com São Paulo : "comple­
to na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu corpo
místico, que é a Igrej a." (Col., 1, 24. )
Eis aonde procurávamos chegar, amados Cooperadores e filhos no Se­
nhor. De nós depende não empanar, antes, pelo contrário, aumentar o bri­
lho de santidade de nossa Mãe, a Igrej a Católica. A prática de tôdas as
virtudes nos é proposta pelo divino Modêlo : "Sêde perfeitos, como é perfeito
vosso Pai celeste." 4 9 Não nos faltam provas de podermos atingir a per­
feição cristã. Pois, não é um Saulo que, convertido em Paulo, conclama to-.
dos os seus na Fé a serem seus imitadores, como êle o é de Cristo ? 50
Realmente, não nos faltam os meios de santificação : fornece-nos a Igrej a
as graças sacramentais, ensina a abrir o sacrário da misericórdia divina
com a chave da oração, a domar com o freio das mortificações a ·rebel­
dia da nossa natureza decaída, a subj ugar nosso orgulho e tôdas as más
inclinações, como a elevar ao alto nossa mente e nossos corações. Su r­
sum corda!
Que lástima ver prêsa a correntes a águia altaneira, de vôo possan­
te ! E' a situação da pobre alma destinada aos píncaros do sobrenatural
e algemada pelos gozos terrenos. Desatemos os grilhões do mal, que im­
pedem nossas almas de se librarem nas alturas da santidade. E ' trabalho
pessoal nosso. Em vez de lastimarmos haver ainda na I grej a de Deus som­
bras e trevas humanas, procuremos ser, nós próprios, membros dignos do
corpo místico. "Gens saneia, poputus acquisitionis." 5 1
A que se reduz o nimbo de santidade da I greja, após essas conside­
rações? Não se terá apagado ou desfeito? - Muito ao contrário. Embora
nos tenhamos demorado mais em restabelecer a verdadeira idéia da sua
missão redentora entre os homens, do que propriamente em glorificá-la
pela exaltação dos fulgores de sua santidade, admiramos contudo através
dêsses árduos combates e vitoriosas pugnas, em favor de tudo quanto é
bom, j usto, santo, elevado e puro, a maior das glórias da Santa I grej a,
nossa Mãe.
47) Math . , XVIII, 7 : Necesse est enlm ut venlant scandala.
48) K a r 1 A d a m, toe. clt.
49) Math. , V, 48 : Estote ergo vos perfectl, slcut et Pater vester ccel es tl s per­
fectus est.
50) I Cor. , IV, 16 : Imltatores mel estote, slcut et ego �chrlstl.
51) I Petr. II, 9 : Vos autem genus electum, regale sacerdotlum, gens sancta,
populus acqulsltlo nls.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 065

De fato o nimbo de luz, tanto pode ser ampla claridade que de sua­
ves eflúvios banhe por inteiro o corpo bem-aventurado, como pode tam­
bém ser copiosa emissão de raios luminosos que, dêle partindo, clareiem tu­
do em derredor. Aquêle é ininterrupto clarão, êste apresenta estrias que
separam os raios. Bste é o da Igrej a militante na terra. Aquêle, o da Igre­
ja triunfante no céu.
Colar da universalidade. -Eis a Espôsa de Cristo : a unidade lhe coroa
a fronte ; a santidade a emoldura em seus raios luminosos : agora, colar de
variegadas pérolas lhe adorna o seio maternal. E' a representação sim­
bólica de miríades de cristãos do mundo inteiro, gerados para a Fé na
pia batismal da Igrej a de jesus. As profecias messiânicas 52 já ostentam
a un iversalidade dêsse reino.
O mandamento de jesus "Ide, ensinai a todos os povos" 53 é o pre­
gão da catolicidade de direito. Quando São Paulo se referia aos frutos do
Evangelho já amadurecendo "em todo o mundo" 5 4 aludia por certo p
catolicidade ·relativa, ou sej a a uma expansão do cristianismo em muito s
povos, embora não absolutamente em todos êles. A catolicidade da Igrej a
é qualidade tão exclusivamente sua, que já Santo Agostinho se consola­
va de ver que os adversários, querendo ou não, a chamavam católica, isto
é, universal 55,
A I greja se chama Católica porque está difundida por todo o mundo
até os últimos confins da terra. E também porque, universalmente e sem
excetuar nada, ensina todos os dogmas que o homem deve conhecer, quer
das coisas visíveis e invisíveis, quer das coisas celestes e terrenas. E tam­
bém porque sujeita ao verdadeiro culto tôda a sorte de homens, gover­
nantes ou governados, sábios ou ignorantes. Enfim porque cura e sara
em geral todos os pecados, quer perpetrados pelo corpo quer pela alma.
E possui todo o gênero de virtudes e dons espirituais, quaisquer que se­
j am os nomes e formas com que se indicam 5 6 ,
São Policarpo, quando estava para morrer, o rou por todos os que
tinham tratado com êle, pelos pequenos e grandes, pelos cultos e obscuros,
e por Mda a Igreja Católica, difundida por todo o mundo 57.
Foi Santo Inácio de Antioquia, no fim do primeiro século, quem por
primeiro lhe deu o titulo de católica.
São Paciano declarara : Cristão é meu nome. Católico é meu sobre­
nom e ; um me nomeia, o outro me mostra ; o primeiro me designa, o se­
gundo me recomenda . . . Por isso o nosso povo se distingue dos hereges
com êste apelativo, quando é chamado católico 58,
52) Dan . , I I , 35 e 44 ; Mal . . I, 1 0 e 11.
53) Math., XXVJII, 19.
54) Rom . , !, 8 ; Col . . !, 6.
55) Aug. De vera rellglone, n . 0 12 : Vellnt nollnt, !psi quoque hreretiel . , , ca­
thollcam nlhil allud quam cathollcam vocant.
56) Cathollca vocatur (Ecclesla) eo quod per totum orbem ab extremls terrre
tlnlbus ad extremos usque fines dlffusa est ; et qula unlverse et absque defectu
doeet omnla qure ln homlnum notltlam ventre debent dogmata, slve de vlslbl­
llbus et lnvlslblllbus, slve de ccelestlbus et terrestrlbus rebus ; tum etlam eo quod
omne homlnum genus recto cultul subjlclat, prlnclpes et prlvatos, doctos et lm­
perltos ; ac denlque quis generallter quldem omne peccatorum genus, qure per ani­
mam et · corpus perpetrantur, curat et sanat : eadem vero omne possldet, quovls
nomlne slgnlflcetur, vlrtutls genus, ln factls et verbls et splrltuallbus culusvls
apeclel donls. S. Cyrlllus Hlerosolymltanus, ln "Catecheses" 18.• n. 23. Ano 313-386.
· 57) Cum autem (S. Polycarpus) precatlonem tandem flnlvlsset, ln qua men­
tlonem fecerat omnlum qul allquando cum tpso versatl fuerant, parvorum quldem
et magnorum, clarorum et obscurorum, totlusque per orbem terrarum Catholl­
Clll Eccleslre . . . Martyrlum S. Polycarpl, 8, 1. Ano 156/7.
58) Chrletlanus mlhl nomen est, Cathollcus vero cognomen ; lllud me nuncupat,
lstud ostendlt ; hoc probor, lnde' slgnlflcor . . . Quare ab hreretlco nomlne noster
populua hac appellatlone dlvldltur, cum cathollcus nuncupatur. S. Paclanus, ln
Eplst. 1.•, e. '· Ano 390.
1 066 Documentação

Sôbre tão glorioso título, eis como se exprime o douto Lacordaire :


"Passarei além, revelar-vos-ei que o nome de católico não mostra somen­
te a idéia da unidade intelectual num corpo orgânico e vivo, mas signifi­
ca ainda a expansão universal dessa unidade : prodígio tão grande que
a I grej a, inspirada por Deus e desp rezando todos os outros títulos, tal co­
mo os de uma, de santa, de apostólica, que já tinha no primeiro concilio
ecumênico de N icéia, reteve o nome de católica, que lhe pertence por ex­
celência e que, soberanamente incomun icável, exprime da maneira mais
perfeita essa fôrça divina e criadora, que depois de a ter dotado de luz,
de santidade, de unidade, de organização, acabou impelindo-a ao mundo
com esta última coroa de universalidade." 5 9
Hoj e . a assembléia cristã, sempre u n a em s u a constituição, goza d e
u m a catolicidade de fato q u e bem s e pode denominar plena ou absoluta.
"Tem um número de fiéis, que não só excede muito o de qualquer seita
cristã, mas até as u ltrapassa a tôdas j untas : uns trezentos e cinquenta
milhões.
Tem uma difusão moralmente universal : na Europa, em tôdas as
nações (225 milhões) ; na América Central e Meridional, é quase a única
rel igião (73 milhões) ; na América do Norte tem uns trinta m ilhões ; na
Asia, está propagada em quase tôdas as nações, ainda que não tenha mui­
tos adeptos ( 1 6 milhões) ; na Africa tem bastantes adeptos (6 milhões e
meio) e na Oceânia também é bastante conhecida (2. 1 50.000. )
Esta difusão supera não só a de tôdas as seitas, mas a de tôdas as
outras religiões : o Islamismo (240 milhões) , não se encontra n a América
nem na Austrália, e na Europa só na Turquia e Sérvia ; o Budismo (200
milhões) e o H induísmo (220 milhões) só existe na Asia. E não se deve j ul­
gar que cada uma destas religiões forma uma só sociedade : estão muito
divididas.
Adquire ( a I grej a Romana) cada vez mais difusão : envia constante­
mente missionários, mesmo às regiões mais remotas. E o fruto é grande,
sobretudo atenta a penúria dos recursos materiais de que dispõe, e a capa­
cidade de resistência de velhas civil izações, sob muitos aspectos notáveis,
as quais se defendem. Os sacerdotes missionários são uns 23.000. Os irmãos
leigos auxili ares uns 1 1 .000. As irmãs 53.000. Com êstes colaboram cerca
de 77.000 catequistas e de 64.000 p rofessoreS." 60
Conquanto sej a precioso um colar ci e tantas gemas, não nos quede­
mos a contemplá-lo embevecidos, enquanto inimigos procuram fragmen­
tá-lo, quando não destruir.
Bem pouco respeitados são, por vêzes, os direitos eclesiásticos, até
na expansão do culto e no apostolado católico. Quando, amesquinhada por
deturpadores ou invadida por usurpações, depois de sofrer em silêncio e
suporta r incompreensões sem conta, a I greja se ergue a reivindicar sua l i­
berd ade, seus direitos, sua autoridade, - quantos a acoimam de intole­
rante e egoísta ! Se os adversários fôssem pelo menos tão sinceros como
Heiler, reconheceriam que "se o catolicismo é efetivamente a universalida­
de, se representa a plenitude dos valores rel igiosos, não pode deixar de ser
excl usivo. Tal excl usivismo não nasce de nenhuma estre iteza de sua par­
te, mas, sim, de uma riqueza inesgotável." 6 1
59) L a e o r d a 1 r e, Conférences de Notre Dame de Paris, Tome II, 1844 -46 ,
plig. 231 a 235. ·

60) A. J. L e 1 t e S. J. , O Homem e a Igreja, pág. 74. Edição 1942.


61) F. H e 1 l e r, Der Kathollzlamus, aelne Idee und selne Erschelnung, pág.
614, clt. por K a r l A d a m.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 067

Destinado à "incorporação de homens de todos os tempos e todos


os lugares na unidade do corpo de Cristo" , o catolicismo tem direito "à
sua propagação pelo mundo inteiro e comp reensão de tudo o que há no
mundo." 6 2 Em são direito, nenhum campo lhe pode ser vedado, nenhum
setor da atividade humana lhe pode ser defeso, como em parte alguma lhe
é lícito pactuar com o êrro ou o mal, porque em tudo deve imprimir o
cun .ho de sua moral austera, a tudo impregnar de sua vida sobrenatural,
tudo levar ao Coração divino de seu fundador jesus.
Nas vastas regiões missionárias da Amazôn ia, ou nas mais elevadas
esferas sociais do Rio de janeiro, j unto ao mendigo dos becos de subúr­
bios ou perante convivas de banquetes palacianos, nas so!enidades estrita­
mente religiosas ou nos programas de festas clvicas, o catolicismo não es­
tá deslocado, em tôda parte deve achar ambiente, tudo l he compete im­
pregnar de seu espírito e elevação.
Dignlssimos Cooperadores e filhos diletos, sej am por vós sempre reco­
n hecidas e observadas estas lógicas deduções do principio básico do ca­
tolicismo : sua missão de incorporar todos os homens em Cristo. Assim
estaremos colaborando para cada vez mais rutilante se tornar o aderêço que
adorna o materno seio da I grej a.
O anel da apostolicidade. Bem conhecido é o velho costume de as
-

régia s' majestades levarem no dedo um anel, não propriamente como or­
nato senão como sinete fiel, capaz de garantir a procedência e autentici­
dade de qualquer documento real . Assim é que no livro de Ester se lê o
seguinte : "Escrevei aos j udeus como vos agradar, em nome do Rei, mar­
cando a carta com o meu anel. Pois segundo o costume, ninguém ousava
opor-se às cartas enviadas em nome do Rei e seladas com seu anel." 6 3
· Duas passagens cita o profeta Daniel 6 4 em que foi usada a impres­
são do anel do Rei de Babilônia como sêlo de valor inquebrantável.
Pois bem : êste sêlo de sua procedência, êste anel de garantia e au­
tenticidade traz a Igrej a Católica em sua ex istência duas vêzes milenar.
E' apostólica. Eis tudo. Fundada sôbre a rocha inabalável que é Simão
Pedro 65, "o príncipe dos Apóstolos" 66, a Igrej a Católica é, por isso mes­
mo, apostólica. Como para mais confirmar êsse caráter de apostolicidade
na I grej a Romana, São Paulo chama também de fundamento os demais
apóstolos 6 7 em razão da doutrin a que pregaram, plantando e solidificando
a I greja, como também pelo munus episcopal que exerceram e que ainda
hoje persiste n a assembléia dos cristãos 6 8 .
Na sucessão perene do mandato apostólico reside a firmeza de nos­
sas crenças, que através dos séculos apresenta o sêlo da tradição divina.
"A revelação sobrenatural não é uma sabedoria humana, mas, sim, a
palavra de Deus. A nova verdade não emerge do substrato primitivo da
humanidade, nem das profundidades do inconsciente ; é, essencialmente,
um dom do alto. Sua comunicação aos homens não pode ser feita senão
por via da autoridade, pela série viva dos apóstolos e dos bispos que, pelo
sacramento da Ordem, se lhes conj ugam na un idade do espírito, e antes
de tudo pelo sucessor de Pedro. A autoridade na I grej a é uma conse­
quência necessária do caráter sobrenatural da revelação. Um dos dois po­
los da vida da Igrej a é, pois, a autoridade que lhe vem do Crh;to pelos
62) K a r 1 A d a m, l o c . cit.
63) Eather, 8, 8.
64) Daniel, 6 , 17 e 14, 10.
65) Math . , .xvr, 18.
66) Orlgenes, ln Luc. hom. 17 : Apostolorum Prlnceps.
67) Eph. , II, 20.
68) Chr. P e s e h, Proolectlones Dogmatlcoo, Cap. 1, n,o 291.
1 068 Documentação

Apóstolos. Não é da parte de escritores ou historiadores que o catól ico


recebe a certeza definitiva da ·realidade da revel ação, mas, sim, das p rimei­
ras testemunhas e dos primei ros dessa realidade, da autoridade messiânica
do Cristo, que se prolonga de maneira viva no Bispo e no Papa. O ca­
tólico fica, assim, ligado interiormente em sua fé Intima, ao ensinamen­
to dado com autoridade pela I grej a, eco simples e fiel da palavra do Cris­
to" 69, transmitida por seus apóstolos.
Ah 1 a autoridade da Igrej a apostólica 1 Quando j amais se tornou tão
necessário lembrar esta sua prerrogativa? ! Quando jamais se tornou tão
necessário insistir nessa autoridade? ! Nossos tempos formam por exce­
lência a época das l iberdades, não daquela liberdade dos filhos de Deus 70,
mas das degeneradas, das rebeldes, das furiosas, que são repreendidas nas
Sagradas Escrituras 7 1 . A augusta voz do Soberano Pontlfice, legitimo
sucessor de São Pedro, deveria ser ouvida em tôda parte com o máximo
dos acatamentos, não só quando a inclinação pessoal favorece o assen­
timento, mas em tôdas as circunstâncias. Ainda hoje, não menos que no
concilio calcedonense (ano 45 1 ) persistem as mesmas razões para excla­
marmos, uníssonos com os presentes à leitura da c arta de Leão Magno :
"Pedro falou pela bôca de Leão."
Não esperemos que o Santo Padre fale "ex cathedra", para só então
lhe sujeitarmos a mente, sob pena de já não sermos católicos. Inclinemos
respeitosos nossas frontes, e aceitemos cordialmente as sábias leis disci­
plinares emanadas do Pontlfice Romano, suas paternais admoestações sôbre
a ousadia do neo-paganismo invasor, os perigos da educação moderna,
os desmandos infrenes das modas indecentes, das praias de banho, do Ci­
nema corruptor, do neo-maltusian ismo, da má imprensa e de todos os la­
ços de perversão armados à humanidade. Que consciência terá o cristão que
não se guia pela voz da Igreja ? Se alguém não ouvir a Igrej a, conside­
ra-o como étnico e publicano 7 2 , disse jesus. Ora, "ubi Petrus, ibi Eccle­
sia". 73 A Igrej a está onde se acha Pedro ; a voz de uma é a do outro.
Roma falou? E' a voz de Pedro, é a voz do Vigário de Cristo. Cumpre obe­
decer e não recalcitrar. Se até ao Pastor Supremo não se atender, como
poderão reger e governar suas dioceses os Arcebispos e mais Prelados?
Mas, infelizmente, as consciências são por tal forma elásticas e gozam tan­
to de faculdades acomodatlcias, que se é capaz de abafar no âmago do
coração os imperativos da razão e d a fé, contentando-se alguns com ou­
vir externamente - e ainda quase por favor, - as o rdens de Cristo atra­
vés de sua Igreja. Porém, aos que não vão além de escutar, admoesta o
próprio Cristo : "Quem ouve minhas palavras e não as cumpre, é com­
parável ao estulto que edifica sôbre areia." 7 4
E' preciso obedecer aos que n a Igrej a são presblteros e têm a suces­
são dos apóstolos, como demonstramos, pois êles receberam com a su­
cessão do Episcopado o carisma certo da verdade, segundo a vontade do
69) K a r 1 A d a m, loc. clt.
70) I Cor. , VII, 22 : Qui enlm ln Domino vocatus est servus, llbertus est Domini.
71) Job. , XI, 12 : Vir vanus ln superblam erlgltur, et tamquam pullum onagr l
se llberum natum putat. Gal . , V, 13 : Tantum ne llbertatem ln occaelonem de­
tis camls.
72) Math. , XVIII, 17 : SI autem Eccleslam non audlerlt, slt tibl slcut ethntcus
et publlcanus.
73) Expressão de Santo Ambrósio : "Onde está Pedro, at está a Igreja. " Ipse est
Petrus cut dlxlt : Tu es Petrus et super hanc petram redlflcabo Eccleslam meam.
Ubl ergo Petrus lbl Ecclesla ; ubl Ecclesla lbl nulla mora, sed vlta mterna. S. Am ­
broelus, ln "Enarratlones ln 12 Psalmos Davldlcos" , 40, 80. Ano 840-897.
74) Math . , VII, 26 : Qul audlt verba mea, et non taclt ea, slmills erlt viro stulto,
Revista Ecle6iástica ·B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 069

Eterno Pai ; os outros, que estão afastados dessa sucessão principal e


reúnem noutro lugar, convém tê-los por suspeitos 7 15 ,
Parecia ter São Paulo diante dos olhos esta nossa calamitosa época
quando na segunda epistola a Timóteo por esta forma se expressava : "Fi�
ca sabendo porém isto : que nos últimos dias sobrevirão tempos peri­
gosos; porque haverá homens egoístas, avarentos, altivos, soberbos, blasfe­
mos, desobedientes a seus pais, ingratos, malvados, sem afeição, sem paz,
caluniadores, incontinentes, desumanos, sem benignidade, traidores, proter­
vos, orgulhosos e mais amigos dos prazeres do que de Deus ; tendo uma
aparência de piedade, mas não possuindo a real idade." 7 6
Mas nem por isso aconselha a São Timóteo, disclpulo seu e Bispo
de Éfeso, a permanecer indiferente à catástrofe moral dêsse triste quadro.
Pelo contrário, alertou-lhe o espírito com a apóstrofe : Tu verol "Tu, ·p o­
rém, vigia sôbre tôdas as coisas, suporta o trabalho, executa a missão de
evangelizado r, cumpre o teu ministério . . . Prega a palavra de Deus, insiste
oportuna e inoportunamente ; repreende, suplica, admoesta com tôda pa­
ciência e doutrina." 77 E a São Tito, Bispo de Creta, faz semelhantes re­
comendações, acentuando a necessidade de repreender e orientar.
Prezadlssimos Cooperadores e filhos muito amados : não será preciso
acrescentar que, havendo São Paulo traçado êsse programa a bispos de sua
grande estima, por feliz nos daremos se, pelo cumprimento de nosso árduo
munus pastoral, conseguirmos no meio de vós impedir alg·um mal que
houver, substituindo-o pelo verdadeiro bem : jesus Cristo . "DoTiec formetur
Ohristus in vobis." Até que se forme Cristo em vós 7 8. Bem sabemos -
a experiência diária no-lo mostra - por nós mesmo nada poderemos, mas
confiamos como o Apóstolo : "non ego, sed gratia Dei mecum". Não eu,
mas a graça de Deus comigo 7 9 .
Cátedra firme . - A formosa matrona que representa a Igreja Católica
imaginamo-la sentada em trono seguro e estável, donde ensina, rege e san­
tifica os povos. E' à sua indefectibilidade, preconizada pelo divino Fun­
dador. Dois são os elementos componentes : a perpetuidade na duração
e a infal ibil idade no ensino. De sua perenidade temos a maior certeza nos
textos da Sagrada Escritura. São as profecias do Antigo Testamento a
proclamarem que o reino messiânico não terá fim 8 0 . E' o anjo Gabriel,
anunciando à Virgem Maria o nascimento do Salvador : "Reinará eterna­
mente na casa de j acó, e seu reino não terá fim." 81 A Igrej a, que é êste
reino, tem, pois, qual arca de Noé, firme promessa de não soçobrar nas
mais p rocelosas borrascas, nem de todos os dilúvios juntos. Assim pode­
mos, com Santo Ambrósio, declarar tranquilos e confiantes : "A Igrej a tem
os seus tempos de perseguição e de paz. Como a lua, parece extinguir­
se, mas n ão se extingue. Pode ocultar-se, desfazer-se é imposslvel." 8 2

Não é menor a certeza de sua infalibilidade. Garantiu o Mestre, referindo­


se à fundação que i a estabelecer sôbre o disclpulo Pedro : "Edificarei a
76) Il qui ln Ecclesla sunt presbyterl obcedlre oportet hls qui successlonem
habent ab Apostolls, s lcut ostendlmus ; qui cum Eplscopatus succe8Slone charlsma
verltatle certum secundum placltum Patrls acceperunt ; rellquos, vero, qul absl11tunt
a principal! succeselone et quocumque loco col1lgunt, suspectos habere. B. Irenmus,
"Adv. hmreses" , 4, 26, 2.
76) II Tim. III, 1, 6.
77) II Tim. IV.
78) Gal . , IV, 19.
79) I Cor. , XV, 10.
80) Ps. , I I , 8 ; Mlch . , IV, 1 ; Is. , LV, 3 ; Dan . , II, 44.
81) Luc. , 1, 82 : Regnablt ln domo Iacob ln reternutn , et regni ejua non erlt flnl11.
82) Hexaem. , IV, 2, 7. Ecclesla tempora sua habet, persecutlonum v l dellcet et
pacls. Nam videtur slcut tuna deticere, sed non deficit. Obumbrarl potest, deficere
non potest.
1070 Documentação

minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela." 88 Man­


da seus disclpulos p regar o Evangelho com tat· segurança de infalibi li­
d ade que, já o não se lhe dar crédito é, por si só, motivo bastante .p ara a
eterna condenação. "Quem não crer será condenado." 84 A maior fôrça
dessas palavras está em formarem elas o epílogo do mandato de evange­
lização do mundo, ou seja, em terem sido pronunciadas imediatamente após
a ordem de se ensinar aos homens todos a lei de Cristo. Nem podia ser
de outra forma, pois a base dessa infalibilidade é a onisciência e vera­
cidade do próprio Deus. Não havia Ble dito que estaria com os apósto­
los, portanto a ensinar, até à consumação dos séculos? 85 "Pois - per­
gunta Pinard de La Boullaye, - que quer isso dizer senão : no cumpri­
mento de vosso encargo eu vos secundarei, eu vos sugerirei as medidas
a tomar,· eu vos preservarei do êrro?" Dessas .p alavras e dos textos para­
lelos a Igrej a concluiu não a impecabilidade de seus Pastores, mas a sua
infalibilidade, o que não é o mesmo. Vamos além. A infalibilidade é um
postµlado na Igreja. "O Filho de Deus devia dar à sua Igrej a o dom da in­
falibilidade - lemos em Oierster - Como ? ! O Filho de Deus devia ? ! Pa­
rece que começamos a prescrever a Deus o que Ble tem de fazer! Deus
não deve nada às criaturas, não tem de fazer coisa alguma, porque o exi­
gem os homens. Mas Ble deve muito a si mesmo ; e nós, tendo o conceito
exato do verdadeiro Deus, podemos saber de antemão muitas coisas que
Ble deve a si mesmo. Deus deve a si mesmo tudo quanto com necessidade
lógica se deduz da perfeição infinita da sua natureza." 86 Deve, portanto,
fornecer os meios, se pretende conseguir os fins. Caso contrário, estaria
querendo e não querendo simultâneamente. E poderemos admitir em Deus
o que em nós já seria imperfeição? Segue-se pois o dilema : o u Deus agiu
sem tino, ao instituir a I grej a, dando-lhe a missão de ensinar só a ver­
dade e não a dotando de inerrância ; ou com seu poder e onisciência preser­
va do êrro essa instituição que Sle quer sej a a Mestra da verdade : e e is
o dom da infalibil idade. Não dizemos com Karl Adam : "Por detrás da
autoridade da Igreja é, .p ois, o próprio jesus que devemos ver" 87, porque
é mais o que temos a proclamar : Na mesma autoridade da Igrej a temos
jesus Cristo e amamos a jesus Cristo na prova certa do verdadeiro amor,
que é submeter-nos incondicionalmente à sua Igreja.
Identificamos assim a Igrej a com seu divino Fundador, no ensino e
moralização dos povos. Não é, pois, de admirar que almas esclarecidas
exclamem com Santa joana d' Are : "Eu creio que Cristo e a Igrej a são
um só." Ao que judiciosamente acrescenta Raul Plus : "Na sua ingênua
perspicácia, ela (Joana d' Are) não se enganava." 88
Encerremos êste capitulo professando abertamente nossa fé : cremos
na Santa Igreja, Católica, Apostólica, Romana.
- O' Igrej a de Cristo, Mestra infalivel da verdade, a ti aplicamos a
palavra do primeiro Papa ao mesmo jesus Cristo : "Só tu possuis a pa­
lavra da vida eterna. Se te deixarmos, a quem seguiremos?" 89
Sem pilôto, sem bússola e sem norte, nosso frágil batel naufragará
nos vagalhões da dúvida ou nos cachopos da impiedade.
83) Math. XVI, 18 : JEdl flcabo Eccleslam meam, et p ortm Inferi non praivalebunt
a d versus eam.
84) Marc. , XVI, 16 : Qul non credlderit, condemnabitur.
85) Math . , XXVIII, 20 : Docentes eos servare omnia . . . et ecce ego voblacum
sum omnlbus diebus usque ad consummationem aieculi.
86) E d u a r d o G i e r s t e r S. J. , A Grande Mestra e Mãe, p4g. 106.
87) K a r 1 , A d a m, op. cit.
88.) R a u l P l u a S. J. , Cristo em nossos irmãos, liv r. I, cap. I.
89) Joan., VI, 69 : Domine, ad quem ibimus ? Verba vitm mtem ai babes.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 107 1

Igreja d e Cristo, é s o anjo tutelar da nossa vida : bafejaste nosso bêrço


tens guiado nossos vacilantes passos : cobre-nos agora e sempre com te �
manto protetor.
·
Conclusão. - A estas alturas, fatigada a vossa bondade em nos acom­
panhar nas considerações que apresentamos ao vosso meditar, já não
é cedo - bem compreendemos - já não é cedo para dizermos o Amém
a essas reflexões, monótonas talvez, mas de certo não inoportunas.
Concluamos. Se a Igrej a é nossa Mãe espiritual, a ela devemos pres­
tar o culto de respeito, obediência e amor que constituem obrigação de
todos os bons filhos.
Para isso, voltemos ao pepsamento de Santo Ambrósio : "Ubi Petrus
ibi et Ecclesia." Se pretendemos tributar à Santa Igreja Católica e Apos­
tólica, as homenagens a que tem direito - quem o não almej ará? -é ao
Pontífice Romano, como seu Chefe Supremo e detentor máximo de tôdas
as prerrogativas e poderes conferidos à Igrej a, é a Sua Santidade o Papa,
que, em primeiro lugar, testemunharemos nossos mais j ustificados e fi­
l iais afetos.
Respeito - No cap. V I I do inspirado Eclesiástico, o mesmo verslculo
que recomenda a honra que devemos a Deus, .pede que a seus ministros
também a tributemos nas devidas proporções 9 0. Se aos sacerdotes, mais
ainda aos que têm a plenitude do sacerdócio, os Bispos, e então quanta
e quão perfeita ao · Pastor dos Pastores, o Soberano Pontífice ! Desper­
temos nosso espírito de fé, e prestemos de coração sincero tôda a home­
nagem de nosso respeito e acatamento ao Santo Padre, na certeza de que
estamos assim agradando a Deus e adquirindo merecimentos para o céu.
Amor - O apóstolo do amor, São joão Evangelista, conjura-nos a não
amarmos só de palavras e com a língua, mas por ações e com verdade 9 1 ,
E' assim que nos ama o Pai comum da Cristandade. Solicito 92 por
nosso verdadeiro bem-estar, empenha-se na salvação de nossas almas, pro­
curando afastar de nosso espírito erros perniciosos, e procurando sempre
desviar os males que afligem a humanidade. Como o Apóstolo pode excla­
mar : "Além destas coisas, que são exteriores, ( tenho também) a minha
preocupação quotidiana, o cuidado de tôdas as igrejas. Quem está enfêrmo,
que eu não esteja? Quem se escandaliza, que eu me não abrase?" 93
É, portanto, com a mesma dedicação que devemos retribuir êsse amor.
A gratidão o exige. Do coração deve partir êsse afeto, e nos efeitos deve
mostrar-se êsse amor. Não nos faltará ensejo para tais manifestações.
Obediéncia - E' onde melhor se verifica o amor. A quem ama não é
pesada a obediência. Maravilhosamente Santo Agostinho : "Ubi amatur, non
laboratur; aut, si laboratur, labor amatur." Nada se considera trabalho on­
de o amor domina ; ou, se trabalho é, ama-se tal trabalho. Se é verdade que
o amor vive do sacriflcio, também é verdade que êsse amor desfaz o
sentimento de sacriflcio.
Assim a obediência : quando impregnada de amor, perde o amargor
do império, reveste de doçura o mando e deleita-se na execução dô divino
beneplácito. "Da amantem, et sentit quod dico." 0 4
E' com estas santas disposições que devemos receber, acatar sempre
e cumprir satisfeitos as benéficas ordens do Santo Padre, o Papa.
90) Eccl., VII, 33 : Honora Deum ex tota anima tua, et honorifica sacerdotes.
91) 1 Joan . , III, 18 : Non dlllgamús verbo, neque llngua, sed opere et verltate.
92) Rom. , XII, 8 : Qul prreest, ln solllcltudlne.
98) II Cor. , XI, 28 e 29.
94) S. August., Tractat. 26 ln Joannem.
1 072 Documentação

Até postergando os motivos sobrenaturais da fé, que nos mostram no


Pontlfice Romano o Vigário, isto é, o substituto de Cristo na suprema di­
reção da Igrej a militante, encarando-o mesmo sob o ponto de vista histórico
e puramente humano, - de que benemerências não se há coberto o Papado
no perpassar dos séculos 1
A imensa galeria de Pontífices, uns sublimes de carid áde, outros céle­
bres pela ciência ou insignes pela santidade, não a envolvem em seus cre­
Pe5 os pouquíssimos ocupantes indignos da tiara pontifícia. Que signi­
ficam dois ou três elementos na longa série de 260 Pontífices?
Se as finezas do Papado estão a reclamar dos homens a maior soma
de admiração, respeito e reconhecimento, que diremos, ao contemplar a
fronte augusta dos últimos Pontlfices Romanos? !
Ficamos extáticos e perplexos, sem saber a quem mais engrandecer.
Se nos atrai a magnanimidade e p aciência de Pio IX, surge . a figura impo­
nente do sábio Leão X I I I, cuj a diplomacia e larga visão assombraram
o mundo. - A santidade e zêlo de Pio X, cujo processo de beatificação
já vai adiantado, para maior glória dos nossos tempos, segue-se o cor pa­
ternum de Bento XV, o Pontlfice da paz, a quem os p róprios muçulma­
nos renderam o tributo de sua gratidão, erigindo-lhe um monumento no
centro do islamismo, numa praça de Constantinopla. - E caberá nos es­
treitos moldes de pastoral tão mesquinha delinear, mesmo de leve, o opu­
lento e exuberante pontificado do imortal Pio X I ? Não resplende em Pio
XI o conj unto harmônico das peregrinas qualidades de seus últimos pre­
decessores? E quão acertadamente soube focar a solução de todos os p ro­
blemas sociais da hora ! Se o denominarmos o "Papa das Missões", não
reclamará seus honrosos direitos a Ação Católica? E se quisermos aplau­
dir em Sua Santidade a dedicação aos seminaristas e à santificação do cle­
ro, acaso poderiamas calar as demais enclclicas sôbre o matrimônio cris­
tão, a questão social e tantas outras?
Ah ! ninguém é mais digno de louvor, que aquêle que está acima do
louvor dos homens 1
E se na ordem cr9nológica só agora é que temos de nos referir ao
Santo Padre Pio X I I , gloriosamente reinante, não é sem um frêmito de ter­
nura e gratidão que o registamos. Não olhemos, por momentos, o que é Sua
Santidade para o resto do mundo, a fim de só recordarmos o que é para
o nosso Brasil.
- E tu, Rainha da Guanaba ra, tu, gloriosa metrópole brasileira, tu o
recebeste, quando voltava do Congresso Eucarístico de Buenos Aires ! Tu
lhe sentiste o magnânimo coração ! Tu o viste subir o gigante Corcovado,
para de lá saudar o Brasil inteiro em nossa própria lingua l Tu o viste bem
de perto e . . . poderás olvidá-lo?
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezemb ro 1 943 1 073

P E LAS R EV ISTAS
Marltain e sua obra "O Crepúsculo da Civilização"
A Revista "The New Scholaatlclsm", órgão da "Amerlcan Cathollc Phllosophlcal
Assoclatlon", sob a responsabilidade da "Cathollc Unlvers lty o! Amarica"
( Washington) publicou, no seu mlmero de julho de 1948, pp. 289-295, um estudo
de J u 1 e s A. B a 1 s n é e, da Universidade católica, sôbre a \lltlma obra de
J. Marltaln : "The Twll lght o!• Clvlllzatlon", New York, 1943. Damos a seguir os
trechos principais dêsae estud o, que Interessará. sem d11vlda também o no ã so
}
· público, visto a atualidade d os prob emas ventilados.

Em quatro capítulos : 1 . A crise do humanismo moderno ; 2. As gran­


des fôrças anticristãs ; 3. O evangelho e o império pagão ; 4. Cristianismo ·

e democracia, o Sr. M a r i t a i n opõe o humanismo cristão a várias for­


mas de falso humanismo e define as condições sob as quais poderá triunfar
o humanismo cristão e salvar-se a civilização. Todo filósofo cristão acei­
tará esta tese e será grato ao Sr. Maritain por muitos argumentos suges­
tivos, e pela inspiração que dimana de sua fé. Sentimos apenas, que êle não
se tenha mantido inteiramente no plano da pura e serena discussão filo­
sófica, e tenha consentido em resvalar para o partidarismo. Fiel ao método
aristotélico e tomista, êle · teria recordado que os problemas contingentes
são abertos ao debate, teria sido menos dogmático no julgar certas ten­
dências polfticas que desaprova, e na sua apreciação de pessoas e gru­
pos . . . teria também sido mais hesitante nas suas antecipações do futuro.
Vamos exemplificar. O Sr. Maritain distingue três tipos de falso huma­
nismo : o humanismo clássico, iniciado por D e s c a r t e s e que é ra­
c ionalista e individualista ; o marxismo que é racionalista, mas totalitá­
rio ; o nazismo que é totalitário, mas anti-racionalista. E' convicção sua
que o primeiro está condenado e que, de futuro, o conflito ficará cir­
cunscrito às duas formas de totalitarismo e ao humanismo cristão. Mas
será mesmo evidente que, ao menos nas democracias ocidentais, o pres­
tígio da razão sucumbirá sob o impacto do anti-racional ismo nazista, ou
que a razão terá apenas que escolher entre comunismo e cristianismo? . . .

O Sr. Maritain considera ateus tanto o marxismo como o comunismo,


com uma diferença todavia, que o torna mais esperançoso na conversão
do comunismo e o faz desesperar da reconci liação entre nazismo e cris­
tianismo. Define êle o marxismo : "um ateísmo que declara que Deus
não existe e faz de um ídolo social o seu Deus" ; enquanto o nazismo
é "um ateísmo que, sem dúvida, assume a existência de Deus, mas faz
do próprio Deus um ídolo." Confessamos que não percebemos, como a
negação deliberada de Deus pelos bolchevistas estej a mais próxima da re­
ligião, do que a idolatria dos nazistas. Achamos pouco alentadoras, para
a conversão dos marxistas, as recentes diretivas do Sr. K a 1 i n i n, pre­
sidente da U . R . S . S . (citadas pela revista Time, de 28 de j unho de 1 943,
pp. 72-73) : "Relatam-nos a miúdo, que entre os nossos soldados - so­
bretudo os mais velhos - existem crentes que levam crucifixo, dizem ora­
ções ; e que os mais j ovens dêles zombam. Devemo-nos lembrar que não
perseguimos ninguém por motivos religiosos. Acreditamos que a religião
é uma instituição desorientadora, e lutamos contra ela pela educação."
Medrará melhor a religião sob o desprêzo do que sob a perseguição
violenta? . . .
A lei de amor e de perdão não é apenas difícil de se praticar em
relação ao inimigo declarado, ela o é também em face dos membros da
1074 Pelas revistas

familia cristã com os quais nos acontece de divergir. O Sr. Maritain que
tão eloquentemente prega o Evan gelho do amor, parece esquecer o es­
� �
pírito que o anima, quand o denuncia t o duramente o que êle c ª ?' ª . a
cumplicidade dos colabor adores do nazismo, para pe rverter o cnshams­
mo por dentro . . . l!le tem di reito de achar (a política de P é t a i n ) i m­
p ru dente, desassfsada , débil, mas condená-la incondicion almente, imputar­
lhe motivos não-cristãos, i dentificar-lhe os principias com os do nazismo
e do racismo ' se nos afigura parcial, inj usto e pouco cristão. Que i nspi­
ração nazista ou racista pode-se encontrar, no abandono do anticlericalismo
oficial da 3. • Repú blica, n a revogação das leis que restringiam a ativi­
dade das Ordens religiosas, no reco nhecimento mais équo da contri­
buição das esco las católicas para a educação nacional, nas medidas que
..

p rotegem o casament o e a famíl i a ? . . .


As últimas págin as do opúscul o do Sr. Maritain contém um veemente
apêlo em prol da democr acia polftica, de inspiração cristã, e uma vigorosa
demonstração das condiçõ es essenciais para a preservação de u m govêrno
representativo, que não quiser tornar-se uma " democraci a desvi rtuada" .
Sentimos entretanto, que esta a rgumentação sej a desfigurada p e l a inter­
pretação errônea de certos textos aos quais apela. Escreve o Sr. M a -
r i t a i n, à página 54 : "Segundo uma observação feita pelo Pe. L a
F a r g e ( n a revista América, 1 0 de dezembro de 1 938) o têrmo demo­
cracia c ristã, usado primeiro por L e ã o X J l l e que devia suscitar tan­
tas discussões, foi reintroduzido oficialmente, pelo Episcopado americano,
no vocabu lário católico. Confio em que, sob êste pretêxto, ni nguém to­
mará os B ispos dos Estados U n i dos por cristãos vermelhos. " E' .. exato
que na carta pastoral sôbre a " c ruzada pela democraci a cristã", publ icada
pelo Episcopado americano, após a reunião anual de 1 938, e estampada
na Catholic Action de dezembro de 1 938, encontramos as seguintes l i­
nhas : "Devemos enfrentar o fato de que os perigos aos quais alude S u a
Santidade, ameaçam as nossas próprias i nstitu ições democráticas . . . S u a
Santidade chama-nos a defender nosso govêrno democrático, amoldado
numa constituição que salvag u a rda os direitos i n a l ienáveis do homem. O
Papa concita explicitamente a Un iversidade católica a elabo:·ar um programa
construtivo de ação social, adaptado em seus pormenores às necessidades
locais, que p rovocará a admiração e a adesão de todos os bem-pensantes . . .
A presente pastoral aprova solenemente a tradicional e inabalável fidelidade
do Episcopado americano às nossas l ivres instituições americanas. A fim
de executar a ordem do S. Padre é mister que nosso povo, desde a
i nfância até a idade madura, sej a cada vez mais instruído sôbre a ver­
dadeira democracia cristã. Deve-se-lhe dar uma definição precisa da de­
mocracia à luz da verdade e da tradição cató l icas, e também dos di­
reitos e deve res dos cidadãos, numa república representativa como é a
nossa." Esta · Pastoral coletiva foi redigida como resposta à Carta do
Papa ao Episcopado americano, sôbre o j u bi leu d a U n iversi dade católica,
carta publicada n a Catholic Action de novembro de 1 938. D eve ser no­
tado, entretanto, que o têrmo "democracia cristã", não aparece no do­
cu mento pontiflcio e que o trecho citado da pastoral, é um comentário
das instruções dadas pelo Papa à U n iversidade, para a el aboração de
" u m programa construtivo de ação social", baseado sôbre as Enclclicas
pontifica is. Estas instruções não aludem à democracia polltica, a não
ser ta lvez indiretamente, pelas palavras : "adaptado em seus pormenores
às necessidades locais" . E ' difícil descobrir no mandamento de elaborar
Revista Eclesiástica Brasilei ra, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 075

um "programa construtivo de ação social" o endossamento de uma forma


política de govêrno.
No seu artigo, o Pe. L a F a r g e, faz a conveniente distinção entre
democracia cristã e democracia polltica : " . . . Quando sistemas democrá­
ticos e totalitários são propagados sob o nome de democracia ou como
repúdio à democracia, é oportuno estudar o que é a democracia cristã,
o que ela exige e implica. Como observou o Papa L e ã o X I I I , em sua
famosa Enciclica sôbre a democracia cristã (Graves de communi, 1 8 de
j aneiro de 1 90 1 ) o têrmo democracia é ordinariamente empregado para ,
designar um tipo representativo ou popular de govêrno ; todavia, sob o
nome de democracia cristã, o Pontífice não pretendia designar forma
alguma de gov2rno, mas apenas dar um nome à ação social católica. E',
diz o Papa, uma ação cristã em benefício do povo. Tal ação pode existir
sob várias formas de govêrno, sob uma monarquia, se ela é j usta e cristã,
tanto como sob uma democracia propriamente dita . . . " Sem dúvida, pros­
segue o Pe. L a F a r g e, isso não significa que nós sej amos simplesmente
indiferentes ao fato de preservarmos aqui nos Estados Unidos o nosso
govêrno representativo e nos preocupemos apenas com questões sociais.
"Uma democracia política parece, entre as nações de língua inglêsa, a que
melhor se adapta à democ racia cristã, apresentada como ideal para a so­
ciedade em geral", e porque a Constituição dos Estados Unidos corporifica
certos princípios morais fundamentais, "existe um laço íntimo e essencial
entre o ideal da democracia cristã - aplicável à tôda a cristandade -
e aquela democracia política, eticamente válida, pela qual é governada a
fração da cristandade que denomin amos América." O leitor apreciará
esta ótima análise de um problema delicado e a precisão exata da dis­
tinção feita entre democracia cristã como ideal a ser persegu ido por todo
sociólogo católico - sej a êle pensador ou estadista - e a democracia
política que, nos tempos modernos, foi real izada com sucesso variável
em diversos países. Se a democracia política americana foi um sucesso,
graças a seus profundos fundamentos morais, e se os Bispos americanos
têm razão de incitar Padres e fiéis ao esfôrço para preservá-la, sem por
isso i ncorrerem na suspeição de "cristianismo vermelho", não segue en­
tretanto, que a democracia polltica tenha sido i nspirada em tôdas as na­
ções por êsses princípios morais, e deva ser instaurada em tôda parte. A
que países convém melhor, é um problema a ser resolvido não j á pelo
filósofo, contemplando as coisas sub specie reternitatis, mas pelo esta­
dista prudente ; e, por ser o problema tão complexo, impõe-se a modéstia,
a hesitação, bem assim como a complacência em relação àqueles que
porventura patrocinem teorias que nos desagradam. Perguntamos, se o
Sr. Maritain, cuj a autoridade é tão grande em discussões abstratas que
concernem o homem sábio, não está permitindo ao seu dogmatismo filo­
sófico influenciar-lhe o modo de j u lgar em matéria que pertence ao ho­
mem prudente, e que · não comporta soluções de . absoluta certeza. ln du­
biis libertas, in omnibus caritas.

A Ação Católica, prolongamento do apostolado da Igreja


No Congresso Provincial de Ação Católica que se realizou em Belo Horizonte
em agôsto dêste ano, D. G a s t ã o L 1 b e r a 1 P 1 n t o, Bispo de São Carlos ,
proferiu notável discurso que transcrevemos na integra.

1. Missão da Igreja. Leão XIII, glorioso Pontífice que iluminou


--

com clarões de fúlgida inteligência o último quartel do século passado


70
1 07G Pelas revistas

e os primeiros anos dêste século XX, assim começou uma das célebres
encfclicas : "O Filho Unigênito do Eterno Pai, aparecido no mundo para
trazer ao gênero humano a salvação e a luz da divina sabedoria, grande
e admirável benefício preparou para a humanidade, ao volver de novo
aos céus, ordenando aos Apóstolos fôssem e ensinassem a todos os po­
vos, e fundando e deixando-nos a I grej a, mestra universal e suprema
dos povos."
Estabelecida, pois, como grande foco de luz divina, autoridade en­
carregada de a conserva r, e fonte da maternidade santa que gera os elei­
tos, a I greja reune, em grande organismo social, as almas remidas, im­
pedindo-lhes a dispersão e o seu isolamento no espaço. N a Igrej a do céu
não serão recebidos senão os que houverem pertencido à I grej a da terra.
Está escrito : quem não crer e não fôr batizado não se salvará. Pedia,
pois, a j ustiça de Deus que a sociedade, depositária autêntica da doutrina
divina, não só brilhasse entre os homens com os resplendores duma luz
inconfundível mas, também, atingisse de pronto todo homem de boa von­
tade. E Deus não faltou à sua j ustiça. Por isso iluminou o berço da
I grej a com a auréola dos milagres e lhe cingiu a fronte com o diadema
vislvel da verdade, e fê-la, apenas nascida, já apta para o eficaz ensina­
mento popular das verdades mais sublimes que, du rante séculos, não
pôde inventar a sabedoria pagã.
E ela, de fato, cristianizou e reformou o mundo. Disse ao homem :
Até agora foste escravo da ambição, do orgulho e da volúpi a ; submete­
te, doravante, à pobreza, humildade e castidade.
A Igrej a católica transformou o mundo. Sob a influência de sua
doutrina, instituições e coisas tomaram novo aspecto. Ela modificou
a ordem doméstica, consolidando o casamento na unidade dum vinculo
perpétu o ; a ordem social, tornando o poder um serviço e a obediência
uma honra. O direito, a ciência e a arte, nada escapou à transfiguração
geral. Além da alteração do antigo estado de coisas, criou um mundo
novo, repleto de heróicas falanges da penitência, da virgindade, do aposto­
lado, do martírio.
Assim como ensinou a refrear as paixões do homem e da sociedade,
ela venceu o espaço. Qualquer sociedade, em se desenvolvendo, esbarra
em três grandes obstáculos que lhe entravam os movimentos. Avançando,
ganhando terreno, o horizonte parece que vai fugindo mas, ao depois,
ergue-se barreira intransponível - uma cadeia de montanhas, ou a vas­
tidão dos mares. Vencida a dificuldade do território, outra surge - a
sepa ração das nacionalidades. E' um cêrco de ferro, donde só se logra
sair sacudindo o jugo de idéias, crenças, costumes, tudo o que constitui
as tradições dum povo. E ainda há um terceiro obstáculo que detém a ex­
pansão duma sociedade e, êste, maior que os outros dois - o limite das
raças. Nada há na superfície da terra que mais profundamente aparte os
homens que essa espécie de trincheira, erguida pela diferença de línguas
e sangue.
A fim de obedecer ao divino mandamento, a Espôsa de Cristo en­
frentou o triplice obstáculo do território, das nacionalidades e das raças.
"Basta um meridiano para mudar, por completo, a j u risprudência", disse
'
um grande pensador ; mas a I grej a católica só conhece um meridiano,
aquêle que passa pelo Presépio e pelo Calvário, envolvendo o Universo
num circulo de amor. A geografia humana fala de tribos, povos e raças.
Na I grej a católica, raças, povos e tribos confundem-se, misturam-se ; para
ela não há latinos, semitas, ari anos, eslavos, só existe·m i rmãos, filhos
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 077

todos criados e remidos pelo sangue dum Deus. No seu ensinamento 0


patriotismo não exclui a fraternidade que une todos os povos.
II. Seus métodos de evangelização. - Quan do, do alto do Calvário
o Filho de Deus estendeu seus braços para os povos de tôdas as raça �
e de tôdas as regiões, todo o mundo era pagão e a obra do apostolado
foi empreendida por um grupo de pescadores da Galiléia, que apenas
contavam com a sua fraqueza. Nesta emprêsa dum grupo de homens con­
tra todos, não havia ciência, nem riqueza, nem armas a seu favor, e ti-,
nham, contra si, todos os poderes da terra, a palavra dos filósofos, a pena
dos sofistas e a espada dos Césares. Mas, porque obedeciam ao mandato
divino : Eu11tes, docefe om11es gentes, êles consegu iram implantar, por
tôda parte, a cru z radiosa, o estandarte de Cristo.
Destru ído o império romano, raças novas su rgiram no cenário da his­
tória. Estas raças estavam mergulhadas nas trevas da barbárie. Nem
luz, nem fé, nem moral. Nada aparecera, antes, para amansar as rebel­
dias de carac_teres violentos e domar a ferocidade dos costumes bárbaros.
Sacrificios humanos ensanguentavam as florestas velhas como o mundo.
Soou, então, a hora do despertar para aquelas tribos que, havia tantos
séculos, viviam nas "trevas e n a sombra da morte".
São Dionísio vai fazer a grande obra de apostolado entre os drúidas
da Gália. Enviado pelo Papa Celestino 1, São Patrício inicia as maravilhas
que torna rão a I rlanda a ilha dos santos. Agostinho de Cantuária leva a
boa nova à Inglaterra, São Bonifácio voa para a Alemanha e planta o
estandarte da Cruz no centro daquela vasta regif.o. Cirilo e Metódio são
os apóstolos dos eslavos. Aquêles missionários da I grej a católica cum­
priram seu dever, em meio de hordas estranhas : sua presença espanta-as,
sua ascendência conquista, a palavra subj uga. Com a nova pregação
apostólica surge a luz para a inteligência, os corações abrandam-se, ca­
racteres transformam-se, os costumes se elevam, um conj u nto de pro­
gresso moral que distingue a civil ização cristã.
A missão da Igrej a não era somente espalhar a luz da verdade, im­
punha-se consolidar a obra iniciada, o verdadeiro apostolado que ela
devia exercer no mundo exigia uma ação aturada, constante como o sol
de cada dia. As reservas inesgotáveis de energia e de ação, depositadas
em seu seio, fizeram brotar na vida da I grej a as Ordens religiosas. Nes­
sas obras primas da graça, de formas tão diversas, as belezas e rique­
zas sobrenaturais encontram seu complemento ; formam uma coroa de
honra e glória pelo brilho duma virtude que o sacrifício eleva até a perfei­
ção. Fora da vida religiosa, de suas energias e elevações, nem a pureza
do coração encontraria todo o seu encanto, nem a oração tôda a sua
fôrça, nem a contemplação suas luzes, nem a dedicação tôda a intensi­
dade e grandeza. A I grej a, no exercício do apostolado, quis suscitar
energia, valores morais em meio dos povos bárbaros, que muitos séculos
de imobilidade retiveram na letargia da inteligência e do coração. Foi
semeando por tôda parte os mosteiros, as abadias, os conventos que
agrupavam monges, novos obreiros do apostolado divino.
A partir do sécu lo décimo, importantes tarefas de apostolado co­
meçaram a ser desempenhadas pelos monges. Foram os beneditinos, com
seus mosteiros, os primeiros centros de atividade : as j ornadas de São
Bernardo e de São Norberto deram, então, impu lso decisivo à conversão
das nações. As ordens mistas fundadas, Dominicanas e Franciscanas, trou­
xeram ao apostolado novos recursos e sistemas. E' sabido que, desde
então, as mais variadas . e re gulares congregações e associações de ho-
70 '-'
1 078 Pelas· revistas

mens e mulheres constituiram, sem cessar, o utros tantos grupos mili­


tantes do apostolado católico.
Luz e fôrça i rradiaram daqueles centros de vida ; foi-se renovando
a face daquela terra informe e tenebrosa ; germinou a flôr da castidade
do meio de lama impu ra ; frutos de j ustiÇ'a maduraram nos galhos secos ;
a n atureza desolada e sombri a reapareceu alegre, rej uvenescida, transfi­
gurada ; e n a germinação i ntensa de tôdas as virtu des, no brilhante flo­
rej a r de santidade, a humanidade pôde saudar u m outro triunfo do
apostol ado da I grej a .
O ambiente transforma-se radicalmente, as raças bárbaras aprendem
e praticam o que desconheciam : a inviolabilidade da vida humana, o es­
quecimento das ofensas, o perdão das injúrias, o sentimento da equidade,
o respeito da fraqueza e da desgraça, a lei do sacrifício e da dedica­
ção, tôdas as grandes i déias donde resulta a civilização cristã. V ai-se
constitu indo, paralelamente, o núcleo social bem organizado, de aspecto
homogêneo, no qual predomina a vida das famílias reunidas, quer du rante
o tempo das ocupações, quer nos momentos de descanso. A Igrej a o r­
ganiza, então, a vida paroquial e o apostolado se faz em tôrno do cam­
panário da aldeia ou da c idade. Ali, ouvindo a voz do cu ra, de suas
mãos recebendo a vida sacramental, sua figura veneranda sempre pre­
sente nas festas de família e nas solenidades locais, se desenvolve o apos­
tolado que bem p retende, não só manter, mas d ilatar o reino de C risto
nas almas e corações.
Ainda influenciadas pelo espírito de estabi l idade, em ambiente homo­
gêneo que a tradição de família e o rigem comum alimentam, as pessoas
não se alheiam umas das ou � s, não se opera a fragmentação da so­
ciedade em grupos ; se diversas as atividades, não há ainda a subdivisão
indefinida de especialidades, subsistem, quando muito, as grandes divi­
sões sociais constituídas desde épocas remotas mas que, ainda assim,
se congregam com frequência. E' u m modo de viver sereno e, desta ma­
neira, a vida religiosa mantém-se perfeitamente e progride com relativa
facilidade nos centros paroquiais.
A o depois a organização da sociedade assume aspecto muito mais
complexo. A i n dústria vem realizando progressos extraordinários, cada vez
mais o homem domina as fôrças materiais com o desenvolvimento das
ciências. Mas ao lado de tantas vantagens que facilitam a vida da h u­
manidade, o deslocar- das populações, os golpes profun dos vibrados con­
tra a saúde flsica e moral, a distribuição e a dispersão e m i m't meros
oflcios, refazem a feição da sociedade, perde ela a homogeneidade pri­
mitiva e surgem, aqu i e ali, elementos heterogêneos apenas ligados por
vínculos artificiais que se retraem o u se distendem conforme os i nte­
rêsses. O êxodo rural, i nstigado por ambições impensadas, um excesso
de u rbanismo, resultante das facilidades cada vez maiores dos meios
de locomoção e dos engodos oferecidos pelos grandes centros e, como
consequência dessas causas, u m cosmopolitismo e3tonteante, todo êste
conj unto complexo de fatores transforma, aqui, o aspecto do meio social
já existente, ou faz surgir além, repentinamente, t'lovos centros que po­
dem ter todos os predicados, exceto o da estabilidade ; lugares, outrora
prósperos, por falta de população e braços, entram em vertiginosa de-
·

cadência.
E como se não bastasse tão grande mudança de aspectos e de lu­
gares, vão aparecendo, ainda, outras c i rcunstârrcias prej udiciais. N as
ruas estreitas das grandes cidades, n as oficinas sombrias, no meio da
Revista Eclesiástica B rasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 079

fumaça das usinas, do rumor incessante da multidão, do dinamismo febril


dos negócios, em tôda parte só se descobre o elemento material - Deus
fica oculto. Passa-se a . um gênero de vida mui diferente daquele outro
das montanhas e campos, onde o homem vive em comunicação perpétua
com a natureza, e da natu reza recebe um ensino que fala sempre de
Deus, presente na sua on ipotência e bondade.
Dentro do Estado formam-se grandes emprêsas comerciais, indus­
triais, com proporções de pequenos estados, com organ izações que avas­
salam o individuo, com influência onímoda sôbre todos que estão a seu
serviço. Tendo como preocupação única o lucro material, ali, muita vez,
o regime é uma aberração do direito social e do bem espiritual de seus
membros, e como geralmente se constituem em centros estanqu es, há
completa impossibilidade de, n aqueles meios, fazer ressoar os ecos da
palavra religiosa.
O perpassar dos tempos, o evoluir das gentes transformou o campo
de ação onde a I grej a, pela instituição do paroquiato, pregava sua doutri­
na para iluminar as inteligências e guiar as vontades. O campo era
ú n ico, mas, pelas contínuas subdivisões e deslocamentos, multiplicou-se
o número e, frequentemente, a posição soergu ida em muitos meios criou
dificu ldades à plena observância do mandato de pregar a tôdas as almas.
Estas dificuldades foram acrescidas com novos encargos. A I grej a
é divina, sua doutrina é completa e ela possui ensinamentos para tôdas
'
as situações, atinge o individuo na vida pessoal, e como membro de qual­
quer instituição. Evoluindo a sociedade, novas situações se apresentando,
a voz da I grej a, que é um magistério vivo, ao se fazer ouvir não repete,
apenas, o ensino contido na tradição para o i nculcar às novas gerações
e evitar que se deforme : assistida pelo Espírito Santo que deve, segundo
a promessa de Cristo, "ensinar-lhe tôdas as coisas", tira de tempos a
tempos, do seu tesouro, afirmações novas - sempre desenvolvendo ver­
dades antigas - que correspondem, no decu rso dos séculos, às necessi­
dades novas dos indivíduos e das sociedades. Na tradição não há so­
mente constância, há também progresso, ou melhor, desenvolvimento da
doutrina na própria linha da Revelação de Cristo. Problemas novos, institui­
ções novas na sociedade, paralelamente no magistério da Igrej a, afirma­
ções doutrinais mais explicitas, deduções dos princfpios eternos, eternas
normas para homens e povos.
E' u rgente, enfrentando o que se apresenta, pregar, divu lgar a dou­
trina viva para ser ela o arcabouço dos institutos novos exigidos pelos
problemas atuais.
A cada nova situação que se lhe depara a I greja, no depósito ines­
gotável de recu rsos que lhe confiou o D ivino Fundador, para o cum­
primento da missão apostólica, sempre encontra atitude adequada. No
princípio fêz ouvir a voz dos apóstolos, enviou missionários a todos
os reca_ntos do universo, erigiu mostei ros nas regiões conquistadas pelos
arautos da fé, criou aquêle outro grau de jerarquia que é o paroquiato,
para dar plena eficiência ao apostolado em meio dos cristãos já estabili­
zados. Na sociedade hodierna, em virtude das causas que l he vêm mi­
nando todo o organ ismo, surgiram males de ordem moral e econômica,
com tendências a tornar cada vez mais aguda a crise geral de que se
lamentam os povos. E pela voz do Papa Pio X I , então, na enclclica pro­
grama Ubi arcano Dei, a I grej a, com mais outro recurso, reforça a e fi­
ciência do apostolado, inaugura época nova - a época da Ação Cató-
1 080 Pelas revistas

lica. Pio XI no-la apresenta, nos sucessivos documentos publicados, j á


perfeita, no conj u nto dos ditames q u e a constituem.
III. O estado da sociedade hodierna.- �te mesmo, o glorioso Pon­
tífice da Ação Católica, para a cristandade apreender prontamente a sua
significação e o papel que i a desempenhar na vida da Igrej a a Ação
Católica, pinta ao vivo o estado doentio da sociedade, apontando logo
o remédio único e ensinando o seu uso e regime a seguir. E' o diagnós­
tico, e é a prescrição eficiente 1
"Convém, dizia Pio XI, examinar com cuidado a extensíl.o e gravi­
dade da crise, indagar das causas e origens, se houver intenção de re­
correr ao remédio mais eficaz."
A paz era a principal preocupação do Pontífice : Os profetas, dizia
ainda Pio XI, têm expressões que condizem admiravelmente com a nos­
sa situação : "Aguardavamos a paz e nada conseguimos" . Os ódios an­
tigos ainda continuam a manifestar-se, ou capciosamente nas i ntrigas da
política, ou no terreno descoberto da imprensa periódica ; invadiram re­
giões que sempre foram alheias a conflitos violentos, como a arte e a
literatura . . . E o resultado é que inimizades e ataques recíprocos entre
os povos não lhes dão segurança. Destas tristes consequências da ú ltima
guerra todos se ressentem e, tardando o remédio, a crise vai tornando-se
i ntolerável. Com receio sempre crescente de novos conflitos, todos os
povos sentem necessidade de maiores armamentos, situação que não só
depaupera o tesouro público, mas ocasiona o enfraquecimento físico da
raça e perturba a cultura intelectual, a vida religiosa e moral . . .
Além das · inimizades exteriores entre povos, surge um flagelo ainda
mais triste, as lutas intestinas que derribam os regimes políticos e des­
organizam a sociedade. E principalmente a luta de classes que, como
ú lcera mortal, se vai desenvolvendo no seio das nações, paralisando tô­
das as atividades, empecilho da prosperidade pública e particular . . . Nos
domínios da política as fações, em mútua emulação e na diversidade de
opiniões, têm como programa não procurar sinceramente o bem comum,
mas somente os próprios interêsses com prej uízo de outros. Su rgem, en­
tão, as conspirações : ameaças, terror, revoltas e outros excessos . . .
O mal, infiltrando-se até as raizes profu ndas da sociedade, atingiu
a célula da família ; ela, há tempos, lamentavelmente j á se vinha desagre­
gando, e o cataclisma da guerra apressou sua ruína.
Enfim, por tôda parte, as almas inquietas, irritadas, perplexas ! Ao
invés de confiança e segurança, somente preocupações, temores e especta­
tivas negrej antes ; a tranquilidade da ordem, garantia da paz, cedeu lugar
à contu rbação, ao caos universal. Assim se explica o declínio geral dos
nobres movimentos e a tristíssima consequência que ora presenciamos :
desaparecimento da vida cristã de muitos meios, a ponto de se ter a
impressão de que a humanidade, · ao i nvés de avançar indefinidamente na
senda do progresso, retrocede para a barbaria . . .
A raiz do mal, Pio X I a vê na exclusão de Deus e de jesus Cristo :
Deus e jesus Cristo excluídos da legislação e dos negócios públicos . . .
Deus e jesus Cristo excluldos da constituição da família . . . Deus e je­
sus Cristo exclu ldos da educação da mocidade. Deus e jesus Cristo ex­
cluídos da organização da paz . . .
Restau rar a realeza de Cristo, na sociedade e nos indivíduos, é a
missão que se impõe o sucessor do Príncipe dos Apóstolos. Mas, como
concebe êle seu plano de campanha, o exercício do apostolado na nova
situação? quem vai, praticamente, ter a incumbência desta conquista?
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 08 1

P o r certo a Jerarqu i a eclesiástica i nstituída p o r Cristo, mas a jerarquia


tendo, como prolongamento, o laicado investido da missão do apostolado.
IV. O remédio, para os males presentes, é a Ação Católica. _ A
enclclica Ubi arcano, denominada a carta magna do pontificado de Pio
XI, explica a natureza dêsse novo modo de apostolado.
"A doutrina de Cristo, diz o Papa, os preceitos referentes à digni­
dade da pessoa humana, a pureza de costumes, o dever da obediência,
a organização da sociedade, o sacramento do matrimônio e a santi­
dade da família cristã, o conj unto de verdades trazidas do céu à terra,'
Cristo confiou exclusivamente à sua Igrej a, com a promessa formal de
sua assistência, confiou-lhe a missão de ensinar com magistério in falível,
a tôclas as nações até o fim dos séculos."
Sendo a única estabelecida por Deus como intérprete e guarda destas
verdades e dêstes preceitos, a Igrej a também é a única revestida do po­
der eficaz de extirpar da vida pública, da família e da sociedade, o can­
cro do material ismo, causa de tantos danos ; de instilar os princípios
cristãos, de muito superiores a qualquer fi losofia, sôbre a natu reza espi­
ritual e a imortalidade da alma ; de aproximar tôdas as c lasses de cida­
dãos, e de unir o povo com sentimentos de profunda benevolência e fra­
ternidade ; de proteger a dignidade humana elevando-a até Deus ; ele cor­
rigir e solevar os costumes públicos e privados, de modo a tudo ficar na
dependência de Deus, para que o sentimento sagrado do dever sej a a lei
de todos, governados e governantes.
"A I grej a, que recebeu a verdade e o poder de Cristo, tem a missão
exclusiva de dar às almas a formação devida ; só ela está habilitada a
restabelecer a verdadei ra paz de Cristo, consolidá-la para afastar amea­
ças iminentes de novos cataclismas. Somente ela, a Igrej a, cm vi rtude
de missão e mandato divino, impõe aos homens o dever de conformar
com a lei eterna de Deus qualquer atividade, pública ou privada, quer
como indivíduos, quer como membros da coletividade . . . "
Pio XI insiste em destacar a função única e exclusiva da Igrej a :
"Cristo confiou o depósito sagrado s ó à Igrej a . . . s ó a Igrej a goza dêsse
poder, exerce essa função . . . " De modo claro e preciso é assinalada a
divina missão da Igrej a ; fá-lo assim, para colocar no seu verdadei ro
lugar, parn situar exatamente a Ação Católica.
A I grej a, que tem a graça e o poder de exercer o apostolado que
lhe foi confiado pelo divino Fundador, compõe-se de pastôres e fiéis. Por
muito tempo foi crença que os fiéis só tinham uma função passiva de
mera obediência, e aos pastôres estava reservada a de militar e conquis­
tar. A concepção era que o grande exército de Cristo Rei só deveria
enviar à luta os seus chefes ; os soldados - os fiéis - eram condenados
ao repouso, não obstante constituirem parte integrante da Igrej a, j un­
tamente com a jerarquia. Os sacramentos do batismo e da confirmação,
tornando-os cristãos e perfeitos cristãos, armaram-nos cavaleiros para as
lutas do apostolado, revestidos da dignidade dum sacerdócio em sentido
largo ; subordinados à jerarquia, como o soldado a seu capitão, têm,
todavia, um verdadeiro ministério que devem exercer pessoalmente.
"O adveniat regnum tuum - diz egregiamente na encíclica Summi
Pontificlltus o Santo Padre Pio X I I - não é só o voto ardente de suas
orações (dos leigos da Ação Católica) mas, também, a diretriz da sua
atividade. Em tôdas as classes, em tôdas as categorias, em todos os
gru pos, esta colaboração do laicado com o sacerdócio manifesta preciosas
energias a que se confia uma missão que corações nobres e fiéis nã o
1 082 Pelas revistas

poderiam desej ar, nem mais alta, nem mais consoladora. tste labor
apostólico realizado no espírito da I grej a, consagra, por assim dizer, o
leigo e f �z dêle um ministro de Cristo, no sentido que Santo Agostinho
explica assim : Qu ando ouvis, meus irmãs, Cristo dizer : lá onde eu estou,
aí estará, também, o meu ministro, guardai-vos de pensar somente nos
Bispos e no clero. Também vós, à vossa maneira, sois ministros de Cris­
to, vivendo dignamente, dando esmolas, pregando o seu nome e a sua
doutri na àqueles que puderdes, para que neste mesmo nome todos os
pais de família reconheçam dever, aos seus, afetos paternais. Sej a por
Cristo e pela vida eterna que os repreendam, os ensi nem, os exortem,
os corrij am, sej am benévolos ou exerçam sôbre êles a sua autoridade ;
porque assim cumprirão, na sua casa, o ofício de pai e, até de certa
maneira, de Bispo, sendo ministros de Cristo . aqui na terra para o se­
rem, eternamente, com �le."
tste é o conceito essencial da Ação Católica, que exige tenham os
leigos consciência de sua eminente dignidade e de seu papel ativo na
Igreja. E' a doutrina expendida por Pio XI, na sua encíclica : Chamai
a atenção dos fiéis que, dizia êle aos Bispos, trabalhando nas obras de

apostolado sob vossa direção e de vosso clero, para desenvolverem o


conhecimento de jesus Cristo e fazerem reinar seu amor, terão direito
ao titulo magnífico de raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo re­
mido ; unindo-se intimamente a Nós e a Cristo para dilatar e robustecer
com zêlo o império do direito, trabalharão para implantar eficientemente
a paz geral em meio dos homens. As transformações sociai s, continua
o S. Padre, aumentaram a necessidade de recorrer ao concurso dos lei­
gos nas obras do apostolado.
Ainda na encíclica Quas primas Pio XI fazia as seguintes considera­
ções : No dia em que a totalidade dos fiéis compreender ser necessário
combater galhardamente e sem cessar, sob as bandei ras de Cristo Rei,
o fogo do apostolado inflamará os corações, todos trabalharão para re­
conciliar as almas com Deus, as almas que O desconhecem ou O aban­
donaram, todos porfiarão para a mantença inviolável dos direitos divinos.
Na vida da Igrej a, vinte vêzes secu lar, imensa tem sido a literatura
canônica, mas nunca uma qualquer das suas instituições foi recomendada
tão insistentemente, em prazo de tempo reduzido, como vem sendo a Ação
Católica em inúmeros documentos. Furlong cita, a respeito, onze encícli­
cas, 34 epístolas ao episcopado de diversos países, 24 autógrafos, 4 alo­
cuções consistoriais, 2 1 0 discu rsos a várias entidades, 10 rescritos das
congregações romanas, 52 cartas escritas pelo Cardeal Secretário de
Estado, 5 Concordatas, 870 audiências a representantes da Ação Católica.
V. Conceito da Ação Católica. - Dêsses inúmeros documentos pon­
tifícios, das alocuções feitas em ocasiões solenes pelas autoridades ro­
manas, podem-se coligir elementos para definir a Ação Católica como
sendo "a participação dos leigos organizados no apostolado jerárquico
da I grej a, fora e acima dos partidos políticos, para estabelecer o reinado
universal de Cristo."
A Ação Católica não é um simples apostolado de leigos, confundindo­
sc com as instituições beneficentes ou associações de fiéis que têm exis­
tido sempre na Igrej a, com o seu conhecimento e aprovação. Não é, tam­
bém, o apostolado jerárquico que tem uma estrutura exclusiva e inco­
municável. E' uma entidade nova, resultante do apostolado dos leigos e
do mandato jerárquico ou, como a definiu o Santo Padre : "a partici­
pação dos leigos no apostolado j erárquico".
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 083

Como entender esta participação dos leigos no apostolado jerá rqui­


co? Concordam os autores que a Ação Católica, não participando da au­
toridade da jerarquia, participa, contudo, do apostolado desta mesma je­
rarquia. O modo pelo qual a Ação Católica participa dêsse apostolado
os autores muito discutem, um dirá mandato implícito, outro chamará :
mandato remoto, ou mandato indireto. Podemos conciliar tôdas essas opi­
niões, afirmando tratar-se sempre de uma participação relativa, como es­
clarecem algumas expressões pontifícias. Em "Com singular complacên­
cia", lê-se : Apostola to gerarchico viene partccipato in qualclze modo dai'
laici. No nosso caso a jerarquia confere um verdadeiro mandato apos­
tólico ao laicado da Ação Católica, mas proporcionado à sua capacidade.
A Ação Católica distingue-se, especificamente, de qualquer outra for­
ma ou gênero de apostol ado leigo. E' um apostolado oficialmente orga­
nizado, universal e mandatário da jerarquia. Nela os leigos e'ntram por
vocação, por apêlo da jerarquia, da qual recebem o mandáto oficial de
realizar determinadas atividades apostólicas, em seu nome e com a sua
autoridade. este mandato produz diferença específica entre a Ação Ca­
tólica e qualquer obra de apostolado. Em ambas há colaboração com a
Jerarquia, mas, enquanto a jerarquia nesta se limita a aceitar, aprovar e
abençoar, naquela chama o leigo, e confere-lhe o mandato oficial de
·

participar ou colabora r no apostolado jerárquico.


A Ação Católica existe por vontade da jerarquia ; esta por vontade
de Deus. A Ação Católica tem fronteiras marcadas pela , Jerarqu i a ; esta
tem poderes absolutamente conferidos por Deus. A jerarquia é o '!.gente
principal, a Ação Católica, instrumental.
Não é de hoj e a Ação Católica ; ao menos nos seus delineamentos,
já existia na mais remota época de evangel ização. Pio XI observou-o em
muitas circunstâncias. Basta, disse o Papa, um conhecimento superficial
da antiga literatura cristã, das páginas da história da I grej a primitiva,
para ver que foi assim que começou a Igrej a : os apóstolos utilizam-se
do laica to, até então pagão . . . A difusão do cristianismo, em Roma, foi
feita com a Ação Católica. E teria sido possível de outra manei ra? Que
haveria acontecido aos doze, perdidos n a imensidade do mundo, se não
tivessem agregado, a si, colaboradores para poderem dizer-l hes : "Somos
portadores do tesouro do céu, ajudai-nos a disseminá-lo."
S. Paulo cita os nomes de seus coadj utores leigos : Phoebe, que "nu- -
xiliou no ministério da Igrej a" ; Prisca e Aquila, o casal que o Apóstolo
sauda ; Maria, que "muito trabalhou entre os romanos" ; Tryphena, Try­
phosa, Persis, "que muito labutam pelo Senhor". São conhecidos os no­
mes de Sebastião, I nês, Tibúrcio, Cecília, Nereu e Aquileu, joão e Paulo.
Orfgenes ainda não era padre, quando seu Bispo o coloca como professor
na D idascaléia.
N o decu rso da história vemos Carlos Magno fazendo Ação Católica,
quando funda escolas ; São Lu ís, quando põe nas instituições cívicas o es­
pírito cristão, os cruzados e os cavaleiros, quando defendem e mantêm
a ordem social cristã.
O alistamento dos leigos na luta contra a heresia, o aparecimento das
ordens terceiras para susterem a evangelização da idade média, são exem­
plos da participação oficial no apostolado da Jerarquia. Santa Catarina
de Sena desempenha papel notável ao lado do Papado. São damas da
côrte e piedosas aldeãs que São Vicente de Paulo arregimenta para as
emprêsas de confôrto espiritual e corporal".
1 084 Pelas revistas

Há mais dum século brilharam os n omes de Montalembert, de Oza­


nam, n a fundação das conferências de São V icente de Paulo.
Nos dias de hoj e, quem não aplaude os esforços gigantes dos mis­
sionários? Mas êles só passam pelas povoações que evangelizam, não
têm a pretensão de penetrar em tôdas as tribos, em tôdas as tendas dos
territórios das missões. Mas vão deixando, após si, gente leiga escolhida,
que dêles recebe um mandato para manter os cristãos no fervor, para
catequizar e para batizar.
Desej a-se saber o que é a Ação Católica? E' uma t ransposição da
instituição dos catequistas do território das missões.
Confiar uma função na I grej a, a leigos, não é, pois, novidade. E'
um método clássico. Nada de modernismo na organização para a qual
o Papa nos convida, pelo contrário, é um agir . e m conformidade com a
pura tradição católica.
O que h á de novo é que a colaboração, praticada em todos os tem­
pos, agora fica sendo generalizada, oficial, declarada atitude obrigatória
e essencial na vida da I grej a. O que era usança de modo disperso e be­
névolo deve ser, hoje, organizado, combinado, j erarquizado. Quem se
entrega à Ação Católica não está fazendo inovação, trabalha numa insti­
tuição que sempre existiu n a I grej a e que ora se apresenta com contornos
mais precisos. Dum gru po de voluntários, o Papa fêz um exército regu lar
para maior método e mais eficiente ação de conj u nto. Assim os f iéis vi­
verão, realmente, a doutrin a do Corpo Místico e da Comunhão dos San­
tos, que desej a nenhum cristão se desinterêsse da salvação dos outros.
Exposta a doutrina de Pio XI sôbre as associações de Ação Católica,
n i nguém ousará classificá-las como associações l aicas. Estas diferenci am-se
das eclesiásticas por não estarem suj eitas a uma especi a l j u risdição da
autoridade eclesiástica mas, somente, à vigilância comum " i n relms fidei
et morum" a que estão sujeitos todos os fiéis (c. 336, § 2 e c. 684) .
Paras as Associ ações Eclesiásticas o c. 690 determina o seguinte : Omnes
associationes, etiam ab Apostolica Sede erectre, nisi speciale o bstei pri­
vilegillm, subsunt vigilantire Ordinarii toei. Na i nterpretaçf10 comum dos
j u ristas, estas palavras não significam apenas a j u risdição e vigilância
"fidei et morum", mas de tôda a orga n ização e atividade. Esta depen­
dência das organizações da Ação Católica da jerarquia, é-lhes essencial,
direta e i mediata. Consideradas sob êste aspecto, as obras da Ação Ca­
tólica são 'tlssociações eclesiásticas, mas têm um lugar inteiramente à
parte. O c. 700 distingue três espécies de associações eclesiásticas -
Confrarias, Ordens Terceiras e Pias U n i ões. E' forçoso reconhecer às
Associações de Ação Católica uma configuração j u rídica i nteiramente
própria.
H oj e todos os autores reconhecem que a Ação Católica é a organização
pública, oficial do apostolado dos leigos, por mandato explícito da je­
rarquia. Neste conceito indicam-se as propriedades características e espe­
cificas da Ação Católica diante das outras associações religiosas, e mar­
car-se uma relação particular, uma posição singular perante a Autori­
dade Eclesiástica ; pode-se dizer que êste é o elemento específico d a Ação
Católica, a sua n ovidade, que lhe provém do mandato. Não é u m órgão
da jerarqu i a determinado por jesus Cristo, mas uma instituição pública
no sentido de que a Igrej a tem o fim da Ação Católica como próprio,
considerando de seu interêsse a sua atividade.
O mandato especial da jerarqui a confere à Ação Católica uma distin­
ção especifica perante tôdas as obras existentes n a diocese. Seu apareci-
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 085

mento, assim, é uma inovação no campo do direito canônico, mas que


não impede, não pertur � a e nem dest �ói qua:t � uer i�iciativa cristã, qual­
quer forma do bem ; mmto pelo contrário, suscita, estimu la, di rige (Qua m­
vis nostra) , considera tôdas aquelas obras como preciosa s auxilia res não
só por se dedicarem a emprêsas abençoadas de piedade ou de cari d ade
ou também · de apostolado, não só porque saberão dar à Açã o Catól ic �
-OS elementos aptos de que pode necessitar a I grej a, para melhor desen volve r
.a sua ação religiosa nesta terrível época da H istória, como também, porque,
em harmônica união de energias, e sem alterar ii: especifica finalidade que
a I grej a reconheceu às associações religiosas, e aprovou, poder ão servi r
melhor a s u a augusta causa, aceitando ordenar o esfôrço comum d ebaixo
.da d i reção da Ação Católica. Em tôda a Cristandade é, hoj e, a Ação
· Católica chamada a ser o elemento rea lizador do pensamento e vontade
dos Bispos e, com f:les, do mesmo Pontífice, postos pelo Espírito Santo
para dirigirem a Igrej a ele Deus.
Aquelas obras auxiliares, embora fizessem muito e bem, não eram
suficientes, a Igreja tinha necessidade de uma organização que, depen­
dendo imediatamente da jerarquia e recebendo dela tôda a sua fôrça
vital, pudesse realizar-se de um modo centrnlizado, agi!, vasto e multi­
forme, o programa de apostolado religioso necessário, dentro de cada
<liocese e de cada nação. Bsse organismo é a Ação Católica.
D isse o Cardeal Pizzardo que a Ação Católica é trabalho do mundo
Jeigo, o que se entende, indubitavelmente, em união com a jerarqu ia que
.a inspira e orienta. De fato o apostolado completo exige, não só a ação
do episcopado e do sacerdócio, mas j untamente a ação dos fiéis que são
os braços da jerarquia, principalmente numa época em que muitos cen­
tros são impenetráveis à influência sacerdotal.
A subordinação dos leigos à jerarqu ia não lhes tira, entretanto, nem
a atividade, nem a iniciativa. Apenas exige dêles que sej am orientados
pelas d iretrizes dos superiores . j e rá rquicos, dentro do espírito daquela
.conhecida sentença do Cardeal Gasparri : "A Ação Católica não é di retiva
na ordem teórica, mas executora na o rdem prática."
A Ação Católica tem seus órgãos próprios, e a di reção dêsses órgãos
depende direta e imediatamente dos leigos. De um lado compete à Au­
toridade Eclesiástica determinar os fins, o programa da Ação Católica,
assim como os meios mas aptos e segu ros para os atingi r, para os realizar ;
de outro lado, compete aos órgãos di retores d a Ação Católica p romover
. e orientar a execução do programa traçado pela Autoridade Eclesiástica.

Poderão, pois, êsses órgãos, para a perfeita realização do pensamento da


jerarquia, adotar medidas que lhes parecerem mais convenientes, e só no
caso de evidente oposição entre as medidas e a o rientação da jerarquia
é que se tornam sem efeito e não podem ser segui das pelas associações
:subordinadas.
Como se vê, a Ação Católica, submetendo-se à jerarquia, não deixa
de ser um verdadeiro apostolado e apostolado de leigos. A direção des­
.sas associações compete, portanto, diretamente, aos leigos. E daí é que
advém ao sacerdote, a quem está confiada, o titulo de assistente ecle­
siástico. me não é propri amente diretor, desde que a Ação Católica, em �
consequência mesmo da organização criada pela jerarquia Eclesiástica, é
dirigida por leigos, posto s à frente dos órgãos de coordenação e de o rien­
tação do movimento.
Não há, nessa feição particular das associações da Ação Católica, ne­
.n huma diminu ição da autoridade do sacerdote que delas se encarrega.
1 086 Pelas revistas

Elas têm uma obrigação essencial de respeito, de acatamento, de submis­


são à Autoridade Eclesiástica, de que dependem, e o assistente ecle­
siástico é o legítimo representante dessa Autoridade.
Previamente Pio X I ( 1 4-11-1 934) resolve qualquer dúvida que possa
surgir nas relações entre os assistentes e os dirigentes d a Ação Católica,
assinalando a função de cada u m : "Os assistentes eclesiásticos, diz o
Papa, deverão ser a alma das associ ações, as fontes de energia, os ani­
madores do apostolado, os representantes da autoridade dos B ispos e,
deixando embora aos leigos a direção e a responsabilidade das próprias
associações, deverão garantir a constante e fiel aplicação dos princípios
e di retivas estabelecidos pela jerarquia da I grej a."
N a Ação Católica os leigos estão investidos duma missão de apos­
tolado autêntico, que não deve ter outro fim senão a implantação do reino
u niversal de jesus Cristo. A Ação Católica visa somente a esfera reli­
giosa. Ela está acima e fora dos partidos, disse-o repetidas vêzes o Papa
Pio XI. A política da Ação Católica exerce-se no terreno dos fatos, res­
peita os poderes constituídos e colabora com sua influência para a me­
lhoria geral.
N o terreno social seu campo de ação é vastíssimo, estendendo-se
a tudo que tem relação com o i nterêsse moral e religioso. Pio XI decla­
rou-o formalmente ( 1 9-IV-93 1 ) à Ação Católica de Roma : J':.ste apos­
tolado deve ser exercido por tôda parte, quando se tratar da glória de
D eus, do bem das almas, da lei de Deus. Não conhece limites nem de
tempo, nem de lugar. Não sendo questão puramente material ou econô­
mica, mas qualquer questão hu m ana, principalmente no terreno moral,
a I grej a, a Santa Sé, a jerarqu ia, o apostolado e, observadas as clevidas
proporções, a Ação Católica não podem negar-se, nem se isentar de
tomá-la em consideração, em virtude do mandato divino.
Sôbre os magnos problemas que assoberbam a I grej a nos tempos
de hoj e, o Santo Padre Pio XI não só auscultou as causas, para o
devido diagnóstico, não se contentou em dar o remédio adequado, com
sua autoridade de médico espiritual, mas, também, quis prescrever o re­
gime a segi1i r-se. Não bastam as boas intenções e ciência do que se
tem que fazer. Necessário é garantir o exercício do apostolado leigo,
a prática da Ação Católica.
VI. Método usado peta Ação Católica. - Há muito zêlo intempestivo.
P reocupou-se, pois, Pio XI, também com a tática, com o plano de con­
quista, elaborou uma doutrina de apostolado que, espalhando-se por tôda
a Igrej a, mereceu as mais significativas sanções, e vem sendo denomi­
nada " movimento especializado" .
já na célebre encíclica Quadragesimo anno vêem-se os primeiros de­
buxos do grande plano : Como noutras épocas da história d a I grej a , es­
creve Pio X I , enfrentamos uma situação n a qual o mundo vai recaindo
no paganismo. Para reconduzir a Cristo as várias classes de homens
que o renegaram, é necessário, primeiramente, eléger e formar, nos di­
versos meios, auxili ares d a I grej a que compreendam a mentalidade e a
aspi ração dos seus companheiros, que saibam falar a seus corações n u m
espírito de fraternal caridade. O s primei ros apóstolos, os apóstolos ime­
diatos dos operários serão os operários, os apóstolos do mundo i ndus­
trial e comercial serão industriais e comerciantes.
Para as novas formações d a Ação Católica, quando da peregrinação
da j uventude católica francesa (6-I V-934) , Pio X I insistia nas mesmas.
idéi as : "Atividade especial, qualificada, particular, que tenha a maior
Revista Eclesiástica Brasilei ra, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 087

analogia com o método que apontamos para os missionários : pad res in­
dlgenas, para os indígenas. Cada situação deve ter o apóstolo corres­
pondente : operários, apóstolos de operários ; l avradores, apóstolos de
l avradores ; marinhei ros, apóstolos de marinheiros ; estudantes, a.póstolos
de estudantes."
O Santo Padre outra coisa não prega senão aquêle sistema para 0
q u a l j á está consagrada a fórmula : "o apostolado do meio pelo meio" .
O padre pode esforçar-se para a evangelização do meio onde exerce
sua atividade ; podem ser muito cordiais e assíduas as relações com seus
paroquianos. Por ser padre, êle sempre será alguém não intei ramente i den­
tificado com todos os meios da sociedade. �ste alheamento natu ral i m­
põe-se, dadas as exigências de seu estado e vocação. Nem todos veriam,
com bons olhos, o padre tratando de coisas materiais, nas quais, no en­
tanto, há muita relação com grandes inte rêsses espi rituais. I nstintivamente
está no desej o de todos que o homem de Deus paire acima das contin­
gências práticas onde, não obstante, entra em combate a verdade evangélica.
Quem fará a aplicação dos princípios rel igiosos às ci rcunstâncias da
vida de cada dia? Quem fará penetrar a lei de C risto !)OS costumes duma
localidade ou dum oficio? Quem corrigirá o que aí estiver errado? Quem
defenderá o ideal cristão e a liberdade das almas na sociedade e no
meio das i nstituições cívicas? Quem, debaixo dos tetos das famílias, ve­
lará pela observâ ncia das normas morais apregoadas no alto do p ú l­
pito? Tão somente os leigos devidamente preparados, v ivendo em orga­
nização e tornando-se, por tôda parte, agentes apaixonados, posto que
discretos e prudentes, do reino de Cristo.
Convém rÍ otar que o trabalho de difusão do cristianismo não se im­
põe aos leigos somente n as regiões mais ou menos paganizadas, onde
não se tolera a presença do padre. Mesmo não havendo país a conquistar
o u a reconquistar para C risto, no sentido da extensão, há sempre algo
que fazer no sentido de p rofu ndeza.
Ouve-se falar que a obra da Ação Católica é u m esfôrço de penetra­
ção. E esta tarefa consiste, não só em espalhar o Evangelho exterior­
mente ; importa também, e mu ito, i mplantar a palavra divina internamente,
em meio dos que crêem e praticam, mas que nem sempre vivem no lar,
no ofício, nas relações sociais, conforme os princípios de C risto e da
I grej a.
Que golpe profundo n a causa católica, se se reconhecer serem os
elementos representativos do cristianismo menos entusiastas dos grandes
ideais da j ustiça e da caridade que os próceres de outras correntes?
Pesa sôbre a sociedade cristã a grande responsabil idade de realizar, em
seu viver, as mais subtis exigências da moral de Cristo. Quem poderá
instilar no Intimo das existências, e nos gestos aparentemente profanos,
o sôpro de Deus para que os cristãos notórios se tornem fotografias au­
tênticas e exatas da divina fisionomia do Salvador? Naturalmente, aquêles
que estão na convivência dos pais, dos concidadãos, dos companhei ros de
trabalho e, por isso, podem reerguer ou orientar o mínimo movimento
das atividades quotidianas.
As di retrizes dadas pelo Santo Padre produziram admirável exu be­
rância, em todos os ramos da Ação Católica. Uma dessas organizaçües,
a J . O . C . , mereceu de Pio X I o grande elogio de ser o tipo perfeito,
apresentando uma fórmula geni a l do movimento especializado, indispen­
s ável para consegui r a verdadeira recristianização. O então Cardeal Pa­
celli assim escreveu em nome de Pio XI : "O que visa a J . O . C . , sub-
1 088 Pelas revistas

metendo-se filialmente à jerarquia, é a conquista espiritual da mocidade


operária. A organização e os métodos prestam-se admiravelmente a seus
desígnios que, para conquistar mais facilmente as almas dos operários para
Nosso Senhor jesus Cristo, tratam de cristianizar os meios do trabalho.
Ela mostra, assim, ter bem compreendido a fórmula expressa por S. S.
Pio X I , na encíclica Quadragesimo a11110 : os primei ros apóstolos dos ope­
rários serão os operários . . .
"

Assim o apostolado, perplexo no primeiro instante por causa das trans­


formações sociais, resu ltantes das condições modernas de vida, logrou,
agora, adaptação definida e definitiva.
estes os grandes principios que devem reger ' o conj unto das fôrças.
do bem, dos valores espi rituais na mobilização geral, decretada por Pio
XI ao ressuscitar a Ação Católica - que é tão antiga como a Igrej a.
VII. A Igreja é a salvação do mundo. - A garantia da salvação
do gênero humano é a Igrej a, esparzindo luzes e bênçãos. Sem ela não
domina a verdade, desaparece a paz ; se ela reinar, dilatando seu domí­
nio sobre povos, instituições e pessoas, a concórdia, o progresso tornam-se
consequência natural, um fato necessário. Que pode haver de mais con­
solador e feliz para o ser humano, em meio do fluxo e refluxo de opi­
niões e pai xões, que se entrechocam e se destroem mutuamente, que se
refugiar nesta fortaleza da verdade, construída por Deus no alto da
montanha santa? Ao passo que, em torno dela, mil tendênci as, subtraídas à
sua benéfica ação, assemelham-se a êsses cometas que, desviados em
trajetórias diversas, vão errando ao acaso pelo espaço em fora, astros
solitários e sem satélites, o princípio divino, incarnado na Igreja, tra­
balha sem cessar, na perpétua variação de indivíduos e séculos, para
dar ao gênero humano o tesouro de todos os valores espirituais. Como
navio ancorado em mar revôlto, tempestuoso, ela vê ao longe e l amenta
o naufrágio de embarcações que dela se afastaram ; tranqui la e certa
de seu destino, tendo a fé por bússola e Cristo por pilôto, desafi a as
ondas ameaçadoras e zomba das tempestades . . .
Trabalhar na Ação Católica e abrigar a . si e ao gênero humano>
àquela fortaleza bendita, é banhar-se na luz das supremas claridades, é
acolher-se àquela nau imperecível.
Bênçãos e louvores aos que assim procedem, porque fazem ressoar
perenemente o mandato divino : Euntes, doc ete . . .

Resumos
S. Roberto Belarmino e a Música Sacra. - Nem todos sabem que
S. Roberto Belarmino se distinguiu pela defesa empenhada que tomou da
música religiosa, qu ando esta, no seu século, se paga nizava, e no con­
cílio de Trento, em 5 de agôsto de 1 562, muitos Prelados perguntavam
se não devia acabar na Igrej a a música figu rada, por serem grandes os
abusos e a profanação da tradição cristã. O paganismo do renasci mento
infi ltrara-se na música religiosa, fizera decai r o canto gregoriano, o ór­
gão litúrgico e a polifonia clássica. Por outro lado, a corrente musical
suscitada pelo luteranismo e anglicanismo tomou preponderância, pois
o canto era principalíssimo no culto protestante, ou se tornou veículo
dos dogmas reformistas de Lutero, como j á acontecera com joão Huss.
S. ·Roberto não foi profissionalmente compositor, com tocar cra­
vo e cantar, mas foi oportuno no que escreveu sôbre a música, e tenaz:
defensor desta arte, como jesuíta, como teólogo e como arcebispo.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 089

Apesar das opiniões desencontradas sõbre a supressão total ou ad­


missão do canto polifônico, o concílio de T rento, ordenando aos clérigos
o estudo do canto eclesiástico, e que, no ofício divino coral, se cantasse
para louvor do nome de Deus, nenhuma determinação ou proposição ofi­
cial feriu contra a polifonia nos templos.
Deu-se a reforma musical litúrgica, e os cardeais Vitellozi e Bor­
romeu, ouvida a Missa do Papa Marcelo, de Palestri na, j u lgaram a po­
lifonia digna dos santuários. E, em conformidade com os decretos tri­
dentinos, impuseram ao Seminário Romano e ao Colégio Germânico o en­
sino do canto gregoriano e polifõn ico, sob a d i reção de Vitória e Pa­
lestrina. Foi neste quadro que Roberto Belarmino atuou com as suas
p ráticas e ensinamentos musicais, retificando os erros do p rotestantismo
e defendendo as doutrinas do concílio tridentino sôbre o assunto. Vej a­
mos com que antecedentes e trabalhos pessoais.
Roberto, em Montepulciano, sua terra natal, teve p rofessor de m ú­
sica, no cônego J ú l i o Maccarini, e outro cônego, Paciuchell i , relatou
d a sua men i nice que o santo não gostava das canções ou madrigais com
palavras menos convenientes, p referindo cantos espirituais. Dotado de
temperamento músico, aprendeu a toca r diferentes instrumentos, e já Je­
suíta guardou pelos a rtistas p rofunda amizade, aprovando o proj eto de
montepio que para êles lhe submetera seu sobrinho Mons. Herenio Cervino.
Criado reitor do Colégio Romano, foi sob u m conceito musical, to­
mado d a escritura, que êle definiu o seu reitorado, no seu discu rso i nau­
gural, desenvolvendo o sentido destas palavras : Rectorem te posueru n t ?
noli extolli : esto i11 illis quasi unus e x ipsis. Curam i/lorum /zabe . . . lo­
quere . . . decet e11inz te primum verb11111 . diligenti scientia, et non impedias
m usicam. (Cf. Ecl 32, 1 -5.) Reitor, copi ava motetes e partes musicais para
a sua comunidade, sacrificando os próprios recreios, para os seus padres
e escolásticos, às refeições, por vêzes, cantarem os trechos que êle trans­
crevera, com letra modificada, qu ando era preciso 1. Os madrigais, que
Roberto escolheu, eram a seis vozes e foram impressos em 1 58 1 sob o
título Madrigaletti et Napolitane a sei voei di Giovanni de Macque nova­
mente composti e dali ilz fuce in Venetia appresso A ngelo Gardono.
Apreciador de música, organizava o p rograma dos concertos íntimos
e não se esqu ivava a acompanhar os colegas no canto, fornecendo êle
próprio as letras das canções. P rovincial de Nápoles, cantava com a rte,
posto que sem bela voz, acompanhando o côro, d u rante a recreação, e
contin u ava a compor poesias para trechos musicais. O grande controver­
sista, no meio dos seus grandes trabalhos de liturgia, de revisor da Bí­
blia, fêz-se ensaiador da peça Judite e /iolofemes para celebrar, em Fer­
rara, o casamento de Filipe I I I de Espanha com Margarida de Austria.
Com o mesmo entusiasmo, que os Jesuítas do seu tempo executaram po­
lifonias de grandes compositores, obras religiosas e profanas, sob a di­
reção de Belarmino, do mesmo modo, nos seus colégios de Roma, no Se­
minário Romano, no Colégio Germânico, no Colégio I nglês, confiaram
a música e o seu ensino aos peritíssimos Palestrina, Vitória e Anério.
São dêste período os músicos Jesuitas André Frusio - prrestans m u­
sicus -, primeiro reitor do Germânico, e o Padre Lau retano, também
reitor do mesmo colégio, amigo e inspirador de Vitória.
Nas suas controvérsias contra os inovadores, particu larmente no co­
mentário sôbre a oração, o grande polemista teólogo defende a música
1 ) A . B e r 11 i e r, s. .J . , Salnt Robert Bellarm!n et la musique llturg!que .
. l4ontréal, 1939, pái:s. 89-93.
1 090 Pelas revistas

vocal e i nstrumental associada ao louvor divino, rebate os adversários


antigos e coevos, e argumenta com a Sagrada Escritura, a tradição pa­
trística e com provas de sábia conveniência, de utilidade, de protestação
de · fé e de culto divino.
Não são só a legitimidade e antiguidade do canto eclesiástico pro­
vadas, mas é também superior a refutação das objeções capciosas dos
a dversários. Criado arcebispo de Cápua, S. Roberto consagrou-se ao
Opus Dei com todo o fervor de alma, tôda espiritual. Deu normas aos
c antores, aos leigos e aos sacerdotes para a beleza do canto ser re­
passada de vida interior, pois, aduzindo palavras de S. jerônimo, não
é com a voz mas com o coração que se há de cantar, n a Igrej a, e, para
cortar abusos, escreveu pequeno comentário, em conformidade com as
diretrizes musicais tridentinas.
Cardeal-Arcebispo, reorganizador da liturgia, n a sua sé, não descui­
dou a reforma musical, levando-o o seu zêlo até a presidir ao côro c a­
nônico dos seus cônegos para a boa execução da salmodia e do canto.
Criou a schola cantorum, em ambiente litúrgico, com tribuna própria, j un­
to do altar mor, pondo em frente dela a do organ ista, e narram contem­
porâneos que a boa música, séria, elevada, polifõnica, organizada por
êle, se apreciava. Crítico, Belarmino repudiou u m l ivro de motetes de
Filipe do Monte, porque eram insípidos e sem beleza, e mandou Gon­
falonieri que lhe arranj asse os madrigais espirituais, a seis vozes, do mes­
mo auto r ! . . . Nem mesmo as freiras escaparam às exig�ncias de Belar­
mino, e cuidadoso na formação dos seus seminaristas, estabeleceu coros,
entre êles, para artisticamente se recrearem, como fizera em Roma com
os seus consócios. O Santo Arcebispo de Cápua não fomentou apenas
o esplendor l itúrgico e musical ; exerceu apostolado de bondade com os
artistas, chamando às obrigações do estado clerical um padre organista,
e socorrendo o pobre músico jorge Lorenzo, aliviando-lhe a miséria, com
trinta ricos ducados, preço do cravo, que, para seu solaz, possuía o Car­
deal jesuíta.
São Roberto Belarmino, que não saiu eleito pontífice, depois de Cle­
mente V I I I , apesar do maior número de votos do conclave, teve prepon­
derância na maior parte das Congregações Romanas, e, dedicado às ques­
tões litúrgicas, foi nomeado membro da Congregação dos Ritos. A música
sacra foi sujeita à reforma, mas o gõsto da idade média e do renasci­
mento meteu zizânia musical . . . Sob o pontificado de Paulo V, Belarmino
substituiu o cardeal Arigoni na comissão revisora de todos os l ivros can­
torais gregorianos, sendo por escolha dêle encarregados do assunto poli­
fonistas célebres como Nanino, Curtius M ancini, G iovanelli, Soriano, Fe-
tini · e Anério.
Q u em considera a música uma futilidade inocente, um acessório, na
I grej a, que se tolera ou dispensa, à mercê de caprichos, ficará surprêso
com a atividade e empenho constante de Belarmino em relevá-la. E a
razão era a beleza litúrgica - Beauté du c/zant qui prie et de la priere
qui chante, beauté des voix, beauté dtl répertoire, beauté de l' exécution,
beauté des cérémonies, beautés des temples - de toute cette b eauté, Bel­
larmin a vait l' âme pleine : sa vie, son e11seig11eme11t, ses prescriptions re­
fletent le zele qui l' animait pour la spletzdeur du culte divin. (A. B e r -

n i e r, toe. cit. pág. 277 . )


-- ( E xtrato do artigo de ]. d a C o s t a L i m a,
Os jesuítas e a Música. Brotéria, j ulho de 1 943. )
R evista Eclesiástíca Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro t 943 1 09 1

As incorreções da Biblla, p o r A . B e a . - Ninguém a t é h o j e negou


que há muitas frases da Sagrada Escritura, sôbre assuntos flsicos o u
h istóricos, ou mesmo religiosos, q u e · não estão expressas c o m o r i g o r d a
terminologia e exp ressão q u e exigimos, c o m b o m d i reito, d u m tratado
cientifico, histórico ou teológico. Acrescente-se, além disso, que entre os
antigos h avia maneiras de narrar e fórmul as de conversação que, se nos
são, a nós, homens do século XX, muito estranhas, eram, contudo, para
êles, muito familiares e de uso corrente. Ora, ao tratar dêstes casos, não
se deve fal a r de conceitos rígidos e apriorísticos da verdade. Deus fala ,
por meio dos hagiógrafos, do mesmo modo como nós falamos na vida
ordinári a : de u m modo humano, usando d a condescendência que tanto
exalta S. joão Crisóstomo ; a n inguém, portanto, assiste o direito de
acusar de êrro aos hagiógrafos, só porque não falaram com mais exa­
tidão, com mais precisão, com maior c u i dado. Ao j ulgar das palavras
de outra pessoa, o primeiro que se deve procu rar é aquilo que ela que­
r i a dizer e o que não queria. Observada esta lei, tôdas aquelas " incorre­
ções" desaparecem ; não são mais q u e modos de falar, empregados n a
vida comum, o u p e l o s homens e m geral, ou p a rticularmente pelos semi­
tas. Portanto, a solução do problema não se deve procu rar n u m a arti­
ficiosa e pouco segu ra distinção entre coisas substanciais e acidentais,
mas na intenção do que fala e escreve. Ora esta intenção não se deve
determinar pelo nosso modo de falar, moderno e ocidental, mas pelo
que s e manifesta n a índole pecul i a r d a língua antiga ( hebraica, a ramai­
ca, etc. ) , n a exp ressão empregada n a forma literária que se escolheu ;
tudo isto não se conhece a priori, e segu ndo idéias preconcebidas, mas
pelo estudo diligente dos antigos, pelos costumes dos orientais dos nos­
sos dias, pela investigação psicológica d a língua e expressão. Se se tiver
em vista tudo isto, encontra r-se-á a solução para a questão de p r i ncípio,
embora permaneça aberto campo i menso para a explicação de cada u m dos
textos, explicação que nem sempre será fácil. Por isso, devemos p rescindir
das explicações antigas que ainda mesmo confirmadas por autores de
grande nome, j á não satisfazem às condições da ciência hoje em vigor.
(Biblica, Roma, 1 942, págs. 369-372 . )

A liturgia n a espiritualidade contempQrânea, p o r M i g u e 1 N i c o -


l a u . - Quando se contempla o panorama interior da I grej a e se aten­
de a correntes de vida esp i ritual que a anunciam, fica-se surpreendido,
ante a puj ante vitalidade que i nforma o seu corpo social. Porque a Igre­
j a não é só um organismo j u rídico, dilatando como reino u n iversal, des­
de um pólo a outro do mundo, com suas formas e estatutos sociais e com
aquela constituição j e rárquica externa, monárquica e magisterial, que
o primeiro exame eclesiológico põe de manifesto. A I grej a, além de tudo
isso, é um corpo que vive. V ive com vida externa e tangível, que podem
observar e descrever os profanos ; vive com vida i nterna, sensível a quem
auscu lta as palpitações e respirações dêsse organismo, compulsando, ao
mesmo tempo, a marcha rítmica o u acelerada das suas correntes vitais
e vivificadoras. Quais são essas corre ntes? Para uns, como M e r s e h e
J ü r g e n m e i s t e r, é a idéia da comunidade reál cristã com Cristo, me­
d i ante os vínculos da graça santificante. Para o utros, como A 1 c a fi i z ,
é a d evoção ao Coração de jesus. Para outros, ainda, é a idéia de con­
q uista missionária, cimentadora das grandes resoluções ascéticas e apos­
tólicas, formuladas nos retiros espirituais. Essas correntes não se opõem,
nem simplesmente j ustapõem. Podem i nterferir u mas com as outras. No
71
1 092 Pelas revistas

fundo delas, parece-nos descortinar um princípio animador que as en­


volve tôdas : a piedade litúrgica. - (Manresa, Barcelona, março de 1 943,
págs. 1 9-33. )

Os estudos de ascética e mística e as correntes filosóficas modernas.


- Nos primeiros anos do presente século, vários autores chamaram a
atenção sôbre um fenômeno curioso que se estava observando entre os
filósofos contemporâneos. Vários dêles manifestavam decidida inclinação a
incorporar n a própria filosofia elementos ascéticos e até a estudar os
fenômenos místicos. O movimento, impulsionado fortemente pelo moder­
n ismo, está arraigado cada vez mais. Quando, em 1 937, se reuniu em P a­
ris a fina flor dos "pensadores de todo o mundo para comemorar o cen­
tenário do Discurso do Método, no I X Congresso I nternacional de Filo­
sofia, G. M a r c e 1 pediu que, daí por diante, a filosofi a estudasse tam­
bém os atos e fatos mais típicos da religião vivida. Lutoslawsky, Gran
Duff e até o filósofo hindu R amana Maharshi pronunciaram-se no mes­
mo sentido. H á cem ou duzentos anos, ninguém se teria abalançado a
propor, num congresso cientifico, o estudo filosófico da mística. O fato,
como já o notava, em 1 925, o Pe. de Grandmaison, é sintomático. Os ·
homens cultos de hoje sentem verdadeira fome de Deus. - (Brotéria,
junho de 1 943, pág. 64 1 . )

CRÔNICA ECLESIÁSTICA
DO BRASIL

Obra das Vocações Sacerdotais


R evestiu-se de grande expressão a assembléia geral da Obra das Vo­
cações Sacerdotais, realizada no dia 7 de novembro na Escola Nacional
de Música do Rio de j aneiro, cujo salão se achava repleto de sacerdotes,
· seminaristas, delegações católicas e famílias. Presipiu o certame D. Bento
Aloisi Masella, Núncio Apostólico, achando-se presentes D. josé Pereira
Alves, Bispo de Niterói ; D. Benedito P aulo A lves de Sousa, Bispo Titular
de Orisa ; D. joaquim Mamede da Silva Leite, Bispo Titular de Sebaste ;
Monsenhor Rosalvo Costa R êgo, Vigário Geral, etc. Por motivo de fôrça
maior, deixou de comparecer o Sr. A rcebispo D . Jaime Câmara. Executado
o Hino Pontifício, o Cônego Oton Mota, do Seminário de São josé, proferiu
a saudação de honra ao Sumo Pontífice, saudando, também, o embaixador
da Santa Sé, o A rcebispo Metropolitano e o Episcopado. Segu iram-se nú­
meros de música "Preito de Saudade" (à santa memória do Cardeal Leme )
- composição musical da professôra Lucilia Guimarães Vila-Lobos e letra
do Padre josé Tapajoz ; O Vos Omnes" e "jesus, Maria, josé", músicas
"

de Frei Pedro Sinzig, O. F. M., etc. O segundo orador, D. josé Pereira


Alves, dissertou sôbre - " O nosso problema das vocações". S. Excia.
R evdma., em linguagem eloquente e colorida, disse da grandeza sem par
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 093

do sacerdócio, do imperioso e u rgente dever das famílias e dos católicos


de consagrarem seus f ilhos ao altar, auxiliando, com generosidade espi­
ritual e materialmente, as vocações. D. josé Pereira A lves inicia'lmente
evocou o Seminário de Olinda, poetizando o cenário, evocando suas tradi­
ções, seu passado glorioso, seu presente r i c o de bençãos, pois naquele mes­
mo dia que ali falava u m Bispo era sagrado em Recife : D. joão Porto­
carrero Costa, eleito para a diocese de Mossoró. Não faltou à oração bri­
lhante e entusiástica de D. josé A lves uma referência aos tristes tempos
que não dispensam ao sacerdote o respeito a que têm direito. O Revdmo.
Cônego Newton de Almeida B atista, d i retor arquidiocesano da Obra das
Vocações, apresentou fun damentado relatório, enaltecendo, de i nicio, a me­
mória do Cardeal Leme. Mencionou o grande progresso dos trabalhos,
coletas, au xllios financei ros e bôlsas, mencionando as paróquias e colé­
gios que mais se têm disti nguido. Focalizou o valor dos tesouros espi­
rituais das reun iões, da propaganda, do " D i a das Vocações", das doações
e disposições de testamento, onde todos se devem lembrar das vocações,
citando edificantes exemplos de . pessoas caridosas.

Mosteiro Cisterciense de Santa Cruz


Verificou-se . n o dia 20 de agôsto p. p. a inaug.uração do Mostei ro
Cisterciense de Santa Cruz. A bênção do novo Mosteiro constitu i u talvez
a mais significativa solenidade que a cidade de ltaporanga já tem pre­
senciado. No dia 20 de agôsto, festa de S. Bernardo, de l taporanga como
de tôdas as cidades vizinhas numerosíssimas famílias e pessoas amigas
vieram assisti r à i naugu ração. Situada n o alto de uma das elevações de
ltaporanga, se ergue esta casa de Deus maj estosa e possante para dar, de
longe, as boas vindas aos visitantes, constitu indo u m motivo de j usto
orgulho aos habitantes do lugar. O convento cisterciense, em vi rtude do
voto de estabilidade, está ligado para sempre àquela cidade. A fundação
cisterciense obedece ao programa de S. Bento, o patriarca dos monges
do Ocidente, que resumiu sua santa regra : "ora e t labora'', oração e tra­
balho, serviço de Deus e dos homens. Será, portanto, o Mosteiro de Santa
Cruz u m santuário ao mesmo tempo que um potencial de energias para
atividades sociais, prestar-se-á nêle um culto ininterrupto ao Deus eterno
e se cumprirá, conscienciosamente, a missão terrestre de criar um ambiente
de cultura e prosperidade. Entre as autoridades presentes às festas inau­
gurais destacava-se o Exmo. e Revmo. Sr. Bispo Diocesano, D. josé
Carlos de Agui rre. Foi sob seus auspícios que os monges escolheram a
cidade de l taporanga como lugar de residência. H omem de grande com­
preensão e extraordinária perspicácia, assiste S. Excia. os monges com
seus conselhos de Pai e Pastor, tendo-se tornado u m dos seus maiores.
benfeitores. Quis aceder S. Excia. Revma. ao desejo unânime do Convento
e do povo itaporanguense para presidir às solenidades d a inauguração.
No dia 20 de agôsto, a ntes de celebrar uma Missa pontifical no pátio da
Abadia, procedeu o Exmo. Sr. B ispo D iocesan o à bênção desta casa rel i­
giosa onde para sempre se cantará o louvor ao Deus Criador e Salvador,
onde os monges dia por dia, oferecerão sacrifícios e o rações pelo povo.
Na Missa pontifical falou o Exrno. e Revmo. Sr. Abade D. Afonso S. O.
Cist. o qual, num entusiástico panegírico a S. Bernardo, realçou o papel
dêste predestinado H omem de Deus e doutor da I grej a como Monge,
como h omem da I grej a e da pátria. Mostrou como Deus, depois que o
h omem tenha renunci ado plenamente a si e ao mundo, o destina frequen­
temente a servir de poderoso i nstrumento de sua P rovidência. Após o
71 *
1 094 Crônica eclesi ástica

a l môço oferecido a S. Excia . Revma. D . josé de Agui rre e a s pessoas


de convite, discursaram, a o a lto-falante colocado no c l austro do Mostei­
ro, doi s proeminentes filhos de l taporanga : Dr. joão B. Macedo Mendes,
ilustre a dvogado de l tapetini nga, e o Revmo. Sr. Pe. joão B. de A q u i no,
Prefeito de Agudos. Falaram depois o Revmo. Sr. Pe. Antônio Sola, p á­
roco de l tapeva, em nome do Clero Secu l a r, expressando s u a m a i s viva
satisfação pelo i n ício de vida cisterciense nesse recanto do Estado ; o
Revmo. Sr. Prior de Sorocaba, D . Tadeo Strunk, O. S. B . , q u e a p resen­
tou, e m nome d o Clero Reg u l a r, efusivos parabéns à Abadia cisterciense
a q u a l , segu indo a regra de S. Bento, i rá espalhar gradativamente o es­
pírito beneditino. Agradeceu por ú ltimo o Revmo. Sr. D. Atanásio S. O.
Cist., Superior d o Mosteiro i n au g u rado.

Sodalício da Sacra Fanúlia


Em 1 924, a p rofessôra cega, D. Maria Cava lcante de Almeida, con­
doída d a desdita de suas companhei ras, idealizou a fundação de uma casa
'
p a ra recolhimento das moças cegas, que, terminando o c u rso do I nstituto
Benj amim Constant ( R i o de j a n e i ro ) , n ã o t i n h a m u m l a r q u e as a brigasse
e eram m u i ta s vêzes forçadas ao recurso d a medicância para · m a n te rem
a sua s u bsistência. D u ra n te d i l atados a nos aquela benemérita Senhora,
num verdadeiro apostolado, agitou a sua i déia, n o l i m itado círculo das
suas relações, e a n gariou pequenas esmolas para formação d o patrimônio
social d a son hada i nstituição. E m 1 7 d e j u lho de 1 927, conseguiu D . Ma­
ria Cavalcante o amparo d e algumas Senho ras, que se Ó rganizaram em
comissão. Um longo e perseverante trabalho, durante quase d o i s anos,
permitiu que em 24 d e j a ne i ro de 1 929 fôsse lega l mente organizada a i ns­
tituição, com a designação de "Soda lício da Sacra Família", sendo a p ro­
vados e registrados o s seus estatutos e eleita a primeira d i reto ria. Cui­
dou-se logo d a aquisição d e u m p rédio e, e m 193 1 , pôde o Sodalício i nsta­
l a r-se à ru a Alvaro Ramos, n.º 75, na Capital Federal. Marca êsse a n o
a f a s e def i n i tiva d a organização do Sodalício, o q u e se s o l e n i z o u , e m
25 d e a b r i l , . com a celebração d a Santa Missa, e m a ç ã o d e graças e a
bênção da casa, tendo por m a d r i n h a a Sra. Osva ldo A ranha. P a ra per­
petu a r êsse ato, festej a-se cada ano, nessa data, "O d i a do Sodalíci o " .
Desde então, vai e s s a benemérita I n stituição presta ndo o seu caridoso
amparo a senhoras, moças e crianças, que a l i recebem, não só assistência
material, como, sobretudo, o confôrto moral, para s u avizar-lhes o t riste
sofrer da cegueira. E m 1 934, foi e ntregue a d i reção interna do asilo às
religiosas Filhas d e Nossa .Senhora do Sagrado Coração. E m 1 938 foi
adquirida s u a séde atual, à r u a Alzira B r a n dão n . 73, onde, e m 1 940,
faleceu a s u a F u ndadora, D. Maria Cavalcante de A l meida, a l m a desta
i nstituição, que lhe era como a m e n i n a dos o l hos. Esta bondosa senhora,
ao p ressentir o seu fim, e com a aprovação d a D i retoria, resolveu entre­
gar a Obra ao Revmo. Frei Thomaz Borgmeier, O. F. M., que lhe i m­
primiu o c u n h o da mais eficiente e sábia orientação. E m 1 94 1 , o Soda­
lício deu m a i s u m complemento à Obra, i n i c i a n do a e d u c ação e i nstrução
de s u as crianças cegas, sob os auspícios de Sto. Tomás de A q •1ino. As­
sim é que, superando obstáculos, vencendo dificu ldades, cada a n o o So­
dalício da Sacra Famí l i a m a rc a um n ovo passo na fase da s u a existência,
até q u e possa consegu i r a realização completa do seu i deal : dar um lar,
num ambiente de confôrto materia l e espiritual, a q u a ntas cegas vie'r em
bater à sua porta.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezemb ro 1 943 1 095

D. Portocarrero Costa, novo Bispo de Mossoró


Realizou-se no d i a 7 de novembro, em Recife, a cerimô n i a de sagração
episcopal do Mons. João B atista Portocarrero Costa, que, em agôsto
último, fôra esco l h i d o pela Santa Sé para bispo d e Mossoró, n o R i o
G r a n d e do N orte, como sucessor de D. J a i m e de B arros Câmara, o p ri­
meiro Bispo daquela nova diocese. Monsenhor Portocarrero Costa era
assistente a rquidiocesano d a Ação Católica de Olinda-Recife, há longos
a n os. A êle, principalmente, se devem u m melhor conhec i mento e desenvol­
vimento p rático da Ação Católica no Brasil, movimento a o qual se dedicou
de corpo e alma, logo após o seu regresso de Roma, onde c u rsou os
estudos teológicos ; e isso mesmo quando a Ação Católica n ã o t i n h a a i n d a
.
a s u a estrutura j u rídica. Seu l ivro "Ação Católica", aparec ido h á u m a
década, a b r i u caminhos à formação do exército de Cristo Rei em nosso
país. E m Recife formou e orientou uma plêiade de almas de piedade
p rofun d a e exempla r atividade apostólica. A j uventude Fem i n i n a Católica,
sobretudo, é u m exemplo magnífico de Ação Católi c a compreendida e vi­
vida. "Para o Alto", seu órgão oficial, é u m a revista que reflete vita­
l idade ; e m s u a s páginas estão regis,tradas lições magistra i s : o s a rtigos
mais o u menos mensais, do " P adre joão Costa" . Se o Brasil i nteiro re­
cebeu i n f l u ê n c i a d a obra de Mons. Portocarrero Costa, mais positiva e
diretamente t a l se deu com o N ordeste o n de o ardor do fogo de Cristo
incendiou tantas almas. E êsse Nordeste, q u e conta com Bispos valoro­
sos e entusiastas como sej am D . Mário V i lasboas, em G a r a n h u ns, D. Fer­
n a n d o Gomes, em Penedo, para mencionar apenas os mais novos - êsse
N ordeste terá agora em Mossoró outro Prelado de a lto valor a conti n u a r
a l i , sob a signif i c ativa d i v i s a de " Oportet l ll u m reg n a re" ( é preciso q u e
� t e rei n e ) , a s o b r a s socia i s q tie imortalizaram o nóvo a rcebispo do R i o
d e j a neiro. N a p astoral de sau dação aos seus diocesanos, Mons. Porto­
carrero Costa aborda os seg u intes ponto s : A Fé, a Ação Católica e a
Liturgia . A sagração efetuou-se n a Matriz de Santo Antônio, onde Mons.
Portocarrero Costa fôra pároco nos 2 ú ltimos a nos, j u n ta mente com a
assistê n c i a geral d a A ç ã o Catól ica. A posse do govêrno da d iocese de
Mossoró teve lugar n o d i a 8 de dezembro, festa d a Imaculada Conceição.

Jubileu sacerdotal de D . Agostinho Egger, O. S. B.


Dom A gost i n h o Egger, m o n ge beneditino do moste i ro do R i o de
janeiro, celebrou solenemente, n a presença dos seus superiores e i rmãos de
hábito, no domingo, 3 1 , festa de Cristo Rei, a Missa do seu j u bileu sa­
cerdotal. .Nascido e m Mullbach, no Tirol, Áustria, em 1 868, D. Agostinho
bem cedo orientou-se para o sacerdócio. Cursou o seminário menor d a
diocese de Brixen, n a s u a t e r r a n atal, e fêz o s estudos superiores em
Roma, como pensionista do Colégio Germânico d a Gregoria n a, onde gra­
d u o u-se D outor em Filosofia e Teologia. Ordenado sacerdote a 28 de
o u t u b ro de 1 893, exerceu algum tempo a c u r a de almas n a sua d iocese
d e o rigem, onde por 8 anos participou das lides j o r n alísticas n o agitado
período de lutas politico-re ligiosas q u e foi para a Áustria o começo dêsse
séc u l o . Em 1 906 realizou uma velha aspiração i n gressando na Ordem
Beneditina na A b a d i a de Secka u . V indo para o Brasil em 1 920, lecionou
até 1 936 Teologia Moral e D i reito Canônico na Casa de Estudos d a Con­
gregação Brasileira. Nestes últimos anos exerceu ainda o c argo de vice­
prior no mosteiro do Rio, professor de H istória Ecclesiástica e Hebraico,
vice-prior do mosteiro da Tij uca. E ' D. Agostinho muito consu ltado em
1 096 Crônica eclesiástica

matérias j u rídico-eclesiásticas, tendo sido o consulente do Sr. N únc io


A postólico ao tempo do recente Concilio Plenário Brasileiro.

Dois sacerdotes agraciados pela Santa Sé


Em princípios de n ovembro divulgou-se a feliz notícia de que o Santo
Padre se dignara, em j u nho dêste ano, nomear Prelado Doméstico e Ca­
mareiro Secreto, respectivamente, os Revmos. Cônegos Dr. Manuel Correia
de Macedo e Pe. joão Pedro Fusenig. A p ropósito a Cúria Metropolitana
de São Paulo baixou o seguinte aviso, sob o n.º 24 : "Cumpro o gratíssimo
dever de, em nome do Exmo. Mons. Vigário Capitular, comunicar ao
Revmo. Clero secular e regular e aos f iéis, que S. Santidade o Papa Pio
X I I , gloriosamente reinante, em j unho dêste ano, se dignou nomear Pre­
lado Doméstico e Camarei ro Sec reto, respectivamente, os seguintes sacer­
dotes da Arquidiocese : Mons. D r, Manuel Correia de Macedo, lente e
pregador dos alunos do Seminário Central da I maculada Com:eição, e
Mons. joão Pedro Fusenig, P á roco e Decano de São joaquim do Cam­
buci. São Paulo, 8 de novembro de 1 943. Cônego Paulo Rolim Lou reiro,
Chanceler do A rcebispado."

Projeto de um novo Seminário para a Baía


Foi i n iciada u ma campanha para a construção do n ovo seminário da
Bafa, em su bstituição ao atual Seminário Arqu idiocesano que funciona no
antigo Convento de Santa Teresa, à rua do Sodré. O futuro seminário
ficará n o bairro de Brotas, achan do-se concluído o projeto.

D O ESTRANGEIRO

Mensagem Pontifícia ao Congresso Eucarístico do Peru


No dia 1 .0 de n ovembro, a rádio da Cidade do Vaticano emitiu a se­
guinte mensagem de Sua Santidade, o Papa P i o X I I , a p ro pósito do
encerramento do Congresso Eucarístico do Peru : "Veneráveis i rmãos e
amados filhos que vos reu nis em tôrno a pessoa do nosso Legado para
o encerramento do 3.º Congresso Nacional Eucarístico do Peru, escutai
a nossa voz, que vos é levad a nas asas das ondas impalpáveis. O espe­
táculo que contemplais neste momento é um espetáculo grandioso e que,
como sempre, representa u m consôlo para qualquer coração reto. Bem­
aventurados os olhos que vêem o que estais vendo, tanto mais quanto
êsse espetáculo é necessário mais ainda nesta hora triste para a N ossa
alma atribulada de Pai Comum, cujo olhar escassamente encontra um
ponto onde pousar que não estej a salpicado pela lama das batalhas ou
pelo sangue fraterno encarniçadamente derramado. Nosso coração se sente
reconfortado com o saber dessa missão de amor e paz, que causa duplo
prazer quando pensamos que tão magnífico triu nfo tem como cenário
a q uerida República do Peru, um dos mais puros rincões do Catolicismo
d o tronco hispânico e onde a natureza pa rece se ter comprazido em der­
ramar, de maneira particular, sua riqueza e sua formosura, manifestadas
nos encantos singulares de uma terra abençoada que se estende das
ondas do mar a praiaa d ilatadas e que esconde em n u.vens altlssimas
seus c imos fumegantes. O PE:ru, foco de Civilização Cristã, é justamente
orgulhoso de suas honras e privilégios, mas é consciente, antes de tudo,
de que a melhor página da herança recebida da Mãe-Pátria é a que
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 097

lhe outorgou o legado daquela Fé robusta que, para proclamar a glória do


Rei Eucarístico, se reu n i u , n ão há muito, em Lima, a histórica Cidade dos
Reis, e se reu n i u mais tarde em Arequipa, a Branca, e hoje finalmente
se reúne em Tru j i llo, a Velha, o bêrço fidalgo da Liberdade en tre ca ntos
h a rmôn icos e nuvens d e i ncenso. "Filius sapicns de doctrin a patri" , com a
Eucaristia, fortaleceram suas almas Pizarro, Almagro e Luque, a ntes de
escreverem a primei ra pági n a de vossa H istória. O fundador da Arqui­
Confraria do Santíssimo Sacramento foi o mesmo Piza rro, . n a cidade pri­
mogên ita. Almas de Eucaristia foram u m Toríbio de Mogrndado, u m
Fra ncisco Solano, u m Martin de Parras, u m a Rosa de Santamaria. E
hoje, vós, dignos netos de tais antepassados - no meio do estrondo
bélico do Mundo enfurecido - correis ao Deus dos Altares para supli­
car-lhe que conceda à sua I grej a os dons da U nidade e da Paz e, com
êles, o remédio para as feridas que tão profun damente ameaçam a vida
privada, a vida familiar, a vida social. Pobres vidas privadas, se lhes
falta a Eucaristia. Ao longo d a estrada, a alma debilitada não suportará
o pêso do egoísmo e da i n d i ferença. Não se podt! viver sem o Espírito
de Deus. E quando o pobre peregrin o não pode suportar sôbre seus
ombros anêmicos, se lhe falta o alimento espiritual, a carga d a própria
vida ; quando se dobra n a fraqueza como uma fôlha de feno e sente a
angústia no coração, p o r se ter esq uecido de comer seu pão, como nos
h avemos d e admirar d a debi lidade do i ndividuo - P a i, Filho, Espôso o u
Espôsa - que converta em dor da Família, célu l a fundamental da So­
ciedade, a ameaça de desfazer-se ou pulverizar-se como bloco de cimento
m al curtido, precisamente porque lhe falta a Santidade? Sem Deus Eu­
c arístico, nem sequer é p ossível a coordenação mútua dos diversos e l e­
mentos, nem é realizável a H a rmoni a da Paz. E todo o edifício d a Fa­
mília, todo o complexo social, longe de ser fonte de vida, não t a rdará
a dar sinais de dissolução, como u m corpo morto, em q u e cada e lemento
parece pugnar por destacar-se dos outros, para se rebelar e voltar à
sua i norgânica i ndependênci a . Se o quiserdes, podereis consegu i r, com
vossas o rações, amantíssimos filhos do Peru, que os homens deixem
que a Eucaristia produza seus efeitos, em especi al como p rincípio e raiz
da U n i dade, recordando a todos sua obrigação de se amarem e de se
u n i rem como i rmãos, se querem se apresentar ante o mesmo altar, para .
oferecer os mesmos votos, beberem do mesmo cálix, comerem do mesmo
Pão e elevar ao Céu uma súplica comum. Porque êsse é o p ropósito
f i rmado pelo Filho de Deus, para que possamos nos u n i r a �te. Uni-vos
sempre a Deus. U ni-vos, n u m só corpo, a �le, mediante a Mística Comu­
nhão. Em u m a palavra, Vene ráveis i rmãos e amados filhos, u n i-vos nesse,
Celestial Banquete, n essa u n i ão realística com Deus, em que h aveis de
encontrar principaftl1ente Sua Fôrça e Sua Santidade. Recordai-vos daquelas
belíssimas litanias, atribuídas a Santo Torlbio de Mogradado, o primeiro
ramo de flores que a América Católica colocou aos pés d a Mãe de Deus,
para que todos os bons filhos dessa região privilegiada consigam para
o povo c ristão a paz e a salvação. Que a Nossa Bênção sirva para ace­
lerar em vós e para a vossa amantíssima pátria e para todo o mundo,
a hora de Deus, que é a hora d a Paz, baseada n a Verdade, na justiça
e na Caridade. Foi dito, numa frase feliz, que a República do Peru, com
a estupenda e ameníssima diversidade de seus climas, altitudes e pro­
dutos, é quase como um resumo de tôd a a América. Que Deus abençoe
a Nação Peruana e de maneira especial o digníssimo Pastor dessa A rqui­
d iocese, j u ntamente com seu clero, o I lustríssimo Chefe do Estado e seu
1 098 Crônica eclesiástica

Govêrno e tôdas as representações e autoridades, que, com sua presença


quiseram dar realce ao triunfo do Soberano Eucarístico e a todo o ca�
tólico povo peruano. E abençoando a República do Peru , abençôo ao mun­
do inteiro, esperando que, dentro de pouco tempo, os talismãs ardentes
da Caridade contidos apenas pelas Brancas Espécies no vulcão de Amor
da Hóstia Santa, irrompam sôbre a Humanidade inteira e a abrasem,
confundindo � a em um só bloco de Amor e Fé e de Fraternidade Cristãs,
para remédio das nossas dores, para coroamento de nossas esperanças
e para a grande glória de Deus Eucarístico. Amém."

Acta Apostolicre Sedls


A N . C . W. C . ("National Catholic Welfare Conference" ) publicará
doravante nos Estados Unidos a Acta Apostolicre Sedis, boletim oficial
que a Santa Sé publica mensalmente. Ao · comunicar esta notícia o Revmo.
Mons. Michael ]. Ready, Secretário Geral da N . C . W . C . diz : "A situ a­
ção criada pela guerra impôs tão transcendental inovação. O conflito
mundial havia tornado difícil distribui r a Acta Apostolicre Sedis, por cujo
meio a Santa Sé promulga sua legislação oficial para todo o mundo. Para
resolver esta dificuldade tão grave e para manter o mundo católico ade­
quadamente informado, ficou resolvido que doravante se enviará para os
Estados Unidos cada mês ou mais frequentemente, se assim o permitirem
as circunstâncias, uma cópia das Acta, dirigida aos escritórios centrais
da N . C . W. C . �ste exemplar das Acta sera copiado fotostaticamente,
para se garanti r de forma absoluta a fidelidade da reprodução. A
N . C . W . C . aceitou a responsabilidade dêste trabalho, encarregando-se
de distribuir a publicação em um território que, segundo se sabe, inclui
as Américas do Norte, Central e do Sul, Austrália, Africa e China."
A "Acta Apostolicre Sedis" foi fundada por Motupróprio em 1 908,
segundo determinação do então Pontífice Pio X. Em suas páginas publi­
cam-se as Bulas, Constituições, Encíclicas e outros atos do Papa, e, tam­
bém, os decretos das Congregações Romanas. A Enciclopédia Católica faz
notar, em um artigo especial, a imensa importância desta publicação.
Diz assi m : "Quando se trata de legislação eclesiástica, é mister recorrer
às "Acta Apostolicre Sedis", boletim oficial publicado mensalmente em
Roma ; a promulgação das leis, a interpretação autêntica, as decisões e edi­
tais da Cúria Romana entram em vigor ipso facto, ao serem publicados
neste órgão." Ao se referir à "promulgação", que define como "o ato
pelo qual o poder legislativo dá a conhecer suas disposições legislado­
ras às autoridades encarregadas de cumpri-las e, também, aos súditos
obrigados a respeitá-las", a Enciclopédia católica acrescenta : "A constitui­
ção "Promulgandi" de Pio X (29 de setembro de 1 908) dete rminou o
método ordinário de promulgar as leis Pontifícias, isto é, a inserção do
texto da lei nas Acta Apostolicre Sedis (boletim oficial da Santa Sé) ,
depois que esta inserção foi determinada pelo Secretá rio, ou pela auto­
ridade Suprema da Congregação ou do Ofício, por cujo meio o Papa
dá curso à Lei. Segundo um regulamento de 5 de j aneiro de 1 9 1 0, o
boletim oficial da Santa Sé se divide em duas partes : na primeira, ou
oficial, são inseridos todos os docu mentos que requerem a c orrespon­
dente promu lgação para ter fôrça de lei ; na segunda, o que somente
serve para ilustrar e apoiar a primeira."
Revista Eclesiástica Brasilei ra, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 099
Processo de beatificação do Papa In o cê nc io XI
Em sessão recente, a Sagrada Congregação dos Ritos consi derou a
heroicidade das vi rtudes do Venerável Papa I nocêncio X I . Antes de ser
elevado ao y ontificado era Benedito Odescalchi. Nasceu em Como, I tália,
a 1 6 de maio de 1 6 1 1 , e morreu em Roma a 1 1 de agôsto de 1 68:>. Reinou
como Soberano Pontífice no período 1 676- 1 689. Caracterizou-se o pon­
tificado de I nocêncio X I pela luta contra o absol utismo de Luís XIV, de
França. Graças ao seu apêlo, os Estados Alemães e o rei João Sobieski,
da Polônia, auxilia ram Viena, sitiada pelos Tu rcos. I nocêncio XI conser­
vou a pureza da fé e da moral entre os fiéis e o clero, aprovou medidas
quanto à modéstia no traj ar por parte das senhoras de Roma, suprimiu
casas de jôgo na cidade, foi, afinal, exemplo de austeridade de costu­
mes. A causa de sua beatificação foi iniciada pelo Papa Benedito XIV,
e continuada por Clemente XI e Clemente XII, a que vêm se j u n tar agora
. Pio X I I .

Quebec, centro d e cultura católica


Rica em tradição histórica, Quebec é uma das quatro cidades mais
velhas do continente americano e um dos principais centros de cultura
católica do Novo Mundo. Foi nas planícies de Abraão, sôbre o Rio São
Lou renço, que se travou a batalha decisiva entre os franceses e os i n­
glêses, em 1 759. Nos primeiros anos do sécu lo XVI, no lugar onde
hoj e se ergue Quebec estava situada a aldeia índia de Stadacond. Foi aí
que desembarcou Jacques Cartier, em 1 535. Os primeiros padres desceram
à terra em 1 603, mas não foi senão cinco anos depois que foram lan­
çados os fundamentos da atual cidade. De Quebec partiram os heróis
das ordens religiosas que enfrentaram a morte, a fim de converter ao
cristianismo os selvagens. Muitos dêles foram mártires mais tarde cano­
nizados como santos canadenses, entre os quais os jesuítas S. João de
Brebeuf, S. Isaac Jogues, S. Gabriel Lalemant, S. Antônio Daniel, S. Noel
Chabanel, S. René Goupil e S. João de La Lande. Atualmente, existem em
Quebec 23 comunidades religiosas para homens e 38 congregações femi­
ninas. Além disso, a cidade de Quebec é um centro de peregrinação para
os devotos católicos dos Estados Unidos e do Canadá. Em tôda parte,
monumentos, igrejas, capelas, mosteiros e conventos, muitos dos quais
de grande valor histórico, proclamam a religião dominante na g rande ci­
dade canadense. Além disso, nas proximi dades de Quebec se encontra
também o famoso relicário católico de Sainte Anne de Beaupré, que é
conhecido em todo o mundo. Os principais centros católicos de Quebec
são : Hotel Dieu Hospital, o primeiro hospital do Canadá e um dos pri­
meiros da América, fu ndado em 1 639 ; o Convento das Ursulinas, fundado
em 1 639 ; a Universidade Lavai, fundada em 1 852, pelo Padre Lavai, o
primeiro Bispo do Canadá, e a histórica Basílica de Notre Dame. Por
sugestão do Cardeal Rodrigue Villeneuve, A rcebispo de Quebec, foram
feitas preces em tõdas as I grej as da arquidiocese para que a conferência
aliada obtivesse o mais completo êxito. Sua Eminência, o senhor Cardeal
Dom Jean-Marie Rodrigue Villeneuve, A rcebispo Metropolitano de Quebec,
nasceu em Montreal, Canadá, a 2 de novembro de 1 883, foi educado em
Mont St. Louis e mais tarde entrou no "St. Joseph Scholasticate", em
Ottawa. No dia 1 4 de agôsto de 1 901 , entrou nos Oblatos de Maria Ima­
culada, ordenando-se em 25 de maio de 1 907. Em 1 930, foi eleito Bispo
de Gravelbourg, sendo o primeiro Bispo dessa D iocese, que foi criada
pela Santa Sé a 3 1 de j aneiro de 1 930, como sufragãnea da Arquidiocese
1 1 00 Crôn ica eclesiástica

de Regina, na provmc1a de Saskatchewan. A D i ocese de Gravelbou rg tem


uma população reduzida e é u m território de missões. Contava em 1 942
com 29 . 000 católicos, 35 Padres seculares e 23 Padres regulares, sendo
êstes Oblatos de Maria I maculada. Em 28 de dezembro de 1 93 1 , o Bispo
de Gravelbourg foi eleito A rcebispo Metropolitano de Quebec e criado, em
1 3 de março de 1 933, Cardeal-presbítero pelo Papa Pio XI. Governa
agora o Cardeal Dom Rodrigue uma Arquidiocese com uma população
católica de 542 . 427 almas, auxiliado por um Bispo titular e por 1 . 003
Padres seculares. Labutam n a Arquidioce s e 270 sacerdotes regulares.
Além disso, há em Quebec uma universidade católica e 26 i nstituições de
caridade.

Falecimento do Cardeal Vidal y Barraquer


Em 1 4 de setembro p. p. faleceu em Fribu rgo S. Emcia. Revma. Mon­
senhor Francisco de Assis Vida! y B arraquer, Cardeal P resbítero da
Santa I g rej a Romana, do Título de Santa Sabina e Arcebispo de Tarra­
gona, em Espanha. Sua Eminência n asceu em Cambrils, D iocese de Tar­
ragona, aos 3 de outubro de 1 868. Ordenado sacerdote aos 1 7 de se­
tembro de 1 899, foi eleito B ispo Titu lar de Pentaconie em to de no­
vembro de 1 9 1 3 e sagrado na Catedral de Tarragona, pelo Exmo. Mons.
Lopes y Peláez, aos 26 de abril de 1 9 1 4. Em maio de 1 9 1 7 foi eleito
A rcebispo de Tarrago n a e aos 7 de maio de 1 924, criado Cardeal. Recebeu
o barrete em Madri, aos 1 7 de março de 1 924, e o chapéu cardinalício em
Roma, aos 26 de j u n h o do mesmo ano, sob o título de Santa Sabina. Per­
tencia às Sagradas Congregações do Concílio, dos Religiosos, dos Semi­
nários e U n iversidades e d a Fábrica de São Pedro. O Exmo. Cardeal
havia deixado a Espanha após a explosão d a guerra civil espanhola. Com
o falecimento de Sua Eminência o Sacro Colégio fica reduzido a 45 mem­
bros, havendo pois 25 vagas.

Venerável Catal"ina Tekakwita


" Noticias Católicas" informa de Nova York que o decreto sôbre a
heroicidade das vi rtudes da Venerável Catarina Tekakwita, o "lfrio dos
Mohawks" , inclui um resumo de tôda a vida dessa admirável americana.
O Exmo. e Revmo. Mons. Amleto Giovanni Cicognani, Delegado Apostó­
lico nos Estados U n i dos, t ransmitiu ao R. P. John j. Wynne, S. j., Vice­
Postulante da Causa, uma cópia do texto em latim do decreto que, apro­
vado por Sua Santidade o Papa Pio X I I , e firmado pelo Eminentíssi mo
Cardeal Cario Salotti, P refeito da Sagrada Congregação dos Ritos, foi
enviado à Delegação Apostólica dos Estados Unidos.
Revista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezemb ro 1 943 J. 1 0 1

N ECROLOG IA
Monsenhor Conrado J ac a randá .

A diocese de N iterói sofreu no dia 1 1 de setembro, uma dolorosa perda


com o falecimento do seu vigário geral Mons. Con rado j acarandá, que tam­
bém era d i retor do atual Colégio Estadual. Desde muito tempo afastado
das suas ativi dades pela enfermidade que o abateu, o ilustre sacerdote e
mestre teve sempre o confôrto do i nterêsse com que não só os meios cató­
licos, bem como a sociedade de N iterói se p reocuparam pela sua saitde,
sempre se agravando até o momento em que a sua alma foi chamada à
etern idade. As demonstrações de sen timento com que foi acompanhado 0
passamento do vi rtuoso auxiliar da d i reção daquela diocese, seguindo-se
por ocasião do enterramento, p roclamaram bem o alto e merecido ap rêço
em que era tido o Monsenhor jacarandá pelo Govêrno, em meio das elas­
.ses rel igiosas, soci ais e l iterárias do Estado do Rio, onde i;e desenvolve u
todo o seu apostolado sacerdotal, culminando na distinção com que foi es­
colhido vigário geral do Exmo. S r. Bispo Diocesano.
Como p rofessor do antigo I n stituto d a Educação, de que era d i retor,
fica uma l a rga tradição de bondade que soube imprimir à administração
·daquele educandário, fazendo-se estimado de todos, o que sempre aconteceu
em tôdas as posições que ocupava, impregnando-as do seu esp í rito de finura
e amabilidade, em tudo se revelando o sace rdote que soube ser com digni­
d ade. N a sua p rolongada enfermidade deu as m aiore s e mais edificantes
p rovas de resign ação, desprendimento e confiança em Deus. Contava 52 anos
d e existência, tendo sido o rdenado padre em 1 9 1 4.

Pe. Cândido Llsardo de Sousa


Repercutiu dolo rosamente a noticia do falecimento , ocorrido em 8 de
outubro, do Rev. Pe. Cândido Lisardo de Sousa. Desapa recendo a os 56 anos
de i dade, o piedoso ministro de Cristo deixa inúme ras amizades e admira­
dores do seu zêlo apostól ico. N asceu em São Domingos de Mariana, hoje
Diogo de Vascqncelos, filho do cel. V icente Ferre i ra de Sousa, já falecido
e d e d. Maria Cândida de Sousa. Fêz seu s .p rimeiros estudos em Mariana,
em cuj o Seminário se ordenou, em 1 9 1 0. Foi vigário coadjutor em Dioní­
sio e em Santos Dumont, transferindo-se, em seguida, p a ra Ponte N ova,
onde foi capelão do Hosp ital e diretor do I nstituto P ropedêutico. Mais ta r­
de, vigário de Ipanema, transferi u-se em seguida para o Rio. Na Capital
Federal foi capelão d a O rdem 3.• da Penitência e, por fim, ocupou o c a rgo de
vigário de Anchieta. Em todos os l ugares por que passou, o extinto, mercê
de su as boas qual idades de espí rito e coração, foi sempre benquisto e con­
·q uistou verdadeiros amigos, aos quais a sua morte vem trazer p rofun­
do pesar.
Padre Pedro Leio Pais de Andrade
Em 9 de setembro faleceu em Maria Pereira ( Ceará) o Pe. Pedro Leão
.de Andrade. Nasceu em Araripe, a 28 de j un ho, e foi batizado, a 22 de
.agôsto de 1 873, pelo Vigário local, Padre Antônio Alexandrino de Alencar .
.Matri culado no Seminário de Fortaleza, para o qual e ntrou a 1 2 de março
de 1 889, o rdenou-se p resbítero a 30 de novembro d e 1 897, tendo sido seu
-companheiro d e o rdenação o Padre Miguel Xavier de Morais, falecido, re­
pentinamente, a 2 de dezembro de 1 929. O Padre Pedro Leão foi, exclusiva-
J 1 02 N ecrologia

mente e ao longo d e q uatro decên ios, Vigário de Maria Pereira. Provisio­


n ado a 31 de j an e i ro, empossou-se a 27 de fevereiro d e 1 898. Somente quan­
do a p recaridade de sua saúde l h e não permitia a profícua atividade paro­
quial, solicitou e obteve exoneração. Seu sucessor ( Padre Moacir Fernan­
des) nomeado ·a 17 de agôsto, assumiu o exercido a 23 de setemb ro de
1 93 s'. Vindo a falecer, em 9 d e setembro de 1 943, o Padre Pedro Leão mor­
reu setuage n á rio.
D. Macário Schmltt, O. !>. B.
Em 25 de n ovem b ro faleceu em São Paulo o revmo . d . Macá rio
Schmitt, d a O rdem Beneditina. O extinto n asceu n a B aviera aos 8 d e o utu­
bro de 1 862 e sen tindo-se chamado por Deus para a vida religiosa i ngres­
sou na O rdem Beneditina, fazendo o noviciado no Mostei ro d e São Vicen­
te, na Pen nsylva n i a , Estados U n idos. N o Equado r, recebeu a o rdenação sa­
cerdotal em dezemb ro de 1 888. Designado pelos superiores para o Mos­
tei ro Beneditino da Baía, chegou ao B rasil aos 21 d e n ovembro d e 1 898,
entregando-se, desde l ogo, ao apostol ado d e assistên c i a e amparo à j u­
ventude. Mais tarde, transferindo-se p a ra o Moste i ro de São B e n to, d e São
Paulo, n a comp a n h ia do i l u stre e saudoso abade, d . Miguel Kruse - d . Ma­
cário, aqui ree n cetou suas atividades em p rol d a infância de�amparada e,
principalmente , dos m e n i n os vendedores de j o rn a l , to rnando-se, por isto,
q u e ridíssimo e venerado por todos. D e d icou-se, com perseverança, doçura
e entusiasmo, à nobi líssima cruzada, i n stitu i n d o para o s pequenos j o rn a­
lei ros escolas noturnas, o rganizando refeições e p asseios, d a n do-lhes, en­
fim , mais confôrto a p a r d e u m a continuada assistênc i a e sp i ritual. H á q u a­
tro anos que o sr. d. Macário, impedido por pertinaz e n fermidade, encon­
trava-se afastado dos seus trabal hos, intern ado n o suave remanso do Re­
colhimento São Pedro, do Alto das Perdizes, onde Deus o veio colhêr para
d a r-lhe o p rêmio dos seus méritos e virtudes.

Pe. josé Maria Natuzzl, S. J.


Em 2 1 de outubro perdeu o n osso clero uma das suas maiores perso­
nal idades de agora, o Padre josé Maria Natuzzi, S. J . , falecido à tarde no
Col égio Santo I nácio, sace rdote eminente que tan to se impusera à estima
geral pela superior i n tel igência e pel o bel íssim o caráter. Foi um admirá­
vel o rador sacro e tôda a sua vida constituiu um devotar i n i nterrupto ao ser­
viço da nossa Pátria e da I g rej a . Nasceu o ilustre j esuíta aos 1 3 de abril
d e 1 863, em Taranto, n a Itália, sendo seus pais o sr. joão N atuzzi e d . Ca­
tarina Vanafra. Entro u n a Comp a n h i a de jesus em N ápoles, n o ano de 1 880.
Estudou retórica e filosofia em Roma, na U n iversidade G regoriana. Veio ao
B rasil em 1 887, a inda .e scolástico, tendo ensinado no Colégio de ltu. Voltou
à E u ropa p a ra cpmpletar os seus estudos, sendo o rd en ado, em Jersey, n a
I n gl a te rra, a 8 d e setem bro de 1 894. Novamente no Brasil de 1 896 a 1 899,
foi p rofess o r no Colégio de ltu. Depois de fazer o seu terceiro a n o de p ro­
vação, em França, em 1 899, ensi n o u retórica aos estudantes j esuítas n a Casa
d e Fo rmação de Camp a n h a n o Estado d e Min as. O Padre josé Maria N a­
tuzzi desempenhou vá rios ca rgos de grande responsabilidade em sua Ordem.
Foi superior e mestre de noviços em Campanha, reito r do Colégio de Itu e
do Colégio Santo I n ácio. Era um profundo conhecedor do n osso idioma,
o que lhe permitiu ser escritor elega n te, que com a rte l a nçava n o pape?
o fruto da sua enorme erudição. Assíduo colaborador dos n ossos j o rnais,
deixou vários artigos brilhantes. No campo educacio n a l distinguiu-se com<>
p rofessor notáve l , graças a o que contribuiu enormemente para o p repa ro
de numerosos brasileiros hoje personal idades de relêvo. Querido por todos
R evista Eclesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 1 03

que com êle privavam, sem j amais fazer alarde do seu saber, que l he ·p er­
mitiu escrever importantes obras conserv adas em manuscrito pela Compa-
,
nhia de jesus, o Padre josé Maria Natuzzi deixa um claro enorme no seio
do clero e saudade profunda entre os seus incontáveis amigos, sobremodo
abalados com o falecimento, por ainda no dia anterior, pela manhã, o emi­
nente sacerdote aparentar saúde e se encontrar entregue aos seus afazeres.

Pe. francisco Xavier Di�bels, S. J.


N o dia 5 d e setembro faleceu em São Leopoldo, Rio Grande do Sul,
aos 80 anos de idade, o Pe. Francisco Xavier Diebels, da Compan hia de
jesus. Nasceu aos 9 de j ulho de 1 863 em Vechta, Grãoducado d e Oldenbur­
go, como p rimogên ito de doze i rmãos. Depois de cursar os estudos ginasiais
na cidade natal, e ntregou-se por um ano a estudos farmacêuticos. Em 1 88 1
pediu admissão à Companhia d e jesus, !mirando para o Noviciado de Exaeten
n a Holanda. Depois dos estudos filosóficos, trabalhou por dois anos como
prefeito n o Colégio "Stella Matutina", de Feldkirch na Áustria. Ai teve co­
mo discípulo o famoso Von Galen, bispo de Muenster, de cujo punho con­
servava uma carta. Cursou teologia em Ditton Hall na Inglaterra, e o rde­
nado a 25 de fevereiro de 1 893, no ano seguinte embarcava para o B ra­
sil, via Montevidéu, aportando em Pôrto Alegre a 28 de setembro. Aqui ocu­
pou os cargos mais variados; coadj utor da paróquia de São Leopoldo até
1 896, quando entrou para o corpo docente do G inásio Conceição da mesma
cidade. Transferido em 1 899 para o Colégio da cidade do Rio G rande, exer­
ceu além disso o ofício de capelão da Beneficência. Pároco de São Leo­
poldo em 1 904, levou a cabo a construção da matriz, em 1 9 1 0 e n trou para
o Ginásio Anchieta de Pôrto Alegre. Em 1 9 1 4 tornou-se pároco do Carmo
da cidade do Rio Grande. Em 1 9 1 7 exerceu as funções de padre espi ritual
d o Seminário de São Leopoldo. De 1 923 a 1 925 era novamente professor do
G inásio Anchieta ; em 1 925 pároco de São Sebastião do Caí ; em 1 928 mis­
sionário ambulante na região de Cangussll , diocese de Pelotas. Em 1 929
transferiu-se para a Santa Casa de Misericórdia de Pôrto Alegre, trabalhan ­
.
do desvel adamente j unto aos milhares de d oentes que povoam aquêle hos­
pital de caridade, até o ano de 1 933, em que passou para o Ginásio Cata­
rinense de Flori anópolis. Em 1 937 estava como capelão da Santa Casa de
Pelotas. Em 1 940 o Seminário de Santa Maria o acolheu como professo r e ·
padre espiritual dedicando-se n o H ospital d a cidade como capelão, com
a generosidade dos seus j ovens anos. A 23 d e j unho do corrente ano com
séria ameaça de uremia, chegava à Vila Gonzaga, Casa de Sallde dos Pa­
dres jesuítas em São Leopoldo. Escreveu, a conselho dos Superiores, as
memórias de sua vida movimentada e cheia de trabalhos a favor das almas.
Algum tempo antes da morte, percebendo que lhe insinuavam a conveniên­
cia dos ú ltimos Sacramentos, foi logo atal hando a conversa e pedindo a
Extrema U nção. Domingo, dia 5 de setembro, Nosso , Senhor concedeu-lhe
u m trespasse invej ável, sem dúvida em recompensa da sua férvida devoção
ao Sagrado Coração de jesus e do seu zêlo operoso e infatigável pela p ro­
pagação e o rgani zação do Apostolado da Oração. Terminada, a santa Mis­
sa, não sem esfôrço tenaz, próprio do seu temperamento e da sua virtude, en­
quanto purificava o cálice, sentiu-se fraquej ar. O I rmão enfermeiro ampa­
rou-o, aparando o cál ice que caía das mãos venerandas do sacerdote exaus­
to. O fel i z sace rdote, devoto do Sagrado Coração, trazendo no peito o seu
jesus e ainda revestido dos paramentos sagrados, exp i rou placidíssima­
mente naqueles instantes. Feliz coroa de 50 anos de sacerdócio, que pouco
antes festej ara no Seminário de S. Mari a l
t 1 04 Necrologia

A atividade do P. Diebels era animada de zêlo v1v1ss1mo. Em tôda a


parte trabalhou com fervor exemplar, atendendo a todos sem distinção, com
e spírito genuinamente sacerdotal. Era apóstolo da boa imprensa, cuj a im­
portância bem compreendia.

Pe. Celestino Crozet, M. S.


N o dia 22 de novembro faleceu no Rio de janeiro, n a residência dos
Padre s Missionários de N. S. da Salette, o Revmo. Padre Celestino Crozet.
Após longa enfermidade entregou ao Criador sua bela alma êsse intrépido
missionário. Sua Revma. em 1 885 ingressou n a Escola Apostólica dos Mis­
sionários de N. S. da Sal ette. Concl uídos seus estudos ginasiais, vestiu o
santo hábito e recebeu o crucifixo de Missionário em 1 888 e no ano seguin­
te, a 21 de j unho de 1 889, no Santuário d e N. S. da Salette, e reto n a p ró­
p r i a montanha onde apa receu Maria Santíssima fazia seus primei ro s votos
rel igiosos. Ordenado sacerdote em 21 de j unho d e 1 896 embarcou nesse
mesmo ano para os Estados Unidos, onde p rofessou teologia durante 3 anos.
N omeado D i retor Esp i ritual dos Escolásticos salettenses em Roma, em 1 899,
aproveitou o ensej o para formar-se em teologia. Pelos fins de 1 900, voltou
para os Estados Un idos, onde após uns anos de p rofessorado foi nomea­
do vigário de várias importantes p a róquias até 1 9 1 3. Delegado pelos Es­
tados Unidos ao Capítulo Geral da Congregação de N . S. da Salette, em
1 909 e 1 9 1 3, foi nesse tt ltimo ano nomeado representante dessa Congre ga­
ção, junto à Santa Sé. Superior e Diretor do Escolasticado, exerceu êsses
altos cargos até 1 926. Nesses entrementes veio em 1 92 1 ao nosso B rasil n a
qual idade de visitador. EH!ito pelo Capítulo de 1 926 Superior Geral d o s
Missionários de N . S. da Salette, durante os 6 anos d o seu Superiorado des­
envolveu assombrosa atividade. Debaixo do seu govêrno, êsses Missionários
assumi ram a seu cargo mais sete paróqui as, sendo : 1 n a França, 4 nos Es­
tados Un idos, 2 n a Polôn ia, e 1 n a Ingl aterra, e numa ilha d a Africa, a
missão da Sakalavi a ; abri ram também seis n ovas casas, 1 na Itália, 3 n a
França, 1 n o s Estados Unidos e 1 n o Brasil, que é precisamente a <:asa d a
querida Escol a Apostólica brasileira. F o i fundador d a s I rmãs Missionárias
de N. S. da Salette. Desde 1 932, como assistente do Revmo. Superior Geral,
p rosseguiu em beneficiar a Congregação Salettense. O último Capítulo Geral
de 1 938, vendo-l he os braços a vergarem sob o pêso de tão farta mes se
.
ofereceu-l he merecido descanso. Mas o grande Lutador que êle e ra, assim
mesmo repeti u a pal avra de S. Martinho : "non recuso laborem", não recuso
trabalhar e · com tanta insistência que apesar da relutância do Revmo. Pa­
dre Superior Geral, foi-lhe confiado o cargo de Provincial do Brasil.

Pe. Ludovico Kauling, M. S. C.


A Cúria Metropolitana de Campinas fêz publica r . o seguinte aviso : De
o rdem de Sua Excia. Revm a. o Sr. Bispo Diocesano, l evo ao conhecimen­
to de todos a notícia do fal ecimento do Pe. Ludovico Kauling, ocorrido na
madrugada do dia 7 de setembro. Holandês de n ascimento o finado Sacer­
dote, recém-ordenado na Con gregação de Missionários do Sagrado Co­
ração em sua terra· pátria, veio para o B rasil tendo sido Campinas o cam­
po em que o seu zeloso apostolado se exerceu por maior lapso de tempo.
Possu idor de vastíssimos conhecimentos, tanto human ísticos como eclesiás­
ticos, estribados sempre em princípios sólidos e ortodoxos, logrou, du­
rante a vintena de anos em que desenvolveu brilhante e fecundo magis­
tério no Seminário Diocesano, pl asmar, da manei ra mais eficiente, múlti­
plas gerações de Sacerdotes, imprimindo em todos seus alunos sadia men-
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 1 05

talidade e docil idade aos princíp ios católicos. Apesar, porém, de ter sido
dotado de brilhante i ntel igência e cap acidade i ntelectual, Pe. Ludovico, como
verdadeiro sábio, foi um Religioso sincero e p rofundamente humilde, prefe­
rindo sempre a vida oculta e de recol himento, às atividades que poderiam
evidenciar aos olhos do mundo o fulgor de sua e scl arecida ciência.

Padre Miguel Leon SS. CC.


Faleceu no Rio de Janeiro, aos 25 de setembro, o piedoso religioso
dos SS. Corações, Padre Miguel Leon. A morte vei o colhê-lo aos sessenta
anos de i dade, dos quais quarenta e dois dedicados à vida rel igiosa. N a­
tural da Espanha, n asceu em Corella, província de Navarra aos vinte e qua­
tro de fevereiro d e 1 884. Professo u na Congregação dos SS. Corações em
setembro de 1 904, e cantou a Primeira Missa a 21 de setembro de 1 907.
Dois anos depois foi mandado para o México, onde fundou e trabalhou
nas primeiras casas estabelecidas pela congregação naquele país. Durante
os seis anos em que exerceu as atividades apostól icas em terras mexica­
n as, demonstrou q uanto era grande o seu zêlo e amor pela salvação das
almas, aliando a extraordinárias qual idades de sólida virtude a de uma
pr,ivilegiada inteligência. De volta à Espanha, passou cêrca d e vinte anos
entregue à tarefa de educação da j uventude nos afamados colégios que a
Congregação possui nesse país, bem como no exercicio e direção espiritual
das almas. Os o ito últimos anos de sua vida, porém, p assou-os nestas terras
abençoadas de ;> anta Cruz, dedicado ao min istério paroquial, nas Paróquias
de Bebedouro ') B arretos ( Estado de S. Paulo) e, particularmente n a Ma­
triz de Campo ·ararrde ( D . Federal ) , onde, apesar da idade e enfermidade
já decl a rada, trabal hou com incansável dedicação e zêlo, quer n o confessio­
nário, quer no púlpito. Conhecedo r profundo da Sagrada Escritu ra, empol­
gou-o nos últimos anos uma " idéia mater", a qual chegou a ver realizada
com a publ icação da obra de sua autoria denominada "Autos Evangélicos",
o u sej am Quadros Artísticos, representando em cenas o s Evan gelhos do Ano
Litú rgico. São quinze fascículos de perto de cem páginas cada um, que, além
de constituir uma obra completamente original em nossa língua, revel a
quanto o autor amava e conhecia em seus mínimos detalhes o livro por
excelência, a "Sagrada Bíblia". Quinze dias antes de sua morte, os ope­
rários Católicos de Vila Isabel, levaram em cen a um dêsses Autos Evan­
géli cos, intitu lado - "A Sagrada Euca ristia" tendo sido êle convidado pela
Diretoria do Círculo Operário Católico para assistir à representação. O
êxito foi completo e ao terminar aos reiterados pedidos do públ ico e p ro­
l ongadas palmas, embora sempre fugisse de tôda e qualquer exibição, teve
que aceitar o sacrifício de aparecer no palco, onde novas aclamações en­
tusiastas coroaram suas lacônicas mas expressivas pal avras de agradecimen­
to por aquela festinha que constituiu o pórtico de sua entrada no céu. De­
dicou-se também à Boa Imprensa, colaborando com sua pena privilegiada em
diversos órgãos de nossa Imprensa Católica. O ato, porém, mais belo e in­
esqueclvel para todos nós que compartilhamos de seu s derradei ros di as,
foi, sem dt't vida alguma, o de sua mo rte edificante. Aos dezenove de se­
tembro, começou a Comunidade seu Retiro Espiritual, pregado pelo Pe.
Guardião de Santo Antônio do Rio de Janeiro. Quis também comparti lhar
de graça tão singular o saudoso padre, acompanhando com grande fervor
todos os exercicios, sem faltar a um que fôsse. Dia 25, sábado, o último
de sua vida, celebrou, como de costume, às 7,30 da manhã, no altar de S.
josé, o padroeiro d a boa morte. A alegria que manifestou durante o d ia,
embora já há algumas noites viesse sem dormir, era a l go singular. As vinte
1 1 06 Necrologia

horas assisti u e tomou p a rte n a recitação do Santo Têrço, na Bênção do


Santfssimo e canto solene d a Salve Regin a em honra de N. S. da Paz, re­
.fü ando-se da igrej a para descansar, às 2 1 ,20 horas. Uma hora depois sen­
tiu-se mal em v irtude da enferm idade do coração que havia um ano o acom­
panhava ; entretanto, não perdeu a calma e com grande paz de esplrito e
pleno conhecimento recebe u a última absolvição e Santa Extrema Unção
e, rodeado dos caros irmãos e m rel igião, exp i ro u docemente, à s vinte e
três horas do d i a v inte e cinco de setembro de m i l novecentos e q u a renta
e três, n o Convento dos P P . dos SS. Co rações, n a Tij uca, Rio d e janeiro .
N a ta rde do dia seguinte sua Excia. Revma. o S r . Arcebispo Dom Jaime
Câmara, acompanhado de seu secretá rio Cônego Tomás Fontes e do P .
Vi riato Morei ra, teve a gentileza d e dar a última absolvição ao corpo d o
extinto e apresentar pessoalmente suas condolências à Comunidade, pois,
conforme êle mesmo lembrou, foi o p rimeiro padre falecido depois de s u a
posse n a Arquid iocese. - ( P . S. Maria, SS. CC.)

. Pe. Francisco de Assis Semln


Faleceu na freguesia de São Gonçalo de Ubá do Furquim (Acaiac a ) ,
do A rcebispado de Mariana, no dia 2 1 de junho do corrente ano, o vi rtuo­
so sacerdote, cujo nome encima estas linhas. Filho legítimo do professor
Francisco Severino Semin e de D. Francisca de Paula do Monte, j á fale­
cidos : nasceu o exti nto n o lugar denominado Cedro, do município de Pon­
te N ova, a 4 de outubro de 1 886. Fêz o cu rso p rimário na freguesi a de
Bom jesus do Furq u i m e o de p repa ratórios, n o Asilo episcopal de São
josé do Rio Preto. A p rimeiro de outubro de 1 9 1 2, matriculou-se n o Sem i­
nário a rqu iepiscopal de Mariana, onde foi excelente aluno, muito considera­
do de p rofessores, como estimado de condiscípulos. Em 1 9 1 4, foi p ro­
movido à tonsura clerical p a ra, em 1 9 1 5, receber o rdens meno res ; subdia­
conado e diaconado, em 1 9 1 6, e finalmente, o p resbiterado lhe foi con­
ferido e m 10 de abril de 1 9 1 7. Fêz o t i roclnio paroquial na freguesia de
Santa Ana de Ferros, tendo sido depois pároco de São Sebastião de joané­
sia, Rosário de Aliança, Alvinópolis e de São Gonçalo de Ubá do Furquim,
onde faleceu santamente, confortado com os sacramentos d a Igrej a e as­
sistido pelo Padre J aime de Sousa que o acompanhou, rezando-lhe tôdas
as o rações da agon ia. P restou gran des serviços à sua freguesia, levantan­
do-lhe o espfrito religioso por i n cessantes p regações, pelo exemplo que lhe
·
dava n o cumprimento exato de obrigações sacerdotais e cívicas, como ain­
d a por um zêlo e operosidade inquebrável, resultando-lhe a construção de
sua matr.jz e da magnífica Casa Paroquial que lhe deixou, doando-lhe a de
sua p róp ria residência. Os funerais lhe estiveram à altura de merecimen­
tos e v i rtudes de tão exemplar operário do Evangelho, pois, além de uma
grande multidão de fiéis, vindos de todos os recantos da freguesia e das
de sua vizinhança, estiveram também presentes Monsenhor Alipio Odier,
Vigário Geral do Arceb ispado, Cônego Amando Adeus dos Santos ; Padre s
josé Epifânio Gonçalves, vigário de Barra Longa ; Manuel Mendes, vigário
de Rio Doce ; Jaime Antunes de Sousa, vigário de São Caetano de Ma­
riana e Teófilo And rade, tirocinista de Ponte Nova.

Pe. Eduardo Francisco do Patrocínio

Vitimad � por insidiosa moléstia, faleceu em Abre Campo, da A rquidio­


cese de Mariana, o Pe. Eduardo do Patrocínio, em 3 de n ovembro do cor­
rente ano. Desde alguns anos, vinha êsse Sacerdote paroquiando a fre­
guesia acima mencionada com grande zêlo e p roveito espiritual de suas
Revist>a Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 1 07

almas. Natural de ltabira, hoj e Presidente Vargas, a l i nasceu o Padre Eduar­


do a 1 3 de o utubro de 1 879, onde fêz o curso primário, p a ra dep o is se
fn atricula r no Colégio do Caraça p a ra os p repa ratórios que o l eva riam
aos estudos teol ógicos, n o tradicional Seminário d e Mariana, onde se m atri­
culou em seguida. Depois de 4 anos de trabal hosos estudos, recebeu das
venerandas mãos do então A rcebisp o Dom S ilvério, de memória saudosa,
em data de 29 de março de 1 9 1 0 o santo presbiterado,
Paroquiou com m uito zêlo as freguesias de Bom jesus do Amparo,
Alfié, São joão do Morro Grande, da arq uidiocese de Mariana, passando­
se depois, com licença de seu A rcebispo, à Diocese de juiz de Fora, o n de,
por alguns anos, foi vigário de Paula Lima ( Chapéu de U vas) , com re­
gressar finalmente ao seu A rcebispado, p a ra em seguida, ser p rovisio­
nado na freguesi a de Abre Campo, que regeu pelo espaço de 1 3 anos até
sua m orte, tendo ali sido sempre cercado de veneração, cuj a realidade se
viu por ocasião de seus funerais, aos quais compareceram quase todos
seus p a roquianos, além da assistência dos revdos. Padres Antônio P into,
vigário de Santo Antônio do Gram a ; Raimundo Machado, Capelão da San­
ta Casa de Ponte Nova ; Geraldo Maia, vigário de São Pedro de Ferros ;
Padre Antônio Galdino, vigário de Santa Margarida ; josé Guimarães, vi­
gárfo de Matipó e Antônio Russo, Auxiliar do vigário de Santo Antônio do
G rama. E' p a ra se lamentar q u e não deixando parentes próximos, ten h a
s e descuidado êsse p iedoso sacerdote de formular um documento q u e fi­
zesse reverter às o b ras pias, como preceituam os sagrados cânones, o que
lhe proveio de seu beneficio eclesiástico : e que, por fôrça de leis do Pais,
em vigor há de i r para o tesou ro nacional tudo que l h e ficou de bens tem­
porais, sem nenhum merecimento espiritual para sua alma.

Pe. Antônio Maria Hermano Degenhart, M. C. J.


N asceu aos 10 de março de 1 902 em Amsterdão. Fêz a su a profissão
rel igiosa aos 21 de setembro de 1 922. Recebeu a ordenação sacerdotal aos
19 de agôsto de 1 928. Chegou ao B rasil aos 6 de outubro de 1 930. Desde
20 d e j aneiro de 1 940 era Vigário da Paróqu i a de São josé, Campinas, fa­
lecendo aí aos 10 de novembro de 1 943.

A P R E C I A-C Õ E S
lnstltutiones Theologlre Fundamentalls, a uctore ] o s e p h o M o r s, S. ] .
Tomus 1, De Revelatione chrlstlana. -Editôra Vozes Ltda., Petrópolis,
1943, 352 págs.
A s " l nstitutiones Theologire Fundamentalis" abrangem dois volumes.
este primeiro que trata d a divindade d a religião cristã e o segundo que
sairá em b reve, tendo por objeto, os tratados da I grej a e das Fontes
d a rev e l ação.
N ã o h á dúvida q u e o trabalho do Pe. Mors - com a p u b licação
das " l nstitutiones Theologire dogmaticre" , já completas, e agora com
o primeiro tomo das " l nstitutiones Theologire Fundamentalis" - repre-
72
1 1 08 Apreciações

senta u m grande passo n a história de nossa literatura religiosa. Até


então, todos os n ossos manuais eram importados. E' a primeira obra teo­
lógica completa, editada em latim, n o Brasil. Bste trabalho que começou
antes da atual guerra, agora sobretudo se mostra oportuno. E seri a
para desej ar que o exemplo do Pe. Mors fôsse imitado, e outros profes­
sôres elaborassem manuais para as diversas disciplinas do curso ecle­
siástico. Nossos semi nários, mercê divina, contam numerosos recrutas e as
espectativas são bastante alviçareiras, para remover a apreensão da não
saída de l ivros dêste gênero. Sem falar de muitas outras vantagens de
têrmos nossos manuais, feitos por professôres que conhecem nosso meio.
Não podemos recusar ao exímio professor do Seminário Central de
São Leopoldo os mais entusi astas aplausos. Ble os merece por muitos
ti tu los.
Minha apreciação restringe-se ao volume em questão, pois, quanto aos
demais, a nteriormente publicados, tenho dêles vago conhecimento.
O autor distribui a matéria, segu ndo os moldes conhecidos, destacan­
do-se estas três qu estões fu n damentais : a religião em geral, a revelação
ou religião revelada e a revelação cristã. Bste primeiro volume das " l n sti­
tutiones Theologire Fundamentalis" revel a-nos u m verdadeiro conhecedor
da teologia, pela segu rança da doutri na, pelas vistas amplas que abrangem
o vasto campo d a matéria e pela faculdade de síntese que lhe permite
reu n i r, em u m todo orgâ n ico, as d iversas partes estu dadas. E' um trabalho
científico, construido sôbre os sólidos alicerces das fontes teológicas. No
fim de cada questão, são apresentadas e resolvidas as principais dificul­
dades. E tudo isso, n u m latim fácil, sóbrio e fluente. A competência do
mestre é a conclusão que se i mpõe à anál ise do livro.
U m manual entretanto, é sempre u m gênero difícil, dificllimo. Há de
levar em conta tantos elementos, para ser completo, claro, fácil, didático,
que aqui, sobretudo, a perfeição não se alcança em tôda a linha.
A noção de teologia ( pág. 1 3 ) é bastante pobre e mesmo insuficiente,
para que o aluno tenha uma idéia exata desta discipl i n a que é a principal
de seu curso. Seria melhor que o autor desse uma definição téc n ica, e m
têrmos rigorosos e b e m explicados. Em seguida, expusesse o objeto da
teologia. Não é exagêro afirmar que mu itos alunos terminam o curso
sem saber afinal o que é a teologia. Culpa só dêles? . . .
Logo após ( pág. 1 4 ) , o autor diz simplesmente que a teologia se dis­
tingue da disciplina de que vai tratar nas " l nstitutiones Theologire Fun­
damentalis" ; sendo esta última chamada por alguns "apologética", "teolo­
gia dogmática geral", "propedêutica", "dm1trina do conhecimento teológi­
co", "teologia fundamental". "Não é, contudo, nossa disciplina nem· teolo­
gia propriamente dita, nem parte d a teologia" ( pág. 1 4 ) , contin u a o a u­
tor. Não sendo esta a o p i n i ão comum, deveria o autor i ndicar, pelo me­
nos, que outros teólogos pensam diferentemente e teólogos de pêso que
se dedicaram a êste estu do, de modo especial. Citem-se os nomes de
Gardeil 1, Garrigou-Lagrange, Falcon, Maison Neuve.
Eis o que lemos na Revue apologétique ( n ovembro de 1 936) : "La
science apologétique fait partie d e l a théologie ; elle ne doit pas être
conçue comme une recherche de l a vraie réligion, mais comme u n i nventaire
méthodique, systématique de ce qu'on pourrait appeler le sous-sol rationel
1 ) O autor parece Ignorar os trabalhos e o mérito do P e . Gardell, O. P. ,
pois, falando das obras e autores recentes (pág. 40) não o menciona. Els al­
gumas obras do Mestre dominicano que o consagraram no assunto : "La cré­
dlbll ité et l ' apologétlque" , "Le donné révélé et la théologle'' , "La notlon de
I leu théologlq ue" .
Revis�a Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 1 09

de la foi. Quels sont les aspects p a r ou te dogme catho lique se présente


au regard de l a raison saine, comme digne d'être tenu pour vrai ? En
u n mot science des motifs de crédibilité et rien d'autre . . ."

A noção de teologia fundamental ou apologética é sumariamente


desenvolvidq, sem o relêvo que era de esperar. Sobretu d o, o objeto d �
apologética deveria ser focalizado, com tôda a nitidez, à luz dos grandes
mestres. Mostrar-se-i a então a credibilidade como seu obj eto especifico.
Estas noções claras e com pletas, no inicio d e um tratado, são d e uma
importância decisiva.
A págin a 1 6, o autor delineia a história d a teologia. A questão e m
si está bem proposta, j u lgamos, porém, que do ponto de vista didático,
deveria ser simplificada, com indicações gerais e si ntéticas. O estudo da
história d a teologia - e isto verdadeiramente não é mais teologia, mas
u m estudo cientifico, como outro qualquer - figuraria, como e m lugar
próprio, n u m curso à parte.
N a secção 1, é estudada a religião e m geral. N atu ralmente, o ar­
gumento principal, com que se prova a necessidade absoluta da religião
para o homem, é o chamado ontológico que se funda nos supremos direitos
de Deus. Mas u m a questão central e de sumo valor i ndutivo há de ser :
estabelecer o fato u n iversal da religiosidade do homem, man ifestada, por
tôda parte, em todos os tempos e• com os e l ementos objetivos essenciais
da religião : dogma, moral e culto. Ora, a importânci a dêste estudo não
é bastante assinalada e, bem assim, sua interpretação. E o autor relega,
num simples escólio, questões graves, como as explicações do fato reli­
gioso que aparece, à página 57, com o titulo d e "ciência comparada das
religiões". Não que o autor haj a completamente olvidado êstes pontos,
mas a maneira de expor, antes os encobre. E só o teólogo já feito, e
não o simples aluno haveria de deslindar estas questões, repondo-as em seu
lugar, aj uizando de seu valor.
Esta secção 1 termina com duas teses, isto é, a obrigação de pro­
fessar a religião revelada (tese 3, pág. 67) e a certeza prévia que se
deve ter do fato da revelação ( tese 4, pág. 72) . Estas duas teses, logi­
camente, n ão deviam figurar aqu i , pois, não se tendo ainda tratado da
religião revelada, n ão se pode falar da obrigação d e abraçá-la e da
certeza que se deve possui r a seu respeito. Bste estudo v i r i a mui na­
turalmente, na secção I I , onde e ntão é ventilada a questão da revelação
ou religião revelada.
Tratando dos critérios da revel ação, viria ao caso reuni-los em seus
grupos n.a turais, estabelecendo os d iversos métodos apologéticos, em
seguida, realçar sua combinação harmoniosa, com o respectivo papel e
valor, nas diversas etapas da demonstração da credibilidade. E, sobre­
tudo, para a época atual, não seria descabida u m a p a l avra, sôbre o mé­
todo moderno dos imanentistas - em alguns pontos i n aceitável, noutros,
admissível - com que, alguns autores da escola de Blondel procu ram
adaptar-se às tendências psicologistas do homem do século XX.
N a segunda pa rte, para o estudo d a religião cristã, após as fontes
não cristãs, examina o autor as fontes cristãs, a saber, os l ivros do N . T .
Estuda-se, com bastante minúcia, a integridade, a autenticidade e a cre­
dibilidade dos Evangelhos, Atos e Episto las. Eis a i u m a questão, senão
desnecessária, ao menos, encarada com uma amplitude que não tem ra­
zão de ser. O melhor é supor êste tratado já conhecido, deixando-o para
as aulas de Sagrada Escritura. Al iás, não seria a única coisa suposta,
neste tomo, pois, o autor supõe o valor objetivo do conhecimento, a li-
72 •
1 1 10 Apreciações

herdade humana, a existência de u m Deus pessoal (pág. 48) . Ou, então,


falar, brevemente, dos livros do N . T . , contentado-se com afirmar sua
historicidade e consequente valor documentário, para o estudo da religião
de Cristo. ,
Não se vê bem o motivo da disposição das secções I I , I I I, IV, V e
VI da segu nda parte, para demonstrar a divindade da religião cristã.
Não se observa ali, nem ordem cronológica, nem lógica. A cronológica
seria mostrar : 1 ) a preparação da doutrina cristã no A . T. (secção IV) ;
2) o autor desta doutrina que é Cristo, dando testemunho de si (secção
I I ) ; 3 ) a própria excelência da doutrina (secção V ) ; 4) a doutrina dos
Apóstolos (secção I l i ) ; 5) os milagres morais enfim (secção V I ) . E a
ordem lógica poderia constituir-se, por exemplo, estabelecendo, em prim!;!iro
lugar, o fato da revelação cristã (secções II e I V ) , provando, em seguida,
sua divindade (secções V, Ili, V I ) ; ou ainda começar por estabelecer
a divindade da religião de Cristo : 1 ) pela doutrina mesma (secção V) ;
e por seu autor (secção I I ) ; 2) pela sua preparação (secção I V ) ; 3 )
por s u a s consequências (secções I l i e V I ) .
Na parte relativa aos vaticínios d o A . T . , d á o autor a impressão de
querer falar de tôdas as profecias messiânicas. Se assim é, por qqe omi­
tiu o vaticínio de Balaão (Num. XXIV, 1 5- 1 9) e o vaticínio com que
Moisés anuncia o Messias-profeta ( Deut. XVI I I , 1 5- 1 9 ) . Convém notar
que, além das profecias, em sentido estrito, os profetas desempenharam,
na Velha Aliança, outra missão, verdadeiro magistério, de aplicação mui­
to mais frequente e imediata, em preparação à religião cristã. Esta mis­
são, mais importante mesmo que a de predizer o Messias e seu reino, é
mais uma p rova da divindade do cristianismo.
Após estas observações inspi radas pelas diversas · partes da obra, con­
si deremos alguns pontos gerais, mas sob o aspecto de método pedagógico.
1 ) A apresentação tipográfica podia ter sido mais clara, sobrecarre­
gando menos as páginas e pondo, em maior relêvo os títulos. Esta dispo­
sição e ordenação em capítulos, artigos, teses, parágrafos, etc., bem des­
tacados, é um grande auxiliar do aluno e desperta simpatia pela matéria.
2) Não se pode deixar de reclamar uma b ibliografia . Isso faz parte
de todo trabalho científico e é de suma utilidade para os que manuseiam
o l ivro e desej am conhecer as obras congêneres. E não cremos que esta
falha estej a preenchida com a história da teologia, onde se indicam
alguns autores e obras. Antes, a lacuna é tanto mais sensível porquanto
o autor, no desenvolvimento da matéria, é muitíssimo parco em refe­
rências a outros autores e escritos.
3) Num l ivro, como é uma obra teológica, onde, necessariamente, as
referências às fontes da doutrina são numerosas - e deve ser assim -
estas figurariam mais convenientemente, em baixo das páginas. Torna
o conju nto mais harmonioso e facilita a leitura de frases e o sentido
de trechos que não serão cortados com enormes parênteses, repletos de
indicações.
4) Para se ter o verdadeiro pensamento da I grej a, cada tese deveria
ser acompanhada de sua respectiva nota teológica : se de fé, se apenas
teologicamente certa, etc., para se formar uma idéia exata da doutrina
exposta. Talvez haj a o autor, com isto, receado fazer obra teológica ;
ora, não admite que a telogia fu ndamental sej a teologia.
5) As objeções que o autor coloca, após as diversas questões, toma­
ram um desenvolvimento exagerado. Auxiliam a compreender a doutrina,
mas devem ser resu midas, em um manual, que não visa especializar. Se
Revista Eclesiástica B rasileira, vol . 3, fase. 4, dezembro 1 943 1111

elas forem estudadas como matéria de aula, sobrecarregam os alu nos .


se n ã o o forem, sobrecarrega m o l ivro, q u e fica parecendo uma obr�
polêmica. Demais, elas já devem estar resolvidas " i n actu exercito" pois
a doutrina exposta positivamente há de ser suficiente para solucio � a r a �
dificuldades q u e se apresentem.
Conclu i n do estas observações, notamos que elas não empan a m 0 va­
lor real da obra, nem o mérito do a u tor, em quem recon hecemos grande
talento teológico.
Por fim, a Editôra Vozes está a d a r u m testemu nho d e s u a compe­
tênci a para edições latinas. A a u sê n c i a de erros e a perfeição de com­
posição é um fato q u e é sumamente grato a quem escreve e a quem lê.
Isso deve i nspirar confiança aos a u to res que não terão o dissabor de ver
suas obras estragadas com os desp a u térios que frequentemente pulu lam,
quando se confiam aos tipógrafos l ivros o u mesmo simples f rases lati n as.
Pe. D omingos G uglielmelli, C. M .

Vultos Eminentes d o Clero Brasileiro, por T a v a r e s P i n h ã o, da A ca­


dem i a Riograndense de Letras e dos I nstitutos H istóricos de S. Paulo,
P a ra n á e Minas Gerais. - Editôra Vozes Limitada, Petrópolis, 1 943, l
vol. br. de 1 35 X 1 95 mm, 1 75 p. Cr $ 1 0,00.
Prefaciado pelo conhecido clínico e emérito escritor Aloísio de Castro
e precedido de animadoras p a l avras expendidas pelo Exmo. A rcebispo de
Montevidéu, D. Antônio M. B a rbieri, da Academia U ru gu a i a n a de Letras,
êste volume, de agradável arranj o gráfico, apresentado pela Editôra Vo­
zes Limitada, congrega uma série de apreciações e notas biográficas re­
ferentes, sucessivamente, a Anchieta, o "Santo " do B rasil, ao grande
Cardeal D . Sebastiã o Leme, a o pranteado A rcebispo de S. Paulo D . j osé
Gaspar d e Afonseca e Silva, aos Exmos. B ispos D . A lberto josé Gonçalves,
D . Manuel da S i lveir a d' Elboux, D. Néri (o S. Vicente de Paulo, de Cam­
pinas ) , D. Aqu i n o Correia, e aos Revos. Padres j . d e Castro Néri, j oão
B atista d e Carvalho e Cônego D r. Assis B arros. Vê-se por esta e n u meração
que o titulo corresponde com fidelidade a o assunto nêle tratado.
O A utor, a exemplo de Manuel Vítor, de quem cita em epigrafe, no
comêço d a obra, conhecida e magistral página sôbre a vocação sacer­
dotal, é u m escritor católico de n otável merecimento que mostra, n o que
escreve, conhecer e prezar tanto a s u a fé q u anto a s u a língua, d a qual
se serve com segurança e bom gôsto.
Todos os c apítulos dêste livro são i nteressantes p a ra os que tomam
nota das ativid a des múltiplas do abnegado clero nacional, e em todos se
encontram a mostras dignas d e admiração d a eloquência e do estilo dos
s acerdotes estudados. Fazem j us a especial atenção os trechos ali trans­
critos dos discursos de D. Manuel da Si lveira d'Elboux sôbre o amor da
pátria, de D . j osé Gaspar de Afonseca e Silva sôbre os deveres primordiais
d a imprensa católica, e de D . Francisco de Aquino Correia sôbre os B is­
pos Brasileiros. f:ste ú ltimo, conforme o qualifica ardorosamente o Autor
do l ivro, "é u m hino entusiástico de fé", "uma página d e beleza inigua­
lável . . . pelo ótimo sabor histórico q u e ressumbra, pela fé de que é to­
cada, pelo motivo que a i nspira . . . "
De todos os capítulos d o livro, porém, o que mais nos agradou foi o
dedicado à memória de D. Sebastião Leme da Silveira Sintra. Talvez
porque nêle o Autor deixou correr mais l ivremente a s u a p rópria pena
e usou com maior sobriedade do seu habitual recu rso de transcrever longos
tractos dos escritos dos seus homen ageados.
1 1 12 Apreciações

E' esta, portanto, uma obra por vários títulos digna de leitura e que,
de certo, muito há de interessar, em todo o Brasil, áos padres e aos es­
tudantes dos seminários. P. A . Oliveira

Ideais do Apostolado, por Monsenhor j o ã o d e B a r r o s U c h o a . -


Editôra Vozes Limitada, Petrópolis, 1 943, 1 vol. br. de 1 35 X 1 95 mm,
223 p. Cr $ 1 0,00.
X::s te livro, publicado para comemorar o trigésimo aniversário da
ordenação sacerdotal do seu A u tor, compõe-se de escritos diversos publi­
c ados por êste em diferentes o c asiões n o curso da s u a movimentada
existência. Formam êles assi m como uma longa série de i ndisputáveis tes­
temunhos da constância do Autor em pugnar, em todos os tempos e lugares
em que viveu, pela difusão das verdades fu ndamentais do catolicismo, -
pelos seus "ideais do a posto lado".
Os escritos assim reu n idos são, em regra, leves, curtos e correntios.
Nem por isso, n o entanto, são frívolos o u escritos sem cuidado nem arte.
Monsenhor Uchoa escreve, de ordinário, com elegância e c orreção, e, dir­
se-ia que sem esfôrço, com a n aturalidade com que respira. Provavelmente
porque só de boas leitu ras alimenta o seu espírito. Pelo mesmo motivo
e, ainda mais, porq u e é u m sacerdote c atólico, bem formado e cônscio da
sua elevada dignidade, não se entretem a usar levianamente do seu pre­
cioso dom de falar e de escrever, mas só o faz para transmitir aos seus
semelhantes o fruto das suas reflexões, os ensin amentos sempre valiosos
da doutri n a cristã, ou os anelos, as aspirações, os sôbre-saltos, os j ú bi­
los e os entusiasmos de seu generoso coração.
O livro é asim a o mesmo tempo i nteressante e instrutivo, deleitoso
e edificante. Quem ler o primeiro capitulo, por exemplo, - tão verdadeiro,
i ncisivo e proveitoso, - acêrca da "soberania d a i mprensa", passará,
com certeza, a o segundo " U m a cruzada modern a " , - sôbre êsse assunto
de tamanha atualidade : a u rgência da aplicação das doutrinas sociais do
catolicismo n a sociedade moderna, - e dêste seguirá para o terceiro,
sôbre "os legionários de Cristo" e, sem o sentir, em pouco terá percor­
rido o livro todo . . .
Qu isera recomen dar a leitura de u m capitulo especia l d o l ivro, como
amostra do talento do A u tor. Mas não me decido a escolher entre tan­
tos que me parecem merecedores d a escolha. H esito entre os que anotara
p a ra isso : o Esplendor da Caridade, a Missão do Mestre, o Apostolado
Cristão, o Cinquentenário da Rerum Novarum, o discurso de paraninfo : Com
êste sinal vencerás, a eloquente conferência pro1;mnciada em Santiago d o
Chile : Cristo Rei e a Ação Católica, a S a udação aos Novos Médicos Flu­
minenses, a s u bstanciosa e j usta lição sôbre o Mestre I nfalível, a exor­
tação aos soldados n o Congresso Eucarístico de Petrópolis, o u a convin­
cente apologia do trabalho cristão que subordinou a o titulo a propriado :
Per Laborem ad Honorem . . .
Escolha o leitor qualquer u m dêsses, - para começar. Em cada u m
dêles encontrará n a Integra a personalidade vibrante e a rdorosa, ilus­
trada e c ortês de Monsenhor Uchoa. E não poderá deixar de se torn a r u m
admirador e u m amigo, ainda q u e escondido o u distante, dêsse bene­
mérito sacerdote.
Uma palavra p a ra o aspecto material do livro. Está m uito atraente
e agradável, desde a capa, com seu sóbrio e simbólico desenho, até a
Revista Eclesiástica Brasileira, vol . 3, faS<:. 4, dezembro 1 943 1 1 13

parte tipográfica, muito nítida, elegante e moderna. Parabéns por isto


à Editôra Vozes que está galhardamente se emparelhando c �m as me�
lhores do país. P. A . Oliveira

Manual de História Eclesiástica, por B e r n a r d o L 1 o r c a, S. J. _

Editorial Labor, S . A . , Madri, 1 942, 1 vol. enc. de 1 4,5 por 22 cm,


899 págs. Cr $ 1 4 1 ,00.
Bste Manual se destina aos Seminários e demais centros de cultura
superior eclesiástica da Espanha e outros países de língua castelhana. O
Autor procura oferecer matéria abundante e aten der às exigências da critica
sã dos n ossos dias, apresentando as i nvestigações modernas nas d iversas
matérias que se debatem na H i stória Eclesiástica, e dar uma seleção cri­
teriosa da vasta bibliografia existente sôbre cada u m dos assu ntos ex­
postos. O trabalho bibliográfico fôra facilitado ao Autor pela estadia
forçada no estrangeiro, desde que a Rept'1 bl ica Espanhola, em j aneiro de
1 932, dissolveu a Companhia de Jesus. Assim o Autor teve oportu n i dade
de utilizar as excelentes bibliotecas do Estado e U n iversitária de Munique,
e mais tarde a Vaticana. N a redação · d o seu Manual, fruto de longos
anos de prática de ensino, o Autor procurou dar relêvo especial aos as­
suntos que se relacionam com a Espanha, particu larmente a I nquisição,
e o descobrimento e a evangelização do Novo Mundo. Entre as obras
que mais serviço prestaram ao Autor na elaboração do seu livro, são
mencio nados logo n o prefácio os Manuais de Kirsch-Hergen rother, Funk­
Bihlmeyer, Marx e Knopfler, em suas últimas edições alemãs, e no que
concerne à Espanha, as notas sôbre a I grej a espan hola em Mourret-Echalar,
além de Gams, La Fuente, Uncilla e V i l lada. Para as I d a des Antiga e Mé­
dia o Autor utilizou d e um modo particular os volumes publicados das
obras de Boulenger, Pou let e mais recentemente Fliche-Martin. N o louvável
intuito de ser útil aos estudantes de teologia, o Autor deu especi al desenvol­
vimento aos capítulos referentes à H istória literária e à evolução das
escolas teológicas medievais e modernas, podendo êles servir d e guia para
cu rsos especiais que se costumam fazer sôbre esta matéri a em mu itos
seminários. O aspecto gráfico do l ivro é muito atraente. A n osso ver,
êste Manual não devia faltar em nenhum seminário brasileiro como obra
de consulta. Pe. P. Monteiro

Prrelectlonum Bibllcarum
· Compendiam, a uctore P. J o h. Pr a d o,
C . SS . R . Tomus 1 . Propaedeutica. - Editorial EI Perpetu o Socorro,
Madri, 1 943, 272 págs. e 26 figs. Peset. 1 6.
Bste l ivro é a quarta edição da obra iniciada pelo Pe. Simón e que,
pelo esfôrço do infatigável Pe. Prado chegou a ser uma obra mestra
no terreno bíblico. Bste primeiro volume abrange a I n trodução geral, tra­
zendo os tratados sôbre a i nspiração, a canonicidade, a integridade e a
interpretação da Sagrada Escritura. O primeiro tratado se d ivide em
três artigos : a existência d a I nspi ração, sua natureza e seus efeitos. O
terceiro se refere aos textos e versões e traz um interessante capítu lo
. sôbre as traduções para o castelhano e o utras línguas modernas. ( págs.
1 30- 1 37.) Não faltam as leis eclesiásticas vigentes sôbre a leitura da
Bíblia, nem tão-pouco as recomendações papais para ler diariamente um
trecho do Santo Evangelho. Os mapas e gravu ras se referem à geografia
e à arqueologia bíblica, em parte também aos códigos principais em que
se conserva a Palavra divina. O Clero pode congratular-se com o incansável
1 1 14 Apreciações

Autor que não visa outra coisa senão a glória de Deus e a intensificação
dos estudos bíblicos. Oxalá sej am dados à publicidade, num futuro
próximo, os volu mes seguintes. /. St.

Synopsis Evangelica ad usum Scholarum, auctore P. J o h . P r a d o,


C . SS . R . - Editoria l EI Perpetuo Socorro, Madri, 1 943, 239 págs.
Pesct. 20.
Tôdas as obras do douto redentorista se distinguem pela claridade
do estilo e pela consição do pensamento. D isto temos uma prova na pre­
sente obra. Pode parecer não difícil compilar uma sinopse do texto
evangélico. N o entanto, os escritu ristas mais famosos se têm t!sforçado
para estudar os problemas cronológicos relacionados com ela, sem che­
gar a uma opinião u n i forme que o leigo n a matéria j ulga tão fácil. O
Autor não somente traz o texto i ntegral da Vulgata, mas também os
trechos principais do original grego, que às vêzes é indispensável para
a compreensão exata da versão latina. D emais, põe notas críticas ao
pé de cada págin a que visam o mesmo fim. Divide-se a obra em três
partes : Vida escondida de jesus Cristo, Vida Pública, Paixão e Triunfo.
Na segunda secção adota o Autor o segu i nte esquema : o ministério de
Cristo na judéia, princfpios de s u a atividade na Galiléia, viagem a je­
rusalém, continuação e fim do ministério n a Galiléia, viagem a jerusa­
l ém, ministério n a Peré i a e em jerusalém. Duas ilustrações completam
o texto : u m mapa d a Palestina e a cronologia d a Paixão. /. St.

El Salterio en Latin y Castellano. Según la versión de Torres Amat, re­


visado y anotado por Mons. D r. J u a n S t r a u b i n g e r, Professor de
Sagrada Escritura en el Seminario A rquidiocesano de La Plata. Pu­
blicado por los Padres dei Verbo D ivino. - Editorial Guadalupe, Bue­
nos Aires, 1 9 43 , 1 vol. enc. de 1 0 por 1 6 cm, 572 págs. P. 5.
O aparecimento desta obra, primeira em seu gênero nas Américas,
coincide providencialmente com a vontade que acaba de manifestar o
Sumo Pontífice de que "se ponha especial empenh o em entender os sal­
mos." Para êste fim, a S. Congregação Roman a respectiva o rdenou que
e m todos os seminários d a Itália - e assim se fará, sem dúvida, com
o tempo em todos os seminários d o mundo - se estabeleça, para estu­
dar os salmos, um curso especial de dois a nos, visando o mesmo o bj etivo
que inspirou esta edição : preparar os sacerdotes e religiosos, sem excluir
os leigos, para a reta compreensão, exegética e espiritual, do saltério,
que forma a base do B reviário e a medula d a Liturgia. Assim explicado,
o divino Livro dos Sal mos constitui u m tratado de vida esp i ritual, abran­
gendo tudo : doutrin a e conhecimento de Deus ; pregação evangélica ; o ra­
ção, meditação, contemplação ; exercício espiritual e cultivo permanente
do j ardim da nossa alma à luz da fé, d a esperança e da c aridade, cujos
frutos são o gôzo e a santidade n a união com Deus pela graça do seu
amor. N. N.

Cristo e o Mundo atual. Trigésima primeira Carta Pastoral de D. J o ã o


B e c k e r, Arcebispo Metropolitano de Pôrto A legre. - Tipografia do
Centro, S . A . , Pôrto A legre, 1 943, 1 vol. broch., de 1 5,5 por 23 cm,
224 págs.
D. joão Becker tem-se c aracterizado não só pelo brilhante govêrno
de sua Arquidiocese como também pela dedicação e cuidado que tem
Revista E clesiástica B rasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 1 15

dispensado aos p roblemas sociais e polfticos de nossos tempos, proble­


mas êstes que tão de perto atingem a I grej a e a civi lização católica.
Sua Carta .Pastoral, que já está sendo conhecida e comentada em todo
o Brasil, trata j ustamente dos problemas supra citados, atacando-os exa­
tamente n a origem e em sua razão de ser, isto é, de como êles se com­
portam com N. S. jesus Cristo e s ua doutri na. Para tal, D. joão Becker
começa a expôr a doutrina católica sôbre N . S. jesus Cristo e sua San­
tíssima Mãe, seus admiráveis p redicados divinos e de como é Filho de
Deus. Tudo isto acompanhado de inú meras definições de concílios e
dogmas, pelos quais a Santa I grej a tem doutrinado sôbre o assunto. A
Carta P astoral passa em seguida a mostrar as relações entre Nosso
Senhor jesus Cristo e sua doutri na com a humanidade e com cada
homem em particular, tratando dos seguintes assuntos : O estupendo
resultado da doutrina de Cristo ; Cristo modêlo de perfeição moral ; Cristo
e a H u manidade ; idolatria o u cultos reprováveis ; triunfo de Cristo sôbre
o paganismo ; Cristo e a famili a ; Cristo nos Estados ; Cristo e as relações
i nternacionais. A Carta Pastoral atinge o seu clímax, ao tratar da ati­
tude que os catól icos devem tomar p a ra mudar radicalmente o atual es­
tado de coisas e reintegrar Cristo e a I grej a no devido l u ga r na grande
sociedade humana, tal como aconteceu n a I dade Média. O ponto de vista
católico de que, ao mesmo tempo que esmagamos o verme n azista deve­
mos substituí-lo não pelo seu aparente antagon ista, mas na verdade seu
parente p róximo - o comunismo - mas sim por u m catolicismo ar­
dente e vigoroso é magnificamente exposto.
As encíclicas de Leão X I I I , Pio XI e Pio X I I são amplamente cita­
das ao serem comentadas e descritas a Ordem Velha existente n o Mun­
do de hoj e e a Nova Ordem propugnada por Pio X I I , sintetizada em
cinco pontos. A Carta Pastoral termina examinando a situação beli­
gerante do Brasil e a obrigação que toca ao católico brasileiro de com­
bater pela pátria e nos ensinando como nós devemos encarar e suportar
os sofrimentos decorrentes da guerra, isto é, como uma consequência
do pecado original e dos nossos p róprios pecados. N. N.

Os Salvatorianos. Traços biográficos do Fundador da Congregação do


Divino Salvador e H i stória da sua Obra, pelo Pe. P a n c r á c i o
P f e i f f e r, S . D . S . , Superior Geral dos Salvatorianos. - Editôra Vo­
zes Ltda., Petrópolis, R . j . , 1 943, 1 vol. broch., 1 2,5 por 1 8 cm, 1 57
págs. Cr $ 8,00.
A benemérita " Editôra Vozes Ltda. " deu recentemente à publicidade
uma edição portuguêsa do livro "Os Sa lvatorianos", da autoria do Pe.
Pancrncio Pfeiffer, S. D. S . , superior geral da Congregação dos Salvato­
rianos. Há vinte e cinco a nos passados, a 8 de setembro de 1 9 1 8, em
odor de santidade, rendia sua alma a Deus o Padre Francisco Maria d a
C r u z Jordan, Fundador da Congregação do Divi no Salvador. Em come­
moração desta d ata, para honrar a memória do santo fundador de sua
Congregação, os Revmos. Padres Salvatorianos fizeram publicar esta
edição portuguêsa do l ivro citado, que contém traços biográficos e a
história da obra daquele Servo de Deus. O livro ressalta a magnifica per­
sonalidade do fundador da Congregação dos Salvatorianos, mostrando as
suas alevantadas virtudes de apóstolo e o p rograma por êle tr'açado à
atividade de seus filhos espirituais. Tornar conhecido a jesus, Salvador
do Mundo, eis a idéia central dos Salvatorianos, que em pouco �empo
se lançaram por várias partes do globo. O desenvolvimento rápido da
1 1 16 Apreciações
'
Congregação, as suas lutas e trabalhos, o estado atual de suas obras,
tudo isso vemos de maneira positiva no l ivro ora editado em português.
finalmente ainda traz essa obra, em seu último capitulo, u m histórico da
vida dos Salvatorianos do Brasi l. Através das páginas dêsse livro desco­
bre-se a oportunidade de conhecermos mais l argamente a obra desses
pios operários de Cristo, entre as quais ressalta a propagação da de­
voção do Sábado do Sacerdote, que nasceu na própria Congregação do
Divino Salvador. Ainda aos que se interessam de maneira mais especial
pela Congregação dos Salvatorianos, traz o livro instruções sôbre a
admissão naquele instituto, bem como para a Pia União dos Cooperadores
Salvatorianos. N. N.

Compêndio de História Eclesiástica, por D o m B o s c o . Tradução por­


tuguêsa por um Cooperador Salesiano. - Livraria Salesi ana Editôra,
São Paulo, 1 943, 1 vol. cart. de 1 3 por 19 cm, 402 págs. Cr $ 1 2,00.
A Livraria Salesiana Editôra, fiel ao seu lema nunca desmentido de
oferecer à mocidade brasileira l ivros, principalmente d idáticos, seguros
e formativos, acaba de dar à publicidade a "H istória Eclesiástica" de
Dom Bosco. O santo Autor, elevado pela Igrej a às honras dos altares,
dispensa qualquer apresentação. Neste "Compêndio'', intei ramente igual
ao que escreveu o Santo e que se desti na ao curso secundário, está todo
o coração patern al, tôda a alma de escol, tôda a profunda penetração
psicológica e pedagógica do grande Educador do século passado. Em
Apêndice, a Editôra fêz acrescentar uma súmula da atividade dos últimos
cinco Papas : Leão X I I I, Pio X, Bento XV, Pio XI e Pio X I I . E' um belo
l ivro de aula, que j á foi adotado em todos os Colégios Salesianos do
Sul do Brasil, para os alunos do segundo ciclo. A matéria está didatica­
mente bem dividida em épocas, estas em capítulos e parágrafos. A apre­
sentação gráfica é boa. P. S.

Pais de Sacerdotes, por um S a 1 v a t o r i a n o. - Semi nário Salvatoriano,


lndianópolis, São Paulo, 1 943, l vol. broch. de 1 2 por 17 cm, 1 03 págs.
O problema das vocações sacerdotais está intimamente ligado ao da
santificação da familia cristã. Geralmente será bom sacerdote somente
aquêle que tiver herdado da casa paterna o amor de Deus e a energia
moral necessária para os sacrifícios que são inseparáveis da vida do
padre e do desempenho das suas funções. Com o matrimônio sublima-se
ou degenera o sacerdócio. Foram êstes os pensamentos que fizeram sur­
gir êste l ivrinho, que nos apresenta familias verdadeiramente cristãs, sej a
dos tempos remotos sej a da nossa época, em cujo seio nasceram voca­
ções sacerdotais. D. josé Gaspar, o inolvidável Arcebispo de São Paulo,
escreveu para o livrinho a seguinte apresentação : "Com o nobre intuito
de suscitar vocações, ou melhor, preparar ambiente propício para as vo­
cações sacerdotais em nossa terra, onde há tanta necessidade de sacer­
dotes zelosos, doutos e santos, publicam os dedicados Padres Salvato­
rianos estas mimosas páginas que afetuosamente abençoamos e cuja
leitura instantemente recomendamos às familias da Arquidiocese, nutrindo
a esperança de que, por suas vi rtudes e por seus exemplos de vida san­
ta, mereçam a i ncomparável honra de colaborar de modo mais eficiente
na obra máxima da salvação do mundo, promovendo a formação sacer­
dotal de um ou vários dos seus filhos, que Deus lhes reverterá em bên­
çãos, glória e felicidade." M. L.
Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 3, fase. 4, dezembro 1 943 1 1 17

B I BLIOGRAFIA
Esta secção registra a literatura, nas diversas Unguas, das ciências teológicas e
afins, enquanto de lnterêsse para os nossos leitores

FILOSOFIA Krzesinskl, J., Is modem Culture


doomed ? Foreword by Msgr. G.
Boots, P. & C., A Psicognomia ( Ca­ Barry O'Toole. - The Devin-Adair
raterologla ) . - Editôra Vera Cruz, Co., New York, 1943, XIV + 158
Rio, 1943, 432 págs. Ili. Cr $ 30,00. págs. $2 . 00 .
Caballero, Ricardo, Aristoteles, na­ Martins, Mons. Vicente, Escola Nova
turalista, biologo y filosofo. - e Educação Nacional. Edit.
- Facultad de Ciencias Médicas, Fortaleza Ltda., Fortaleza, 1942,
Rosario, 1943, 32 págs. 225 págs.
Eyzagulrre, Jaime, Freud y el ori­ Moncada, L. Cabral, Universalismo
gen de las rellglones. - Ed. Di­ e Individualismo na concepção do
fusión Chilena, Santiago de Chile, Estado. S. Tomás de Aquino. -
1942, 43 págs. Ed. Arménio Amado, Coimbra,
Franca, Pe. Leonel, S. J., Noções de 1943, 66 págs.
História da Filosofia. - Cia Edi­ O'Nelll , M. Albert, O. F. M., L'Hu­
tôra Nacional, São Paulo, 1943, 3.ª manisme chrétien et l'humanisme
ed., 571 págs. tout court. - Culture, Québec,
Gaodet, J. M., Que vaut la chiropra­ junho 1948, págs. 172-195.
tique ? Un exposé slmple et clair Peghalre, Jullen, C. S. Sp. , Un
de son origine et de ses méthodes. sens oubllé, la cogltative, d'aprês
- Edltions Bemard Vailquette, saint Thomas d'Aquln. - Revue
Montréal, 1942, 175 págs. de I'Unlverslté d'Ottawa, 1943,
Gaudron, Edomond, O. F. M., Nation págs. 65-91.
et Etat en observant quelques Plta, E. B., S. J. & Clluentes, J. 1.,
conceptions modernes. - Culture, S. J., El punto de partida de la
set. 1943, págs. 334-357. Filosofia. - Espasa-Calpe, Argen­
Geneat, Jean, S. J., L'ordre concret tina, Buenos Aires, 1941, 103 págs.
au service de l'intelligence et de la Rollm, P. José, O. F. M., O proble­
pédagogle. - L'Ensignement Se­ ma cruciante do Além. - Lisboa,
condaire, 1943, págs. 364-372. 1942, 296 págs .
Grande, Prof. Humberto, A Peda­ Tredlcl, J., Historia de la Filosofia.
gogia no Estado Novo. - Gráfica - Ed. Difuslón, Buenos Aires,
Guarani, Rio de Janeiro, 1941, 1943, 335 págs . $3.-
10!5 págs. Van der Veldt, James, O. F . M . , The
J�urnet, Charles, Vues chrétiennes evo lution and classlfication of
sur la Polltlque. - Editlons Beau­ philoeophical llfe theories.
chemins, Montréal, 1942, 170 págs . Franciscan Studies, St. Bonaven­
Jollvet, R., Les sources de l'ldéa- ture, N. Y . , set . 1943, págs . 277-
llsme. Paris, Desclée, De 305 .
Brouwer, 1936, 222 págs.
Konlnck, Charles de. De la primau­ TEOLOGIA B1BLICA
té du bien comun contre les per­
sonnallstes. Le principe de l'ordre Bover, J. M., S. J., Las Epistolas
nouveau. Préface de Son Eminen­ de San Pablo. - Editorial Bal­
ce le cardinal Vllleneuve, O. M. I., mes, Barcelona, 1940, 392 págs .
archevêque de Québec. - Québec, Coppens, J., The Old Testament and
Editions de l'Unlversité Laval ; the critica. - St. Antony's Guild
Montréal, Ed ltions Fides, 1943, Presa, Paterson, N. J . , 1942, 167
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. Redator : Frei Thomaz Borgmeler O. P. M., Convento dos Franciscanos,


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M a u rer, c a s . 3 1 , _Tuplza. - Brasil : Tipografia do Cen trç, caixa postal 1 080
Pôrlo Alegre, Rio Gr. do S ul. - C O L O M B I A : R . P. Teodoro Wilhelm, Pro­
fessor cio S e m i n á ri o, Cali. - CHI LE : Sr. Miguel S ie b er , Barros Luco 3078,
Sail tfago. - M É X I CO : " B u e n a Pren�a", Apartado 2 1 8 1 , Mé xi co , D. F. -
PAl�A O U A I : Professor O. T a b o r, Méj i c o 473, Assunción. - PERU : R. P.
J u a n Le ugeri ng, c a l l e Ma rco ni, 1 80, Lima, O rrant l a. - URUGUAI : Apos­
tol a d o L i t úr g i c o , Paisa n a ú , 759 , Montevidéo.
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N ão suje a s a c r i s ti a c o m ca rvão de ca rvoar i a !


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<le La P l a ta. órgão bimestral i l ustrado, ú n ico em seu gê n e ro
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A Revista tem por obj eto : Fo m e n ta r a c o m p r e e n são das Sagradas


Escri turas ; promover os estudos e x e g é t i c o s ; orientar para Cristo m ediante
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