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A vida como obra de arte

Fernando Pessoa

Não é para se falar e agir dormindo.

Heráclito

O primeiro passo para pensarmos a possibilidade de uma estetização de existência, na


qual a vida torna-se uma obra de arte, consiste em desconstruir os conceitos tradicionais
de obra e de arte, ligados à produção em artes plásticas, música ou literatura, para
compreender como eles constituem o próprio modo de ser original de vida. Retomando
a interpretação de obra de arte corrente até o século XIX, também o filósofo Friedrich
Nietzsche pensa o conceito de obra de arte de modo ampliado, como concernente a todo
poder-produzir. Como produtores, tanto o artesão quanto o educador são artistas, e
mesmo a natureza é concebida como uma artista: “O mundo como uma obra de arte que
dá à luz a si mesma”1. Obra é o produto da arte, criação, dar à luz. Antes de ser algo
restrito apenas a produção do belo nas belas-artes, obra de arte é o modo de ser de toda
e qualquer produção original, no sentido da criação que faz aparecer o que, antes, não
aparecia, promovendo, assim, “a passagem do não-ser ao ser”. Arte é fazer aparecer,
mostrar – essa é a sua obra, a criação.

A criação, que é obra da arte, não tem uma instância determinada de seu acontecimento,
podendo ocorrer em toda e qualquer fenômeno da vida, em todas as suas produções,
aparecimentos. O que determina a produção como criação, obra de arte, é o modo
original de seu acontecimento, e o que caracteriza a originalidade do acontecimento é o
modo extraordinário de sua ocorrência. O extraordinário é o que está fora, extra, do que
é comum e habitual, do ordinário.

Temos a tendência de, em nossa vida cotidiana, nos acostumar com as interpretações
públicas das coisas e pessoas, deixando de exercer o esforço de compreender e

1
F. Nietzsche. A vontade de poder (aforismo 796). Tradução de Marcos Sinésio P. Fernandes e Francisco
José D. Moraes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.
interpretar por nós mesmos o que é o ente. A repetição cotidiana do mesmo sentido dos
entes promove uma familiaridade na qual somos dispensados de pensar no que fazemos,
no que são as coisas, em quem são as pessoas (nós mesmos). Ao familiar hábito
cotidiano, tanto aquelas quanto essas são igualmente indiferentes, desinteressantes,
ordinárias. Ao contrário dessa apatia, o extraordinário espanta, desperta, aguça e, assim,
nos retira da letargia do ordinário. Extraordinário é o espanto que nos desloca do
comum e habitual, e mostra o mundo, o ente, como criação, obra de arte. Tal
deslocamento corresponde a uma suspensão do modo de ser cotidiano, ordinário,
caracterizado pela familiaridade do hábito e, consequentemente, pela apatia da
indiferença, o desinteresse, suspensão essa que instaura a possibilidade original de
criação do que se é, no sentido de vir a ser inteiramente o que se está sendo, de modo
concentrado e interessado na ação.

Ao contrário da produção habitual, na qual tudo é familiar e, por isso, dominado, a


criação ocorre numa doação de si, que descobre o que deve ser feito ou dito, no próprio
acontecimento, em sua conjuntura existencial; a criação é o que, juntando a conjuntura
de modo original, promove o espanto de ser, o extraordinário da obra de arte. E isso não
apenas na produção do que geralmente se compreende por obras de arte. A criação é
uma possibilidade de toda ação humana, em qualquer de suas produções, ela é a
possibilidade de ser originalmente o que se é, de fazer com interesse, dedicação, amor, o
que se faz. Sim, o amor constitui a dinâmica de criação original, ele é o fundamento da
obra de arte: “O mundo que se tornou perfeito, pelo ‘amor’.”2

Antes de se determinar nos acasalamentos sexuais, amor significa aqui a entrega, a


doação, o interesse e a concentração, a dedicação e empenho em vir a ser o que se é.
Não importa em que instância de nossa vida, tudo que fazemos é possível de ser feito
com apatia ou com amor, o que promove recusa ou doação, indiferença ou interesse.
Sem se limitar ao amor a algo ou alguém, amar é ser perpassado, atravessado, permeado
por si mesmo em sua conjuntura, é o que reúne e articula o sentido de ser, a vida. Tudo
que vivemos tem a possibilidade de ser obra de arte, à medida que, sem nos perder no
esquecimento do ordinário e não sucumbir na sedução de sua indiferença, cuidando de
nosso ser, nos mantemos despertos, assumindo a possibilidade de criar originariamente

2
Idem, ibidem, aforismo 805.
o que somos. Uma tensão existencial com a vida de quem, cuidando para não decair no
ordinário do cotidiano, vem a ser intensamente o que se é; uma doação amorosa de si à
conjuntura que, com imenso interesse, compõe originariamente o que está sendo, o ente.
A vida como obra de arte indica, então, a possibilidade de o homem se apropriar de sua
existência, fazendo-a ser essencialmente isso que ela é, a saber, obra, criação, arte.
Fazer da vida uma obra de arte consiste em buscar sempre ser como se fosse pela
primeira vez, no sentido de, ao contrário de apenas reproduzir uma realidade ordinária,
fazer tudo desde a sua possibilidade originária – ao contrário de reproduzir um já feito,
criar originalmente o que faz, numa entrega que, deixando ser o que se mostra como
mais apropriado, descobre o que é próprio.

O poeta Rainer Maria Rilke, indicando esta possibilidade da vida como obra de arte,
escreveu ao jovem poeta Franz Xavier Kappus: “Se a própria existência cotidiana lhe
parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta
para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar
mesquinho e indiferente.” A indiferença banaliza a realidade, tornando tudo já feito,
dado, pronto, opaco, pobre, mesquinho – ordinário. O contrário da indiferença é o
interesse de quem, com amor, se doa à sua mais plena possibilidade de ser e cria a sua
própria existência conjunturalmente. Fazer da vida uma obra de arte consiste na
disposição de assumir a tarefa existencial de ser no interesse de sua conjuntura e, assim,
reunir, articular e mostrar os nexos originários do que aparece. A vida como obra de arte
se engendra na criação de nossa realidade, do que somos, desde a sua possibilidade
original de ser.

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