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II STOP: C'EST MAGIQVEJ

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Coleção Augusto Boal
TEATRO HOJE
Volume 34

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Stop: C'est Magique!

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Exemplar M .. 27 O9

Capa:
EDuARDo

Diagramação:
ANA. MARIA SILVA DE ARAÚJO

OBRAS DO AUTOR
Revisão:
UMBERTO F. PINTO
MÁRIO ÉLBER DOS S. CUNHA
Teatro do oprimido
DAMI ÃO NASCIMENTO
... _ Ot-
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~a IrQJ Ediciones de La Flor, Buenos Aires


· · Civilização Brasileira, Rio de Janeiro
Gó=.::.l-5 ::> J )O
Centro Brasileiro do Livro, Lisboa
.L ~80 Urizen Books, Nova Iorque
Feltrinelli, Milão
}· \ Suhrkamp Verlag, Frankfurt
Gídlunds Forlag, Estocolmo
Nueva Imagem, México
Maspero, Paris
j) Drama, Dinamarca
Theoria, Grécia
Universidad de Sinaloa, México
Direitos desta edição reservados à
EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
Rua Muniz Barreto, 91/93 200 Exercícios e jogos para o ator e o nã~ator com vontade de
RJO DE JANEIRO - RJ dizer algo através do teatro
Crisis, Buenos Aires
Grupo de Acção Cultural, Lisboa .
1980 Civilização Brasileira, Rio de Janeiro
Maspero, Paris
"' . Impresso no Brasil
Gidlunds Forlag, Estocolmo
Urizen Books, Nova Iorque
Printed in Brazil Nueva Imagem, México
,. .
Universidad de Sinaloa, México

5
Categorias do teatro popular
Técnicas latino-americanas de teatro popular Ediciooes Cepe, Buenos Aires
Edições Centelha, Coimbra
Corregidor, Buenos Aires Revolução 11:1 América do Sul
Hucitec, São Paulo Massao Ohno, São Paulo
Verlag deu Autoren, Frankfurt
Torquemada
Heuschcl Verlag, Berlim Arena conta Tiradentes ( c/ G. Guarnieri)
Casa de Las Américas, Havana Editora Sagarana, São Paulo
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro
Çrónicas de 1mestra América
Codecri, Iüo de J~eiro
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I •
•I
.:
A deliciosa e sangrenta aventura latina de Jane Spitfire, espiá ..
;I
e mulher sensual
Codecri, Rio de Janeiro
Moraes, Lisboa
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Stop: c'est magique!


Hachette, Paris
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro
Gidlunds Forlag, Estocolmo

Murro em ponta de faca


Hucitec, São Paulo

Milagre no Brasil
Editora Plátano, Lisboa
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro

As mulheres de Atenas (e a Tempestade-Caliban)


Editora Plátano, Lisboa

Três Obras (Torquemada, Tio Patinhas e Revolução na América


do Sul)
Edições Noé, Buenos Aires

6
..

Para
Émile Copfermann, Carlos Porto e Sábato Magalcli,
três críticos que, no exercício do seu ofício, ajudaram-me a
desenvolver o meu;
três amigos que, nesta longa viagem, ajudaram-me a mudar de
cidade em cidade, de pa!s em pa!s, do Rio de Janeiro a São Paulo,
da Argentina a Portugal, de Lisboa a Paris.

Para
os meus companheiros que, em Paris, no Centre d'Étude et de
>I
Dlffusion des Techniques Actives d'Expression, ajudaram-me a
' escrever e reescrever este livro, com suas críticas e sua criativi-
dade, para
.I Jean Baptiste Aubertin, Jean-Gabriel Carasso, Nicole Derlon,
ii
f
Anne-Marie Duguet, Huguette Faget, Jean-François Labouverie,
Gérard Lefevre, Claude Miniere, Richard Monod, Margie Nelson,
Martine Peyrot e Catherine de Seynes.

Para
os meus tradutores,
Henry Thorau, Dominique Umann, Régine Mellac, Loreta
Valadares, Marianne Eyre, Inger Holm, Gerd Schottlander, Odile
e Georges McBride, Edgar Quiles, Peter Erichs, João Paranaguá,
Guorgio Ursini, Martha Brill, Annelise Botond, Ulrich Kunzmann,
Charles Driskell, Joanne Pottlitzer, Gerardo Fernandez, George

'
~I Banu, Arne Lundgreen e Loek Zonneveld,
que me ajudam a dizer as mesmas coisas em línguas diferentes,

..
~
!
.,.,
a conversar com gentes que não conheço, a conhecê-las.
·1
Para
1
t Luísa Barreto Leite,
minha primeira professora de teatro,
~I e para
Yan Micbalski,
meu primeiro diretor,
do aluno atento
'
AUGUSTO BoAL

1
-------....------ -

SUMÃRIO

Prefácio de Fernando Peixoto 15

TEATRO DO OPRll\UDO 19
A Especielização e o ofício, a vocação e a linguagem 21
1. Teatto do oprimido: um teatro-limite 23
2 . O conceito de oprimido 25
.3. Opressão e subversão 26
·4 . O espectador oprimido 28

TEATOO..~i.AGEM 31
Sistematização 33
Os Exercícios 34
1. A seqüência do espelho 35
2. A seqüência da modelagem 42
3 . A seqüência da marionete 45
Os Jogos · 46
1. Jogo dos animais 46
2. Jogo das profissões 4·8
3 · Jogo das máscaras dos próprios atores 4.8
4 · Ilustrar uma história contada por outto 48
5. Uma pessoa conta a 'mesma história. A
mesma? 49
6 · A engrenagem 49
As Técnicas da Imagem 49
1 · Ilustrar um tema com o próprio corpo 50
2 · llu_strar um tema com o corpo dos .outtos 55
3 · A unagem de transição ( 0 ·real e o 1deal) 6L
·L A imagem múltipla da opr~~o 62 4. Deve-se chegar a uma solução ou não é
5. A imagem múltipla da felictdade 65 necessário?
6. 68 5. 145
A imagem do próprio grul.'~ . 1 e rito) Deve-se representar o modelo da ação
I • O gesto ritual (código soct ' ~~tua 70 futura ou não?
S. O ritual 75 6. 146
.r Modelo ou antimodelo? Erro ou dúvida? 147
9. Os rituais e as máscaras 78 7. A conduta do coringa
8. Teatralidade ou reflexão 147
TEATRO I:\\'ISÍ\'EL . f d 81 9. A encenação 149
R ' · Teatro Invts v 83 10. A função do aquecimento 150
epenorJo para o . 1 d em frente ao correio 11. 151
1. Rennes: a moça vw a a 85 A função do aror
2 Rennes: 0 "bisrrot" .. 89 12. A cena repetida 152 ·
3.· Rennes.. o supermercado e adapubliodade 91 1.3. O macrocosmo e o microcosmo 153
-t. Pontedera: ainda a pro~~an 93 14. Como se substitui o personagem sem 154
5 . Milão: a propaganda pohuca e a propa- transformá-lo em outro
ganda comercial ,. 93 15. Qual a "boa" opressão? 155
6. Bári: as revistas pornográf~~ d 93 16. Quem pode substituir quem? 155
7. Renoes: o campeonato mun a e 17. Como ensaiar um antimodelo? 156
futebol na Argentina 18. Pode-se permanecer "espectador" numa 158
94
8. Helsíoqui: o suicídio e a solidão 96 sessão de teatro-foro?
9. Hdsínqui: o desemprego 19. Pode um foro mudar de tema? 160
97 20. 161
10. Azay-le-Rideau: o guia do castelo 98 Quando é que termina uma sessão do
11. Bollene: um rápaz quer comprar um vestido teatro do oprimido?
12. Bollene: a solidariedade 98 162
100
13 . Bollene: a solidão e o beijo 101
14. Florença: a mulher com a coleira de
cachorro
103
15. Florença: os casais que se trocam . 106
16 . Florença: o abono
Conclusões 106
107
Os Encontros Invisíveis de Liege 108
TEATRO· FORO
125
Teatro-Foro e Psicodrama
127
1 . A multiplicação 128
2. A extrapolação 130
3 . O caso das duas gêmeas 133
Teatro-Foro: dúvidas e certezas
139
1. Opressão ou agressão?
2. O estilo do modelo
140
143
3. Urgência ou não-urgência? Simples ou
complexo?
144
Contra o Teatro
Autoritário e Manipulador
~ :
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.:.t
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--::' Mais um livro de Boa!: novas propostas concretas, funda-
mentadas numa prática intensa, na procura de um arsenal de
técnicas que facilitem a utilização de determinados aspectos da
linguagem teatral como arma de liberação a serviço de todos os
oprimidos, seja qual for a opressão. Mais um livro de Boal: um
mínimo de elaboração teórica, com a convicção de quem expõe
objetivos e descrição de etapas de um processo de trabalho em
permanente construção, e minuciosas narrativas, escritas com
humor e perspicaz ironia, que explicam jogos e exercícios, já
pomos iniciais de um trabalho que terá etapas sucessivas e
-~~~:
-r-
contínuas, e ainda uma seqüênáa rica de experiências realiza-
das nos mais diferentes países . Inclusive no Brasil, que Boal,
,;.
arualmente residindo em Paris, voltou a visitar em novembro
do ano passado, depois de oito _anos de exílio.
Stop: c'est magique! reafirma os princípios básicos do "tea-
tro do oprimido": contra o teatro concebido, como habitual-
... mente enquanto forma artística autoritária e manipuladora, con-
tra u~a estrutura de espetáculo que obriga o espectador a per-
_

manecer sentado e calado, restando-lhe unicamente a possível li-


berdade de pensar, passivo diante de imagens quase acabadas
do mundo e da sociedade, elaborando um diálogo que supõe. o
silêncio de um dos interlocutores. Boal propõe o contrário, afir-
mando que "espectador" é uma palavra obscena, literalmente
significn "fora de cena" . O teatro do oprimido batalha por
transformar o espectador em protagonista, passando de dobjeto
a sujeito, de vftirna a agente, de consumidor a produtor e cu1-
15
tura; e luta ainda para conseguir que, uma vez tra nsformado, ções reaiso de interna* que sustenta o interesse: é um processo ainda em
espectador tenha melhores condições para ~reênpar~ ~otidiana ~ fase de descoberta, ainda nada desgastado mas também ainda
no co_ntexto verdadeiro d e sua p r6 pna ex.~st oa
. lib ção. Insiste Boal não amadurecido, que se descortina passo a passo. Provoca von-
essenCialmente social, em busca de sua ~ra oprimido, jamais tade de provar. A exposição teórica, recusando uma pedagogia
ern que esta liberação será obra do própn~r apressar esta li- impositiva, é pretensiosa mas saudável, porque abre campo para
será outorgada pelo opressor. Seu ~eatro qu pesquisar dentro de terrenos urgentes e inadiáveis: o teatro do
beração, _suprimindo todos _o~ obs~a.:o:lo mutante significado oprimido implica a própria noção de liberdade, desnuda rela-
Panmdo de uma rev1sao crw d classes Boal propõe um ções de tirania que se escondem num cotidiano que já perde-
do teatro através da história da lta ~o mai~ avançado que a mos, pelo hábito diário, o impulso de questionar. Os variados
novo caminho que afirma ser _ar m:o contrariando inúmeros jogos não são exercícios gratuitos e se destinam primordialmen-
prática teatral de Brecbt, cudJO teatar'rico Pois a proposta de te a fazer do corpo e da inteligência instrumentos de expressão
onsi era ca ·
estudiosos, e1e tarobém c - 0 se detenha em limites do criativa e participante. Os exemplos falam por si (em dois mo-
Boal implica num espectador que nabolir a própria noção de es- mentos, afirma Boal: "Assim foi: eu relato o que vejo" e "Pre-
,. Ele procura a
pensadmento crlttdic?da· que este poderá e deverá agir e atuar, firo não fazer comentários: conto o que vejo") e a descrição dos
pecta or, na me mar em róprio ato da representação ' "encontros invisíveis" de Liege (na Bélgica) instiga o leitor
protestar e transfor ' durante
. o p rópria razão de ser da mes- a partilhar quase a mesma perplexidade experimentada pelos
fazendo desta participação aaluvfa a p Brecht: ele não teria perce- participantes de uma tentativa extrema que lançou os princípios
D f Ç- 0 que Bo az a
ma. a acusa ~Indissoluv
bido oa caráter . , d d o ethos e da dianoia, ação e essenciais do teatro do oprimido nas mãos da justiça. O livro
se transforma numa espécie de atento e despreocupado diário
pensamento. d · "d
Stop: c'est magique! mostra o teatro o opnm_t o como de bordo de uma viagem contraditória por mares de expressão
1.,. teatral nunca dantes navegados.
' tese entre cultura popular e cultura
sm ealid dparaA o povo. Situando-se
d
· da lim"t entre firriio e r
A ' •
a e. s tres tecrucas es- ' Nascido sobretudo a partir da experiência européia, apro-
am no I e -r- · · í 1 f )
cri tas neste livro (teatro-imagem, teatro mvts ve , teatro- oro , fundada principalmente na França, onde Boal trabalha com um
sobretudo se atentarmos para os exemplos contados, atestam i incansável grupo de atares e não-atores no "Centre d'étude et
esta complexa e fascinante articulação. Mas _os pr~essos de tra- l de diffusion des techniques actives d'expression (Méthodes
balho aqui explicitados não pr~tendem a o~adarua de dogmas i Boa!)" (do qual fazem parte, entre outros, intelectuais dos mais
ou regras fixas a serem mecarucame.nte captadas. Boa! estabe- ,) expressivos do teatro francês, como Émile Copfermann e Richard
lece diretrizes básicas, mas uma leitura razoayelmente atenta Monod), Pára! Isso é mágico! chega até nós com seu título ori-
dos exercícios praticados · evidencia que a realida?e . é ~e~p~e
surpreendente e com freqUência faz com ·que as tdétas JruaaJs I ginal mesmo, Stop: c'est magique! Título que tem um significa-
do preciso: nas apresentações da terceira das técnicas aqui des-
se transformem durante o decorrér do ato teatral concreto. Boal
tem o cuidado de precisar que descreve exemplos e~qu?-Dto
exemplos. Já que o essencial é . que qualquer grupo_ soctal J.?te-
I critas, o teatro-foro, uma vez encenada, com todos _os recurs:>s
do bom teatro, uma peça ou uma cena, representaçao que nao
abre mão de sua condição de fonte de prazer estético, qualquer
ressado em pesquisar e aprofundar d~ _f~rma cnattva e _eftcaz
este método terá que posicionar-se truct~ente a parttr ~e
I
~~
dos espectadores presentes pode, a qualquer instante, se não

uma compreensão real das condições "objetJ~as _dentro das qua1s I


respira, escolhendo os temas de seu pr6pno _mteresse, aqueles • Em outros livros de Augusto Boa! amplia-se este conhecimento:
que o oprimem. Para somente assim dar parttda ao esforço de O Teatro do Oprimido (Editora Civilização Brasileira, ~-~. ed.~ 1979) ,
destruí-las. 200 exercícios e jogos para afores e co-atores (Ed. Civ1hzaçao Bra-
sileira, 2.a ed., 1979) e Técnicas latino-americanas de Teatro Popu_lar
Aparentemente um acúmulo desordenado de informações ~Editora Hucitec, SP, 1979). Veja-se também "O Teatro do <?~r~m1d_o
não-sistematizadas, Stop: c'.est magique.' possui uma organicida- mvade a Europa" de Fernando Peixoto em Encontros com a Clvlltlaçao
Brasileira.. n.o 19 _ janeiro 1980.
16
17
aceita o comportamento dos personagens diante das circunstân-
cias propostas na ação, interromper qualquer atar com a e~­
pressão "Stop", passando imediatamente a substituí-lo, assumin-
do assim sua parcela no transcorrer da representação, que se
altera a cada instante, tomando-se, pouco a pouco, a conturba-
da expressão de uma coletividade que discute sua opressão a.
partir da primeira pessoa do plural. Poderá ainda gritar "isso
i
é mágico" se pensar que as soluções que vêm sendo propostas
pelos dem ais são falsas ou irreais ou mistificadoras ou ineficien-
tes o u idealistas. Como afirma Boa!, escolher nada dizer, prefe.
I
i
I

rindo concordar ou omitir-se, já é uma forma de participação.


P ois diante de um trabalho de teatro-foro não existe possibili- l
dade de ninguém manter·se à margem da·· responsabilidade diao· i
te do que assiste. E 'gritar "Stop" já é agir democraticamente, TEATRO DO OPRIMIDO
já é o princípio de um impulso para a transformação. ·I
Existem limites ou equívocos nestas propostas ou experiên·
cias ? Para saber é necessário começar por experimentá-las. O
que já é um principio de esforço de liberação ...
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FERNANDO PEIXOTO ~
São Paulo, 10-05-80 --~I
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18
A ESPECIALIZAÇÃO E O ÜFÍCIO, A VOCAÇÃO E A LINGUAGEM

I Este século já conheceu muitos movimentos de populari-


zação do teatro. Não só aqui na França, como em muitos países
I da Europa, não só nes~~ continente, mas também nas três Amé-
,t ricas, muitos grupos teatrais tentaram, com metodologia· diver-
sa, com processos adequados às suas realidades, "levar o teatro
~ ao povo".
Existia , "o teatro", as "grandes obras da cultura nacional

l
e universal", e essas grandes obras, esse teatro passaram a ser
levados "às camadas menos favorecidas da população", às pes-
soas habitualmente afastadas daquilo a que se chamava "cultu-
ra".
Ampliou-se o mercado dos consumidores da "cultura". Po-
rém a mercadoria continuou a ser a mesma. Em muitos casos,
mercadoria de excelente qualidade; em outros, nem tanto. Às
vezes, era Moliere, Shakespeare, Calderón e Lope, e outros clás-
.sicos que passaram a ser "vulgarizados". E, para que essa "v -
garização" pudesse ser feita, os artistas acreditavam no poder
de compreensão desse novo público e apresentavam seus espe-
táculos da forma como acreditavam que deviam fazê-lo, ou pro-
curavam "facilitar o entendimento", simplificando, fazendo ver-
sões próprias para os menos "cultos", os menos habituados ao
trato com as coisas do espírito ...
Fosse qual fosse sua atitude, tratava-se sempre de mostrar
0 mesmo teatro que era antes oferecido à. burguesia e às classes

21
dominames, o mesmo "patrimôoio da cultura universal", agora .t,
também aos proletários, aos estudantes, aos desempregados, à piente, . como t!Ps/iltatário, como ser passivo (mesmo qua ndo
população em geral. se considera que a passh•idade absoluta não existe!)· Em outra,
Em outros países e outros momentos, outros artistas segui- 0 povo é fundamentalmente criador, produtor.
ram outros caminhos e dedicaram-se sobretudo à criação de uma
nova dramaturgia, de um novo teatro, que tratasse mais espe- Essas duas artes coexistem: para o povo e do povo.
cificamente dos problemas dessas novas platéias. Cliou-se assim, O teatro do oprimido é, entre outras coisas, o resultado do
por exemplo, um teatro proletário, que tratava dos temas e dos encontro entre a cultura popular e a cultura feita para o povo.
interesses da classe proletária. Criou-se, em alguns países, um O teatro do oprimido não foi inventado por uma só pessoa,
teatro camponês, que, igualmente, tratava dos interesses dessa nem por pequenos grupos de pessoas. Não nasceu num determi-
classe. nado momento ou num determinado país. Sempre existiu! As
A revolução assim produzida não foi apenas temática: foi mesmas formas que agora se tornam mais conhecidas e habituais
também uma revolução estética. Os proletários e os camponeses (como, _POr e~emplo, o teatro invisível) existiram desde sempre
(com suas culturas específicas de cada país, época e região) fo- em matizes diferentes, mas de forma essencialmente semelhante.
rllm levados em conta na elaboração de novas linguagens tea- O teatro invisível não nasceu nem na Argentina quando eu e
trais. Quem os levava em conta, porém, eram os artistas, os meu grupo (Machete) começamos a praticá-lo, nem na Alemanha
produtores da obra de arte. Camponeses e proletários continua- dos anos 20, quando formas semelhantes foram intensamente
vam a comumir a obra de arte, embora tivessem passado agora praticadas, nem no teatro da vida de Evreinoff nem no Yuca-
também a inspirá-la. Isto é, a relação continuava intransitiva: o tán, onde índios maias utilizavam formas par~cidas, nem em
artista produz, o espectador consome; o artista fala, o especta- P~te alguma do mundo, em momento algum da história. Tra-
dor escuta. Nesse diálogo muito especial, um dos interlocutores ta-se de ~a ~orma possível de manifestação estética, utilizada.
continuava mudo. Não era diálogo. Era monólogo, e todo mo- com modificaçoes e adequações ao momento e ao lugar, em to-
nólogo é opressivo. dos os lugares e em todos os momentos.
Paralelamente a essa evolução no domínio do teatro, o O que é realmente novo é o que agora estamos tratando
povo continuava a existir, a criar sua própria cultura. No con- de fa:er: uma a~pla sist~m~tização de todas as formas possíveis
fronto com a cultura oficial, no confronto com .os meios de co- o<~;~~<;.>,i>O.i'~"'•· -. a traves das qua1s o opnm.Jdo pode manifestar-se teatralmente.
municação de massa - o rádio, a TV e o cinema - , é evidente :·.-~~~~::~:. ,O que é realmente novo é uma investigação e uma pesquisa,
que a cultura popular (a cultura produzida pelo pr6prio povo e •~ . ,q~; se pretendem. cada vc:z mais amplas e ~r?fundas, de todos
não para o povo) sofreu um recuo, sofreu mesmo uma desvita- ?s processos, técmcas, estilos, formas, exeracros, jogos, que os
lização, um afogamento mimético, ·e foi tremendamente influen- mter-relacionem. Essa sistematização, esse inter-relacionamento
ciada e modificada por essa cultura imposta. · · · essa pesquisa são novos - a isso chámamos, hoje, o teatro d~
Se todas as estações de rádio emitem durante quase. todo oprimido.
<> dia música norte-americana, é difícil que um habitante de
Paris ou de Cuzco, de Teyssiere-Vieux-Villa_ge ou do Rio de
Janeiro, de Nápoles ou do Yucatári, ·não interiorize o ritmo 1. Teatro do oprimido: um teatro-limite
disco. O mesmo aconteceria se todas essas· estações de rádio
passassem ~ divulgar a diablada ~oliviana, a chacarera argentina, Da mesma forma, que o teatro do oprimido é 0 encontro
a cueca chilena ou o samba brasileiro! (e, de certa forma, a smtese) entre a cultura popular e a cultura
Nenhuma cultura se mantém pura. ~ara o P?vo, da mesma forma que se situa nesse exato limite,
Mas os, povos continuam a produzir arte, mesmo se uma situa-se
"' · t
tgualmente
limi" . _ limite de extraordinarta
em outro , · Impor-
·
outra arte e para eles produzida. E essas duas artes são fuo. tanoa. o te entre a /zcçao e a realidade C ·
. traordinário poder din' . . ·. . reio que o ex-
damentalmente d iferentes: numa, o povo intervém como reei- ' a ext.raor ar1a exploszvidade provocados
· por f ormas como o tea1ro mvzszve · · , l ou o teatro-foro devem-se

'22
rio potencial do teatro do oprimido. Isso porque o teatro do
oprimido não é o teatro para o oprimido: é o teatro dde mes-
justamente ao fato de os espetácul~ teatrais desses gêneros se- mo. Não é o teatro no qual o artista interpreta o papel de al-
1C!tn
• simultaneamente• ficção eensaiam
realidade. d
uma peça e teatro mvl-
· · guém que de não é: é o teatro no qual cada um, sendo quem é,
Por exemplo: os atores . uaisquer outroS representa seu próprio papel (isto é, organiza e reorganiza sua
sível Pura ficção· numa sala de ensruos, com0 q vida, analisa suas próprias ações) e tenta descobrir formas de
· · tro preparam seus personagens,
atores de qualquer ou.tro tea ' a como qualquer oum. liberação. Como se cada participante se estranhasse a si mes-
seus diálogos seus movimentos. Uma peç b mo, fosse ao mesmo témpo o analista e o objeto analisado.
• . entado num ar num trem, na
Mas o espetáculo vru ser . reprd dores ~ue não são es-
rua, não importa onde, dtantealie esyecta casualidade que não
~tadores e sim pessoas que estao por ' · 0 2. O conceito de oprimido
sabem tratar-se de teatto {portanto, pessoas para ~s quats
que se apresenta é real, e não teatro). A. m:sma açao, os ~es-
. d firr<>o· agora prauca- O teatro do oprimido não é um teatro de classe. Não é,
mos diálogos quando ensata os, eram ~: · •
dos diante d~ pessoas que não estão adverUdas de que s~dtrdta por exemplo, o teatro proletãriõ. Esse tem como temática os
de uma peça, esses diálogos e essa ação passam a ser rea a e. problemas d.e uma classe em sua totalidade: os problemas pro-
São a realidade. São verdade. · d diz letários. Mas no interior mesmo da classe proletária podem
Após um espetáculo de teatro invisívd, nunca se eve . er ... existir (e evidentemente existem) ,opressões. Pode acontecer
à platéia que se tratava de uma peça de teatro por um~ srm- que essas opressões sejam O · resultado da universalização dos
ples razão: não era mais uma peça de teatro - era a realidade, valores da classe dominante ("As idéias dominantes numa so-
era a verdade era uma ação concreta. Que engendra toda a res- ciedade são as idéias da classe dominante" - Marx). Seja como
ponsabilidade' e todos os perigos de qualquer outr11 aç~o con- for, é evidente que na classe operária podem existir (e existem)
creta, real e verdadeira. . . opressões de homens contra mulheres, de adultos contra jovens,
O mesmo acontece com o teatro-foro. A mesma parUopa· etc. O teatro do oprimido será o teatro também desses oprimi-
ção simultânea da realidade e da ficção. Quando o espectador dos em particular, e não apenas dos P,oletários em geral.
diz • Stop• e entra em cena, substituindo o personagem e ten· Da mesma forma que o teatro do oprimido não é um tea-
tando de mesmo outras formas possíveis de ação, nesse exato tro de classe, igualmente não é um teatro de sexo (feminista,
momento tem a consciência de que está em um teatro (um locil por exemplo), ou nacional, ou de raça, etc., porque também
teatral), de que participa de um jogo - mas sua auto-ativação, nes"ses conjuntos existem opressões. .
seu desejo de extrapolar para a vida real a ação que ensaia no
I
...
espetáculo fazem com que esse ensaio já seja parte da ação a
ser realizada no futuro. Se ele se prepara verdadeiramente para
· Portanto, a melhor definição para o teatro do oprimido
seria a de que se trata do teatro das classes oprimidas e de to-
dos os oprimidos, mesmo no interior dessas classes. Não é o
a ação real, sua preparação já é parte integrante dessa ação.
A mesma coisa poderia ser dita em outros termos, o mes- teatro das classes opressoras, nem dos oprimidos dentro dessas
mo limite ficção-reolidade mostrado em outro exemplo: no tea- classes, porque nesses oprimidos predomina o caráter opressor.
tro do oprimido, cs participantes estão no exato limite entre a Jacqueline Kennedy pode ter sido severamente oprimida por
pessoa e 0 personagem. Se eu i~tervenho numa peça-foro, a peça seus célebres maridos (coisa que sinceramente acredito ter ocor-
apresenta uma situação determmada, re~rese?tada por persona- rido), mas o que mais profundamente caracteriza esse persona-
.,.ias se intervenho, eu o faço por rdentrdade com 0 prota- gem são menos as opressões que sofre do que as que inflige!
gens. n . l . d . rninh . .
gonista, ou por sHnples adna ogta: nos. 01s casos, a Identi- Um operário, ao contrário, no interior de sua família, .pode
dade se confunde com a . o p~otagomsta - e1e, person~gem, e ser o opressor de sua mulher e de seus filhos. Mas o conJunto
eu pessoa somos uma coisa s · de suas atividades sociais estará sempre_marcado prior!tariame~­
' Essa ' identidade, esse limite f(pedssoa-pers ondagem, ficd~ã~- ~e por sua condição de operário, de oprimido. E, creto, o pro-
- a meu ver• a causa un amenta1 o extraor tna-
rea lt'dade ) sao,
25
24 l S I
- - - - - -- - - -

prio estado de sua opressão revelará seu caráter de oprimido- ""A ordem vem d · , .
opressor. . , ritária produz ~aCim:, e pr~so ob:d;~er! , A so?edade auto.
P ara que essa definição se torne mats clara, será necessa-
rio an tes de prosseguir, tentar definir, ou pelo menos delimitar
.autoritária, uma f
Dentro d
·t dagog~ ,a~tontarta, uma hierarquização
aml a_ autontarta, um tearro autoritário!
co~ certa precisão o próprio conceito de oprimido. de opressões eu~ soaeda_de autoritária, produz-se uma cadeia
r Para mim, as palavr~s oprimido e esp~ct~dor são quase si-
}-. ...nônimas. Um diálogo extge pelo menos dots mterlocutores. Os
opressor. É ; ~ se con~olida e se exerce através do oprimido.
salo ~ vassalo- esma cadeia de obediência feudal-suserano X vas-
dois interlocutores são duas pessoas, dois seres humanos, e, sua vez, suseranosuserano
de X vassalo ( em que cada vass aio era, por
como tais, dois sujeitos. Um diálogo comporta a emissão e a quia militar g..- aloutro vassalo), a qual se reproduz na hierar-
recepção de mensagens (verbais, visuais, tácteis, etc.). Um diá- , ~"ler ·coronel-ca "t-
vo, em que cada elo d . ~~ ao-tenente-sargento-soldado-po-
logo supõe a intermitência: cada interlocutor emite enquanto mido que, por sua vez a cadeta e represe~tado por alguém opri-
que o outro recebe, e recebe enquanto o outro emite. A cada te, o qual, por sua ve~ ex_er~e ~ua opressao contra o elo seguin-
momento de um diálogo, um dos interlocutores é atar e o outro, Um diálo 0 ' opnmtdo, também oprime.
espectador. No momento seguinte, o atar se transforma em es- te-se em objeto g Econverte-se em _ monól , ogo, um SUJelto . . conver-
pectador e vice-versa. · .se trata de uma. ve~d~J~:versao~ p~rem, não é definitiva. Não
Nesse diálogo, a palavra espectador não é obscena: signi- tremos), mas de uma atr la. mufzlaçao (a não ser em casos ex-
f ica um dos momentos necessários ao diálogo. Seria impensável É dif' il o ra.
tc reduzir um ho , . -
um diálogo no qual os dois interlocutores falassem constante- ceptor, de passivo de rodem a condiçao de objeto, de re-
mente ao mesmo tempo, emitissem mensagens sem recebê-las. • especta or _ isso d .
nente. E mbora oprimid e manetra perma-
A obscenidade começa quando o diálogo se tr2nsforma em também dialogar pois c o, o especta_dor mantém o impulso de
monólogo, quando um dos interlocutores se especializa em falar tícipação, de co~trib . ~nsedrva a_tr~fl~da sua capacidade de par-
-e o outro em ouvir, um se especializa em emitir mensagens e o L _ U!Çao, e cnat1v1dade A I
""'"'WOmentaneamente a condi - d · que e que assum~
outro, em recebê-las e em obedecer-lhes- um se transforma em ator (seja esse general o çao ef espectador diante de qualquer )
sujeito e o outro, em objeto. ~ U m carater , u pro essor) conserv - b
subversivo um d . d a, nao o stante
Essa relação, na qual um aparente diálogo é, na verdadq onde seu papel é passivo E esejo , e transformar essa relaçã~
um monólogo, existe em toda parte, em todas as relações int::·! . é erse desejo subversivo .qu:s~o'J~a~er /ubversivo é sagrado, e
humanas. Ela existe, ou tende a existir, nas relações professor- pular deve procurar estimular d e~ ro verdadeiramente po-
aluno, pai-filho, marido-mulher (ou vice-versa), sargento:solda- recer, fazer crescer. ' esenvo ver, desatrofiar, amadtt·
do, e assim por diante. Ela se sacraliza na relação atar-especta- Esse caráter subversivo pode ser li ,
dor. É nessa relação que o monólogo atinge seu mais alt.o grau destruir a opressão. Infelizmente pod cana za?o no sentido de
de estratificação, onde o código social se transforma num · ri~al, no sentido de oprimir: o general, . e tambem ser canalizado
e esse nu m verdadeiro rito. ' _J o c ·- oprune o coronel ·
aprtao, que ... que oprime o sold d '.que opnme
Essa relação intransitiva é sempre autoritária, castradora, O assassino Pinochet, por suas pró ria: o,-que opnme o povo.
inibidora, e deve ser destruída em qualquer estrato da socie- nado apenas algumas centenas de c:tfil maos, deve ter assassi-
dade onde se encontrar, na família ou no partido político, na os 50 mil chilenos durante 0 gol en;'s; _mas quem assassinou
escola ou na paróquia, no bairro ou no teatro. os carabineiros, homens que ec P~ asctsta de 1973 foram
.d
~ os.
Uma sacied ade opressora
' onorrucamente
a . , . • sao - tam bém opri-
!lltdo-opressor para poder in tal ' utontana, conta com o opri-
3. Opressão e subversão 0 patrão oprime 0 s ar-se e manter-se.
oprime a esposa, que opri~apat~ilbque oprime o operário, que
Mas todas as sociedades que conhecemos são (ou tendem a sões deve ser redirigida e os. os· · · Essa cadeia de opres-
ser ) autoritárias, e o diálogo que nelas se produz é intransitivo. e não a favor· de em senudo contrário: contra o opressor
, uma nova opressão. Quando 0 oprimido-opres-

/ 26
27
. novo oprimido, ele· reforça todas poderão saltar. Com o homem, por que haveria de ser
sor exerce sua violêncta contra um Quando ao contrário, diferente?
'edade opressora. • . Tudo ac:tuilo que um homem é capaz de fazer, todos os
a estabilidad e d a soct ele inicia um movrmento
. . 1"
dinge sua v1~ :naa . contra o opressor,
wras sociais opressoras. . , :\ :'1" homens são tgualmente capazes. Todas as pessoas podem entre-
de decompostçao dessas estrU d oprimido: inverter a cade?\ :e; .1 gar cartas, até mesmo os carteiros. Todas as pessoas podem en-
Esta é a tarefa d~l teatrfundamente democrática, a part~ l sinar, até mesmo os professores. Todas as pessoas podem curar
de opressões. Uma tan:.ra pro uma ferida, até mesmo os médicos. Todas as pessoas podem
da base. dirigir um país, até mesmo os políticos. Todas as pessoas po-
dem guerrear, até mesmo os soldados. Todas as pessoas podem
escrever, até mesmo os escritores. Todas as pessoas podem falar
4. O espectador oprimido até mesmo os oradores. Todas as pessoas podem fazer teatro, até
mesmo os ateres!
, li um livro sobre um pequeno e quase ex- Essa é uma imagem ideal da sociedade, em que todas as
Tempos atras.. , .
tinto povo da Polmest.a .que
tinha sido recém-descoberto, e em
·alização Todos faziam tudo pessoas podem fazer tudo, até mesmo dirigir essa sociedade! l
cuja sociedade não e.XlSdtla a espeo ário pe.scar os homens e E esse ideal é perigoso! Por isso a sociedade se protege - isto
· Quan 0 era necess • é, as pessoas que nela ocupam posições de privilégio defendem
que era prectso. varo· se era necessário preparar a comida,
as mulheres pesca . • . as todos juntos, preparavam- necessariamente esses privilégios, elas se protegem! E a forma
velhos e velhas, merunos e merun • d de proteger-se é através da consolidação de um statu quo, atra·
na Nos momentos de lazer, todos cantavam e ançavam: v.és da especialização: e os homens se especializam em operá-
. Não acreditei muito nesse livro, que ~~ par~ce~ ?lrus uma nos que devem produzir os bens materiais, em comerciantes
. - d que uma verdadeira análise ctentíftca. Enca-
ob ra de ftcçao o . i1h d . · q~e devem vendê-los, em capitalistas que devem gerir os capi-
· · como trabalho de um runsra marav a o, mas m-
ret-o ma1s d . · tais, em soldados que devem fazer a guerra, em políticos que
capaz de perceber certas sutilezas, do que e um aenosta me- devem conduzir o país e fazer as leis! "O estudante deve estu-
tódico. · d · dar!" - quantas vezes ouvimos essa frase?
Fosse como fosse, o livro narrava l!Dage?s . e uma s~e-
dade feliz, idílica, em que ninguém se espeoaliz~~a em cotsa A especialização, no entanto, conduz à hipertrofia de todos
alguma e todos sabiam fazer tudo que era necessarJo - a paz os elementos necessários ao desenvolvimento da tarefa especí-
e a gu~rra, o trabalho e o 6cio, a prod~ção e o con~o. fica que o indivíduo deve realizar (física e mentalmente ), e
E eu me pus a imaginar como senam nossas soctedades se igualmente conduz à atrofia de todos os elementos (físicos e
fôssemos- se pudéssemos ser- assim. ~ois na verdade todo~ mentais) desnecessários à realização dessa tarefa especifica.
os homens são capazes de fazer tudo aquzlo que u_m ho;ne~. e Os corpos humanos nascem equivalentes, nascem seme-
capaz de fazer. Se um homem é capaz de cantar, tsso stgnilica lhantes, mas · a especialização encarrega-se de diferenciá-los. O
que todos os homens podem cantar. Se um ~on;em é capaz de mesmo acontece com o pensamento.
nadar de pintar, de falar, de saltar, de ractocmar, de somar, Felizmente, hoje em dia, em muitos países, em muitos
isso ~ignifica que todos o~ demais . ser~o capazes de fazer_ o campos da atividade humana, revela-se a tendência à desespe-
mesmo. Os homens não sao todos tguJns, mas certamente sao cialização, a desatrofiar os seres humanos em todas as suas ca-
emelhantes e possuem todos os mesmos atributos. pacidades que, embora não necessárias ao desempenho de suas
s Se um elefante é capaz de fazer determinada coisa, todos tarefas especificas, de sua especialização, ajudem-nos a se de-
Jefantes serão igualmente capazes. ~e uma girafa é capaz senvolver mais plenamente. Começa-se a compreender que curar,
d~ fazer determinada coisa, todas as gtraf~s serão igualmen:e física e mentalmente, não é apanágio da profissão de médico
É certo que um elefante talvez cons1ga correr com mrus ou de psicólogo; que ensinar não é apanágio da profissão de
capa;es: do que outro mas todos poderão correr. Uma girafa Pr?fessor, e que fazer teatro não é apanágio, não é propriedade
eleganoa · d estreza do que as outras, mas
altar com' ma1s p nvada, zona proibida, de acesso restrito aos artistas de teatro.
ta 1vez possa S
29
28
Começa-se a estabelecer a diferença entre vocação e pro-

r:
l
fissão. Vocação teatral, todos nós 2 temos. O tea rro é uma lin-
guagem. entre outras linguagens possíveis. Todos podem utili-
zá-la, todos podem falar nessa linguagem, embora só alguns nela
se especializem.
Seria ridículo pensar que só os oradores podem falar! Que
só os especialistas da palavra têm o direito de usá-la.
Uma das atrofias mais graves de que sofrem os homens
numa sociedade de especialistas é precisamente a atrofia estética.
A atividade estética é imanente a todos os homens, é cons-
tante e não pode ser impedida, como a respiração. Só um morto
não respira - só os mortos não têm atividade estética. Quan-
L do falamos, escolhemos não apenas as palavras que vamos usar, TEATRO-IMAGEM
mas escolhemos também a forma de pronunciá-las . O timbre de
'I !!· •• r voz, o ritmo, a força, a intensidade. As palavras são moduladas
.. esteticamente. _
R. ~stética - eis uma palavra que deve ser urgentemente des-
11 '\. mistificada. O esteta, etimologicamente, é aquele que sente: E
todos nós sentimos, todos nós somos estetas. A comunicação
estética nada mais é do que a comunicação sensorial.
A obra de arte é uma forma particular de comunicação es ·
tética. É a forma fixa, repetida, reproduzível. Se eu falo, grito.
sussurro, estou me comunicando esteticamente sem que por isso
esteja produzindo uma obra de arte. Mas quando canto uma can-
ção, quando organizo a emissão de minha voz em determinada
maneira ( melódica, rítmica, etc.) fixa, então estou produzindo
uma obra de arte.
O teatro do oprimido ocupa-se da comunicação estética em
geral e não de uma de suas formas em particular. Ocupa-se da
comunicação sensorial em geral e, também, mas não particular-
mente, da obra de arte; que é apenas um dos momentos possí-
veis dessa comunicação.
O que pretende este livro, seguindo o mesmo caminho dos
dois que o antecederam (0 'teatro do oprimido e Jogos para ata-
res e ~tão-atares) , é desenvolver formas e técnicas, mostrar ca·
rninhos através dos quais toda e qualquer pessoa, independen-
temente do seu ofício, pode igualmente desenvolver sua vocação
de fazer teatro, utilizar o teatro como linguagem, embora não
seja um especialista nessa forma de comunicação entre os ho-
mens.
Neste livro narro especialmente as experiências que fiz ou
conheci nestes tlltimos dois :mos de atividade na Europa.

30
,·,

Eu digo e redigo que os exercícios do teatro do oprimido já·


o teatro do oprimido, são parte integrante de uma totalida-
Não são meros exercícios de aquecimento, que preparem al-
:;~;.;;_ ~··~~ .... coisa que virá depois: são o início de um processo que se
4 deSenvolve através de etapas sucessivas e contínuas.
·.:!~- - Numa sessão de teatro-foro, os espectadores passam suave-
a.;;>,w<:- mente dos exercícios físicos à -plena participação no espetáculo
- ao aceitarem o primeiro exercício, já aceitaram a tota.
do processo. Não existe solução de continuidade entre
coisa e outra: cada exercício já contém um questionamento !
mnrrn,.,, social do participante, máscara que depende dos ri-
sociais nos quais ele se envolve, rituais que o determinam
e que, em última instância, são analisados, debatidos e questio-
,,~l>~.f<:-:_· nados na imagem, no foro e na extrapolação para a vida real,
através do teatro-invisível, ou de outra forma de ação direta.
E, se isso é verdade para os exercícios em geral, é ainda
~ ·gem.
mais para os exercícios e jogos que fazem pane do teatro-ima-

Aparentemente, é um paradoxo que seja necessário fazer


C:Cerclcios que nos estimulem e nos reensinem a utilizar o sen-
ttdo da visão, certamente aquele que mais usamos na vida co-
tidiana, que mais informações nos traz à consciência. Diz-se mes-
mo que o século xx é o século da imagem. E, pelo menos no
. -que diz respeito à arte, foi neste século que, ao lado do teatro,

33
pintura, escultura, etc., se desenvolveram as novas f<:>rmas artís- imagem tende a des.envolver a linguagem visual, e a introdução
ticas do cinema TV e fotografia. Desenvolveu-se a Imagem em de qualquer out:_a l~n~agem (a palavra, por exemplo) confun-
todas as direç&s e por todos os m_;ios. . de e se ~upe~poe a linguagem que se quer desenvolver. De-
Essa necessidade baseia-se, porem, na enorme diferença que v:m-se evitar .Igualmente os gestos simbólicos óbvios ( ok, sim,
existe entre olhar e ver. Estamos habituados a usar nossos olhos n.ao, etc.), po1s correspondem exatamente às palavras que subs-
para olhar tudo e sempre, mas, em geral, vemos muito pouca utuem.
coisa ... O silên~io .no qual esses exercícios devem ser feitos pode
A publicidade, sobretudo, nos habitua a olhar sem ver.
ser, num prlllle1ro momento, incômodo enervante e até mes-
Habitua-nos a associações de imagem impossíveis, contraditó-
rias, antagônicas , irreconciliáveis. Olhamos o corpo seminu de
I1_1~ cansauvo .. Quan:o maior, porém, for ' a concentração dos par-
uctpa~~es, ma10r o mteresse que despertarão e maior a rique~a
mulheres lindíssimas seduzidas por um jovem musculoso e es-
dos diálogos que se podem estabelecer.
belto que bebe uísque com a garrafa e a marca em primeiro
plano, mas não vemos que o álcool pode, quando n;mito, con- Os exercícios podem ser feitos isoladamente e cada um
duzir à impotência, nunca a excessos de virilidade. Olhamos as tem sua fu~_ç,ão _específica e sua aplicabilidade. Ma;, quando fei-
t~s em. sequenctas _que não são interrompidas, os participantes
duas imagens e fazemos uma associação impossível. Olhamos a
publicidade dos cigarros Kool ("Frio") onde uma loura sedu- sao ~sumulados nao apenas_ por cada exercício específico, mns
tora fuma desbragadamente sobre um background de verdes
tambem . pela tra~tsição de um.._ exerctcio · · ~ e'
. ' · para outro: a transzçao
em s1 mesma' um •ex~rctczo, • · reve1and o-se. em alguns casos, mais'
florestas e cachoeiras refrescantes. . . mas não vemos o caráter
irreconciliável da relação entre nicotina e clorofila. fecun?a qu~ os propnos exercícios entre os quais ela se insere.
Olharr..os um baile de gala, um desfile militar,' a coroação Isso e ..~ar~tcularmente verdadeiro nas três trocas do número 8
na sequenaa do espelho.
de . um novo Papa, mas não vemos que, dissimulados por tantas _
·-- pompas e plumas, estão corpos humanos - cabeça, tronco e
membros - , os mesmos corpos que se dissimulam atrás das
linhas de montagem de uma fábrica, ou nas trincheiras dos ·cam-
1. A seqüéncia do espelho
pos de batalha, ou numa favela.
Estamos habituados a olhar imagens que não nos deixam . Cada mon:ent~ desta seqüência pode durar um, dois. três
ver outras imagens, as quais poderiam passar diferentes ·infor- mm~t?s, ou ate rnats, .dependendo do grau de envolvimento dos
partlctpantes, d~ seu Interesse, da sua unidade ~ dos objetivo~
mações.
O objetivo dos exercícios é o de nos ajudar a ver àquilo do trabalho. O unportante é que eles sejam tão minuciosos, de-
talhados, exatos, descobridores quanto possível.
que olhamos.
Esta é a seqüência completa:

I· a) Espelho simples: - Duas filas de participantes, cada


Os EXERCÍcros .,.. .
. ·.
um olhando para a pessoa que está em frente fixamente olh
no ~lho. As pess~as da fila A são designadas como sujeito~ e a':
da . d zmagens.
. fila B, écomo . O exercício começa e cada su'e't · ·
1 1 o lill-
Existem pelo menos três sequencias principais de exercí- Cla uma s ne e m~:>VliDentos ~ de expressões fisionômicas, que
cios (não excluo outras possíveis) que nos ajudam a ver aquilo devem ser reproduztdos nos mmimos detalhes pela inta em ue
que olhamos: o espelho, a modelagem e a marionete.
Esses exercícios tendem a desenvolver a capacidade de obser- f.
-l:..:-:-
tem em frente. g
O sujeito não deve. :onsiderar-se inimigo da imagem: não
q

vação, através do diálogo visual entre duas ou mais pessoas. Evi- se r:a~ dde uma compettçao, de fazer movimentos bruscos, ilD-
dentemente, em todos os exercícios .e jogos de imagens, fica ex- l :' posstveisrf e· serem
l-..: · seguidos _ trata-se, pelo con trar
, 1·0 , de bus-
cluída a utilização simultânea da linguagem verbal. O teatro- ~ - car n pe etta Slncronização de movimentos e a maior exatidão

35
olha-se nos olhos, roas o resto do corpo, assim coroo outros es-
. . arte da imagem. A paços, está naturalmente incluído no campo visual.
do stt•ettO por p um obser- ,
na reprodução dos gestos de tal ordem que d) Todos se dão as mãos:- Uma vez mais o Coringa adver-
. · - devem ser "gioa os mo- te e em seg-.llda dá o sinal: todos os participantes se dão as
exatidão e a smcromzaçao d distinguir quem on .
. - · apaz e
vador extenor nao seja c od .,... importante que. os movunen- mãos, à direita e à esquerda - as· duas filas, de mãos dadas,
epr uz. L duztdos e mesmo continuam frente a frente, cada um olhando nos olhos do ou-
vimentos . e quem (os ra que possaro ser , repro .,... 1. aualrn,ente .un-
tos seJam lentos par b'm conunuos. L ~ · d tro. Nesta etapa, porém, inclui-se um elemento novo: se até
. ) e taro e , . d"talhes, seJa e
previstos pela zmagem ,. - 0 aos rnínUDOS w aqui a comunicação era exclusivamente visual, agora ela é tam-
reste at_nça bém muscular - cada participante recebe estímulos visuais (do
portante que se .P da fisionomia. .
todo o corpo, seja . . _ Depois de alguns IDI· companheiro que está em frente) e musculares (dos companhei-
. . de zmagem. d ros à direita e à esquerda). Suponhamos que o companheiro em
b) Troca de suJetto e d exercício adverte que as uas
oringa que con uz o "da "dá o sinal para que mu- frente faça um movimento que seja aceito pelos companheiros
nutos, o C f - Em segut , . · de fila (à direita e à esquerda), mas que não possa ser seguido
arão de unçao.. participantes suJeztos trans-
fil as mu d mstante, os f · pelo compartheiro em frente porque os que estão à direita e à
dem . Precisame~te nesse essas naqueles. Isso deve se~ elto sem
esquerda desse impedem-no muscularmente de realizar o mes-
formam-se em zmagens, e precisão. Quando se awge a per-
. ·d ade. e comque estava sendo realiz ado no ·ms- mo gesto ou movimento_. Nesse caso, o participante que iniciou
q uebra de conunw · moVImento o movimento impossível de'{e voltar àtr~s c/ mais rápido que
feição o pr6 pno . se"g uir um rumo coerente, sem
tante da troca deve conunuar
' b, eaaui 0 observador extenor . nao - possa para que a sincronização não se perca, e para que a re-
tura Taro em • ' . produção seja a mais perfei~a possível. Se os movimentos foram
q uebra ' sem rupd - perce · b e houve uma troca - e tsso na
er qu - · lentos e contínuos, haverá sempre u~a consulta . visual e mus·
deve ser capaz e ue a perfeição da reproduçao e a smcro-
verdade ocorre sempre q_ · cular, a qual permitirá que as duas fil~s sejam sempre idênti-
nização gestual são tOtalS. . . cas uma à outra. Uma .será sempre a imagem da ou{fa e, em
. . . -sujeito: _ Alguns mmutos mats cada uma delas, cada ator terá sempre a liberdade de movimen-
c ) Sujezto-dzmagem, zmaogsemparticipantes das duas filas serão tos e a respon,sabilidade (agora dentro dos liinites musculares)
Co . a a verte que d . d,
e. o rmg . e su· eito, e alguns instantes epots . ~ de reproduzir os movimentos do · companheiro em frente ..
simultaneamente ~agem odl A partir daí. os dois parttcl-
. 1
opans~:s r:::
' d .
que tsso se pr uza. '
a face têm O direito de originar qualq_uer mOVliD~~-
, o dever de reproduzir os movunentos ongt-
. e) As duas filas faz~m uma curva: - O Coringa toma um
dos participantes da extremidade de uma das filas e faz com
to que esejem e . · · d nD qu·e ele execute uma curva em U. Muscularmente, esse partici-
nados pelo companheiro. Isso deve· ser fetto sem tzrama . e ... pante atrairá o companheiro _ao lado é toda a fila fará uma
que cada um ~e
nhum dos dois · É absolutamente importante ·· t que sentir curva, sendo sincronicamente seguida pela fila em frente, que
sinta absolutamente livre para fàzer os moVImen os . fará a mesma. curva. Supõe-se que continua · a existir, entre as
.d, ·
l arto para . ,_que os movunentos
vontade, e ao mesmo tempo so_z "b rdade e duas filas, um só e longo espelho. Quando,. para fazer a curva,
do companheiro sejam reproduztdos com perfetçao. Lz : . os participantes de uma fila . se afastam do espelho imaginário, o
solidariedade são indispensáveis para que se faça o ~xercétcto dsem mesmo deve suceder com os participantes da fila em frente.
• - , •• A • gu m eve
tirania, sem opressão. Em toda · esta sequene1a, 010 . _ Quando se aproximam, idem. O máximo que pode ocorrer, ao
fazer movimentos impossíveis de serem reproduztdos. A ve
10
se aproximarem, é que um ator toque fisicamente o ator em
cidade não é importante - é até contraproducente. Importan- frente, mas a linha divisória deve ser respeitada (pois é o es-
tes são a sincronização e a perfeição da 'reprodução: . pelho) e nunca ultrapassada. Os participantes devem continuar
Até este momento, a comunicação é exclusivamente v1sual a se olhar fixamente, olhos nos olhos. O fato de fazerem uma
e a atenção de cada participante deve· concmtrar-se, apenas no curva acrescenta um elemento novo, necessário nesta progressão·
companhetro · em f rente, ~ob retudo nos olhos e ' em cuculos , con-
_ - os atares face a face passam por três etapas até est~ ponto
cemricos em to o o seu
A d cor N-
po. ao se deve olhar pes e maos :
' 37
36
-'"'..:"~..:.::r---------,-----

da seqüência: 1) comunicação visual direta, individual; 2) co-


municação muscular e visual entre cada um e três outras pes- mutável' e a atençao
- e a co h
soas: uma em frente (visão) e duas aos lados (tato); 3) nesta _
e mais intensas É . al nc~ traçao dew•.m ser muito m.,;
etapa, os ateres tomam consciência da totalidade de cada grupo · · l!ru mente un .....ores
mwto, por toda a ;ala. portante que cada dupla evolua
(de cada fila) - isto é, incluem o espaço total do exercício, mas
continuam limitados e determinados pelo contato físico, que . h) Mudam-se os comp h .
cerceia a invenção. nnga deve advertir e d a~ etros: - Por três vezes o Co.
quem de companheiro aNo su:al para que os participantes tro-
f) Os grupos simétricos: - O Coringa adverte e dá o si- lher outro companho:- s. a pr~eu-a vez, cada qual deve esco-
nal para que todos se larguem as mãos. Mas o exercício con- longa transição 1ar-g~a..... o que esteJa próximo. Dado o sinal e sem
tinua, sem interrupção. Agora, libertos do contato manual, mas b , -se o companh · fr '
uscar outro com o ual . , euo em ente e trata-se de
com o espaço incluído no círculo de atenção, os participantes r:umética. Pode acont!er se Ira estabelecer uma mesma relação
tratam de, respeitando sempre a presença de um único espelho lidade, mas isso pode tam~u,e odencontro se dê com grande faci-
que continua a dividir a sala pelo meio, formar com os compa- caso, o ator deve continuar em emorar algum tempo. Em todo
nheiros de seu próprio bando uma imagem coletiva, simétrica. completando e desenvolve d a se mover lenta e continuamente
Pode acontecer que todos os participantes de um bloco organi- o compa nh erro
· anterior at, n o os movimentos que reali zava com'
zem uma só imagem reproduzida pelo bloco em frente (os dois t~oc:, ~ada um deve pr~cur=r encontrar o p~óximo. Na segunda
blocos são simultaneamente su;eitos e imagens: continua a ine- distanci;t média, e na terceir um companheuo que esteja a um·a
xistir a tirania de uma pessoa sobre a outra e, agora, a de um te p_oss~vel, dentro da sala ~ v~z, deve procurar o mais distan-
grupo sobre o outro; continuam a ser necessárias a liberdade e contmmdade, que o ator . - Importante que não se rompa a
---. a solidariedade), como pode também acontecer que cada bloco olhando, de braços cruzados n~o cesse dseus movimentos e fique
se subdivida em vários sub-blocos. É importante, porém, que - o pro'pno . movimento
. ' a· espera
atra , e ver q uem esta, sem par
não se reatomizem em indivíduos isolados; é importante que N Ira o novo po , 1
.. essa parte da seqüência acont s:tve companheiro.
duas ou mais, ou muitas, ou todas as pessoas de cada fila re- P articipantes escolhem o ' ece muitas vezes que do.
produzam, de cada lado, com perfeição e sincronismo, a mesma temp d mesmo companh . d Is
o os ois acreditam q b 1 eiro, e urante algum
imagem. ambos olharem fixamente n~e lbta e eceram contato · mas"' se
g) O espelho se quebra: - Quando o espelho se quebra, (se concentrarem a atenção ~ o fu do companheiro' escolhido
sala dentro. do seu campo óticoos o os, embor~ tenham toda a
voltam-se a formar duplas de companheiros que se olham face correspondzdos ou não. ) , logo perceberao se estão sendo
a face, su;eitos e imagens, que reproduzem perfeita e sincroni-
camente os movimentos iniciados por qualquer dos dois, sem Cada vez que se forma nov . , . .
estabeleça um diálogo fecund a dupla, e Importante que
tirania. Mas agora cada dupla tem seu próprio pedacinho de
espelho, autônomo - já não existe o espelho central que dividia um estude corporalmente, qu~ s::e cd~a participante, que caJ;
a sala em duas, mas pedaços individuais de espelho, espalhados entre o novo companheiro e o r a erença de movivmentos.
sar_ ~apidamente de uma coisa ~ ecedenre. Não se trata de
pela · sala. Cada dupla, dentro da sala, evolui da maneira que
quiser, aproximando-se ou afastando-se do seu pedaço de espe-
e fisicamente, de conhecer. vif;:j
outra, mas de dialogar
lho, rodando, dando voltas, mas sempre mantendo a mesma re- . i) O espelho-deformador· _ .
lação. Nesse momento, cada participante deve aJ.1lpliar sua capa- venu- antes de dar o sinal . O Connga deve sem
cidade de concentração: o companheiro em frente, o espaço, nova etapa. Neste caso dadpoara 9ue a seqüência passepre pre-
· d ' o smal
mas já agora o espaço cambiante, permanentemente modificado panhe!ros
· e uma mesma d up1a modifi ' a relação entre osa com-
uma
pela evolução de cada dupla e de cada pedaço de espelho, não- : aqUI todos os movimentos tod ca-se totalmente Se até
organizado, não-limitado pela presença do grande e longo es-
pelho que se quebrou. O espaço torna-se muito mais dinâmico e
· todos
. .. os ges tos eram reproduzid
~'"'_'!'ente, nesta etapa produz s
'
·a
as as exPressões fisionômicas,
·
os I ent:icarnente mimetic~
'· t dir · - e o comem , · •
• em o etto de fazer o que bem arro, a resposta. Cada um

1
)8 :~~ entender e a cada novo es-

~ ~ ll
:;,...

~Jt.".·
diminui, dcaricatu-a
aumenta,suma micamente. Os dois devem encomrar movimentos rítmicos COr-
• u1 tro respon d e' comenta, · em ' pro uz· -uma porais que sejam agradáveis para ambos. Podem agora ser len-
um oridiculariza,
ri~a o ou destr6 1.' relativrza
mesmo -temp0 em contrapostçao tos ou rápidos, suaves ou enér gicos, simples ou complexos -
~ ' be mas a0 ) o importante é ·que ambos · se ' sintam bem; confortáveis e con-
imagem que rece ' ressão fisionômi:a e a
tentes ao realizá-los, que os movimentos· sejam rítmicos e que
el<t. movimento, exp uase simultaneas e
A imagem (gesto~er sucessivas, mas c~sa e esperar que o mento. sempre os mesmos, que todo o -corpo se ponha em movi-
sejam
resposta não devem de fazer alguma uanro o outro es-
. ,,_ se trata onder enq .
conunuas.f •-.,ao seo-nida resp . pção env1ar e re-
para em ~:>- d sem mterru ' f m) Unificação: - FinalrDente, o Coringa previne e dá o
outro a aça, , . trata-se e, d que se de ormam.
pera: pelo contrari?, ais que se respon e~, el mas a espera, o
sinal para que rodos tentem unificar-se. Tentem - não se trata
ceber mensagens . vtulsu neidade não é posstv ' de obrigação. P ode suceder qtie, no final da seqüência, toda a
a stm ta sala esteja totalmente sincronizada, unificada num mesmo ritmo,
É certo que evitados.
repou num mesmo movimento. · Mas pode também suceder (segunda
so devem ser f - d cr·t' hipótese) que toda a salâ esteja · unificada em ritmos e movi-
D pois da de ormaçao, a ·
. O espelho narcisist~: -da e tentativa de destruição da
~ e~-
mentos complementares; que não são ·os mesmos, mas que · se
. J omentário corrostvof depois da caricatura, o harmonizem. Pode-se ' aindá. 'verificar a terceira hipótese: os di-
uca, o dco companheiro em reodnte, ser um dos momentos mais ferentes grupos não se· unificam e terminam com vários grupos
máscara · · t Esse p e lha no
lh o se torna narctsl~ !· . A ui cada participante se o . e subgrupos repetindo, reriitentes, o próprio ritmo e o ' próprio
riibyimento.' ' · ' · ·
li d de tod a a sequencta. · q em
pe ' que ve• e' a do companheiro

espe~~n;e. tod~
n os se vê belo. Mas a Imag reduzir com a maior exa- · · Essa etapa• final deve · sei: · compreendida da maneira correta:
não · se trata · de competição,· de· 'Í1ÍJpor o próprio movimento aos
e~ão ~estos ~
Cada um deve tentar ::er, a alegria que sente ...;_ ·
ttata~se;
co?sig~ :~s:: ~esto
possível, todos os de quando está feliz por ser demais - n'o máximo, de uma tentativa de sedução.
:uando está bem de felicidade e me ?lho o que se 'pretende é tim . estUdo rítmico dos participantes, " e
quem é. Eu estou fehz, f ~ é minha própria imagem no corpo também unificar o grupo em suas bases mínimas. Isso, · porém,
no espelho: mas o que veJ t mpo a outra pessoa se olha em pode ·revelar-se ·impossíver· Nessa fase, fica evidenciado o grau
de outra pessoa. A_o mes~o e ópri~ feliz, contente -:- ~ou eu de violência, de · explosividlide; de agiessividade de cada com-
. . em mim, ve-se a e a pr. ' lh devo restitUir_ essa ponente· do · grupo; evidencia-se tambéni" o·· grau de co.inpatibili-
ue com meus gestos e movimentos, e
qmtm. ..,,="·-·. 'dade,·· de diálogo, dé capacidade de trabalho conjunto. O Co-
' contentamento. er ringa "deve ter o Cuidado de não obriga'r . ninguém a fazei- coisa
felicidade e esseportugues,
Um poeta • Fernand o Pessoa, escreveu estes v -
alguma, de não manipular o grupo no sentido de, obrigatoria-
sos admiráveis:
_qu~,
··, · mente,. tentar !l unificaçijo, .l'rata-se apenas de verificar, estudar,
· ·.·. · : .e não de Únpor: E preciso cada um .se manifeste livremente
Ninguém a outro ama, para que os resultad<;>s do .estudo sejam verdadeiros.
se não que ama o que d e St há nele, Existe· em toda .essa longa: seqüênda uma grande. variedade
ou é suposto.
de formas visuais de comunicação, mas todas elas têm uma base
comum: o mimetismo ( exceção feita ao "espelho deformador'.',
, .
Essa é a idéia destes exercJCJos: nósó n os buscamos a nós onde o mimetismo embora. existente, não é dominante) . Em
mesmos nos outros, que se buscam em n s. e~tuda-se
toda a seqüência o companheiro para reproduzi-lo, nos
, .
1) O espelho rztmzco: te , nesta
- Suavemenifn
.. busca amorosa
se converte-se em
~ mínimos detalhe; e na maior ,simultaneidade. Já na próxima se-
_qüência, a Modelagem, a .forma de ,diálogo modifica-se total-
de si mesmo n~ u 'o tro o diálogo u tca- ' · mente.
. e se reproduzam m-
monólogo: os dols buscam movunentos qu

40
41
A seqiiéncia da modelagem
vimentos , assuma ~s expre - t· . , .
que eles de . ssoes lSlOnoffilcas ou faça os g
Se no espelho o diálogo era mimético, aqui ele deve ser N seJam que ela faça. • estos
tr:J.duzído. O ator vê o que faz o companheiro e traduz o gesto esse exercício
a cometer da· , comumente, os modeladores são tentado
que vê, modificando o próprio corpo. Não reproduz com o cor. . . 1s erros· primeir d . s
J.rresistivelmente das . , o, o e se reaproxunarem quase
po esse gesto, mas mostra sua conseqüê~tcia. I sso ficará mais
devem tocar f e~tatuas que antes tocavam e agora já não
cbro no desenrolar desta seqüência, bem menor que a anterior. do, a temac;ã:dra f aze-1as compreender o que desejam. segun-
a i O modelador toca o modelo: - Duas filas, cada pesso:~ cá, não é isso _e azerem sinais simbólicos do tipo chega m-a
nao etc É e 'd ~"
di2nte de outra. Uma das filas compõe-se de modeladores e tentação a pio- d, - d. Vl ente que sentem ainda a terceira
· d o 'a todo -custo
eVIta e lC . ,as' q u~ e' a d e fal ar - isso deve ser
outra, de modelos, de estátuas. Começa o exercício e cada mo·
delador começa a trabalhar com a estátua que deseja. Para isso, gem verbal a qual ' Jab que mtroduz com violência a lingua-
toca o corpo da estátua,' cuidando de produzir os efeitos que caso, se a estátua corrarealme rutalmente
- · - VIsual.
a comurucaçao · Nesse
deseja nos seus mínimos detalhes. Os modeladores não podem lador (mas só em '1. nte nao compreende o gesto do mode
usar a linguagem do espelbo, isto é, não podem mostrar no pró- que perceba o qu uelnmo c~so)' esse deve tocar o modelo par;
o m od e1o deve voltar e eà esta. fazendo
- '.e d epo!s,
. necessariamente,
'
prio corpo a imagem ou a figura que gostariam de ver repro-
duzida - aqui não intervém o mimetismo, a reprodução - , 1ador reproduza o m posiçao antenor, a fim de oue o mode
o esmo gesto e q 1 d - -
pois esse não é o diálogo do espelho, mas da modelagem. Por- mesmo efeito, o qual a ue e e, mo elo, reproduza
Os modelos, por s~a gora, ~or certo compreendeu.
tan~o,
_..... é necessário tocar, modelar e, a cada gesto do modelador,
corresponderá um gesto em conseqüência, a cada causa, um efeito J freqüente, que é o de r -~~· sao tentados a cometer um erro

i
Por - 1
. exemp o, se o modelador f
e<UUarem movim -
entos nao-provocados
que não é idêntico. ?\o diálogo dos espelhos, as duas pessoas es·
tão sempre, sincronicamente, fazendo o mesmo gesto; no diá- cmtura, ou de puxá-lo pel baz o gesto de atrair o modelo pe1;
__Jogo da modelagem, ainda que sincronicamente, estarão fazendo caso contrário cometer, o raço, esse deve cair ao solo
fim d ' a o erro de dar -
' gestos complementares. , e restabelecer 0 equiliôrio O ~m passo à frente, a
O Coringa deve su,gerir que esse primeiro exercício dure o re~, não foi provocado. E o m~del mo_:runento da perna, po-
'. duzlr qualquer movimento autô . o nao deve, é lógico, pro-
tempo necessário (dois ou três minutos, ou mesmo muito mais,
dependendo dos participantes, da atmosfera criada, etc.) para i . que ele se aproxime sem cair _!lOmo. ~e. o modelador deseja
que o modelador e· o modelo se compreendam, para que os ges- I~. ao equilíbrio corporal e que 'tre necessar10 que preste atença-o
d · · ' aga um p ' · ·
epOis, cwdando para que o centro d e I?runeuo e o outro
tos do modelador, vistos e sentidos, possam ser facilmente tra- ! -~ -.
duzidos pela estátua. s~ .afaste dos pés e para que o modelo g~~Vlda~e corporal não
válido para qualquer outro m . ao cala. O mesmo é
b) O modelador não toca o modelo: - Nesta segunda par- Plo' .o movunento. OV!mento do m d 1 (
pendular dos braços). n o e o por exem-
te, o Coringa dá o sinal para que os modeladores se afastem nomo, todos devem ser provocado . enhum deve ser· autô-
de seus modelos. Eles devem, porém, continuar a fazer os mes- dor. s, comandados pelo modela-
mos gestos que faziam antes, quando os tocavam. As estátuas
. .
que antes vzam e sentzam esses gestos, agora continuam a ver,
' , . c) Os modeladores espalham-s
CIClo anterior, modelador e m d le pela sala: - Se no
mas já se~ sentir -.devem, no entanto, continuar a responder ob -
struçoes, sempre em linha ret
o e o est f ' exer-
avam ace a face se
mover-se por toda a sala, tomancl' agora os ~odeladores deve:
como se amda os estivessem sentindo, como se os modeladores
ainda continuassem a tocá-las. os rostos de seus modelos J?_
antes o cwdado de m
Assim se produz um modelo a distância. Os modeladores ·
1ocar-se -,:- Isro , na UJieça-0 d overem
e, o modelo - e onde pretendem co-
devem fazer s~mpre os ~~tos realistas, isto é, os gestos que nomos, dnao _P~de procurar ~ ;;:edntd
possui movimentos autô-
na verdade senam necessanos para que a estátua realize os mo- campo e Vlsao. Os modelado ..e~ e a or caso esse saía do seu
movem-se e fazem com que
42

43
trás ' para os lados,
movam seus mo deios, P ara a frente e para
!>!:!
vel, construindo o muro ou modelando o boneco, até que a ta-
para cima e para baixo. d l . _ Afastando-se refa se complete.
um s6 mo e o. erpõem mo-
d) Os modeladores Iazen a sala onde se sup f .. · ncia
1 A seguir, outro ator inventa uma nova tarefa, que pode
incluir um ou mais seres vivos : lavar um elefante no jardim
o mais possíve1 e d entrO de de um
a visibu·d d é commodelos
I a e
reque uns
zoológico, cuidar das crianças numa creche, operar um doente
deles e modeladoresd, on tentam relacionular.fseuse procurando
obstrm'd a, os modelad ores um so, mo_delo m tl orm ' no hospital, etc. Os demais observam-no, nos mínimos detalhes,
aos outros, dentro e si!mi.ficaçao. ,. e ajudam-no, complementam os gestos necessários e realizam
dar-lhe um sentido, uma "' . . _ Até exerctclO todos a mesma tarefa comum, numa modelagem invisível.
t ou ctnc0 . , .0 d . Até aqui, porém, as estátuas são objetos, não respondem,
) A modelagem de .qr:aro ta. Cada exerctcto e~ta su-
e. .. • . era mmterrup . - era ' em Sl mes-. apenas refletem movimentos iniciados por outros (supondo que,
sequencta - a transtçao
antenor, a . interrupçao ~ . . mente dito. Aqw, nos exemplos citados, as crianças da creche estejam dormin-
ceder o anterwr sem exerctcto propna. . ru- do . .. ). No próximo exercício, introduz-se uma modificação
ma tão importante .dcodmo Os participantes dtvlddem-s.e e~ gmo- essencial.
,
rompe-se a continUl . a e. Um é mode1ador ' os dema1s sao nh i-
d atro ou cmco. os corpos os compa e
pdols e C~da modelador pro?uz, ~~:o se dissesse: "É isto que
g) A modelagem dinâmica: - São exemcws já descritos
e os. · niftcauva. · ·- toma o com maiores detalhes em 200 exercícios e jogos. A luta de boxe,
ros uma imagem stg . de visualizar sua optrua0 ' por exemplo: dois lutadores lutam sem se tocar e registram os
eu ' penso .. . Quando termma heiros que sal· e que se transforma"I em golpes recebidos, realizando todos os tipos de gestos compensa-
lugar de um d?s compan a trabalhar como se ,dissesse: ss_o tórios. Ou a cena do filme western em que todos se movem
modelador. E esse começa . o que eu respondo -e, a p~ur representando personagens típicos: barmen, pistoleiros, prosti-
é o que você pensa, mas ~?a do-a modela a imagem que ~rm­ tutas, caçadpres de ouro, etc., dançam, divertem-se, bebem, e
da imagem recebida, modi /c:~a ~s corpos dos companhetr~s finalmente explodem na maior violência - tudo sem se· tocar,
boliza seu pensamento, o g oh l·gnificado que ele deseJa.
úl . I que te a o s d 1 supondo objetos, atirando-se garrafas inexistentes, etc.
num só modelo m tlp o d I dor toque seus mo e os: os
, f . m que o mo e a .d e
Tudo isso e etto se di • . vistos mas não sentt os,
movimentos são feitos a .stadnctda, dam 'odeio que age como 3. A seqüência da marionete
são traduzi·dos peIa sensibilida e ed ca O processo ' contmua· ate'
se estivesse sendo. ~ealmente ~ocd
ue o último part!ctpante ten a a
ci; sua opinião visual.
. , Existe ainda uma terceira forma de diálogo visual, que. é a
marionete. Neste caso, entre o sujeito ( marionetista) e o objeto
q hi eqüência, que e, no (marionete), supõe-se a existência de uma linha que transmite
f) A modelagem: "7"" Novo .ato na s feitos na pro-
entanto, uma seqüê~cia: os exercíctos deve~l s:: arando e co~­ o movimento. Esta é a menor seqüênda e se compõe de dois
exercícios apenas, a saber:
gressão em que ~qm se apresentid' cdda cflficuidade e complext-
duzindo ao prÓximo, numa esca a a e
a) Marionete sem haste: - Marionetista e marionete a dis-
dade. . . objeto· um auto- tância; ele faz o gesto de suspender uma linha, barbante ou
Um ator dirige-se ao centro e rma,gma um começa a E corda e a marionete responde com o movimento correspondente.
O'vel um muro, um campo coberto de neve, etc. . o muro
mealizar' uma tarefa: consertar o automo'vel'd constrmr Supõe-se que a linha parta diretamente da mão do marionetista
. b aro no'
r delar um homem na neve, etc. T odos os ema1sf o serv Para uma parte do corpo da marionete, que o marionetista de-
tam - de
mo ando percebem qual o objeto e qual a tareda, tra tomé- signa com o olhar: braço, mão, joelho, pé, cabeça, pescoço, etc.
e, qu
ajudá-lo sincrônica e complementarmente, reparan o o au b ) Marionete com haste: - Supõe-se que exista uma haste
a três metros de altura do chão e que a linha; barbante ou cor-
44

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da saia da mão do marionetista e se apóie nessa haste antes de
prender-se ao corpo da marion~te. Isso transfor~a .totalmente auimais têm sede _ como bebem? um peixe pára a fim
o movimento, que passa a ser mverso: se, no pruneJio caso, o
de beber? bebem aos 0ooles ou aos sorvos? com aten-
·
movrmento da ma-o que se eleva faz elevar-se a parte
d correspon-
· ção ou distraídos?; c) os animais ficam furiosos uns com os
d ente d o Corpo da marionete' no segundo, a ca a. monmento
outros - os atores mostram como cada animal manifesta a
do marionetista para cima corresponde um movunento para
baixo da marionete. fúria, a agressividade a violência 0 ódio· d) os animais estão
cansados e vão dormir , _ como? ' de pé, sentados
, ou deaa
. dos.)
apoiados num galho?; e) os animais despertam e lentamente se
apaixonam - aqui, cada qual deve começar a procur~ .s~u par.
Os Jocos Todos sabem que, entre os demais participantes, existira ~em­
pre o animal idêntico ao seu e de sexo oposto. Aqui, o Cormga
deve advertir que todos os atores devem continuar a representar
Os joaos (de imagem ou quaisquer outros) exigem o em-
o próprio animal, pois só assim poderão ser reconhecidos pe~os
prego mais"' amplo e assíduo da ima~inação .. Não se t:ata apenas companheiros. As vezes, um ator pára de representar e frca
de exercitar o corpo, mas de torna-lo mru.s expressivo.
observando os demais - isso, evidentemente, impede que ele
A maioria dos jogos de imagem já está descrita no meu próprio seja reconhecido. Quando dois animais acreditam que
livro anterior, 200 exercícios e jogos. Nesta sistematização, pro- se encontraram, devem fazer então a cena do encontro amoroso.
ponho os seguintes:
Como dialogam os animais numa situação de amor? O touro e
a vaca, por exemplo, são muito mais violentos e expediros que
o cavalo e a égua, que mostram muita ternura, beijando-se e
1. Jogo dos animais afagando-se. O galo e a galinha não se comparam ao rinoceronte
e sua esposa. Quando, finalmente, tiverem feito a cena do en-
contro, só então os dois animais saem e mostram-se os papéis.
Para utilizar este jogo nesta sistematização, deve-se fazê-lo Mas o jogo não termina aí. Por isso, é importante que ninguém
da forma mais desenvolvida possível. Assim, os atares pegam, se fale, e sobretudo que não se revelem as identidades. Quando
ao acaso, um pedaço de papel no qual est~ esc~ito o nome de todos os animais' tiverem saído, o jogo prossegue. O Coringa
um animal, macho ou fêmea. O Coringa da o smal e ~od~s · os convida os casais que o desejarem a voltar ao centro e a rein-
a tores, ao mesmo tempo, começam a ~terp~etar os anunars (e terpretar a cena do grande encontro amoroso. Os demais parti-
o sexo) que lhes tocaram por sorte, Isto e, com.eçam a ap~e­ ci~antes, quando estiverem. ~ertos de terem descoberto de que
sentar urna imagem desse animal, que pode se: r73l!sta, surrealis- anunal se trata, devem emitir o som correspondente a esse ani-
ta, simbolista, poética, etc. O Coringa deve m~1s~rr em que os mal. Sendo correto, o casal sai.
ateres não se contentem com um só detalhe prmcipal, mas que,
O Coringa pode igualmente sugerir que os atares que
uma vez construída a imagem em seus termos mais gerais, cada
um procure o máximo possível de detalhes: o rabo, as asas, o
movimento. da cabeça, a maneira rápida ou lenta .de andar,
sentar-se de pendurar-se, etc. Depois de alguns mmutos, 0
c: desejarem, nesta segunda parte, podem entrar em cena e mos-0
trar outros elementos ou ~aracterísticas visuais que casal não
mostrou, . dessa ~orm~ . ennquecendo a interpretação, sobretudo
no que diz respeito a Imagem.
0

rinaa s~ere várias atividades: a) os animais têm fome - 3


. Os ~ais esc?Ihidos devem ser bem difere~tes entre si;
partir
o. desse momento, os ateres d evem mos trar como comem
felinos, repteis e P<:LX~s, aves grandes, pequenas e médias, inse-
os animais que interpretam: com avidez? lentamente? es- tos, etc. U~a boa Idéra é incluir sempre os animais homem e
condidos? andando? parados? com medo? agressivos. • ;>.' b) os
mulher. Mwtas
cer esse casal ... vezes os espectadores não conseguem reconhe-

47
5. Uma pessoa conta a outra a mesma história. A mesma?

2. Jogo das profissões Já descrito. Uma pessoa conta a outra uma história em ima-
. m rofissões em lugar gens. A segunda, a uma terceira, a terceira, a uma quarta, etc.
Já descrito. Idêntico
-
ao antenorbcolh p divertem-se, etc.
comem, tra a am,
Se a narração for precisa, rica e imaginosa, a última estará con-
de animais. As prof issoes tando a mesma história. Caso contrário, os maiores disparates
podem acontecer.
d próprios atores
3. Jogo das máscaras os . 1' .
os aspectos físicos, pstco ogt- 6. A engrenagem
Idem, tratando-se de separar
cos e sociais. Uma pessoa vem ao centro e imagina uma peça de engre-
nagem e, com o próprio corpo, começa a mover-se ritmicamente,
sempre no mesmo lugar. Entra uma segunda pessoa e acrescenta
• história contada por outro outra peça à primeira, igualmente movendo-se ritmicamente.
4. Ilustrar urMl Entra uma terceira, uma quarta, tantas pessoas quantas quise-
. a contar a história, ou pode rem, tentando todas acrescentar uma peça a mais na engrena-
P ode ser um a só pessoa~
. · Q ·
p esent durante a prunetra um- gem, todas ritmicamente, no mesmo lugar, inter-relacionadas.
ser como fizemos no Thé~tr~d r ( nov~mbro 1979) - metade Esses são ;tlguns dcs jogos em que a imagem é a lingua-
zena do Teatro do Opnmt d m espetá~1o chamado O es- gem. Todos e quaisquer outrcs são bons, na medida em que os
dos espectadores (~ratava-se de ucontando a história, e a outra participantes se habituem e se exercitem na arte de falar sem
pectador criador) f_tcava s:::. aCoroeçou quando alguém disse: palavras e mesmo sem gestos simbólicos, na arte de ver em lugar
metade no palco, ilusrran inh mar dentro de um pequeno ·\ de apenas olhar.
"Um homem. estava soz do nos esp~ctadores do palco come- É importante compreender que não se trata aqui de ilustrar
barco". I_medtatament~, to :. ~m transformou-se no homem e um pensamento verbal, mas sim de falar por meio de imagens.
çaram a tlusuar essa unage · , nos peixes. . . Depois A verdadeira linguagem visual começa quando o atar esgota t<;Jdo
outros no barco, nas ondas, nos passaras, , d
, . . "Aí veio a tempestade! Outra vez to os o seu repertório de idéias verbais.
a1 guem connnuou. d . 1 en
over-se mostrando as on as vw entas, os v . Não existem erros na comunicação visual: existem sensibi-
começaram a m , h' , · tin 0 o
tos os pássaros e peixes assustados. E a tstona co~ u u, . lidades diferentes. Certa vez, um ator pensou "uma condessa"
pe~ueno barco naufragou, o homem quase morreu, ate que veto e fez uma imagem que para ele correspondia a essa idéia. Outro
um enorme navio socorrê-lo. Nesse momento, todos
do palco fizeram o casco do grande navio com seus . raços e
b atares atar compreendeu "uma mulher doente". Não havia erro: havia
a interpretação de uma imagem por duas pessoas diferentes.
mãos alguns ao centro fizeram as grandes torres, sub~do _un~
em clma dos outros, e o navio começou a navegar e~ direçao a
platéia. Esse foi um momento lindo: quando o navw_ se apro-
ximou a platéia imediatamente transformou-se em cazs. Os es-
As TÉCNICAS DA IMAGEM

pectad~res sentados perceber_am essa transforln:ação e logo _s~


levantaram e começaram a agttar os lenços em smal de boas-vm Para maior facilidade de compreensão, procurei, ao siste-
das aos tripulantes e passageiros ... matizar as técnicas da imagem, indicar também as formas de
Esse exercício pode ser feito com cenas reais .ou f!ntás_ticas, dinamização mais eficazes para cada tipo de modelo. É claro.
· · . . O tmportante
terrenas ou espactats. · e' a troa
· gmaçao cnando porém, que todas as dinamizações_podem ser aplicadas a todos
imagens! O importante é ver!
49
48
t

os modelos· tudo depende do grupo e do momento, dos objeti-


vos perseg~idos em cada investigação. , . . . mostrem com seus corpos a imagem do tema; num seoundo
Procurei igualmente começar pelas tecrucas mats stmples, momento, e sem cessar de manter a imagem, observam-s~ uns
aos outros.
terminando pelas mais complexas.
A imagem que cada participante deve mostrar será estática
Quero ainda esclarecer que os exercícios e jogos que pre- me:~o que presSt~ponha o m~vimento: o ator mostra a irnage1;
cedem essas técnicas não são absolutamente obrigatórios. Nada estanca surpreendida em movzmento. A imagem é isolada, mes .
é obrigatório no teatro _do. oprimido. E . isso porqu~ :ada exerc~­ mo que pressuponha a presença de outras pessoas, de objetos, ou
cio cada jogo e cada tecmca, embora strvam a objettvos espect- do que seja.
fic~s contêm igualmente a totalidade do processo. Existe uma
interpenetração, uma superposição permanente entre .e~ercíc!os, b) A dinamização : - Uma vez construído o modelo, o
jogos e técnicas em todas as formas do teatro ~o oprumdo: JOr- Coringa propõe a dinamização que, neste caso, deve ser feita em
nal imagem foro invisível, fotonovela, etc. Assim sendo, duran- três etapas.
te ~ma aul~, o ~rofessor pode propor aos alun.os que. u tilizem Primeira dinamização : O Coringa dá um sinal e todos os
as técnicas da imagem mesmo se nao lhes propos antenormente participantes que fiz~ram imagens voltam ao centro e repetem
que fizessem os exercícios preceden;es. O mesmo pode aconte~er exatamente a m~sma Imagem que haviam proposto, só que ag_ora
na etapa preparatória de um espetaculo de teatro-foro: o Conn- todos o fazem simultaneamente, e não um a um. Que acontece?
ga não é obrigado a fazer a platéia praticar tod.os ou, mesn:o Se antes cada ator mostrava sua imagem, ele o fazia de forma
alguns dos exerdcios e jogos propostos, para depots, e so depois, subje~iva, pessoal. Era ele que assim pensava, que mostrava sua
-começar a utilizar as técnicas. manetra. pessoal de reagir. Agora, porém, quando todos mos-
tram a tmagem ao mesmo tempo, podemos ter uma visão múlti-
pla. do tema, ist~ é, uma visão totalizadora, objetiva. Nesta pri-
1. Ilustrar um tema com o próprio corpo merra parte da dinamização, já não se trata de saber o que cada.
um pensa, mas o que todos pensam. Na apresentação individual
a) O modelo: - A construção do modelo pode ser feita do tema, po~e_:nos v~r uma ,representação psicológica; agora,
remos uma vtsao soCial. Isto e, como determinado terna influen-
.de duas maneiras diferentes. cia ou impressiona tal comunidade.
Primeira: O Coringa pede cinco ou mais volu.ntários que
desejem mostrar visualmente o(s) tema(s) escolhi~o(s). <;!s Dou alguns exemplos para que fique mais claro. Em Flo-
cinco ou mais não devem ver o que faz cada um, a ftm de nao rença, al~ém p~opôs, o t~m~ ;eligião. <?s primeiros participan-
serem influençiados pelos precedentes. Cada um vem ao centro tes que VIeram ilustra-lo mstsuram em Imagens pias, religiosas:
Jesus Cristo crucificado, Virgem Maria soluçante, santos e san-
e mostra com o próprio corpo a imagem que tem. sob_re ?.tema
tas, penitentes, padres e fiéis. . . e assim por diante, até que
dado. Quando todos os voluntários já tiverem feito, mdividual-
mente, suas demonstrações, o Coringa deve p~rguntar se al~um outros atores entraram e incluíram também jovens que namora-
dos demais participantes tem uma imag~m diferente das, cmc? va~ _na igreja, p~bres que ped!am esmolas, padres severos e
ou mais que foram mostradas. Quase sempre a resposta e. posi- pwuuvos. . . e, fmalmente, turistas que tranqüilamente fotoora·
favam imagens e pessoas! "'
tiva. Assim, um a um, todos os participantes que ? deseJarem
vêm ao centro e mostram com os próprios corpos a Imagem que Numa cida~e do Sul da França, um professor pede aos alu-
lhes ocorre do tema proposto. Quando todos já tiverem passado n_os que façam Imag~ns de personagens famosos, reais ou fictí-
ao centro, o Coringa procede à dinamização. . Cios, como Joana DAre, Athalie Berenice Napoleão etc. E
.
com Isso o pro f essor aprende muita
' coisa. 'Aprende. pnnclpa1-
J • •

Segunda: Quando se trata de peq~enos grupos ~e. creio que


mente, a ver que tudo aquilo que diz sobre tais persona~ens, em
.só nesses casos), 0 Coringa pode sugerrr que os parttctpantes fa-
a ula, nao t o tal como ele o diz, mas como 3 . c;1ança
- e' perce b'd . ouo
çam um círculo e que todos, ao mesmo tempo e a um stnal dado,
o jovem pode compreender, com as informações e a vlvencta qu~

51
·'

- - - - - - - --.- - - -o-r- ex--e-mplo que Fedra apareça, nas imagens


tem. Não e r_aro, P ada 'com as contas do supermercado, puseram-se todos de frente pa~a os espectadores e multiplicaram
assun . produzJdas
_ contas do banco. . . São 1'd e1as
' preocup ,. de crlan-
. as 1~agens de desalento e desmteresse. Na segunda dinamização,
Napoleao com as 1 . porem, algo de surpreendent_e aco?teceu: todas as imagens que,
e s- ''déias! Idéias que se reve aro na rmagem.
ças · ·A·. dao ~urro exemplo: no Brasil, alguém propôs o tema da de uma forma ou de outra, szmbolzzavam os artistas entraram em
m a · d · d
violéncra. 0 Rio de Janeud, onde 1ss~ suce eb e um~ as a a-
' d 'd relação umas com as outras, mas nenhuma com as imagens que
representavam os espectadores, que continuaram isolados como
des mais violentas do mudi~ o, o~ e matd;e rou a e mrus ~-mata.
a começar pelo governo tadton que , . o exeml?1f~ . - . dao me se:npre, ?~rmindo e bocejando. . . O ator que olhava o umbigo
. . ·ntPorantes e um estagto que a tz em ezem- aliou-se a ~agem que contava dinheiro, o que beijava a própria
ad mtret que os I --o E
bro de 1979 tivessem propostod esse tema. _aconteceu go _que
al b~da aceitou a presença da moça que mostrava o seio . . . e
_ ordinário: to os, sem exceçao, mostraram troa- assrm P?r diante, mas nenhum, nenhum, repito, relacionou-se
me pareceu
d , .extra da violência...
. - I v·101'enaa
N-ao sem razao. . em com mats ê~ase e decisão a uma das muitas figuras de especta-
gens e Vtfr~a~ física (da agressão policial e militar), econômi- dores entediados . . . que também não se relacionaram nem mes-
todosd os nblvedls. do aluouel), religiosa (da penitência), escolar mo entre si .. .
ca ( o co ra ororessivo), " se).-ua1 ( o estupro ) . . . mas era sem- É evidente que não quero generalizar: isso se passou uma
( do pro,fessor
. a, e aparecia. nas tmagens.
. p orque o estagio , . em vez, d~rante um estágio, com um grupo determinado. Mas um
pre a_ vmma quunha de 80 vítimas! Na dinamização, como vere- grupo mte~rado numa totalidade. É significativo, quand méme . ..
questao se comp Tercezra dinamização: Muitas vezes acontece como no caso
mos a seguir, mostraram-se as cau~aals. .d C . d
Segunda dinamização: A ~ sm _o ormga, to c:s elos par- ci_tado do Rio ?e Jan~iro, que os participantes ~ostrem apenas,
. · devem buscar um mter-re 1 digamos, o efezto e nao a causa: o resultado da violência e não
uc1pantes . ac1onamento
, - b posstv com
sua origem. Nesse caso, todos os participantes eram vítimas do
os demais participantes em cena;dtst~ e, nao _ast~ queCmdostrem
as Suas l·magens , devem tratar . e rnter-re 1ac10na- 1
, . as. a. a um
mesmo sistem_a re~ressivo. Assim, quando se pretendeu, através
pode escolher apenas uma outra IIDagem ou vanas, aproxtma_r-~e da segunda drnamtzação, compreender a totalidade o macrocos-
ou separar-se, fazer o que bem entend:_r, desde qu~ sua ~o~tçao mo s~ial, o.qu_e se obt:ve _foi uma imagem que :nostrava, pri-
física passe a ser significativa em relaçao aos dema1s ~aru.ctp:U:­ meuo, a ausencta de soltdanedade, de unidade entre as vítimas
tes e em relação aos objetos que porventura tenham s1do mclw- ·e, segundo, a ausência dos violentadores. Todos tinham preferi~
dos nas diversas imagens ou pressupostos. Assim, se antes cada do mostrar-se a si mesmos, e não aos inimigos. Em casos como
imagem valia por si mesma, agora o importante é o ~t:_r-rela~io­ esse, é proveitosa a utilização da terceira forma de dinamizar o
namento, o conjunto, o macrocosmo. Não apenas a vtsao soaal, modelo: o Coringa pede que, a um sinal convencionado, todas
mas a visão social organizada, orgânica. Não múltiplos pontos as imagens de vítimas ( objetos) se transformem na imagem
de vista, mas um só, global, totalizante. oposta correspondente, isto é, a de algozes (sujeitos). A moça
Por exemplo, num estágio, alguém propôs o tema teatro viOlentada deve mostrar a imagem do estuprador; o homem que
francês. Os participantes, na maioria atores profissionais ou ama- pag~ mostra o que cobra; o mendigo mostra o que dá a esmola;
dores, não tinham muito boa impressão do tema. Assim, na o ctdadão mostra o policial, e assim por diante. Isto é, o mesmo
construção de modelo, cada um - cada qual a sua vez - mos- ator, e cada ator, deve mostrar, num primeiro momento, um dos
trou uma ima~em bas;ante negativa: alguém que olhava marav_i- pólos do conflito· e, no segundo momento, o pólo oposto. Quan-
lhado o própno umbtgo, outro que tentava beijar a própria d? isso ocorre, também ocorre um fato interessante que nos pode
bunda, um terceiro que tentava localizar alguém (possivelmente aJud~~ a ler o pensamento, as emoções, a ideologia do grupo
um espectador .. . ) co~ a ajuda de um binóculo, um quarto parnctpante: se, ao se mostrarem a si mesmos, ao mostrar ima-
que contava J?oedas e, ~ilhetes, um quinto que bocejava, um sex- gens da própria opressão, os participantes têm a tendência de
to que dormta, um setiiDo que ... Em suma não estavam con- ~os;rar imagens reais, quando mostram o inimigo sua tendên-
tentes! Na primeira dinamização, nada de e~tranho aconteceu~ cia e a de mostrar imagens subjetivas (quase diria expressionis-
tas) dos inimigos, imagens deformadas. Deformadas, sim, mas
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53
não de um ponto de vista caprichoso, e sim de um ponto de· con:p/e:nentar àquela que inicialmente mostrou. Essa comple-
vista que revela a agressão sofrida. As imagens deixam de ser me~taçao sempre elucida, esclarece e aprofunda a imagem pri-
realistas e passam a ser deformadas, monstruosas. Cada um mos- meu-a.
tra-se a si mesmo como é (ou como supõe ser ), e ao inimigo,
como o vê.
Esse é, a meu ver , um dos problemas mais importantes d o 2· Ilustrar um tema com o corpo dos outros'
teatro: existe a objetividade do realismo? b realmente possível
mostrar a vida tal como ela é? Existe esse tal como? Creio que .. Os recursos da primeira técrúca são limitados: o ator poci'e
só existiria se o artista pudesse assumir um ponto de vista cós- u.rtlizar apenas o próprio corpo. Na segunda técnica, ao contrá-
mico! Mas como o artista, ele mesmo, está inserido numa socie- .no, fpode utilizar o corpo dos demais participantes, tantos quan-
dade, não creio que lhe possa ser possível vê-la senão da pers- tos orem necessários.
pectiva de onde está inserido. O estilo realista é tão subjetivo
como qualquer outro - apenas mais perigoso, pois se afirma o f) O modelo: O Coringa solicita ao primeiro voluntário
q ue aça a. imagem do tema propos to pelo grupo. Quando o
contrário. Nesta etapa das imagens, o que me parece belo é ver
como as vítimas vêem os algozes - e se elas os vêem assim ~ modelo esuver terminado, consulta o grupo, que pode estar em
porque eles são assim. É porque, para nós, eles são assim. E .desacordo (desfaz-se totalmente o modelo ) , de acordo ( conser-
quando digo para nós é porque, no evento estético, temos que va-se) ou parcialmente em desacordo. Neste caso, o Coringa con-
nos identificar com alguém: com elas ou com eles, se recusamos sult~ o gr~p?. e elimina da imagem tudo aquilo que o orupo
a perspectiva cósmica, a-histórica, abstrata, irreal. considera muul ou não-significativo, e propõe aos demais : cres-
Neste trabalho, quanto mais vítima é a vítima, quanto maior centarem o que lhes pareça importante e significativo. A cada
a opressão que sofre, maior a deformação que mostra a imagem momento, deve consultar o grupo, que é, em última análise
criada. E o termo deformação deve ser enten,d ido aqui com o quem deve construir uma imagem coletiva do tema. '
sentido contrário ao usual - no sentido de restauração da ver· .b ~portante que a pessoa que modela a imaoem 0 faça
dadeira imagem. Um torturador, por exemplo, tem aparência nor- com raptdez, para que não_ seja ten~ada a pensar palavras ( lin-
mal, comporta-se normalmente. Sua ima,gem realista não difere ·~agem ver~al), que serao depots traduzidas em imagens
da dos demais homens. Mas sua imagem real é aquela dada pelo (linguagem VIsual). O atar deve pensar imagens. Quando isso n-0
torturado. Ele é realmente como o vê o torturado, embora rea- .
.acontece, as l.IDagens - gera1mente pobres, como ocorre corn
sao a
listicamente (estilo teatral) seja igual a todos os demais. Sem- qualquer tradução, que empobrece o original. Tudo deve
.
pensado em liDa,gem ( e nao
_ traduzi.do ) . ser
pre desconfiei do realismo, e quanto mais trabalho com as ima-
gens, quanto mais vejo o que apenas olhava, mais me afasto des- Pode também acontecer que o grupo não chegue a ter um.1
se estilo. imagem coletiva, aceita por todos. Lembro-me por exemplo que
Mas é igualmente importante ficar claro que não se trata em Turim, buscava-se a imagem da família, e eram tantas as ima~
de tentar um neo-expressionismo - de construir um estilo sub- .gens propostas que não se chegava a um mínimo acordo. A
jetiv~, delirant_:, ~dividualista. Nesta construção de imagens, o _erincípio, isso me desconcertou, mas logo me explicaram a cau-
que Importa . nao e como um oprimido vê um ·opressor: trata-se sa: Turim possui pouco mais de 2 milhões de habitan tes mas
de ?escobrir como os oprimidos vêem os opressores. Se fôssemos menos da quarta parte é de verdadeiros turinenses · os d~mais
obngados a dar um nome a esse processo, teríamos que chamá- ~;r~dos pel~ parque industrial de Turim, ~.a Fiat 'tem lá sua~
lo, contraditoriamente, de expressionismo social expressiOitismo fabncas~, v~m de todas a~ partes da I~ália, especialmente d o
objetivo, etc. ' Sul - tsto e, o ~rupo era tntegrado por Italianos, mas de cultu-
Mas v~lto à dinamização: o ~_?Ortan;e, para que se possa .ras totalmente diferentes, como a da Calábria e a de Milão .
penetrar mais pr~fw:da~en:e n~ ~Isao da 1magem e não apenas -de Nápoles e a da Sicília . .b evidente que, ao imaginar a famíÍia:J
na sua cons tataçao obvia, e solicitar que o atar faça a imagem '

54 55
míli na. sua cultura, e as. Família norte-americana: Esta imagem me foi mostrada em
cada um imaginava a imagem da fa . a oens assim produzidas.
Nova Iorque, mas também em Berkeley, em Milwaukee, em
culturas eram bem diversa~, como asdunalonga marcha do teatro
Carbondale, Illinois - Norte e Sul, Leste e Oeste, por toda
Esse tema, aliás, tem s1do, em to a ~m ao debate. Em todas
. "d o, um d os que ~ais vezes ve cada uma, trata-se d.e parte e tantas vezes, que é quase um clichê: um homem sentado
do oprzmt p Em numa cadeira (a m~a ainda pres~nte, porém posta contra a pare-
as sociedad'"s existe a famílza.
do a cu rura, a classe , o país, o regi-
Qual.
~ de) e, em volta da figur~ masculina, uma mulher e vários jovens,
uma famíli!l diferente, segun d etc todas as cabeças quase Juntas e todas as bocas mascando chicle-
coe social, a idade do modela .rú, ·~os exemplos de imagens
0
te. . . Assim foi: eu relato o que vejo.
Dou aqui alguns dos mut sst
Família alemã: A coincidência, isto é, quando num mesmo
ocorridas: .d de do Porto, ao Norte do país): país, . numa mesma cultura, mas em cidades ou em momentos e
Famüia portuguesa ( 0 ~ d mesa comendo; uma mulher sempre com grupos diferentes, surge a mesma imagem, ou pare-
Um homem sentado à ca~~ei~ a comida· dois rapazes e duas cida, prova q~e essa imagem é correta e contém, essencialmente,
de pé ao seu lado, servtn o-
moças sentados à mesa, comen °d
d a e olhando a figura masculina valores pr6pnos dessa cultura ou desse país. Foi o que aconte-
, d d todos os po eres. ceu na Alemanha, onde trabalhei com freqüência durante o ano
central , etentora e .b pi tal do país): A mesma de 1979. Primeiro foi em Hamburgo, durante o Festival do
F '/ " t guesa (em 1 IS oa, ca
. amz za por u d comer com a diferença de que Teatro das Nações. A imagem proposta era assim: um homem
tmagem em volta da mesa e ' f ' 1 sentado, evidentemente dirigindo um carro que se supunha belís-
todos estão aoora olhando para o mesmo ?~nt)o Atxod, um move.
"' ( evt"dentemente a televisao . s uas moças simo, totalmente concentrado na tarefa de dirigi-lo; ao seu lado,
distante d a mesa - Mudou • mwta . cotsa,. . coisa
e multa . se sentada, uma mulher, também orgulhosa do carro, porém preo-
h a0 ·
sentam-se agora. no cmasculina continua a ser a tgura centraI , o
f" cupada com as crianças (três jovens) que atrás se batiam mor-
conservou: a f tgura .. ·1
macho conserva seu lugar, a mulher ~on~u~ adse~- o, mads esdsa diam, se arrebentavam a valer. Quando me apresentara~ essa
. "á - dete'm as atenções oerats, Ja nao etem o po er e imagem, achei que havia certo exagero - o homem parecia tão
f tgura J nao "' . d · - d orgulhoso com o carro que mal olhava para os parentes; Fiz um
informação, que agora pertence aos metos e comumcaçao e
comentário, mas, diante dos risos aprovadores da maioria dos
massa. . d f ' presentes, alguém comentou: "Essa imagem é verdadeira. Aqui
Família sueca: Em 1977, fizeram-me uma tmagem a . aml-
lia sueca num estágio que realizei em Estocolmo, duran.~e .o Skep- na Alemartha, os homens se preocupam com quatro coisas em
psholm Festival; dois anos mais tarde, em Norkkopmg, .no ordem decrescente: a primeira é o carro, a segunda, a esposa,
Teatro Estadual, outro grupo de estagiários completamenteA dife· a terceira, o cachorro, e a quarta, os filhos .. . " Todos riram e .
rente fez a mesmíssima imagem: uma mesa ao centro, tres ou aplaudiram, mas eu fiquei pensando no exagero. Meses mais tar-
quatro pessoas sentadas à volta, porém de costas para a mesa e de, trabalhando em Berlim, a convite da Hochshule der Küns-
de costas umas para as outras; ao fundo, perto da porta, uma te, propus o mesmo tema, a família, e fizeram a mesmíssima
mulher de costas para a mesa e para todos. Todos de cost~s. imagem: o mesmo homem orgulhoso do seu automóvel, a mesma
Todos reunidos em volta da mesa, mas sem se verem, sem dia- esposa cuidadosa e os mesmos filhos endiabrados. Achei graça e
logarem, sem sequer se olharem. resolvi contar o que tinha acontecido em Hamburgo e o que me
Família em Godrano: Ainda a mesa: três homens jogando tinham dito sobre as quatro preferências dos homens alemães.
cartas; numa cadeira distante, uma mulher afagando (e afogan- Quando terminei, um senhor furioso se levantou e protestou
do) uma jovem de 20 anos, apertando-a como se fosse recém- com veemência, dizendo que isso era totalmente absurdo e fal-
nascido; outra mulher, mais distante, também sentada, bordan- so, que os homens alemães não eram absolutamente assim. Expli-
do o ertxoval - nenhuma explicação verbal era necessária para q:Xei que não estava dando .uma opinião pessoal, que mal conhe-
Cia os alemães, com os quais só então começava a trabalhar e
compreender todas as relações patriarcais e machistas de tal
sociedade.
.. .
... que, se o cavalheiro em questão não estava de acordo, que ·desse
...
""s; sua opinião. Pois ele se levantou e disse calmamente: "Em par-

57
~e, isso é verdade. E verdade que nós, os alemães, nos preocupa- embriagada, dando pancadas numa mulher que se defendia habi-
mos antes de mais nada e em primeiro lugar com nosso automó- lidosamente. Atrás do homem, três rapazes faziam gestos seme-
vel; mas em segundo lugar vem o cachorro, e não ~ esposa ... " lhantes de agressão, isto é, aprendiam a agressão; do lado da
Prefiro não fazer comentários: conto o que veJO. mulher que se defendia, três moças aprendiam a se defender.
Família florentina: Uma fila a caminho ?a igreja: avôs_ con- Tu_dc;> so? o olhar complacente e doce da Virgem Santa . . . O
duzidos por avós, maridos por mulheres,. filhos pela~ maes e Mex1co e um país muito religioso ...
criadas e até mesmo o cachorro condUZldo pelas cnanças . . . A família lésbica: É evidente que nem sempre as imagens
Uns obrioa..!'ldo os outros, uma longa fila de oprimidos-opresso- têm valor universal (como creio que tem a imagem mexicana) .
res, todo~ a caminho da santa missa, caras pouco religiosas .. . Assim, na Suécia, mostraram-me uma vez a imagem de duas
Todos os participantes estavam de acordo, mas faltava uma coi- mulheres .que se davam a mão e que davam as mãos a uma cri-
sa: um homem mijando no muro. . . Liberdade!!! ança. Mmtos protestaram: "Isso não é família ". A modeladora
Família tm Pontedera: E evidente que a imagem não tem respondeu : "E a minha família ... " E continuou modelando
\'alor universal; muitas vezes é a idade dos participantes que t ranqüilamente, trabalhando sobretudo os menores detalhes de
determina a imagem que se aceita como válida. Muitas vezes é doçura fisionômica. Era a sua família e ela parecia contente. Não
uma situação momentânea, um fato recentemente acontecido. Um era a familia sueca, mas isso não a preocupava.
diálogo através das imagens não é obrigatoriamente mais verda-
deiro que um diálogo verbal, sujeito às mesmas contingências e : Família egípcia: Belíssima imagem: uma mulher sentad:~
aos mesmos acidentes. Assim, o que digo, em geral, é válido com os braços levantados, como se estivesse segurando um pra-·
para a imagem da família que me fizeram 'em Pontedera ( váli- to; um homem, de pé, atrás dela, em cima de uma cadeira,
do para aquele grupo, não necessariamente para toda a coleti- COI~endo do prato que ela segurava e que, ao mesmo tempo, pro.:
vidade ): dois homens e duas mulheres, com os braços entrela- . teg1a de um grupo de rapazes e moças, sentados no chão, um
· -çados pelas costas, tentando escapar, tentando aproximar-se de atrás do outro, numa fila sólida (isto é, cada um sen tado entre
uma pessoa distante, invisível, porém atados, fortemente atados. as pernas do que estava atrás), e todos os jovens com os dois :
Todos querendo sair, todos prtsos. ~raços alçados, pedindo comida do mesmo prato ao qual não'
Família de um jovem estudante: Em Grenoble, uma profes- tinham acesso.
sora pediu aos alunos que fizessem a imagem da família. O resul .. . Família da Guiné:Bissau: É bom explicar que na Guiné
rado, a meu ver, foi aterrorizante: uma figura de homem e outra . eXIstem 32 culturas diferentes, 32 povos diferen tes. Esta ima-
de mulher que serviam um jovem de 16 anos (idade do mode- gem foi feita por um guinee!!Se que pertence a uma dessas cul-
lador), em cima de uma mesa, a três figuras que o devoravam_ turas: um homem em posição central, sem fazer nada, apenas
com avidez: a primeira o comia enquanto fazia o sinal-da-cruz; observando. Observando o quê? A sua direita, três mulheres tra--
a segunda, enquanto batia continência, e a terceira, enquanto lia. balhando a terra; ao centro, outra mulher com uma criança às
um livro. Maiores explicações não são necessárias. costas, também trabalhando; e, à sua esquerda, igualmente tra-
Família de outro estudante, em Montélimar: Sobre a mesa, . balhando, duas outras mulheres. Todas trabalhavam e ele obser-
, uma velha toma uma injeção; ao seu lado, dois meninos batem-se vava. Nessa cultura, os homens são polígamos. E essa foi a úni-
e se machucam a valer; ao lado deles, um homem e uma mulher ca imagem que me mostraram na qual toda a família é vista tra·
esganam-se. Imagens de dor. balhando. A explicação é simples: normalmente, em nossos paí-
Família mexicana: As imagens nem sempre são de valor ses, a família se r eúne em momentos de lazer, que são o~ que
universal mas muitas vezes contêm a essência dos valores nacio- mais a caracterizam; nesse caso, porém, a família (o marldo e
nais. No' México ( Culiacán, fevereiro de 19 79) , mostraram-me suas muitas mulheres) reunia-se apenas nos momentos em~~~
a seguinte i magem: no centro, uma figura da Virgem Maria, os as mulheres trabalhavam a mesma terra. D epois, . cada00de ia
braços abertos, tendo duas mulheres, uma de .cada lado, ajoelha- voltava à sua casa e o marido escolhia, cada noite,
das, rezando. De um lado, uma figura masculina, evidentemente dormir ...

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gero, não a pessoa. Isto é, se um ator de bom coração corporifi·
. . Foi raticamente a mesma que me mos- ca um mal~ado, é o malvado que tem a palavra, não o atar de
Família brastlezra:. P s-o Paulo A mesa estava ausen- bom coraçao.
Ri de Janell"O e em a · d Terceira dinamização: A imagem executa um ritmo, diz
traram no 0 .d (ausente da imagem e dos lares a
te;. es.tava au~e~: ~ocdr: ;eu país). Não havia limit7, fronteira ~a frase ; . retoma um mov~ento que estava pressuposto na
matona da p p çe a rua Homens e mulheres pareetam flutuar liDagem esta~ca. Isto é, se a liDagem come, que fará depois de
clara entre a cas;erfície s~m papéis definidos, sem relações defi- comer? Se a liDagem anda, aonde se diri,ge? Se a imagem agride,
numa mesmdira. su- definidas Olhavam-se ou não se olhavam - quais as conseqüências?
ru.das! se m - eçoes · .
ra importante,. não era determrnante. magem
I
mas 1sso na o e b. ... d d
. . recisões e am lgul a es. , . 3. A imagem de transição (o real e o ideal)
cheta de unp . Comovente triste revoltante. V ar1as
Famt tad
T a gentma: ' '
or várias pessoas muitas pessoas de pé sem
cadeiras ocupa asd ~ vaz·la todos ~s olhares convergindo para Esta terceira técnica consiste em trabalhar um modelo, em
·
cad erras, um a ca etrada sem ' dono O dono ausente. provocar uma discussão com meios exclusivamente visuais. A
essa cadeira desocup~ 'durante clnco anos. Conheço dezenas, palavra, mais do que nunca, deve estar ausente. Mas não o deba-
. ·
V lVl Argenuna nh , te, que deve ser o mais intenso e complexo possível.
na e famílias argentinas. Não co eço uma so -:-
talvez centenas d 1 _ ue não tenha em sua casa uma cadet- a) O modelo: Procede-se da mesma maneira que na téc-
nem a? ~en~ uma.pesso~ que foi morta nas torturas da ditadu- nica anterior, até chegar-se à construção de um modelo que pos-
ra v~~a, e guma "desa arecido" (são mais de 15 mil, de sa ser aceito pelo grupo em sua totalidade (ou quase). Esse
ra militar, de algum , u·casp :ncompletas da Amnesty Imernatio-
do com as estaus ..... .
~~~) d .. al um que fugiu ou se exilou. Es.sa .l_ma~em, a ca eU"a
d ·
modelo deve necessariamente ter como tema uma. opressão qual-
quer, proposta pelo grupo. Será, portanto, um modelo real de l
vazÍ.a' f~i f~ita por um argentino, mas podena. tgualme~tC: ter
·-~
opressão. Em seguida, pede-se ao grupo que construa igualmen-
.d •f . m uruguaio ou chileno, paragua10 ou bohvtano, te um modelo ideal, isto é, no qual a opressão tenha sido elimi-
s1 o elta por u . ·· nada e o conjunto tenha chegado a um estado de equilíbrio acei-
por tantos nacionais de tantos países deste contrnente ensanguen-
tável, não-opressor para nenhuma . das figuras da imagem. Em
tado, a América Latina!
seguida, volta-se à imagem real, à. imagem da opressão, e pro-
b) A dinamização: Nesta ttcnica, ela deve· ser feita em três cede-se à sua dinamização.
tempos. A um sinal do Coringa,. os a tores dentro do modelo
devem executar o que vem a segutr. · . , . h) A dinamização: O Coringa informa que qualquer par-
Primeira dinamização: Executar um movunento ntrruco,
contido dentro da imagem. Assim, por exemplo, a iinage~ de
ticipante pode dar sua opinião sobre as formas de se passar da
imagem real (opressiva) à imagem ideal (sem opressão) . Cada
I
um homem que come, imagem estática, oferece alguma~ infor- participante age como modelador e faz as modificações que jul-
mações, permite algum conhecimento, ou seja, é uma tmagem · ga necessárias para que a realidãde se converta em outra, isenta -I
que fala. Mas existem mil maneiras e mil ritmos diferentes de
comer. Nesta etapa da dinamização, a imagem deve comer den-
de opressões. Cada um por sua vez. Os demais participantes
devem apenas dizer se consideram cada solução possível ou mági- I
tro de um ritmo que igualmente fornecerá informações suple- ca, mas não devem discuti-la verbalmente, pois a discussão é fei-
mentares, · falará dizendo coisas que não estavam contidas na ta através das imagens que se modificam.
imagem estática: come depressa ou devagar, com avidez ou Depois que todos os participantes que o desejarem tenham
com prazer? . _ . . feito as duas imagens de transição (revelando assim, cada um,
Segunda dinamtzaçao: A 1magem deve executar um mov1- seu pensamento, sua ideologia, suas expectativas e suas _espe:an-
ítmico e, além disso, dizer uma frase que corresponda, ças), deve-se-fazer a verificação prática do que foi ~scuudo.
ao personagem cor~oru·tcad0 na
men to r .
se ndo 0 ator que a mterpreta, Dessa forma, a um sinal dado pelo Coringa, todas as figuras da.
· gu
tmagem.
Que f 1·que bem claro: quem deve falar e o persona-
61
60
imagem começarão a executar um movimento. A cada batida de b) . A ~ina!!1i:<.ação: Uma vez estabelecido o modelo múlti-
mãos do Coringa, cada figura (cada ator dentro da imagem) terá plo, a dinanuzaçao se faz em três etapas:
direito a fazer um gesto, e apenas um, no sentido de sua libe- I· Os modeladores qu~ mo_straram imagens da opressão
ração ( as figu ras que corporificam personagens oprimidos) ou ~m ~au~a devem.' antes de mru.s nada, entrar eles próprios dentro
no sentido de exercerem maior opressão (as figuras que repre- ca dliDa"'em, a fim de nos darem sua perspectiva da opressão.
sentam personagens opressores). Esses movimentos devem ser . a a um deles deve substituir uma das pessoas que integram a
feitos de acordo com os personagens e não com as pessoas que Imagen:- que ele fez, para que toda a imagem seja mais bem com-
os interpretam. Depois de várias batidas de mãos, depois de preendrda a partir da sua perspectiva. Em seguida, e na primei-
vários movimentos o Corinoa suoere que a partir de então ra etapa! ele tem o direito de mover a seu bel-prazer todas as
todas as figuras c;ntinuem s"'eus ~ovimentos em câniara lenta c out~as frguras da imagem, a fim de mostrar a imagem ideal.
que a cada batida (bem mais espaçada) parem e olhem bem em Ass~.' ve_mos no. modelo a opressão tal como é sentida, e nessa
volta para que se localizem em relação às outras. O movimento mo:Mrcaçao vemos o que . desejaria o modelador, como ele gos-.
só deve terminar quando todas as possibilidades de liberação tan.a que fossem as coisas, em vez de como elas são. . .· · .
tenham sido visualmente. estudadas - quando a imagem atingir . II · A i~I?ag~m volta ao modelo real e, a um sinal do
um grau de repouso quase total, quando todos os conflitos tive- ·~onnga, t~dos os U:tegrantes da imagem, lentamente, devem rea-.
rem sido resolvidos numa ou noutra direção, com happy ou lrzar o tra)eto ~eal-zdeal ~m câmara lenta, tal corno o desejaria o
unhappy ending. modelador. AssliD., a traves do movimento autônomo (as pessoas
não _são guiadas pelo modelador, mas agem como se fossem
movidas pela vontade própria, embora sigam as instruções elo
4. A imagem múltipla da opressão modelador), pode-se verificar o caráter mágico ou possível da
prop~s~a d? modelador. Quando a imagem ideal (e mesmo a
tr_:msr~ao) e completam.enAte fantástica, o ridículo da proposta se
A técnica anterior permite grande concentração sobre um só poe VIsualmente em evidencia
problema, uma só forma de opressão, um só caso concreto. A . II~. A imag~m retoma .ao mod~lo original. Uma vez mais,
sociedade é corporificada numa só imagem. O macrocosmo é a um srnal do ~orrnga e a? bater de suas mãos, as figuras se
mostrado em forma de microcosmo. moveu:-, agora nao n_ecessarzamente em direção ao ideal, mas
. Isso é bom e serve para proporcionar a análise mais .d etida cada fi~ura em relaçao ~<? personagem que corporifica ( persoria-·
e por vezes mais detalhada desse microcosmo. Mas muitas vezes gero, nao pessoa! ) . Verifica-se assim a exeqüibilidade da propos-
ocorre que soluções possíveis do problema, e talvez até mesmo ta do mode-lador.
a compreensão do problema, só podem ser encontradas n_o Essa imagem múltipla da opressão sempre esclarece · muitís-
macrocosmo social, e não no microcosmo, na multiplicidade, não simo sobre o pensamento do grupo. B uma das técnicas mais re~
na unicidade. Essa a razão da quarta técnica da imagem. veladoras.
Aqui, é import~nte insisti~ num aspecto: as regras do jogo
a) O modelo: O modelo que deve ser construído é múlti- <l_evem ser esclarecidas ~n~e_:rpadamente e são sempre muito
plo e não único. Seja qual for o tema, não se deve mostrar ape- s1~ples: Quando uma prozbzçao não é anunciada, significa que
nas uma; mas várias imagens que corporificam esse tema, ou nao ~x1ste enquanto .tal. Se _os participantes, ou alguns deles,
momentos desse tema, ou diferentes perspectivas dele. Assim, .ccredztam_ que d~termmada c~t?a é proibida, isso corre por conta
em vez de uma, o grupo pode preparar cinco, sete, 10 ou mais deles e nao do J~go: Exemphfrco: em Hamburgo, uma vez fize-
imagens. E: importante que as imagens não se repitam demasia- i mos uso ~~ssa tecn~ca. O tema (como ocorre com freqüência)
damente, a não ser que essa seja uma característica essencial ao ~-
era a família. E as Imagens que constituíam 0 modelo múltiplo
tipo de opressão a ser estudado. A não ser nesse caso, quanto eram 51uase, ~odas aterradoras: imagens de inaudita violência, de
mais variadas forem as imagens, melhor. agressoes fislcas e psicológicas, reais e imaginárias - sempre

62 '6J
. . emos a dinamização, blve-
Quand o f 1Z
agressões de todos os upos. solução de seus pro e-
,
rifiquei que todas as yessoas buscavam
continuavam a se trua'd:U:• a se
a
mas dentro de cada Imagem - do seu conjunto de figuras. jmagens...múltiplas de suas próprias opressões, que não são
bater a se agredir, cad~ uma d~n~~osmo da sua família para
poucas
Nenh~ma procurava sau do nucr . na multiplicidade das Existe ainda uma quarta forma de dinamização, em casos
buscar soluções no macrocosmo
. ,.
.
d ais figuras, as
1
d • demais pessoas. Quando
socla
f 'd ) c~mo esse: os homens mostram imagens daquilo que eles acre-
demais famílias e em dos mortos e en os , pergun- d<tam ' " • ?P""''o que """"'m •ob,e " mu!he,.,, e ""''•
terminou o movimento ( qu~sedto to em continuar no mesmo Jmag~ns daqu1lo que el~s acreditam ser as opressões que elas
tei por que se a~tam -
h . obsuna o tan d .
~role,o,., ~,.
ue buscavam só po ena ser encon- próprias exercem. Os pa1s em relação aos filhos e vice-versa. os
grupo quando a liberaçao q
d
Quase todos deram a mesma e!" '".'•ção •o• .Juno, e vke-m,.. Semp,. que
trada fora esses pequenos grupos.'b'do sair de cad a grupo [de s1vel, essa. dinamtzação do modelo oferece novas possibilidades
resposta: "Pensam os que era .b. prol
? A I própna . técruca
. d a 1m
. agem
. de conhecimento do tema e dos participantes.
l
cada família]!, Quem prol lU. 'nduz certamente ao exteriOr, l
. d alguma coisa, 1 d
àmúltipla,
seduçãosedas uz a Imagens,
m outras . e não a se fecharem to os nos I
5. A imagem múltipla da fe!icidade
mesmos pequenos mundos. omum· somos todos tão repri-
Este fato é extremamente .c . a ~ós mesmos ainda que a Esta técnica assemelha-se à anterior, tendo porém sua espe-
h
roidos -queextenor
repressao c egamos
a nos repnm1r • ,
. ausente o u não exista · Carregamos nos
· esteJa
"t ·ra" na cabeça. ,
cificidade. Pode revelar, melhor que qualquer outra o c:ritc.r
de oprimido-opressvr que pode existir nos participan~es. J
mesmos nosso r b, coisas reveladoras, as
Nesta técnica aconbtecem tdam ~:i na costa adriática da
a) O modelo: Constrói-se o modelo da mesma forma com I
I
· eradas Lem ro-me e ' diversos voluntários modelando suas imagens de felicidade.
vezes mesp . d iolência sexual contra as mu- Essas imagens são dispostas em toda a superfície da sala de tal
ál' 26 . il so co-
A
Itália. Alguém propos o tema a v
lheres (só em 1979 registraram-se na It la m ca lhs maneira que cada uma seja vista completa e isolada das demais.
nhecidos de estupro ' - f ora os milhares em que as mu F'eres O Coringa não deve induzir as imagens, mas, ao contrário, deve
não foram capazes de denunciar, por medo ~u vergonha). lze- esclarecer aos participantes que cada um é livre para mostrar a
ram-se múltiplas imagens desse tipo de agressao.f Lemb:o-~e par- imagem que desejar. Que é a felicidade? Sem dúvida é, antes de
ticularmente bem de Angelina. Na imag7m q.ue -ez, tres , omens mais nada, a ausência de opressão. Portanto, as imagens apre-
atacavam-na de maneira cruel. Na dinamlzaçao, pensavamos sentadas serão isentas de opressão - isto é, o modelador não
todos que ela afastaria rudemente os agre~s?res. Para espanto mostrará suas opressões, mas sua felicidade, real ou ideal, ver-

~~::0fisionômicas,
Angelina nada mais fez do que modi6car-lhes as expres-
tornando-as m_ais cheias de ternura, em lugar
dadeira ou imaginária. Essa imagem pode ser corporificada no
trabalho, no amor, no lazer, no que cada um quiser. O Coringa
de cheias de ódio. Mas, essenc1alme~te, a cena. era a mesma. deve também sugerir que façam imagens aqueles que têm idéias
Quando interrogada pelos companéhe1ros,. Ang7hnfa' . comez::tou:
A diferentes, para evitar que se reproduza sempre o mesmo tipo
"O que me assusta no estupro a v1o1enc1a ISlca, nao o de imagem, o mesmo tipo de felicidade - a menos que isso seja
" uma característica do grupo.
sexo .. · , 1 d' 'd
Q do nessa técnica, o tema e ta que Iv1 e os partiCI·
uan , d d. - 1d b) A di11amização: O ideal é que existam tantas imagens
-6 or exemplo, quan o se trata a opressao se>..'Ua . os.
d~
flq~em
pantes as mulheres ou vice-versa - , é mais enriquecedor espalhadas pela sala quantas forem as pessoas que ficam fora.

proc~ss?d
homens so re duas vezes: primeiro, as mulheres mostram Se existem sete imagens, é converuente que sete pessoas
fazer são
como o opnml as e depois é a vez de os homens mostrarem de fora. A dinamização se faz em forma de jogo. O Connga
conduz as pessoas que ficaram de fora através da sala! para que
possam yer com atenção todas as pessoas dentro da: Imagens, e
64 suas POsições físicas relativas. Cada um_dos que es~ao f~ra deve
procurar sentir que pessoa, na sua "opinião, é a mars /elrz.

65
I. O jogo (a dinamização) começa quando o Coringa dá o seguir sejam I' .
primeiro sinal: todos os que estavam de fora dev_e m ent~ar c~r­ da' e~ drea IZaaos em_ câmara lenta. E ainda que, de q:Jan-
rendo e substituir a pessoa que, segundo eles, e a mais feli~­ rodos p;uan o, novas batidas de mão sejam o sinal para que
As pessoas substituídas saem. S~ ~o~ acaso _du~s pessoas, acredi- rosto a fr~mdee, se~ mexer o resto do corpo, movimentem o
tam que a mesma figura é a mrus feliz, o pnme1ro que la chegar e decidir pod_r ob~e~\'ar melhor tudo que se passa na sala
a substitui e 0 segundo, que se atrasou, deve procurar a segun- !\' . quanto aos proxunos movimentos
~ lUJto se aprende co , . .Al
da mais f~liz a fim de substituí-la. Assim, saem tantas pessoas constante - . m essa tecmca. gumas coisas são
quantas entraram. . Por exemps,lo~ao_ Importa o p_aís ou a cidade onde se pratiquem.
II. Ao segundo sinal do Coringa, cada pessoa que for subs- mostrem . sao semprA -~ .
muno raras as Imagens. d e f e1'ICI.dade que
tituída tem o direito de reentrar e a liberdade de escolher a mais está a _ad pessoa feliz trabalhando. Em oeral a felicidadA
ssocia a ao ócio . ~ : . ~
feliz, · que pode ser a mesma figura anteriormente representada ao trabalho . 1 , ao sexo, ao esporte, a musica. Mas não
ou qualquer outra. Dessa vez, porém, em lugar de substituir, ' espeCJa mente manual E , ( , d'
por exemplo) , . f .. · . m certos paises nor Icos,
deve juntar seu corpo ao da outra, na me~ma p~sição - assi~, ou a mulher ' e T·ulto requente a Imagem solitária: o homem
se duas ou mais pessoas escolherem a mesma f1gura, todas fi- E , que ~' q~e- se banha ao sol, etc. .
e sempre mevJtavel q 1 , " .
carão na mesma posição, lado a lado com essa figura. E todos. dar minha im~gem d f 1' .d due aguem proteste: Nüo posso
os participantes permanecerão em cena. , '· e e ICJ a A porque pa . f ~- .d d
c uma coisa só é f : . d .- r a mim e Ici a e não
III. Ao terceiro sinal, todos os panicipantes começarão a des " E I's•o' e' e,tda de muitos momentos, de muitas ativic!"-
.·· · - ver a c b, , ~
se mo\'er no sentido de colocar seu corpo numa relação de fe- alguém é CODvicbc!o a me~ L~as tam ~ml e verda_de que, quandt•
licidade maior do que aquela em que estão. I sto é, tanto as -:idade, esse alouém rar, _a mo e ar, sua Imagem da feli-
pessoas que modelaram as imagens como aquelas que foram es- , mostra a •magem que m . 'b'
naque1e momento naquel l · ais o sensi iliza
colhidas inicialmente como estátuas, ·todas ao mesmo tempo, dade ·ainda o qu~ se pase udgar : naquelas condições. E é ver-
·-põ.derão movimentar-se no sentido de um inter-relacionamento . sa epo• s · norm" I ::1e • ·
tenrunar quando todas a f - . ~--- n .e, o JOgo deve
mais feliz para cada uma. (dentro dos limites circu:.st::!:~~:~s) encontram um_a relação ideal
Ora, nessa terceira etapa acontece que todas as figuras se vezes, porém, ocorre que alguém sen~~:r as de~a~s pessoas. Por
movem simultaneanteJ:te. Todas são sujeitos, nenhuma é objeto c nunca pode parar: vai dessa . ~ a fehcidade na httsca
- cmsa que poderia acontecer e em geral acontece, n::s etap:!s outra, e no movimento perm Imagem aquela, daquela a uma
anteriores. . Acontece também anente, sente-se feliz.
Ora, se todos são sujeitos, é inevitável que a cada · mo- , · f 1. .
P_roprra que o modelador te d
. e !cidade, esquecendo-se d . n _e a reve1ar sua
mento a imagem múltipla geral da sala (as múltiplas imagens de cidade geral compartida co de c.:Iar. uma Imagem de feli~
felicidade ) estejam em permanente modificação . Assim, urna gem. Lembr~-me dA uma ocm ::s emais figuras da mesma ima .
• • ~ as1ao em qu h -
·pessoa vê um conjunto de fig uras ou uma figura com ·a quaT ,0 mnte Imagem da felicidade: ele ró . e u~ ornem fez a se-
deseja inter-relacionar-se, pois considera que aí estará mais feliz. Iheres que cuidavam de] p pno deitado com sete m
difere.r.tes partes do corpo e - uma acar· · lh u-
Dirige-se a essa figura ou a esse conjunto - mas pode acontecer outr b lCJava- e o rosto, outras
que essa figura (ou essas figuras) também esteja se rpovimen- ele, outra cantava, etc. - Pois ' bea .o a anava ' outra d ançava para ··
tando em direção a outra com a qual deseja) ela mesma, se inter- ~ação, vários outros homens v· m. qua_n do se iniciou a dinami-
relacionar. Assim, quando a primeira pessoa lá chegar, pode s~~stituir e_ssa figura feliz. Tod~:am/e~to lo~cos, correndo para
acontecer de não encontrar ninguém. A cada momento. cada um siçao, quenam todos ter sete ulhq erJam por-se na mesma p..:l-
deve retificar seu caminho, reavaliando a estrutura ge~al, ima-
a ( mas nao - se preocupavam em m b eres q ue d e1es se ocupassem
gem múltipla, em todos os seus aspectos. mesmo). Pois quando se iniciou s: er s~ as mulheres queriam o
Para que essa análise e reanálise possa ser feita com mais quando cada figura pôde faz" · terceira parte da dinamização,
atenção, o Coringa deve sugerir que, a princípio, os movimentos tos que bem entendesse -.r .05 ~estos e realizar os movimen-
~ejam executados um por vez a cada batida de mão; e que, a mulheres foi dar b"]o- ' a pnmeJra coisa que fizeram as sete
" ~ e potentes socos na cara e no corpo do

67
ado sua felicidade, que se bl- comentes, sem problemas dentro do núcleo da imagem que aí
xá. . . Esse homem ha\'ia. mo~~ querer-se feliz, oprimia. E- a permaneçam, na mesma posição; e a todas aquelas que ai estão
sea\•a na infelicidade ~he~. permite também revelar a opressao contrariadas, contra a própria vontade, insatisfeitas ou infelizes,
d dinamtzaçao
terceira part~ .a felici dade de alguns. que abandonem o núcleo e se juntem aos espectadores; pede
que pode extsttr na
igualmente a esses, caso se sen rirem incômodos, insatisfeitos ou
infelizes em suas posições de espectadores dentro da imagem
6. A imagem d o próprio grupo global, que se integrem ao núcleo, se assim o desejarem.
II. Uma vez executados os movimentos anteriores o Co-
ualquer momento, na I;'ro- ringa uma vez mais pede aos participantes que se afastar~ para:
Esta técnica pode ser usad~~ ;er particularmente e~Icaz
ressão do trabalho. Mas ~ uer tipo de proble~a. Aplican-
que voltem, mas agora objetivando que se integrem da maneira·
~uando o grupo apresenta q~Jor nitidez e a soluçao pode ser
que desejarem e não da forma que lhes havia sido originalmente
imposta. Nesse ponto, objetivamente, todas as pessoas do grupo
do-a, o problema s~rge com ibilida.des de êxito. ,
estarão assumindo posições corporais, realizando figuras, imagens,
que correspondem exatamente às imt~gens que desejam ·e que
procurada com maiores. poss roblema algum, contudo, e sempre
Mesmo que não exts~a. p te do grupo vê o grupo na sua
bom ver como cada parttcipan podem realizar, dentro de um conjunto de pessoas-sujeitos, em
totalidade. d ' que cada um tem a própria personalidade, os próprios desejos.
d roblemas dentro o grupo, e A imagem final assim obtida revelará a possibilidade ou não de
a ) O modelo: Haven n~o pchegue a construir um modelo um funcionamento harmonioso entre os participantes reais do
muito provável que essd participantes. Pode acontecer grupo, que são pessoas concretas, não abstrações.
único aceitável por to os os - de diferentes modelos se Lembro-me de uma vez - em Dijon - em que fui con-
mesm'o que a simples apresentaçdia? ssão visual das diferenças vidado por dois grupos que não se entrosavam com muita per-
constitua, em SI. mes ma ' numa seu busca do modeIo umco
A imples ' . feição. Era evidente que havia conflitos internos, alguns revela-
existentes dentro do grflupo..: bre os problemas existentes, e dos, outros escondidos. Também era evidente que minha posição
d Conter J'á_ uma re, exao
poe . so
se tornava muito delicada, quando pretendia conduzir meu tra-
sobre as soluço:s possivels~ ão de um modelo único, isso nor- balbo sem aumentar a crise, sem aprofundar as divergências -
Se for possivel a const ç . C . sempre consul- afinal, o estágio durava cinco dias e não se tratava de formar um
f á tapas Assim o onnga ,
malmente se ar por e ·, ']' · , os elementos da grupo permanente, apenas de conviver por algum tempo e de
tando o grupo, acrescentara ~u e Immara_
imagem que o grupo julgar pertmentes ou nao. trabalhar junto com eles, embora os objerivos não fossem exata-
mente os mesmos.
b) A dinamização: Uma vez se ten do ch ega do ao modelo
. . Fizemos a imagem do grupo, que foi aceita de um modo
I nte aceito e supondo-se que ele contenha um . tipo geral. No centro, uma figura tentava catalisar; dinamizar, esti-
qua
gerai quer
me de opr~ssão
, a dinamização se faz pelas segumtes mular as demais; à sua volta, alguns mostravam muita atenção,
outros menos, outros nenhuma. Alguns se voltavam · contra
I O Coringa escIarece que t od o o grupo esta, necessaria-
etapas: outros, com caras ameaçadoras. Enfim, a figura central, por mais
·dentro da imagem. Mesmo as pessoas que ficaram fora
me~te
que se esforçasse, não podia eliminar magicamente conflitos la-
e foi construída estão dentro da imagem geral do tentes cujas origens sequer conhecia com precisão.
da Imagem qu as que ficaram só o!hando estão dentro da Feita a imagem, comecei a dinamização. Na primeira etapa,
agem me:mo
.grupo; maiOr e nela assumiram a figuraal f de pessoas que ficaram muitíssimas pessoas abandonaram a imagem nuclear e ficaram
tm do Portanto, dentro da s a, ormou-se, estruturou-se, de /Ora (mesmo não existindo de fora), olhando. Na segunda
só olhan. ;.,.,agem ' geral , que a todos
e· uma s6 ....... . engloba. Mas etapa, tiveram que optar: ou sairiam da sala, abandonando o es-
orgaruzou-s I0 b l possui um núcleo: a Imagem construída. tágio pela metade, ou ficariam. Se ficassem . não poderia manter I
essa imagem . g apede a todas as pessoas que estão satisfei tas,
A ssim, o Connga a atitude marginai que haviam adorado. Compreenderam que I i
68 :t I,·H~!W'l
1
fn.r~i1
69
fora.naQJmage
_u_,. mesmo os compan.1eJros
estavam tão qen-u(;.
1 •
-'1I.n•::.<>ue'·n
• podia. estarT dedos m nuclear
não haviam stdo uti ~z~ 1 participavam. Lentament_e, os que se ess~
•:clvidos cc~o ~l-
os ra:: Assumiram . posições difere~tes da-
as classes existem os rituais próprios a essas classes e a
profissões. Temos que descobrir, revelar e estudar os nossos .
haviam retirado "?ta .d 0 0 u sido postos mas aproximaram-
e banam esta ' · dos Código social, ritual e rito; talvez aqui seja conveniente es-
aue:us
• . d em qu .
· da firura cen tral · Dopois
- de alguns mmutos,
N' , to · tabelecer algumas difere nças e alguns conceitos. É evidente 1
se am :; dmais e:-~te"' re Iac10na
. d os a' fioura central. mguem.f. saJu
esran;m Ireta~ .
. "' que todas as sociedades devem estabelecer normas de com-
cia sala. Es~ereJ
P di o rapaz que corpon Icava. a
um pouco. e o :entasse ao lado dos demais.
portamento que sejam acei tas por todos. Não se pode ter I
,·igura
Assurr:i catalisadora
eu mesmo sua qu~
paraposJçao. sE anunciei: "Sétima técnica: o permanentemente um comportamento original em relação a
coisas e fatos que se reproduzem todos os dias. Todas as soci~­ I
<>esto ritual". dades regulam suas relações entre pais e filhos, homens e mu-
c.· E pass2mos a, técnica seguinte. lheres, vizinhos, companheiros de trabalho e companheiros de
"t"luer, ' m•neira de 'entot-oe ao ,o] ou de 'P•nhar o met,·ô P•rn
I
. •
O gesto ritual (código soâal, ritual e rito)
o. trabalho. Não seria possível que estivéssemos sempre apreen-
sivos ante os demais, imaginando que diabo iria fazer cada um
diante de uma situação conhecida. Diante de uma situacão co-
Quando dois mllJtares
.: se c~uzam, olham-se e batem fazem
comi-o nhecida; respondemos de uma forma conhecida, damos ~s res-
nência, eles se o,
'l '~m- e,
mecamcamente sem pensar,
... Nós q~e
não somos militares, postas esperadas. Por exemplo, quando um freguês enrra num
I~ restauran te, o garçom tem a ·expectativa de que ele vai sentar-se
~lhamos mes~o ~u J
-se.rto ritual da saudaçao milJtar.t' repetido eles respondem
e vemos. Ao es duvi'dam , não imaboinam numa cadeira diante de uma mesa; se ele vem acompanhado por
· N- h srtam nao • · uma mulher, ·há ainda a expectativa .de que ele ajude a mulher
mecanicamente.
formas originais deaose cumpnmen
e . .' t ar·. a determinado gesto cor-
a sentar-se. Por quê? Isso não· é ·a bsolutamente necessário. O
·;;;;ponde outro. . ( . t orte-•metk•no•) enttom numo frégtiês póde perfeitamente · sentir-se melhor sentado sobre a
Quando tunstas exce o b.-
Quando o professor entra
..igreja, começam a falar em voz alX: ele não dioa nada, mesmo
mesa ·com ·os pés na cadeira, e não vejo qualquer razão .especial
para_ que ele ajude a companheira a sentar-se, e não vice-versa.
na sala de aula, os a unos, mesmo ;í~a preparam~se
para tomar EXiste, P.Oréni, üm c6digo social que impede ·o casal de· sentar-se
que esteja pensa~dol ed out'? ~r
de entrar na sala de aula, :no . chão e)azer um piquenique . deptro do restauran te. : .
notas. Odagesto rrtua ~
maneirapr(ooessue pressupõe:
- com as mesmas· O. cót/igo social dita· normas de -conduta. Tenho um amigo,
por exemplo, que gosta de . ·i nverter ó _c~digó . ~ocial. Ele o faz
sempre mesma q
. . _ · as mesmas reaçoes.
fntençoes ), provoca sempre 't ais e· portanto seus gestos
Cada sociedade tem seus n ud, ' b · 1 E e' importante 1
·por praZer, .para se divertir, mas .P,rOVoca .muitas apreéns.ões e
.
t~cm_ca
, . . d tentar esco ri- os. - in•iedad6: E, no entantO, ;pena, inverte ' . ordeni ditod, · pelh
código; sein modificá-lo em nada mais. · ·
-~ t
rituais . _Esta aJu a a o iedade orque eles visualizam as
descobnr os ntums de cada '.. p . d d Uma opressão
·
opressões existentes no seio· dessa soc1e a de. formas e _ Faz assim: entra num restaural)te, senta-se à mesa, estuda
sempre provoca sinais ~isíveis, sempre sed tradu~ en;
longa ..e · detidamente o cardápio, faz perguntas ao garçom sobre
desco- --
cada pra~o e finalmente decide-se: . "Quero um cafezinho" . ·
prot~sta,
. m re· deiXa sua marca. Po e-se Iscu ur e ,
P . .
brir as opressões socJa~s a raves
movimentos, se t , do discurso como tambem
mngue~ P?de 'entar-•e i
' O garçom ,afirma que isso não é possível, que em
horátio de •!moço me,._e pedir •pena,
através das técnicas da _rmage:·os militares os turistas os estu- um cafezinho, que ele esta ali para servir almoço, que cafezinho
~s, to~a
E d mesma maneira qu , ' h 'd
mecanicamente a estímulos já con ec1 se de pé no bar, etc. Meu amigo informa q'ue foi almoçar,
mas que prefere começar pelo cafezinho. Normalmente o ga~çom
a
dantes
d 'respondem
t bém o fazemos, seJ·am quais forem nossas prof1s-
to osounos
sões am soc1a1s.
classes . . I sto e,
, em todas as profissões e em todas consulta o gerente, normalmente os demais freqüentadores _ficam
·
preoc1,1pados com o estado de sanidade mental do meu amJgo ' e
lO normaJmente, para evitar maiores complicações! o garçom traz
~ .,
t

! .., 71

·",. .,.....
o café esperando que e1e se vá, em segui
"d Quando termina o
ocês a.têm de sobremesa ?" já agora sem vida, sem paixão. Noss~ ato~ mecanizou-se e ago~a
~~e co~er
0
café, ;le pergunta: "E 0 que e :migo costuma um alegria. é para ele um verdadeiro rztual que deve repetJ.I
semespetáculo
De espanto em espanto, m trário A última coisa que
lauto almoço comp1eto, só que"tivo
ao con . . É o que se passa em nossas vidas. Quantas coisas fazemos-.
pede é naturalmente, o apen :sso E basta para desorientar para obedecer a um ritual? Quantas coisas fazemos ou deixamos.
El~ não faz nada mais que 1 ra.nte· até o cozinheiro v~m de fazer por não termos coragem de romper com um ritual es-
tabelecido?
1
todo o sistema prod u t"vo do .restau ·
nem sequer -~
su bstz"tuz· o códioo
olhar o fenômeno. E meu a~~~~feitamente que o có~go soa ' Finalmente, a que chamamos rito? Tanto o código social
social apenas o inverte. (Se p "f .da de de cada alimento ... como o ritual envolvem todos os participantes igualmente num
neste ' caso, e, ditado pela i espect
) ICI
mesmo evento. Já o rito estabelece o espetáculo e, por conse--
Mas isso não importa, aqu ~i o - esse, um brasil~iro - c:J~e, qüência, a divisão entre atares e espectadores. O rito é, por
Lembro-me de outro a J extrapolar códtgos sOCI.als.
também por div~rtimento, da r~::v;odem ser vendidas em .J?re~­
exemplo, a missa, a inauguração de um banco-, um desfile mili-
tar, eventos rituais que se declaram espetáculos.
Por exemplo: muitas m;r~a ~]e tentava aplicar o mesmo priDCI· É importante separar esses conceitos ,que correspondem,
tações ou em pedaços. OIS . a e propunha pagar o preço para nós, a momentos e formas precisas da jnter-relação social.
' d"f tes Ia ao CJnem nha
pio a coisas I eren . nsalidades. Diante da recusa, pro.t;>u ..
da entrada em suaves n:e d 60% do preço e assJstma . ·a) O modelo: O Coringa pede a alguém que venha ao
"d d 1a de entra a l .
no\·a modab a e: pagar d . o dinheiro restante, vo tarJa centro e execute um gesto ritual, isto é, um gesto que pertença
a 60% da projeção; quan ~e::~~~~edo filme ... a uma estrutura social ritualizada. Os demais devem observá-lo.
20 cinema para comprar o . l
e~
bora seja absolutamente neces- Quando alguém acredita ter descoberto a que ritual pertence o
!'<- Portanto, o ;ódigo socra' dade seria impensável sem al- gesto, vai ao centro e complementa o gesto ritual com outro igual-
sário e indispensave_J (e u%~) sot~~a-se também autoritário. mente ritualizado. Uma segunda pessoa, e uma terceira, e
guma forma de c6di2<:> s~ociaÍ não responde às nece:sidades. e todas quantas acreditarem ter compreendido o gesto inicial, e,
Quando um có tgo, . aplica e que se veem assim
pes~oas ~u~Is s~e
depois, o gesto modificado, complementado,. aumentado, vêm
aos desejos das as reallzar determinados atas,
constrangida~ rb:tg:~:s o~ re~~:J.los
igualmente ao centro e formam todas uma grande imagem está-
a0 de forma não desejada, di- tica do ritual proposto pelo prímeiro gesto.
ou mesmo sao f "tual Ritual é
zemos que o código social se trans o~mou nu,m. rr ;oritário ; É evidente que só os gestos rituais, pertencentes a determi-
Pois o código que aprisiona, que obnga, o codigo au- d ' a nada sociedade, cultura, ou momento histórico, poderão ser com-
código• desnecessano,
, . ou, _?10r,
· 11ecessarr
' ·0 a' manutençao e um preendidos e complementados pelos demais panicipantes. As:
V i a qualquer de opressao.
~orm vezes, tais gestos poderão ser compreendidos apenas pelas víti-

a~a
P dar um exemplo que ilustre bem a diferença entre mas. Dou um exemplo: em Paris, com freqüência, árabes, negros,
e outra citemos um atar que, apaixonado pelo papel pu pessoas diferentes da 11orma propõem o gesto de um policial
umaH coisa '
I t interpreta-o todas as noites· , ·
com o max1mo de amor
que bate continência ao mesmo tempo em que estende a mão.
ded da.m
e e 1caçao, e_, cheio de prazer, de alegria. · Ele repete
C todos os
be Os árabes, os negros e as pessoas diferentes imediatamente com-
. mas palavras, os mesmos movunentos. orno s~ o ·
dias as mes ente a um código (teatral) ao qual obedecem preendem e complementam: trata-se de um policial que pede
decesse alegremd mais atares: 0 código do texto e da mise-en- papéis de identificação no metrô ou na rua. Pedem-nos apenas,
igualmente os e obtém sucesso e os espetáculos continuam, via de regra, aos árabes, negros ou pessoas diferentes. Esse
scene.
00 200 Mas 30aOpeçavezes. Nosso ator está cansado. Vem · ao teatro
R mesmo gesto (continência e mão estendida) é, no entanto, visto
1 • ' . mas 1'á não demonstra o mesmo Interesse. e- por qualquer pessoa, cotidianamente. Só impressiona, contudo,
..
pete nottes, Paiavras, executa os mesmos movimentos, mas
rodas asas mesmas as pe~soas contra as quqis se dirige, isto é, as pessoas que são
oprl.tn.Jdas POl: esse gesto.
I . 72

7).
0 mesmo ges to, fei to em outras : idades onde a_ perseguiç.ã~ <:om o erro científico: um erro num cálculo matemático anula
aos diferentes não é tão acentuada~ evidentemente na~ produz;~a r esul:adc ; em arre, pode enriquecê-lo. É preciso analisá-lo ~
reação alguma e os participantes nao o complementarao por nao -cxrraJr os ensinar.1enros propostos tan to pelos erros como pelos
enrendê-lo. .acertos.
A complementação do gesto ritual é, em si mesma, revela- . III· Novo sinal, e cada participante deve iniciar um mo-
dora do pensamento dos que o complementam. Por exemplo, o ~·; me_n~o contínuo que dê andamento e prossiga o movimento
oesto de uma pessoa sentada que olha o cardápio e chama o Jm~ll.cJto no ;nodelo. I sto é, deve proceder como se a imagem
~arçom: quem se senta ao lado do protagonista (o que mostra estatJca que e o modelo fosse o fotograma de um filme - es-
~ gesto ritual) revela, ao fazê-lo,. seu próprio pensamento. Por :ava · par.ado, estático, e agora o filme retoma o movimento.
exemplo, se uma mulher se senta à . mesma mesa, como s_e co~­ quando Isso ocorre, .o gesto ritual transforma-se no ritual: mo-
porta? Como boneca ou como companheira? O garçom e, serv1l vJ:nentos, açõe:, palavras, gestos, etc., mecanizados, predeter-
ou luta por . seus direitos, trabalhando sem dobrar a espinha? mmados. ~m rttual é um sistema de ações e reações previstas,
Quem se senta ao lado? . Como come111? Qu: cara f.azerp?.. Esta- -predetermmadas.
rão sós ou em grupos? Qual a atitude do ca1xa? ExJstem ou tros
garçons? São todos igua_is ou há diferenças entre eles? .
Outro gesto ritual que ocorre na Europa com grande fre- 8. O ritual
'qüência é o ·da mulher que, com gesto de enfado ou chateada,
·c onta quantas pílulas faltain e toma a pílula do dia, antes de se Esta é urna técnica simples e eficaz, extremamente revela-
deitar. A complementação é igualmente reveladora . Quando o dora; . A construção do modelo já é sua d inamização. Prefiro dar
primeiro homem salta sobre a . ccma, quanta coisa revela! E~tá cm exemplo que a e?clareça concretamente.
ansioso ou cansado? Lê um jornal ou tira a roupa? Dorme., vna Foi em Norkkoping, na Suécia, durante uma discussão
-- de lado e ronca, impacienta-se, sorri, reclama, in teressa-se, de- sobre os temas que. deveríamos tratar. Uma jovem propôs o tema
sinteressa-se? As relações usuais de casais saltam aos olhos com da opressão ~a mtflke_r. Muitas aceitaram, mas uma senhora pro-
·a técnica do gesto ritual. testou energicamente : .
b) A dinamização: É a mesma da técnica n. 0 2: riti?o, pa- ~. P~r que_ vam.os' falar da opressão . das mulheres, se aqui
na Suec1a Isso nao existe? Só porque está na moda? Se 0 teatro
lavra e movimento.
I. À u·~: sinal do Co?iil.ga, todos os componentes da: ima- do oprimido é o teatro da primeira pessoa do plural, se de~emos
falar de nós mesmos, então não estaremos fazendo teatro do
gem complexa criada a partir do gesto ritual devem · fazer ·um
opri~ido quando estivermos f~lando das opressões alheias ! É
·ritmo proposto pela posição que assumiram. O ritmo acrescenta
verdade que ~s mulheres são ~primi~as.- na maior parte dos países
informações.. sobre a imagem. · .
do mundo, e verdade que sao opnm1das . na Africa no Sudão
II . Novo sinal, e cada componente deve simultaneamente o~de se pratica até m~sruo. a ~nfi~ulação, é verdade q~e são opri~
dizer e repetir diversas vezes a mesma frase: O Coringa inter- m1das mesmo em ~a1ses md.u stnalmente desenvolvidos, até na
·rompe o jogo e pede a cada participante, agora um de cada vez, Fpnça ... m~s .aqui ?a ~~éc1a somos iguais aos homens, temos
que repita a fráse que pronunciou, e que deve pertencer ao os mesmos d1re1tos, Igualzinhos!!!
personagem corporificado na imagem, não à pessoa que o cor- Era tão v~ernente que eu quase acreditei. Por via das dú·
porifica. Muitas vezes, nessa etapa, verifica-se que algumas vidas, perguntei :
pessoas entenderam mal o gesto ritual original e se equivocaram. - Então é verdade que aqui na Suécia as mulheres ganham
Nesse caso, pronunciarão fr~ses ~ue nada têm a ver com a o mesmo que os homens pelo mesmo tipo de trabalho?
imagem global. Mas ainda assm~ ~.. unagem .é reveladora: por que A senhora hesitou:
alouém entende mal? Que amb1gu1dade extstente no gesto .ritual
p;rmite o mal~entendimento? O erro artístico nada tem a ver .- Bem.F. . também não é assun· . N-ao e' bem assim. h É o
segmnte: na rança, as mulheres ganham menos que os omens

75
••elo mesmo tipo de trabalho. Mas aqm. na co
~"
Suécia
maisé que
diferente
nós ..- ·
aqui são os homens que ga nh amb. um pou e do ponto de v1sta . f l-
Ela sinceramente, não perce la qdu 'nada valia sua sutilez~ 3. foi à cozinha buscar um copo de uísque (os outros
nanceiro' era a mesma coisa . ~ que. e opressão. A ss1m, . use1 dois variaram um pouco e, em lugar do uísque, busca-
vocabular. ' Sinceramez:te, e1a .nao a/ VIa sua . ram uma cerveja ou um sanduíche ... ) ;
4. sentou-se diante da TV;
a técnica da construçao do rztu • · h e três mulheres. Pedi
' . . tres omens 5. sentou-se à mesa e comeu a comida, que, magicamen-
Solicitei seis voluntarws. tamento que f osse vál'd I te, já o esperava;
que construíssem um mode1o . h de Tv ' · wc0'
aparquarto, cama, moveis, 6. cochilou;
para todos os seis. Sala, cozm a,desdjassem de uma forro~ que 7. levantou-se, foi ao wc, depois se dirigiu para o quarto
hall, etc., tudo disposto como típico. Em' seguida, pedi que e dormiu ... profundamente!
reproduzisse um apartan:ent? Jh Pedi-lhe que mostrass~,
saíssem todos menos a pr1~eira mu er.
Esse era o ritual do homem. .
gestos que fazia. ntua. li st I-
'
rapidamente, todos os mov Imentos e
e entrava em casa epoisd · do A senhora que dizia não haver opressão contra as mulhe-
b !h desde o momento em q~
res na Suécia continuava olhando. . . sem nada ver/
camente dormir Esses gestos e esses
tra a o ate, o m_omen to em. que s deIa forma ·demonstratzva · e não - E então? Existe ou não opressão? - perguntei.
movimentos Jev1am ser fei~o .
- Por quê? - devolveu-me a pergunta.
por exemplo, mostrar que
realista, isto é, as pessoas eviam~ento seguinte, sem mostrar Fiz então uma segunda dinamização. Pedi a todos os seis
comiam e passar ao gesto ou .r:nov_ Todo período de entrar participantes que voltassem ao apartamento, agora todos de uma
todo o longo proce~so da.
em casa até ir dormir devia urar
mdasuga~~~~ 0
ou quatro
t do
minutos, isto é, vez, e que repetissem exatamente os mesmos movimentos que
tinham feito antes. Deviam apenas acelerar, fazer tudo muito
0 , 1.mo necessano
, · para mostrar u ... • . .
tempo mm . mais rapidamente, como se fosse no cinema mudo, em que todos
A primeira mui her mostrou a segumte sequencta. d os personagens parecem correr.
1 entrou com sacolas de compras do supe~merca o;
2: dirigiu-se à cozinha e guardou os mantimentos;
3 . fez a comida;
E assim foi feito: todos os seis entraram, correram, repeti-
ram as mesmas coisas que haviam feito. As três mulheres avan-
çaram para a cozinha, os três homens para a TV; as três puseram

ºI 4.
5.

6.
serviu a mesa; d
comeu em companhia e outras pessoas
(marido, filhos, etc.);
imaginárias

tirou a mesa, voltou à cozinha e lavou os pratos;


a mesa, os três comeram gostosamente; as . três lavaram os pra-
tos, os três coch.i.laram e foram dormir. As três continuaram
fazendo coisas, cuidando dos cães e gatos e das crianças, e os
homens roncavam na ·'cama ...
v
7. cuidou do cachorro e do gato;
8. regou as .plantas;
Só então a senhora conseguiu ver aquilo que olhava sem
compreender.
9. foi dormir.
O ritual é uma das formas de se chegar ao teatro-foro, isto

I
A segunda e a terceira mulheres agiram quase que d.a mes- é, à apresentação teatral do modelo de teatro-foro, de se chegar
f Repetiram os o-estas das compras, da geladeira, da à mise-en-scene, à mise-en-place.
ma orma. "' - filh
· h
cozm a, da mesa ' dos pratos,
. alterando
f o cao ·e o gato, dos · os, O ritual é uma das formas (entre outras possíveis) de se
acrescentan do um ou dms te1lh e onemas às amigas, e na a mais. criarem as condições teatrais para que o teatro-foro seja sobre-
E era o ritual da mu er.
sse 05
P assam 'd . h E t un· . I
tudo teatro, e nã~
apenas foro. Muitas vezes o ritual mesmo
em segui ... a aos omens. n rou o pr eiro e contém os elementos que conduzem à opressão e, muitas vezes,
mostrou a seguinte sequencia: . i
a libertação do oprimido é feita necessariamente pela quebra de
1. entrou com
0 jornal emba1xo do braço;
d · h {I
rituais. li
2. tirou os sapatos e eixou-os no a ·i Dou um exemplo: uma moça. de 25 anos era recebida pelo I'
I
-' pai, industrial, que queria forçá-la a viajar e desaparecer de Paris J'
76. l por alguns anos, pois ela se apaixonara por alguém que não era
do agrado do pai (sim, essas coisas ainda acontecem hoje em i'
77 I
11
c

dia mesmo em Paris ... ) . O pai a recebi~< em seu escritório, E nó;, que tudo olhamos, podemos, muitas vezes e quase
or;de costumava receber os clientes: sen~ava-se a u~a enorm.e sempre, o..?ar sem oer. Tudo nos parece natural po-q
mesa de dois metros, cheia de telefones, livros e papeis, e o cli- .
habIt~amos a olhar sempre as mesmas coisas da mesma • maneira.
ue nos
ente (e também a filha), a dois metros de distância, nu~a ca- Mas as vezes basta, por exemplo, que num mesmo ritual se mu-
deira isolada e sem apoio. Armou-se o ritual do atendunento dem as máscaras, e a monstruosidade desse ritual aparece clara-
dos clientes. A filha entrava, era recebida pela secretária do se- mente.
cretário do pai, e tinha que ouvir os longos discursos sentada, a Nesta técnica, já descrita e exemplificada em 200 exercícios
àistância, isolada, impotente diante dos im?onen~es telefor.es! e joc,os, o que se faz é o seguinte: mantendo-se o mesmo ritual
Fizemos o foro e todas as espectadoras que entravam ren- o rapaz troca de máscara com a moça e ambos se comportam d~
diam-se: contra tal pai, nada era possível faz~r, acreditavam. ~té acordo com o novo papel; o mesmo faz 0 fiel com o confessor
que veio uma espectadora e se recusou a sentar-se na ca~eaa : o p:i com o filho, o professor com o aluno, o operário com ~
avançou e sentou-se sobre a mesa do pai - quebrou-se o ntual. patrao, etc.
Na relação cadeira-mesa estava a terrível opressão paterna. Na Pode-se igualmente manter o ritual e modificar as motiva-
relação. 'moça-sentada-em-cima-da-mesa x pai-sentado-a~rás-da-me7a­ çõe~, ou ~~alisar as máscaras multiplicando-se os rituais dos
. assustado, as idéias medievais paternas não podi~m ser In- quats participa o personagem que pode simultaneamente ser
culcadas. na filha. O pai era obrigado a olhar para Cima, a aga- pai, filho, funcionário, marido, etc. - pode-se estudá-lo em ~adas
. ch~r7s~ na cadeira para poder olhar a filha: E nenhuma autori- essas relações. I

dade paterna resiste a essa posição incômoda e ridícula.


Lembro-me de um filme de Chaplin em que Hitler recebe
Em suma, o importante é ·desmontar os rituais e desmontar
as máscaras. lesse processo, podem revelar-se mais explicita-
I~
Mussolini sentado numa cadeirinha bem menor e mais baixa que

I
mente todas as relações de opressão sofridas e provocadas, pode-
-- a. sua ... A relação visual, a relação de imagem, também contém se estudar o caráter de oprimido-opressor, a figura que mais
uma relação de força! _ aparece dentro de um contexto social.
Na encenação de um modelo de . teatro-foro, porta1_1to, Çl
. ritual cumpre papel de ·enorme importân_cia . . Mas ele ser_ve tam-
bém ..à an~lise de umà situação dada. o importante é que ~e bus-
qu~... sempre O ritual . ond,e .' S~. verifica a opressão: O ritual da
chegáda ao trabalho, O encontro do .rapaz com a moça nU;m_. bar
ou !?;O apartamento dessa . o,u ; daquele, o . aniversário ~a ~ãe, a
visita de um inspetor da polícia, o fil..~o que pede dmhe1ro ao I!
pai, o fiel que pede desculpas ao confessor por seus pecados, e
assim por diante. ·
I'
r
9·. Os ritt:ais e as máscaras

Os rituais determinam as máscaras: o hábito faz o m~e!


O s homens que realizam as mesmas tarefas assumem a máscara
imposta por essas tarefas; as mulheres que procedem sempre da
mesma maneira diante de um mesmo fato assumem a máscara
determinada por esse procedimento. ~ burguês, o operário, o
·· estudante, o atar, não importa · que tlp~ ~e especialista, termi-
.nam_por assumir a máscara de sua especialidade.

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TEATRO INVISíVEL '
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. REPERTÓRIO PARA o TEATRO INVISÍVEL


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Quero agora fazer·. ~m relato simples, objetivo, do que t~m
t sido algumas experiê~cias feitas · com o teatro invisível em di-
versos estágios que .dirigi" em alguns países da Europa.
Antes, porém, é necessário insistir sobre alguns pontos fun-
damentais: · . ·
·_ I. O teatro invisível é uma, das técnicas · do teatro do oprimi-
do e, assim ·sendo, tem os mesmos objetivos fundamentais: 1.0 )
transformar o espectador em protagonista da ação dramática, o
objeto em sujeito, a· vítima em agente; o morto em vivo, o con-
sumidor . em produtor; 2.0 ) ..através dessa transformação, ajudar
o Úpectador- a preparar ações reais que o conduzam à própria
liberação, pois a liberação do oprimido será obra do próprio opri-
mido, jamais será outorgada por seu opressor.·
: "Assiin, em primeiro lugar, trata-se de buscar o efeito con-
trário ao da catarse aristotélica - busca-se a dinamização do es-
pectador: em vez de eliminar a harmatia (isto é, o caráter sub-
versivo, transformador, revolucionário) que existe em todo o
oprimido, procura-se aumentá-la estimulá-la fazê-la crescer.
Brecht tentou o mesmo, mas, ' '
a meu ver, ficou na meta_de
do. caminho. O que é insuficiente em Brecht é a falta de ;ç~o
do espectador. Seu teatro também é ·catártico, pois ~ão ·~~:
que o espec t ador pense: e, necessano, . tam b,em qu e eJb... aJa, caráter
aCJ '
realize, faça, atue. O erro de Brecht foi não perce ~~to 0
ele
indissolúvel do ethos e da dianoia, ação e pensam

83
propõe dissociar e mesmo contrapor o pensamento ~o. espect~­ IV. O teatro invisível tem certas regras de jogo:
dor ao pensamento do personagem, mas a ação dramauc~ ~no­
nua independendo do espectador, que se mantém na condiçao de a) o objetivo do teatro invisível é tornar visível a opres-
espectador. são;
O importante é que 0 espectador entre em cena e retome "' h) os atares não devem jamais cometer qualquer ato de
seu direito de protagonizar transformar as imagens do m:m~o violência contra os espectadores, ou intimidá-los -
que lhe são mostradas par; depois poder transformar o propno sua ação deve ser sempre pacífica, já que se trata de
mundo: 0 teatro é 0 'lugar onde se ensaiam atas futuros, atas revelar a violência da sociedade tal como ela existe, e
reais, atos de liberação. não de duplicá-la;
Mesmo que nem todos os espectadores _prati_que~ o mesmo ";: ) a cena deve ser a mais teatral possível, e deve ser ca-
ato liberador isso não impede o efeito de dmamrzaçao. Quando paz de se desenvolver mesmo sem a participação dos
um. ator pra;ica um ato, ele 0 pratica. em lugar do. :spectador espectadores; ·
( pon anto retira do espectador a necessidade de prauca-lo); mas d) os atares devem ensaiar o texto escrito da peça ou da
quando é ' outro espectador (um ser igual a todos, não superdo- cena, mas também devem ensaiar as intervenções possí-
tado ) que 0 faz, de 0 pratica em nome de todos os outros ~er:s veis ou previsíveis dos futuros espectadores;
iguais a si mesmo em nome de todos os homens da sua propna ..- e) um espetáculo de teatro invisível deve incluir sempre
dimensão. Aquilo' que outro espectador faz, eu também. sou ca alguns atares coringas, que não participam da ação cen-
paz de fazer - ao contrário do que acontece com o art1sta, su-
perdotado, capaz de heróicas proezas das quais sou incapaz!.- ~
I· t~al e que atuam a fim de 4ifuecer os· espectadores , ini-

II . O teatro invisível deve ser preparado como uma cena


I ciando conversas sobre o tema da peça que será r epre-
sentada;
I
I

I
normal, com atares que interpretam personagens, com caracteri- f) devem tomar sempre todas as medidas de segú.rança
zação, idéia central, etc., como se fosse para ser apresentada em possíveis, já que cada país tem as próprias leis e ofe-
um teatro convencional. Em seguida, essa cena é representada rece os próprios perigos - as medidas de segurança
no próprio lugar onde poderia ter ocorrido. Não existe o cená- não são iguais para todos;
rie: não se faz a transposição de um lugar real para um lugar g) não se deve jamais praticar uma ação ilegal, pois o
fictício: representa-se na realidade mesma. Nãó se trata de fazer, objetivo do teatro invisível é precisamente quest ionar
como fazia Antoine, um açougue de cenário que seja totalmente e pôr em causa a legitimidade da legalidade.
igual ao açougue verdadeiro (até a carne pendurada): trata-se •
de representar dentro do próprio açougue. Se •..a. c~a . poderia O capítulo sobre Liege ,explica mais . detalhadamente esse
. ~t 9 1..,_,. ,; ... , .,.. "'"'
.~ r: , .._~,... -.;.. ··
ocorrer num restaurante, representa-se num restaurante; o mes- resumo.
mo num vagão de metrô, ou nas ruas, nos halls, nos eleva- I sso posto, passo a narrar algumas experiências interessan-
dores, nas estações, não importa onde: importa que seja o cená- tes, que talvez possam servir. de modelo ou estímulo.
rio real e não apenas realista.
III . O teatro invisível deve ser representado diante de
espectadores que _não têm . ~onsciência de sê-lo, e, conseqüente- 1. RenTJes: A moça violada em frente ao correio
mente, não se deiXam aprlSlonar nos rituais imobilistas do tea- f
tro convencionaL o_ espectador vai agir como protagonista dos Quando estive em Rennes pela primeira vez, uma das coi-
acontecimentos. Ass1m, mesmo se decide ficar apenas olhando sas que mais me impressionaram foi a violência da repressão que
ou se decide ir embora, essa será uma decisão que tomará livre~ sofriam os estudantes até pouco tempo atrás, segundo o testemu-
mente, como sujeito - será um ato voluntário. nho de gente que trabalhou comigo. Contaram-me que era co-
mum, na escola, obrigarem os alunos a falar exclusivamente
fráncês (o bretão é uma língua completamente diferente, não-
84
85
latina) . Quando um aluno era surpreendido falando bretão, fa- c~ f~;nt~ a, ela. ou~ra moça co~ o. dedo ~a boca, pedindo silên-
ziam-no carregar um cartaz pendurado no pescoço, com dizeres CIO: Psm.1 Isto e, o que mais ImpressiOnava nossa escultora
referentes ao fato. O aluno só poderia retirar esse cartaz hUllli- cr_a o, fato de que as outras moças, companheiras da vítima, con-
lhan te se denunciasse outro colega que estivesse falando bretão. tnbt.:lam de certa ferroa para a opressão. Pediam silêncio, su(Te.
As autoridades escolares incentivavam, assim, o dedo-durismo. riam q~e a agr~di_da se calasse. E era isso exatamente o q"ue
E o último aluno a carregar o cartaz deveria levá-lo para casa e acon~ecia na ma10na dos casos, pois quando uma jovem contava
trazê-lo de volta no dia seguinte, sempre pendurado no pescoço, ter s1do estuprada, passava a ser desvalorizada por seu meio am-
sempre prcvocando o riso e a chacota dos transeuntes. . . fran- biente. Houve mesmo, na Itália, o caso de uma mulher que pro-
ceses. cesso~ s~u estuprador e foi estuprada uma segunda: vez pela gang
Contaram-me também que era freqüente encontrar-se em do cnmmoso.
alguns estabele'cimentos comerciais a advertência intimidatória: .. Era isso que mais impressionava nossa a triz: o silêncio, a
"Proibido cuspir no chão e falar bretão". falta de so~daried_ade. Ao lado da imagem central, ela havia
Quer dizer: os bretões eram duramente reprimidos. coio.cado dms casa1s que assistiam à cena e . não faziam nada.
E até hoje a Bretanha é uma das regiões mais quentes da ' A partir dessa imagem, preparamos uma cena de teatro in-
França. Existem mesmo grupos separatistas armados que fun- visível cujó objetivo era precisamente discutir ·a falta de solida-
cionam com certa regularidade. Uma de suas últimas ações foi riedade. Relato essa cena porque · ela teve para nós várias carac-
jogarem uma bomba no Palácio de Versalhes. Depois desse aten- terísticas exemplares, e porque mostra com que rigor se devem
tado, seus autores explicaram que queriam fazer . com a cultura preparar as cenas invisíveis. O menor erro pode realmente des-
francesa o mesmo que os franceses fizeram com a cultura bretã: truir toda a cena.
destruí-la! Evidentemente, foram condenados ... . pelos tribunais ·A peça. era assim: . .
franceses. ·· ·. 1.• ação: Exatamente às 5 h em ponto (todos acertamos
· :--- Muito poucas vezes os atentados bretões causam vítimas nos·sos relógios, até nos segundos), a a triz que seria seqüestrada·
pes.soais. Os guerrilheiros tomam todas as precauções para des- começava a andar do lado esquerdo do edifício dos correios cen-
truírem apenas a propriedade, não o proprietário. Nesse sen- trais ·em Rennes; no mesmíssimo momento, do · lado direito, co-
tido, são exatamente o contrário da bomba . de . nêutrons, ..imagi- meçavam a caminhar os três agressores . . Numa sincronização per-
nada especialmente para a destruição de seres humanos, Irias não feita, ~oi~ casais, 15 segundos mais tarde,_ vinham da esquerda
das coisas... · ·· e da dtrelta, porém do lado de fora da marquise. E, finalmen-
, Não quero ser alarri:ústa, mas a esse quadro ' de violência te, outra a triz, que representava o ' papel · de s·a lvadora, punha-se
.quero acrescentar que, em princípios de 1978, q1;1;ando lá ,estive também em marcha, meio minuto mais tarde. ·
trabalhando, tinha havido em Rennes uma onda de estupros. 2.• eção: A viola~a encontr:a-se com· os três agressores , que
Uma jovem chegou mesmo a cometer suicídio, _depois de 'viOla- tentam agarrá-la e mete-la dentro de um carro. Ela grita e pede
da. Por isso, era lógico que a violên.cia e o estupro fossem,.temas socorro. I
estimulantes para nossa discussão; durante o estágio. · J.• ação: Os dois casais chegam. assistem à cena e as mu- t.
Começamos a discutir utilizando as técnicas do teatro-ima- -.
~- .

lheres tent_am ajudá-la, mas são impedidas por sei.Js acompanhan-


gem. E logo uma coisa nos impressionou muitíssimo. Pedi que
cada um dos participantes do grupo fizesse a imagem do que
tes ·masculmos com os argumentos convencionais ·dessas ocasiões:
"Não vamos nos meter. Vai ver que é assunto de família. Algu·
I
j

era, para ele, o estupro. E quase todos fizeram imagens extre- ma coisa ela deve ter feito". Coisas desse gênero.
_mamente violentas de jovens indefesas, agarradas por meia .dúzia 4.• ação: A salvadora aproxima-se e começa a gritar com as
de brutamontes. Sucederam-se, assim,. várias imagens, até .. ·q~e duas mulheres, incitando-as a ajudar a vítima. Finalmente, con-
uma a triz. esculpiu uma imagem belíssuna. · ~ra assim: um? . jo- vence-as.
vem jogada ao .chão, .três homens com as maos no sexo em . ·ati- 5.• ação: As três mulheres atacam os três agressores e res-
tude de ameaça, todos de pé ao longo do seu corpo deitado e, gata.m a agredida.

87
~86
Os três homens fogem. - di 1 con- não compreendia nada: primeiro, pela ausência da salvadora
6." ação: A salvadora e a.. vítima da agre~sa~sta ae~:a~ parte numa cena que tinha sido ensaiada; depois, pela presença do po-
tra os dois homens que não hze:am .nada. diante de um licial, numa cena totalmente improvisada. Foi aí que Jean-Louis
mais importante: tratava-se de discuur por qu.et, foge desapa- teve uma idéia genial: em vez de continuar representando seu
- 's vezes se omt e, , papel de agressor, mudou imediatamente de personagem e co-
caso tao concreto, tanta gente a p . os ateres prepa-
- ili
rece, e nao presta o aux o q.
ue deve or tsso,
_ · r umentos e contra-argu- meçou a representar um papel inventado de testemunha. Foi
raram uma longa cena com dtscussao, a g maravilhoso!
memos, razões e contra-razões. . dita deveria No exato momento em que Jean-Louis trocou de persona-
. A agressão propnamente g~m, a ~triz. que interpretava a violada, percebendo a jogada,
E sse era o rotetro. _ . imeiro para que os
ser extremamente rápida, por duas ra.zoes. procu aç'ões por sim- altou-se tmedtatamente a ele. O policial ficou totalmente con-
• d sem matares pre P , fu~o: tinha visto Jean-Louis tentando agarrar a moça e agora os
tres ateres pu essem escapar f . mesmo que esti-
ples questão de segurança. Deviam ughtr ~ntes dido E segun- dms acusavam outra pessoa. O policial pediu detalhes, e Jean-
vesse claro para os transeuntes o que avta suce biente para Louis, tão fascinado estava com seu ardil, começou a descrever-
do porque o que queríamos era apenas aquecer o. aro se a ~i próprio, e disse que o agressor estava vestido com calças
a :naior eficácia teatral da discussão. Isto é! o lDlportante era bl~e-1eans . (como ele), com um gorro listrado ( como ele pró-
a discussão da falta de solidariedade, e era msso que se centra- pn?)! enft.~, ~es:reveu sua p~ópria roupa, suas próprias carac-
vam os diálogos preparados pelos atares. ~ensucas fts1onom1cas. O poltctal, cada vez mais espantado, saiu '
Mas sucedeu o imprevisível. d ? pre>cura do ~gressor ... ''
Às 5 h em ponto, no momento combinado par~ que to os I!
Enquanto isso, a desesperada salvaddra pôde enfim cruzar
começassem a andar a fim de se encontrarem n~ t~tervalo de I'
' · · 1 d o ew a rua e chegou a tempo somente de participar do debate sobre
meio minuto no centro da porta prtnctpa tcto a'os cor-
.J:f'
I
.a solidariedade, que se iniciara entre todos os transeuntes pre-
reios, todos começaram efetivamente a caminhar. Menos a sal-
\'adora que, por inadvertência, tinha cruzado a rua e, quando
quis voltar, viu que o sinal estava vermelho p~r~ os transeun-
sentes.
Uma coisa, no entanto, nos chocou muitíssimo: quando o II
tes e os carros em alta velocidade não lhe permmam atravessar. policial retornou da sua busca infrutífera, em vez de proteger a
Fic~u nervosa e desesperada, vendo que todos os outros, a dis- vítima, agredia-a. Como? Dizendo que, quando uma mulher é I
agredida, é sempre ela a culpada! O terrível argumento de sem- I
tância, seguiam seus itinerários. Do outro lado da rua, VIU que
a violada se aproximava dos agressores, viu quando esses a ag.a~­ pre! E começou a pedir-lhe os papéis, a exigir-lhe informações I
raram viu que os dois casais observavam ao longe sem parttct-
par, ~iu que a pobre violada começava a pedir socorro desespe-
sobre onde trabalhava, a fazer-lhe perguntas sobre a razão de
estar ali naquele momento, etc. I
rada e que a cena já durava mais, muito mais do que o que ti-
nha 'sido previsto, viu que alguém chamou a Polícia e, morta de
Esse exemplo mostra que o teatro invisível deve ser feito
sempre com extrema precisão. Devem-se tomar as mesmas cau-
I
I
medo e impotente, viu um policial correndo. Viu tudo issó do telas que se tomariam, por exemplo, para uma ação clandestina.
outro lado da rua ... sem intervir. Qualquer erro pode provocar a destruição de toda a cena. I,
Os três agressores e os dois casais, apanhados de surpresa, I'
nervosos na expectativa da salvadora que ~~o ap~recia, não sa- !
biam 0 que fazer. Juntou gente. E o ?oltctal veto vindo. Dois 2. Rennes: O "Bistrot" I'
dos agressores viram-n~ e escaparam, detxan?o a_ cena em J?~io .. .
O teree ,
iro coitado, nao percebeu a aproxtmaçao do poltctal e
. N . d f - l Com o grupo de a tores e não-a tores do CRIDEV (que é um !
continuou agarrando a atrtz. o mEeto a con usao gera , 0 poli- centro de. conscientização política e de informação sobre o Ter-
cial agarrou 0 ator pelo pescoço. u estava a poucos met.ros da ceiro Mundo) , fizemos uma cena muito simples, que afinal aca-
cena e ainda me lembro da cara espantada de Jean-Louts que bou batendo o recorde mundial de duração de um espetáculo de I
'
I .r:~

89

I I·
teatro invisível: mais de duas horas, quando havíamos prevtsto ator,), ·consolav~ a mulher, . que ~hegava mesmo ao soluço furte
10 ou 12 minutos ... e d01do. Depots de .algum tempo, e~a se tranqüilizou. E depois
O esquema era o seguinte: de duas horas, excitantes e exaustivas, começamos a sair do
1.• ação: Dois rapazes, vestidos de loubards (ou loulou, ba1; e. fomos. todos de v.olta ao CRIDEV, onde tínhamos encontro
como se chamam na França os rapazes que se vestem escandalo- ma:cado para analisar o espetáculo. Quando lá . chegamos,
samente, quase como astronautas, urna mistura de escafandrista rnwto cun~sos, perguntamos todos a Frédéric por que motivo
com Elvis Presley, que guiam motos ruidosas e bebem cerveja, a mulher tinha chorado e que coisas lhe tin.~a dito. Frédéric,
discutindo em altas vozes a última luta de Cassius Clay), entra- arar honrado e consciente, Jespondeu: "Ela me contou coisas
vam num bistrot (o de Rennes chamava-se Kennedy Bar) e co- parf.iculares dela, coisas íntimas. Mas contou apenas a mim.
meçavam a falar exatamente de Cassius Clay, bebendo cerveja e N?o tenho o direito de revelar esses segredos a vocês, porque
,!alando em voz alta. Isto é, exatamente o mesmo que faziam da falou apenas comigo .. . "
. outros loubards autênticos, ao seu lado. , Frédéric compreendeu perfeitamente que, durante uma
2.• ação: Duas moças, vestidas de loubards, entravam no cen.a de teatro invisível, ' um espectador · pode, circunstancial-
bistrot e faziam a mesma coisa, diziam as mesmas coisas e se mente, revelar . qualquer çoisa que· não desejaria tornar pública.
comportavam da mesmíssima maneira. . ~· nesses casos, o ator deve proceder com a mesma responsabi-
].• ação: Nossos dois loubards protestavam, argumen~ando lidade moral .do médico ou do advogado, os quai~, no exercício
que isso não fica bem para mulheres, e terminavam e>tjmlsando de suas profissões, podem descobrir fatos ou receber informll-
as duas jovens do balcão. ções que têm o dever de conservar secretos!
4.• ação: As duas jo:-•ens iam sentar-se na mesa de dois ra- ~uran~e as ~~;iaS horas· dessa longa cena, lembro-me de I!
pazes e os quatro tenta'tí'am discutir os ·direitos ·das mulheres, que .o~ elenco, pouco a pou,co; acabou convence~d~ os mais recal- I i
'
tentando envolver os clientes sentados em outras mesas. . . citrantes dos direif?s iguaí~ que têm as mulhere-s em relação
Esse era o esquema, e também aqui aconteceu o inespera- ao.~ ~omens. O mats recalcitrante de todos. era o garçóm que,
do: quando nossos dois atores entraram, foram perfeit~men~c ~p .~ln~l, . _ac;tbou co!Dentapdo: . "Até que, vestidas assim, cl..ts
assimilados pelo ambiente, e todos acharam muito natural e nor- flcam bom tas ... " ·
mal que estivessem vestidos daquela maneira, pois essa era a
nova moda. Mas quando as duas moças se aproximaram do bal-
cão, pedi;am cerveja, e antes que os nossos loubárds pudessem ~ . ,? _, R~nnes: O. superm~rcado e a publicidade
iniciar a terceira ação prevista, foram os próprios e autênticos
ioubards que as expulsaram, dizendo aproximadamente as ·mes- A . fiill' de ~ostr~r o caráte/~o~pulsi~o da propaganda, mt:u
mas coisas e usando os mesmos argumentos que tínhamos en- elenco de atares e não-atores preparou · uma cena complexa num
saiado. . . Para nosso divertimento, os atores ficaram de for::~, Íll)enso . supermercado . chamado, apropriadament~ de Mamuth .
vendo o que faziam os· espectadores. . . . · ... 1. a ação: Cerca de 20 ·pessoas entravam no supermercado
E também nesse caso, os atores que deviam interpretar o e prc~ediam exatarnénte com9 . ~odo mundo, buscando um carri-
papel de agressores trocaram de rôle e começaram a defender nho 'e começando a escolher as mercadorias. Martine Peyrot,
as duas moças. O interesse que· a cena despertou foi tão grande veterana atriz de teatro invisível, é ótima neste tipo de interpre-
que envolveu praticamente todas as mesas, onde jovens e velhos tação: ela cria um personagem à maneira de Stanislavskí. Em-
bebiam e discutiam a opressão feminina. bora soubesse que não ia . c.omprar nada, escolhia minuciosa-
E nesse dia aconteceu uma coisa que me causou imensa mente o produto c a marca de tudo que metia dentro do
alegria: durante a cena, uma senhora, cliente do bar, começou carrinho. e sua esco~a era determinada pelo personagem que
a conversar com um de nossos atares. De repente, ela começou c·riara. -. E cada vez cnava um personagem diferente, no Mamuth
a chorar e nós todos observamos a cena, de longe. Víàmos e no Bar Kennedy. E isso é importante, pois é preciso insistir
tudo · mas não escutávamos nada. Víamos que ·Frédéric (o no ·óbvio: o teatro invisível é teatro, e assim exige a interpre-
'
90 91
4. Pontedera: Ainda a propaganda
teatro convencional. E Mar-
tação de personagens, tal como ~ produto, a marca, o peso e
tine escolhia conscienciosamente Dentro dessa mesma linha, fizemos em Pontedera, na Tos-
cana, Itália, uma cena ainda mais simplificada e que funcionava
a medida. tavam-se no chão e começavam
2.a ação: Alguns atores sen odutos naturais exatamente apenas como detonadora. Era assim: alguns atores entravam
1l preparar um ptque · nique de nlatados.
pr 0 s f regueses que . se num supermercado e começavam a pôr mercadorias . . . nos car-
·
dtante do stand de aliroentos uee faztam . e no diálogo
. • antenor- rinhos dos outros. Os outros, delicadamente, recusavam. E.
1lproximavam perguntavam 0 q licavam os malefíctos causados então seguia-se um diálogo improvisado entre os ateres e os.
mente ensaiado, os atores expenúras ditas pela TV na propa- espectadores sobre por que se deve comprar este ou aquele
pelos alimentos enlatad0 alimentos
s as m etc. Essa era a parte vzsw · ' el produto, por que se acreditar na TV e não nos conselhos de.
outro comprador, etc. '
ganda de determinados nhC::ida como deliberada.
do espetáculo: a. açao atriz grávida, chegav~ à ca.t.xa
- eraa co · com
J.• ação: Ehane, um ra 0 bebê que 1a nascer. Nas
. d produtos pa 'nh
o carrinho che10 e mbém levavam seus carn os para · 5. Milão: A propaganda política e a propaganda
comercial
f.tlas ao la do, outros. atoresdta filas diante das calXas.
. El'1ane ln-
.
desorganizarem o slstem~ ede tudo aquilo mas que não tem
forma à caixa que preclsa ' Em Milão, no mercado ao ar livre de Garibaldi, fizemos.
dinheiro para_ pag: dinheiro, não compre. uma cena bem simples. Dois atores armavam duas mesinhas à
- Se nao t . r ue vi na TV que este produto é distância de 10 . metros, mais ou menos, um do outro. O pri-
_ Mas eu prectso po q filh va1' nascer. meiro fazia a propaganda de determinado sabonete, questio-
tal para meu o que
absolutamente fun damen . minha senhora! nando os clientes, pedindo-lhes que assinassem um papel no
A TV mente mmto, d
b' mentem porque a propagan a qual se solicitavam informes adicionais e literatura específica~
, ali
- A
Então voces tam em ' d da na etc. Era um verdadeiro incômodo para os transeuntes, que não
-
- que eu vi. na TV é aquela mesma que esta ' pen ura
reclamavam porque a isso já estavam habituados.
pared.:_ Então leve este produto que é melhor e mais barato, Enquanto isso, do outro lado, outro ator fazia o mesmo,.
porque não faz publicidade. . . t faz levar o mas ~obre tema diverso: os prisioneiros políúcos·. E também
- Como não tenho dinhetro mesmo, t~n oenh d ' pedia aos mesmos transeuntes que assinassem um papel, pedin-
mais caro ou o mais barato, dá no mesmo, -~ao t éodina a. do a libertação desses prisioneiros.
_ Passe no escritório e peça para abm ~m cr tob · · . Depois de alguns momentos, um ator · protestava contra
Enquanto um diálogo mais ou menos asslm se esta : 1t;cia a propaganda política e seguia-se um diálogo sobre as duas pro-
entre Eliane e a caixa, nas outras filas outros at?res ddiziam pagandas e suas características completamente opostas e anta-
seus textos pré-ensaiados sobre a violência compu~siva a pro- gôrúcas: enquanto uma é compulsiva, hipn6tica (compre! com-
paganda que ~os obri?a, a . consumir produtos nocivos em pro- pre! compre!), a outra procura ser conscientizadora.
porções excessivas e muteis. .
4. ação: Os ateres que faziam piquenique aproXlm~vad;
4

se da caixa e propunham uma coleta para pagar ~s compr f 6. Bári: As revistas pornográficas
Eliane. Lembro-me de que conse~iram junta_r mais de 60h ~~: !.
cos Eliane recusou a oferta, indignada, e sam do Mamut b

6i
Este foi um espetáculo divertidíssimo.
xa~do seu carrinho cheio de produtos para o bebê . · · ~ em ro- 1. • ação: Duas moças aproximam-se da banca de jornais c
me do sabor do vinho que compramos com aque1es . r~;osi perguntam em voz bem alta:
para comemorarmos o ·primeiro espetáculo de teatro Invislve - O senhor vende revistas pornográficas?
com bilheteria ...
92
9J
Quase sus~urrando e olh an d o em wda volta ' o vendedor
Mundial de Futebol, que se deveria r~alizar na Argentina, meses
responde qualSI~.
- - Eque . pornogr áfIca de todas;>. -
e a mais insistem
. . as depois. C elenco do CRIDEV preparou o seguinte espetáculo:
1." ação: Dois rapazes entram num bar, sentam-se e con-
moças . . de ende· existe uma revista para versam. Outros atores entram e sentam-se a outras mesas.
O vendedor explica quededip : elaçÕ"s heterossexuais
. l'd d lgumas se cam as r - li 2.• ação: Um jovem casal entra com uma lista, pedindo a
cada fma I a e; a al tras ao homossexua s-
ditas normais, outras ao se.xo grup ,' ~~ações se.l.:uais com ani- todos os presentes, um a um, para assinarem protestando contra
mo, e outras a~da ao onamsmo ou asê .(Confesso que não sou a participação da França no Campeonato Mundial de Futebol.
mais e outras· sobre sabe Deuds o qu . . repetem bem alto·· as U:n dos rapazes vem até o balcão e é interceptado pelo casal,
expe;·t. nesse . assunto ... ) As uas moçasb· i ·a quase sussurrada que lhe pede a assinatura . O outro rapaz que ficou sentado à
- ecebendo em voz a x ' mesa pergunta o que é que está acontecendo - e isso faz com
informações que vao r ntanto quer vender.
que o diálogo seja travado a certa distância: os dois rapazes
pelo tímido vendedor que, no . e d' '1 ' as duas moças com-
De ois de longo e exaustl~o l.a ogo, ' ·. ·. '· têm pelo menos duas ou três mesas entre eles, e essa técnica
p .· · · · · · . " ara cada; · . faz com que os espectadores que estão sentados nessas mesas
pram duas· revistas, uma p f . d de . velhas vestJ-
fiquem diretamente envolvidos pela ação. Numa cena de teatro
2 a ação: D uas ou t ras 2 trizes ' antas1a as '
·tos contra o invisível, os ateres nunca devem ficar muito próximos uns dos
m a protestar auase aos gn . ,
das de n~!F~· domeça tenham co~prado revistas p~rnogra­
.
outros, mas, pelo contrário, devem sempre procurar dissolver-se
fato .de que. ,as . .ua~ moçasse ue : (ensaiado, escrito, bem pensa-
ficas . No ~~a~ogo qude se l d que e1as mesmas são contra
do) as tnoças defen em-se IZen ~f . s ·mas que se · existem,
no meio dos outros espectadores, de modo a atingir o maior
número possível. O primeiro rapaz informa ·do que se trata e
ae~ist~ncia
· od ·
de 'revistas dpornogr lca 'los homens' como pdas
compra as tanto pe . al
o rapaz da mesa diz que não deseja as..sinar nada porque não
quer saber de política e sim de futebol.
- -devem
mulheres. p er ser lh d comentários de ordem mor ' J.a ação: Um ator sentado a outra mesa entra na conversa
As duas ve as a uzem . . J·Ôvens
.separand o a m.oral.. fe· mi'nina· da masculina,
, - com
. o que as l· •
e fala sobre a utilização política do esporte, diz que é isso mesmo
d que pretende a ditadura argentina, que irá utilizar un1 gconteci-
não concor am. . · rasgam as pa-
I ,
mento esportivo como propaganda de seu regime sangrento,
. 3 a ação: 'As velhas vão embora e as JOvenlh s
. : revistas e as 0 f erecem . a todas· · as· mu estarão
eres presentes, transmitindo ao mundo uma imagem completamente falsa e dis-
oinas das
"' , bolo de que' as mulheres que acettem
exterio- torcida do que verdadeiramen.t e ocorre naquele país. Portanto~
como s1m d d' .. ·
rizando seu apoio à igualdade e ~et~os. es- se o rapaz da mesa não quer misturar política e esporte, deve
assinar a lista boicotando o campeonato, para que a ditadura
A cena . foi muito divertida, prlnCtlhpalmente ~a~:f~e ;:ralis- argentina não misture esporte e política.
pectador present~ . ~sse qu
d' e as duas ve as. eram :r
casualidade havia por perto um 4.• ação: O rapaz da mesa concorda que não se pode dis-
tas por serem siciltanas. P or ' . trem (a ceria sociar uma coisa da outra, relembra que Hitler utilizou as Olim-
d d t . ilianos que esperavam o
orupo e estu an es SIC . , . d Bári) e que protesta- píadas de Berlim durante a ascensão do nazismo, etc., mas ar-
E . representada na estação ferrov1ar1a e ,
r~~ valentemente. Nada de mais grave, porem, aconteceu. gumenta ainda que ele é francês e, como tal, não deve introme-
ter-se na política interna de outros países. Outro ator, sentado
a outra mesa, levanta-se e protesta: não se pode separar a
7. Rennes: O Campeonato Mundial de Futebol política nacional de um país da política mundial, principalme~r
110 Argenti1~a
quando se trata de dois palses que estão econômica e comeroéa -
.
mente l1gados um ao outro. Revela quaI o montan t e_ do com ue r-
foi prolífica em ~enas de teatro ·invi- cio entre Argentina e França, e termina por . explic~r ~ui tas3
A estada e!D _Re~es
sível. Uma das mà1s s!IDp es e 1
eficazes referta-se ao Campeonato França vende armas ao Exérclto . f asasta
. argen uno·. ovo
as metralhadoras francesas que disparam contra 0 p
sao argen-

tino e latino-americano em geral.

95
mesmo processo não tinham corrido tão bem como eu esperava. Por quê? Porque
5.• ação em diante: Usando sempre 0 . ,. .
. s Ideias mais corren- tanto os atores como os espectadores falavam em voz extrema-
stmples o ator da mesa argumentava com a mente baixa, representavam de forma extremamente comedida
' - d emos meter em assun-
tes acerca do motivo por que nao nos ev di t' e parecia que se exteriorizavam com grancle parcimônia. E e~
. t do a outra mesa, seu ta
tos alheios. e outro ator ou amz, ~~n ~ dade entre os povos era estava acostumado a fazer teatro invisível na Itália· e mesmo na
o argumento .e mostrava que a fs?lialardie lembro-me bem, França, onde as pessoas são bem mais barulhentas e extroverti-
. . . t No m a cena,
a coisa mats IIDportan e. . d b · t poi·s a conversa das, e a agressividade pode ser vista e ouvida com mais facili-
. a lista e OICO e,
t odos os presentes assmaram b leto só falava nesse dade.
se tinha generalizado e todo 0 .d ar, r~p d ' que uma centena Para meus companheiros finlandeses, ao contrário, a cena
tinha consegUI o, mais o
assunto:. o que se · tlZ'ar uma centena dde pessoas sobre tinha caminhado perfeitamente bem, e estavam todos contentes.
de assmaturas • era conscten
. ~ · E com to a certeza aque1a
um tema de t:norme tmportancia. d ·
cen d continuou a conversar sobre o tema a peç:r
tena e pessoas um bar no Centro 9. Helsínqui: O desemprego
mesmo depois de saírem do nosso teatro -
de Rennes, bem perto da estação, do outro lado da praça.
Espetáculo simples · sobre um dos problemas mais impor-
tantes do capitalismo europeu: o desemprego.
. l.c ação: ~ntra um casal e senta-se à mesa de um grande
8. Helsínqui: 0 suicídio e a solidão brstrot. Outros ateres sentam-se a outras mesas mais distantes.
Em Helsínqui, trabalhei com estagiári~s ?a Finns yolkhos: . 2.c ação~ . ~ _z:.ap~ . le~an~a~se _e_. <#z . aos.. espectadores de
kola. E tomei consciência sobre o extremo cUidado que se deve outt:as mesas que está desempregado, mas que gostaria de comer
ter quando se muda de país, de cultura, ao· s~ trabalhar, ~om alguma coisa, exatamente como todos os demais. Cada um su-
pessoas de outras culturas, outros países, com. ci!feren:es ~~btt_os g~re algo diferente.
e -costumes características psicológicas e soCiaiS .. P01s f1Z~mo~ 3.c ação: Um dos ateres sugere que ele se ponha a traba-.
um espetá~o que me deu a impressão de não haver funcionado lhar no próprio bar. O rapaz aceita a proposta e começa a ajudar
e que, para eles, na verdade, resultou excelente. o garçom, o qual protesta dizendo não aceitar sua ajuda. Nesse
Era muito simples. No trem, um rapaz sentava-se perto momento, entra o leão-de-chácara do estabelecimento e faz
de uma moça e pedia-lhe que descesse com ele, que ficasse com menção de expuls.ar o rapaz.
ele por alguns momentos, que tomasse um café em sua com-
.. Ação de segurança~: No- momento em que o rapaz vai ser
~
panhia. A moça, a princípio, recusava-se. Outros atares (e tam- expulso, outros atares, sentados a outras mesas, levantam-se,
bém espectadores) entravam na conversa. Uns defendiam o defendem-no, falam do desemprego na Finlândia, das últimas
direito de uma pessoa pedir a qualquer outra que lhe faça com- medidas econômicas lesivas aos interesses do povo e, concreta-
panhia quando sente necessidade disso. Outros defendiam o mente, teatralmente, dispõem-se a fazer a mesma coisa que o
direito de cada passageiro a não ser forçado a se envolver na protagonista: começam todos a ajudar o garçom e assim, multi-
vida dos demais, que devem continuar perfeitos anônimos. Dis- plicando o número de protagonistas, tornam impossível a
cutiam-se as causas do suicídio na Finlândia (um dos países agressão do leão-de-chácara.
onde as pessoas mais se matam ), as form?s. de s?lidariedade 5.a ação: A fim de terminar a cena, que entra num im-
possíveis, etc. No final da peça, a moça deCidia-se fmalmente a passe, a esposa do rapaz diz que está grávida e que seu marido,
descer com o rapaz. por isso, bebeu uns goles a mais. Sai com ele do local e todos
Quando a cena ter~ou, eu, na estação, conversando com os outros continuam a discutir, retornando aos seus lugares.
os demais participantes, disse que na minha opinião as coisas

96 97
10. Azay-le-Rideau: O guia do castelo
cada um). Quando o jovem se t>xprime através da imagem
Utilizando o mesmo esquema, foi feita uma cena diante conotação particular de seu pensamento é tornada visível, a~si~
do famoso castelo dessa cidade, que se iniciava quando uma milável, compreensível.
jovem pedia ao guia para dividir com ela os seus turistas. Ale- ..i . Em suma, penso que a linguagem visual, pelo fato de poder
ser mventada por todo mundo, torna-se mais acessível, flexível
gava igualmente o desemprego, e discutiam temas relacionados. I
à divisão de classes. rica, densa, e menos sujeita a equívocos. '
Além de muitas e muitas cenas em que utilizávamos as
imagens também para saber o que pensavam os próprios profes-
11. Bollene: Um rapaz quer comprar um vestido so:~ ~~bre o sistema de ensino francês, das relações com 0
Jl Mimsteno da Educação, com os inspetores, diretores e demais
No Sul da França, na cidade de Bollene, convidado por autoridades c?Crcitivas, o que pensavam deles mesmos e de que
Robert e Yvette Lomchampt, fiz um estágio para 40 pessoas, -I ~ormas. poderiam romper as opressões que sen~iam, além de tudo
ISS?, amda en.contra~os tempo· para fazer- algumas cenas invisí-
<I
na maioria professores de pedagogia Frdn'et. Eles estavam espe- ~i
cialmente interessados em estudar as possibilidades de aplicação ! veis na própna Bollene e em Motelimar.
,,·:
das minhas técnicas do teatro do oprimido em suas classes com
seus alunos. A pedagogia F~einet é muito mais democrática do
.-· _ A primeira foi feita num supermercado - cenário privile-
giado .
que outras formas convencionais e antigas de ensino, e procura . l.a ação: Entramos todos, separadamente. Um rapaz . apro-.
sempre permitir, favorecer e estimular os alunos para que se x1ma-se do local ond~ se, vendem vestidos e começa a escolher.
exprimam de modo criativo, em vez de repetirem mecanica- A vendedora tenta aJuda-lo: . ·
mente o que aprenderam. "Abaixo a cultura bancária!" - como . - Como é o corpo da moça?
dir.ia Paulo Freire. - Não quero comprar um vestido pa,ra moça nenhuma:
Durante nosso convívio, que durou uma semana, penso quero comprar um vestido para mim!
qúe uma das técnicas que mais ·interessaram meus professores. A vendedora não compreende, mas não cria maiores pro-
Freinet foi a do teatro-imagem. E isso, creio, por uma razão blemas. . ..
importante: os jovens conhecem, mas · não dominam compkta- - A senhora acha que este tecido vai bem com a cor dos
mente o significado da maioria das palavras que devem utilizar. meus olhos? Na sua opinião, este plissado combina com 0 en-
Possuem um vocabulário que não é totalmente conhecido, do- caracola~o do meu cabelo~ · A senhora -acha que este vermelho
minado, aprofundado, conotado. Portanto, quando se exprimem, escuro f1ca bem com o ruivo da minha . barba? .
utilizam uma linguagem débil, a linguagem verbal, e muitas . O rapaz ia perguntando e a vendedora, dando sua opinião:
vezes o que dizem não corresponde ao que querem dizer - ou smcera ... embora estupefacta! , .. . ·.
o que nós entendemos não corresponde ao que nos quiseram 4
2. ação: O rapaz escolhe finalmente o vestido que lhe
dizer. conv.ém e vai prová-lo. Veste-se com o vestido. Volta. Começa
r: Mas quando usam as imagens para dizer o que pensam, os
a muar-se no. e~pelho. Outras pessoas aproximam-se. Ninguém
jovens (ou· qualquer um de nós) utilizam um vocabulário que compreende duelto o que está acontecendo.
eles próprios constroem. Inventam palavras de uma nova lin-
guagem. A imagem, a escultura feita com os corpos dos outros
, 3.a c:ção: Um jovem loubard, grotescamente vestido, porém
a la mode, encontra o rapaz e começa a rir e a chamar a atenção
companheiros presentes, corresponde exatamente ao pensamento
do escultor, pois esse pode dar-lhe a nuança que desejar- coisa
de todos os outros. Já existe uma multidão em toda a volta. Já
veio o geren.te, que fica observando: nada de ilegal foi fe~t~.
que não pode fazer com as palavras, cujas definições são encon-
As n:ercadonas estão ali para serem vendidas. o [oubard ndi-
tradas nos dicionários. Cada palavra possui uma denotação (no
culanza o rapaz vestido com seu lindo vestido de seda, 0 qual
dicionário, igual para todos) e uma conotação (diferente para combina magnificamente com sua bela barba ruiva. O loubard

98 99
derrubado. Diversos espectadores intervêm, propondo formas
f alguma coisa, pois de ação.
continua protestando e exige que se aça
Incidente: O marido, ao sair, esbarra no gerente, que viu
"assim não é possível"· tido com elegância e prcr rudo e protesta energicamente. O ator responde:
4.4 ação: Richard, um ator ves na e dá uma bofetada no 't - Ela é minha mulher e tenho o direito de fazer o que
rosto do rapaz. Estupefaçao. 0
priedade, quase britânico, _ent em ce muito gentil e delicado,
:apaz~de comprar um vesúdo e
quiser!
- Faça o que quiser com sua mulher, é seu direito! -
protesta e quer saber. por qu(e naom~dida de segurança) sai de conúnua o gerente. - Mas o carrinho é propriedade do super-
usá-lo ele mesmo. Richard por
mercado, e olhe o que o senhor fez eom o carrinho! Isso é
cena. . I
tos Inesperadamente, todos assu- indecente!
5.• ação: Protestos vlo e.n
. 6s nos havíamos equivocado, I'
'
Informo que esse tipo de reação é freqüente _e m certo tipo
mem a defesa do rapaz (e m_sso ne te apoiariam Richard). E, de gente.
todos repress1vam n '
pensand o que •
ru te veio oferecer ao rapaz a
ter~ Um velho exclamou: "Mas
• !
'
pelo contrário, até mesmo
possibilidade de processar co:
:~s~as calças, por que não pode-
se as mulheres se ':este~ E outro disse: "Se ele quiser que o
"li
,.
• 13. Bollene: A solidão e o beijo
mos usar seus vesudos? d 1 ' N6 vivemos numa democra- . A solidão parece-me agora um problema bem mais · sério
enrabem, isso é problema e e. s
do que me parecia antes de eu começar a fazer teatro invisível
cia . •;malmente o rapaz cercado das simpatias gerais, abandcr na Europa. Na América Latina, em geral, os temas propostos
ou recinto 'vestido ~oro suas masculinas calças, mas t~do refériam-se ã salários, leis repressivas, preços; etc., e raramente
d~do todas' as provas de apoio. Afinal, a soc~eda~e ~e Bollene se discutia outro tipo de opressão mais, digamos, íntima, pessoal
era muito mais permissiva do que havíamos 1magma o .. · Ou; com certo cuidado no uso da· palavra, psicol6gica. ·
Insisto: em primeiro lugar, não se pode, a partir do exte-
rior de um grupo, propor um tema a esse grúpo - essa já seria
12. Bollen~: A solidariedade uma forma de opressão. São os próprios oprimidos que devem
dizer onde lhes machuca o sapato. Essa é condição fundamental.
Outra vez no supermercado. para que o teatro do oprimido funcione. Se os oprimidos quise-
1! ação: Os atores entram e comeÇam a escolher a ~erca­ rem falar de salários, deve-se falar de -salários. Se quiserem falar
doria de que necessitam. Um casal destaca-se dos demrus. O de solidão, a mesma coisa. Devemos compreender que os solitá-
homem protesta contra tudo que a mulher quer comprar. Ela rios são tão oprimidos como os que são explorados em termos
se atrasa. Ele a recrimina por tudo e por nada. salariais, e na utilização das técnicas não se podem privilegiar
2.• ação: O marido, no auge da discussão, empurra a formas de opressão: todas devem ser destruídas.
mulher que cai ao chão. (Nesse espetáculo, ela caiu justamente Outra condição para que o teatro do oprimido funcione é
em ci~a do carrinho, derrubando-o, com todas as mercadorias -.: a de que os oprimidos iá devem- possuir o desejo de destruir a
que trazia dentro.) O marido sai (questão de segurança). opressão. Não se pode fazer teatro para exortar os oprimidos a
.3.• ação: Arma-se o esquema para a discussão do tema se rebelarem - são eles que se devem liberar!
entrai da peça: a mulher está caída. Uma outra (atriz) tenta . Finalmente, é importante compreender que a opressão que
c rrê-la. Uma terceira atriz, Catherine, diz que ninguém deve
soco é d
f azer nad a, ningu m . evef me
t
. er-se numabl
d'1sputa f am1-~-1ar fala
_ •
se/ deve destruir é aquela verdadeiramente sentida pelo oprimi-
do. É verdade que na América Latina existe tortura - e que
I
I

d as con Sequ.. e·ncias de mter enr num pro ema que nao se conhe-
· . .J d é di 'd d . o~s t~rturados são oprimidos. Mas também é verda_d~ _que a Fin-
ce 0 tema da solidar1cua e scuu o entre as uas atnzes,
co~ a protagonista teatralmente no chão, ao lado do carrinho
landia apresenta uma altíssima percentagem de su1c1dios - e o \·
homem capaz de se matar é sempre um homem no extremo su-
-;=;- lJ I \t 1 7'~~ ~:-;::..,~ 1C A
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portável da tortura. O suicida é igualmente um torturado, um ram":1te por isso: por não ter sido capaz de realizar 0 ato. A
opr imido. segunda atriz chorou precisamente pelo contrário: por ter sido>
O tema da solidão como forma de tortura, como forma de capaz de realizar o. ato, por ter sido_capaz de romper a opressão.-
opressão, tem sido freqüentemente proposto na Europa. Em por se ter convertido em protagorusta de um ato de liberação _
Bollene, preparamos uma cena que era mais ou menos assim: ~ verdade que a segunda atriz foi capaz de, concretizar um
4
1. ação: Os atares sentavam-se espalhados em diversas ato que desejava realizar, contando para isso com o apoio dos
mesas de um bar. Neste caso particular, eu e meus companhei- companheiros, e dentro de uma peça pré-ensaiada. Mas 0 ato
ros sentamo-nos r.um bar em frente, exatamente como faríamos praticado diante de espectadores, clientes ocasionais, foi real. E
num teatro convencional, e nos pusemos a observar a cena é isso que é importante: ela fez o que queria. Agiu! Transfor-
como se fôssemos espectadores convencionais. Uma atriz a s; mou uma vontade em ato, um desejo em realidade. O choro
Jjtária, senta-se sozinha. ' aq,u~ não era s!nto_ma de . tristeza, de impotência, mas, pelo con-
4
2. ação: Depois de alguns minutos, a Solitária aproxima-se trano, de reahzaçao. E Isso a própria atriz confirmou. Estava
de uma moça sentada a outra mesa, e, sem violência, sem agres- contente em saber-se ~ais forte do que pensava. Isso em geral
sividade, dá-lhe um beijo no rosto e pede para sentar-se ao seu aco_ntece com tod?s n?s:_ somos mais fortes do que pensamos,
lado. A outra levanta-se e protesta, e a discussão se generaliza. mais capazes, ma1s habeis. A educação autoritária que recebe-
Todos viram que não houve violência - a menos que seja mos encarrega-se de nos fazer pensar o contrário. ·
violência pedir afeto. E isso realmente é violento, pois não "· _ Ao mesmo tempo, é i_mportante notar que 0 tema da soli~
estamos habituados. Se entramos num trem aos empurrões, se dao e,r~ um tema ger~l, soCial - não se tratava de um problema
pisamos os calos uns dos outros num ônibus lotado - tudo isso ~spec1frco de um~ so pessoa num determinado momento. Por
é aceitável. Essa agressividade cotidiana é o pão nosso de cada 1ss~, a cena ~uncwnou em dois níveis diferentes: ao nível da
-dia. Mas se entramos num ônibus elogiando sinceramente o que a_trlZ (,q~e, ajudada , pelos companheiros, foi capaz de um ato
achamos elogiável, podem advir as piores conseqüências. Se elo- '! Iib:ratono) e ao _n~v~l dos. clientes, que também se sentiam
giamos os olhos azuis de uma passageira, os cabelos louros de mrus ou menos sohta~ws , ma1s ou .menos reprimidos e incap:rzes
outra, ou a roupa de um passageiro - preparemo-nos para as de ~usca: afeto ou _s1mples companhia - e nesse nível a dis-
piores conseqüências! !! cussao pode generalizar-se.
_ Com essa cena aconteceu uma coisa importante, a qual me
obrigou a uma reflexão que me parece acertada.
14. Florença: A mulher com a coleira de cachorro
Foi assim: durante os ensaios, a atriz-professora que devia
representar o papel de Solitária teve uma crise de nervos e não
Em Florença, fizemos uma cena divertidíssima. Estive
quis continuar. Depois de ensaiar, disse que se identificava de-
1~ trabalhando a convite do Tea~ro Rond6 di Bacco, que org~­
masiadamente com a personagem, que também ela se sentia soli- mzou um seminário aberto. VIeram pessoas completamente
tária e isso a fazia chorar. Por isso, foi substituída, atendendo beterogêneas e fizemos diversos espetáculos invisíveis. O mais
oo seu próprio pedido. No dia do espetáculo, no bar, a atriz divertido foi o da superloja Upim, na Piazza della Repubblica·.
que a tinha substituído, sentindo-se igualmente muito identifi-
Era assim: um casal bastante jovem entrava na loja, e a
çada com a solidão da protagonista, durante a própria ação, mulher pedia a cada momento:
diante dos espectadores e dos atores-coringas, pôs-se também a
chorar . _ Espere, meu amor, que eu quero ver o preço deste
vestido!
Por quê? Cada qual pode ter sua interpretação e eu" tenho
a minha: os dois choros eram diferentes. A atriz que chorou nos - Não espero coisa nenhuma: vamos embora!
ensaios não conseguiu realizar o ato que . -~os ta ria de realizar -:- Olhe aqu_i, querido, você não acha que esta sata pode
(pedir apoio a uma pessoa, pedir afeto, beija-la ), e chorou jus- ficar linda em illlm?

102 lOJ
pode ofender os demais passantes, pode ofender os homens.
- Vamos embora! Não quero saber de comprar coisa Como se o senhor tivesse o direito de trucidar o escravo em
casa, mas não de exibir, publicamente, o trucidamento para não
alguma. h ava a atenção por dois mo- ofender as demais pessoas.
w E por a1, 1a aro
. o diálo go , que c falavam em voz al ta e, segun- Essa cena foi ainda mais eficaz porque usamos de um arti-
ti\·os: primeiro, porque os atares to 0 Marido tirou do bolso
minado momen . fício: vários participantes do estágio acreditavam que a cena
do, porque em d eter la amarrou a esposa, e assliD
talvez não funcionasse por ser demasiado teatral, pela presença
uma coleira de cachorro e com e 0
mesmo tipo de diálogo
continuaram o passeio, sempre com de uma coleira de cachorro verdadeira - por isso, sugeriam
natural de compra-não-compro. . t viam a coleira escanda- que se usasse um cachecol como coleira; e eu propus que fizés·
'd uando os c1Jen es '· ., semos a verificação prática, isto é, que representássemos a cena
É ev1 ente qu~, q. depois de alguns mmutos J3
liza~am-se extraordmanat;nd:_nre~tr~s do casal, que continuava seu duas vezes, uma de cada maneira .. simultaneamente, no primeiro
hav1a uma pequena ~ulu ao e no terceiro andar do edifício:~ E assim fizemos: enquanto no
alegre passeio. . d 1' . Por exemplo: primeiro andar se representava a cena com uma coleira autênti-
Os comentárlOs eram e !CIOsos. . , d A I ca, no terceiro, ao mesmo tempo, usava-se um cachecol. Os dois
I b inha. se o mando e capaz e traze- a espetáculos funcionaram perfeitamente bem e com idêntica par-
- Olhe ~que a po,br~z . que não fará em casa ... ?
com uma cole1ra em pu co, 0 . d' ticipação popular. E de tal forma foi a coisa que os espectadores
- Se ela fosse uma negra, amda se compreen la. . . mas se reuniram na praça em frente para continuar o debate por
é branquinha uma de nós. · · . mais de meia hora depois de fechada a loja. E tão acalorados
' inh mulher consigo Íazer a mesma cmsa,
- E u com m a
· 1 '
• d d
t nce e eu a tenho muito bem e uca a, mesmo
!l
;
foram os debates que veio a Polícia (os. Maridos e as Esposas
pols e a me per e el U homem que faz já tinham partido, e a Polícia nada pôde fazer), e também um
sem precisar trazê-la presa P o pescoço. m . repórter do jornal Unità. No dia seguinte, . o jornal publicou
uma coisa dessas não tem autoridade moral para dommsr a es·
uma notícia, numa seção de faits divers1 como verdadeira, infor-
posa por métodos mais civilizados ...
mando sobre o que se passara (edição do dia 1.0 de março de
. - Esse marido é um maialle (porco)!
1978, p. 10, notícias regionais de Florença): ·
Depois de alguns minutos, entra~a outra atriz e discut.ia
. .
com a Esposa, incitando-a a que se hbertas~e. E as duas .di~­ Scena Tragicomica in pieno centro:
cuúam (com diálogo pré-escrito) o tema da Igualdade de d1Ie~­
ALLA UPIM CON UNA DONNA AL GUINZAGLIO
tos entre marido e mulher. A participação dos espectadores fm,
nesse caso, intensfssima. Depois de alguns momentos, os atorcs
calavam-se e as mulheres presentes defendiam energicamente a A presença do repórter ajudou ainda mais a discussão do •
Esposa, a ponto de o Marido ser obrigado a deixá-la e fugir às tema. E também a simultaneidade das duas ações, que provo-
pressas. As feministas foram amplamente vitoriosas nesse de- caram discussões colaterais - era coleira mesmo ou era um
bate. O que não impedia manifestações terríveis de machismo, cachecol? - entre espectadores do primeiro andar e do terceiro.
como a daquele senhor, já idoso, que perguntou, de modo muito E o que me divertiu muito foi o comentário de um senhor
circunspecto: confuso:
_ Minha senhora, é verdade que esse homem é seu legí- - Florença está ficando louca. Aqui, um homem leva a
timo esposo? mulher com uma coleira de cachorro: e ali no bar da esquina,
_ É, sim, senhor: casamos no civil e no religioso. os maridos trocam de mulher na frente de todo mundo. . . Flo-
_ Bem, nesse caso ele tem todo direito de fazer isso . .. rença está ficando louca ...
mas não em pu'blico.1 Referia-se a outra cena invisível que nosso grupo represen.
dizer: em casa pode matar a mulher porque ela é sua tava, quase que simultaneamente, no bar da esquina.
Quer
propriedade, mas em pu'bl'lCO, nao.
- p or queA? p orque em púb lico

105
'104
-
15. Florença: Os casai• que se trocam
....
-------~..-""'"'""""''"'-""'"'""' ~"""""""...~..:-~-~. - ... ~.

fizesse verdadeiras conferênci!ls e com1c1os sobre o direi to de


a mulhe:: dispor do seu corpo, sobre o dever dos médicos de pra-
=I '

Cena muito simples e eficaz: ticarem o aborto quando solicitados (na Itália, a lei permite que ~~-'
1.• ação: Dois casais enrram no bar e sentam-se a duas os médicos as enfermeiras e os anestesistas aleguem "objeção
mesas. Acariciam-se. moral") s~bre todos os teroas mais quentes e urgentes das re-
2.• ação : Minutos depois, os homens se levantam, trocam lações e~tre homens e mulheres, e a necessidad~ de humaniz~r
.de mesa e, portanto, de mulheres. Os novos casais acanc1am-se. essas relações, livrando-as de todos os preconce1tos que as ri-
3." ação: Um homem e uma mulher trocam de mesa, fi- tualizam, mecanizam e diminuem. ~
.cando dois homens numa e duas mulheres na outra. Acariciam-
se.
Pânico no bar!!!
Engraçado: quando os dois casais lDlClals se acanoavam, Co:::-:cLusõEs
mesmo que o fizessem com exibicionismo, isso não provocava
qualquer violência por parte dos outros fregueses. Apenas um Conto todos esses exemplos simplesmente a título de exem-
ou outro comentário sobre os excessos do amor. Quando tro- plos, nada mais. O importante é que cada grupo social escolha
caram de mulheres e de homens, já então os comentários come- .os temas de seu próprio interesse. Cada grupo deve decidir-se
çavam a ser um pouco mais agressivos, do gênero: a fazer teatro invisível apenas sobre os asp ectos nos quais se
- Façam o que quiserem em suas casas, mas não em sinta verdadeiramente oprimido. Seja qual for a opressão, é n e-
público! cessário rompê-la. É necessário recusar a velha idéia de q ue essa
- Na certa esses dois casais são suíços. São os suíços que opressão não é tão importante como aquela outra, e por isso
vêm fazer aqui o que não têm coragem de fazer em seu país ... pode fica r para depois. Nenhuma opressão pode esperar. É ne-
__ F inalmente, quando a cena se tornou h omossexual, a moral {:essário rompê-las todas, simultaneamente.
florentina não pôde mais suportar. O garçom tinha a cara ver- .. Dois exemplos: o Exército norte-americano combatia o
melha quando gritou: ~I nazismo e ao mesmo tempo mantinha a segregação racial e 0
- Fuori! Fuorí.1 Via! Via! preconceito dentro de sua própria organização. É evidente que
Não quis nem receber o dinheiro do chá e dos biscoitinhos. o nazismo era a opressão principal, pois ameaçava igualmente
brancos e negros, mas também é evidente que os negros. deviam
lutar simultaneamente contra as duas opressões e não esperar
16. Florença: O aborto para depois. Na luta armada contra o colonialismo francês, ar-
gelinos e argelinas lutaram ombro a ombro, mas mantiveram
Outra cena muito simples foi aquela em que se discutiu o toda a moral religiosa antifeminista. É evidente que se tratava
ab orto, também num bar, primeiro entre um Marido e sua
Esposa: ela qu eria abortar e ele queria forçá-la a ter o filho. O
de derrotar o Exército invasor, mas é igualmente evidente que
-as mulheres, na luta pela libertação do território pátrio, deviam I ~
texto da E sp osa tinha sido preparado pelas mulheres do grupo simultaneamente ensa1ar sua própria libertação quanto ao uso l

e continha os argumentos reais que elas utilizavam, as idéias de véus e outras opressões mais cruéis. I
que defendiam. E vidente e odioso é o fato de que, quando a luta contra !
Depois de algum tempo, tanto o marido como a mulher ~ opressão não é conduzida de forma global uma vez vencida
pediam a opinião dos outros clientes, tentando convencê-los d: a opressão principal, uma vez derrotado o húmigo dito princi-
suas p osições respectivas. Aconteceu d e tudo: houve quem qu~­ pal, fortalece-se ainda mais a opressão adiada. Que o digam as
sesse chamar a polícia, acusando a mulher de tentativa de horol· mulheres argelinas e os negros norte-americanos.
ddio; houve quem se oferecesse como testemunha a favor do Insisto: nenhuma opressão é secundária! Todas são odiá-
marido no caso de um julgamento; mas houve tarobém quero veis!

106 107
_ ando não são episódicas, são
. I.nsisto
'
rztualzzaaas:
ainda: as , opressoealizs'.
é necessano . VIS. u . ar qu ess es r'tuais
, • ' torná-los visí- conversas sobre as diferentes formas de teatro do oprimido. No
· p · teatro mvisive1· quarto dia, norm3lmente, fazemos algumas e>rperiências de
veis. I ara Isso serve o · . a opressão imediatamente .l
. · do existe um ' . teatro invisível em lugares públicos (restaurantes, supermerca-
nsisto mais: . quan a ão atar-espectador, que eXIste dos, trens, ruas - não importa onde, depende dos temas esco-
se estabelece na v1da real a rel çt dor e' encontrada ritualizada
no teatro. ssa re ~ça
E 1 - 0 ator-espec a
1 ( rofessor-ator x aluno-espec-
lhidos, e finalmente o estágio termina com um espetáculo pú-
blico de teatro-foro, com a participação ativa dos espectadores.
l
em todas as opressoes, na esco a Idado) na religião (sacerdote
rador) no Exército (sargento x so ulh' ) Pois assim se passaram os três primeiros dias em Bruxelas.
' (homem x m er · Depois nos mucL!mos para Liege e preparamos um s6 espetáculo
x fiel). e até na · cama· to· é necessan , · desenvolver um teatro que de teatro invisível. Foi assim :
1 0 .
. d Fma d mente, specta ores a se transformarem em protagorus-
msts d. .
aJu e to l.a ação: Aproximadamente 10 ateres entraram num su-
d os os b'e . .
tos em suJeitos,
todos os mortos em v1vos,
' .L permercado e começaram a fazer compras.
tas, to os os o. Je • . d 0 ra É necessário desenvolver tou.as
toda gente pass~va,. em ena · do oprimido _ um teatro . 2.a ação: François, o protagonista, entrou na fila com seu
as técnicas poss1ve1s para um teatro
carrinho: leite, pão, margarina, ovos - apenas coisas essenciais,
para a libertação! .
nada de supérfluo. Todos os outros nove atares entraram em
E já não insisto mais: não quero ser opressivo.
filas
caixas.vizinhas e esperaram o momento de serem atendidos pelas
.'
t-t 3.a ação: François chega à caixa. Antes de ela começar a
O s E:-:coNTRos INVISÍVEIS DE LIEGE registrar os preços d as mercadorias, François informa que ne-
-cessita de todas as coisas que reuniu, mas não tem dinheiro
para pagar. Informa que foi excluído do chomage, que ultima-
O que aconteceu em Liege teve, para mim, ca.ráter ~xem­ ;
t'.•
' mente tem procurado emprego várias horas por dia, que está
:0. plar. Pois tantas foram as peripécias, tantos os Imprevistos,
~j/ I
disposto a aceitar não importa que trabalho, mas que existem
tantos os argumentos e tão delicados os temas e _os pro?Iemas,
tántas as discussões tantos os interlocutores e tao mtrmcados óOO mil desempregados na Bélgica, e por isso se torna difícil
os raciocínios que, 'no final, saímos todos mais _lúcido~, mais
encontrar emprego. A caixa responde que esse não é um pro-
conscientes sobre o que é teatro, qual sua funçao, qua1s seus blema seu, nem sua função, que ela ali está unicamente para
limites e seus perigos. cobrar o preço das mercadorias compradas. François responde
Comecei a trabalhar com teatro invisível na Argentina, em que deseja pagar - embor a seja muito fácil roubar, ele faz
questão absoluta de pagar.
1971. Pois até hoje, depois de tantos anos e de tantu~ países,
nunca tinha participado de uma experiência tão fecunda como - Como, se você não tem dinheiro?
a de Liege, Bélgica, outubro de 1978. - Fazemos assim: a senhora me diz quanto custa t udo
Vou começar pelo começo, contando os fatos em seqüência isso de que eu preciso e, em seguida, eu trabalharei neste su-
cronol6gica.
permercado durante o número de horas que seja necessário para
Foi assim: Anne Martynow e Bruno Ducoli convidaram- pagar a mercadoria. Isto é: eu pretendo pagar, mas não com
me para fazer um de meus estágios s_obre o t~atro do oprimido, dinheiro e sim alugando minha força de trabalho ...
· eiramente em Bruxelas e depo1s em Ltege. Participaram A caixa ficou totalmente espantada com a proposta. Tentou
dpnm estágio aproximadamente 40 pessoas: · belgas, marroqui-
esse li f d . . argumentar que era difícil computar na máquina registradora as
nas, tunisianas, ita anads, ran::sa~ e e o u tras nacJOnahdades, horas de trabalho que seriam necessárias. Argumentou ainda que
h
omens e mulheres • ida es bvanave1s
lh entre 1· 8 e· 50 anos.d'Nesses
A s6 podia aceitar o processo comum e corrente: compra, p::.ga.
, ·
estagies, habitualmente tra a amos fos pnme1ros
d , tres
. . Ias de
forma i nterna, apenas com o grupo, azen o exerctc1os, JOgos e 4.• ação: Os demais atares intervêm, cada qual dentro do
.seu personagem. Um deles (interpretado por Anne) protesta
108 contra François, a quem acusa de vagabundo: ;

109
' 1
fi!.1-..
lt 1 1• .
- Todos os que procuram trabalho acabam encontran- coleta para se reso}ver .o problema de Fr~çois, embora reco-
do . . . Só não trabalha quem não quer! nheça aue não sera assim que se resolverao os problemas. de
- E a senhora trabalha em quê? 600 mil belgas. A coleta tem êxito e em poucos minutos con-
- Trabalho em casa, meu marido é gerente de u:na em- segue-se arrecadar aproximada~ente 600 francos .belgas ( o
presa ... equivalente a 30 dólares, aproxunadamente). Françots. paga a
-Ah . .. conta porém para sua grande surpresa, a gerente e ma1s alguns
Outro ator informa que também é chomeur e que admira funci~nários 'do estabelecimento (especialmente alguns. perten-
a coragem de François em dizer que não tem dinheiro e que a centes à polícia privada e secreta do supermercado) 1mped~m
culpa é do sistema econômico belga, e não sua, pessoal, já que que ele deixe o edifício. Chegam mes~o a bloquear sua sruda
ele não recusa trabalho, pelo contrário, o procura, inutilmente. com uma fila de carrinhos. Tentam continuar a conversa, porque
Outro ator propõe que François vá procurar trabalho em outra esperam a chegada da Polícia, que já foi advertida. François
cidade. Aqui se desenrola um diálogo sobre o problema das quer sair e é impedido. Todos os a tores ( mesJ?O aqueles que;
nacionalidades belgas e os atuais problemas econômicos que se por força do texto, deveriam ser contra Françms) t~m~m reso-
discutem no país (a região wallonie, de fala francesa, se empo- lutamente sua defesa, no que são ajudados pela ma10na esma-
Lrece rapidamente, na mesma medida em que se enriquece a gadora dos clientes verdadeiros.
região flamande, por motivos de transferências regionais de fá- 6. ação: Chegam os policiais. Com sua proverbial cortesia,
4

bricas, provocadas por ser mais baixo o custo da produção no vão empurrando as pessoas que estão na frente, vão tropeçando
Norte do que no Sul ). e atropelando os mais demorados e, mais cortesmente ainda,
A caixa informa que vai chamar a gerente e um dos ateres seguram François com toda força pelo braço. Querem prendê-lo.
e},:plica que François tem razão e que não quer roubar nada, Protestos enérgicos e generalizados. Todos defendem François .
apenas fazer a mesma coisa que fazem todos os outros, só que Os policiais ficam perplexos.
ao_ contrário ... - Madame, é ou não é um ladrão? - pergunta o chefe.
- Por exemplo: a senhora mesma! Que é que a senhora Todos respondem que não, oferecendo-se como testemu-
faz.? Trabalha aqui na caixa oito horas por dia e no fim da se- nhas. Mas a gerente não abdica de sua atitude antipática. Quer
mana, depois de ter alugado sua força de trabalho por 40 ou processá-lo de qualquer maneira.
45 horas, recebe a paga equivalente a esse esforço. Depois, com ~I
esse dinheiro, a senhora vem aqui neste mesmo supermercado
para fazer suas compras. Ora, muito bem: o que ele quer fazer
.
-
-9
- Mas como é que a senhora quer processá-lo se ele não
roubou nada e se todas estas testemunhas estão a favor dele?
Estão todos dispostos a testemunhar que ele não roubou nada,
é a mesma coisa, só que ao contrário ... nem ao menos tentou! - argumentou o chefe da brigada, ten-
A caixa não sabe o que fazer e chama a gerente. A essa ;;· tando dar o caso por encerrado.
altura dos acontecimentos, já muitos clientes discutiam o pro-
A gerente, porém, era uma mulher dura:
blema do desemprego, dos preços e dos salários, das soluções
- Quero processá-lo por incitação à desordem!
possíveis, etc. , e nisso eram ajudados pelos atores-coringas, que
aqueciam a platéia, fornecendo novos argumentos e novas expli- Argumentou que se sentia lesada e que seu estabelecimento
cações, fazendo perguntas e ~ravando debates. ., certamente havia perdido bastante dinheiro com a discussão e a
5.a ação : A gerente chega. Nesse meio tempo, Ja chamou desordem, e que isso teria afugentado inúmeros clientes. li
a polícia. Tenta convencer François (sempre extremamente Diante da insistência da gerente, os policiais (creio que até
gentil e delicado, jamais alterando o tom de voz, j~mais sen?o .} eles já estavam amedrontados pela reação popular) não tinham
grosseiro e, pelo contrário, tratando ?e,. ser persuasivo, con~m­ outra alternativa: deviam levar François para a delegacia a fim
cente, sincero, já que defende uma. 1de1a correta) a. se retirar de procederem à. sua identificação e lavrarem o auto do pro-
da fila, mas os próprios clientes aceitam qu_e ele contmue a de- cesso: Algumll._s pessoas queriam obstruir a saída d~ carro da
senvolver suas idéias. Um dos atores propoe que se faça uma Polícia, mas venceu 0 bom senso, e lá se foi François, acomp~-

110 111
e estar a seu lado durante gerente Vai processar vocês por incitação à desordem. E agora
nhado por Anne, que fez questão d nós, a Polícia, vamos processar vocês por terem realizado um I
!
o interrogatório. onte outro fato que espetáculo público de teatro sem a necessária licença, sem o alva-
Aqm, · agora, e' 1mpor
· tante qued eu ccontecimentos: Annie · rá correspondente! Serão dois processos!
também iJlterferiu no dese~olar os eclldo para documentar O interrogatório demorou seis horas. No fim das seis horas
Declerck, da TV Flamand, ónha-mf p eria acrescentar ao pro- Anne e François retornaram ao nosso teatro onde estávamo;
uma cena de teatro invisível que be a ~ e sobre o teatro do todos j~ bastante preocupados (eu mais que ~s outros, porque,
grama que estava preparandd so re eu grupo também aceitou para lllllil, Polícia é sempre Polícia latino-americana e para eles
oprimido. Eu tinha concorda 0 • e m que relato estavam sendo ~ euro~éi~ tem algumas pequenas nuanças, em caso~ de menor
a proposta. Assim, todas. essd cen;sançois tinha na lapela um 1roportanC1a ... ) .
e foram integralmente fili?a as. r erador de som tinha seus Chegaram, narraram o que lhes tinha acontecido e debate-
· f one sem f'10 ( tran siDlSSOr).'nhO op
micro de supermercado recoberto
.mstrumentos d entro de um carn o dinário. camera-man tinha . mos o se~tido da experiência que tínhamos feito. Alguém propôs
tr frutas o extraor um terceuo ~r~cessc:: de~íamos processar a Polícia.. Por quê?
b
com ananas e ou as ' d plástico com um furo Porque na Belgtca nao existe censura às artes. Portanto a Polícia
escondido a filmadora dentro e um sac0 ' b .
d . d câmara. Com aquele pacote em alXo não t;m o direit~ de_ censurar uma peça de teatro. E ~xigir um
1 1
do ba emergia a ent~on~a experiência e boa pontaria, pôde alvara para a r~a}lzaçao de um ;spetáculo de teatro invisível equi-
_ol raçod e dcoml sua e de perto e até com close-ups dos poli- vale a tornar visivel ess~ es?;taculo - isto é, destrói-se a própria
f I mar tu o, e onge ' . 1d ·
ciais, que de nada desconfiaram. Annie Eesthava_ a ~edu a o, JUnto forma teatral. O teatro rnvlsivel (para que continue a ser assim)
com sua script-girl, que tudo anotava. av1a ~ a um espec- de~e ~~r _c~andestino. Se o espectador sabe que se trata_de teatro,
tador privilegiado: 0 direto_r de t~atro, ato~ e escntor_ Fernando a mvmbzltdade desapa-:ece e, como conseqüência, 0 espectador
Peixoto, meu amigo, que t1nh~ ~1ndo da cidade alema de Colô- ass:une seu pa~el p_aSSivo, abandonando o papel mais humano,
nia, onde trabalhava para a radio local. . mrus pleno, roais auvo, de protagonista. Em suma: o teatro invi-
A presença da TV - além do se~ :r~balho maravllhoso de I sível não pode ser sub_metido às mesmas regras policiais que lim.i-
documentação - provocou novas penpec1as no desenrolar da I ~am o_ teatro conv:nClonal._ Portanto, exigir alvará equivale a
história.
Foi assim: François e Anne chegaram à delegacia e durante 'I unpedir uma pesqwsa estétJca. E como na Bélgica não existe cen-
sura, e como essa seria uma forma de censurar nós tínhamos todo
muito tempo mantiveram ainda as interpretações dos seus papéis: o direito de processar a Polícia por abuso d~ autoridade!
continuaram representando teatro invisível, como excelentes ato- A ~ituação. já c:sta::ra bastante complicada. Depois. compli-
res que são. Mas a verdade saltava aos olhos: além de ter um mi- cou-se ainda mrus, atmgrndo um grau de complexidade extrema.
crofone na lapela, François tinha os documentos em ordem, e por Mas naquele sábado ainda pudemos descansar, mais ou
eles se via que não era um chomeur, que estava empregado e que menos tranqüilos, excitados ante a perspectiva dos três proces-
recebia pontualmente seus salários. O delegado quis maiores expli- sos. Segundo a lei belga, cabe ao Procurador do Rei decidir se
cações e François acabou por confessar que estava fazendo teatro esses processos irão a tribunal ou não. E eu confesso que ( pen-
invisível. sando o problema de um ponto de vista puramente estético)
O delegado mal podia acreditar. Ficou furioso, tresloucado. preferia que sim. Pois seria essa a primeira vez, creio, que o
Sentiu que sua autoridade tinha sido menosprezada. Achou-se teatro teria que ser definido juridicamente e não apenas esteti-
desconsiderado, agredido. Nervoso e feroz ameaçou: cam~nte. Para cada artista, para cada esteta, o teatro é uma coi-
- Quer dizer que vocês estavam faz~ndo teatro? Vocês pro- sa ~erente. Mas, e para os juízes? Cada artista pode ter seu
vocaram toda aquela arruaça, toda aquela baderna e, no final das própn~ estilo, suas próprias opiniões, sua própria definição do
contas, era tudo teatro? Desorganizaram toda a ordem estabelecida que seJa o teatro. Mas, e os juizes? A lei - dizem - é igual
do supermercado, onde todos vão fazer suas compras, e pagam, para todos. Nesse caso, cada país deverá ter sua definição do
tudo em paz, e no final era um espetáculo de teatro? Pois bem: a que é 0 teatro, do que é a interpretação do ator. Isto é: a esté-

112
113
tica deve ser definida juridicamente. Mas a estética pode ser
definida pelo Direito? . - O senhor é Augusto Boal?
O magistrado francês Louis Joinet pronunc10u uma bela - Sou!
frase: "A Justiça é a Ciência do precedente!" É formidável. - Polícia!
.Mas a arte é justamente o contrário. Se um julgamento cria E mostrou-me um cartão de identificação. Fiquei um pouco
jurisprudência, todos os demais juízes devem obedecer-lhe e repe- perturbado, pois não pensava que a ~olída b elga fosse capaz de
ti-lo. Mas quando um artista cria uma obra de arte ( e se é arte, chegar a tanto. Perguntei o que quena e ele respondeu-me que
é necessariamente original, é a criação de · algo novo que não eu deveria acompanhá-lo para "verificação de identidade". Logo
existia anteriormente é o contrário do artesanato, que reproduz reparei que outro policial em trajes civis se aproximou do pri-
um modelo ídentica~ente, ad infinitum ), quando um arti~ta meiro e, mais atrás, outro ainda, uniformizado, que trazia um
cria uma obra de arte dizia eu outro artista deve procurar crtar cão amarrado. E o cão ladrava feito louco!
outra obra necessari;mente diferente da anterior e igualmente Meti a mão no bolso e mostrei todos os documentos que
O
criadora. juiz instruí-se no passado e reproduz no prese~t~. tinha, meus dois passaportes (português e brasileiro), um
O artista instrui-se no presente e cria o futuro. Pode o JWZ documento que me identificava como professor da Sorbonne,
condenar o artista à pena de artesanato? Pode impor-lhe limi- cédula de identidade e até minha carte orange do metrô parisi-
ense ... Mas o policial não aceitou a identificação sur place:

Ia
tes? Pode o Direito estabelecer limites à investigação estética?
Eu faço muitas perguntas, mas já perdi o hábito d~ pro- - O senhor tem que nos acompanhar à delegacia!
curar todas as respostas. Francamente, pergunto. E gostaria que . Dei alguns passos, porém Raulf me segurou e começou a
um amplo debate fosse feito sobre esse tema tão apaixonante. gntar que queriam prender-me. Foi a maior confusão. Gritaria
.Se possível, nos tribunais. por to~o _lado, correrias, berros e o cachorro, no meio daquela
Fomos descansar no sábado, preparando-nos para o teatro- c?~fusao t~erna_l,. ladrando como um desesperado. Os dois poli-
, foro do domingo. Mas não nos preparamos para o inesperado, Cla.ts e_m traJes. CIVIs me agarraram pelos braços, mas Raulf e ago-
·-Íião nos preparamos para as surpresas. E algumas delas foram ra mats uns cmc~ ou sete, mais fortes do que eles, me empurra-
v-iolentas. ram para um reonto onde estava escrito "Privé" - e na Bél-
Continuo o relato: estávamos todos contentes. Pela manhã,
.gica, a Polícia não pode penetrar em locais privados se~ a auto-
rização do juiz co_mpetente. Ao mesmo tempo em que me empur-
a TV de fala francesa tinha dado a notícia do nosso espetáculo
ravam para o recmto fechado, colocaram os policiais e o cachor-
de uma forma extremamente simpática para nós . O teatro esta- ro ( semprt'; ladrando) para fora do teatro.
va cheio de gente: muitíssimos estrangeiros, a maior parte com O primeiro policial, mais antipático, saiu berrando que ia
·seus documentos em ordem, mas também muitos exilados eco- chamar reforços. Mas saiu, junto com os outros. Fecharam-se as
nômicos e políticos, da África e da América Latina, que ainda portas e armaram-se grupos para discutir as providências uraen-
não tinham podido regularizar suas situações. r:s que se devía:n. tomar. Um dos grupo7, que incluía os o;ga-
Nosso elenco tinha preparado três cenas de teatro-foro sobre ruzadores do estagio, encarregou-se da minha proteção. E diao
l
o racismo, o desemprego e a libertação feminina. Lembro-me
que estava de pé, conversando com um ater, Raulf - tunisiano
em verdade, que me senti extraordinariamente protegido. E~s~
grupo levou-me por corredores e salas, e quando percebi estava
I.
que já havia trabalhado comigo fazendo teatro invisível no
metrô de Paris, no ano anterior - , quando entrou uma atríz,
Brigitte, do grupo local Cirque Divers. Brigitte tinha estado en;
dentro de um apartamento (propriedade privada, onde a Polícia
não podia entrar), a~ lado de um telefone, utilizado constante- I
mente por ~eus amtgos, que notificaram em poucos minutos
Sant'Arcangelo di Romagna, assistindo a um estágio que eu Ia todos. os meios .de. com~nicação ( r~dio, TV e jornais), além de
fizera, e já então tinha me convidado a trabalhar com seu gru- autondades locais, mclus!Ve o Prefeito, e também uma advogada.
po. Conversamos novamente sobre essa possibilidade. E estáva- A advogad~ ~hegou e começou por analisar minha situação:
mos os três a conversar quando um homem se aproximou de eu estava na Belgtca de forma perfeitamente legal sob todos os
mim e perguntou: <:spectos. Portanto, a atitude da P olícia tinha síd; absolutamen-

114
115

I
----~l
flIl!j
cometido um erro, agido de forma paternalista, e que não devía-
mos tê-los ajudado: "Se eles -1ueriam fazer uma experiência, todo o seu elenco e na de algun• do, no"o' a<me•, tentamo,
deviam correr todos os riscos inerentes a essa experiência". tornar claras nossas posições, motivos e razões. 1
Sobre o ato propriamente dito, Copferman acrescentou tam- Em primeiro lugar, era muito difícil aceitar os termos da
bém uma explicação, que me parece clara e lúcida: os atores do discussão que eles propunham: "Não acreditamos na espécie jll
Cirque Divers quiseram voltar contra mim mesmo a minha arma humana!" Eu estava furioso e indignado, e a isso respondi ape-
que os ameaçava - o teatro do oprimido. Sentiam-se ameaça- nas que, da última vez em que tinha ouvido uma frase seme-
dos por essa tremenda arma, ameaçados no seu status de artis- lhante, eu tinha 15 anos e a menina que a tinha dito, menos de j
tas, de pessoas excepcionais, superdotadas. O teatro do oprimi- 12! Isso, de certa forma, eu compreendo, porque 12 anos é
do prova justamente o contrário: prova que a atividade artísti- uma idade difícil, principalmente para as meninas. Mas que
ca é inerente a todo ser humano. Todos os homens são capazes artistas adultos façam a mesma afirmação parece-me uma atitu-
de fazer tudo aquilo que um ser humano é capaz de fazer. Se- de fascista, consciente ou não: "Não acreditamos na espécie
um homem é capaz de cantar, pintar, nadar, representar, todos humana - portanto, permitimo-nos fazer tudo que quisermos
os demais são igualmente capazes de fazer o mesmo. contra a espécie humana!" I sto é, um feixe de artistas permite·
Essa verdade tão simples, tão evidente por si mesma, ame- se agredir uma platéia sob o pretexto de não acreditar na espé-
dronta a todos aqueles que se refugiam numa pretensa superio- cie humana. Mas quando essa espécie humana se revolta, bem
ridade que lhes seria conferida pela carteira de ator. Os verda- que eles acreditam nela e pedem nossa proteção ... I
deiros artistas não temem olhar a verdade de frente. E, porque
são verdadeiramente artistas, não temem compartir sua arte, suas
j. Quanto ao segundo argumento, esse já me parece necessitar
de melhor compreensão: a técnica não existe em estado puro _
I
técnicas, seus métodos e seus processos com todos os espectado-
I é bom que isso seja dito, é ainda melhor que seja tornado cons- li
res. O verdadeiro mago não teme mostrar como se faz magia. ciente. Técnica pura não existe, no sentido em que pode existir
O verdadeiro artista não teme que todos os homens sejam artis- m~temátic~ pur~. Do~ e dois .são qua~ro e não cabe a pergunta:
--tas, e compreende perfeitamente que não existe nisso nenhuma dms o qu~, mrus do1s que cOisa? D01s (em estado puro) mais
concorrência. Todos os homens são artistas, o que não impede outros d01s puros fazem quatro. E não me perguntem se são
_que apenas alguns se dediquem à arte como métier e profissão, quatro bananas ou laranjas: são quatro! Isso basta. No teorema
embora todos os homens tenham a vocação. de Pitágoras, o quadrado da hipotenusa será sempre igual à
Essa arma que eu divulgava e difundia, eles a voltaram con- -som~ . do: qu~drados dos catetos, e não importa saber de que
tra mim, para se protegerem. matena sao fettos os catetos ou a hipotenusa.
Alguém do nosso grupo acrescentou uma hipótese comple- , Mas o ~eatro não lida com linhas e curvas, ângulos e retas,
mentar: o vedetismo. De fato, o Cirque Divers também tinha numeras e figuras: lida com uma incógnita que se pretende
me convidado para um ~stágio, e eu havia aceito o convite do conhecer, lida com o homem. E os homens não se somam de for-
grupo que (nesse caso t articular) funcionava como rival. Que ma abstrata, de forma pura. Um homem pode ser igual a mil,
fizeram os atores do Cirque Divers? Destruíram o espetáculo de ou a zero. A soma dois mais dois é imprevisível! Tudo pode
teatro-foro que tínhamos preparado, e que culminaria o estágio acontecer e tudo tem acontecido.
de cinco dias, assumindo eles mesmos o papel de vedette da Sobre a teoria mesma do teatro invisível, é bom recordar
última noite ... ~~fu~spectos. O teatro invisível não foi inventado por mim.
E, além de tudo isso, também impediram que uma enorme b ao 1 eu que, um belo dia, acordei com uma idéia luminosa.
e uma forma ou de outra, o teatro invisível - ou formas rudi-
platéia tomasse conhecimento de outras formas, técnicas e pro-
cessos do te-atro do oprimido ... ~entares, ou técnicas parciais de teatro invisível - sempre exis·
Essas foram algumas das conclusões a que chegaram os inte- tm!._ Por exemplo, a espionagem! As técnicas utilizadas pelos
grantes do nosso grupo. Mas, naquela mesma noite em que esses esptoes, a ca~uflagem, a interpretação de um papel, a simulação
fatos aconteceram, já no local do Cirque Divers, na presença de de uma realidade _ tudo isso faz parte do arsenal do teatro
invisível. .l\fesmo dentro dos supermercados onde habitualmente
118 119

..
I
I

. s policiais particula- o desemprego e a exploração a que os empregados se submetem I


0 I
fazemos teatro invisível, também existem m os dias fiscalizan- (se ninguém aceitasse ser exploradv, haveria trabalho para
. . ' . h omens e m ulhcres que
res mvzszvezs, abalhopassadas te1evtsoes
. - de cu·.- rodos), entre os operários imigrantes e os nacionais, etc.;
do, vigiando, complementando o. tr do eternamente seus carn- - o teatro invisível nunca se coloca na ilegalidade, porque
cuito fechado enchendo e esvaztanb ando os clientes, desen- não pretende violar a lei: pretende questionar a legitimidade
' , · serv da lei, o que é algo muito diferente e muito mais conseqüente.
nhos que nunca chegam a cal.Xa, 0_ e vão roubar, ou mes-
d oem qu 1...
corajando-os do roubo quan ° subp
rou o se
consuma. Esses po tctals
· s
Explico: se quiséssemos violar a lei, teria sido muito fácil
mo prenden do-os quan.d o . o, à sua maneua e com os seu organizar uma cena que distraísse a atenção dos funcionários do
invisíveis fazem teatro 1nvtstvel. · · supermercado e assim roubar toda a mercadoria que desejásse-
propósitos. .d diária quantas vezes .u tili- mos. Isso teria sido violar a lei, e é muito fácil: na verdade,
, mesmos, em nossa
E nos fl dVI a escondidos, '· -
nao-reve1ados. todos os dias se faz isso, com resultados bastante substanciais.
. camu a os, Os próprios mercados já se encarregam de acrescentar ao preço
zamos proced tmentos - com outras pessoas sem que
m re1açao dos seus produtos uma margem para a publicidade e outra para
quantas vezes entramos e ·bam do que se passa?
terceiros, também ~re~e?tet, J: 1
forma como agora começa a ser
Mas o teatro znvmvelib' t ção não se reduz apenas à simu-
o roubo. '
. N6s, ao contrário, queremos questionar a leoitimidade da
. d o, como arma de f er
pratica d _a onta ' sem consequenctas,
... · ou mes- lei .. Pois as leis podem ser feitas por qualquer um"' - eu posso
lação, à camuflagem, ao .~- ~ac não importa qual. Ele utiliza, é
r
fazê-las,_ e também o leitor.A Mas elas só serão promulgadas por
mo com qualquer c?ns.equen~fu~s e gastas, mas com propósitos
verdade, algumas tecmcas v l .
quem ttver a força de faze-lo. Todas as ditaduras apressam-se li
a legalizar o ato ilegal que as leva ao poder. Mas uma lei pro-
I d f "dos Por exemo o.
bem c aros e e 1 ~ 1 . ; l tem co~o objetivo primordial tornar mulgada por uma casta militar, embora lei, não . é legítima. I
., -
o teatro mvzszve
_ S invisibilidade é a con çao necessar1a
di - ,. Nenhuma lei é legítima se não conta com o consenso do povo I
vtstve1 a opressao. ua · ·' 1 · ao qual se aplica. ·
- (e a repressão) quase sempre mvlSlve , tor-
~:~ q~~sí~el.PN~a~aso de Liege, t~do o apar.ato de P.roteçã~ E é precisamente aqui que incide o teatro invisível (como, ---.1
·· externa policial e jurídico, econom1co e soctal, fot de.. resto, todas as demais técnicas do teatro do oprimido): na
mterna e • s
· · , 1
revelado por obra e graça de uma cena mv!Slve . ~ a mesma
cena tivesse sido apresentada num teatro convencw~al, num
palco convencional e com atares i_nterpretand~ co~vencw~~l~en­
<liferénça entre os conceitos de legalidade e de .legitimidade.
\ Í - , ~opressão existe e, quase sempre, legalmepte. ·Em muitos
patses, as mulheres não podem votar; em outros, para trabalhos
I
I
te seus papéis, certamente seu Impacto ten.a stdo _mwuss!IDO iguais, recebem salários inferiores aos dos homens; em outJ:<;>s, ' i

menor. Pelo contrário, a ação do Cirque D1v~rs nao _r~v_elo_~ ainda, não têm acesso a certos postos de mando; na maioria, I l
qualquer espécie de opressão: apenas a duphcou. Pohctais ]a
existem, repressão já existe, cães que ladram também. A_ açao
que fizeram apenas tornou visível e concreta. ~utra c01sa: a
são, de forma aberta ou sofisticada, submetidas psicológica e
socialmente à ditadura masculina. Tudo sob o império da lei.
Mas uma lei que inferioriza metade da humanidade evidente-
I
I '
extraordinária solidariedade entre todos os opnm1dos presentes. mente não é legítima, pois para isso não conta com o consenso
Jamais senti (e jamais vi) um grupo agindo tão monoliticamen- das mulheres, das vítimas.
te em defesa de uma pessoa - no caso, eu próp:io; , Da mesma forma que se pode questionar e pôr em dúvida
- o teatro invisível procura ordenar a r:_ahdad~, torna-la as leis que oprimem as mulheres, por exemplo, pode-se pôr em
cognoscível, inteligível, perceptível nas suas ra,z~es ma1s prof:un- cau'sa igualmente todas as leis opressivas, sejam quais forem
das, e não apenas na sua aparência - ao contrario ~o happen.zng, suas vítil!Vls: operários, camponeses, imigrantes, negros, etc.
que procura apenas deslanchar uma ação incontrolav:l e muitas De uma vez por todas, deve ficar claro: as técnicas do
vezes sem objetivo definido e sem significação própna. No_ ca:;o ) teatro do oprimido servem ao oprimido, são armas de libertação.
de Li~ge , tentávamos, através da ação principal ( Fra~çots) e No caso particular de Liege, os atores do ~irque Divers,
dos diálogos paralelos ( atores-coringas), explicar a relaçao entre além de duplicar a opressão já existente, cometeram uma ilega- I I

120 121 1 I
-~ ·----~=~--·--~--
......... e- "
~

!idade, utilizando o uniforme de uma Forç:. Armada, e tornan-


do-se assim passíveis de novo processo, o quarto dessa história O grupo fi~ou emocionado, e alguém levantou a -
moralmente, sera correto 0 que fizemos? p 0 questao:
acidentada.
que . t~ fato não tinha acontecido com esse :~r~ ~o~:~dad~ é.
Um ator disfarçou-se de policial! Pode-se perguntar: mas brasileuo estava bem empregado bem casado b · anllgo
no teatro não é exatamente isso que sempre ocorre? Não é uma , . ' , em acompanhad0
- era ~ contrano do personagem que havia inter ret d
pessoa que simula ser outra? E pode-se ainda aduzir: se o es- tanto, nao era verdade. P a 0 · Por-
pectador sabe que o ator representa um papel, ainda bem. Mas. Não era verdade? Repito a pergunta· por que -
se o espectador ignora que está diante de um ator e pensa d d ? Q a] d d f · nao era ver-
~ e u ver a e? ~ ato de que o ator que representa Otelo
tratar-se do próprio personagem, será isso correto? Pode-se de- nao ~strangula verdadezramente a atriz que interpreta Desdêmo-
fender eticamente a apropriação indébita de uma identidade na nao torna me~os verdade o fato de que 0 ciumento Otelo
alheia?
mata s~a pobre e mdefesa esposa. A que verdade nos referimos?
O leitor vai agora permitir-me um salto no tempo e no Nao era verdad~ que o ator brasileiro sofresse em Bári as.
espaço, na geografia e nos meses do ano de 1978. Foi em ja- t_orturas _que descrevia: mas era verdade que essas torturas exis-
neiro ou março, em Bári, cidade do Adriático, no Sul da Itália. tiam. Nao era verdade que ele tivesse tentado suicidar-se
Lá se levantou energicamente o mesmo problema, referente a e d d . . ' mas.
ra ver a e que outro mugrante não apenas tentara meses atr'
uma cena de teatro invisível. Era assim: um jovem ator ( brasi- mas de fato tinha_ morrido. ' as,
leiro, por sinal) sentou-se num banco de jardim público e co- Embora não fosse verdade era verdade 1
meçou a falar com seu gravador. Dizia coisas cada vez mais Não era ~ verdade sincrônfca, mas era ~ma verdade igual-
graves e emocionantes : mente verdadeira, a verdade diacrônica! Não aconteceu aqui e
- Estou sozinho! (Ligava o gravador que lhe repetia a agora, ~as em outro lugar e momento.
mesma frase, recém-gravada: Estou sozinho! ) As~1m, retornando a Liege, nós não estávamos mentindo
- Não tenho amigos. (Não tenho amigos, repetia o gra- domo disse o dei:gado, quando· descobriu que François não er;
vador ... ) · esempregado, , ~ao estava com fome e, pelo contrário, tinha I
- Ninguém gosta de falar comigo porque sou estrangeiro, emprego e salano e estava bem alimentado N- d d I
· ao era ver a e
porque aqui neste país e nesta cidade existe discriminação - e qu_e _o ~tor f osse o personagem, mas era verdade que ambos.
as mesmas coisas, repetidas eletronicamente, eram o1:1vidas em
seguida pelos pedestres que passavam, e por alguns que para-
vam para escutar melhor e ouvir a seqüência.
- Estou desempregado.
.·~
~s~am. _E od problemas de ambos eram verdadeiros E na
e gica eXlst~ esemprego, tal como na nossa peça. e as. causas
que apresentav~m?s em nossa peça são as causas 'reais do de-
semprego na Bélgtca. Tudo, portanto, era verdade
I
- Estou desesperado. Os .~ncont:os_ invisíveis de Liege tiveram ~a . r J
enorme lmportanda: nuestionar ,. ~ rrum esta j
- Ontem quis me matar, mas não tive coragem. Larguei '· = aro euca e esteticamente
o vidrinho, mas não o joguei fora: tenho todas as pílulas guar- prauca que vem sendo desenvolvida com~ t 'd d uma j

nos últimos sete anos' Ess . m enst a e crescente I


dadas. Talvez hoje tenha coragem. Talvez esta noite eu me - · e questiOnamento
fl exao sobre certos aspectos dessa prática E no I '
s ~lo': ad re-
mate ... nos a razão, deu-nos a certez . · essa re exao eu-
Dizia e o gravador repetia, as pessoas se aproximavam, e o qu d f a mats cabal de que estamos fazendo
muitas não sabiam o que dizer, mas algumas sabiam, e essas e evemos azer: como artistas bd' d
nossa excepcionalidad . ' estamos a reando e
lhe ofereciam ajuda e conforto, solidariedade, amizade, apoio. dos a se l1.b ertarem de e-. e aJudando nossos espectadores oprimi-
· .
compreensão. t d sua prlmetra opressão: a de serem es-
Pec a ores. E , trans forma d .
Foi uma cena de rara ternura, cheia de emoção, sem qual- iliz n o-se em protagontstas estarão aptos
quer pretensão ao espetacular, uma cena quase íntima apesar da a ut ar as armas do arsenal do teatro do opr~ido que deve
ser antes que tudo . '
praça, apesar de tantos pedestres, dos carros e dos ruídos. ' , um teatro para a libertação.

122 12]
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TEATRO-FORO

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TEATRO-FORO E PSICODRAMA

Comecei a trabalhar a forma de teatro-foro na América


Latina, quase sempre em regiões e locais pobres, onde todos
os participantes tinham necessidades bem prementes e a opres-
são era facilmente visualizável. Soldados com metralhadoras,
carros de choque cheios de policiais, automóveis equipados com
aparelhos de rádio _e cheios de homens armados, embora em
trajes civis, são imagens bem claras da opressão que sofrem os
povos da maioria dos países latino-americanos.
Aqui na Europa, a opressão, via de regra, é diferente, mais
cheia de nuanças e filigranas, menos óbvia, mais escondida. E,
no entanto, é evidente que também aqui existe opressão.
Na América Latina, em geral, quando eu participava de
urna sessão de teatro.foro, os temas escolhidos eram fundamen-
talmente os salários, a falta d'água, as restrições policiais, as
condições de vida suburnanas, etc. Aqui na Europa, embora
nunca faltem temas como desemprego, centrais nucleares, po-
lícia, emancipação da mulher, etc. (isto é, temas ditos sociais),
abundam igualmente outros temas ditos psicológicos, como a
solidão, o direito à diferença, a incomunicabilidade, etc.
,,
Antes de mais nada, devo dizer que não aceito a divisão
que se costuma fazer entre uma categoria de temas e out~a,
entre social e psicológico. Todos os problemas sociais são 9Js-
cutidos por indivíduos psicológicos e todos os temas psico16gzcos
ocorrem num mundo social. Essa divisão, que se pode fazer para

127
I
I.
il
efeitos didáticos deve permanecer exclusivamente na esfera di- tura (Paris, janeiro de 1979). Em todos esses casos (e em
a:!tica. I\a verd~de de um foro , são os· homens e as mulheres, muitos outros), os participantes compartiam os problemas dos
i...::h·ià:!al e coletivamente, que estão envolvidos: psicologia e personagens - identificavam-se totalmente -=com os personagens,
sociedade. sofriam as mesmíssimas opressões. No caso dos professores, as
Contudo, creio ser verdade que na América Latina, por peças tratavam das opressões exercidas pelo aluno, pelos pais dos
serem tão mais cruciais e urgentes os problemas vividos no alunos, pelos diretores e inspetores das escolas e até :nesmo
dia-a-dia, na luta pelo pão e pelo trabalho, . as pe~soas têm a pelos colegas professores que lecionam outras matérias mais ou
tendência a propor para debate os . temas ma1s gerais e ap~ren­ menos importantes dentro da hierarquia escolar. No caso dos
tes, mais pol!ticos. Talvez esta seJa mesmo. uma das maiores empregados do banco, a peça apresentava o tema da greve. No
opressões: impedir que as. pess?as. falem d7 s1 mes~as, de seus caso dos magistrados, os rituais do flagrante delito e o problema
problemas mais individuais e mnmos, mais pessoa1s. De qual-
da mudança de sede. Nesses casos, a multiplicação é imediata
quer forma, esse fato elimina de saída dois problemas técnicos:
e ,o espetáculo logo passa a falar na primeira pessoa do plural:
a multiplicação e a extrapolação. nos, os professores de Francês ou Matemática nós os bancários
nós os magistrados, nós! , ' '
A multiplicação pode dar-se ainda por analogia. Lembro-
1. A multiplicação me de um espetáculo-foro particularmente bem-feito,. no en-
cerramento de uma série de estágios que o nosso Centro fez
Explico melhor: o teatro do oprimido, em geral (e o
teatro-foro, em particular), é o teatro 1ta primeira pessoa do no final do Rencontres Théâtrales em Sévres, bairro de Paris.
plural, Trata-se de permitir e facilitar aos oprimidos que faiem Tra~ava-se da opressão ~ofrida p~r uma jovem de 15 anos, que
por si mesmos, sem o artista intermediário - o oprimido é devia ter 10 ou 15 quilos a ma1s que seu peso ideal. A peça
artista! Mas uma cena de teatro-foro deve, necessariamente, en- narrava todas as suas vicissitudes: os companheiros que não
volver todos os participantes, os quais devem todos sentir-se queriam dançar com ela, a boutique que não tinha nenhum ves-
i~mente oprimidos pela mesma opressão. Po~ isso, necessá- é tido do seu tamanho, e a pobre era obrigada a comprar uma
no um grau elevado de homogeneização da platéia. Os melhores camisa com o desenho do Mickey Mouse ou de um barco ( es-
resultados de um teatro-foro observam-se quando os espectado- colhia o barco), os operários na rua - que, quando a viam,
es-atore~ sofrem a mesma opressão apresentada no modelo e exclamavam "Olha o transatlântico!" - e a própria família que
buscam JUntos as melhores formas de eliminá-la. a enervava e a fazia comer como uma desesperada! Bem, essa
A construção . de. ~ma. cena modelo de teatro-foro parte era a história, esse era o modelo. Quando ·terminou a apresen-
sempr~ de relatos mdlvtduats (isto é, psicológicos, particulares, tação, olhei a platéia : todos magros. Pensei: "Este foro não vai
P.essoais). No processo de sua elaboração, porém, 0 relato indi- funcionar, a multiplicação é impossível, o problema é muito
vidual deve crescer, multiplicar-se e deve conte f b individual!" Aconteceu, porém, justamente o contrário: esse
- f" 1
I açao bl ' r na sua a u-
'd ma o pro
· · ema da maioria • e não a e d
p nas o aque e m 1 · di. talvez tenha sido o foro que melhor funcionou, que provocou o
vt uoE queé ortgtnou . . o modelo com seu r 1 t
e a o. maior número de intervenções. Embora todos os espectadores
. s,~a - a Dprtmetra necessidade técnica de um bom foro. a que intervieram fossem magros, tinham todos multiplicado o
mu I up 1caçao. " evo f . acrescentar
d"f que ess a mu1ttp · 1·Icaçao
- po· de problema da jovem gorda, não por identificação com seus 10
d ar-se em dOIS n vets 1 erentes: por ide 1 ·1· -
. C I d . .
looza. orno exemp o o prtmetro caso cito
n z zcaçao ou por ar.a-
,
quilos a mais, mas por analogia: todos tinham igualmente um
problema com o próprio corpo, todos achavam que tinham um
r
f~;o realizados durante os congressos clos pr~f~s~~~:~a~tlos em nariz demasiado grande ou pequeno, uma orelha maior que a
ces ( Es,trasburg~, 1979) e de Matemática (Grenoble \ Fran- outra! ou qualquer outro defeito que os tornava, aos olhos dos
o espetaculo feitO para os empregados do Credit L 979!' d~mrus, ridículos~A~ palavra gordura funcionava como símbolo \
(Paris 1977) ou para os membros do Sindicar d Myo?nats de corpo deformado. Todos diziam "sou gordo", embora cada
' o a ~~
um pensasse no próprio nariz, orelha ou boca. __ --·
128
!"--... 129
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•,
--ncmrasr=

I
2. A extrapolação na superpos1çao de áre~s ci~ntitic~s e arusucas. Se me pergun-
tam se Stanislavski faz1a ps1colog1a ou teatro, respondo que es-
Para que uma sessão de teatro-foro seja eficaz, existe uma 7 tudava 0 homem. Se me perguntam se Brecht fazia teatro ou
segunda necessidade técnica: a extrapolação. O teatro do opri- os a e .
mido busca modificar a realidade e não apenas interpretá-la. Por N~ entanto, apesar da interpenetraçã?. ~as artes e das ciên-
isso, é necessário, uma vez terminada a sessão - imediatamente ias humanas acredito também na especif1c1dade de cada uma_
ou quando a ocasião se apresente - , que os participantes tratem ~. embora p~ssa haver muitos p~ntos de. su?~rpos~ção ~ntre psi-
de extrapolar as ações fictícias do teatro para ações reais, sus- cologia e teatro, cada uma mantem. sua rndiv1duahdade, embom
ceptíveis de modificarem a realidade opressiva. J não existam limites nítidos e prec1sos entre o teatro-foro e. o
Na América Latina, a extrapolação era imediata e inevici:\ psicodrama, existem metas que não se confundem neces!fana-
vel, já que as situações propostas em foro ocorreriam na reili- I mente.
dade, inevitavelmente. Se discutíamos como organizar uma gre- E a diferença aparece mais claramente quando se tr~ta .de
ve, não era para conhecer melhor os processos de organização
de uma greve: uma greve seria iniciada na semana seguinte. Por
isso não a ensaiávamos. Se o teatro debatia a opressão dos bai-
temas que tendem ao coletivo ou ao indivi.dual. No pr,1I?e1ro
caso no tema dito político, o teatro-foro discute uma tat1ca e ,
uma' estratéoia em face de uma situação que se supõe conhecida:
J
xos salários era porque um grupo de pessoas se preparava para falta de ág;a, polícia, patrão, etc. No caso do tema dito psicoló-
exigir melhores salários. Se a falta de água era o problema, tor- gico, muitas vezes se usa o foro como instrumento p~r.a melhor \7
nava-se inevitável visitar o prefeito para exigir nova canalização. conhecer uma realidade da qual se vê apenas a superftc1e, a apa- \
Tudo isso seria feito de qualquer maneira, independentem~ rência. Nos dois casos, o teatro-foro é o tea:ro-fo.ro, embor.a ) ~ . ..
do teatro. possa aproximar-se, na medida em que se paruculanza, do ps1J r, ·1/·
Assim, pelo fato de os temas serem urgentes e imediatos, _...oodrama. CP . -:.
além de coletivos, tanto a multiplicação como a extrapolação se .A:.tru:u _ver essa é a primeira diferença entre um e outro·: '( .. ,
produziam de per se, automaticamente, sem qualquer esforço. a-
o tea_tro..:foro -t~º-çl~ - ~c~par-se-d~ pr~_:tra__ p_:~o~, õo plural ~ ', '~
Na Europa, porém, quando os temas propostos são menos er:- . ' ,
\mes_!!!S' que o terpa _s_~ja P!OQ_osto por _urp. _s<?- ~~Cl}vtduo LO:. O
genéricos, e referem-se mais a um fato acontecido a uma. pessoa qua~~O_ Q. psicodrama tende_.a__QCUIJ.?r-s_e_d~ _u~ !fi~'Y1duo1 da P!~j .<
(e a só uma), torna-se mais. difícil fazer funcionar bem um foro ~eira._.p~oa d9 _singular~_me.§!!l9 ~~ o problema possa revelar-
de forma que seja útil a todos os partiéipantes. ..se-coletiv:o. . ·· · · -------
E, pelas mesmas razões, é comum que as pessoas pergun- Uma segunda diferença, a meu ver, consiste em que o psÍ-
tem: "Mas isto é teatro-foro ou psicodrama?" codrama buscg - o- efeiro-terapêuti~pessea--ttUe-s·e._
Em primeiro lugar, penso ue as artes e as cJencias que dêclara ou é _df!qaJada..-en~r.ma,_inadap,tada ou com problemas,
têm oser umano como o eto e estudo não o em de manei- ou é etiquetada com outro - eufemismo -qualquer~Ressoas__~,_
'- ra algutpiz ser 'vididas academicamente se aradas s por iniciativa própria ou alh~~J -~o ~~ginalizadas. E o obje-
fronteiras,Jiml~ as no seu campo de ação por d~ tivo final de um trat~eri!o ~avés _do_psicodrama é a cur~
rosas e · exclusi va~Se~ Q.9_!ll~.!D _co!Jlo -e,::murt.idimensi.onaL_ I dessa marginalização, é · a catarse,. isto é, a._pudfi.cação. a elzmt- !
cada arte _e cada__ciêDC:1a .~ª-o 2.<?9~m-ocupar-se apenas _d.~ _um~ nação de um elemento inquietador. ( doença,_ou_ ~e.iL~Uor 0 .'
dessas dimensões que nele estão _confund.idas. Na minna opinião, \ nome que se lhe dê). Mesmo que - tenha.._sido_a ~ociedade ~
a filosofia, a polígca, o teatrO,_.Jl_Q.intyra,_e_tc,,._ enquanto artes--e.__ I causadora dessa doença, é o indivíduo que a porta: portanto,
enquanto ciências, são- formas de a?proac.h, perspectivas a partir- necessário curá-lo. - · - e
das quais os _seres hüíDãÕosJ multiforme~emplexos, pQdem... O teatro-foro, ao contrário, trabalha com. pessoad qu:u~a
ser estudados. - - · .. -- dec!aram saudáveis, que. vivem perfeitamente ~d~fi~~~. asPessoas
Portanto, recuso o limite preciso, a proibição do nec plus soc1edade que elas quesuonam e pretendem m 1
tiltra. Acredito, pelo contrário, na interpenetração disciplinar, que não buscam nenhuma purificação catártica, mas, pe 0 con-
13i
130
.\
ttário buscam a auto-atividade transformadora da realidade,
busca:n estimular e dinamizar o elemento intranqüilizante que
possuem. No psicodrama, a doença é individual; no teatro-foro,
ll.QLfjl!.alquer outro coisa que, evideiitemeate, Ilãe ecerre com
o terapeuta, que aã~e--ser substittJído por ae~m. dos .,Q.íl-
cientes.
~ essas considerações gerais, gostaria de contar agora
l
o problema ' 1 •• , • .
sso ocorre em teoria, pois na prauca pode _mwto bem su- um fato acontecido durante um estágio realizado recentemente
ceder que os participantes de uma sessão de ps1codram~ s:j~m perto de Paris. Foi um acontecimento exemplar de todas as di-
totalmente sadios e os de um foro, doentes. Mas. em pnnciplo, ficuldades a que pode chegar uma simples sessão de teatro-foro,
o primeiro busca JLa.urformar o indivíduo , e o segundo, transfor- de toda a complexidade dos conflitos que podem ser. ativados.
mar a socíêdãde. O que não impede, a meu ver, que o ps1co- ) Dificuldades e complex.idades que não âevem ser temidas, mas
drama possa eventualmente ter efeito político, e ó teatro-foro, estudadas de forma adulta por um grupo de adultos responsá-
efeito terapêutico. . veis envolvidos numa sessão de foro, como se supõe serem aque-
Justamente por ter como objeto de estu~o a ~a~s~onna:: les que participam desta forma de teatro.
ção possível da realidade (e não a transform~ça2 do_ mdiv1duo),
1
o teatro-foro não procura trabalhar com o _subc~nsciente e . c~m /
o inconsciente dos participante~ - e_ essa é, creio, ~ma _ter~_erra_ ,3. O caso das duas gêmeas
diferença em relação ao psicodrama. Mas, como o teatro é pra-
ticado por seres humanos, será possível afirmar que o subcons- Formou-se um grupo de quase 40 estagiários . . Reunimo-nos
ciente e o inconsciente dos participantes serão mantidos inativos
durante uma sessão? Evidentemente, não. Pode-se apenas dizer
que deflagrar processos inconscientes e subconscientes não é um
dos processos conscientes do teatro-foro. . . Pode suceder, po-
-=--
~
j todos numa pequeníssima cidade de província, isolados de tudo,
numa colônia de férias, à qual se tinha acesso apenas através de
automóveis. Era uma espécie de camping, em que todos os par-
ticipantes (e mais alguns cônjuges não-participantes, alguns fi-
rém . ..
Creio que existe ainda uma quarta diferença, que na ver-
~- lhos e outros agregados) permaneciam juntos 24 horas por dia.
O grupo decidiu sua forma de funcionamento e formaram-se
dade não separa totalmente, apenas dá uma nuança. Numa -- -.

~
. equipes diárias que se revezavam na cozinha e no cuidado das
sess!o de psicodrama,_a fjgura _do terap_~tª- é a_figura coq_d~. . salas e dos dormitórios. Pelas manhãs, os estagiários encontra-
Ele é um especialista que _se supõe sadio eiiL relação aOS-seus. vam-se em pequenos grupos, e nos reuníamos todos depois do
-;. -~~!:
doentes. E isso, inevitavelmente, cria uma relação de autori- almoço para trabalharmos seis c:iu sete horas: : · · · ·
dade, mesmo se ~ssa relação não é deseja_da pelo terape\Jta, ? -9
.....
.~

Começamos o e!itágio como normalmente: no primeiro dia,


me~mo se ele_ a evita, mesmo se a_qedita que seu trabalho será !".; •
~

'exercícios físicos e discussões, para a unificação física e intelec-


mais bem realizado _na medida em _que e~sa auto~i~ade desaQ~ã:
~ •"$-·ll'

A_o buscá:lo, o pacien~e busca .. o conselho, a aj11 d_at. a interpret;-·


ç?o, o gma, o que mrus sabe. O pªciente lhe confere ·umã- ãUiQ:-
.
~f . i~ .

.
tual do grupo; no segundo dia, jogos de expressividade e técni-
cas de teatro-imagem; e, no terceiro dia, um· momento mais
difícil - a preparação de uma cena de teatro-foro.
r~dade,. mesmo q~e ele~ recuse. Numa sessão de teatro-foro~ a~ Nunca proponho os temas que devem ser discutidos no
con.tráno, o Connga nao se distingue dos demais particip~nte-; teatro-foro: isso já seria uma opressão. Assim, pergunto sempre
mars do que pelo fato de coordenar um ·ogo um d b -t -
1 ,
I?ro - mas sem qua1quer autondade, . e a e, um
a qual é ex.ercida exclu-
aos integrantes de cada grupo quais as opressões que eles real-
mente sofrem, quais aquelas de que sentem realmente vontade
sn•amente pe1o grupo, que dele não espera qualquer d · - - ·
· d . ec1sao ou de se libertar. Esse é sempre um dos momentos mais difíceis
con~elho. O C, or~nga eve ret:_QVJar incessantemente todas-as
~Úv1dª"s, ao_pro~no gmpo, para qu~ decida, opine, resolva desses estágios, pois obriga as pessoas a falarem de suas própri~s
opressões individuais. Ou melhor, não obriga, estimula - pms ~:
pr~a,_ e~enm_~n~e, ~ongua._ O Coringa nunca deve toma;
d~c•soes - apenas fazer _pr9postas.__!le não sab~ais do que nada no teatro do oprimido deve ser obrigatório. E, para que
mnguém: é um entre outros. E como tal pode ser.J.ubstztuído as pessoas falem de si mesmas, é necessário que sintam em torno
uma atmosfera de amizade, de solidariedade. Para que se reve-
132
13)


li J
-·--- --- ------.....,...._~""""='"'=:::::.......

lem ma1s intimamente, é necessário que se sintam apoiadas. xuats. Sempre vivemos juntas. E somos discriminadas por isso
Nunca me esqueço do comentário de uma jovem atriz alemã de mesmo.
Hamburgo: "Minha maior opressão é não ter coragem de falar Nesses momentos, é normal que se faça silêncio durante
de minhas opressões" . Para que não se sofra a opressão de não algum tempo. Minha preocupação é sempre busca~, nos :eiatos
ser capaz de falar das próprias opressões, é necessário que exista individuais a dimensão coletiva. O homossexuahsmo nao pa·
uma atmosfera de confiança, de solidariedade. E, algumas ve- recia ser, ~em de longe, um problema geral, naquele grupo em
zes, num estágio de curta duração, é difícil chegar-se a esse cli- particular. Mas a discriminação provoc~da . p~r e:se fat_o bem
ma ideal. que poderia ser analogicamente igual à discrumnaçao sofnda por.
Nesse caso, o processo foi lento. Os participantes começa- outras causas. Perguntei: . , . _
ram a falar de temas mais distantes. Falavam de contaminação - E em virtude de seu homossexualismo, qual e a discn-
radiativa - mas não sentiam, eles próprios, nenhum perigo minação q~e vocês podem contar? De que é que vocês se quei· ·
imediato. Falavam de desemprego- mas eles próprios estavam xam? Contra quê querem lutar?
bem empregados. Falavam, em suma, de opressões alheias, por Sophie queria dizer alguma coisa, mas não era pessoa ha-·
solidariedade com os outros. Mas o teatro do oprimido é o tea- bituada a longos discursos, nem tinha o dom da palavra. Cons-
tro do oprimido: se esse não fala de si mesmo, não se pode tantemente pedia ajuda:
fazê-lo. - Valérie, me ajude. . . Valérie, você explica melhor .. ,
Até que uma jovem disse algo mais preciso: Valérie, qual é a palavra certa? . . . Valérie, diga você ...
Começamos a sentir, entre as duas irmãs gêmeas, uma re:
- Eu sou professor& primária, vivo numa pequena cidade lação de dependência bem grande. E, embora eu pudesse estar
do Sul da França e sou homossexual. Ser homossexual não é enganado, senti uma tremenda relação sujeito-objeto, atar-espec-
minha principal característica: eu sou professora. Mas quando tador, na relação Valérie-Sophie. Valérie era a mais adulta, se-
os meninos me vêem no bar com minha amiga, eles dizem: "Olha gura de si, madura. Mas tinha sido Sophie a que queria discuti-
--lá a lésbica!" Esta é uma opressão terrível de suportar em lo. As duas gêmeas eram oprimidas, discriminadas, o que não
qualquer lugar, mais ainda numa pequena cidade de província, impedia que fosse Valérie, por sua vez, uma opressora na relação
onde todas as pessoas se conhecem. E lá onde eu moro todas das duas - uma oprimida-opressora. E isso se revelava com
as pessoas me conhecem: o padeiro, o farmacêutico, o açouguei- total clareza a todos nós que assistíamos ao diálogo: .
ro, os alunos e os pais dos alunos - todos me conhecem como - Valérie, você sabe dizer as coisas melhor do que eu.·..
homossexual. Mas eu sou professora . . . - Sophie, vamos mudar de assunto ...
Relato tão simples, tão sincero. Todos se emocionaram. Valérie não queria discutir o assunto, mas sua irmã, sim.
Todos sentiram a necessidade de dizer também algo assim tão Insisti em que me contasse pelo menos um caso concreto, vivi-
simples, sincero, pessoal. E a · partir de:>sf' momento começaram do, em que se sentira discriminada. Penosamente, sempre olhan-
a surgir as opressões reais e concretas, coisas sentidas na própria do para a irmã, sentindo-se criticada, Sophie conseguiu contar:
carne, na primeira pessoa do singular, eu! Mas tínhamos ·que - Um dia a diretora me chamou ·ao seu escritório e disse
buscar um tema que, embora singular, pudesse ser também de que em virtude do meu homossexualismo ela não éonsideravá
todos, com o qual todos pudessem identificar-se, por identidade correto que eu continuasse dando aulas aos jovens de 14 ou 15
t ·!'
ou por analogia. anos. E que por isso mesmo eu deveria aceitar voltar ao .r;na-
Olhei em volta e reparei em duas senhoras, magras, altas, ternal e cuidar dos meninos de três ou quatro anos. Para m~m,
de meia-idade, sentadas perto de mim. Eram muito parecidas, dar aulas no maternal também é bom, talvez eu até pr~fi;a,
mesmo. Mas para ela isso significava uma espécie de P~ ~ao.
1
quase idênticas. Senti que queriam dizer alguma coisa. Hesita- _ . . N- . . 'da acettel.
vam. Tentei estimulá-las. Eu nao queria acettar. ao quena ser opnnu , mas . um
- Nós somos Sophie e Valérie. Somos irmãs gêmeas. E . Estávamos diante de uma situação mtÚtO cl:J.Ca: p~~lação
temos o mesmo problema que aquela jovem. Somos homosse- lado, havia o problema individual das duas gêmeas, uma

135
·134
Passamos à segunda etapa. Mas aí os problemas psicoló·
mut'to ·a1 'cular de su)'eito-objeto, de dominação e sub-
mi - espect E ' paru
- ' m problema mul ttp . z·tcave
, l, com o qu al gicos de Sophie voltaram a se fazer sentir. Ela era quase inca-
ssao. esse nao era u ·d tif' E paz de responder as perguntas, de contra-argumentar. Senti que
. . . d foro pudessem 1 en tear-se. ra, ela sofria com essa incapacidade. Buscava o apoio da irmã au-
os d emats paruopantes o d · d
. . cett'vel de ser trata o em pstco rama. sente, buscava nosso apoio, mas fugia ao olhar da moça que
crera, um tema mats sus , . 1 -
W'Las, por outro 1ad o, ess e fato psicodramatzco, .
essa re açao es-
f ~·epresentava a diretora. E - o que era o cúmulo - represen-
,.. d . ma opressão diretora-pro essora com a tava muito bem, assustadoramente!
Pecthca, ava ongem a u if' d
. .
qu aI a ma10na os pr d esentes se ideot tcava: eram quase to os
. . . O pânico de Sophie me comoveu. E me deu ainda maior
professores e tinham quase todos sofndo, mats cu menos mten- clareza quanto à nossa responsabilidade. Estávamos ali reunidos
samente, opressões semelhantes. , . para discutir um problema dito social (opressão dos professo-
. f' il
P arecta ac : as b taria que conceotrassemos nosso mteresse res) e nos defrontávamos com um problema dito psicológico
d . , d 1
no conflito com a superiora e que el?'assemos em seg,un o p _a- ( extrema dependência). Que fazer? Sempre penso que aban-
no a origem da discriminação. Bastana, se fosse .?ossiVel. Nao donar uma situação no meio é pior do que tentar levá-la a cabo
era. Estávamos trabalhando com gente concreta, nao com abstra- - sempre e quando as pessoas interessadas e envolvidas que-
ções. Com pessoas, não com personagens. rem continuar. E Sophie queria continuar ... embora aparente-
E as pessoas reais, de carne e osso, ali estavam: as duas mente não pudesse. Sentíamos todos seu tremendo desejo de
gêmeas com sua relação específica. E ali estavam também a dizer não à diretora, de fincar pé, de defender seus direitos. I
opressão escolar. Mas ela permanecia ali diante da outra, imóvel, sofrendo. .I
Propus que fizéssemos o exercício de quebra da opressão. Pensei entãq que talvez pudesse haver uma boa solução.
É simples e se desenvolve em três ou quatro etapas: Muitas vezes, quando o ator deseja fazer· um personagem e não
1 . O oprimido narra exatamente o que se passou e, com consegue, aplicam-se certas técnicas de int~rpretáção parà ajudá-
a ajuda dos demais atores, representa dramaticamente o suce- lo. Pois aí acontecia o mesmo: Sophie queria intensamente fa-
dido. zer um personagem que ela desejava ser na vida real, mas não
2. O oprimido tenta não aceitar, dessa vez, a opressão o conseguia. Talvez pudéssemos usar com ela as mesmas téc-
imposta; tenta, agora, impor sua vontade. Os demais tentam nicas que se usam com os atores. Isto é, o ator é uma pessoa
continuar a exercer a mesma opressão. que deseja ser um personagem; ela era uma pessoa que dese-
3. O · oprimido troca de papéis com o ator que represen- java ser · outra, mais corajosa, mais segura ·de si.._
tava o opressor, para melhor conhecer os mecanismos de opres- Pensei numa das técnicas mais simples: de um lado ficava
são. Sophie, ladeada de dois outros participantes; do outro lado, a
4. Os demais participantes, se isso for necessário reve- Diretora, igualmente ladeada de dois voluntários·.
zam·se em todos os papéis, quando sentem que têm algum~ coisa Regra de jogo muito simples: os três de um lado represen-
a acrescentar ao debate, à luta. tavam uma só pessoa, Sophie; os três do outro, uma só, a Dite-
.. Come~a~os, mas nã? _f~m.os muito longe. Sophie sentia-se tora. Todos podiam falar, argumentar, agir, dentro dos seus per-
vtgtada, crmcada. Por tr:tc~auva própria, os participantes do sonagens. Havia, pois, três Sophies e três Diretoras. Essas, po-
foro, sem se fala~em, dectdiram ttrar Valérie da sala, discreta- rém, deviam responder sempre à verdadeira Sophie, fosse qual
mente, com ? ardtl de que _aquele era o dia em que ela deveria fosse das três a que falasse.
estar na cozmha, e a ~omtda estava queimando. Valérie saiu No começo foi duro, pois as duas Sophies auxiliares, enér-
Quando S~phdie sfe sendu s?, didesa.!'rochou. Fez toda a cena d~ gicas, atacaram com vigor. E a verdadeira Sophie se assustou.
reconstruçao ? ato, eu. ln caçoes, mostrou como tinha sido E mais ainda quando começou a receber duras respostas às fra-
vencida pela diretora. ~ssun, pudemos ver, ao vivo, teatralmen- ses que não tinha pronunciado. Mas quando começou a perce-
te, 0 que tinha acontectdo com ela, ouvir seus argumentos, co- ber (digo melhor: sentir) que, mesmo calada, fiCava responsável
nhecer os da inimiga. pelo que diziam às outras, e sentia de qualquer forma a violên-

"136 137
cia das respostas que não provocava, começou a se a:llmar ·um
pouco mais, e a atacar também.
E, po' •olid•dod,d<, pedimo, , V.Jéd< qu<" , 0 , . , :
pouco. E então, diante da irmã, mas também diante da solida-
u~ -~I
Sophie estava no auge da animação, finalmente no ataque, riedade d~ todos~ e diante do problema que era preciso resol-
protegendo-se, não aceitando passivamente a opressão, quando, ver, Soph1e sentm-se de novo auto-ativada, voltou à luta e 0
sem que tivéssemos reparado, voltou a irmã da cozinha! combate recomeçou.
Foi um momento de filme de suspense. Que iria acontecer? Em casos como esse, sempre me perguntam: e depois? O
E aconteceu uma coisa extraordinária, que a todos mostrou que é que acontece depois que termina a sessão de teatro-foro?
os limites (embora algo superpostos) do teatro-foro e do psico- E normalmente o que se espera, às vezes ansiosamente, são r e-
drama. latos de heroísmo. O que se espera, exageradamente, é que o
Valérie entrou e ficou olhando. Sophie, quando a perce- teatro-foro resolva por si só todos os problemas de todos os que
beu, voltou à quase inatividade, à passividade. Valérie observou o praticam. Porém, nesse caso (como na maioria), não posso
e compreendeu as regras do jogo - as duas Sophies auxiliares fazer qualquer relato espetacular. Seria muito bonito dizer que
-e as duas Diretoras auxiliares. E compreendeu a regra do foro: Sophie voltou à escola, enfrentou a diretora e retomou galhar-
:todas as pessoas que o desejavam podiam substituir uma ou damente seu posto de professora dos jovens de 14 e 15 anos.
•Outra, e aduzir argumentos, iniciar ações, debater, analisar. E Não, não foi isso que aconteceu. Ela continuou dando aulas
jsso era feito co~ rapidez vertiginosa: muitos participantes, em- no maternal. Meses depois, porém, quando organizamos em
. polgados pela discussão Professora x Diretora, entravam em Paris uma Quinzena do Teatro do Oprimido e convidamos todos
cena para substituir uma das auxiliares, de um lado ou de outro os antigos estagiários, Sophie quis vir, quis estar presente e de
e para interpretar uma ou outra. viva voz contar seu caso aos demais. Pediu licença à diretora
Valérie tudo viu e logo tomou uma decisão: primeiro subs- e recebeu um rotundo "Não". Então escreveu uma carta à di-
tituiu uma das Diretoras e começou a atacar valentemente a retora, esclareceu que conhecia bem seus direitos, assinalou leis
__ irmã: usando para isso argumentos de ordem pessoal que ela e decretos, comprou a passagem e veio a Paris.
muito bem conhecia ( <?S demais intervenientes usavam de argu- Veio para nos dizer que continuava dando aulas no mater-
mentos profissionais!), intimidando Sophie, outra vez paralisa- nal. Mas que já não se deixava oprimir. . . Sua · presença nos
da. E, depois, fez o que ninguém havia feito: correu para o dava essa certeza. Sua voz tímida mostrava coragem. Sophie
outro lado da cena e substituiu uma das Sophies auxiliares, di- não se transformou em Mulher Maravilha: apenas apr~deu a
zendo, em lugar da irmã, os argumentos que pensava que a conhecer um pouco melhor uma pequena parte de si mesma
irmã devia dizer. sua Capacidade de reagir.
Como imagem, a situação era perfeita: Valérie ocupava os
dois pólos do diálogo, atacava e defendia: era duas! Sophie, anu-
TEATRO-FORO: DúviDAS E CERTEZAS
lada, não era ninguém. V alérie falava pelas duas; Sophie, nem
por si mesma. Valérie ocupava os dois espaços, Sophie tinha
As e>rperiências e pesquisas feitas sobre o teatro-foro ainda
vontade de desaparecer.
estão em fase preliminar, em plena etapa de desenvolvimento,
Nessa relação, entre essas duas pessoas, ninguém sentia
de descobertas, de abertura de caminhos.
vontade de intervir, em foro, porque o foro estava reservado
Isso é especialmente válido no que se refere ao espetáculo
para os argumentos, os diálogos, as ações que todos podiam, en- Ii
pe teatro-foro. Na América Latina, jamais participei de um es-
quanto oprimidos da mesma opressão, .compartir. Opressão com
petáculo - todas as sessões de teatro-foro eram organiza~as I!
a qual estavam todos identificados, seja por total identidade,
seja por analogia.
para pequeno número de participant~s, homogêne?s, t?do: A iI
teressados em resolver problemas mars ou menos rmediato d.
Quanto à fraterna opressão de Sophie, sentíamos todo~
enorme solidariedade. · Não era nosso problema, mas ·éramos
todos. solidários.
.• . na Am,enca
expenencra . Latma
. 1evou-me a construir . um
d mo e o
ideaÍ específico para esse continente, . O~; menos ain a, para a
1
'i
159
.138
experiência restrita da qual participei. O desenvolvimento em
múltiplas direções do teatro-foro na Europa-determina,._in_eyiJ:a: tro indivíduos armados, estando ela sozinha e a estação, aban-
velmente, uma reVisão de todos os conceitos, de todas as formas, donada. É evidente que já não podia fazer nada mais que ten-
estruturas, técnicas, métodos e processos. Tudo é reposto em tar defender-se fisicamente. E todas as intervenções dos espec-
questão. tadores tentavam revelar o defeito do mode~, que apresentava
Só não se pode repor em questão os princípios mesmos do uma catástrofe já inevitável. Lembro-me de outro modelo em
teatro do oprimido, pois do contrário já não se estaria fazendo que a mulher era espancada pelo marido, estando os dois sozi-
nhos em casa. Ainda outro em que um homem era seqüestrado
i
esse teatro. . . E esses princípios são a transformação do espec-
tador em protagonista da ação teatral (primeiro ) e (segundo),
através dessa transformação, tentar modificar a sociedade, e não
na rua por três policiais armados.
Em todos esses casos, nada ou quase nada é possível fazer.
t
npenas interpretá-la. A moça. pode correr para chamar o chefe da estação; a mulher
Dentro de toda a rediscussão e reexperimentação das muitas pode grltar; o homem pode pedir socorro. Que mais? Trata-se
formas e maneiras de se praticar o teatro-foro, contudo, surgem aqui de agressões físicas, exclusivamente físicas, e as soluções só
muitas dúvidas, mas também algumas certezas. podem ser de ordem física. Isto é, só se as três vítimas em
Entre dúvidas e certezas, creio existirem pelo menos 20 questão tivessem aprendido caratê ou jiu-jitsu é que poderiam
temas fundamentais, que agora me proponho discutir. quebrar a opressão.
Casos como esses não servem ao bom espetáculo de teatro-
foro, pois não apresentam a opressão, que pode ser combatida
1. Opressão ou agressão? ~) mas sim a agressão, que é inevitável. . , . ., . '
Convém esclarecer os conceitos: utilizamos a palavra
Suponhamos estas siruações;· um homem já está dentro de agressão para designar o último estágio da opressão. A opressão
uma câmara de gás. Faltam poucos segundos para a execução. não é totalmente física, não se resolve apenas em termos mus-
~ c~asco prepara-se para soltar a cápsula de cianureto. Outro .culares. A opressão é muitas vezes internalizada, é a própria ví-
_ornem es~á com os olhos vendados, amarrado, diante do pelo- tima que a aceita. O oprimido pode ainda libertar-se, o agredi-
~ao dedfuzdam~nto.A Faltam poucos segundos para que 0 coman- 'do, se fisicamente forte, pode devolver a ·agressão e nada mais.
ante o pelotao de a ordem de execução. Portanto, quando o modelo mostra apenas a agressão, pro-
Pode-se fazer uma cena de teatro-foro com esses aconteci- voca a resignação, pois todas as ações possíveis refereiiJ,-se ex-
mentos? Pode algum espectador gritar "Stop" s b t't . clusivamente à força física. E isso causa .maior maJ 'desmobiliz:i"
·
tagorusta à be'tra d a morte e tentar algu I , - u s 1 utr o pro- . ' '
tioso pro~lema? Creio que não. ma so uçao para o angus- desativa os espectadores. Nesses casos, creio, deve-se .voltar atrás
no enredo da história e tentar .verificar . em que momento: b
É evtdente que aqui se trat d d d .
tremes e na verdade · a e casos ver a etramente ex- oprimido ainda podia ter optado por outras soluções, em vez
, ' , multas vezes ocorr de permitir que a história avançasse para o final agressivo. Por
pare uma peça de foro em que a sit - e, que um grupo pre-
forma e em tal grau de desenvol . uaçao e apresentada de tal ·exemplo, a jovem que desceu sozinha à estação do metrô, que
são muito poucas ou nenhuma e ~áun:nto quedas ações optativas coisa poderia ter feito antes de descer? Por que estava s6?
. , J nao se po e mas i f azer nad a. Poderia ter aguardado a chegada do trem perto do chefe da es-
E quand o Isso acontece _ quand 1
impotentes diante do modelo _ 0 ~f~~ espectafores se sentem tação? Poderia obrigar algum amigo a acompanhá-la? . Poderia
é sempre negativo. É a fatalidade' É
. ·
° .que ta, m odelo produz
0 tmpossiVe1r E ó
ter comprado uma dessas bombas de gás Jacrimogêneo que se
tamos f azer teatro d o opnmido para busc ·. n s ten- vendem nas lojas européias para a proteção da mulher? Poderia
bertação, não para provocar a resignação. ar os camtnhos da li- ter dormido na casa da amiga? .
Lembro-me, por exemplo, de uma cen d E a mulher agredida pelo marido,. fisicamente incapaz ·de s'e ' ,j
I

·
qua I uma JOvem · 1entad a no metrô à a . e teatro-foro
era v10 . no defender, não poderia antes tê-lo abandonado? Por que ficou
' meta-notte, por qua- e~ casa essa ·noite? Por que não chamou alguém, por _que I?ão
140 fOI dormir na casa de ·outra pessoa? E o homem seqüestrado

141

!
I.
pela Polícia, que erros taucos cometeu para se deixar apanhar Esse é um belo tema par~ teatro-forof: :eria pEossível fazer
assim de surpresa? Que cuidados se esqueceu de tomar? Que al · tes".> Quem sena capaz de aze-1o? m que con-
precauções seriam possíveis? di~m~ coQtsa an f~z :> Por que não fizeram todos? Se isso tot-
çoes. uem o · , f
nar a acontecer, que se podera azer.
;>
, d .
Em suma, se já nada mais é possível, aos espectadores nada é sempre posstvel quan o ex.tstem
mais resta que se converterem em testemunhas da tragédia. O Conc1uo: o t eatro·foro .
diretor polonês Grotovski disse certa vez que os espectadores . Caso contra'rio' torna-se fatalista.
al ternauvas.
devem ser testemunhas de algo que acontece, e afirmou que uma
cena que muito o impre~sionara ~a- sido a de um filme que
mostrava um monge budista no Vtetna, o qual, depois de atear 2. O estilo do modelo ,.,
fogo às vestes, morria: o filme mostrava o monge quase morto
e podia-se mesmo ouvir sua respiração misturada ao crepitar da~
Quando o problema centr~) .. concreto, omo~e~o tende em
el tivo Digo mesmo que a ma10na dos espe-
chamas. Essa é uma imagem belíssima que serve perfeitamente gera1 ao rea li smo s e · f . liz d d t desse
bem ao teatro no qual o espectador é uma testemunha. No tea- t&.culos de teatro-foro que tenho visto 01 rea a a en r0
~ro do oprimido,_ porém, lo_nge de ser testemunha, o espectador estilo. Mas isso não é obrigatório.
O importante é que o teatro-foro seja bom te~tro, ant~s
e ?~ deve exeratar-se. e V1I a ser o protagonista da ação dra- de mais nada. Que a apresentação do modelo seJa, e~ s1,
mattca - portanto, a liDagem do monge que já nada pode fazer
fonte de prazer estético. Deve ser um, bom .e bel_o espeta~~o,
para salvar-se, de nada serve, e a cena não pode ser usada como antes de começar a parte foro, isto e, a dtscussao dramattca,
treinamento para a ação real, que é o propósito de todas as for-
mas de teatro do oprimido. teatral, do tema proposto. .
Creio que uma das formas de se chegar à encenação de um
Para que se faça uma boa cena de teatro-foro com o tema modelo é através do teatro-imagem. Mais precisamente, através
do monge, seria necessário mostrá-lo no momento em que tendo de uma seqüência de técnicas do teatro-imagem que cheguem fi.
--. já átirado querosene em cima da roupa e do corpo, tinh~ ainda nalmente à construção do ritual que corporifica o tema tratado.
nas mãos a caixa de fósforos, mas com o fósforo ainda apagado. Pode acontecer que o ritual em questão seja rico, teatral, esti-
· Sobre esse momento crucial, pode-se fazer um excelente foro. mulante: por exemplo, o .a~iversáric;> da mã~. Quanto_s. e_lemen-
Mas quando já arde o corpo, passamos ao domínio da agressão, tos teatrais podem ser a1 mtroduztdos, a ftm de comftcarem,
e nada é mais possível. · visualizarem as relações entre os personagens! . .
Lembro-me ainda do livro de um médico judeu que narra- Existem, porém, outros rituais que são p_ouco teatrai~, po~­
va as atrocidades nazistas e a progressão de restrições impostas co estimulantes. E o perigo de uma encenaç~o P?bre é mduztr
aos judeus: primeiro, eram obrigados a usar a estrela de Davi os espectadores participantes a apenas falar, discuttr verbalmente
("Por que não, se nos causa orgulho?" - diziam); depois, as soluções possíveis, em vez de fazê-lo te~t:almente. N~sses
veio a proibição de exercerem funções de médicos, por exemplo~ · em lugar de se tentar encenar utilizando-se o rztual,
casos, Crel0 , . d . t
ou de advogados ("Por que não, se podemos igualmente exer- 's das técrucas a tmagem, tentar encon rar as
atrave
d eve-se, . 'f
cer outras funções, e cedendo nisso estaremos apaziguando os. imagens mesmo simbólicas, surrealistas, que possam corpon 1-
inimigos?."); e mais, a obrigação de habitarem juntos nos mes- 'ralmente o tema de maneira enriquecedora. Dou um
car t ea t . no espetáculo 'reallZado
. pelos professores d e F rances•
mos guetos ("Por que não?"); finalmente, o embarque para os. lo ·
exemp b
d ante seu congresso anual ( Estras urgo, 1979 , ) dir" 'd
1g1 o por
campos de concentração e a morte. Esse médico, que era judeu,
em momento algum do livro desculpava os nazistas, que foram,. ~~hard Monod e Jean-Pierre Ryngaert, havia uma cena em. que
é claro, os carrascos de sua raça. Mas ele, como judeu, pergun- inspetor vinha examinar um dos professores .. Ora, o ntual
0
tava a si mesmo: é verdade que, na câmara de gás, já nada po- desse tipo de exame é teatralmente pobre: os d01s sentados um
ao lado do outro, na mesma mesa. 9ue fizeram os professor~s?
díamos fazer, mas será que não podíamos ter feito alguma coisa
antes? • Mantiveram o texto usual em tal upo de encontros e, centca- I I
'j

143
142
de polígama, que também a atraía. . . Queria coisas contraditó-
mente, apresentaram 0 ritual da confissão ao padre: o professor rias, tudo ao mesmo tempo.
ajoelhado diante do confessionário. Aqui, nao se tratava apenas Não fizemos esse foro, pois ela queria fazê-lo, mas ao
de dar um golpe teatral, mas de revelar visu~lmet;~te uma das mesmo tempo não queria ...
características verdadeiras da inspeção, que mwto tinha de con- Tempos depois, com . outro grupo, propus tentá-lo. E ten-
fissão de assemelhar a relação professor-inspetor à relação fiel- tamos. Devo dizer que aprendi alguma coisa sobre os jovens
confe~sor. Era 0 inpetor-confessor que podia absoh·er ou con- parisienses de hoje em dia. Mas confesso que à imprecisão do
denar o professor-fiel. Usou-se o ritual extrapolado. modelo correspondeu igualmente uma imprecisão do foro. O
No mesmo espetáculo, outro ritual que também se realiza modelo não explicitava claramente os problemas, as opressões;
comumente em volta da mesa, a atribuição de notas aos alunos, o foro não foi além, embora estivesse teatralmente animado.
era feito igualmente de forma simbólica, com todos os professo- Este é um terreno aberto. Quando se tem um problema
res e o diretor da escola visualmente formando uma pirâmide, claro, concreto e urgente, é lógico que o debate se dirija para
com o diretor no vértice, o professor de Matemática (o mais soluções igualmente urgentes, concretas e claras. Um tema ne-
hierarquizado) logo abaixo, e, embaixo de todos, e mesmo em- buloso provocará nebulosidade. Creio... . mas não estou certo
baixo da mesa, todos os demais professores que, em coro, repe- disso.
tiam as notas e as apreciações do professor de Matemática. Pode ser, ao contrário, que a imprecisão seja apenas apa-
Usou-se um ritual metafórico. rente e que o foro sirva para analisar uma situação em vez de
Portanto, o estilo é, a meu ver, indiferente: deve-se usar sintetizar soluções possíveis.
aquele que melhor convier. Pode-se usar o ritual de pelo menos
três formas: 1) realista; 2) extrapolada; 3) metafórica. Isso,
quanto à encenação. E o mesmo diria eu quanto à dramaturgia. 4. Deve-se chegar a uma solução ou não é necessário?

qu~cito u~a
Mas isso nos leva a outro tema. Pode um espetáculo de teatro-
foro ser, digamos, tchecoviano? Vejamos. Acredito mais importante do que chegar a
boa solução é provocar um bom debate. Na minha ·opinião, o
que conduz à auto-ativação dos espectadores é o debate, não a '
.l
3. Urgência ou não-urgência? Simples ou complexo? solução que porventura possa ser encontrada. . '
.., : ; Mesmo que se chegue a uma solução, pode ser que elá seja
Um dia, uma aluna minha, em Censier:m~ propôs fazer boa para quem a propôs, ou para as condições em quê o -âebãte
uma cena de teatro-foro sobre um problema seu. Disse estar se desenrolou, mas que não seja necessariamente útil ou · apli:
cansada de tanto foro sobre problemas demasiado concretos e ur- cável por todos os participantes do foro.

~
.
gentes: salários, greves, mulheres oprimidas cadência do traba- -;_ ;7 É evidente que muitas vezes ocorre aprendermos algum
lho na fábrica, etc. Propôs seu problema: e;a jovem, vivia sozi- ~ -· dado útil durante o debate em foro. Lemb~o-me, 'por exemplo,
'" . de um espetáculo sobre o poder médico: um doente, acidentado
nha num enorme apartamento, pois o pai e a mãe casaram-se com <
':. ,:.
outras pessoas e saíram, os dois, de casa. Ela queria de certa for- num desastre de automóvel, era conduzido ao hospital e ali passa-
~a, reconstituir sua família . .Tinha convidado alg~ns amigos a
virem morar com ela..: Eles vieram: um casal e mais um rapaz d j
I
va por várias peripécias sem que pudesse sequer ser informado
do seu estado de saúde. Era transportado de quarto em quarto,
e outra m~a, que nao ,.eram un: cas~. Mas seus companheiros I de mesa de operação em mesa de operação, submetido a exames
não preenchiam os papeis ~e pa1 e mae! que era o que ela bus- e análises, obrigado a ingerir remédios e a suportar picadas de
cava. Quando querta q~e ficass.em, parttam; quan?o queria ficar injeções - tudo isso sem que lhe dissessem por que nem para
só, lá estavam eles. Ainda mais: ela pensava senamente em se quê.
casar, em construir ela mesma seu lar, pensava sinceramente na Todos os espectadores que entraram em ·cena tentaram usar ·~!
monogamia. . . mas para isso teria que perder sua atual condição argumentos, forçar explicações, obter informações. Até que en-

144 145 :l
iJ
ll i
I l
a) O Corinaa deve evitar todo tipo de manipulação, d~ mente interessadas no assunto, era real, era possível. Voltei atrás
indução do espectador. Não deve tirar conclusõ7s que não ~ejam imedi~tamente e deixei que a cena prosseguisse.
evidentes. Deve questionar sempre as _ pr6p.nas .conclusoes e As vezes, as soluções propostas, ao contrário de mágicas,
enunciá-las em forma de pergunta, e nao afirmativamente, de são insuficientes. Nesses casos, o Coringa deve tratar de estimu-
forma que os espectadores tenham que responder sim ou não, lar os espectadores a encontrar soluções mais aúvas. A solução
foi isso que dissemos ou não foi, em v~z de serem confrontados mágica é enganosa, mas a solução insuficiente é desmobilizadora.
com uma interpretação pessoal do Connga. É importante notar que, quando uma platéia grita que tal
solução não é mágica, que é possível, esse grito iá é o começo
b) O Coringa não decide nada por conta própria. Enun- da auto-ativação - o espectador já está estimulado para a ação
cia as regras do jogo, mas a partir daí ~eve ace1~ar até mesmo real.
que a platéia modifique essas regras, se Isso for julgado conve-
niente para 0 exame do tema em questão. e) A atitude física do Coringa é de extrema importância.
Alguns Coringas têm a tendência de se diluir na platéia, sentan-
c) O Coringa deve constantemente reenviar as dúvidas do-se ao lado dos demais espectadores - isso pode ser desmo-
à platéia para que ela decida. Vale ou não vale? É certo ou bilizante. Outros, com o corpo, revelam a dúvida, a indecisão
errado? Especialmente no que diz respeito às intervenções dos e até a tinlidez. E tudo que acontece sobre o palco, sobre a cena,
espectadores, muitas vezes um espectador grita "Stop" quando isto é, todas as imagens produzidas pelo corpo ou pelos objetos,
o espectador precedente ainda não terminou sua ação - o Co- são imagens significativas. Se o Coringa em cena está cansado
ringa deve fazê-lo esperar que o primeiro espectador termine ou desorientado, sua cansada e desorientada imagem será trans-
aquilo que se propôs, mas deve ser sensível ao desejo da pla- mitida aos espectadores. Se, pelo contrário, fisicamente, o Co-
téia, que já pode ter entendido a ação proposta, preferindo ringa está atento, dinâmico, também isso ele transmitirá aos es-
passar adiante. Também outro caso delicado, que o Coringa deve pectadores. Mas, atenção: ser dinâmico não deve significar ser
reenviar à platéia, é o de saber se o espectador-protagonista está impositivo!
ou não vencendo - se estiver vencendo, todos poderão passar .:_,
a substituir os opressores - e só nesse caso. Mas quem decide
mais uma vez, é a platéia.
d) O .Coringa deve estar atento a todas as soluções mágicas.
Ele pode mt7rromper uma ação de um espectador-protagonista
quando acredita que tal ação é mágica, mas não deve decretar
' 8. Teatralidade ou reflexão

. AI em ···*· ,·
, da cond.uta d.o . c· or1nga, ex1ste a propna con duta do
espetáculo como um todo. Deve o espetáculo-foro condu2ir à
teatralidade? Ou seja: deve constituir-se num bom espetáculo
que é mágica, e sim interrogar a platéia. Lembro-me bem do
dia em que fizemos um espetáculo-foro para 0 Sindicato d teatral, mesmo depois da apresentação do antimodelo, ou deve,
; ·!
~.agistrat?ra:em determinada cena, um dos espectadores ( u~ ao contrário, estimular a reflexão, o pensamento, a argumen-
tação e a ação? .
"l
JUIZ) subm ao palco para destroçar o tribunal e destruir 05 I .j
Penso que isso depende dos propósitos e das condições em
dossiers dos
. acusados de . flagrante delito.
. d Eu, que funcio nava
.
como Connga, mterrompt a cena grttan o "Stop: Isso é M'-
gico!" A platéia, porém, formada integralmente de 1·uízes
. di d .
a
e pro-
que se realiza o espetáculo. Depende do número de participantes
e de muitas outras condições específicas, como o local, o tema, i
as características da platéia, etc.
motores, 1me. atamente
l me esmenuu:
, . não
l _ só não era m, ·
ag1co, Normalmente, num teatro, é quase inevitável que a tendên-
mas, acreditavam e es, era a uruca so uçao e, mais ainda, era 0
cia seja para a teatralidade. Conheço mesmo um grupo que in-
que tinham acabado de fazer duas ou três semanas atrás e troduziu elementos espetaculares no foro : por exemplo, um
condições análogas, num tribunal de um dos bairros de Parir: gongo, como em luta de boxe, que anuncia o término ou o início
Para mim, era mágico, mas, para eles, que eram as pessoas real-
de uma intervenção. de um novo . ~sp~ct~d~~-protagonista. Outro

148 149
grupo limita o tempo de cada intervenção, obrigando todos a téia. Por isso, se for possível u~ar mll.sica, use-se muita mustca:
pensar rápido (para obter, assim, efeitos teatrais de ritmo). se for possível usar danças, dance-se muito! Se a cena puder
Enfim, creio que, na presença de grande número de espectado- ser colorida, por que fazê-la em preto e branco?
res (no Porto e em Estocolmo, fiz foros para platéias de mil É importante considerar também a marcação (a mise-en-
pessoas, e em Sant'Arcangelo di Romagna, para 3 mil), é quase place ). Cada movimento de cada ato r é significativo. O cenário
inevitável o caráter teatral do espetáculo. E também nesses casos e os atares apresentam a cada momento imagens dinâmicas que
2parecem com maior freqüência os espectadores exibicionistas possuem significados. O movimento não pode ser arbitrário,
que tendem a levar o espetáculo parã o burlesco, o vaudeville. mas deve ter um conteúdo. A proximidade ou a distância entre
E preciso evitar tais excessos, embora eu acredite no poder esti- duas pessoas é importante, pois traduz idéias, muito mais do
mulante e auto-ativador do teatro-foro, mesmo nesses casos ex- que apenas centímetros ou metros.
tremos ... No Rio de Janeiro, fez-se um teatro-foro sobre um perso-
Quando, porém, se trata de pequena platéia constituída de nagem jovem que gostavâ de música é de dança. Em cena,
porém, ele não bailava nem se ouvia uma única nota musical. A
pessoas igualmente motivadas, a reflexão predomina e a busca
pode ser mais frutífera. Principalmente se a ação a ser empre- informação de que gostava de dança e música não era trazida I
endida posteriormente é obrigatória, isto é, se os espectadores esteticamente aos espectadores, e sim verbalmente. E isso não lj
estiverem realmente se preparando para uma açãt> verdadeira. entrava como um dos dados fundamentais do problema. Quando

9. A encenação
reensaiado, o antimodelo introduziu a música e o movimento,
e os espectadores, muito mais ativados, participaram com maior
intensidade e freqüência.
l
. /:·~,~~'"1
·. .i •
Mu1tas vezes os grupos· que praticam o teatro-foro são po-
bres, de poucos recursos econômicos. Em geral, vêem-se ceno- 1O. A função do aquecimento
grafias constituídas por mesas e cadeiras, e nada mais. I sso é _ç_

uma contingência, não deve ser considerado uma opção. O ideal Em todos os espetáculos-foro d~v que part1c1pei, houve
é que a cenografia seja o mais elaborada possível, com todos sempre um período de aquecimento. Em geral, o aquecimento
os detalhes que se julguem necessários, com toda a complexidade dos espectadores dá-se ~~ d,uas maneira_s possíveis.
que se considerar importante. O mesmo . é válido para os figu-
rinos . É importante que os personagens sejam reconhecidos pelas a) O Coringa, durante 10 ou 15 minuto~, dá uma rápida
roupas que vestem e pelos objetos que utilizam. Muitas vezes explicação sobre o que é o teatro · do oprimido, conta casos
a opressão está na roupa, nas coisas: é preciso que coisas e acontecidos em espetáculos-foro e também de teatro invisível,
roupas sejam presentes, atuantes, claras, estimulantes. Quanto txplica as regras do jogo que_ se vai desenrolar a seguir.
melhor a apresentação estética do espetáculo, maior o estímulo Em seguida, propõe alguns exercícios, começando pelos
e maior e mais intensa a participação da platéia. É lindo ver mais simples e menos conflitivos, os que produzam menor re-
um espectador que entra em cena e se veste antes de começar a
agir! Ele mesmo sente-se mais protegido, mais personagem (sem
sistência. Por exemplo, no _Egito; quando se "tentou fazer exer-
cícios em que os participantes se tinham que tocar fisicamente, l
deixar de ser pessoal). Um espectador vestido com o figurino
do personagem é muito mais livre e criador.
houve sempre intensa resistência. O · mesmo já não aconteceu
com os magistrados em Paris. Tudo depende do país, da cultura, l
O mesmo vale para os demais elementos de uma encenação. da região, do momento ...
Afinal, o antimodelo é uma peça de teatro como todas as outras, Depo1s· dos exercícios, passa-se ao teatro-image m.· aquiima-
os IJ
com a única diferença de que não pode ser evangélica, não pode espectadores começam a trabalhar esteúcamente, a propor
ser a portadora da mensagem, da boa palavra, e_ sim da dúvida, gens eles mesmos.
da inquietude que vai estimular o pensamento e a ação da pla- tl
151 I.
150
I.
Finalmente, o elenco apresenta o antimodelo e, a partir daí,. mulá-lo a mais atas produzir e mais frases pronunciar. Impe-
o foro. dindo-o de romper a opressão, deve estimulá-lo a fazê-lo.
b) ] á utilizei e já vi também utilizarem outro processo, que Caso o atar se revele demasiado duro, pode provocar o
me parece menos eficaz: começar diretamente fazendo-se exer- desinteresse do espectador, ou, o que é pior, o medo. Caso se
cícios, com uma explicação a posteriori. Nesses casos, tenho mostre demasiado brando e vulnerável, sem argumentos e sem
obs_ervado que parte da platéia se sente n:anipulada. e re~ge .ne- .ações, pode induzi-lo ao erro, a crer que resolver o problema
gativamente. Ao contrário, quando o Cormga exphca p~1merro,. .que a peça propõe é mais fácil do que na verdade é.
sempre consegue a aceitação dos espectadores, sua confiança e Em Berlim, na Hochschule der Künst, apresentou-se um
aquiescência. foro sobre um jovem que tentava convencer a família a lhe dar
Isso não quer dizer que o aquecimento seja ab~olu~amente a mesada sem obrigá-lo a padecer os rituais familiares de longas
indispensável. Creio que ele predispõe o espectador a açao, mas conversações e tertúlias sobre a guerra e o. passado, diante de
o que mais vai predispô-lo, na verdade, é o próprio tema e a.
própria peça. O caso do Het Trojaanse Paard, grupo belga da
cidade de Anvers, é significativo: já fez o mesmo espetáculo
---~.

}
avós e parentes distantes. Mas tão entusiasmados estavam os
atares que cada novo espectador que · se aventurava a entrar no
palco era recebido com tamanha avalancha de argumentos e
., ;
'
ll '

--i
sobre a condição da mulher, Líder no trabalho, escrava dentro a tos, que logo a platéia protestou em uníssono gritando "Stop: I,
de casa, em quase uma centena de cidades da Bélgica e da. Isso é Mágico!", pois não acreditava .que família alguma pudesse !
Holanda (o grupo fala flamengo, língua próxima do holandês). ser assim, tão acirradamente feroz. !
e nunca faz aquecimento prévio. Seus membros apenas falam
e explicam o que se vai passar. E o espetáculo é tão sugestivo
e
Repito, o ator deve ser dialético, ,- dai' re~eber, dialogar,
medir-se, ser estimulante, criador; Não deve'· ter; medo~ (coisa 1
·j
e estimulante que, sempre, todos os espectadores querem par- .que acontece com freqüência, quando ,-'s'e' 'úãta'Cdé catorés -
pro- ~
ticipar. fissionais) de perder seu posto no palco. O grande mago é ·' 1
...... :
aquele que sabe fazer a magia e sabe · igu-almente ensinar o
truque. Um grande jogador de futebol · não:- ()'"será ··íi:i.~nos -- se
11. A função do ·atar ,,._ ensinar alguém a chutar a pelota com os dois pés. : ''-
I •··
Ensinando-se, aprende-se. A pedagogia é transitiva. Ou não
O estilo teatro-foro determina um estilo de interpretação .é pedagogia!
diferente. Em certos países da Africa, é considerado bom cantor
aquele que é capaz de estimular o maior número de espectadores
a cantar. Assim deve acontecer com o bom atar de teatro-foro. L\ 1 :
~! ~ 12 . A cena repetida \ :
Na sua interpretação, não deve existir qualquer resquício do _y~·--,_
narcisismo tantas vezes encontrado no espetáculo fech ado . Pelo.
Uma vez apresentado o antimodelo e iniciada a discussão
contrário, na, a?resentação do antimodelo ele deve expressar so-
de foro, acontece que vários espectadores, um de cada vez,
bretudo a duvrda: cada gesto de~e. _conter sua negação; cada\
tentarão romper a mesma opressão. Assim; a mesma cena será
frase deve deixar pressupor a possrblhdade de se dizer 0 contrá-. i.
representada muitas vezes. É importante que o espetáculo,
rio daquilo que se diz, cada sim pressupõe o não, 0 talvez. ~ ( •'-" I -
mesmo que bastante reflexivo, não seja monótono. Por isso, é
Durante a parte do foro propriamente dito , o ator deve ser aconselhável que, em todas as repetições, os atares se preocupem
. •:)
extremamente dialético. Quando contracena com um espectador- ·em acelerar um pouco o ritmo, de forma a não mostrarem a ~;
protagonista, que tenta roi?per : opr:_ssão~ .o atar ~eve ser mesma maneira mais vezes ou mais longamente que o necessário.
li.

honesto e mostrar que rompe-la, nao e ta? facil. Ao agrr assim, A repetição excessiva pode fazer ~ecrescer ~ interesse, o estí-
porém, deve estimulá-lo a rompe-la. Isto e, ao mesmo tempo em
mulo e a criatividade da platéia. . . · ..
que reage contra cada frase e cada ato do espectador, deve esti- ' ) I . ,:

152 153
------------------~

13 . O macrocosmo e o microcosmo
l
14. Como se substitui o personagem sem transformá-lo
em outro
Num bom espetáculo de teatro-foro, todos os atares deve~:
estar sempre superligados e preparados para qualquer eventuali- Pode acontecer que um espectador substitua um atar e
dade. . modifique de tal maneira o personagem que a solução seja total-
Pode acontecer que a solução desejada ou proposta por um mente mágica. O espectador deve respeitar os dados do pro-
espectador não possa ser re~ada no ,~undo microcó;mico do. blema.
autimodelo. Para resolvê-lo, e necessarto buscar alem. Que·
Se o espectador substitui o ator e se comporta exatamente
fazer?
como o personagem, tal qual era no antimodelo, é claro que não
Em Turim um jovem casal buscava um apartamento. O·
encarregado de 'alugá-lo. perguntava pelos p~péis_, pelos salários,.
vai modificar coisa alguma na ação e nos acontecimentos. É evi-
dente, portanto, que algo deve mudar. Um indivíduo substitui
pelas condições econôtn1cas, etc. Logo depois vinha um senh_~r
outro indivíduo, um espectador substitui um personagem, um
que queria alugar o mesmo apartamento para encont~os peno-·
ser humano substitui outro ser humano. Algo se modifica. O
dicas com a amante. Podia usar um hotel, mas prefena o con-
forto do apartamento. O encarregado, diante da segurança.
que pode ser modificado e o que não?
Primeiro: não se podem modificar os dados sociais do
I
econômica oferecida pelo senhor e não pelo jovem casal, que:
realmente precisava do apartamento, decidia-se pelo senhor.
Qual a solução? Os dois jovens entraram violentamen~e dent:o·
do cenário apartamento e ocuparam-no. Qual a pr6xuna açao·
problema apresentado. Não se podem modigcar os laços de pa-
rentesco entre os personagens, a idade, o status econômico, etc.,
que condicionam as ações de cada um. Se esses fatores forem
'll
I
I
1

do encarregado? Chamar á Polícia. ~ ...- modificados, as soluções de nada ser-virão, pois se aplicam a
.1J , ;•.·
i. ;., casos diferentes daquele exposto no antimodelo. .
No antimodelo, porém, não havia cena de polícia. O encar-
regado disca um número no telefone e imediatamente um atar- .t Segundo: não se pode modificar a motivação d~ · persona-
:;.; ':".
gem. Exemplo: em Norkkoping, uma jovem esposa que traba-
fora de cena atende: transforma-se no comissário. Os outros.
atares, com a ajuda de alguns espectadores, im~r?vis~m imedia- lhava era, no antimodelo, obrigada a largar o emprego e acom-
tamente a delegacia policial, os guardas, os pnstonelros, o es· panhar o marido que tinha encontrad!J trabalho em outra cidade,
crivão. O comissário resolve intervir e prender o casal; levan- a quilômetros de distância. Sua motivação ' ~portante, ao agir
do-o à delegacia. Lá, o rapaz telefona para o advo~ado. No mi- assim, era conservar o marido. Entrou'·a· primeira espectadora
crocosmo do antimodelo, evidentemente, não havta advogado. e mandou o marido à merda! Evidentemente, ela modificou um
Mas isso não tinha importância: outro atar atende e forma-se o• dado essencial do problema. Se a esposa, no
antÍmOdelo; detes-
cenário do escrit6rio de advocacia, com a ajuda de alguns espec- tasse o marido, sua transferência para outra cidade seria uma
tadores, todo~ representando seus papéis. E mais um_a vez o solução, não um problema. Mas ela o amava.
advogado telefona para os pais do rapaz e da moça, e mats atares O que de fato pode ser modificado é a caracterização da
e mais espectadores .improvisam duas casas, duas famílias com motivação: como fazer o que se deve fazer. O como é o pro-
• J 4( "
pais, mães, filhos e filhas, tios e av6s e até vizinhos . ~m ~cucos blema.
minutos toda a sala está tomada por uma cenografia gtgante~
com a ~uase totalidade dos participantes realmente participan-
li
dC' ... 15. Qual a "boa» opressão?
Isto é o antimodelo mostra apenas um microcosmo. Mas . _ de um f oro, o grup 0 discute
esse está in~erido no macrocosmo de toda a sociedade. E é toda Muttas vezes, na preparaçao
· b , -
qua1s as oas ou as mas opressoes, . as mais
quats · importantes
d e
a sociedade que é posta em questão. T~a ~ sociedade pode c?m-
quats as que nao têm tmportancta.
• - • A • A r
meu ve , to as fas opres-
parecer a uma sessão de teatro-foro, nao Importando para lSS:} _ sao - 1gua
. 1mente unportantes.
. 1
as dimensões do antimodelo. soes . . para quem as so· re.

154 155
tentar novos caminhos ou novas formas de libertação. Só assim
. , ofre mais do que nós, por isso tem sentido essa tentativa: o espectador (tão oprimido como
Sempre existe alguem que s deva impedir de falar das o personagem) estará se exercitando para a ação real na sua
esse não é um argum:nto que noqsue elas pareçam menores se vida real.
nossas propnas' · opressoes • mesmo b . os na fronteira com a T ai-· ., Se um espectador que não sofre a mesma opressão trata
f . dos cam OJan
comparadas aos re ugla d , . bandos armados, de soldados de substituir o protagonista oprimido, é claro que cairemos no
lândia, ''Ítimas indefesas e vari~s - mínimas se comparadas testro exemplar: uma pessoa mostrando a outra o que essa deve
. N ssas opressoes sa0
e contrab an d lstas. 0 . , . de uma sociedade pária! Mas, fazer - o velho teatro evangelista.
à!> dos intocáveis da fndif a, pari~ossas opressões são de bom ta- Mas pode também acontecer alguma coisa diferente e esti- • I
para n 6s, q u ando as so .remos, 'd serve para nos ajud ar a nos livrar- mulante. Foi em Estocolmo, durante o Soder Festival, que um
manho. O teatro do oprl!Dl 0 grupo apresentou um antimodelo de foro sobre problemas de
mos delas! relações entre homens e mulheres. Lembro-me de que uma
não se devem subordinar opressões,
Igualmente, creio que jovem disse algo que me fascinou:
fazendo com que uma d ependa da outra. - Tenho medo de dizer a um homêm que gosto dele!
,.. 'd e existem opressões mais ferozes que outras;
.c evi ente qu b ' - Por quê? Você tem medo de que ele diga que não gosta
'd eXl'stem opressões que se abatem so re um nu-
é evi ente que M · de você?
· mai·or ferocidade do que outras. as creiO
mero ma1or e com . . ·' d 1 - Não. ~ muito mais complicado. Tenho medo de que ele
1 t contra uma opressão é zndtssocravel a uta contra
que a u a d' . A I ta diga que também gosta de mim ...
todas as opressões, por mais s:~un an~s ~ue pareçam. ~u .:.
pela libertação nacional da Argelia era mdissoclável, .da lut~ de - Então, qual é o problema?
libertação das mulheres argelinas. Se não, q~e Argeh~ s~ lib::- - O problema é muito mais co.mplicadÕ:~. tenho .n;~dÓ de
tou? Apenas uma parte. A luta contra o nazismo era m.dissocra~ que ele também diga que sim, mas que no fundo - isso não' seja
vel da luta contra o preconceito racial. Se não, que nazismo fo1 verdade, e que ele s6 diga que sim porque não tenha coragem
vencido? Apenas o alemão, mas não o racismo nazista que con- de dizer que não... .. .... ! . :: • .
--.
tinuou vitorioso nos próprios Estados Unidos. Como vocês vêem, o problema não era simples·, .. Enfim,
Quando todos os oprimidos dentro de um grupo oprimido como não costumo hierarqúizar opressões, sem hesitar - aceitei
se juntam, maior é o poder de que dispõem. Se as mulheres e que se fizesse um foro sobre tal tema. O es.Petáculo foi .no:·meio
os negros, nos exemplos citados, se libertassem ao mesmo tem- da rua, numa sexta-feira. (Para quem não conhece a Suécia, in-
po, mais rápida seria a vitória. formo que às sextas-feiras metade da população·; fiêa .. de: ·porre.
Creio, portanto, que não devemos hierarquizar padecimen- - à noite, depois das lOh, ?O% das pessoas na rua estão bêba-
tos. Devemos apenas consultar os espectadores, e todas as opres- das!) Isso deu uma excitação especial ao espetáculo . . Passou-se
sões servirão para a construção de um antimodelo de teatro-foro a primeira cena, a segunda, e tudo bem. Na terceira, que apre-
se forem as opressões reais sentidas pelos participantes que de~ sentava um diálogo do casal exatamente sobre esse problema da
sejem realmente libertat-se delas. jovem indecisa, quando iniciamos o foro, um homem no meio
da platéia gritou "Stop!". Pensamos que quisesse substituir o
rapaz, mas ele sentou-se no lugar da moça para mostrar como é
16. Quem pode substituir quem?
que ele achava que as moças deviam comporta!'Se numa situação
Para que uma sessão de teatro-foro seja realmente teatro
do oprimido, é evidente que apenas os espectadores vítimas do
como essa. Tentei impedir - eu representava o Coringa nesse
espetáculo - , mas, como sempre, consultei a platéia. Os espec- I,,
mesmo tipo de opressão que. o .personagem (por identidade ou tadores, unanimemente, exigiram que eu o deixasse continuar.
por analogia) poderão substituir o protagonista-oprimido para O homem, contente, começou a dar lições de comportamento às '·II i
;I ~I
'
156 157 :~ j
" 1
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I 1

I ~ ·j
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mulheres. Elas escutavam e se preparavam para o revide. Quan- Cada vez que um autor descobrir ou. suspeitar que existe, '
do ele, pensando-se vitorioso, quis retirar-se da cE:na, várias es- no seu personagem ou numa cena, deteriDlnada emoção ou mo.
pectadoras, uma a uma, dizendo "Stop!", entraram em cena tivação, que não chega a aflorar com clareza, deve-se proceder
mas para substituir o rapaz! Isto é: em cena, um homem mos: ao ensaio analítico dessa emoção ou dessa motivação. Por exem- ·
trava às mulheres como acreditava que elas deviam comportar- plo, a cena deve ser interpretada com total desinteresse, ansie-
se, enquanto que as mulheres, em cena, assumindo o papel do
h~mem,, ~ostrav~m como os homens se comportam. O resultado
fo1 fantast1co, po1s os homens e as mulheres, cada um assumindo
dade, ir011ia, com dúvida, medo, coragem, com tudo o que puder
ajudar o ator a, através da análise, da concentração numa só
emoção ou motivação, construir, pouco a pouco, seu personagem
I
o papel do adversário, mostravam, teatralmente esteticamente
(e não apenas verbalmente), o que pensavam ~ns dos outros
tentavam co~rigir-se, evidenci~ndo o que os oprimia no compor~
e as cenas nas quais intervém.
Deve-se ainda ensaiar várias vezes com pausa artificial
(cada ator espera alguns segundos antes de dizer seu texto, e
___....
I
tan:_ento do mterlocuto7. E diga-se de passagem que as interpre- procura encher essas pausas com pensamentos relativos aos con-
taçoes, por serem sentidas, verdadeiras, embora exageradas não flitos nos quais esteja envolvido), ou pausa de pensamento con-
eram, em momento algum, caricaturais. ' trário (durante as quais o· ator pensa o oposto daquilo que vai
dizer ou fazer), ou mesmo de ensaios mudos (em que o texto
r '(~17 . Como ensaiar um antimodelo? 1
~
é pensado e sentido, mas não emitido).
Esses são ensaios que ajudam a desenvolver as motivações.
I\0 • ' :""-,1
O mesmo deve ser feito com referência ao estilo: deve-se ensaiar
~\ · .Um antim~d;l~, como qualquer peça de teatro, pode ser o texto como se ele fosse tudo aquilo que poderia ser: faroés't e,
ensal,ado de muitlSSimas formas diferentes. Sugiro, no entanto,
comédia, tragédia, circo, ópera, cinema mudo, filme de terror,
1 o metodo que me parece dar sempre melhores resultados e que
1 __ pode i~almente s~r .usado em forma de improvisação 'para 3 etc. A cada repetição, ou o ator dirá sempre o mesmo texto já
\ 1 . construçao dramatúrgica mesmo do antimodelo. preestabelecido, cada vez de uma forma diferente, ou poderát
acrescentar novos textos e novas ações, se o elenco partir de UIDJ
\ . Trata,-s.e de proce_der a ~nsaios analíticos de motivação, en-
embrião para chegar ao texto definitivo.
i saios analíticos de estilo e fmalmente ao ensaio sintético.
Esses ensaios servem para que cada ator tenha elaborada-·
f Uma. vez estabelecido o embrião da peça (ou a peça i_nteira
diante de si uma espécie de paleta, com tod~s' as cores p.ossívei~
/ desenvolvida) , os atores devem ensaiar analiticamente diversas
do personagem: finalmente, irá· pintá-lo. E is'so se fará no ensaio
1 vezes o mesmo texto. Assim, num primeiro ensaio devem ana!i-
sintético, em que todos os textos, todas-.. as ações e todas as
sr:r~ isto é, individualizar apenas as motivações, por exemplo, de
novas formas de dizer e de fazer o quê' deve ser feito e dito
ofto.: todos os atores, em todas as cenas e em todas as circuns- em cena serão finalmente incorporados.
tancias, devem pensar exclusivamente em termos de ódio a todos
Quando isso acontece, o que deve ser evitado, a meu ver,
os ~ersonage~s: Em seguida, devem fazer a mesma análise em
sentido contrario e ensaiar o mesmo texto com a única motiva- é o não-oprimido. (o qual muitas vezes é exatamente o opressor,
ção de amor. como no caso atado) que pretende dar lições, indicar os ca-
O .ensaio da n:oti':ação isolada ajudará o ator a, primeiro, minhos.
descobrir essa motivaçao que pode estar camuflada no texto O que esse episódio também me ensinou foi que o teatr~­
1
\ trazê-la à tona, à consciência; segundo, em caso de se tratar d~ foro tem suas regras, que devem ser respeitadas. Mas se o ~u­
u_m embri~o de peça e não de uma peça já desenvolvida, isso o blic~, .em determinado momento e por determinada razão, deo~e
ajuda a c~I~r. palavras e atos que passarão a ser incorporados ao modificar as regras, que se modifiquem. A única co!sa que, ~ao
, texto de.f1Dltlvo. Ajuda-o ~da a se preparar para enfrentar as se pode modificar no teatro do oprimido são seus dC:15 pnnclp~os
· d d · açao dramatlca
futuras mtervenções dos espectad&:es. fundamen t ats; o especta or -~_ve protagoruzar a

1"58 159
onizar a própria vida! Isso é o Depois fizemos jogos dos animais, imagens sobre a família e o
e deve preparar-se Para Protag ritual da volta à casa. Foi aí que as mulheres começaram a ficar
essencial. inquietas: o que os homens mostravam lá embaixo, na praça,
não era verdade, não era o que eles faziam dentro de suas casas.
Suas esposas, nas varandas, começaram a ficar indignadas, pois
18. Pode-se permanecer "espectador" numa sessão de
cada marido que subia em cena mostrava-se maravilhoso, exem-
teatro-foro?..)$ plar: fazia a comida, cuidava das crianças, dos gatos e dos ca-
i\ão! Embora eu não goste de_ d~ respostas perempwnas, chorros, punha a mesa. . . Elas não agüentaram e começaram a
neste caso respondo alegremente: nao. Numa sessao ~e teatro- gritar lá de cima:
foro, ninguém pode permanecer espectador no mau senud? dess~ - Mascalzone! Tudo isso é mentira! Aqui em casa você
palavra. Mesmo que queira. Mesmo que se afaste, que fique so não é assim, você nunca entrou numa cozinha em toda a sua
olhando, de longe. No teatro-foro, todos os espectadores sabem vida. Vagabundo!
que podem parar o espetáculo no. momento que deseja_re_~· Que Dada a generosidade vocabular e gestual dos italianos em
podem gritar "Stop!" e, democraticamente, dar sua opm1ao, tea- poucos instantes toda a praça estava deflagrada, com ·grir'arias
tralmente, em cena. Portanto, se escolhem não dizer nada, essa horizontais (entre os participantes da platéia de baixo, que es-
escolha já é uma participação. Para não dizer nada o espectador tavam na rua) e verticais (que incluíam as espectadoras total-
tem que se decidir a não dizer nada: isso é já uma ação.
mente integradas na ação, • embora continuassem em suas jane-
Mas, em geral, o que acontece é que todas as pessoas que
las). Agressões e repreensões voavam em todas as direções. Até
têm algo a dizer, acabam dizendo, entrando em cena, princi-
que, envergonhados, os maridos que apresenta-v am falsas e belas
palmente quando já estão auto-ativadas, desejosas de provar suas
suas opiniões, teses, tendências, vontades - e a prova é a cena. imagens de si mesmos abandonaram a cena ...
Quanto mais intenso o desejo de ação, mais rapidamente os es- Ninguém na praça ficou de espectador: todos foram atores:
pectadores entram em cena. não importa onde estivessem, sentados ou de pé, pertó ou long~
Conto um caso que se passou em Perúgia, cidade italiana do palco, em cima ou embaixo. ---4
n~ Úmbria. Foi o primeiro caso de participação vertical. Ex~
phco melhor. Durante três dias trabalhei com um grupo de mu-
lheres chamado Le Passere. Durante as tardes preparávamos pe- 19. Pode um foro mudar de tema? ·.. ~ ,

tem~= u~
quenas c~nas quase sem texto, na base da mímica, e às noites
rel?resent~vamos essas cenas em teatro-foro nas praças medie- Aconteceu no Rio de Janeiro. O simples: ele-
vais da cid~de. Praç~s pequenas, acolhedoras, com casas em toda vador · tinha caído em Copacabana; num dos muitos . edifíciõs
a vo1ta, tres ou mais andares, cheias de janelas que davam di- construídos às pressas, sem os mínimos cuidados arquitetônicos
~etam1 ente para a pr_aça. Numa dessas noites, vi que todas as requeridos, em busca do maior lucro. Os moradores, vítimas do
Jane as estavam che1as de gente espe · 1m ulh acidente, queriam processar a firma construtora. Organizou-se
queriam ver o espetáculo de suas 'própriacia enteA m _eres qudi~ uma assembléia. E a assembléia era o foro.
. s casas. os oritos pe
a todasd que d escessem,
d d pois queria facilita r a participaçao
· · "' - d'essas Durante o debate, porém, a violência de todos os partici-
espectai orad acomo ~as. em suas varandas. Muitas atenderam
;o apto .e es:_eram. mtas me ignoraram e quando eu lhes fa-
avab _mdgia~. ndao mie esiC:Utfa.r ou não me entender. Insisti mas
pantes era tão grande, sua ansiedade tão extraordinária, que não
se podia chegar a um acordo nem sobre os métodos de processar
a firma construtora, nem sequer sobre os métodos que se deviam
aca et esrsttn o: e as a 1caram na comodid d d '
tronas. ' a e e suas pai- seguir para que todos pudessem falar e expor suas opiniões.
Começamos o espetáculo, como sempre pelo O foro acabou sendo sobre o tema: como organizar um
As mulheres lá em cima (na maioria, geme id,osa) ~ exercícios. foro?
nam a valer.

160
------

I~
20. Quando é que termina uma sessão do teatro do sua vida reaua 1 ·' que esses oprliDl''dos participam
_ - desses dois
oprimido? , 1 mundos.
.-
... _.!.- - -E · b ar e insistir sobre um ponto fundamental:
. ~rdeClso o . serv orno suJ· eito nos dois mundos. No com-
Não deve terminar nunca. Como o objetivo do teatro do o opmru o se exerce c d · · , · 1
oprimido não é o de terminar um ciclo, provocar uma catarse, bate contra opressões que existem no mun o ~agmano e e se;
. f al para 0 combate postenor que travara
encerrar um processo mas, ao contrário, promover a auto-ativi- exerctta e se ort ece, . _ tra as imagens
\ dade, iniciar um processo, estimular a criatividade transforma- contra as suas opressões rea1s, e nao apenas con
li dora dos espectadores convertidos em protagonistas, justamente reais dessas opressões. f
Por isso é necessário que o espectador se trans borme el
por isto, o teatro do oprimido deve iniciar transformações que
protacronista no combate estético que prepara o ~om ate dea ·
\ .não se devem terminar no âmbito do fenômeno estético, mas
Por i~so é necessária a atitude "maiêutica" do Connga que, e_ve
! •que se develli transferir à vida real. estimular os espectadores a desenvolverem ~s suas propnas
'-- Teoricamente, isto deve acontecer, e tem acontecido na idéias a produzirem as suas próprias estratégtas e a codtarem
prática. com ~s suas próprias forças na tarefa de se libertarem e suas
Vejamos o exemplo do teatro-foro. O oprimido cria um
-antimodelo que é constituído de imagens da sua vida real. Isto
é, uma realidade de opressão é mostrada em imagens. Essas
·
próprias opressões. . ·
Na verdade uma sessão de teatro do opnmtdo nao eve /
terminar nunca 'porque tudo que nela acontece, de~e-~e extra- I
- d - )

imagens possuem duas característica_s essenciais: são imagens de polar na própria' vida. O teatro d o oprllD1
· 'do es t'a ~o .limite entre
a ficção e a realidade: é preciso ultrapassar esse limt~e. E, se 0 J
algo real, e são, elas próprias, reais. Ao serem produzidas, passam
a existir. Vemos assim que, a partir da criação do antimodelo,
podemos observar a existência de uma opressão que é real, e de
imagens reais dessa opressão. Como se existissem dois mundos: o
I espetáculo começa na ficção, o objetivo é o de se mt~
t._realidade, na vida.

mundo da realidade na qual o oprimido se inspirou para


criar o mundo das imagens, e o mundo das imagens.
Simplificando: se eu tiro uma fotografia de Maria, Maria é
uma pessoa real, mas a fotografia, que é a sua iinagem, também
-o é. Se faço um desenho de Maria, ou uma escultura;. se, inspi-
rado nela, escrevo um poema ou um romance, crio imagens de
Maria, imagens reais, como Maria.
Agora vejamos: o oprimido que criou o antimodelo ( con-
junto dinâmico de imagens) e todos os oprimidos que com ele
se identificam (por identidade absoluta ou por analogia) são
pessoas privilegiadas nesta nova forma de teatro: são pessoas que
participam simultaneamente desses dois mundos, o mundo da
reaUdade e o mundo das imagens tornadas reais. As pessoas que
não se identificam com os oprimidos que originaram as imagens
podem igualmente gozá-las, podem fruí-las, porém a distância -
e elas não poderão nunca fazer a extrapolação das experiências
tidas na vida imaginária para a vida real. Os opriJllidas, es~es
- se exercitar, oderão treina - · r
I / (/--l
a tos_ n~ '{idumag.in ' · e-uma-sessão-d: fora e após, auto-at' I
~ados~t ~par-a
. 1.63
:162
I
·I

Composto e impresso nos


Estab. Gráficos Borsoi S.A.
Indústria e Comércio, à
Rua Francisco Manuel, 55
ZC-15, Benfica, Rio de
Janeiro, RJ.

·~

...,.;.
d':Étude et Diliusion des Techniques
Actives d'Expression, liderado por Boa!
para encenar, em julho de 1980, no Tea~
tro Experimental Cacilda Becker, dois es-
petáculos: O aniversário da mãe e Como
de costwne.
Henry Thorau, jornalista francês que
í participa das duas montagens, comenta a
respeito (O Globo, 7/7 /80): "Podemos
descrever o trabalho da seguinte forma:
o grupo faz uma cena, mostra o antimo-
delo que contém sempre uma situação re-
pressiva, em que uma ou várias pessoas
sofrem uma opressão; ·e, a seguir, reali-
za-se o foro, ou debate, no qual o oprimi-
do tem que quebrar a sua opressão com
os meios teatrais. No foro, o espectador
é convidado a participar da ação e pode
substituir o oprimido, para · mostrar-lhe
como sairia dessa situação. Quer dizer, no
foro é repetido o antimodelo, e o especta-
dor que entrou tenta quebrar a repressão.
\ '
·~

À medida em que tenta sair dela,· os opres-


sores reforçam a idéia. O teatro-foro é o
ensaio-geral para a realidade.. Para faci-
litar o entrosamento entre o espectador e
a ação, o grupo inicia a sessão fazendo
alguns jogos e exercícios para . aquecer o
público. E .aí surge o 'coringa', que serve
de ligação ·entre o pú~lico e a ação, e tem
a função de levar o espectador à. cena, e
também ·de não deixar a cena ficar irreal.
Como de costume aborda o trabalho; O
aniversário da mãe defende o direito de se
set diferente - em todos os sentidos.
Dois 'antimodelos' que po~erão dar uma
boa idéia do que é o 'teatro-foro' de
Boa!."
I
Stop: c'est magique! descreve, d; ma- I

neira profusa e intensa, um ~e~ numero I


de técnicas e exercícios. t;~ rus Que só "
mesmox--. , ·· com a cnatlVldade de-- A u-
' aJP.Iem
gu sto BÓal poderia concebçr e execu_tar.
~;ç_. . ., •.
EDIToRA- CIVILIZAÇÃO BRASiLEIRA
r
\
~ .
I

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