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XLV CONGRESSO DA SOBER

"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"

TEORIA SOCIAL E O LUGAR DA AGRICULTURA FAMILIAR NA SOCIEDADE


CONTEMPORÂNEA: ESTUDO ANALÍTICO-COMPARATIVO DAS
CONTRIBUIÇÕES BRASILEIRAS AO DEBATE

CIDONEA MACHADO DEPONTI.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL- PÓS-GRADUÇÃO EM


DESENVOLVIMENTO RURAL -PGDR, MONTENEGRO, RS, BRASIL.

cidonea@yahoo.com.br

POSTER

AGRICULTURA FAMILIAR

TEORIA SOCIAL E O LUGAR DA AGRICULTURA FAMILIAR NA


SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: ESTUDO ANALÍTICO-
COMPARATIVO DAS CONTRIBUIÇÕES BRASILEIRAS AO DEBATE

Grupo de Pesquisa: Agricultura familiar

Resumo
O tema agricultura familiar tem sido foco de inúmeras discussões teóricas, havendo diversos
entendimentos a respeito de seu futuro na sociedade contemporânea, existindo desde aqueles
que profetizam o seu desaparecimento até os que acreditam que esta categoria social é capaz
de se manter e se reproduzir ao longo das gerações. Este artigo se propõe a uma reflexão
sobre o lugar da agricultura familiar na sociedade contemporânea, realizando um estudo
analítico-comparativo entre as perspectivas que se convencionou chamar de camponesa
composta pelos trabalhos de Maria Nazaré Baudel Wanderley, de marxista clássica composta
pelo trabalho de José Graziano da Silva e de neomarxista composta pelos trabalhos de
Ricardo Abramovay, Bruno Jean, Delma Pessanha Neves e Sérgio Schneider. O texto visa a
permitir a análise dessas perspectivas e a explicitar e refletir sobre seus fundamentos teóricos,
almejando contribuir para o debate em torno da agricultura familiar, reafirmando a
necessidade de compreensão da diversidade e da especificidade desta categoria social.
Concluiu-se que a agricultura familiar entendida como uma categoria social não torna
possível a construção de uma Teoria Social, mas sim de uma perspectiva teórica que permita a
compreensão da realidade. Para a perspectiva neomarxista o lugar da agricultura familiar na
sociedade contemporânea precisa ser reconhecido pela sociedade e pelo Estado, necessitando
de políticas públicas que assegurem sua reprodução. Para os marxistas clássicos seu lugar será
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Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
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conquistado num mundo rural diferenciado que considere não só as atividades produtivas
convencionais, mas a produção de serviços e bens não-agrícolas. E, para a perspectiva
camponesa o lugar da agricultura familiar sempre foi subalterno e secundário, sendo
impossibilitado de desenvolver suas potencialidades, mas marcado por lutas para a
manutenção de seu patrimônio sociocultural.

Palavras-chaves: agricultura familiar, teoria social, desenvolvimento rural, sociedade


contemporânea

Abstract
The familiar agricultural theme has been the focus of several theorical discussions, getting
several agreement concerning the contemporary society future, existing since those who
prophesize its desappearing to those who believe this social category is able to maintain and
reproduce through generations. This article proposes a refletion about familiar agricultural in
the contemporary society, taking an analytical/comparative study betwen the perspective we
call “camponesa” by Maria Nazaré Baudel Wanderley works, by the classical marxist by José
Graziano da Silva work and the classical neomarxist through Ricardo Abramovay, Bruno
Jean, Delma Pessanha Neves e Sérgio Schneider works. The text permits the anlaysis of these
perspectives and explicitate and reflect about theorical basis, aiming at contributing to the
debate around the familiar agricultural, reinforcing the necessity of understanding the
diversity and the specificity of this social category. The conclusion is that the familiar
agricultural that is seen as a social category does not make the construction of a social theory,
but a theorical perspective that allows the reality understanding. To the neomarxist
perspective the place for the familiar agricultural in the contemporary society needs to be
recognized throug the society and the State. It needs public politics that assure its
reproduction. To the classical marxist it will take place in a different rural world that consider
not just the conventional productives but also the services production and the non-agriculture
issues. And to the “camponesa” perspective the place for familiar agricultural was always
underground and secundary. It does not allow it to develop its potencialities and its marked
for struggle to maintain its sociocultural patrimony.
Key Words: familiar agricultural, social theory, rural development, diversity, contemporary
society

1. INTRODUÇÃO

O tema agricultura familiar tem sido foco de inúmeras discussões teóricas, havendo
diversos entendimentos a respeito de seu futuro na sociedade contemporânea, existindo desde
aqueles que profetizam o seu desaparecimento até os que acreditam que esta categoria social é
capaz de se manter e se reproduzir ao longo das gerações.
No Brasil, a expressão agricultura familiar ganhou projeção nacional no final dos anos
1980 e, principalmente, a partir da primeira metade da década de 1990. O debate,
inicialmente, concentrou-se no campo político e, posteriormente, acadêmico. Verifica-se que
os teóricos dos estudos rurais até o final dos anos 50 concentravam suas análises sobre a
natureza das relações de produção no campo. A partir dos anos 90 surgiram pesquisas com o
intuito de conhecer o caráter familiar dos estabelecimentos agrícolas e suas formas de
funcionamento, cuidando-se, portanto, de tema atual (SCHNEIDER, 1999).

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Este artigo se propõe a uma reflexão sobre o lugar da agricultura familiar na sociedade
contemporânea, realizando um estudo analítico-comparativo entre as perspectivas camponesa
e marxista (visão clássica e neomarxista) à luz das contribuições brasileiras ao debate.
O texto visa a permitir a análise dessas perspectivas e a explicitar e refletir sobre seus
fundamentos teóricos, sem, contudo, ter a pretensão de reconstruir toda a complexidade da
discussão sobre o tema. Com isso, almeja-se contribuir para o debate em torno da agricultura
familiar, reafirmando a necessidade de compreensão da diversidade e da especificidade desta
categoria social.
Há uma vasta bibliografia sobre o pensamento social agrário e sobre as condições e os
obstáculos ao processo de desenvolvimento do capitalismo no campo. No entanto, este
trabalho limita-se a estudar e discutir as questões referentes à agricultura familiar brasileira e
ao seu espaço empírico.
Para tanto, dividiu-se o corpo do artigo em três seções. A primeira trata da perspectiva
camponesa em que o estudo se concentra na visão de Maria Nazaré Baudel Wanderley. A
segunda trata da perspectiva marxista clássica focada no trabalho de José Graziano da Silva e
na perspectiva neomarxista em que se analisam os trabalhos de Ricardo Abramovay, Bruno
Jean, Delma Pessanha Neves e Sérgio Schneider. A terceira realiza uma discussão entre os
autores retramencionados, enfocando as similitudes e as diferenças entre seus entendimentos.
Com isso, se deseja responder as seguintes questões:
- Quais as principais contribuições dos autores brasileiros ao debate sobre a
agricultura familiar?
- Como entender a persistência da agricultura familiar a partir da teoria marxista
clássica?
- Quais as razões que levam os neomarxistas a explicarem a persistência das
formas familiares ao longo do século XX?

2. PERSPECTIVA CAMPONESA

A perspectiva camponesa dedica-se ao estudo do agricultor familiar como um


personagem que, embora tenha capacidade de resistência e adaptação aos novos contextos
econômicos e sociais, não está despido de seus traços camponeses, encontrando-se revestido
de suas raízes e tradições.
Nesse sentido, destaca-se Maria Nazaré Baudel Wanderley1 (1999), para quem os
agricultores familiares modernos não são personagens novos completamente distintos de seus
ancestrais camponeses, existindo, simultaneamente, pontos de rupturas e elementos de
continuidade entre essas duas categorias sociais.
Significativa é a afirmação da referida autora de que os agricultores familiares
modernos “enfrentam os novos desafios com as armas que possuem e que aprenderam a usar
ao longo do tempo” (1999, p.37), explicitando, dessa forma, que a força do passado não se
enfraqueceu e permaneceu como uma referência, determinando as práticas e representações
da família.

1
O trabalho de Wanderley tem respaldo teórico na proposta analítica de Hugues Lamarche, que “parece
atualizar o modelo teórico estrutural-funcionalista proposto por Mendras” (Schneider, 1999, p. 62-64) e na
concepção teórica de Chayanov sobre a organização da unidade econômica camponesa.
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Com isso, Wanderley remonta à proposta analítica de Hugues Lamarche2 (1993),


segundo o qual a transmissão e a conservação de um patrimônio sociocultural exerce um
papel fundamental no modo de funcionamento da agricultura familiar e constitui-se num
modelo original para a atual geração de agricultores.
O modelo de análise da exploração familiar de Lamarche “é um eixo escalonado,
segundo o grau de integração no mercado, em cujas extremidades se encontra de um lado, o
modelo original e de outro, o modelo ideal3” (SCHNEIDER, 1999, p. 62). O modelo original4
é onde o agricultor encontra suas referências históricas e reencontra suas tradições, ao qual
permanece mais ou menos ligado, e o modelo ideal define suas aspirações quanto ao futuro.
Esse eixo também pode ser visto sob outro prisma, ou seja, estando de um lado o
patrimônio sociocultural que cada agricultor e sua família dispõem, e, de outro, as escolhas
políticas que lhes dizem respeito, efetuadas pela sociedade global. O funcionamento da
exploração familiar deve ser analisado dentro dessa dinâmica e a tomada de decisão é
resultante de duas forças, uma representa o peso do passado e da tradição e a outra, a atração
por um futuro com projetos a se realizar. As explorações familiares, em função da sua própria
história e ambiente específico no qual funcionam, vão posicionando-se em um determinado
lugar na escala (eixo).
A partir da aludida proposta analítica de Lamarche, Wanderley (1999) preocupa-se em
identificar o patrimônio sociocultural do campesinato brasileiro.
Para a autora5 , tal patrimônio deve ser compreendido a partir das particularidades dos
processos sociais vividos ao longo da história do Brasil, enfatizando-se que a agricultura
familiar sempre ocupou um lugar secundário, subalterno na sociedade brasileira, sendo
historicamente um setor bloqueado, impossibilitado de desenvolver suas potencialidades, pois
quem se impôs como modelo dominante foi a grande propriedade.
Tal fato leva o campesinato ao longo de sua história a utilizar estratégias em busca de
um espaço próprio. Para isso, tanto no passado quanto atualmente, há uma preocupação do
camponês não apenas com a subsistência (autoconsumo), mas também com o acesso ao
mercado, almejando uma atividade mais estável e rentável, a fim de afastar a precariedade
estrutural e a instabilidade do sistema de produção. O conhecimento e a experiência
adquiridos com essa dupla preocupação serviram de base para a composição do patrimônio
sociocultural do campesinato brasileiro, sendo transmitidos às gerações futuras
(WANDERLEY, 1999).
Wanderley (1999, p. 44) salienta, ainda, que a mobilidade espacial dos camponeses
brasileiros não pode ser vista como uma ausência de vínculo com o território familiar e
comunitário de origem ou uma indiferença com suas raízes. Ao contrário, os deslocamentos
dos agricultores, decorrentes da pressão da grande propriedade e da lógica de migração para a
fronteira, representam justamente uma forma de se lutar pela constituição de “um território
2
Lamarche realizou uma pesquisa na França, no Canadá, na Tunísia e no Brasil, entre 1988 e 1989, sendo que as
áreas brasileiras estudadas foram as regiões do Cariri, na Paraíba, o município do Leme, em São Paulo, e o
município de Ijuí, no Rio Grande do Sul, tendo Wanderley composto a equipe de pesquisadores brasileiros.
3
O modelo ideal é um modelo de referência para o futuro, em que o agricultor projeta para o futuro uma
determinada imagem de sua unidade de produção e organiza suas estratégias e toma suas decisões segundo uma
orientação que tende quase sempre ir à direção dessa situação esperada (Lamarche, 1993, p. 17).
4
O modelo original, segundo o autor, está relacionado ao reconhecimento do papel fundamental exercido por um
modelo anterior do modo de funcionamento da unidade familiar ao qual todo o agricultor se refere, mais ou
menos conscientemente (Lamarche, 1993, p. 17).
5
Na pesquisa realizada por Wanderley juntamente com Lamarche, a autora concluiu que no Brasil há diversos
modelos de agricultura familiar. No Nordeste, o modelo está focado no controle latifundiário da terra; em São
Paulo, centrado na grande propriedade patronal; e, no Sul, baseado na tradição camponesa.
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familiar, um lugar de vida e de trabalho, capaz de guardar a memória da família e de


reproduzi-la para as gerações posteriores”.
Ainda conforme Wanderley (1999), a busca por um espaço próprio passa também pela
luta pela reprodução do estabelecimento familiar. Para tanto, a unidade de produção
camponesa utiliza-se do trabalho externo, seja realizando trabalho alugado para terceiros, seja
empregando trabalhadores alugados no estabelecimento familiar.
Tal estratégia está ligada à necessidade, muitas vezes, de se obter renda com a
utilização do trabalho externo para garantir a reprodução da família e do estabelecimento
familiar, em decorrência da precariedade e instabilidade do sistema produtivo camponês. Isso,
contudo, não representa nem a decomposição da própria condição de produtor
(proletarização), nem a sua transformação em empresário capitalista, porque na unidade
produtiva camponesa não se verifica o desenvolvimento do capital enquanto relação social
entre as pessoas envolvidas no processo de trabalho camponês.
Wanderley, conforme se observa, defende que o agricultor familiar brasileiro não é um
personagem passivo, pois, ao longo da história, tem buscado com suas forças traçar
estratégias para lutar por seu espaço, adaptando-se às exigências da agricultura moderna sem
perder os traços camponeses. Por isso, aliás, afirma a autora que o conceito de camponês é
ressemantizado, na medida em que recorre a sua experiência camponesa, demonstrando a sua
capacidade de resistência e de adaptação às transformações mais gerais da sociedade.

3. PERSPECTIVA MARXISTA

A perspectiva marxista é aquela em os autores comungam com a teoria marxista, ou


seja, com o poder explicativo da dialética. Esta perspectiva foi dividida em duas: a visão
marxista clássica, em que os filiados encontram respaldo teórico nos trabalhos de Marx, Lênin
e Kautsky, e a perspectiva neomarxista, onde há um pluralismo teórico que encontra respaldo
na Sociologia da Agricultura e em alguns elementos desenvolvidos por Chayanov.

3.1. Visão marxista clássica

Entre os autores que compõem a perspectiva que se denominou marxista clássica, será
o objetivo dessa seção a discussão sobre a colaboração de José Graziano da Silva e do
trabalho realizado pela FEE ao debate.
Graziano da Silva (1999), através de uma pesquisa empírica realizada em 1982,
analisou o caso dos produtores de feijão da região de Itararé, em São Paulo.
A argumentação de Graziano se apóia na teoria da diferenciação social de Lênin que
ampliou a concepção teórica da divisão de classes proposta por Marx. Para Marx, o que
caracteriza uma classe social é sua posição no processo de produção, sua relação com o
sistema de propriedade. No capitalismo, dois tipos diferentes de possuidores de mercadorias
irão confrontar-se: a burguesia (proprietários do dinheiro, dos meios de produção e dos meios
de subsistência) e o proletariado (vendedores da própria força de trabalho) (MARX, 1996).
Esta categorização em classes sociais antagônicas delineia a antítese dentro do pensamento
marxista e representa a base objetiva dos conflitos político-sociais e das transformações
históricas (SANDRONI, 1994).
Resumidamente, conforme a teoria marxista, no capitalismo há uma separação entre os
meios de produção e o trabalho, os donos da força produtiva apropriam-se do excedente
gerado pelos trabalhadores. Portanto, não seria possível a existência de uma classe social que
fosse ao mesmo tempo detentora dos meios de produção e vendedora da sua força de trabalho.
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O trabalho de Graziano da Silva filia-se à teoria da diferenciação social desenvolvida


por Lênin em seu livro, intitulado, O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, em que
elaborou uma contribuição à discussão sobre a teoria social e o desenvolvimento agrário,
apontando vários aspectos. Dentre aqueles que servirão para a compreensão do tema proposto
neste artigo, resumidamente, apresenta-se (LÊNIN, 1988, 112-119):
a) o conjunto de contradições existentes no interior do campesinato constitui o que
Lênin denominou de desintegração do campesinato, ou descamponização que significa a
destruição radical do antigo campesinato patriarcal e a criação de novos tipos de população
rural;
b) a desintegração do campesinato provoca um desenvolvimento de grupos extremos,
em detrimento do campesinato médio. O primeiro deles é a burguesia rural ou o campesinato
rico que engloba cultivadores independentes, proprietários de estabelecimentos industriais-
comerciais, etc. O outro tipo novo é o proletário rural, a classe dos operários assalariados que
possuem um lote comunitário, envolve o campesinato pobre, como o assalariado agrícola, o
diarista, o peão, o operário da construção civil ou qualquer outro com um lote de terra;
c) o elo intermediário entre os dois tipos de campesinato anteriores é o campesinato
médio, considerado sob os desígnios da economia mercantil como o grupo menos
desenvolvido. Em função das relações sociais desenvolvidas pelos camponeses médios, eles
oscilam entre o grupo superior, em torno do qual gravitam e apenas uma pequena minoria de
favorecidos consegue penetrar, e o grupo inferior, para onde os empurra todo o processo de
evolução social. Assim, ocorre o fenômeno especificamente próprio da economia capitalista,
o fenômeno de eliminação dos camponeses médios e a intensificação dos extremos,
denominada descamponização.
Segundo Graziano da Silva (1999), a política tecnológica apresenta papel relevante no
direcionamento dos processos de diferenciação e de decomposição do campesinato, tanto no
sentido ascendente, como no sentido descendente. A tecnologia é um dos elementos que afeta
diretamente o funcionamento das economias camponesas, sendo responsável, muitas vezes,
pelas transformações em nível interno da unidade produtiva e em nível de suas relações com a
sociedade.
Para o autor, há uma grande dificuldade de delimitar e caracterizar o setor camponês
na agricultura brasileira, devido a sua dispersão e variabilidade de formas. O Brasil,
diferentemente de outros países latino-americanos, não apresenta um setor camponês
perfeitamente identificável e localizado em regiões delimitáveis, disso resulta a dificuldade de
apresentar resultados analíticos generalizáveis e a dificuldade que provém da inexistência de
dados globais sobre algo que possa ser rigorosamente chamado de setor camponês.
Graziano da Silva (1999), concluiu, a partir do estudo realizado em Itararé, que uma
modificação tecnológica concebida e sustentada politicamente para atender aos objetivos da
economia global assume um caráter impositivo sobre a dinâmica do setor camponês local,
estabelecendo uma nova dinâmica que obriga os pequenos produtores a adotar um patamar
tecnológico mínimo, porque sem ele não será garantida a sua sobrevivência. Destaca que as
mudanças tecnológicas introduzidas na produção de feijão em Itararé aceleraram o processo
de diferenciação camponesa, sendo esta diferenciação ascendente, em função da interferência
do Estado, através da política agrícola.
O entendimento do processo de diferenciação e decomposição camponesa é vital para
a compreensão do trabalho de Graziano. Conforme o autor (1999, p; 180), tais processos
podem ser expressos:
Por “diferenciação camponesa” se entende o processo de transformação das unidades
de produção (camponesa) em sentido ascendente ou descendente, tornando-as “mais ricas” ou
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“mais pobres”, porém, mantendo os traços típicos da produção camponesa, como o uso da
força de trabalho familiar como base de produção. O processo de “decomposição” das
economias camponesas, por sua vez, significa que as transformações a que está submetida a
unidade de produção foram tão profundas que a levaram, num sentido ascendente, a
transformar-se numa unidade capitalista de produção (capitalização) ou, num sentido
descendente, a perder a condição de unidade produtora autônoma (proletarização). No
processo de decomposição, como se pode perceber, as unidades perdem o caráter camponês e
se transformam em outros tipos de empresa ou levam a família camponesa ao assalariamento
total ou parcial.
Segundo Graziano da Silva (1999), o debate sobre a pequena produção, no Brasil,
ficou prejudicado pela falta de clareza. Não obstante, três estereótipos podem ser levantados:
o produtor de subsistência, o produtor familiar eficiente e o produtor com pluriatividade.
Esses tipos sofrem mecanismos de diferenciação e de decomposição, formando categorias
intermediárias que dificultam a caracterização das classes sociais.
O autor destaca a dificuldade de apresentar uma posição quanto ao futuro desses
indivíduos, às vezes chamados de agricultores familiares, às vezes de pequenos produtores ou
camponeses, afirmando que esses “tipos” não são nem proletários, nem capitalistas típicos e
que em função disso fica difícil não repetir as velhas propostas para evitar constrangimentos e
omissões (GRAZIANO DA SILVA, 1999).
Graziano da Silva destaca que a pequena produção é determinada pela dinâmica do
núcleo capitalista da economia brasileira e que o processo de diferenciação em que se vêem
submetidos exige um esforço permanente do pequeno produtor para não ser levado à
decomposição (proletarização).
Finalmente, o autor conclui preconizando que uma política de desenvolvimento rural
precisa articular um amplo conjunto de outras políticas não-agrícolas que ampare os
trabalhadores rurais menos favorecidos, em que políticas sociais compensatórias se convertam
em instrumentos auxiliares para as políticas tradicionais. Assim será possível uma política de
desenvolvimento rural que objetive o combate à pobreza do campo.

3.3. Perspectiva neomarxista

Dentre os autores brasileiros, aqui denominados neomarxistas, Ricardo Abramovay,


Bruno Jean, Delma Pessanha Neves e Sérgio Schneider são os estudados. Embora esses
autores pertençam à mesma perspectiva, há um pluralismo quanto a seus aportes teóricos e
suas explicações para a persistência das formas familiares na sociedade contemporânea.
O trabalho de Ricardo Abramovay é de grande importância para os estudiosos da
Teoria Social no Brasil, na medida em que descortina algumas incongruências
epistemológicas do marxismo, contribuindo para derrubar a falaciosa dicotomia em torno do
caráter moderno/tradicional ou capitalista/camponês no interior das Ciências Sociais, no
Brasil (SCHNEIDER, 1999).
O estudo de Abramovay fundamenta-se numa cuidadosa revisão bibliográfica sobre as
contribuições teóricas dos clássicos do marxismo com relação à questão agrária (Lênin e
Kautsky). O autor buscou demonstrar em seu trabalho que a existência e reprodução do
camponês, de acordo com a teoria marxista, seria logicamente impossível.
É impossível encontrar na estrutura d’ O capital um conceito de camponês. Se, do
ponto de vista marxista, é possível falar conceitualmente em classe operária e burguesia,
campesinato é uma expressão que não encontra lugar definido no corpo de categorias que
formam as leis básicas de desenvolvimento do capitalismo (ABRAMOVAY, 1998, p. 35).
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O autor afirma que a racionalidade econômica da unidade produtiva camponesa é


incompleta e que o ambiente social e outros critérios não-econômicos organizam sua vida.
Não se pode compreender o campesinato com base no comportamento econômico.
Abramovay busca respaldo em Chayanov ao afirmar que é em torno da família que os
modelos camponeses operam, mas é nos mercados que se inserem. É neste fato que se
encontram os fatores socialmente explicativos das sociedades camponesas.
Abramovay (1998) resgata as características das sociedades camponesas (sociedade
parcial com cultura parcial, reciprocidade, sociedade de interconhecimento, ética da
subsistência, aversão ao risco, personalização de vínculos sociais, ausência de contabilidade
racional) e reforça em especial duas características citadas por Ellis (1988) que definem os
traços básicos do campesinato: a) integração parcial aos mercados; e, b) existência de
mercados incompletos/imperfeitos.
Conforme o autor, as sociedades camponesas são incompatíveis com o ambiente
econômico onde imperam relações claramente mercantis e o ambiente onde se desenvolve a
agricultura familiar contemporânea é aquele que vai asfixiar o camponês, obrigando-o a se
despojar de suas características constitutivas.
Se o campesinato pode ser definido por sua integração parcial a mercados imperfeitos,
sua capacidade de sobreviver no interior de sociedades capitalistas será extremamente
precária, em função de que o mercado acaba substituindo o código que orienta a vida
camponesa, e por aí rouba a possibilidade de sua reprodução social (ABRAMOVAY, 1998).
Segundo Abramovay, nem Marx e nem Weber poderiam prever, quando falavam da
incompatibilidade do campesinato com o capitalismo, ou seja, o extermínio social do
campesinato, o surgimento de outras formas de produção baseada na família como dominante
no mundo capitalista contemporâneo.
A agricultura familiar, para o autor, encontra-se inteiramente despojada de seus traços
camponeses ancestrais, embora em alguns casos possa resultar da evolução de formas
camponesas, mas se distingue dessa forma social pela inserção em um ambiente
marcadamente capitalista que aniquila irremediavelmente a produção camponesa.
Para Abramovay (1998) os elementos que explicam a predominância da agricultura
familiar na sociedade contemporânea estão nas suas particularidades naturais, pois operando
com base em elementos vivos, a agricultura opõe obstáculos intransponíveis ao avanço da
divisão do trabalho, não havendo vantagens decorrentes do tamanho das empresas e do uso de
assalariados, como na indústria. A impossibilidade de industrialização da agricultura, segundo
o autor, impede que o setor agrícola trilhe o rumo seguido por outros setores da vida
econômica.
Bruno Jean é outro autor componente da perspectiva neomarxista. Segundo Jean
(1993), a agricultura familiar tem sido capaz de gerar uma curiosa capacidade de manter-se e
reproduzir-se ao longo das gerações. Para o autor, a agricultura familiar é produto do próprio
desenvolvimento da economia agrícola moderna. Esse fato deve-se à especificidade do
processo de trabalho agrícola e à racionalidade particular da produção agrícola familiar.
O agricultor moderno apresenta uma tríplice identidade: proprietário fundiário,
empresário privado e trabalhador. Dessa tríplice identidade três rendas são geradas,
respectivamente: a renda da terra, o lucro e o salário. Contudo, não é o agricultor moderno
que acumula as três rendas, mas a sociedade que mantém relações com o agricultor moderno.
A sociedade apenas lhe oferece um salário baixo diante da complexidade de seu trabalho.
“Este personagem trinitário que é o agricultor moderno teve que doar a renda fundiária e o
lucro capitalista à economia e à sociedade, para sobreviver, buscando apenas um salário
mínimo para subsistir” (JEAN, 1993, p. 5).
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Este argumento de Jean está respaldado pelas explicações de Marx para a pequena
produção parcelária em que destaca que nesta o camponês é proprietário livre da terra, mas a
agricultura se destina em grande parte à subsistência imediata e a terra é indispensável campo
de atividade do trabalho e do capital. No caso da pequena propriedade camponesa, o
camponês apenas receberá o equivalente a sua sobrevivência, conforme Marx (1996, p. 923),

O lucro médio do capital não limita a exploração da pequena


propriedade, enquanto o camponês é pequeno capitalista, tampouco a
limita a necessidade de uma renda, enquanto ele é proprietário da
terra. Embora pequeno capitalista, o único limite absoluto para ele é o
salário que paga a si mesmo, após deduzir os custos propriamente
ditos. Enquanto o preço do produto a cobrir, cultivará a terra, e
freqüentes vezes, submetendo-se a salário reduzido, ao mínimo vital.

O agricultor moderno não contabiliza seu tempo de trabalho atribuindo um salário


apenas suficiente para se manter na atividade e assim, fazendo concorrência com o empresário
agrícola que precisa realizar a taxa média de lucro. Para Jean, a identidade trinitária e a
relação que agricultor familiar apresenta com as rendas geradas contribui para a colocação da
agricultura familiar como um produto do próprio desenvolvimento da economia capitalista
moderna, não apresentando vestígios do passado ou de modos de produção anteriores. A
economia capitalista parece colaborar para a consolidação da propriedade agrícola familiar.
Significativa é a crítica do referido autor as perspectivas marxista e camponesa em que
afirma que a primeira tem se debatido com a necessidade de fazer revisões dolorosas para a
teoria explicar a realidade, já que a agricultura familiar persistiu e não desapareceu conforme
as previsões teóricas, e a segunda que defende uma forma de produção em que a força do
passado permanece como referência e preserva sua originalidade um tanto anacrônica,
conforme Jean.
Segundo o autor (1994), a persistência da agricultura familiar justifica-se pelos
seguintes fatores:
a) pela própria especificidade do trabalho agrícola, da agricultura e da racionalidade
do produtor rural. A agricultura familiar mostrou-se melhor adaptada para responder às
exigências e aos imperativos da sociedade moderna, a saber: produção de gêneros
alimentícios com o mais baixo custo possível; segurança de abastecimento alimentar, garantia
de estabilidade do poder político;
b) pelo papel do Estado, através da política agrícola. Os agricultores familiares
mantêm relações contraditórias com o aparelho de gestão pública, utilizando-se dele, mas ao
mesmo tempo desconfiando dele;
O papel do Estado é absolutamente essencial para compreender a consolidação das
unidades familiares na economia agrícola moderna, mas, segundo o autor, permanece
insuficiente para explicar o espantoso sucesso da forma produtiva agrícola constituída pela
exploração familiar moderna.
Jean, ainda, salienta como conseqüência da existência da propriedade rural familiar
moderna nas economias agrícolas, a capacidade de adotar inovações ou intensificar a
produção e o modo de inserção numa economia de mercado. “A exploração agrícola familiar
soube demonstrar uma extraordinária plasticidade nas diferentes conjunturas econômicas,
técnicas e políticas” (JEAN, 1993, p. 26).
A capacidade de adaptação da agricultura familiar, segundo Jean, permitirá a ela estar
presente no encontro marcado na era pós-moderna. Essa capacidade irá atuar a seu favor no
processo de transição para a agricultura sustentável, em que se redescobrirá as demais funções
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essenciais da agricultura, como a ocupação do território; a manutenção dos equilíbrios


ecológicos; a conservação das paisagens; a manutenção da fertilidade natural dos solos.
Outra autora que pertence à perspectiva neomarxista é Delma Pessanha Neves. Para
ela, a classificação dual entre unidade familiar e unidade capitalista é inadequada. A primeira
seria aquela na qual as atividades são realizadas em sua grande maioria por trabalho familiar,
orientadas para o atendimento da reprodução da unidade de produção e da condição de
proprietária dos meios de produção e para a resistência à proletarização e, a segunda é
caracterizada pelo trabalho assalariado, pela obtenção de mais valia e reprodução ampliada do
capital e pela busca constante de aumentos de produtividade e de rentabilidade (NEVES,
1995).
Segundo Neves, este raciocínio classificatório impõe um engessamento do
entendimento. A autora derruba a crença da existência de uma contraposição entre uma
racionalidade econômica atribuída à empresa capitalista que expurgaria a sociabilidade, as
relações personalizadas, a reciprocidade e uma racionalidade social atribuída à unidade
familiar de produção ou à unidade camponesa que reproduziria relações personalizadas,
submetidas ao controle de regras familiares e de resistência à integração ao sistema social
abrangente.
Conforme a autora, a suposição de que os produtores ditos familiares se orientam pela
minimização da dependência ao mercado e pelo autoconsumo excluem a consideração de sua
motivação na luta pelo acesso a determinados recursos e serviços, bens simbólicos e culturais.
Os produtores são reduzidos a agentes econômicos no sentido restrito, assim a compreensão
do jogo de força, da luta de classe, do controle da renda são secundarizados (NEVES, 1995).
À medida que as unidades de produção passam a operar sob o domínio do capitalismo,
as relações internas da unidade de produção são alteradas pela especialização das atividades,
pela intensificação do trabalho e da produção mercantil e pela maior monetarização do
consumo produtivo e improdutivo. Nem sempre o trabalho familiar é o gerador básico da
produção. Em algumas situações, é possível que o trabalho assalariado constitua a maior parte
do trabalho utilizado na produção de um produto, mesmo sendo a propriedade gerida pela
família. No entanto, estas unidades de produção continuam sendo consideradas não-
capitalistas.
Os argumentos da autora para explicar tal fato são os seguintes: a) as unidades
consideradas capitalistas operam a partir da oposição entre trabalho e capital e reproduzem
essa relação de classe; b) o fato de o dinheiro estar pagando um serviço não significa que
esteja operando como capital, não é o dinheiro que por sua natureza estabelece a função do
capital; c) o trabalho excedente e a renda deste trabalho se transformam em capital se o
volume dos meios de produção for suficiente para pagar a força de trabalho e gerar uma
parcela excedente, se o valor gerado na produção for revalorizado; d) as unidades familiares
que utilizam mão-de-obra assalariada ou vendem a força de trabalho de forma temporária ou
permanente redistribuem o uso dos meios de produção. Em alguns casos o trabalho
assalariado pode melhorar as condições de reprodução devido a remuneração da família em
atividades não agrícolas ser maior. O uso de força de trabalho familiar ou o uso de trabalho
assalariado podem complementar-se e constituir respostas provisórias a determinadas
conjunturas.
Ainda conforme a autora, nos estudos relacionados à agricultura familiar e a suas
estratégias de reprodução, deve-se considerar que o funcionamento pleno da unidade
produtiva pode não ser o objetivo maior da unidade familiar. Deve-se considerar, ademais,
que existe uma organização entre princípios de organização da produção e do trabalho e de
projetos familiares resultantes da dinâmica de organização familiar. Torna-se importante para
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compreensão das condições de adaptação e reordenação das unidades de produção o estudo


das determinações sociais, das tendências e dos contextos em que as formas de trabalho
familiar e assalariado são utilizadas (Neves, 1995).
Interessante é a afirmação da referida autora de que a adoção do caráter familiar como
característica determinante ou distintiva reduz a compreensão. “Valorizar o caráter familiar
como forma de reconhecimento do caráter social é toma-lo como domínio mutilado”
(NEVES, 1995, p. 30). Neves salienta que a análise da unidade de produção não deve
valorizar um único sentido, o econômico ou o familiar, ou seja, a unidade familiar não deve
ser vista apenas por duas óticas: a economicista, produtivista e a social, camponesa, outros
aspectos devem ser considerados como as representações, a ideologia e a prática social.
Conclui-se do trabalho de Neves que existem especificidades nas relações entre a
unidade de produção e a unidade familiar, há interesses múltiplos, projetos e estratégias
variadas que nem sempre convergem no mesmo sentido. A adoção de um único modelo
explicativo não reconhece e explica toda a multiplicidade e heterogeneidade presente em cada
situação.
A autora sugere que para a compreensão das especificidades e intercessões, a unidade
familiar e a unidade de produção devem ser analisadas através dos agentes e filiações. A
valorização das opções e alternativas tomadas pelos agricultores, o reconhecimento destes
como agentes sociais de fato ajudam a entender a novas exigências e estilos de vida que
conduzem às mudanças nestas unidades, no sistema local e nas formas de inserção social.
Quando se trata de explicar a manutenção de formas familiares de organizar a
produção, não se poderia deixar de estudar os trabalhos de Sérgio Schneider, pois, com rigor
acadêmico, este autor se propõe a aprofundar o conhecimento sobre a agricultura familiar e
suas possibilidades de desenvolvimento social e econômico no espaço rural.
O trabalho de Schneider visa a explicar e a compreender a persistência das formas
familiares na sociedade moderna, não exclusivamente, pelo papel que exercem no processo de
acumulação de capital. Segundo do autor (1999, p. 6), tal compreensão “recoloca o poder
explicativo na dialética”, destacando que é a dialética que se deve recorrer para explicar o
porquê estas formas familiares não assumiram as características das relações capitalistas
clássicas e, mesmo assim, persistem e difundem-se.
Para responder a tal questionamento, o autor promove um diálogo entre a Sociologia
da Agricultura6 e o modelo analítico desenvolvido por Alexander Chayanov. A primeira é
influenciada pela tradição marxista clássica (Marx, Lênin e Kautsky) e pelos chamados
neomarxistas, sendo caracterizada por uma clara preocupação com o estudo da estrutura da
agricultura a partir de uma perspectiva crítica, e o segundo apresenta uma proposta original de
compreensão dos processos internos de funcionamento das unidades familiares de produção.
Assim, o autor procura preencher as lacunas dessas teorias para a explicação do tema
proposto, pois considera que os estudos realizados pela Sociologia da Agricultura privilegiam
os aspectos econômicos e que algumas considerações de Chayanov devem ser atualizadas,
permitindo assim o maior conhecimento possível do ambiente familiar, de seus planos, das
suas estratégias de busca de alternativas materiais à sua reprodução social.
Conforme Schneider (1999, p. 18-19), deve-se reconhecer que a teoria marxista foi
capaz de mostrar como algumas formas sociais foram superadas e eliminadas, abrindo espaço
para novas categorias que se incorporam às formas pré-existentes. “Nenhuma outra tradição
teórica do pensamento social foi capaz de produzir interpretações tão vigorosas e abrangentes
6
Para maiores detalhes sobre o tema buscar em Agricultura Familiar e Pluriatividade – em que o autor Sérgio
Schneider descreve e analisa de forma pormenorizada o entendimento de vários neomarxistas, entre eles:
Goodman, Mann, Friedmnan em relação ao tema.
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sobre o desenvolvimento do capitalismo na agricultura e as transformações das sociedades


rurais e agrárias nesse século” (SCHNEIDER, 1999, p. 19).
Para o autor, quatro elementos auxiliam para compreensão das formas familiares em
sociedades capitalistas, a saber:
a) a forma e o uso do trabalho – as unidades familiares utilizam a força de trabalho de
seus membros e, às vezes, contratam trabalho temporário;
b) os obstáculos da natureza – esses obstáculos impedem que a agricultura funcione
como uma indústria, as barreiras naturais bloqueiam o desenvolvimento de economias de
escala na agricultura;
c) a teoria social – privilegiou o enfoque macrossocial e econômico sem considerar e
reconhecer a capacidade de adaptação e interação das formas familiares com o ambiente
social e econômico;
d) a própria natureza das unidades agrícolas – é o elemento central, pois está assentada
em relações de parentesco e herança. Segundo o autor, é no interior da família e do grupo
doméstico que se localizam as principais razões que explicam a sobrevivência de certas
unidades e o desaparecimento de outras.
Schneider ainda destaca que as famílias têm um papel ativo, pois a continuidade de
sua reprodução depende de suas decisões e estratégias. “A reprodução social, econômica,
cultural e simbólica das formas familiares dependerá de um intricado jogo pelo qual as
unidades familiares se relacionam com o ambiente e o espaço em que estão inseridas”
(SCHNEIDER, 2003, p. 114).
Para o autor há necessidade de se aceitar a hipótese de que mesmo que estas formas
familiares estabeleçam relações com o modo de produção dominante, o capitalismo, elas não
assumem um caráter capitalista. Ou seja, a contratação eventual de assalariados, a venda da
força de trabalho (atividades não agrícolas), e a venda de produtos agrícolas realizada pelas
formas familiares não levam a sua classificação como capitalistas.

4. DISCUSSÃO ENTRE AS PERSPECTIVAS E OS AUTORES

Realizar um diálogo entre as perspectivas e os autores não é uma tarefa simples, por
isso levantam-se algumas questões consideradas relevantes e traçam-se algumas similitudes e
diferenças.
A utilização do termo agricultura e agricultor familiar não é um consenso entre os
autores estudados, contudo acredita-se estar se tratando de uma mesma categoria social.
Wanderley utiliza os termos agricultor familiar e camponês, Tedesco usa colono e camponês,
Graziano da Silva aceita pequeno-produtor, camponês e agricultor familiar como sinônimos,
Neves utiliza agricultor familiar e produtor, Jean utiliza agricultor familiar moderno e
Schneider usa agricultor familiar e formas familiares.
Quanto à percepção do agricultor como um sujeito ativo, um agente, destaca-se a
posição de quatro autores Schneider, Neves, Wanderley e Tedesco que deixam explícitos em
seus trabalhos essa questão. Isso não quer dizer que os demais autores não concordem com tal
posição, apenas que não colocam claramente tal afirmação nos textos analisados.
Outro aspecto não menos importante está relacionado ao trabalho externo e à
contratação de trabalho assalariado. Tanto Neves e Schneider, como Tedesco e Wanderley
deixam claro que este fato não leva à transformação do agricultor familiar em capitalista nem
em proletário. Os quatro autores utilizam argumentos parecidos para suas conclusões, embora
pertençam a perspectivas diversas e apresentem aportes teóricos distintos para explicar tal
fato.
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Tedesco e Wanderley explicam esses fatos como estratégias de adaptação do


camponês, como características do campesinato tradicional mantidas pelos agricultores
familiares. Já Neves e Schneider enfatizam a adaptação das formas familiares e suas
modificações internas frente ao domínio capitalista. Os primeiros autores focam na
redefinição, na força do passado e na permanência de práticas e de referências camponesas.
Os últimos salientam a presença de um novo personagem.
Juntamente com Schneider e Neves, ainda, se encontram Abramovay e Jean que
consideram a existência de uma agricultura familiar que se metamorfoseia e se adapta ao
sistema dominante.
Na comparação entre as perspectivas, as principais diferenças detectadas resumem-se
em: a perspectiva marxista clássica distingue-se das demais, em função da teoria adotada,
fundada em Marx e Lênin, assumindo, portanto, a postura de que a agricultura familiar tende
a capitalizar-se ou proletarizar-se. No entanto, esta perspectiva ainda permite “dar um fôlego”
a agricultura familiar através das políticas públicas.
A perspectiva camponesa e neomarxista distinguem-se, principalmente, pela corrente
teórica seguida. A primeira, embasando suas conclusões em Mendras e Lamarche (nas teorias
das sociedades camponesas) e a segunda em Marx e na Sociologia da Agricultura (na teoria
da family farming americana). Ambas, se apóiam em Chayanov, sendo que a neomarxista
prima pela reformulação de algumas idéias.
Comparando os autores de uma mesma perspectiva, verifica-se que dentro da visão
camponesa, Tedesco não utiliza os modelos de tipologias de Lamarche, contudo filia-se a
corrente dos estudos do campesinato juntamente com Wanderely. Na visão marxista clássica,
os dois trabalhos (Graziano e FEE) embora analisados a partir da teoria da diferenciação
social de Lênin, nenhum deles menciona importante fato, mas salienta-se que ambos chegam
a conclusões muito próximas. Na visão neomarxista, encontra-se a maior dificuldade de
apresentar uma conclusão unânime, porque os autores levantam o maior número de questões
distintas. Longe de pretender resumir em poucos aspectos importantes trabalhos
desenvolvidos com alto rigor científico, ressaltam-se algumas contribuições ao debate:
Abramovay diferencia camponês de agricultor familiar; Jean coloca a agricultura familiar
como um produto do desenvolvimento da economia agrícola moderna, Schneider trata da
natureza própria das formas familiares e Neves sugere que as unidades de produção sejam
pensadas como expressões das posições ocupadas pelos agricultores e seu reconhecimento
como agentes sociais.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a agricultura familiar como uma categoria social não é possível a


construção de uma Teoria Social, mas sim de uma perspectiva teórica que permita a
compreensão da realidade e a medida que esta perspectiva se aproxima da realidade mais forte
e preponderante ela se tornará. O estudo foi realizado a partir da análise de algumas
perspectivas desenvolvidas por estudiosos brasileiros preocupados em entender o “fenômeno”
da agricultura familiar.
Apesar de o Brasil estar atrasado com o debate sobre a agricultura familiar se
comparado com a Europa e os Estados Unidos, na América Latina é o país onde este debate
está mais adiantado e tem gerado muitas discussões e, até mesmo, controvérsias.
Os autores estudados apresentaram várias contribuições significativas ao
engrandecimento do debate, ressaltam-se apenas algumas dessas contribuições: Tedesco lança
o termo ethos camponês e aprofunda o estudo do modo de vida, das relações de trabalho e
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familiares do colono; Abramovay descortina o termo camponês na teoria marxista e destaca a


metamorfose da agricultura familiar; Neves derruba a dicotomia atrasado/camponês e
moderno/capitalista; Jean revela as demais funções da agricultura (multifuncionalidade);
Schneider promove um diálogo inovador entre a Sociologia da Agricultura e Chayanov;
Graziano salienta a importância das políticas públicas para reduzir a pobreza no meio rural.
Quanto à persistência da agricultura ao longo do século XX, concluiu-se que para a
perspectiva marxista a agricultura familiar tende ao processo de diferenciação ou
decomposição. Processo que tarda a acontecer, porém há que se considerar a tenra idade do
capitalismo e a intervenção estatal que poderá promover mudanças sociais no meio rural.
Graziano da Silva concentra-se nas políticas públicas estruturais e compensatórias e no papel
do Estado para explicar tal fato e o estudo da FEE não apresenta conclusões a esse respeito.
Para a perspectiva camponesa a agricultura familiar persiste porque se adapta aos
novos contextos e se reveste de suas raízes e tradições. Wanderley foca-se na existência e
permanência do campesinato no Brasil e Tedesco ressalta a redefinição e adaptação do
colono.
Para a perspectiva neomarxista os autores apontam características distintas para
explicar tal fato: Abramovay centra-se nos obstáculos naturais da agricultura e na inexistência
de sua industrialização; Schneider foca-se na própria natureza das formas familiares
assentadas nas relações de parentesco e herança e na sua reprodução dependente de suas
decisões e estratégias; Jean salienta a capacidade de adaptação da agricultura familiar
moderna; e, Neves embora relativize o peso imposto aos valores familiares na produção
preconizando a consideração dos agricultores como agentes sociais, não apresenta argumentos
explícitos para explicar tal fato.
Quanto ao lugar da agricultura familiar na sociedade contemporânea, afirma-se: para
os neomarxistas é um lugar que precisa ser reconhecido pela sociedade e pelo Estado, que
necessita de políticas públicas que assegurem sua reprodução.
Para os marxistas clássicos seu lugar só é possível num mundo rural diferenciado que
considere não só as atividades produtivas convencionais, mas a produção de serviços e bens
não-agrícolas.
Para a perspectiva camponesa o lugar da agricultura familiar sempre foi subalterno e
secundário, sendo impossibilitado de desenvolver suas potencialidades, mas marcado por
lutas para a manutenção de seu patrimônio sociocultural.
Apresentar uma conclusão definitiva sobre o tema é uma tarefa árdua em função deste
ser relativamente novo e a discussão das questões supra citadas começaram a se desenvolver
nos anos 90. No momento não se arrisca fazer uma filiação a uma determinada perspectiva,
porém enfatiza-se a necessidade de atuação por parte do Estado através de políticas que
permitam o desenvolvimento da agricultura familiar no Brasil.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Unicamp e Hucitec, 1998 (cap. 1, 2, 3, 4 e 8);
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Aires, Nueva Vision, 1974 (Cap. 1, 2 e 3);
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SANDRONI, P. Novo Dicionário de Economia. São Paulo: Editora Best Seller, 1994,
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SCHNEIDER, S. Teoria social, agricultura familiar e pluriatividade. Revista Brasileira
de Ciências Sociais, São Paulo, V. 18, nº 51, p.99-123, 2003;
SCHNEIDER, S. Agricultura familiar e pluriatividade. Tese de Doutorado. Porto
Alegre: UFRGS, 1999. 470 p. (Cap. 1 e 2);
SCHNEIDER, S. A Pluriatividade na agricultura familiar. POA, UFRGS, 2003 (Cap
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