CRÓNICA
Relações Laborais
Superpoderes
H
Há uns anos, numa conversa, um
cliente contou-me alguns sonhos
que tinha para o seu futuro, e a
meio verbalizou aquilo que o mo-
tivava: concretizar a função social
da empresa. As empresas prosse-
guem uma atividade económica,
tendo como pressuposto a criação
de riqueza e de lucro, mas na ver-
dade todo o projeto económico só
faz sentido se for pensado para as
pessoas. Nesta medida, uma das
finalidades da empresa é precisa-
mente a de criar emprego, ou seja, a
de dar trabalho e gerar rendimento
que dessa forma é distribuído.
Numa das leituras que guardei
para este verão, descobri a história
de várias marcas que nos fazem
sonhar («Marcas que Sueñan»,
de Xavier Oliver Conti e Elisenda
Serra Masip, Libros de Cabecera),
marcas que pelos seus valores ou
pelo seu propósito nos prendem,
criando um vínculo que resiste à
concorrência.
Um dos projetos dados a conhe-
cer é o dos iogurtes La Fageda.
Uma marca de iogurtes que se foi
afirmando no mercado pela quali-
dade do produto e se tornou numa
das marcas mais fortes do merca-
do espanhol. Conforme explicou
o fundador, o médico psiquiatra
Cristóbal Colón, «as pessoas com-
pram os nossos iogurtes e pagam
mais caro simplesmente porque
gostam mais». Aquele momen-
to em que o cliente dedicado se
© DR
converte em cliente fiel à marca, é
quando percebe que a origem da-
Jorge Ribeiro Mendonça quele produto nasce de um proje-
Advogado
jmendonca@caiadoguereiro.com to social. La Fageda nasce de um
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sonho tornado realidade, quando existir, ainda que seja necessário
Colón assumiu a aventura de fa- contratar mais de 10 pessoas, limi-
vorecer a integração laboral das ta-se artificialmente o concurso a
pessoas com doenças mentais, 10 pessoas, não sendo possível a
pessoas com «capacidades dife- contratação de meia pessoa. Existe
rentes» usando a sua expressão, igualmente uma norma legal que
com a convicção profunda de que prevê que as empresas devem
«o trabalho é uma ferramenta po- ter nos seus quadros pelo me-
derosa para melhorar a vida das nos 2% de pessoas portadoras de
pessoas». Um verdadeiro ovo de deficiência, sendo, contudo, esta
Colombo. norma mais programática do que
Do ponto de vista dos empregadores, públicos ou privados,
é importante apostar na contratação de pessoas com
«capacidades diferentes», confiando que são capazes
de fazer mais, pois no processo de descoberta mútua
da verdadeira vocação dessas pessoas podem revelar-se
os seus verdadeiros superpoderes.
A par de histórias inspiradoras, efetiva, carecendo de regulamen-
existem aquelas que nos lembram tação específica.
que na realidade há muito a fazer, Penso que o caminho deve passar
devendo também essas motivar- por uma perspetiva positiva, do
-nos a querer mudar. ponto de vista de opções políticas,
Na grande reportagem «Com criando incentivos à contratação
olhos de Ouvir», da Antena 1 (dis- de pessoas com necessidades es-
ponível ‘online’), foi dada a conhe- peciais (o Orçamento de Estado,
cer a denúncia da ACAPO – Asso- não sendo a única, é sempre a fer-
ciação dos Cegos e Amblíopes de ramenta por excelência ao dispor
Portugal de que o Estado não está para este efeito) ou melhorando o
a cumprir a lei, admitindo-se que quadro legislativo.
existem casos de contorno à lei Do ponto de vista dos emprega-
dos concursos para a função pú- dores, públicos ou privados, é
blica. No essencial, o Estado quan- importante apostar na contrata-
do contrata mais de 10 pessoas ção de pessoas com «capacida-
está obrigado a respeitar pelo me- des diferentes», confiando que
nos uma quota de 5% de candida- são capazes de fazer mais, pois
tos portadores de deficiência. Su- no processo de descoberta mú-
cede que, de acordo com a repor- tua da verdadeira vocação dessas
tagem, e que é uma prática que a pessoas podem revelar-se os seus
Secretaria de Estado admite poder verdadeiros superpoderes.