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1. Introdução
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Doutorando em História Econômica pela Universidade de São Paulo e bolsista FAPESP (número do
processo 2017/17481-2) email: ricardostreich@gmail.com
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A fim de qualificar a comparação entre o grau de complexidade atingido por economias de distintos países
o pesquisador César A Hidalgo criou um índice denominado Índice de Complexidade Econômica (ICE). O
ICE busca dar conta “da multiplicidade de conhecimento útil embutida na economia” ao analisar o grau de
complexidade do leque de produtos que um país determinado é capaz de produzir (OEC, 2015). Nesse
sentido, foi estabelecido um ranking pelo Observatório da Complexidade Econômica (Observatory of
economic complexity - OEC em inglês) – ligado ao MIT -, no qual México e Brasil ocupam,
respectivamente, as duas primeiras posições do ranking latino-americano.
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Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT), por sua vez, governou o Brasil
por dois mandatos entre 2003 e 2010. Além disso, foi capaz de eleger sua sucessora Dilma
Roussef em 2010 e 2014. Os governos do Partido dos Trabalhadores, em que pesem as
particularidades de cada mandato, foram marcados por um discurso de tonalidade
desenvolvimentista, segundo o qual o Estado possui um papel fundamental na indução do
crescimento econômico e na redução da desigualdade social.
Contudo, é importante observar que a presente não versa sobre essa relação entre
economia e política. O esforço aqui repousa sobre a parte das “estratégias” – conceito que
nos é central, como indica desde já o título provisório da tese – dos governantes de Brasil
e México nos anos 2000. Sendo assim, é importante assinalar que a análise dessas
“estratégias discursivas” – parte integrante das “estratégias de desenvolvimento” - não se
pretende exaustiva. Nesse sentido, observar semelhanças e diferenças nas campanhas
eleitorais de políticos de orientações ideológicas tão distintas - especialmente no que diz
respeito ao papel do Estado no processo de desenvolvimento econômico - ajuda a colocar
novas luzes ao conturbado período vivido pelo continente latino-americano na transição
para o século XXI.
Na democracia liberal, ao menos em tese, as eleições são momentos primordiais,
durante os quais a sociedade debate distintos projetos e perspectivas para seu país. A
complexidade desse processo de disputa, ainda mais quando nossa análise abrange dois
países, impõe a necessidade de recortes. Por isso, para além de análise exaustiva da rotina
e dos materiais de campanha, optamos por elencar alguns materiais que sintetizam as
discussões presentes nas duas campanhas.
Por fim, com intuito de prosseguir à análise, apresentaremos de maneira breve os
principais dilemas político-econômicos da América Latina da virada do século XXI. Em
seguida, passaremos à análise das campanhas propriamente ditas.
O mundo que emergiu após a queda do Muro de Berlim (1989) se tornou cada vez
mais conectado. O fenômeno vastamente descrito como “globalização” significou, em
linhas gerais, uma maior integração econômica dos países e, consequentemente, uma
maior mobilidade do capital financeiro e produtivo.
De modo geral, o discurso e as práticas econômicas dos anos 1990 foram
marcados pela necessidade de superação da crise econômica dos anos 1980
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O regime de bandas cambiais consiste em uma mistura do câmbio fixo e do câmbio flutuante. Nesse
regime o Banco Central elege um piso e um teto para o valor do dólar e atua – comprando ou vendendo –
para manter a taxa de câmbio dentro do estabelecido.
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continente americano. Para além das dificuldades econômicas decorrentes das assimetrias
dos países do continente, a proposta enfrentou resistências de movimentos sociais de
diversos países até ser abandonada definitivamente na Cúpula das Américas de 2005.
Os debates sobre a ALCA ensejaram uma organização supranacional que
questionava a globalização. Com o mote “Um outro mundo é possível”, participaram 15
mil ativistas da primeira edição do Fórum Social Mundial em Porto Alegre no ano de
2001. Nesse espaço, manifestantes trocaram experiências, estratégias e estabeleceram
redes de contato. Além disso, se configurou em espaço privilegiado de diálogo entre
movimentos da sociedade civil e os partidos de esquerda que durante a primeira década
do século XXI foram vencendo as eleições na América Latina.
É importante citar que, especialmente no caso latino-americano, a resistência ao
neoliberalismo foi um fenômeno social que percorreu o continente durante toda a década
de 1990. Durante a década emergiram manifestações de diversos tipos. Desde revoltas
espontâneas como o Caracazo venezuelano em 1989, passando pela insurgência de
grupos autonomistas como o Ejercito Zapatista de Liberación Nacional (EZLN) no
México em 1994. Também ocorreram diversas deposições de presidentes que optavam
pela condução ortodoxa da economia como Carlos Andrés Perez na Venezuela em 1993
e também houve lutas contra privatizações como o caso da Guerra da Água na Bolívia
em 2000.
Poderíamos citar inúmeras revoltas e protestos populares que questionaram os
pressupostos do Consenso de Washington e seus aplicadores no continente. Contudo, por
conta de limitações de espaço, basta assinalar – como fizemos anteriormente - foi
justamente por conta dessa dinâmica de resistência que as medidas neoliberais foram
implementadas em ritmos e graus diferentes nos países latino-americanos.
Vemos, então, que o contexto da virada para o século XXI se encontrava bastante
conturbado. Havia um mal-estar nas democracias latino-americanas que suscitava
desejos de transformação política e social4. Evidentemente, esses anseios se fizeram
manifestar nas urnas. Foi por isso que México e Brasil, as duas maiores economias do
continente, elegeram governantes de oposição nas primeiras eleições dos anos 2000.
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A expressão “mal-estar na democracia” é de Eliel Machado (2004). Escrever isso em 2018, quando a
possibilidade de retrocessos autoritários estão em voga em diversos países do continente pode parecer
estranho e insensato. Contudo, é importante observar que àquela altura havia um mal-estar na democracia.
Hoje, com a emergência dos chamados populistas de direita, temos um mal-estar da democracia. Esse é um
tema que será abordado no desenrolar da pesquisa de doutoramento.
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maneira “moderna”. O lugar do atraso também o lugar da corrupção, a qual deve ser
resolvida a partir de paradigmas “modernos” como a eficiência e a transparência:
Observe-se que o novo México é “competitivo” e tem visão “global”. Não é a toa
que é esse o primeiro item que aparece na enumeração e que parece subordinar todos os
outros. Vale lembrar que na virada do século XXI – na América Latina, em geral, e no
México, em particular, - o tema da integração econômica globalizada era central.
Ademais, o tema da desigualdade – o outro lado da moeda do “mal-estar” anteriormente
citado – não aparece de maneira explícita. Não é ao acaso que as questões “social” e
“humana” aparecem precedidas do substantivo “desenvolvimento”, o que indica uma
concepção bastante alinhada às tendências liberais.
Em suma, uma citação do discurso de posse de Vicente Fox é mais clara no que
diz respeito às suas concepções acerca das funções do Estado e da sua relação com a
Economia:
A citação deixa claro que ele se outorga – através de diversas mediações – como
representante da “igualdade social”. Outro ponto interessante a se observar que a justiça
social é parte de uma economia eficiente. Isso significa que o Estado deve auxiliar o
indivíduo nos problemas que o mercado não pode resolver. O recurso à força do Estado
– que fora de contexto poderia ser vista como uma posição de centro-esquerda – pode ser
compreendido como uma tentativa de dialogar com os anseios populares daquele período.
Nesse sentido, um discurso de tonalidade explicitamente liberal – tendo em conta o mal-
estar anteriormente citado – não seria capaz de ganhar as eleições. Contudo, como
citamos acima, Fox trabalha com o pressuposto da ideia de “capital humano” e é nesse
sentido que o Estado deve atuar para auxiliar os indivíduos, o que – apesar da roupagem
de protagonismo do Estado em seu discurso - também é sinal de uma perspectiva bastante
alinhada aos ditames da tradição liberal.
Em outubro de 2002, foi a vez dos brasileiros elegerem um novo presidente da
república. A possibilidade de vitória eleitoral de um governo de centro-esquerda, aflorou
os ânimos do mercado e, por isso, o risco-brasil e o dólar atingiram valores recordes.
Nesse contexto pré-eleitoral conturbado, Lula lançou o famoso documento A Carta aos
Brasileiros, no qual afirmava que seu governo não seria “de ruptura”. O documento
assinado por Lula era mais um passo na estratégia de se afastar da imagem de “radical”
que havia colaborado nas três derrotas eleitorais anteriores que ele sofreu.
A eleição ocorreu em dois turnos, haja visto que o vencedor não foi capaz de
angariar a maioria absoluta dos votos válidos no primeiro turno (46,4%). Assim, no dia
27 de outubro de 2002, Luís Inácio Lula da Silva derrotou José Serra com 61,27% dos
votos válidos. A posse presidencial, no Brasil, ocorreu em janeiro do ano subsequente à
eleição presidencial. Havia muita expectativa de como seria o “Um Brasil Para Todos” –
lema da campanha lulista em 2002.
O primeiro governo de Lula foi marcado pela tentativa de conciliar
responsabilidade fiscal e inclusão social, bem nos marcos preconizados pela Carta aos
brasileiros. É verdade que nesse momento prevaleceu a responsabilidade fiscal, ainda
mais se comparado aos governos petistas posteriores. Assim, o crescimento econômico
não ocorreu a taxas vigorosas. A média do primeiro mandato de Lula foi de 3,7%, com
pico de 4% em 2006 (FMI). A condução macroeconômica conservadora pode ser
observada na série de superávits primários e na redução da relação entre Dívida
Pública/PIB: 73,75%, em 2003, para 65,8% em 2006 (FMI). Por sua vez, o índice de
pobreza – preocupação bastante enunciada na campanha eleitoral de Lula – teve uma
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redução mais tímida do que a mexicana. No Brasil o número caiu de 37,8% em 2002 para
33,4% em 2006 (CEPALSTATS).
Tal qual o presidente mexicano, o governo petista também sofreu com os
escândalos de corrupção. Contudo, em função das estratégias do partido – especialmente
nos casos da Ação Penal 470 (conhecida popularmente como “mensalão”) – a
popularidade de Lula não foi abalada com os escândalos. A “blindagem” de Lula surtiu
efeito e, com a economia apresentando índices positivos, ele foi capaz de se reeleger em
2006.
Em termos de campanha política, o eixo da estratégia das eleições de 2002 foi
estabelecer a necessidade de um “novo pacto” social que pudesse substituir o vigente, que
seria responsável pela estagnação e dificuldade econômica experimentada pelos
brasileiros. Superar o modelo econômico neoliberal, então, só seria possível ao superar
as práticas políticas de condução estatal que o restringia a poucos:
de Fox que elencamos há pouco – como indica o já citado documento Carta aos
brasileiros:
A questão de fundo é que, para nós, o equilíbrio fiscal não é um fim, mas um
meio. Queremos equilíbrio fiscal para crescer e não apenas para prestar contas
aos nossos credores. Vamos preservar o superávit primário o quanto for
necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na
capacidade do governo de honrar os seus compromissos. Mas é preciso insistir:
só a volta do crescimento pode levar o país a contar com um equilíbrio fiscal
consistente e duradouro. A estabilidade, o controle das contas públicas e da
inflação são hoje um patrimônio de todos os brasileiros. Não são um bem
exclusivo do atual governo, pois foram obtidos com uma grande carga de
sacrifícios, especialmente dos mais necessitados (SILVA, 2002).
4. Considerações finais
desses dois polos. Isso não significa, contudo, que a proximidade a um dos polos exclua
completamente as proposições do outro polo.
Fox, com sua origem empresarial, raciocina a partir de princípios e ditames
liberais. É notável o quanto a categoria “indivíduo” aparece em seu discurso. Lula, por
sua vez, de origem sindicalista articula seu discurso em função de coletividades. Não
apenas “classes”, mas também “brasileiros”, “cidadãos” e etc.
Outra relação interessante a se observar é a relação entre “justiça social” e
eficiência econômica. Nesse tópico, a distinção entre meios e fins que diferencia o
discurso dos presidentes fica bastante clara. Enquanto para Fox a “justiça social” é parte
de uma economia eficiente, para Lula a estabilidade econômica deve servir justamente
para que a pobreza seja diminuída.
Por fim, a força econômica dos mecanismos de financiamento internacional – e a
força ideológica do neoliberalismo – impuseram a necessidade de todos os problemas
serem abordados, mesmo pelos políticos de esquerda, em termos de “eficiência” e
“gestão”. Por outro lado, a força política das mobilizações sociais impôs – mesmo para
os políticos de direita - a pauta da desigualdade. É nesse cruzamento que as produções
discursivas e políticas da virada do século XXI precisam ser analisadas e compreendidas.
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