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20 a 24 de setembro de 2010
Cartas schillerianas: a conciliação entre e dimensão estética e a política
Antes de tudo, convém lançar luzes sobre o significado dos termos estético e
educação estética na acepção schilleriana. O autor trata-os nos seguintes termos: o
adjetivo estético: pode ser entendido como tudo que é próprio do domínio da dimensão
sensível, que se apresente enquanto fenômeno, seja de caráter artístico, seja natural. O
estético se liga à noção de harmonia da natureza humana. Segundo Schiller (1995, p.
107), o estético pode “[...] referir-se ao todo de nossas diversas faculdades sem ser
objeto determinado para nenhuma isolada dentre elas: esta é sua índole estética”. Sobre
a educação estética, na Carta XX (em nota), escreve Schiller (1995, p. 107):
O estético para Schiller pode ser representado pelo signo do jogo, o jogo das
forças contrárias da natureza, o jogo entre os impulsos. Busca-se no jogo a harmonia da
natureza humana mista. Schiller desenvolve uma teoria dos impulsos nas Cartas sobre a
educação estética, com base numa antropologia estética. Os conceitos básicos são:
natureza mista, estado, pessoa, impulso formal, impulso material e impulso lúdico. O
esforço antropológico de Schiller é investigar a estrutura subjetiva do homem, de modo
que ofereça uma imagem anatômica dos impulsos ou forças da natureza. Este momento
da obra compreende o intervalo entre as Cartas XI até a XVII.
Assumimos no caráter de hipótese que a conciliação entre a Estética e a
Política poderá ser demonstrada no que Schiller considera os efeitos formativos da
beleza, evocam uma possível eticidade a partir da influência da cultura estética, que é o
impacto da beleza no homem. Os efeitos do belo no processo de formação do homem
poderá resgatar a aliança perdida no término da antiguidade grega entre sensibilidade e
intelectualidade, entre forma e matéria, entre arte e vida. Schiller é um helenista ,
A antropologia é aqui entendida enquanto “Ciência do ser humano, da sua natureza e das suas
possibilidades por ela determinadas. [...] A carreira deste conceito principia, no espaço lingüístico alemão,
(após utilizações esporádicas desde 1500), nas últimas três décadas do século XVIII. Ela indicia uma
mudança estrutural profunda na imagem do ser humano, que irá a partir daí dominar a modernidade, de
tal maneira que as estas décadas poderá ser atribuída a designação de época de origem e chaneira, de
acordo com a expressão de Koselleck; e isso apenas no contexto das idéias histórico-políticas, da
concepção da modernidade, mas também – e com um grau igual de efeito – no contexto das suas idéias
psicológicas e antropológicas” (RIEDEL, 2007, p.36-37). Schiller, durante sua juventude, enquanto
cursava medicina, na academia militar do Duque Carlos Eugênio em Stuttgart (Alemanha) se formando
médico do regimento de Württemberg em dezembro de 1780, travou contato com a nova antropologia e
psicologia moderna. Riedel visualiza na obra de Schiller um “trilho antropológico” retomando desde a sua
primeira obra Die Räuber (Os Bandoleiros ou Os Salteadores) até a ‘estética clássica’ e a teoria do
‘sublime’ (1801).
“Em 1788, a partir da elaboração de Os deuses gregos, o poeta se dedicou intensivamente ao estudo
da literatura antiga, decidido a não ler nenhum autor moderno por dois anos, como ele declara em carta de
28 de agosto a seu amigo Körner. O seu projeto consistia, a princípio, em estudar os gregos nas traduções
alemães (como a de Homero por Voss), para depois ler os textos originais, apesar de pouco conhecimento
do idioma grego. [...] Schiller tinha decidido dedicar-se ao estudo dos gregos antigos e à busca de um
ideal a partir desse estudo, sua postura em relação à Grécia, entretanto, não tem o caráter de veneração
identificado em Winckelmann ou em Goethe. Aos poucos, os comentários a respeito das peças antigas em
cartas ou ensaios deixam claro que, apesar do reconhecimento da sua importância, trata-se de uma postura
muito mais crítica do que a de outros “helenistas”” (SÜSSEKIND, 2006, p. 245).
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evidencia-se uma vontade de atualização moderna da acepção de cultura dos gregos
antigos, parece querer realizar uma Paidéia moderna. Dirá Schiller (1995, p. 39) Carta
VI da Educação Estética: “Não apenas por uma simplicidade, estranha a nosso tempo,
que os gregos nos humilham; são também nossos rivais, e frequentemente nossos
modelos”. Schiller é crítico da modernidade, refere-se ao homem de seu tempo como
formado, apenas, enquanto fragmento de sua potencialidade. São para estes homens que
Schiller dirige as suas Cartas sobre educação Estética.
Trata-se da primeira versão da Educação Estética do Homem. As Cartas a Augustenburg foi fruto da
correspondência entre Schiller e seu mecenas, o Príncipe dinamarquês, Friedrich Christian von
Schleswig-Holstein-Sonderburg-Ausgustenburg. A relação entre os dois se dá quando Schiller estava
prestes a morrer de tuberculose e sem recursos para o custeio do tratamento. O Príncipe intercede em
favor de Schiller conferindo-lhe uma pensão. Em retribuição, em 1793 o autor promete expor o resultado
de suas investigações, no caso, a primeira versão do seria publicado em 1795 em sua revista Die Horen, a
Educação Estética do Homem: numa série de cartas. Schiller e Friedrich Christian não chegaram a se
conhecer pessoalmente. “Friedrich Christian (1765-1814) nasceu no castelo de Augustenburg, no ducado
de Schleswig-Holstein. De confissão luterana, como Schiller, estudou ciência políticas, direito, história,
física e, sobretudo, filosofia na universidade de Leipzig em 1783-84. A influência do ‘dogmatismo’ de
Ernst Platner, em cujas preleções familiarizou-se com o racionalismo de Leibniz e Wolf e a filosofia
inglesa e francesa, foi de tal modo marcante, que, apesar dos seus esforços, Friedrich Christian não
chegou a compreender o alcance do salto dado por Kant. Somente mais tarde com o auxílio de Baggesen
e Reinhold, começou a assimilar a nova filosofia” (BARBOSA, 2009, p. 25).
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uma solução, entendia que o problema política poderia ser buscado através da jovem
disciplina [Estética]. Na Carta II, ainda anunciando os seus propósitos, dirá que a
investigação filosófica é solicita pelos pensadores de seu tempo, todos inclinados sobre
a maior de todas as obras de arte, “[...] construção de uma verdadeira liberdade política”
(SCHILLER, 1995, p. 25). Se o que está em causa é a busca pela verdadeira liberdade
política, esta deverá ser guiada pela beleza, dirá Schiller (1995, p. 26):
Afirma Schiller que a arte é “filha da liberdade”, e, é “pela beleza que vai à
liberdade” (SCHILLER, 1995, p. 25-26). Pesquisadores da estética de Schiller, como o
exemplo de Márcio Suzuki, apontam para um possível círculo lógico nestas
afirmações. O caminho pela beleza, é a educação estética da humanidade, a beleza
formaria o novo homem, entretanto, a liberdade só poderá ser experienciada pelo
homem, quando pleno, e, educado pela beleza. Somente no jogo o homem poderá
harmonizar o conflito dos impulsos naturais – como apresentará adiante na Carta XV,
“Pois, para dizer tudo de vez, o homem joga somente quando é homem no pleno sentido
da palavra, e somente é homem pleno quando joga” (SCHILLER, 1995, p, 84). O
círculo referido acima poderia indicar a solução, agora, para o nosso problema, pois, ele
envolve a estética, a ética e a política.
Schiller entendia que humanidade não poderia ser livre, antes de estar preparada.
O exemplo destacado pelo autor é o terror jacobino durante a Revolução Francesa. A
promessa de fundação de um Estado racional para a instituição da liberdade não veio à
realidade, se traiu numa nova forma de despotismo. Até o presente momento da
pesquisa, entendemos que o contexto política mostrou que este círculo não é um erro
lógico, mais uma realidade histórica indissolúvel. A imagem forjada por Schiller do
estado da cultura de seu tempo indica que estavam ausentes as condições subjetivas
“O círculo envolve a estética e a ética (ou política) nas Cartas foi desde logo assinalado por Fichte em
seu ensaio Über Geist und Buchstabe in der Philosophie. In einer Reihe Von Briefe (que, para preservar o
tom paródico-polêmico, poder-se-ia verte assim: O Espírito e a Letra na Filosofia. Numa série de Cartas)”
(SUZUKI, 1995, p. 148). Enquanto Schiller propõe a harmonia entre os impulsos, Fichte quer a unidade
através da hierarquização dos mesmos.
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necessárias para uma mudança estrutural no Estado e na cultura. A instituição de um
novo Estado através da força física, e, sobretudo, pela guilhotina, não deu conta de
trazer a lume as promessas da Revolução. Para a transformação política, seria necessário
um longo e trabalhoso processo de educação dos homens e formação da cultura;
segundo Schiller, um trabalho para mais de um século. “A degeneração da Revolução
em terror não só atestaria o relativo fracasso da Aufklärung como daria a verdadeira
dimensão da tarefa histórica a ser enfrentada: a formação do homem para a liberdade”
(BARBOSA, 2004, p. 23).
Schiller entendia como necessário um ponto de ligação entre a cultura teórica e a
prática. O estético atuaria como mediador, como ponto de transição. O que estava em
causa era a relevância prática da sua teoria. Colocar a prova da experiência as
contribuição da estética frente à política. Uma vez que o problema que Schiller indica
como causa do fracasso da Revolução fora a falta de caráter de seus criadores. Dirá
Schiller (2009, p. 77) nas Cartas a Augustenburg:
Basta que se diga que com a Terceira Crítica abre-se um espaço para a
circunstância do Belo, inteiramente autônomo e separado das esferas
do Verdadeiro e do Bom, determinados neles mesmos nas duas
Críticas anteriores. Numa palavra, doravante é pensável um acordo
“Kant vira no belo o símbolo da moralidade. Schiller vai um pouco mais longe e vê a beleza na
própria moralidade” (SANTOS, 2005, p. 3).
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intersubjetivo a respeito do Belo que dispensa qualquer referência ao
ou o amparo no solo da verdade racional ou da norma moral. (PRADO
JUNIOR, 2004, p. 90-91).
4. Referências bibliográficas
PRADO JUNIOR, Bento. Ética e Estética: uma Versão Neoliberal do Juízo do Gosto.
In: MIRANDA, Danilo Santos (org.). Ética e cultura. São Paulo: Perspectiva: SESC
São Paulo, 2004. P. 107-119.