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Inconsciente Coletivo
Vozes de nosso tempo

E agora, Gabeira?
Morris Kachani
14 Outubro 2018 | 18h00

Foto: Daniel Teixeira

Seja como guerrilheiro, exilado, militante dos direitos humanos, ambientalista,


deputado, jornalista ou escritor, Fernando Gabeira se dedica à vida política brasileira há
praticamente meio século.

Gabeira foi filiado ao PT até 2003, quando se deu um rompimento rumoroso com Lula e
seu séquito. Foi também colega de Jair Bolsonaro por 16 anos, na Câmara dos
Deputados.

Ele, autor do clássico “O que é isso, companheiro?”, que entre tantas revolucionou os
costumes com a icônica tanga de crochê rosa, no começo dos 80, e mais recentemente
recebeu um ‘abraço hetero’ de Bolsonaro, com o ex-capitão dizendo-se apaixonado, em
entrevista na GloboNews, há dois meses.

Gabeira construiu uma trajetória original e de respeito, e em suas palavras talvez


estejam algumas chaves para se entender o tempo de hoje.

“Eu acho que a sobrevivência da democracia não está ameaçada, mas a qualidade
dela, sim. A situação brasileira pode ser um pouco mais aproximada com a situação
dos Estados Unidos, onde a regressão autoritária acontece de uma certa maneira
contrabalanceada pelas instituições, pela justiça, mídia, parlamento”.

“As circunstâncias eleitorais que levam o Bolsonaro e essa vitória são circunstâncias
que não podem ser muito reduzidas à visão de que é só a direita que está chegando ao
governo. Existem não somente várias visões de direita, como muita gente que é
basicamente contra a corrupção.

Não significa que todo o eleitorado que vota no Bolsonaro pensa como ele. É muito
comum você ouvir: “eu voto no Bolsonaro apesar das coisas que ele pensa”. É um
raciocínio, um cálculo que as pessoas fizeram julgando muito com a presença do PT do
outro lado. E ele, muito sabiamente, explorou isso desde o princípio”.

“Não acho Bolsonaro preparado para ser presidente. Acho que ele vai ter que ser
preparado sendo presidente. O Bolsonaro é um deputado do baixo clero que
praticamente ignorou o debate parlamentar. Colocou que aquilo era o sistema e que ele
seria contra aquele sistema.

Trabalhei com ele na Câmara num contexto de concordâncias na questão da luta


contra a corrupção, e num contexto de divergências a respeito de gays, negros,
mulheres, toda essa temática”.

“Eu não posso tomar o Haddad como candidato. Na verdade, ele é a pessoa
determinada por um grupo que se recusa a fazer uma autocrítica de toda a
roubalheira que houve no país, e que está propondo à sociedade – de uma forma que
considero inadequada –, que ela dê um cheque em branco para voltarem e fazerem a
mesma coisa. Se você não faz uma autocrítica sobre aquilo tudo que aconteceu – e há
uma montanha de provas –, e se dispõe a ganhar de novo o governo, é porque você
quer continuar fazendo o mesmo”.

“Eu acho que vamos ter uma possibilidade – quem sabe num horizonte próximo –, de
todas aquelas pessoas que estavam separadas começarem a se unir um pouco em torno
de uma possibilidade de uma frente democrática que não seja essa caricatura que o PT
propôs.

Uma frente democrática com pessoas, sem partidos querendo hegemonia; sem essa
perspectiva eleitoral imediata. Uma frente democrática que pudesse temperar o
caminho, moderar o caminho. E as próximas eleições fariam seu ajuste”.

“A ditadura é algo fora do horizonte. As Forças Armadas vão manter uma relação de
autonomia em relação a Bolsonaro. Eu acho até que potencialmente, como elemento
moderador. Existe no pensamento militar uma visão mais moderada do que do
Bolsonaro. Ele é a versão mais popular, com uma série de impurezas que nem sempre
os militares consideram uma coisa sensata”.

“Collor veio num contexto ainda de uma eleição analógica. O Bolsonaro veio num
contexto de uma eleição digital. Ele tem muitos admiradores que o apoiam, e existe
também um corpo de militantes na internet que defendem suas posições. Algo que o
Collor não tinha. Ele não tinha ninguém. E o Bolsonaro tem, progressivamente, alguns
setores intelectuais que começam de alguma maneira a aparecer em sua defesa. Então,
ele tem, no meu entender, uma base mais enraizada que a do Collor”.

“Os elementos do programa do PT que se parecem com o projeto venezuelano foram


amplamente discutidos. Este programa surgiu de uma análise do impeachment
baseada na presunção de que o partido não procurou tomar o poder, mas apenas
vencer as eleições. Uma proposta de Assembleia Constituinte, controle social da mídia
e conselhos populares acaba parecendo com o que se passa na Venezuela. E finalmente
as entrevistas de José Dirceu sobre o tema, falando em controlar o Judiciário e tomar
realmente o poder. Tenho a impressão de que, se o PT vencer as eleições com esse
programa, a oposição teria que ser um pouco mais enérgica”.

“Quando esse tema cultural, racial e sexual entrou na campanha, de uma certa
maneira abriu um pouco a caixa de Pandora na sociedade, porque veio de cima pra
baixo. Agora é necessário tapá-la. Mas, vamos fazer o gênio voltar de novo pra
garrafa?

O ideal é começar a baixar o tom, porque grande parte da resistência, da animosidade


que o Bolsonaro tem com os movimentos minoritários – seja de gays, mulheres, negros
– é que ele os vê muito associados à esquerda e ao PT. Ele os vê como uma continuação
do PT.

Na verdade esse é um problema brasileiro. Esses movimentos ficaram muito


dependentes do poder do governo, às vezes até financeiramente. E se associaram com a
esquerda.
Naturalmente, existe uma visão religiosa, missionária, que tende a se transportar
para a política e deseja, de uma certa maneira, uniformizar o comportamento. Essa é a
visão conservadora mais clássica, inclusive de alguns setores evangélicos.

É importante que não haja nem grandes vitoriosos, nem grandes derrotados. Mas, que
se chegue a uma sociedade onde as pessoas compreendam que elas não são donas do
único modo bom de viver. Precisam ter uma tolerância”.

“O que torna as questões mais difíceis, em primeiro lugar é que o momento é de crise
econômica, de individualismo. A Europa está acossada por imigrantes, e lá surgiu um
movimento de defesa dos postos de trabalho, enfim, um movimento anti-imigrante. O
mesmo que mobilizou o Trump.

Portanto, podemos dizer que a crise que está acontecendo é resultado de uma situação
econômica muito difícil, na qual as pessoas querem se proteger, mais do que pensar na
solidariedade. Parece que nesse momento da História, as forças que dominam ou
caminham para o poder, são forças que visam mais a proteção dos seus lugares”.

Gostaria de saber sua interpretação desse momento que estamos vivendo.

Houve um vendaval. Eu não esperava esse vendaval. Eu achava que essa eleição ainda
poderia ter sido dominada pelos velhos nomes que detinham dinheiro. Mas eu estava
pensando em categorias antigas, de campanhas feitas com muito dinheiro, com tempo
de televisão e com farta distribuição de material.

O fato dessa ter sido a primeira campanha que se realizou basicamente no território
digital fez com que todas essas questões fossem subvertidas. E assim foi possível que a
resposta nas ruas a uma ideia de renovação fosse a mais ampla possível, independente
dos recursos verificados nas mãos dos partidos tradicionais.

Você acha que o recado que vem das urnas é esse, de renovação?

De uma tentativa de renovação. O recado básico que vem das urnas é uma condenação
do PT.

Está vencendo as eleições, e é muito improvável que haja uma mudança no quadro,
aquele que encarnou de uma forma mais contundente o antipetismo.
Você acha que a democracia está ameaçada?

Citando um estudioso da Fundação Getúlio Vargas, Matias Spektor, eu acho que a


sobrevivência da democracia não está ameaçada, mas a qualidade dela, sim.

E ameaçada não somente pelos fatores imediatos, que são as eleições no Brasil, mas por
um conjunto de fatores que ocorrem em escala mundial. Veja o peso que hoje têm as
fake news, por exemplo.

À medida que a democracia se amplia e se coloca basicamente nas redes, ela está sujeita
também a forças positivas e negativas.

Nós ganhamos qualidade com o fato de estarmos no mundo digital, mas perdemos com
o fato dos defeitos do país aparecerem com mais clareza nesse mundo. No passado nós
fazíamos campanhas nas quais éramos emissores para grandes receptores. Falávamos na
televisão para telespectadores; falávamos em comício para militantes reunidos e para o
povo.

Mas agora, com a internet, o modo de comunicação se transformou bastante; o modo de


se fazer política também se transformou bastante.

Li um artigo do Marcos Nobre que falava sobre uma ameaça – ainda que longínqua – de
“regressão autoritária à maneira da Turquia”.

Eu acho que a situação brasileira pode ser um pouco mais aproximada com a situação
dos Estados Unidos, onde a regressão autoritária acontece de uma certa maneira
contrabalanceada pelas instituições, pela justiça, mídia, parlamento.

O Donald Trump, nos Estados Unidos, evidentemente tem uma série de dificuldades
para aplicar toda sua política, porque as próprias instituições em movimento, e a própria
opinião pública que ainda se expressa pela internet e nos meios de comunicação
clássicos, conseguem impedir que ele faça alguma coisa a mais.

As circunstâncias eleitorais que levam o Bolsonaro e essa vitória são circunstâncias que
não podem ser muito reduzidas à visão de que é só a direita que está chegando ao
governo. Existem não somente várias visões de direita, como muita gente que é
basicamente contra a corrupção. Gostariam apenas de ter um governo mais decente.

Nós não sabemos ainda como será, mas eu creio que existem dois contrapontos
importantes como oposição democrática ao Jair Bolsonaro: as instituições e a mídia. São
contrapontos que podem, de alguma maneira, fazer com que as instituições funcionem.

Agora, a perda da qualidade da democracia é um tema que tem que ser discutido mais
amplamente. Nós estamos no Brasil ainda sem uma reforma política. Isso não foi uma
reforma política, como muitas pessoas acham. Foi apenas uma renovação, cujo conteúdo
ainda não conhecemos completamente. Precisamos ver qual é o viés dessa renovação.

Eu creio que é possível determinar alguns pontos que me parecem claros: houve uma
renovação ideológica no sentido de que muitos candidatos que defendem o liberalismo
econômico e são um pouco hesitantes no liberalismo dos costumes, na liberdade
individual mais ampla, saíram vitoriosos nessas eleições. Os deputados mais votados em
São Paulo nessa linha são jovens que defendem o liberalismo. Você vai para o Rio
Grande do Sul e é o mesmo tom.

Portanto, surge uma nova geração de deputados que defendem o liberalismo, o que não é
novo no Brasil, mas é uma nova geração. No período anterior, quem defendia o
liberalismo eram setores conservadores clássicos. Agora, essa geração de jovens liberais
vem de um processo conquistado na internet, e surge com a ideia de levar o liberalismo
de uma forma ideológica.

Temos agora que ver como esse liberalismo ideológico vai respeitar as amplas liberdades
individuais, ou até que ponto ele quer fazer um acordo com o conservadorismo nos
costumes. Essa combinação de conservadorismo e liberais tende a certas tensões no
futuro, quando determinados temas entrarem em debate.

É o caso do meio ambiente. Essa ideia de fundir o Ministério do Meio Ambiente com o
Ministério da Agricultura. Bolsonaro esquece que o meio ambiente são as grandes
metrópoles, a questão da redução das emissões, a defesa dos mares. Como um agricultor
que vai dirigir o Meio Ambiente e Agricultura vai ter a dimensão de todos esses
problemas?

Em alguns momentos sinto apreensão e tristeza – e não sou o único.

Pra mim é uma jornada muito difícil. De um lado, eu conheço bastante bem o
Bolsonaro, conheço o que ele representa. Atuei com ele dezesseis anos na Câmara dos
Deputados. Discordamos muito, sobretudo nessa questão de costumes. Por outro lado,
eu vejo o PT, que eu conheço também com todas suas características. Inclusive com um
programa rancoroso, que você sente que eles não estavam preparados para a vitória,
queriam mais era fazer um discurso de vingança.
O que acontece é que são situações muito indesejadas por mim. Mas é a realidade, e eu
tenho que trabalhar com ela. Uma realidade que, até certo ponto, eu gostaria de ter
evitado. Algumas advertências não foram ouvidas, algumas ideias foram recusadas e, ao
longo do tempo o campo chamado progressista cada vez se comprometeu mais com o
PT. Com o destino do PT, depois com o destino do Lula, depois com o Lula preso, com
soltar o Lula. E o Brasil foi ficando à mercê.

Você trabalhou dezesseis anos com o Jair Bolsonaro.

Isso. Num contexto de concordâncias na questão da luta contra a corrupção, e num


contexto de divergências a respeito de gays, negros, mulheres, toda essa temática.

A luta dele contra a corrupção é legítima?

Eu acho que ele me pareceu, durante esse período, um cara bastante voltado contra isso.

Agora, a luta dele contra a corrupção ganha uma dimensão maior quando se trata do PT.
Ele associa a corrupção ao PT, e é um pouco mais tolerante à corrupção em outras áreas
e outros partidos. O próprio partido dele que era o PP. Mas eu acho que ele fez isso como
uma estratégia de sobrevivência. Ele procurou centrar a luta dele contra a corrupção
somente dentro do quadro do PT.

Temos que ver até que ponto ele realmente é capaz de combater a corrupção em outras
áreas e outros partidos.

Você acha que ele é uma pessoa preparada para ser presidente?

Não, não acho. Acho que ele vai ter que ser preparado sendo presidente. Não há outro
caminho mais, porque essa reflexão sobre ser ou não preparado tem um peso durante a
campanha, mas tem outro peso depois que o cara praticamente já venceu.

Agora ele vai ter que se preparar. Pelo que eu leio nos jornais, está tentando criar uma
equipe. Ele vai encontrar um país num momento muito difícil, um Congresso
fragmentado, a crise econômica tal como está. E vai ter que responder algumas
propostas que não são de fácil resposta, como a questão da segurança pública, por
exemplo.

Ele foi um bom deputado?

Durante uma fase muito grande do trabalho dele, ele era um deputado basicamente
Durante uma fase muito grande do trabalho dele, ele era um deputado basicamente
voltado para um sindicalismo ligado a setores militares, às viúvas de militares,
aposentadoria de militares. Ele era muito voltado para o voto militar. Num determinado
momento, ele começou a se destacar também na questão de combate aos direitos
humanos, tal como era defendido pelo PT; e combate também ao que ele via como um
crescimento do movimento gay.

Ele percebeu que com isso podia dar um passo. Já na última eleição, ele foi o deputado
mais votado do Estado do Rio, com 374 mil votos. Ele já tinha saído da condição de líder
sindical entre militares e passado para uma condição de um líder conservador.
Preocupado com o movimento gay, com os direitos humanos, tal como estavam sendo
interpretados.

E ele, muito sabiamente, procurou se fixar em adversários. Então ele procurou polarizar
com a Maria do Rosário no tema direitos humanos, e polarizar com o Jean Wyllys no
tema movimento gay.

Através dessa polarização, conseguiu ampliar muito o raio de influência. E ele fala uma
série de frases provocativas que sabe que terão boa repercussão entre seus potenciais
eleitores. A imprensa cai na armadilha e destaca apenas o lado mais contundente do que
ele fala. Aí, no dia seguinte, ele diz apenas: “tiraram do contexto o que eu disse”.

Quando ele sentiu que por esse caminho ele crescia, passou a percorrer o Brasil já
querendo se tornar presidente. Nesse percurso, ele enfatizava principalmente dois
temas: um era a questão da segurança pública – que é um tema basicamente nacional. E
o outro era a questão da corrupção.

Começou a ser recebido cada vez mais por multidões, porque o processo foi muito
alimentado pela internet. Desde o princípio, ele é um candidato que se fez pela internet.
A imagem dele nos meios de comunicação era sempre muito ambígua, até um pouco
negativa.

E essa ligação dele com os militares? Como você enxerga os militares hoje no Brasil?
Tem alguma coisa a ver com o que foi?

A julgar pelo que disse o Ministro da Marinha, os militares afirmam o seguinte: pode
haver um ou outro candidato mais identificado com as Forças Armadas, mas as Forças
Armadas não têm candidato. Elas vão se manter no ponto que têm que estar.

Inicialmente ele vai se escorar em alguns ministros militares, mas as Forças Armadas
vão manter uma relação de autonomia em relação a ele. Eu acho até que potencialmente,
como elemento moderador.

Existe no pensamento militar uma visão mais moderada do que do Bolsonaro. Ele é a
versão mais popular, com uma série de impurezas que nem sempre os militares
consideram uma coisa sensata.

A ditadura é algo fora do nosso horizonte?

Eu acho que sim. Acho que a força da democracia no Brasil é muito grande. Como eu
disse, a ditadura seria a morte da democracia, e eu temo apenas pela perda da
qualidade. Possivelmente, perderemos a qualidade em alguns pontos.

Eu creio que, apesar de tudo, existe uma certa vitalidade democrática na sociedade
brasileira. E essa vitalidade democrática associada às instituições e aos setores da mídia
mais críticos e independentes, fazem uma base para que você evite qualquer coisa ruim e
tente ver como é possível melhorar a qualidade da democracia.

Uma das coisas que melhoraria a qualidade da democracia é se houvesse uma reforma
política. As eleições reduziram o número de partidos, mas no parlamento esse número
aumentou. O parlamento ainda é um lugar difícil de se dialogar, por causa do
fracionamento, por causa da pulverização. Isso é um fator que temos que examinar
também.

Você acha que as liberdades individuais estão ameaçadas?

Essa questão é um pouco difícil de definir agora. Em termos de declarações, já houve um


compromisso de que a liberdade de imprensa não será tocada. As outras liberdades
individuais ficam por conta, não só da defesa que farão dela os opositores do Bolsonaro,
como seus próprios eleitores, que não são necessariamente conservadores, mas também
liberais que votaram porque queriam um esquema liberal na economia.

Você enxerga ecos de Collor nessa história toda?

Eu acho mais difícil. O Collor veio no auge de uma decadência do governo Sarney, e com
uma palavra de ordem de combate à corrupção. Isso foi muito bem recebido no país.

E o Collor veio num contexto ainda de uma eleição analógica. O Bolsonaro veio num
contexto de uma eleição digital. Ele tem muitos admiradores que o apoiam, e existe
também um corpo de militantes na internet que defendem suas posições. Algo que o
Collor não tinha. Ele não tinha ninguém. E o Bolsonaro tem, progressivamente, alguns
setores intelectuais que começam de alguma maneira a aparecer em sua defesa. Então,
ele tem, no meu entender, uma base mais enraizada que a do Collor.

Você já sabe mais claramente em quem vai votar ou em que não vai votar?

Já afirmei em meus artigos que serei oposição a qualquer um dos dois.

Seria o mesmo nível de oposição para os dois lados?

Eu igualei os níveis quando falei no tema, porque eu estava considerando uma variável
que é comum aos dois: a crise econômica brasileira. O perigo de nós entrarmos numa
crise maior ainda.

Qualquer tipo de oposição que se faça num contexto desses tem que ser mais cuidadosa.

Eu faria também uma oposição cuidadosa ao PT, porque eu ia querer que as coisas não
degringolassem e a democracia fosse pro espaço. Da mesma maneira farei uma oposição
cuidadosa ao Bolsonaro, por causa dos mesmos motivos.

Agora, evidentemente que em termos pessoais, o tratamento que o PT daria a mim é


diferente do que o tratamento que o Bolsonaro dará. Porque, ao longo desses anos,
Bolsonaro e eu estivemos numa mesma trincheira contra a corrupção, e denunciando,
cada um com seus argumentos e suas personalidades, aquilo que achava que estava
errado no governo do PT.

Mas o PT voltou com um programa de características muito vingativas na sua


formulação, inclusive o controle da mídia, a possibilidade de uma Assembleia
Constituinte. Enfim, alguns elementos que parecem um pouco com o que aconteceu na
Venezuela.

Tenho a impressão de que, se o PT vencer as eleições com esse programa, a oposição


teria que ser um pouco mais enérgica.

Você fala em “venezuelização”. Não seria um exagero?

Os elementos do programa do PT que se parecem com o projeto venezuelano foram


amplamente discutidos. Este programa surgiu de uma análise do impeachment baseada
na presunção de que o partido não procurou tomar o poder, mas apenas vencer as
eleições. Uma proposta de Assembleia Constituinte, controle social da mídia e conselhos
populares acaba parecendo com o que se passa na Venezuela. E finalmente as entrevistas
de José Dirceu sobre o tema, falando em controlar o Judiciário e tomar realmente o
poder.

O Haddad, pessoalmente, é um cara que tem mais a ver com você do que o Bolsonaro.
Ou não?

Muito mais, não há dúvida. O problema é que o Haddad é apenas uma pessoa que
colocaram ali. Eu não posso tomar o Haddad como candidato. Na verdade, ele é a pessoa
determinada por um grupo que se recusa a fazer uma autocrítica de toda a roubalheira
que houve no país, e que está propondo à sociedade – de uma forma que considerado
inadequada –, que ela dê um cheque em branco para voltarem e fazerem a mesma coisa.
Se você não faz uma autocrítica sobre aquilo tudo que aconteceu – e há uma
montanha de provas –, e se dispõe a ganhar de novo o governo, é porque você quer
continuar fazendo o mesmo.

O próprio Haddad pode possivelmente ter consciência de que houve erros. Mas ele não
tem autonomia nem coragem pra dizer que houve.

Se o apoio fosse para o Ciro teria sido outra história, talvez.

Por que a esquerda não marchou com o Ciro? Por que ela marchou dividida? Esta é uma
das características históricas que provocam a derrota.

Por que ela não se afastou do PT, e não foi feito um grupo com o PT apoiando? Por que
insistiu em ligar o destino dela ao Lula, e ligando o destino dela ao Lula, evidentemente
não venceu e não deixou o outro ser competitivo?

Eu não sei se essa alternativa sairia vitoriosa. Possivelmente, ela seria também varrida
pela onda.

E o PSDB ficou no meio do caminho.

Se você observar os resultados agora, verá que o PSDB não pôde se comportar como o
verdadeiro adversário do PT e da corrupção, porque tinha um flanco muito vulnerável. O
próprio Alckmin estava sob investigação. Houve o caso do Aécio. O PSDB foi confundido
com o velho sistema de corrupção.

Houve um erro tático. Eles acharam que primeiro precisavam derrotar o Bolsonaro pra
depois enfrentar o PT. Então usaram um período grande na luta contra o Bolsonaro, que
ficou muito só como aquela pessoa que era genuinamente anti-PT.

E a Marina?

Ela não conseguiu convencer muito. Primeiro porque ela teve dificuldades de
acompanhar o cenário político e até ambiental do Brasil. Ela deu a impressão de que
desaparece e aparece de quatro em quatro anos. Além do mais, o partido dela já veio
mais enfraquecido, sem grandes condições.

Eu acho que não era o momento da Marina.

No dia que foi anunciado que ela teve menos votos que o Daciolo, na Suécia, a academia
do Nobel estava dando o prêmio a dois economistas que defendiam a tese do
desenvolvimento sustentável. Esse tema, que é um tema mundialmente importante, não
tinha aqui no Brasil, nessa conjuntura, a mesma importância no coração e na cabeça dos
eleitores.

Essa escalada de violência nas eleições é assustadora.

Sem dúvida. Eu descrevo no meu trabalho parlamentar que o Bolsonaro dizia muitas
bobagens. Que o problema era achar um nível de debate que não fosse baixo. Porque eu
acho que o debate no parlamento contribui muito para abrir a caixa de Pandora da
sociedade.

Quando esse tema cultural, racial e sexual entrou na campanha, de uma certa maneira
abriu um pouco a caixa de Pandora na sociedade, porque veio de cima pra baixo. Agora é
necessário tapá-la. Mas, vamos fazer o gênio voltar de novo pra garrafa?

O ideal é começar a baixar o tom, porque grande parte da resistência, da animosidade


que o Bolsonaro tem com os movimentos minoritários – seja de gays, mulheres, negros
– é que ele os vê muito associados à esquerda e ao PT. Ele os vê como uma continuação
do PT.

Na verdade esse é um problema brasileiro. Esses movimentos ficaram muito


dependentes do poder do governo, às vezes até financeiramente. E se associaram com a
esquerda.

Naturalmente, existe uma visão religiosa, missionária, que tende a se transportar para a
política e deseja, de uma certa maneira, uniformizar o comportamento. Essa é a visão
conservadora mais clássica, inclusive de alguns setores evangélicos.
É importante que não haja nem grandes vitoriosos, nem grandes derrotados. Mas, que se
chegue a uma sociedade onde as pessoas compreendam que elas não são donas do único
modo bom de viver. Precisam ter tolerância.

Até as relações pessoais estão um pouco esgarçadas.

Eu acho que o que esgarça muito as relações – e o próprio debate político – é uma
perspectiva missionária. Uma suposição de que você tem a forma de vida que é válida
pra todos.

Você enxerga luz no fim do túnel?

Estou enxergando alguma. Mas é muito cedo pra ver se é a luz mesmo, ou se é algum
trem que vem na outra direção. Ainda preciso de um tempo.

O povo brasileiro escolheu até o momento – e não creio que haja uma reviravolta – um
novo presidente. Ele tem legitimidade, uma equipe de governo, uma filosofia. Em todo
princípio você tem que esperar um pouco pra ver se realmente é uma luz ou se vem um
trem na direção oposta.

Existe uma crise ética por trás disso tudo.

É difícil você dizer que existe uma crise ética, porque na verdade a questão ética teve um
grande papel nas eleições. A população teve uma oposição, digamos assim, de punir
muitos dos candidatos que tiveram desvios éticos. Muita gente foi afastada do Congresso
porque estava envolvida com a Lava Jato. Esse dado já mostra uma preocupação ética.

Agora, o que torna as questões mais difíceis, em primeiro lugar é que o momento é de
crise econômica, de individualismo. A Europa está acossada por imigrantes, e lá surgiu
um movimento de defesa dos postos de trabalho, enfim, um movimento anti-imigrante.
O mesmo que mobilizou o Trump.

Portanto, podemos dizer que a crise que está acontecendo é resultado de uma situação
econômica muito difícil, na qual as pessoas querem se proteger, mais do que pensar na
solidariedade. Parece que nesse momento da história, as forças que dominam ou
caminham para o poder, são forças que visam mais a proteção dos seus lugares.

Por que você largou a política?


A política partidária e a representação no Congresso foi muito estéril nos últimos anos.
Houve uma resistência tal dos setores mais comprometidos com a corrupção, que eles
dificultavam muito o trabalho no Congresso.

E eu senti em um certo período, sobretudo o período final, que eu – apesar de estar no


Congresso –, não estava realizando aquilo que eu precisava realizar. Eu me sentia em
dívida com as pessoas. Então resolvi que não era possível, naquele contexto, fazer
alguma coisa.

Por duas vezes fui candidato nas eleições majoritárias, nas quais, evidentemente eu sabia
que não tinha o perfil de um cara que ia vencer. Mas quase venci uma no Rio de Janeiro.

Acredito que posso fazer um pouco mais fora do parlamento.

Eu gosto do meu trabalho tal como ele está agora. Gosto muito de ver o dia nascer e o dia
morrer. E na Câmara dos Deputados, no Congresso, você não vê isso, entende? Você não
vê a passagem do tempo. Chega um momento da sua vida que você quer aproveitar um
pouco mais.

Então você acha que ainda dá pra ter esperança?

Eu acho que nós temos que, primeiro admitir que a realidade é essa, e tentar dentro
dessa realidade redimensionar os sonhos, as perspectivas.

O problema que se coloca agora é garantir que a democracia tenha seu curso, e que os
vencedores coloquem em ação suas propostas, e ao longo do caminho a gente vai vendo.

Acho que começou uma nova fase. Não posso afirmar claramente se é melhor ou pior do
que a outra, mas eu posso dizer que é uma nova fase que o povo brasileiro escolheu.
Temos que trabalhar com essa realidade.

Tenho esse blog há um ano e meio e a única entrevista que fiz e não publiquei, porque
ficou muito ruim, foi com o Major Olímpio, eleito senador.

Ele é de um nível muito baixo.

Eu fico achando que o Bolsonaro é isso: baixo clero.

Todos são baixo clero. O Bolsonaro é um deputado do baixo clero que seguiu essa
trajetória. Ele praticamente ignorou o debate parlamentar. Colocou que aquilo era o
sistema e que ele seria contra aquele sistema, que a mídia também fazia parte do
sistema, e que ele teria que lutar contra tudo isso através dos instrumentos possíveis pra
ele, que eram a internet.

Ele ter mais votos nas classes média e alta – as mais instruídas, supostamente – não é
esquisito?

É esquisito. Mas a classe instruída, e a maioria das pessoas, se colocou nesse dilema
entre a volta do PT e uma pessoa nova. O que não significa que todo o eleitorado que
vota no Bolsonaro pensa como ele. É muito comum você ouvir: “eu voto no Bolsonaro
apesar das coisas que ele pensa”. É um raciocínio, um cálculo que as pessoas fizeram
julgando muito com a presença do PT do outro lado. E ele, muito sabiamente, explorou
isso desde o princípio.

No final das contas, é muito ruim, mas não é o fim do mundo. É isso que você acha?

Eu espero que não seja. Eu farei de tudo para que não seja.

Eu acho que vamos ter uma possibilidade – quem sabe num horizonte próximo – , de
todas aquelas pessoas que estavam separadas começarem a se unir um pouco em torno
de uma possibilidade de uma frente democrática que não seja essa caricatura que o PT
propôs.

Uma frente democrática com pessoas, sem partidos querendo hegemonia; sem essa
perspectiva eleitoral imediata. Uma frente democrática que pudesse temperar o
caminho, moderar o caminho. E as próximas eleições fariam seu ajuste.

Quando Bolsonaro, ou alguns de seus partidários, falam sobre a ditadura militar em


tom saudosista, ou minimizando seus excessos, como isso repercute para você?

Representa ainda ressentimento sobre um período encerrado. De um modo geral, eles


reclamam da Comissão da Verdade e reclamam também das versões sobre o período
militar. Acham parcial. Creio, ou pelo menos espero, que todos saibam que as condições
de 64 são diferentes das atuais. Concordo com a ideia de um amplo levantamento do
período. Mas isso só seria possível com a entrega dos documentos militares do período.
No momento, não querem.
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