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Paixao

n • ~

a coerência intelectual do
evangelicalismo

Alister McGrath
é r
SHEDD
P U B L I C A Ç Õ E S
1

A SINGULARIDADE DE JESUS CRISTO

O cristianismo é singular entre todas as religiões do m undo. A razão de sua


sin gularidade é a figura histórica que se constitui no seu centro — Jesus Cristo.31
Com o Stephen Neill, um estudioso com vasta experiência e conhecim ento de
prim eira m ão sobre as religiões da ín d ia e África, com entou certa vez: “a figura
histórica de Jesus de Nazaré é o critério pelo qual toda a afirmação cristã tem
de ser julgada, e à luz da qual ela se sustenta ou cai”.32 Para alguns, qualquer
pretensão de singularidade é elitista e arrogante. O utros, no entanto, não vêem
incoerência, arrogância ou dificuldade no fato de um a religião, quer seja o
cristianismo ou o budism o, reivindicar ser diferente. Aloysius Peris comenta:
“Jesus é singular; é óbvio até para budistas”.33 A questão central e decisiva, de
que o cristianismo sempre foi obrigado a tratar, é a natureza dessa singularidade,
e a m aneira pela qual deve ser justificada e articulada. C om o veremos, o evan ­
gelicalismo é enfático em afirm ar não m eram ente a singularidade de Cris­
to, como tam bém a sua natureza definitiva-, no entanto, a afirmação daquela é
o prim eiro passo im portante na defesa desta última.
O evangelicalismo nunca sentiu nenhum constrangim ento em defender
ou proclam ar a singularidade de Jesus C risto.34 Alguns, no entanto, têm recla­
m ado do “escândalo da particularidade”, argum entando em bases morais que
um conhecim ento decisivo e definitivo de D eus precisa estar disponível u ni­
versalmente no espaço e no tem po. Em particular, escritores simpáticos ao Ilu-
minismo têm promovido o caso em favor de um a religião baseada em normas
qu recursos universalmente válidos e acessíveis, tais como “razão”, “experiência”
ou “cultura”. Com o nós demonstraremos (ver p. 137-148), as estratégias adota­
das pelo Ilum inism o e seus satélites epistemológicos têm seu foco na necessidade
de estabelecer um fundam ento universalm ente válido e aceitável para qualquer
sistem a-de-crença.35 C o n tudo, n u m exame crítico, os fundam entos — tais
com o “razão”, “cultura”, “experiência” ou “religião” — que eles propõem como
universais acabam se m ostrando fortem ente etnocêntricos e particulares. À
m edida que o ceticismo com respeito à validade desta abordagem “fundacio-
nalista” ganha terreno,36 há um reconhecim ento crescente da im portância de
retornar às particularidades da visão cristã de m undo. O levantam ento do
m ovim ento que agora é conhecido com o “pós-liberalismo” (ver p. 111-114) é
um dos mais óbvios indicadores deste colapso de confiança em um apelo à
“grande teoria” ou “fundam entos universais”.
O evangelicalismo tornou-se um beneficiário expressivo da onda anti-fim -
dacionalista que sopra hoje pela filosofia e teologia estado-unidenses. Sua
posição cristológica tradicional, que foi objeto de desprezo no passado por
causa de sua natureza intransigente, é vista agora como valiosa. N o entanto,
esse particularism o evangélico cristológico não é resultado de um a estratégia
que o tornasse aceitável no novo m undo teológico pós-liberal. E sim plesm ente
um elem ento integral da herança do evangelicalismo, que os evangélicos sem­
pre viram com o essencial e apropriado. Agora outros estão com eçando a sen­
tir-se assim.
H á m uito tem po o evangelicalismo é com prom issado com a noção de
um a revelação particular que tem validade universal. N ao buscou basear a reve­
lação cristã em nenhum a entidade mais fundam ental — quer fosse “razão” ou
“experiência” — mas tem m antido sua justificativa final no próprio Deus.
E nquanto alguns escritores têm, por razões que em últim a análise são apologéti-
cas, buscado enfatizar a continuidade entre revelação cristã e razão hum ana,37
a autoridade m áxim a perm anece na auto-revelação de Deus. E nquanto a justi­
ficativa do conteúdo dessa revelação pode ser feita em term os de apelo à razão,
por exemplo, outros apelos são sempre secundários e confirmatórios, em vez
de prim ários e fundam entais. Perm itir esses seria aceitar que a razão é mais
fundam ental do que a revelação; para o evangélico, nada há mais fundam ental
do que Deus. Ao afirmar a particularidade da revelação cristã desse m odo, o
evangelicalismo é agora visto por ter evitado o impasse epistemológico do fun-
dacionalismo, enquanto m antém a noção criticamente im portante de um uni­
versalmente válido conhecim ento de Deus. A particularidade do evangelho
cristão, e suprem am ente da pessoa de Jesus Cristo com o salvador e Senhor,
não se conflita de m odo algum com seu escopo universal. Realmente, a paixão
evangélica pela verdade é expressa em parte no seu foco sobre a pessoa de
Cristo, em que Jesus Cristo é a verdade.38
Neste capítulo inicial, exploraremos o entendim ento evangélico do lugar
de Jesus C risto em relação à fé cristã.
A autoridade de Je s u s Cristo
Para o evangelicalismo, Jesus Cristo é de im portância constitutiva e defini­
tiva para o cristianismo; retém autoridade intrínseca fundam entada e enfoca­
da nele mesmo e em sua obra. Sua autoridade não está baseada em considerações
externas; fosse esse o caso, essas considerações seriam elas mesmas fundam en­
tais, em que a autoridade de Cristo seria dependente da sua autoridade. N o
caso do Novo Testam ento, a autoridade m áxim a legitim adora para Jesus Cris­
to é o próprio Deus, vindicando e exaltando Jesus pela ressurreição e, com
isso, retrospectivamente validando seu m inistério.39
A teologia cristã sempre foi vulnerável à tentação de basear a autoridade
de Cristo em term os de princípios ou considerações externas. Talvez a instân­
cia mais celebrada seja a atitude de Im m anuel K ant à autoridade de Cristo,
vista de m aneira mais clara no Grundlegung zu r Metaphysik der Sitten (1785),
em que a razão m oral hum ana é identificada com o o critério pelo qual se deve
julgar Cristo. A autoridade de Cristo é vista claram ente com o secundária, de­
rivando da autoridade anterior da m oralidade e razão hum anas. O filósofo e
rom ancista íris M urdoch assim caracteriza essa tendência:

Com o se reconhece, como nos é familiar, o hom em tão lindamente re­


tratado no Grundlegung, confrontado até com Cristo, se volta para con­
siderar o juízo da própria consciência e ouvir a voz da própria razão.
Despojado do exíguo pano de fundo metafísico que Kant preparou para
permiti-lo, este hom em ainda está conosco, livre, independente, solitário,
poderoso, racional, responsável, bravo, o herói de tantas novelas e livros
de filosofia moral.40

Sem elhantem ente, nos escritos cristológicos do racionalista alemão do século


XVIII, G. E. Lessing, encontram os um a ênfase consistente sobre a autoridade
prim ária da razão, que leva a ser dada a Cristo um a autoridade parcial e se­
cundária, a ponto de ele endossar o que a razão recom enda.41 A autoridade de
C risto reside em seu ensino. Esse ensino, porém , é avaliado à luz dos princí­
pios racionais gerais: a autoridade desse ensino não é inerente, mas deriva de
sua correlação com princípios morais já existentes. Q ualquer autoridade que
ele possua é derivativa, em vez de ser inerente.42
Sugerir que um indivíduo é obrigado a receber o ensino de Jesus por causa
de quem é Jesus, ou do seu status, é equivalente a um a afirmação de heterono­
m ia intelectual, o que é totalm ente inaceitável dentro de um a visão de m undo
do Ilum inism o. C om o já notou Ben F. Meyer, um estudioso do Novo Testa­
m ento, “a herança da crença cristã afirma como indispensável o que a herança
da cultura m oderna exclui com o impossível”.43 Afirmações cristológicas p rin ­ atrás e ao lonrc
cipais são vistas agora com o fortem ente contraculturais, sendo, conseqüente­ rosto protestm
m ente, fonte de algum embaraço para quem tem o comprom isso pessoal de nack, atribuir a
harm onizar o cristianismo com a cultura m oderna e, assim, argum entar que a autoridade. A t
cristologia deve ser reduzida ao nível m ínim o aceitável à cultura ocidental. vantam ento z.i
Para esses escritores culturalmente escravizados, Jesus não possui autoridade
por estabelecer valores religiosos ou morais, mas reflete o que a m odernidade Cada é r : r-
endossa como valores religiosos ou morais aceitáveis. A razão hum ana é em si este foi. r i
autoritária: Jesus possuí um a autoridade derivativa, até o ponto em que suas não foi í ;
palavras e atos são percebidos por refletirem padrões hum anos universais de o criou r :
racionalidade. O indivíduo racional autônom o é o critério para a validade do revele t r r : ;
Jesus.’
ensino de Jesus. Nisso, Lessing reflete a atitude para com a história que é particu­
larm ente associada com as filosofias do Ilum inismo francês,44 que logo se torna­
Inerente a c r ;
riam tam bém a m oeda corrente do Ilum inism o alemão (usualmente conhecido
narcisismo — <
como o Aufklãrung)-. a história é um veículo conveniente para a ilustração de
conseqüência :
verdades não-históricas, cuja validade é independente dos meios de sua divul­
Nietzsche. c : rn
gação histórica, enquanto totalm ente dependente de sua conform idade com a
im por sobre e.e
faculdade hum ana da razao.
impressão Cc
O m esm o m odelo pode ser claram ente visto a partir do Ilum inism o. A
ele um a facrrc.
atribuição de autoridade a Jesus é geralmente nada mais que um a projeção
severamente r r
relutante da autoridade de um indivíduo autônom o do passado. E m uito difícil
impositivas - r;
ler os escritos, por exemplo, do notável teólogo liberal protestante alemão
O evanrc...
A dolf von H arnack (1851-1930) sem ter a im pressão de que o Jesus que ele vê
Cristo, e inír:-;
com o im portante é, em últim a análise, um a construção de sua formação, repre­
quanto possr r.
sentando um a objetificação de seus valores e sentim entos. A abordagem de
plexo e che:: J
H arnack não tem a crueza da que foi adotada por T hom as Jefferson. C om um
m ente co n trrc_
ê
ponto de vista altam ente moralista, Jefferson peneirou pelos Evangelhos, fil­
o direito que
trando os aspectos do ensino e m inistério de Cristo que ele julgou inaceitáveis,
samente, o e-. rr.
enquanto destacava aspectos do ensino de C risto que ele considerava ser “o
berania de C :.- ::
mais sublim e e benevolente código de m oralidades oferecido ao hom em em
um a das carr;:r.
todos os tem pos”.45 H arnack pode ter sido mais sutil em sua aplicação; contu­
de dominar.
do, ele se utilizou da m esm a m etodologia. Igualm ente para Jefferson e H a r­
nack, os pontos de vista anteriores do investigador determ inam o resultado da M oderrdsm i
investigação.
C om base em sua investigação, H arnack sugeriu que a afirmação cris- O termc r
tológica irredutível era que Jesus foi o “espelho do coração paternal de D eus”. estado de espir.r
Mas o crítico de H arnack, George Tyrrell (1861-1909) objetou fam osamente mais para o c_: ~
que o único reflexo a ser visto naquele espelho não era “o do coração paternal de seu desejo de c : r:
Deus” e sim um rosto protestante liberal: “O Cristo que H arnack vê, olhando “vontade de p : c
27

atrás e ao longo de dezenove séculos de escuridade católica, é só o reflexo de um


rosto protestante liberal, visto no fundo de um poço profundo”.46 Para H ar-
nack, atribuir autoridade a este Jesus é m eram ente um a afirmação indireta de sua
autoridade. Albert Schweitzer com entou, antecipando os resultados de seu le­
vantam ento gigantesco de tentativas de escrever um a “vida de Jesus”:

Cada época sucessiva da teologia encontrou seus pensamentos em Jesus;


este foi, na realidade, o único modo com que ela podia fazê-lo viver. Mas
não foi só cada época que encontrou seu reflexo em Jesus; cada indivíduo
o criou de acordo com seu caráter. Não há nenhum a tarefa histórica que
revele tanto o verdadeiro “eu” do hom em como a de escrever uma Vida de
Jesus.47

Inerente a esta abordagem à autoridade de Jesus Cristo está um a form a de


narcisismo — o desejo de cultuar a imagem própria,48 provavelmente como
conseqüência do im pulso fundam entalm ente m odernista, caracterizado por
Nietzsche, como a “vontade para o poder”, desejo de controlar o m undo e
im por sobre ele a vontade própria. A teologia não-evangélica m uitas vezes dá a
impressão de estar determ inada a exercer o controle de Cristo, im pondo sobre
ele um a fachada aceitável, ou colocando regras de engajam ento que truncam
severamente a sua autoridade por causa de um conjunto anterior de hipóteses
impositivas e normativas, derivadas diretam ente da cultura m oderna.
O evangelicalismo argum enta que a autoridade é inerente na pessoa de
Cristo, e insiste em declarar que é de im portância precípua perm anecer tão fiel
quanto possível ao retrato neotestam entário de Cristo, não im porta quão com ­
plexo e cheio de nuanças isso possa provar ser.49 O evangelicalismo é forte­
m ente contracultural a esta altura; em um contexto cultural ocidental no qual
o direito que o indivíduo tem de criar os próprios m undos é afirmado vigoro­
samente, o evangelicalismo declara ser um m ovim ento sob a autoridade e so­
berania de Cristo. Para entender a im portância deste ponto, precisamos explorar
um a das características principais da visão de m undo m odernista — o direito
de dominar.

M odernism o e dom ínio


O term o “m odernism o” é geralm ente entendido com o se referindo ao
estado de espírito que com eçou a emergir, especialmente dentro da literatura,
mais para o com eço do século XX. U m tem a fundam ental do m odernism o é
seu desejo de controlar, talvez visto em seu estado mais claro no tem a nietzscheano
“vontade de poder”. A hum anidade só precisa ter o querer para alcançar auto-
definição autônom a: não precisa aceitar o que lhe tem sido dado, quer na na­
tureza ou na tradição. Em princípio, tudo pode ser dom inado e controlado. A
rejeição da tradição é um elemento integral dessa dem anda para o dom ínio, e
para alcançar emancipação de qualquer form a de servidão intelectual ou social.
Em parte, a ênfase particular colocada pelo m odernism o sobre a autonom ia da
razão hum ana foi um desejo de libertar o pensam ento do que foi visto como
opressão do passado. As idéias de “autoridade” e “tradição” foram vistas como
equivalentes a um passado m orto que prendia em cadeias o presente. Com o
Jeffrey Stout comenta, “o pensam ento m oderno nasceu num a crise de autori­
dade, tom ou form a no fugir da autoridade, e desde o começo anelou por auto­
nom ia de toda influência tradicional que houvesse”.50 A razão hum ana foi vista
como detentora da chave para a emancipação dos sistemas políticos e sociais
desacreditados do passado. Esse desejo por liberação foi muitas vezes ligado à
figura m ítica de Prometheus, que chegou a ser visto como um símbolo de liber­
tação na literatura européia.51 Prom etheus estava agora solto, e a hum anidade
equilibrada para entrar em um a nova era de autonom ia e progresso.
U m tem a relacionado pode ser visto emergir nos escritos de Feuerbach e
Marx: a deificação da hum anidade. Para Feuerbach, a noção de “D eus” surge
po r m eio de um erro na análise hum ana da experiência, pelo qual a experiên­
cia de si m esm o é mal interpretada com o experiência de Deus.

Religião é a feição mais antiga e verdadeiramente indireta da autoconsciência


humana. Por esta razão, religião precede a filosofia na história da humanidade
em geral, bem como na história dos seres humanos, de forma individual.
Inicialmente, as pessoas localizavam de maneira errada a sua natureza essen­
cial, como se esta estivesse fora deles próprios, antes de finalmente reco­
nhecer que, na verdade, está dentro deles. [...] O progresso histórico da
religião consiste, pois, nisto: que o que uma religião anterior tomou como
objetivo é mais tarde reconhecido ser subjetivo; o que antes era tomado
como Deus, e adorado como tal, nao é reconhecido como algo humano. O
que era religião anteriormente é mais tarde tomado como idolatria: hu­
manos são vistos tendo adorado a própria natureza. Humanos objetifica-
ram a si mesmos, mas lhes faltou reconhecer que eles próprios eram este
objeto.52

N o fim, é a própria hum anidade que é “D eus”, não algum a realidade objetiva
externa. N o desenvolvimento marxista do tem a de Feuerbach, as origens da
experiência religiosa interpretada com o “D eus” se acham na alienação socio-
econôm ica.53 E desta form a que M arx com enta sobre a abordagem feuerba-
chiana à alienação:
29

Feuerbach começa pelo fato da auto-alienação religiosa, a replicação do


m undo em formas religiosas e seculares. O que ele fez, portanto, consistiu
em decompor o m undo religioso em seu fundam ento secular. [...] Feuer­
bach deixa de ver que o “sentimento religioso” é em si mesmo um produ­
to social, e o indivíduo abstrato que ele está analisando pertence a uma
forma particular da sociedade. [...] Os filósofos só interpretaram o m undo
em modos diferentes; o ponto é mudá-lo.54

M udando-se o m undo, a experiência hum ana conceituada com o “D eus” será


removida. Transformação socioeconômica, pois, perm ite o dom ínio da religião,
que será eliminada juntam ente com suas causas. O dom ínio da religião se acha
dentro do alcance da hum anidade, perm itindo que o sonho de Prom etheus
seja realizado por atividade revolucionária.
O m esm o tem a — “dom ínio” — é associado ao surgim ento da tecnologia
no período m oderno. Em análise notavelm ente inteligente do papel social da
tecnologia, escrita em 1923, o teólogo e filósofo R om ano G uardini (1885-
1968) argum enta que o elo fundam ental entre a natureza e a cultura fora cortado
como resultado do surgimento da “m áquina”. N o passado, a hum anidade esteve
preparada para ver a natureza como expressão de um a vontade, inteligência e
projeto que não são “de nossa criação”.55 C ontudo, o surgim ento da tecnologia
abrira a possibilidade de mudar a natureza, de fazê-la tornar-se algo que não se
intencionava que fosse. A tecnologia oferece à hum anidade a capacidade de
im por sua autoridade sobre a natureza, redirecionando-a para os próprios fins.
O nde antes a hum anidade estava preparada para contem plar a natureza, seu
desejo agora “é conseguir poder que gere força para atuar sobre coisas, um a lei
que pode ser form ulada racionalm ente. A qui tem os a base e o caráter de seu
dom ínio: coerção arbitrária vazia de todo o respeito”.56 A hum anidade já não
tem de respeitar a natureza; pode dom inar e dirigi-la por m eio do surgim ento
da tecnologia.

Materiais e forças são utilizados, aproveitados, desencadeados, arrebenta­


dos, alterados e dirigidos à vontade. Não há sentimento quanto ao que é
organicamente possível ou tolerável em nenhum sentido orgânico. Ne­
nhum sentido de proporções naturais determina a abordagem. U m alvo
racionalmente construído e arbitrariamente fixado reina supremo. Com
base num a fórmula conhecida, materiais e forças são colocados na condição
exigida: máquinas. Máquinas são uma fórmula de ferro que dirige o ma­
terial ao fim desejado?
Segundo alguns analistas culturais, essa capacidade de dom inar e controlar a
natureza levará, inevitavelm ente, à deificação da tecnologia, resultando em
um a cultura que “busca sua autorização na tecnologia, encontra sua satisfação
n a tecnologia, e recebe suas ordens da tecnologia”.58
O surgim ento da tecnologia pode ser visto com o um aspecto da im portân­
cia crescente do tem a “dom ínio” dentro da cultura ocidental. Esse tem a é tam ­
bém refletido dentro da filosofia ocidental, e é declarado mais explicitamente
nos escritos de Nietzsche. A filosofia de Nietzsche tem causado um im pacto
m uito grande sobre o pensam ento ocidental, e contribuído não pouco para o
aparecim ento de um m eio-am biente cultural saturado com o éthos de “eu farei
as coisas com o m e agrada”. Para N ietzsche, não existiam fatos, só interpre­
tações.59 O intérprete ficava livre para im por qualquer interpretação que es­
colhesse.60
Este éthos [“espírito e crença”] nietzscheano perm eia m uita cristologia
m oderna, o que pode ser considerado com o um a tentativa longa de confor­
m ar Jesus de Nazaré às norm as pessoais de intérpretes individuais, ou das tri­
bos ideológicas às quais pertencem . O resultado é um a espécie de anarquia
cristológica, controlada — no caso de poder ser dito que é de algum a form a
controlada — po r norm as ideológicas que refletem os interesses próprios dos
grupos que a redefinem. A essa altura, o evangelicalismo é fortem ente contra-
cultural, defendendo o direito fundam ental do cristianismo de ser dom inado
por Cristo, em vez de dom iná-lo à luz dos costumes sociais transitórios con­
tem porâneos.
O n d e o tem a “dom ínio” exerce um a influência controladora dentro da
m odernidade, o evangelicalismo coloca em seu lugar o tem a “m ordom ia”, enxer­
gando-se com o responsável pela articulação e salvaguarda de algo que, ao fi­
nal, ele não tem o direito de dom inar ou controlar. H á em jogo um a questão
fundam ental de integridade, em que o evangelicalismo está inequivocam ente
com prom issado em responder àquilo que M artin Káhler certa vez cham ou de
“o C risto histórico, bíblico”,61 em vez de algum a construção ou reconstrução
m oderna — um a reconstrução que vezes demais acaba m ostrando repousar
sobre norm as contem porâneas transitórias. O evangelicalismo não crê que tem
o direito nem os recursos para reconstruir Cristo, e vê as cristologias m oder­
nistas refletindo tanto o desejo da m odernidade no sentido de forçarem Jesus
a conform ar-se a seus padrões quanto a sua recusa em tolerarem os que ques­
tionam suas pressuposições.
Para evitar qualquer m al-entendido a esta altura, é necessário um esclare­
cim ento. U m a distinção fundam ental deve ser estabelecida entre a correlação
do evangelho com um a tendência cultural, e a fundação do evangelho em
31

cima de um a tendência cultural. O primeiro representa um a abordagem apologéti­


ca inteiram ente apropriada e responsável, na qual os temas do evangelho são
expressos da m aneira mais adequada à sua contextualização. O evangelho é o
primário; a contextualização é secundária e provisória. O evangelicalismo há
m uito tem reconhecido a necessidade apologética de contextualizar o evangelho
desta m aneira.62 Isso é para ser contrastado com a estratégia liberal de funda­
m entar o evangelho em tendências culturais, o que inevitavelmente significa
que o evangelho torna-se escravizado à cultura, incapaz de fazer outra coisa senão
refletir as idéias e valores dessa cultura.
Em parte, a crítica evangélica às cristologias m odernistas é teológica e
erudita; contudo, há tam bém um aspecto profundam ente pragm ático nesta
crítica. Feuerbach declarou a divindade da hum anidade: o hum ano é Deus.
C ontudo, após um século e meio de experiência deste “deus”, o evangelicalis­
m o sente que tem todo o direito de questionar o resultado desta afirmação. O
surgim ento do stalinismo e do nazismo pode ser visto como inaugurando dois
dos regimes mais opressores na história hum ana e como deslanchando progra­
mas de genocídio, a extensão dos quais continua a estarrecer a imaginação h u ­
mana. Com o os críticos pós-modernos têm enfatizado, a busca m odernista por
dom ínio tem levado a um a cultura de ilusão e opressão, na qual o poder h u ­
m ano tem se tornado um a influência controladora.
N esta situação, a ênfase evangélica sobre a autoridade de Jesus Cristo como
ele é revelado na Escritura (em vez de com o ele é arquitetado por grupos de
interesse hum ano ou blocos de poder) é profundam ente libertador. Essa crença
evangélica fundam ental foi enunciada m uito diretam ente de m odo eletrifi-
cante na Declaração de Barm en (1934), quando o nazismo tentava fortalecer
seu controle num a igreja alemã culturalm ente condicionada:

1. Como nos atesta a Escritura Sagrada, Jesus Cristo é a Palavra Única de


Deus que nós temos de ouvir, em que temos de confiar e a que temos de
obedecer na vida e na morte. Nós rejeitamos o ensino falso de que a igreja
possa e deva reconhecer quaisquer outros eventos e poderes, figuras e ver­
dades, como revelação de Deus, ou como uma fonte de sua proclamação,
à parte de e além desta única Palavra de Deus...

2. A igreja cristã é a congregação de irmãos e irmãs na qual Jesus Cristo


atua como Senhor na Palavra e sacramento, por meio do Espírito Santo.
Como igreja de pecadores perdoados, ela tem de dar testemunho no meio
de um m undo pecador, tanto com a fé como com a obediência, com a
proclamação tanto como com a ordem, de que ela é propriedade somente
dele, e que vive e deseja viver somente do seu consolo e sua direção, na
32

expectativa de sua manifestação. Rejeitamos o ensino falso de que a igreja


é livre para abandonar a forma de sua proclamação e ordem, em favor de
qualquer coisa que queira, ou em resposta a crenças ideológicas ou políti- b
cas prevalecentes.63 tã
d e -:.
A insistência evangélica na autoridade de Jesus Cristo não é, portanto, sobre N i: j
um a servidão auto-im posta, mas sobre um comprom isso libertador para com ca. t.a
quem nos livra de sermos escravos da opressão de um m undo fam into por lace _ i
poder. Eme ri­
de
A im portância de Je s u s Cristo
rorirer
A compreensão evangélica da im portância de Jesus Cristo é que ele é tan­ vise: i
to constitutivo com o ilustrativo da vida cristã. Em outras palavras, a existência isl
cristã só é possível na base da vida, m orte e ressurreição de Jesus Cristo; e a
natureza e conform ação dessa existência são em si incorporadas em sua vida e,
por ela, inspiradas e informadas. Podemos dar m aior substância a essa declaração
fundam ental, explorando cinco aspectos seminais do entendim ento cristão
sobre o valor de Cristo.

1. A importância revelacional de Jesus Cristo


O retrato neotestam entário de Cristo inclui elementos fortem ente revela-
cionais. Alguns estudiosos argum entam que a linguagem da revelação desem ­
penha um papel periférico na Escritura.64 E im portante reparar que esses juízos
são, m uitas vezes, feitos com base em noções m odernas de revelação (algumas
altam ente influenciadas pelas pressuposições do Ilum inism o), sem um exame
detalhado da natureza da linguagem revelacional encontrada na Bíblia.65 Por
exemplo, o term o grego apokalypsis não é encontrado em nenhum escrito pauli-
Pare :
no; contudo, pode-se argum entar que a noção de “revelação em Cristo” per­
da :e
m eia a teologia de Paulo.66 E claro que a Escritura encontra D eus fazendo
“conhecim ento de si” (para usar um a frase rica em nuanças) disponível, por
m er':
m eio do “descerram ento” (retirada do véu) da pessoa e propósitos de Deus.
Deu:
N o Novo Testamento, este “descerramento”, esse “m ostrar” e “tornar conheci­
force,
do”, está enfocado na pessoa e obra de Cristo. Para notar duas das declarações
im p :
mais fortes do Novo Testam ento a esse respeito, a que é preciso dar seu peso
Deu>
total em qualquer análise cristológica, Jesus Cristo é “o resplendor da glória de
do. e
Deus e a expressão exata de seu ser” (H b 1.3) e “a imagem do D eus invisível”
evane
(Cl 1.15). Estes conceitos são m uitas vezes escatológicos em sua orientação: o
nosse
que agora sabemos e possuímos por interm édio de Cristo será trazido a seu
em c ;
cum prim ento e revelação plena no últim o dia.
sáve..
U m a distinção fundam ental deve ser traçada aqui entre a noção de um a
revelação [vinda] de Deus e um a revelação de Deus. Este ponto talvez seja mais
bem entendido com um a comparação das noções de revelação islâmica e cris­
tã.67 N o Q u r’an, todo sura [versículo ou capítulo de Corão], a não ser um
deles, começa com a palavra “q u t’ — a form a im perativa do verbo “dizer”.68
N ão im porta que form a a passagem em questão possa tom ar — seja ela anedóti-
ca, histórica, prescritiva ou exortatória — ela será entendida com o um a reve­
lação de Deus, ditada pelo arcanjo Gabriel ao profeta M uham m ad [Maomé],
Em bora, mais tarde, a piedade islâmica tenha desenvolvido interesse na pessoa
do profeta, o entendim ento islâmico de fundação é o de um a revelação au­
toritária na form a de um livro, não de um a pessoa.69 O contraste entre isso e a
visão cristã é apresentado claram ente por M artinho Lutero. Para Lutero, o
islamismo tem o Q u r a n e o judaísm o, a Torah; contudo, para os cristãos,

Deus não quer ser conhecido a não ser por intermédio de Cristo; nem
pode ele ser conhecido de qualquer outro modo. Cristo é o descendente
prometido a Abraão; nele, Deus cumpriu todas as suas promessas. Por­
tanto, somente Cristo é o meio, a vida, e o espelho pelo qual vemos Deus
e conhecemos sua vontade. Por meio de Cristo, Deus declara seu favor e
misericórdia para conosco. Em Cristo, vemos que Deus não é um mestre
irado e um juiz, mas sim um pai gracioso e bondoso, que nos abençoa,
isto é, que nos salva da lei, do pecado, da morte, e de todo o mal, e nos
oferece a justiça e a vida eterna mediante Cristo. Este é um conhecimento
certo e verdadeiro de Deus; um a persuasão divina que não falha, mas
retrata (depingit) Deus mesmo num a forma específica, à parte da qual não
há nenhum Deus.70

Para os cristãos, Jesus é a personificação e a auto-revelação de Deus. N o cerne


d.a fé cristã está um a pessoa viva, não um livro.
Por trás da linguagem de revelação e conceitualizações do Novo Testa­
m ento está a afirmação da necessidade hum ana de que lhe seja revelado como
Deus é. Deus precisa ter o privilégio de nom ear-se e revelar-se, em vez de ser
forçado a sofrer a indignidade de ter construtos e preconcepçÕes hum anos
impostos sobre ele. O evangelicalismo está determ inado a “deixar Deus ser
Deus”, receber, honrar e concebê-lo da m aneira pela qual ele quer ser conheci­
do, e não da form a com que nós gostaríamos de reconhecê-lo. Em seu cerne, o
evangelicalismo representa um a tentativa inflexível e séria de levar todos os
nossos conceitos de Deus e de nós mesmos a serem criticados à luz de com o e
em que Deus deseja ser conhecido. Neste sentido, a teologia evangélica é respon­
sável, no sentido dual de ser um a resposta à revelação divina (em vez de um a
iniciativa hum ana) e ser contestável para Deus, por causa de suas formulações e
conceitos.
Para o evangelicalismo, qualquer conceito responsável de D eus precisa ser
um a resposta hum ana à auto-revelação de Deus, um a resposta governada e
controlada por aquela revelação. Isso não é dizer que todos os conceitos h u ­
m anos de D eus antes da revelação não têm valor; em lugar disso, é notar que
tais conceitos deverão ser avaliados à luz da revelação. Para Ludw ig Feuerbach,
todos os conceitos de “D eus”, quer sejam eles cristãos ou não (Feuerbach se
nega a distingui-los), são um a invenção hum ana, um a projeção ou objetifi-
cação ( Vergegenstãndlichung) de esperanças e tem ores hum anos.71 Isso foi, e
continua a ser, um a crítica válida e penetrante de qualquer m etodologia teológica
— com o aquela originada por F. D . E. Schleiermacher e continuada nos escri­
tos de A. E. Biederm ann e Paul Tillich — que teve seu ponto inicial na ex­
periência hum ana.72
Com eçar com “experiência” é potencialm ente começar com um a construção
hum ana, form atada por gênero, classe e forças socioeconômicas. Basear teologia
em tal recurso é inevitavelmente criar um “deus” produto do local social do
teólogo. Com o Karl M arx notou com tanto discernimento, esta abordagem à
teologia sugere que é m eram ente necessário alterar a situação socioeconômica
do pensador para m udar o conceito resultante de Deus.73 Q ualquer teologia que
seja um a resposta à sociedade hum ana, quer diretam ente — pela experiência
hum ana culturalmente-condicionada — ou indiretamente, é determinada por
essa cultura. Isso leva à conclusão de que Deus pode ser dom inado, o que é,
como veremos, um tem a central do projeto m odernista (ver p. 151-155).
A noção de “revelação” era profundam ente ofensiva para o Ilum inism o,
que a via com o um desafio à autonom ia do indivíduo pensante. A autonom ia
do indivíduo livre-pensante seria radicalmente com prom etida se fosse necessário
reconhecer que conhecim ento de D eus é, em últim a análise, derivado de outra
fonte — um a fonte não diretam ente acessível à racionalidade hum ana não
auxiliada. A razão era capaz de discernir e m anifestar tudo o que precisava e
podia ser conhecido a respeito de Deus. Era nada m enos que heresia sugerir a
existência de um a fonte de sabedoria capaz de suplem entar ou, ainda pior que
isso, contradizer essa sabedoria autônom a. Para o Ilum inism o, tanto a salvação
com o a revelação eram acessíveis às faculdades hum anas sem auxílio. A re­
jeição decisiva do Agostinianism o pelo Ilum inism o foi, no fundo, um protes­
to contra a insistência de Agostinho em que a hum anidade precisava ser ajudada
se fosse para conhecer D eus apropriadam ente ou ser salva.
E conveniente argum entar que as objeções do Ilum inism o ao conceito de
revelação se achavam m enos em quaisquer dificuldades intelectuais fundam en­
tais que a noção tenha feito surgir do que nas implicações para a autonom ia
hum ana. Aceitar ser preciso que fosse contada qualquer coisa era um a adm is­
são de heteronom ia — dependência de outro para ter conhecim ento. JefFrey
Stout caracterizou corretam ente o Ilum inism o com o um a “fuga de autori­
dade”;74 essa fuga muitas vezes foi justificada em argumentação pragm ática em
vez de teórica, no fato de a “autoridade” ser vista como virtualm ente sinônim a
da opressão política do ancien régime. H á, portanto, um com ponente forte­
m ente sociológico na rejeição de autoridade e tradição pelo Ilum inism o, liga­
do a um contexto histórico específico.
A noção de revelação coloca um desafio direto à autonom ia hum ana. Afirma
que os seres hum anos são perfeitam ente capazes de construir suas idéias sobre
Deus — mas que essas idéias requerem ser suplem entadas, desafiadas e corrigi­
das à luz d o que Deus realmente é. Afirm ar a prioridade da revelação é, em
últim a análise, afirm ar que Deus é a autoridade suprem a sobre D eus, sem
considerar o quanto isso é hum ilhante para as autodeclaradas autoridades h u ­
m anas no assunto. O discurso hum ano sobre Deus é provisional, é tem porário,
e não pode ser visto como autorizado na base das credenciais que lhe são ineren­
tes. C om o “D eus” não se refere a um objeto que está disponível ao escrutínio
público, idéias hum anas sobre D eus sempre serão sujeitas a desafio, crítica e
correção. “C om o você sabe isso? Q ue autoridade tem você para declarar aqui­
lo? D e que privilégio especial você goza para lhe perm itir falar nestes termos?
Por que devemos escutá-lo?” Estas perguntas não podem ser evitadas. O axio­
m a de revelação fundam ental da fé cristã é que só Deus pode revelar Deus, assim
com o seu axioma fundam ental soteriológico é que só Deus pode salvar. Isso nos
leva a um a discussão da im portância soteriológica de Cristo.

2. A importância soteriológica de Jesus Cristo


O Novo Testamento afirma que a salvação só se torna possível e disponível
por m eio da m orte e ressurreição de Jesus Cristo. O s escritos paulinos são
dom inados por dois temas, m uitas vezes expressos em term os de fórmulas:
Cristo foi “entregue” pela salvação da hum anidade, e “Cristo m orreu por nós”.75
Neste ponto é clara a diferença entre o cristianismo e o islamismo: o Q u r’an
usa a palavra raiz árabe para “salvação” (najah) só um a vez. Em bora a idéia
(particularm ente com o entendida em term os de ser salvo do castigo do infer­
no) seja encontrada dentro do islamismo, ela não é tão altam ente desenvolvi­
da com o no cristianism o. Referir-se a M aom é com o “salvador” seria um a
violência considerável à tradição islâmica com respeito à identidade e papel do
profeta.76
Em contraste m arcante, um a gama am pla de imagens soteriológicas é apre­
sentada dentro do Novo Testam ento para explicar o sentido da m orte e ressur­
reição de C risto.77 H á m otivos para supor que essas imagens são formuladas
com considerações apologéticas em m ente, a fim de maximizar a percebida
relevância e im portância da proclamação do evangelho por parte dos ouvintes
pretendidos.78 N ão é preocupação nossa explorar esses m otivos em detalhes;
nossa preocupação é enfatizar que a m orte e ressurreição de Cristo são v istas
com o de im portância básica para o evangelho cristão. Talvez um dos temas
mais evidentes do Novo Testam ento seja o papel fundam ental da cruz em
relação à salvação.
D e longa data, a centralidade da cruz de Cristo é tem a principal da teolo­
gia e espiritualidade evangélicas. N o Novo Testam ento, as cartas de Paulo e o
evangelho de M arcos dão enfoque especial à cruz, o que poderia ser analisado
da m aneira exposta a seguir.79
1. A cru / é vista com o a base exclusiva da salvação. Todos os outros eventos
na história da salvação, como, por exemplo, a ressurreição de Cristo ou o seu
retorno em glória, são levados ao seu contexto pela cruz. N o caso da teologia
dos coríntios, tão vigorosam ente criticada por Paulo, a ressurreição parece es­
tar separada da cruz, e tratada com o relativizando a crucificação. A teologia da
cruz nega esse desenvolvimento.
2. A c ru z é tratada com o o ponto-inicial da teologia autenticamente cristã. A
cruz não é um aspecto individual da teologia, mas é em si m esm a o fundam en­
to dessa teologia. Longe de ser um capítulo isolado em um livro-texto de teo­
logia, a cruz tanto dom ina com o perm eia toda a verdadeira teologia cristã,
com seu fio tecido através do todo de sua estrutura.
3. A cruz é vista como o centro de todo o pensamento cristão, no fato de seu
centro irradiar afirmações cristãs sobre ética, antropologia, vida cristã, e assim
por diante. As doutrinas da revelação e da salvação, tão facilm ente destacadas
um a da outra, convergem na cruz.
N ão pode haver dúvida da ênfase do Novo Testam ento na qualidade sin­
gular e completa, final, da salvação trazida po r Jesus Cristo. Paul K nitter tenta
distinguir entre a confissão de “Jesus com o salvador” — um a crença central —
e a confissão de “Jesus com o único salvador” — que ele vê com o um a ex­
pressão cúltica descartável da anterior.80 A alta estima de Jesus encontrada no
Novo Testam ento é, segundo Knitter, um m odo culturalm ente condicionado
de falar, relacionai em vez de metafísico.81 Assim, a confissão “Jesus é Senhor”
é um a expressão que revela, a im portância específica de Jesus para o crente (m uito
parecida com a m aneira com que um apaixonado poderia falar a respeito da
sua querida), em vez de ser um a declaração de sua im portância universal para
toda a hum anidade. C ontudo, isso parece representar um a estratégia projeta­
da com o único objetivo de neutralizar o ím peto forte da proclamação do
Novo Testam ento. Considerarem os este p o n to em m aior detalhe em nossa
discussão sobre as questões levantadas pelo pluralism o religioso (ver p. 169-
202). Nossa atenção se volta agora para o papel de Jesus C risto com o um
exemplo ou encarnação da vida de fé.

3. A importância mimética de Jesus Cristo


Jesus Cristo não é som ente a base da salvação; ele encarna os contornos da
vida redim ida. Isso não significa que se deva pensar em Jesus Cristo pura­
m ente com o um exemplo de hom em a quem os cristãos são obrigados a im i­
tar, com o se o cristianismo fosse um tipo de reprocessam ento cristológico da
noção platônica de mimésis.82
U m a visão puram ente m im ética ou exemplificadora de Cristo com o um
exemplo m oral fica inexplicavelmente ligada a um a visão deficiente de nature­
za hum ana, que não chega a um acordo com a intratabilidade pura do fato do
pecado hum ano, e a história estranha e trágica da hum anidade em geral, e da
igreja cristã em particular. Charles G ore afirm ou incisivamente há um século
atrás:

Conceitos inadequados da pessoa de Cristo vão de par em par com con­


ceitos inadequados do que a natureza humana quer. O conceito nestoriano
de Cristo [...] qualifica-o por ser um exemplo do que o hom em pode
fazer, e em que maravilhosa união com Deus ele pode ser assumido se for
suficientemente santo; mas Cristo permanece um hom em entre muitos,
fechado dentro dos limites de um a singular personalidade humana, e in­
fluenciando o hom em somente a partir do lado de fora. Ele pode ser um
Redentor do hom em se o hom em pode ser salvo por ação vinda de fora
por brilhante exemplo, mas não de outra forma [...] O Cristo nestoriano
é o próprio Salvador do hom em pelagiano.83

U m m odelo de soteriologia, com sua compreensão associada da natureza e


papel do exemplo m oral de Jesus Cristo, é, em últim a análise, o correlativo de
um a visão pelagiana da situação e capacidades da hum anidade. A brecha on-
tológica entre nós e Cristo é contraída, a fim de m inim izar a descontinuidade
entre a nossa personalidade m oral e a dele. Cristo é o suprem o exemplo de
hom em , que evidencia um estilo de vida autenticam ente hum ano, a quem
supostam ente somos capazes de imitar.
Essa visão não é m eram ente inadequada como exposição da im portância
de Jesus Cristo, mas é irrealística em sua estimativa das capacidades e incli­
nações da natureza hum ana. E um a ética dirigida a um a hum anidade idealiza­
da, que não corresponde à hum anidade em piricam ente conhecida por nós, e à
que fomos ensinados a ver pela tradição cristã, apanhados em seu apuro tre­
m endo. Talvez o traço mais característico do pecado seja o auto-engano, um a
relutância para reconhecer a tragédia de nossa situação. Se este é o caso, o
prim eiro passo na reconstrução de um a ética autenticam ente cristã deve ser a
eliminação das “ilusões perfeccionistas” (para usar um a das frases característi­
cas de R einhold N iebuhr) que tanto têm em patado as reflexões éticas cristãs
liberais durante o presente século [ou durante o século passado].
A teoria do “exemplo m oral” repousa sobre um a visão totalm ente irrealis­
ta e não-crista da natureza hum ana. Parece tam bém apoiar-se num a visão de­
ficiente da pessoa de Cristo. A visão de sua im portância que tem os acabado de
esboçar fundam enta, em últim a análise, sua continuada relevância ética em
sua exemplificação de valores morais alegadamente universais. E, como ficará
claro em nossa análise (ver p. 108-111), esta noção é agora vista como alta­
m ente questionável. A m orte de Sócrates, em 399 a.C., dirige nossa atenção a
virtudes, tais com o coragem e integridade, que não são lim itadas a certo tem ­
po e lugar em particular. N o que a história da m orte de Sócrates exemplifica
essas virtudes, ela pode ser dita estar carregada de autoridade moral. Sócrates é de
im portância moral por atestar essas virtudes. Elas são anteriores à sua existência,
e não foram estabelecidas m ediante sua m orte. São transm itidas po r meio
dela, não estabelecidas por ela. Em princípio, estas e outras virtudes poderiam
ser transm itidas por interm édio de outros seres hum anos. A autoridade moral
dessa narrativa é intercambiável, em que pode ser predicado de outros sujeitos
— tais como, na visão de exemplaridade, Jesus C risto.84 A exemplaridade coloca
a autoridade m oral da narrativa de Jesus de Nazaré na sua consideração de
valores morais universais previam ente reconhecidos, cuja validade é indepen­
dente dele. O utras testem unhas, de preferência mais recentes, poderiam fun­
cionar consideravelmente m elhor nesse respeito. Jesus, portanto, aparece como
um exemplo moral; não há, porém , nenhum a tentativa verdadeira de explici­
tar o fato de haver um a diferença radical entre Jesus e nós nessa conjuntura
crítica.
O evangelicalismo evita essa visão m inim alista de pecado e o conceito
inadequado de Cristo por meio de um a ênfase em “ser conform ado a C risto”.
Pela fé, o crente é conform ado a Cristo — ou, mais acertadam ente, o processo
de conform ação a Cristo tem o seu início. Afirmações claras desse processo —
estabelecer a conform idade da estrutura da existência do crente à de Jesus — já
estão claram ente evidentes no Novo Testamento. Particularm ente nos escritos
paulinos, a participação em Cristo aponta para um a conform idade da existên­
cia da pessoa à dele. Pela fé, o crente é apanhado em um a nova visão da vida,
um a nova estrutura de existência, incorporada paradigm aticam ente em Jesus
Cristo — - tanto em sua proclamação com o em sua pessoa, os crentes revelam
esta história de Jesus Cristo.
Talvez o pensam ento mais característico nos escritos paulinos sobre a vida
cristã seja que essa vida é cristomórfica.85 As exortações éticas do Novo Testa­
m ento, por exemplo, são duplam ente baseadas na cristologia, no que a cristo-
logia oferece, tanto as pressuposições da situação na qual o cristão está inserido
com o o m odelo para a conduta cristã.86 Em vários pontos, Paulo revela que ele
pensa em sua vida com o um crente, em term os de recapitulação da vida do
próprio Cristo, em que Jesus Cristo é com preendido tanto habilitando quanto
incorporando o m odelo de vida distintivam ente cristão.87 A vida cristã é rela­
tiva à capacidade de conformação à estrutura da existência estabelecida e definida
pela história de Jesus Cristo, e refletida na vida de Paulo. Isto é de im portância
particular em relação ao sofrimento; assume um novo valor para os cristãos
por causa de sua correlação com a paixão de C risto.88 Em particular, Paulo
parece ver seus sofrimentos com o um a extensão do sofrim ento de Cristo, ou
um a corporificação do evangelho.
Por isso, quando Paulo insta com seus leitores para que sejam imitadores
de Cristo com o ele o é (IC o 11.1), suas palavras parecem sugerir que ser cris­
tão é entrar n u m relacionam ento tão próxim o e profundo com Cristo, que, de
algum m odo, os crentes passam a im itá-lo, com o conseqüência desse relacio­
nam ento. Imitação é, portanto, o fruto, não a precondição, da fé. Tornar-se
cristão é começar o processo, não tanto de conformar-se, com o de ser conforma­
do, a Cristo. Neste processo, não som os nós que atuamos; a atuação é de Deus.
O N ovo T estam ento pressupõe claram ente que exortações éticas sao
baseadas em discernim entos cristológicos, em que a cristologia provê tanto as
pressuposições da situação existencial do cristão com o o m odelo para sua con­
duta. Isso é especialmente verdade quanto aos escritos de Paulo, que freqüente­
m ente sugerem que a existência pessoal do apóstolo é um a recapitulação do
m odelo de vida incorporado em Jesus Cristo, e mais, que a experiência de
Paulo é paradigm ática para a experiência cristã em geral. A narração que Paulo
faz de sua história pessoal, interpretada à luz da história de Jesus Cristo, é
entendida com o um esboço dos contornos de um a existência cristã m odelo.
Para o cristão, viver ek pisteôs é viver de acordo com a estrutura da existência
estabelecida e definida pela história de Jesus Cristo, e refletida na história de
Paulo.
O evangelicalismo argumenta_que_ a vida, m orte e ressurreição de Jesus
Cristo torna possível um a nova form a de existência, tanto “instanciada” por
Jesus C risto, com o evocada por interm édio de um a regeneração operada por
D eus dentro dos crentes, à m edida que estes sao conform ados a Cristo.
4 - A importância doxológica de Jesus Cristo
H á a mais íntim a das conexões entre a teologia crista e a m aneira com que
os cristãos cultuam e oram .89 N ão pode ser perm itido que teologia e doxolo-
gia — para dizer, um a compreensão de culto e adoração — saiam por seus
cam inhos, com o se os cam inhos em que os cristãos cultuam não causassem
nenhum im pacto em suas reflexões teológicas. James I. Packer enfatiza que
teologia e espiritualidade têm a mais íntim a das ligações:

Eu questiono a adequação de conceituar a matéria subjetiva da teologia


sistemática como simples verdades reveladas sobre Deus, e desafio o pres­
suposto que geralmente tem acompanhado essa forma de afirmativa, de
que a matéria, como outros dados científicos, é mais bem estudada em
destaque imparcial frio e clínico. Você há de perguntar: destacamento do
quê? Ora, da atividade relacionai de confiar, amar, adorar, obedecer, servir
e glorificar a Deus: a atividade que resulta da real percepção da presença
de Deus, da real revelação da sua palavra, cada vez que a Bíblia é aberta ou
é refletida em qualquer verdade divina que seja. Isto [...] procede como se
estudo doutrinário fosse apenas confundido por uma introdução de in­
teresses devocionais; isso introduz uma cunha separando [...] conhecer
noções verdadeiras sobre Deus e conhecer o próprio Deus verdadeiro.90

A conceituação de Packer é que um a genuína experiência de D eus, tal com o a


que se ganha por m eio da adoração e da oração cristã, torna o estudo de Deus
um a impossibilidade. É com o pedir ao apaixonado que se m ostre imparcial
sobre a amada. Com prom isso não é m eram ente o resultado natural de um a
experiência e do conhecim ento autenticam ente cristão a respeito de Deus;
antes, é a m arca com provadora dessa experiência e conhecim ento.
É, portanto, da m aior im portância notar que o Novo Testam ento se refere
explicitamente ao culto de Jesus C risto.91 D entro de um a cultura estritam ente
m onoteística, na qual foi aceito plenam ente que só o D eus de Israel deve ser
adorado, nós encontram os referência explícita a cristãos judeus adorando Jesus
Cristo. Por exemplo, o evangelho de M ateus emprega o verbo grego prosky-
nein com referência à reação dos discípulos à presença do Cristo ressurreto
(M t 28.9,17). Esta prática foi notada pelo Plínio mais m oço em sua famosa
carta de 112 d.C. ao Im perador Trajano, na qual ele registra que os cristãos
cantaram hinos a seu Senhor “com o para um deus” {quase deo).92
O s hinos cristológicos no Novo Testam ento são um a indicação clara do
grau de exaltação atribuída ao Cristo ressurreto dentro das com unidades cris­
tãs primitivas, indicando que o senhorio de Cristo tornara-se com pletam ente
integrado, tanto no culto com o no pensam ento das com unidades neotesta-
41

mentárias, com este últim o envolvendo a plena consideração em que era tida a
:.m que alta estima de Jesus, já estabelecida e aceita dentro da devoção cristã.93 O fato
i rxolo- de o apóstolo Paulo citar hinos cristológicos pré-paulinos é sinal da aceitação
: : seus desses cânticos sacros dentro das com unidades a que ele escrevia (ou de onde
:>assem ele escrevia), e da formulação, ainda nos prim órdios da história cristã, da acen­
:aa que tuada cristologia, semelhante à que seria endossada e exposta por Paulo. Já foi
sugerido que o uso de kyrios para referir a Cristo e sua divindade tem o objeti­
vo de atribuir o term o ao influxo de grandes núm eros de gentios pagãos nos
: ;:a círculos cristãos.94 N o entanto, a evidência para isso é um tanto frágil; o uso
r>- do term o neste sentido exaltado parece ter suas origens com os cristãos judeus
-j^ originários da Palestina,95 e não pode ser atribuído a m al-entendidos ou a más
em representações pagãs.
20 O caráter fortem ente doxológico da estim a evangélica de Jesus C risto
provavelmente pode ser visto no seu grau mais m arcante nos grandes hinos
~ ;a desta tradição, particularm ente os que derivam de fontes pietistas.96 A adoração
-1 JU de Cristo com o o D eus que se hum ilhou para redim ir a hum anidade está ali
m isturada à reflexão sóbria sobre o custo daquela redenção e a m otivação que
ela oferece para a vida cristã autêntica e para a evangelização. A coerência do
entendim ento evangélico da im portância de Cristo am plia a m aneira com que
ele é cultuado e adorado, assim com o o m odo por que ele é entendido teologi­
cam ente.
."■mo a Fica claro tam bém que a ênfase evangélica a respeito do senhorio de Cris­
e Deus to tem implicações para o evangelismo. U m a vez mais, a coerência do entendi­
rarcial m ento evangélico a respeito de Cristo torna-se clara; o reconhecim ento da
; um a identidade de Cristo leva diretam ente à proclamação de Cristo para o m undo
Deus; — ou melhor, para o seu m undo, do qual ele é o Criador, Redentor e Senhor.
Exploraremos este ponto na seção final desta análise.
refere
mente 5 . A importância querigmática de Jesus Cristo
eve ser
Jesus C risto é proclam ado ao m undo. Esta ênfase forte na proclamação
: Jesus
(do grego: kêrygma) de Cristo é integral para o entendim ento evangélico de
-osky-
sua pessoa e lugar. H á um a natureza fortem ente querigm ática no Novo Testa­
urreto
m ento, onde Cristo é visto com o alguém para ser proclam ado e para quem
amosa
um a resposta é esperada. C om efeito, o caráter querigm ático do testem unho
nstãos
de Cristo encontrado no Novo Testam ento é tal, que M artin Káhler foi levado
a declaíar que “o C risto real é o Cristo pregado”.97 O conteúdo da proclamação
ara do
cristã é Jesus Cristo. Por exemplo, a proclamação do evangelho de Paulo enfo­
s cris-
ca a pessoa de Cristo (G1 1.16), e, mais especificamente, o Cristo crucificado e
mente
ressurreto dos m ortos (IC o 1.23; 15.12). Nas cartas aos Coríntios, Paulo faz
jtesta-
42

apenas um a referência ao “evangelho de D eus”, mas refere-se cinco vezes ao essencm »


“evangelho de C risto”. N ajrealidade, por vezes Paulo parece referir-se a “pregar sua pe?5:3
C risto” e “pregar o evangelho” como expressões intercambiáveis. E s :-
O conteúdo cristológico da proclamação cristã, é m inim izado nos escritos que Deus
de R udolf B ultm ann, G erhard Ebeling e, especialmente, Paul Tillich. A teolo­
gia de Tillich tem base tão liberal no que se refere à figura de Jesus, que Tillich
pode dispensar a existência e a personalidade históricas de Cristo sem que isso
faça qualquer diferença em sua teologia.98 Jesus ilustra um princípio, que pode
ser e é ilustrado por outros. E o princípio que leva prioridade sobre as pessoas vontauc j
que a m anifestam , um a das quais pode ter sido — mas não foi, necessaria­ tanto. :
m ente — Jesus. B ultm ann entendeu a proclamação ou querigm a prim aria­ teolóriea
m ente em term os de um a palavra ativa e efetiva, convidando seus ouvintes
para um a decisão existencial. Assim, não houve nenhum “conteúdo” informacio-
nal (com respeito, por exemplo, à figura histórica de Jesus) para o querigma.99
E nquanto G erhard Ebeling m ostrou consideravelmente mais interesse na figu­
ra histórica de Jesus do que B ultm ann m ostrara, ele defendia a noção de fé
com o confiança, em vez de “confiança em Cristo”. Jesus é visto aqui como
exemplo de fé, em lugar de ser visto como seu objeto. N a proclamação da
igreja, é transm itida a fé de Jesus, não a fé em Jesus.100
N o entanto, a erudição recente tem enfraquecido decisivamente a base
neotestam entária da tendência de separar a fé cristã da figura histórica de Jesus.
O uso provável da tradição de Jesus nas cartas paulinas indica a im portância
potencial dos específicos cristológicos para Paulo.101 A dimensão rígida entre
didachê e querigma tam bém é difícil de sustentar; há, por exemplo, claras indi­
cações de que didachê pode designar o conteúdo do querigma, particularm ente
com relação à sua cristologia102 Em geral, o teor da pregação cristã prim itiva
pode ser assim resumido: “um a proclamação da m orte, ressurreição e exaltação
de Jesus que levou a um a avaliação de sua pessoa, tanto com o Senhor quanto
como Cristo, confrontando o hom em com a necessidade de perdão, e prom e­
tendo o perdão dos pecados”.103 Assim, a dim ensão querigm ática do Novo
Testam ento enfoca Jesus com o Senhor, Cristo e Salvador.104
O evangelicalismo tem integrado esses insights querigmáticos em toda a
sua visão de m u n d o .105 A insistência evangélica na im portância da evangeliza-
ção é, portanto, um a conseqüência inteiram ente apropriada e natural de sua
cristologia; se Jesus Cristo é de fato Salvador e Senhor, ele precisa ser procla­
m ado ao m undo com o tal. H á um fundam ento e motivação cristológicos para
a evangelização, que o evangelicalismo nunca viu como extra opcional para
uns poucos selecionados, mas como integral para a vida e testem unho da igre­
ja. A identidade de Jesus Cristo é tal, que faz a evangelização ser um aspecto
essencial da resposta de crentes, tanto individual com o corporativam ente, à
sua pessoa e obra.
Estas cinco considerações estão por trás da. afirmação cristã decisiva de
que Deus se revelou em Jesus Cristo, que é o fundam ento e critério da teologia
evangélica. Se Jesus Cristo é Deus, ou se tem autoridade para falar e agir como
seu representante, nós estamos tanto autorizados quanto obrigados a falar de
D eus em term os dele.106 Se ele não é, m erece ser aceito com a m esm a se­
riedade e peso de qualquer outro ser hum ano, que pode falar da palavra e
vontade de Deus som ente em segunda m ão e indiretam ente. Ficará claro, por­
tanto, que a cristologia desem penha um papel decisivo na reflexão evangélica
teológica e espiritual, e dá à teologia evangélica tanto sua coerência intelectual
como seu enfoque evangelístico e espiritual. A pergunta “Q uem é Jesus Cris­
to?” é, pois, determ inativa de todo o em preendim ento teológico evangélico.
Para o evangélico, essa pergunta só pode e precisa ser respondida na base
da Escritura. C om o João Calvino colocou, nós não temos de tratar de um
Cristo nu, e sim com um “Cristo que é vestido com seu evangelho”.107 Temos
de tratar tanto com a pessoa de Cristo com o com a interpretação de Cristo
encontrada no Novo Testam ento. A im portância da Escritura para o tem a
“conhecer C risto” não pode ser exagerada. N ão é m eram ente o caso de não
term os nenhum conhecim ento confiável de Cristo, de qualquer fonte fora da
Bíblia;108 a interpretação distintivam ente cristã de Jesus Cristo — que é, por
fim, o evangelho — é tam bém m ediada prim ariam ente em e por m eio da
Escritura.
Haverá os que, fora do evangelicalismo e do cristianismo, hão de querer
fazer com que outras figuras, poderes, princípios e valores sejam de im portância
fundam ental. O cristianismo evangélico, porém , é, sem nenhum constrangi­
m ento, cristoçêntrico. Jesus Cristo é o evangelho. C ontudo, por mais com ­
plexa que se possa tornar a reflexão teológica decorrente disso, o evangelicalismo
afirma que tudo precisa ser baseado em Cristo, e todos precisam ser julgados
por Cristo — não o vendo sim plesm ente com o um a'fonte de idéias, mas como
o fundam ento de todos os aspectos da vida cristã. O grande inglês evangélico
John N ew ton teceu o seguinte comentário:

O amor de Deus, como manifestado em Jesus Cristo, é o que eu desejaria


ter como objeto permanente de m inha contemplação; não meramente
para especular sobre isso como doutrina, mas para senti-lo de tal forma, e
meu interesse nele, que meu coração fosse cheio de seus efeitos, e transfor­
mado em sua semelhança.1IJ"
Conclusão
N a base desta análise, ficará claro que o evangelicalismo é fortem ente çris-
tocêntrico. Esse ponto pode não estar claro em alguns escritos evangélicos
produzidos depois de 1920, particularm ente dos que se originaram do contex­
to estado-unidense, por causa da necessidade sentida pelo evangelicalismo de
defender seus pontos de vista sobre outros assuntos, mais notadam ente com
relação à autoridade da Escritura. C ontudo, com o já m encionei, a postura
defensiva a que o evangelicalismo foi forçado durante este período resultou
em um a ênfase reativa em questões que se poderiam discutir não estarem no
cerne do evangelicalismo. Ao sugerir um a discussão sobre a pessoa e obra de
Jesus Cristo na abertura desta obra, é m inha intenção afirmar a posição funda­
m ental de Cristo na visão evangélica de m undo.
Para os evangélicos, a teologia cristã é prim eiro e sobretudo preocupada
com a identidade e im portância de Jesus Cristo, afirm ando e reconhecendo' a
particularidade de sua cruz e ressurreição, e rejeitando qualquer tentação de
cair em generalidades. Jesus Cristo define a linha de demarcação entre um a
igreja verdadeira, responsável para com Deus, conform e ele se revelou, especí­
fica e particularm ente, em Jesus Cristo, e um a igreja falsa que reconhece e
responde às pressões da época. O evangelicalismo insiste em que o lugar dos
cristãos é o m undo; não obstante, os cristãos precisam m anter sua identidade
distintiva, se desejam ser sal e luz para esse m undo. “O Ju g a r para o navio é o
mar; mas D eus ajuda o navio se o m ar entrar dentro dele” (D. L. M oody). U m
dos aspectos mais inconfundíveis do evangelicalismo é a sua afirmação dual da
im portância de perm anecer em o m undo enquanto, sim ultaneam ente, per­
manece-se distinto de o m undo. E o recurso central que distingue a igreja do
m undo é Jesus Cristo.
Os evangélicos são, assim, inflexíveis sobre a teologia cristã ser firm ada
nas particularidades da vida, m orte e ressurreição de Jesus Cristo e ser, no finai
das contas, responsável para ele — responsável para Cristo no que se é obriga­
do tanto a dar o conto dele quanto a prestar contas a ele. Q uaisquer declarações
que escolhamos fazer sobre o caráter de Deus ou sobre a natureza e destino de
seres hum anos são, no fim, firmadas na auto-revelação de D eus em Cristo, e
por essa revelação governadas. A compreensão evangélica do íntim o relaciona­
m ento entre Jesus Cristo e a Escritura é tal, que um apelo a Cristo é sim ulta­
neam ente um apelo à Escritura, assim com o um apelo à Escritura é um apelo
a Cristo. Esta observação nos leva à ênfase evangélica sobre a autoridade da
Escritura, para a qual poderem os, agora, nos voltar.
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~ o de A AUTORIDADE DA ESCRITURA
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unda-

upada
r.do' a N a D ieta de W orm s (18 de abril de 1521), M artinho Lutero declarou de
Io de m aneira célebre: “M inha consciência é cativa da palavra de D eus.”110 D e ma-
um a neira bem semelhante, o evangelicalismo já se viu cativo dessa m esm a palavra
;pecí- de Deus. O princípio da suficiência da Escritura é de im portância central para
.ece e o evangelicalismo. A declaração da Confissão de W estm inster resume o con-
ir dos senso evangélico sobre essa questão im portante:
dade
?éo Todo o conselho de Deus, com respeito a todas as coisas necessárias para
Vm a sua glória, a salvação do homem, a fé e a vida, ou está expressamente
colocado na Escritura, ou, por ser um a boa e necessária conseqüência,
d er­
pode ser deduzido da Escritura, à qual nada em tempo nenhum deverá ser
acrescentado, quer por novas revelações do Espírito, ou por tradições de
hom ens.111
ra ada
Talvez seja neste ponto que o evangelicalismo m ostra mais claram ente sua
final
continuidade teológica e espiritual com a Reforma, e sua preocupação de asseg­
: riga-
urar que a vida e o pensam ento da com unidade cristã estão fundam entados em,
;ções
e continuam ente re-avaliados à luz da Escritura.112 C ontudo, isso não pode ser
'.o de
entendido como significando que o evangelicalismo é “um a religião de um livro”.
í :o,e
Antes, o evangelicalismo enfoca-se na pessoa e obra de Jesus Cristo, afirm ando
::>na-
a centralidade e soberania de Jesus Cristo em todas as matérias de fé e vida.
.ulta-
C ontudo, há um a ligação inextricável e íntim a entre a palavra de Deus en­
fpelo
carnada e a palavra de Deus na Escritura, em que Jesus Cristo torna-se conhe­
:= da
cido para nós po r m eio do testem unho da Escritura, que por sua vez está
centralizado em sua pessoa e obra. Esse ponto é tão im portante que podem os
examiná-lo em m aior detalhe.
46

A E scritu ra e Je s u s Cristo
A Escritura está literalm ente centrada em Cristo e Cristo está nela en­
volvido. Só por m eio da Escritura ele pode ser conhecido. Q uando interpreta­
da corretam ente, a E scritura conduz a C risto, que, só po r interm édio da
Escritura pode ser apropriadam ente conhecido. C om o Lutero declarou, Cris­
to é “o ponto m atem ático da Escritura Sagrada”,113 assim com o a Escritura “é
as faixas em que Cristo foi envolvido e a m anjedoura em que foi colocado”.114
João Calvino destacou um ponto semelhante: “Isto é o que devemos buscar
[...] po r meio de toda a Escritura: conhecer Jesus Cristo verdadeiram ente, e as
infinitas riquezas nele incluídas e que são oferecidas a nós por Deus, o Pai.”115
C om o declarou o mais im portante teólogo da Igreja Reform ada Holandesa,
A braham Kuyper (1837-1920), o único objetivo da fé salvadora é “Cristo nas
vestes da Sagrada Escritura”.116
Apesar do alto conceito em que tem a Escritura, o evangelicalismo tem
resistido à tentação de identificar o próprio texto da Escritura com revelação.117
A Escritura é vista como um canal por intermédio do qual Deus se auto-revela
em Jesus Cristo. Em bora a Escritura seja portadora dessa auto-revelação em Cristo,
ela nao deve ser identificada diretam ente com essa auto-revelação. Ela não é
Jesus Cristo. C ontudo, como Kuyper manifestou com tanta propriedade, não
podemos encontrar Cristo, sob nenhum a forma, senão a que é encontrada na
Escritura. A fé aceita a Escritura como testem unho para Cristo, e submete Cris­
to como aquele de quem a Escritura fala.118 Cristo é, portanto, conhecido so­
m ente conform e é proclamado na Escritura; subseqüentemente, pela obediente
e responsável proclamação da igreja cristã. H á um a dimensão fortem ente trini-
tariana no entendim ento evangélico de revelação, especialmente evidente em
sua afirmação do papel distinto do Espírito Santo.119 C ontudo, a compreensão
evangélica de autoridade da Escritura enfoca-se particularm ente na pessoa e obra
de Jesus Cristo.
C om o vimos, no centro do evangelicalismo reside a convicção de que
D eus se fez conhecido em e por m eio de Jesus Cristo. Este não é um argum en­
to especificamente evangélico: é a herança com um da igreja cristã. Karl Bar th
é apenas um dos seus grandes teólogos e faz a seguinte afirmação:

Quando a Escritura Sagrada fala de Deus, ela não dá margem a que nossa
atenção ou pensamentos divaguem aleatoriamente. [...] Quando a Escritu­
ra Sagrada fala de Deus, leva-nos a concentrar nossa atenção e pensamen­
tos em um único ponto e no que há para ser conhecido naquele ponto.
[...] Se procuramos saber mais com respeito a esse único ponto, sobre o
qual, de acordo com a Escritura, nossa atenção e pensamentos devem e
47

precisam ser concentrados, a Bíblia, do começo ao fim, encaminha-nos


ao nome de Jesus Cristo.120

Se a esta altura o evangelicalismo pode ser distinguido, é po r ter optado por


dar especial destaque a essa convicção e por causa das inferências dela tiradas,
em lugar de enfatizar a substância da crença em si. Isso é parte vital da fé
com um de toda a igreja cristã, que o evangelicalismo tem discernido correta­
m ente, considerando-a de im portância fundam ental para m anter a identidade
distinta da fé cristã. Toda a autoridade no céu e na terra foi dada ao Cristo
ressurreto (M t 28.17-20). A utoridade de qualquer espécie é assim prim aria­
m ente investida no Cristo ressurreto; m esm o assim, isso conduz à crença na
autoridade da Escritura, por causa das ligações mais íntim as e naturais entre a
Escritura, quando interpretada corretam ente, e Cristo. Em prim eiro lugar,
evangélicos observam que o próprio Jesus Cristo via a Escritura (em seu caso,
o Antigo Testamento) com o tendo sido entregue por D eus ao hom em . Esta
convicção não pode ser vista como algo que ele aceitou sem contestação de
seus contem porâneos; Cristo não hesitou em criticar aquelas crenças e práticas
do judaísm o que ele via com o inaceitáveis. N em pode ser tratado com o algo
incidental ao seu ensino; há excelentes razões para se assegurar ter sido integral
para o entendim ento que ele teve de sua missão, e um com ponente central de
seu ensino autorizado.121
A m aioria dos cristãos reconhece que o ensino de Jesus possui um status
norm ativo inerente; os evangélicos insistem em afirmar que a lealdade a Cristo
com o Senhor inclui aceitação de sua atitude para com a Escritura. Vale notar
que “cristãos não são os que crêem na Bíblia, e sim os que crêem em Cris­
to”.122 Em bora isso tenha algum m érito com o afirmação de prioridades e ên­
fases, coloca um a dicotom ia enganosa e falsa que não ajuda em nada. N ão é
questão de ou a Bíblia ou C risto, com o se esses pudessem ou devessem ser
separados. H á um a ligação orgânica e essencial entre os dois. M ostram os h o n ­
rar a Cristo, tanto ao reconhecer com o verdadeiras as Escrituras que ele mes­
m o recebeu, com o quando adm itim os serem as que a igreja nos transm itiu um
testem unho de Cristo divinam ente ins,pirado.
Em segundo lugar, e decorrendo do que acaba de ser dito, a cristologia e
autoridade escriturai são inextricavelmente ligadas, em que é a Escritura que
nos traz a um conhecim ento de Jesus Cristo. João Calvino definiu isso corre­
tam ente com o toda a razão da Escritura. O Novo Testam ento é o único docu­
m en to reconhecido pela igreja cristã capaz de in co rp o rar e rem em o rar
autenticam ente a sua compreensão de Jesus, e o im pacto que ele teve na vida e
no pensam ento das pessoas. Os relatos que tem os a respeito de Jesus, encon­
trados em fontes extracanônicas são de confiabilidade questionável, e de valor a base ce _i
estritam ente lim itado.123 O m esm o D eus que deu Jesus Cristo deu as Escritu­ realmerur :
ras com o testem unho de Cristo. E precisam ente pela palavra escrita da Escri­ cisa dessa
tura que nós, que vivemos depois de Cristo, tem os acesso à Palavra viva de cristãos. '
Deus, que nos é entregue na história. FaLa:
A autoridade da Escritura repousa, assim, sobre considerações tanto teológi­ engano;: t
cas quanto históricas: é por m eio de Jesus Cristo que o conhecim ento cristão considerir:
de D eus acontece de m aneira inconfundível, e esse conhecim ento de Jesus só com o sirarj
é dado na Escritura. E C risto quem dá unidade à Escritura: com o enfatizou o cristian3
teólogo evangélico britânico Stephen Neill, o pensam ento e assunto centrais diz respe.::
que unem todas as partes da Bíblia, e à luz dos quais essas devem ser interpre­ nível te:.: f.%
tadas, é a pessoa e obra de Jesus C risto.124 respostas :::
do Ilun::::-s:
A autoridade da E scritu ra da Escri:u:i
É coisa relativamente fácil encontrar artigos e livros originados na aca­ escocesa a:
dem ia ocidental declarando existir um a “crise em autoridade bíblica”. C o n tu ­ durante : s
do, o paradoxo é que esses artigos e livros aparecem num a época em que há filosofia. i-J
crescim ento num érico substancial em com unidades cristãs fundam entadas bases rac:: ~
biblicam ente, tais como igrejas evangélicas ocidentais que consideravam a Es­ toridade a a
critura com o autoridade, e com o as com unidades de pessoas com uns que en­ m a d ::r./ . .
contram na Bíblia um recurso básico para seus program as sociais e políticos.125 dúvidas ;: ~
H á excelentes razões para sugerir existir um a séria disjunção entre um a aca­ dade.
dem ia que acha a noção de “autoridade” repulsiva em si e é com prom etida Deve -:e
com criatividade, inovação e liberdade de pensam ento total; e cristãos com uns, toridade a : ;
que reconhecem que a Escritura se acha no cerne da vida cristã norm al, mes­ va a n te ::: : :
m o que lhes falte a estrutura teológica para identificar, com qualquer precisão, central c : m
a form a com que devem conceituar essa função distinta. D on C ur:::-
E fato bem estabelecido da história da igreja que esta sempre considerou a de afinicaa;
Escritura com o autoridade, tanto no sentido de ser a origem de suas idéias e vida, o c : f z ;
valores fundam entais, com o a crítica das idéias oferecidas provindas de outras escolha r : : ]
fontes. C om o questão de observação histórica, em prim eiro lugar, teorias que opções, e a-a
visam a dem onstrar com o a Escritura possui essa autoridade são posteriores ao um ta n t: a:
reconhecim ento de tal autoridade. Por exemplo, teorias de inspiração bíblica próprias :r ^
são realm ente tentativas de fornecer um a justificativa de jure de um a autori­ por exera:. :>
dade que já existe de facto. Tais teorias visavam a explicar por que foi atribuída à dos por a r a
Escritura essa autoridade e respeito dentro da igreja, o que não foi estabelecido de m u n e : a ;
por elas de início. D urante a Idade M édia, a Escritura foi vista como funda­ visão de a :_
m ental ao em preendim ento teológico,126 e, nas mãos de pregadores e escri­ ocidentais. -
tores hábeis tais como Bernard de Clairvaux e Thom as à Kempis, ela se tornou
a base de um a espiritualidade altam ente desenvolvida. N ada foi oferecido que
realm ente pudesse ser dito para representar um a formalização teológica pre­
cisa dessa autoridade. A Escritura estava no coração da devoção e pensam ento
cristãos.127
Falar em “crise de autoridade bíblica” m oderna é potencialm ente m uito
enganoso e leva a sérios erros. Para dizer a verdade, o núm ero de cristãos que
consideram a Escritura como autoridade está aum entando; o núm ero dos que,
com o simpatizantes de tendências mais liberais, têm se afastado das formas do
cristianismo biblicam ente centrado está desaparecendo. Se há um a crise, esta
diz respeito à m aneira em que essa autoridade é articulada e form alizada no
nível teológico, com certas abordagens mais antigas sendo agora vistas como
respostas condicionadas a evoluções culturais gerais, particularm ente na época
do Ilum inism o. A compreensão que Benjam in B. W arfield tem da autoridade
da Escritura, por exemplo, é m oldada por pressões e influências da filosofia
escocesa do senso com um , que se tornou de m uita im portância em Princeton
durante o século XIX (ver p. 141-144). C om o decréscimo do apelo dessa
filosofia, aliado a um reconhecim ento cada vez m aior da inadequação de suas
bases racionalistas, a abordagem diferente que W arfield deu à questão da au­
toridade da Escritura realmente se viu em “crise” — não por causa de nen h u ­
m a diminuição do respeito evangélico pela Escritura, mas por causa de crescentes
dúvidas com respeito à m aneira particular de basear e expressar essa autori­
dade.
Deve ser enfatizado, tam bém , que há os que têm dificuldade com a “au­
toridade da Escritura” precisam ente porque esses têm dificuldade determ inati-
va anterior com o próprio conceito de autoridade. C om o veremos, um tem a
central do m odernism o é um apelo à total autonom ia de autodefinição. Com o
D on C upitt, um teólogo de C am bridge cujos escritos m ostram um forte grau
de afinidade com essa tendência, nota, “pessoas m odernas querem viver sua
vida, o que significa fazer as próprias regras, tom ando um rum o pela vida de
escolha própria”.128 A noção de autoridade, ou de quaisquer lim itações de
opções, é assim vista com o repressiva. A m odernidade (e tam bém , de um m odo
um tanto diferente, a pós-m odernidade) quer estar livre para construir as
próprias realidades. A idéia das opções intelectuais do indivíduo a respeito,
por exemplo, da natureza e propósitos de D eus serem lim itados ou controla­
dos por um a norm a externa está potencialm ente em conflito com um a visão
de m undo que põe ênfase na autonom ia, autogeração, e autovalidaçao — um a
visão de m undo que já ganhou a ascendência na m aioria das universidades
ocidentais.129
A dim ensão libertadora da autoridade d a E scritu ra
(
A insistência evangélica sobre a autoridade da Escritura reflete a determ i­
nação de não perm itir que nada fora da herança cristã torne-se norm a para o
que é verdadeiram ente “cristão”. Críticos da noção de autoridade bíblica às
vezes sugerem que seriamos libertados se abandonássemos a autoridade da Es­
critura. Isso me parece ser simplesmente um a ordem encoberta para reconhecer
a autoridade de outro algo — ou outro alguém. A insistência crista na autori­
dade da Escritura reflete a determ inação de não perm itir que nada além da
herança cristã se torne a norm a para o que é verdadeiram ente “cristão”. A
história teológica já nos forneceu m uitos exemplos por demais desconfortáveis
do que acontece quando um a teologia corta as amarras que tinha com a in­
fluência controladora da tradição cristã, e busca norm as de fora dessa tradição.
N enhum a dificuldade há quanto a fornecer exemplos da m aneira em que
o pensam ento cristão se tem tornado cativo de um a ideologia prevalecente.
U m exemplo clássico é dado pela “teologia im perial”, cuja form ulação é espe­
cialmente associada com Eusébio de Cesaréia, que algemava a exposição da
Escritura (especialmente suas passagens messiânicas) a um a ideologia que via o
im pério rom ano com o o clímax dos propósitos redentores de Deus. C om a
conversão do im perador rom ano C onstantino, no quarto século, um a nova
era da história cristã raiou. Alguns escritores cristãos, notavelm ente Eusébio,
retratavam C onstantino com o um instrum ento escolhido por D eus para a
conversão do império. A “teologia de Rom a”, de Eusébio, parece ter causado
profundo im pacto no pensam ento cristão nesse período crucial, não menos
em deixar R om a virtualm ente im une de crítica refletiva por parte de escritores
cristãos.
N a verdade, tão íntim a era a ligação que veio a ser pressuposta entre im ­
pério e evangelho, que a pilhagem de R om a (410) pôs em perigo o futuro do
cristianism o ocidental. A queda de R om a levantou um a série de perguntas
potencialm ente difíceis para a teologia imperial. Por que Rom a fora saqueada?
Agostinho se dirige a tais perguntas em A cidade de Deus, em parte para desa­
creditar um a “teologia da história” que se tornara influente em círculos cris­
tãos, e tam bém para libertar o cristianismo dessa camisa de força que lhe tinha
sido imposta. A cidade de Deus derruba Rom a de sua posição na teologia da
história de Eusébio. N ão é mais a Rom a retratada como o instrum ento escolhi­
do de Deus para a salvação do m undo, e a preservação do evangelho. A influên­
cia restritiva controladora (e altamente deturpada) de um a ideologia imperial
sobre a exposição cristã da Escritura foi assim rem ovida.130 C om o resultado, a
queda de R om a não acarretou a queda do próprio evangelho. Escravizando-se
à ideologia prevalecente, a form a dom inante do pensam ento cristão tinha as­
itu ra segurado sua sobrevivência — realmente, sua ascendência — no curto prazo.
; :r i determi- Q uando, porém , aquela ideologia caiu, derrubou com ela seus aliados. Pelo
r .: rma para o m enos um a seção substancial de teologia cristã tinha chegado a depender des­
-i-r n b lica às sa ideologia. A grande contribuição de Agostinho foi perm itir que ela redesco-
: uuude da Es- brisse sua verdadeira legitimação e alicerce na Escritura, conform e lida e recebida
L'i reconhecer dentro da igreja.
um ::a autori- U m exemplo mais recente dessa influência controladora não-bíblica sobre
mmu além da o cristianismo pode ser encontrado olhando-se a história da igreja alem ã sob
? mistão”. A Adolfo Hitler, que foi obrigada a reconhecer a autoridade da “cultura alemã”.
e:# umortáveis Alguns se subm eteram m ansam ente a essa camisa de força ideológica; outros
m i ;;'.u a in- foram suficientem ente ousados para insistir que o cristianism o precisa per­
■ri tradição. m anecer fiel a si mesmo, assum indo sua herança com a m aior seriedade, e
Lrmiru em que recusando ser controlados por qualquer outra coisa senão o Cristo vivo, como
r r evalecente. é encontrado na Escritura. Com o notam os mais cedo (ver p. 31-32), a celebrada
- .i : i o é espe- Declaração de Barmen, de maio de 1934, rejeitou a doutrina nazista de que
3 uqosição da Deus estava agora trazendo um a nova mensagem à hum anidade por m eio da
: u: i que via o história alemã, um a visão que já tinha sido afirmada abertam ente por teólogos
_ eus. C om a com o Paul Althaus, em 1933.131 Essa declaração foi rejeitada pelos “cristãos
uma nova alemães”, um grupo dentro das denom inações principais protestantes, que
mm Eusébio, eram simpatizantes de Hitler. A C onsulta Ansbacher, publicada pelos “cristãos
- eus para a alemães” em junho de 1934 em resposta à Declaração Barmen, declarava que
e mr causado teologia e igreja deveriam receber suas sugestões da cultura e do Estado, e
. .tio menos argum entavam que a igreja se deveria adaptar radicalm ente para se conform ar
■u; escritores à nova situação alemã, reconhecendo que Deus dera ao povo alemão “um
piedoso e fiel governador”, na pessoa de Adolfo H itler.132
entre im- M uitas formas de liberalismo teológico nos convidam a buscar norm as
: : ruturo do tiradas de experiência e cultura hum anas, e reconhecer a autoridade da Escri­
m nerguntas tura onde acontece que ela as endossa ou repercute. A dificuldade para o libe­
in mqueada? ralismo é que seu acom odacionism o cultural sim plesm ente torna a teologia
te rara desa- cristã um refém da ideologia cultural dom inante, de um a form a que m ostra
c. mulos cris- paralelos alarmantes com a situação que se desenvolveu na crise da igreja ale­
cue Lhe tinha mã, no meio da década de 1930.133 A Declaração de Barmen não foi tanto um
i Teologia da protesto contra H itler e o nazismo (em bora, sem dúvida, tenha sido isso);
em o escolhi- representou tam bém um a afirmação apaixonada da necessidade da fé e teolo­
«: A influên- gia cristãs evitarem m isturar-se nas amarras de um a cultura prevalecente. Stan­
t f.i imperial ley Hauerwas e W illiam H . W illim on com entam :
i resultado, a
A Alemanha nazista foi o teste supremo para a teologia moderna. Ali
rim zando-se
experimentamos o “m undo moderno” que tanto tentáramos entender e
t i : rinha as­
tornar acreditáveis, como se eles fossem o m undo, não só da visão que
f
52

Copérnico tinha de m undo, dos computadores e do dínamo, mas tam ­


bém dos nazistas. Barth ficou horrorizado ao constatar que faltavam à sua
igreja os recursos teológicos para se postar contra Hitler. Foram os teólogos
liberais, os que gastaram suas carreiras teológicas traduzindo a fé em ter­
mos que podiam ser entendidos por pessoas modernas, e que usaram a
criação da civilização moderna, que foram incapazes de dizer não. Alguns,
como Emanuel Hirsch, até disseram sim a Hitler.134

C om o tantos outros teólogos alemães liberais da época, H irsch deixou de ver


os perigos de perm itir que a teologia escorregasse aos poucos para a servidão à
cultura prevalecente — m esm o quando essa cultura se tornou nazista.
Deve-se lem brar aqui que foram os acadêmicos alemães que deram seu
apoio com pleto à política de Kaiser W ilhelm , em 1914.135 E facilm ente es­
quecido — ou deliberadam ente suprim ido pelos simpatizantes com um a teo­
logia liberal dirigida pela cultura — que foram os principais teólogos liberais,
com o Adolfo von H arnak, que sustentaram a política bélica imperial agressiva
nessa época. N ao é de adm irar que Karl Barth tenha sentido que seu m undo
estava despedaçado, ao ver seus reverenciados professores liberais alinhando-se
para sustentar a política de guerra na Europa. M ais tarde, Barth recordou:

Para mim pessoalmente, certo dia no início de agosto daquele ano se destaca
como um dia negro, no qual noventa e três intelectuais alemães, entre os
quais fiquei horrorizado em descobrir quase todos os meus até aqui vene­
rados mestres de teologia, publicaram uma profissão de apoio à política
de guerra de Kaiser W ilhelm II e seus conselheiros. Estupefato diante de
sua atitude, reconheci que eu não podia mais seguir a ética e a dogmática
deles, nem seu entendimento da Bíblia e da história, e que a teologia do
século XIX nao tinha mais nenhum futuro para m im .136

E o que estava fazendo — pergunta-se agora — a academia soviética du­


rante a noite escura da alma russa?137 Toda a evidência dem onstra que os aca­
dêm icos soviéticos eram pouco m ais do que fantoches que davam apoio
dissimulado à opressão chocante do stalinismo. M uitas vezes se sugere que a
academ ia é a salvaguarda da liberdade. A evidência sim plesm ente não endossa
isso. A A lem anha m arxista e a U nião Soviética stalinista são exemplos claros de
um a academia que concedeu apoio, tanto passivo quanto ativo, à opressão. O
existencialismo de M artin Heidegger pode ter provado ser de valor inestimável
para m uitos, buscando paz interior e um a existência verdadeiram ente autênti­
ca. C ontudo, o Rektoratsrede de Heidegger de Freiburgo defendia abertam ente
o apoio do socialismo nacional. N ao se deve fazer vista grossa à ironia deste
ponto. A igreja deve olhar para outro lugar e não para a academia, se ela vai
m anter sua liberdade e evitar o exílio perene à beira de um a cultura secular.
Reconhecer a autoridade da Escritura é, pois, algo profundam ente liberta­
dor. Livra-nos da exigência escrava que nos faz seguir cada tendência cultural, e
todas elas, e oferece-nos um a estrutura pela qual podem os julgá-las, como a
Igreja Confessional escolheu julgar Hitler, em vez de segui-lo — a despeito da
enorm e pressão cultural colocada sobre eles para que se conform assem ao cli­
m a cultural que existia. Recuperar a Bíblia perm ite-nos im itar a Cristo, em vez
do mais recente capricho de um a cultura fragm entada e confusa.138
H á aqui um a lição para as igrejas ocidentais do dia de hoje, que muitas
vezes parecem estar lançando-se indiscrim inadam ente aos pés das norm as cul­
turais de hoje. Só redescobrindo norm as de fora e à parte de nossa cultura é
que podem os evitar tornar-nos escravizados ao que Alasdair M aclntyre cham ou
de as “Auto-Im agens da Era”. Criticam os os teólogos liberais alemães por apoia­
rem a política imperial de guerra em 1914, enquanto voltamos um olho cego ao
fato de eles estarem sim plesm ente endossando um a tendência cultural geral.
Criticam os os cristãos alemães por obedecerem a H itler na década de 1930,
convenientem ente optando por nao ver que eles estavam sim plesm ente sub­
m etendo-se às norm as culturais prevalecentes. H oje, estamos fazendo o mes­
m o, perm itindo-nos e às nossas igrejas seguirem norm as e valores societários,
sem restrição a suas origens e alvos. Perm itir que nossas idéias e valores tornem -
se controlados por qualquer coisa ou pessoa que não a auto-revelação de Deus
na Escritura é adotar um a ideologia, em vez de um a teologia; é tornar-nos
controlados por idéias e valores cujas origens se acham fora da tradição cristã
— e potencialm ente tornar-nos escravizados por eles.
Essas idéias e valores podem ser poderosos corretivos para teologias preguiço­
sas e irresponsáveis, assim como o marxismo tem gerado um a crítica de aspectos
de pensam ento social cristão e feminismo de tendências patriarcais dentro da
igreja. Mas valores marxistas e “experiência feminina” — para dar nom e a ape­
nas dois exemplos aos quais outros poderiam prontam ente ser acrescentados
— não se podem tornar fundam entais para o cristianismo, que é fundam enta­
do em Deus, com o é conhecido em Cristo. O exemplo da igreja alemã sob
H itler é instrutivo, em que destaca a necessidade para um critério pelo qual a
igreja pode julgar o m undo secular. U m a teologia que tem base em valores,
quer sejam radicais ou conservadores, tirados som ente do m undo secular, tor-
na-se im potente para criticar esse m undo. Se a igreja perm ite que suas idéias
principais tornem -se fundam entadas em um conjunto de crenças ou valores,
dificilmente está num a posição em que possa criticar esses valores, o que só
debilitaria sua posição. U m a teologia baseada na cultura alemã, portanto, se
achou sem quaisquer meios sustentáveis de criticar essa cultura quando ela se
tornou odiosa. O que antes fora aceito com o liberador acabou m ostrando-se
decididam ente ameaçador e sinistro. E im portante que teólogos como Karl
Barth e D ietrich Bonhoeffer, que se recusaram a procurar Deus em outra parte
senão em Jesus Cristo, providenciassem a mais séria e refletida oposição às
guerras de cultura travadas pelo Terceiro Reich.
Para ilustrar a m aneira com que a Escritura pode ser escravizada pelos que
professam libertá-la, explorarei os escritos de John Shelby Spong, especialmente
Rescuing the Biblejrom Fundamentalism [Salvando a Bíblia do fundamentalismo]
(1991).’39 Todos nós conhecemos o problem a do fundam entalism o. Em 1910,
surgiu o prim eiro de um a série de doze livros intitulados The Fundamentais [Os
fundamentos] - 1 4 0 Por um a série de acidentes históricos, o term o “fundam entalis-
ta” tom ou o seu nom e desta série de trabalhos. O fundam entalism o surgiu como
um a reação religiosa dentro da cultura estado-unidense ao aparecimento de um a
cultura secular.141 A despeito do amplo uso do term o para referir-se a m ovim en­
tos religiosos dentro do islamismo e judaísmo, o term o original e apropriada­
m ente designa um m ovim ento dentro do cristianismo protestante nos Estados
Unidos, especialmente durante o período de 1920-40. Os pontos fracos desse
movimento são bem conhecidos, e não requerem que seja exposta aqui nenhu­
m a documentação. Se vamos, porém , rejeitar o fundam entalism o, o que vai
substituí-lo? H á um a necessidade real de resgatar a Bíblia do fundamentalismo;
mas os que têm a pretensão de salvá-la muitas vezes a estão algemando a seus
fins.
E aqui que entra o bispo Spong, cuja com petência teológica um tanto
m odesta é vastam ente excedida pela sua habilidade de conseguir a atenção da
mídia. Em Rescuing the Bible from Fundamentalism [Salvando a Bíblia do f u n ­
damentalismo] — um a obra que provavelmente teria sido descartada como
inteiram ente inconseqüente não fosse o seu autor um bispo (um fato enfatiza­
do com peso na capa da frente) — Spong propõe-se a libertar a Bíblia da
influência fundam entalista repressora. Logo se torna claro, porém , que a Bíblia
será “libertada” unicam ente para ser escravizada às norm as culturais mais re­
centes prevalecentes entre a elite liberal da “Nova Inglaterra” [o nordeste dos
EU A ]. A obra é tão agressiva em sua m odernidade com o é seletiva e superficial
em sua argum entação, e intolerante e demissível dos pontos de vista de outros.
Por exemplo, em certo ponto, Spong tenta propor a idéia de que Paulo
poderia ter sido um homossexual. Poucas páginas à frente, isso aparenta ter se
tornado um resultado estabelecido de estudos avançados do Novo Testam en­
to, levando Spong à conclusão de que um dos maiores mestres da igreja foi um
“hom em gay rigidam ente controlado”.142 E onde está a dura evidência históri­
ca para essa afirmação dramática? Em lugar nenhum . N ão se pode deixar de
pensar se o que acontece aqui é o caso de o Novo Testam ento estar sendo
m enos do que massageado sutilm ente, para se adequar à sensitividade de um a
consciência liberal retrospectiva.
Vê-se quase a mesm a coisa em sua obra B om o fa Woman [Nascido de uma
mulher] (1992),143 na qual ficamos sabendo que M aria, longe de ser um a vir­
gem, foi na realidade um a vítim a de estupro. E a crua evidência histórica para
isso? N enhum a. Mas Spong aparentem ente espera que seus leitores aceitem
seus pontos de vista fortuitos com o achados de estudos do Novo Testam ento,
e que reconstruam sua visão de fé e vida cristã com o resultado disso. Só se
pode sentir que argum entação razoável foi aqui substituída po r um apelo es­
pecial e um a petulante asseveração, mais características dos grupos fundam en-
talistas aos quais o bispo Spong faz tanta objeção.
O bispo Spong reconhece que seus pontos de vista são impopulares, e
acredita que isso acontece porque esses são com pletam ente atualizados e in­
telectualm ente respeitáveis. Spong não foi feliz. Seus livros não foram p o p u ­
lares. Ele constrói um m undo de fantasia, no qual sua visão de um a cultura
politicam ente correta o leva a im por estereótipos sociais sobre o Novo Testa­
m ento, com um dogm atism o feroz e sem critério e um a falta de perspicácia e
responsabilidade cultural que m uitos presum iram só serem associados aos se­
m elhantes de Jerry Falwell. O caráter pseudo-erudito da abordagem de Spong
já foi apontado por N . T. W right.144 Referindo-se às tentativas de Spong de se
colocar com o um herói perseguido, de pé pela verdade no m eio de um oceano
fundam entalista, W right comenta:

[Spong] vai em frente, construindo mundos históricos imaginários e con­


vidando-nos a basear nossa fé e vida nesses m undos de imaginação. Se
recusamos esse convite, ele, sem dúvida, lançará sua palavra de abuso pre­
dileta contra nós de novo. Mas se todos que discordam dele mostrassem
ser fundamentalistas, suponho que todas as igrejas fundamentalistas do
m undo não seriam capazes de conter os novos membros que, de repente,
chegariam às suas portas.145

M inha argum entação é que não basta discutir a necessidade de arrancar a Es­
critura dos que a aprisionam dentro das limitações severas de um a abordagem
fundam entalista. M uitas vezes, os libertadores da Escritura passam a encerrá-
la im ediatam ente dentro de sua visão de m undo. Isso não é libertação; isso é
m eram ente um a troca de ditadores, semelhante à que foi experim entada pelos
que tiveram a desventura de viver nas regiões orientais da A lem anha em 1945,
e que se viram libertados de H itler apenas para descobrir que tinham sido
salvos por Stalin.
A b o rd a g en s riva is à autoridade m elhor m oc : J
co,147 o lib e rai
Para alguns escritores, a noção de “a autoridade da Escritura” é inaceitável
ocidental tem :
por causa de um com prom etim ento anterior com a autoridade de alguma coisa
só terá de a rre
diferente. Em parte, o compromisso evangélico com a autoridade da Escritura
pode ser levaaa
representa um a avaliação cuidadosa e crítica de abordagens rivais à autoridade, e
ra ocidentá- sI :
um a afirmação de que a Escritura deve ser vista como detentora de m aior peso
Além c:í;
teológico e espiritual do que essas abordagens. N o que se segue, exploraremos
ser s u s te n ta i: i
quatro abordagens rivais, sujeitando-as à avaliação crítica. Cada um desses con­
questionarem:;:
ceitos é complexo e digno de discussão por direito próprio; lamentavelmente,
há um só r : r.;
um a análise assim, da extensão de um livro, iria além do escopo do presente
com o o que a,
estudo. As quatro áreas a serem discutidas não podem ser tratadas com um a
cidade: “cuuur
am plitude que satisfaça àqueles que têm preocupação com certa metodologia.
sociedade num.
São estas as quatro áreas em questão:
crenças e vu_; r
1. C ultura verdadeiras
2. Experiência turalm ente r.: n
3. Razão m o tinha urr. :
14. Tradição tornou-se v :r:-
As duas prim eiras são características de abordagens “liberais” para a teolo­ da sociedace :■
gia; aflitas com a particularidade da fé cristã, elas tentam basear teologia em do século X • .
fundam entos ditos “universais”. Com eçam os considerando que autoridade se cultura; agara
pode atribuir à cultura. dos por uma :
pluralidade c :'
1. Cultura
liberdade m a a.
Alguns escritores liberais têm argum entado que a teologia deve buscar sua U m excue
legitimação e justificativa pública engajando-se com a cultura ocidental. U m m o cultura* : r
excelente exemplo dessa abordagem pode ser encontrado nas obras de G ordon pode ser e m ::
Kaufm an, que argum enta do seguinte m odo: volvimentc a ;
tava ter des:: :
As raízes da teologia não se restringem à vida da igreja ou a dogmas ou revelaram cue
documentos especiais venerados na igreja, nem podem elas ser encontra­
tura ocidemu-
das em algo tão rudim entar como a “experiência crua”. Antes, serão en­
da tentativa
contradas na(s) linguagem(ns) comum(ns) da cultura ocidental em geral.146
juízos ou m ru
valores e erm a
A inda assim esta afirmação levanta perguntas fundam entais de tal m agnitude,
tem sido ter aa.
que essa abordagem à teologia afunda antes de sair do porto. Por que cultura
tensões à u m e
ocidental? O que poderia concebivelm ente justificar essa etnocentralidade? Algo
espécie de ar r.
alarm antem ente parecido com um bruto imperialismo cultural se aninha den­
samente a
tro dessa afirmação, que elim ina o resto da cultura global com o teologica­
m ente insignificante. C om o os liberais britânicos do século XIX criam que o
57

m elhor m odo de aperfeiçoar o m undo era trazê-lo todo sob o governo britâni­
co,147 o liberalismo teológico parece presum ir que só um a perspectiva liberal
aceitável
ocidental tem qualquer viabilidade global. O cristianismo asiático e africano
t u coisa
só terá de aprender com os seus superiores ocidentais. Essa abordagem não
tritura
pode ser levada a sério no m undo de hoje, onde as falhas e limitações da cultu­
iade, e
ra ocidental sao evidentes, até para os que vivem dentro de seus limites.
:: r peso
Além disso, o apelo ingênuo à “cultura ocidental” no singular não pode
riremos
con- ser sustentado num a cultura pluralista m oderna. A abordagem liberal está in­
questionavelm ente na sua m aior credibilidade dentro de um contexto em que
Lmente,
há um só ponto de vista característico da sociedade com o um todo — tal
•rríente
& com o o que parece ser presum ido pela expressão que desarm a pela sim pli­
rr. uma
cidade: “cultura ocidental”. O sociólogo Peter L. Berger observa que “toda
íi-oçia.
sociedade hum ana tem seu corpus de sabedoria oficialmente reconhecido, as
crenças e valores que a m aioria das pessoas aceita como auto-evidentem ente
verdadeiras”. H ouve um ponto em que a sociedade ocidental foi tanto cul­
turalm ente homogênea como declaradamente cristã. Nesse contexto, o liberalis­
m o tinha um apelo considerável. Essa abordagem pura e meticulosa, porém ,
tornou-se virtualm ente impraticável pelo pluralismo crônico intelectual e moral
reoio- da sociedade ocidental m oderna. N o passado — por exemplo, na Inglaterra
em do século XVI — , pode ter existido um só conjunto de crenças e valores num a
me se cultura; agora, há m uitas crenças e valores com petitivos em oferta, incentiva­
dos por um a constituição política que chega a ver a tolerância e cultivo de
pluralidade como um alvo nacional em si m esmo, consoante com a busca de
liberdade individual.148
c.~ >ua. U m excelente exemplo de um a obra relevante para ilustrar esse imperialis­
- Um m o cultural ocidental, enquanto reivindicando estabelecer norm as universais,
>rion pode ser encontrado na análise de Lawrence Kohlberg a respeito do desen­
volvim ento de estágios morais da infância à idade adulta.149 Kohlberg acredi­
tava ter descoberto um m odelo de cultural universal; seus num erosos críticos
revelaram que seus “estágios m orais” só se referiam a hom ens brancos na cul­
tura ocidental pós-Ilum inism o.150 A m esm a falácia fundam ental está por trás
da tentativa liberal de globalizar ou totalizar com base na cultura ocidental;
juízos ou verdades supostam ente “universais” são apresentados com base de
valores e crenças particulares altam ente etnocêntricas. O liberalismo ocidental
írura tem sido forçado a ceder sua particularidade cultural, e a abandonar suas pre­
~_^0 tensões à universalidade. As implicações teológicas desta evolução para qualquer
espécie de apelo à “cultura” como recurso teológico fundam ental serão doloro­
sam ente óbvias.
;e o
U m liberalismo teológico desse ripo, portanto, encontra o próprio cresci­
m ento à deriva, perdendo o que foi outrora seu ancoradouro certo e seguro.
Q ue senso há na criação de um apelo universal à “cultura” quando não existe
um a cultura universal a que se apelar? Berger com enta sobre as enorm es di­
ficuldades que a iniciativa liberalista teológica enfrenta, na m oderna cultura
pluralista ocidental:

Os vários esforços feitos por cristãos para acomodar a “sabedoria do m un­


do” nessa situação tornam-se um empreendimento difícil, desesperado e
mais do que um pouco ridículo. Cada vez que se tem, depois de enorme
esforço, conseguido ajustar a fé à cultura prevalecente, essa cultura se vol­
ta e muda. [...] Nossa cultura pluralística força os que querem modernizar
o cristianismo levando-o a um estado de excitação permanente. A “sabe­
doria do m undo”, que é o padrão pelo qual eles gostariam de modificar a
tradição religiosa, varia de um local social para o outro; e o que é pior:
mesmo no mesmo local continua m udando, muitas vezes rapidamente.151

A análise sociológica de Berger torna claro que alguns pontos de vista serão “a
sabedoria aceita em um m eio social e a com pleta tolice, em outro”. O u, dito
de outra forma, não é um m odo universal de pensar ou estipular valores; é
socialmente localizado, num a classe ou grupo social específico. Mais cedo no­
tam os com o o “fundam entalism o” é m uitas vezes ligado com um endereço
sociológico que pareceria algo como “classe m édia baixa do extremo sul”. O
liberalismo tem tradicionalm ente ocupado um endereço sociológico um tanto
diferente: o da elite cultural. O s com entários perceptivos de Berger merecem
aqui ser estudados de perto:

A sabedoria do mundo hoje tem sempre um endereço sociológico. Em conse­


qüência, toda conformação dessa sabedoria por parte de cristãos será “rele­
vante” em um cenário social m uito específico (geralmente determinado
por classe), e “irrelevante”, em outro. Os cristãos, portanto, que partem
para uma conformação da fé ao m undo moderno devem perguntar-se a
que setor desse m undo buscam se dirigir. M uito provavelmente, qualquer
aggiornamento [atualização] com que aparecerem incluirá alguns, e ex­
cluirá outros. E se o aggiornamento é empreendido com a elite cultural em
mente, é importante apreciar que as crenças desse grupo particular são as
mais volúveis de todas.132

É, pois, potencialm ente sem sentido falar ;sobre “tornar o cristianismo rele­
vante para o m undo m oderno” ou para “a cultura ocidental”. Isso implica em
59

::esci- um a universalidade teórica para com “o m undo m oderno” e para com a “cul­
rguro. tura ocidental” que está ausente na realidade. Toda tentativa de conform ar o
existe cristianismo às crenças de um grupo social dem onstra ser esse grupo irrele-
-^ vante para o outro. O paradoxo subjacente de toda iniciativa liberalista é que
:ui.rura para alguém que tenha o evangelho como “relevante”, há mais alguém para
quem ele é irrelevante.
U m problem a mais fundam ental, entretanto, está relacionado com a in­
sistência liberalista tradicional que quer que a teologia cristã se relacione com
“m odos m odernos de pensar” ou “valores aceitáveis à nossa cultura”. N um a
cultura m onolítica, essa estratégia é bastante direta, quaisquer que sejam suas
deficiências teológicas. N o entanto, num a sociedade abertam ente com prom is­
sada com o pluralismo, essas exigências degeneram em chavões vazios. Que racio­
nalidade, ou que modos de pensar? Que valores? O filósofo Alasdair M aclntyre,
reagindo contra a retórica simples sobre “racionalidade” e “justiça”, provocati-
vam ente deu o título a seu célebre livro Whose Justice? Which Rationality? [Justiça
de quem? Que racionalidade?] debilitando severamente os fundam entos intelec­
tuais do liberalismo. Além do mais, o passo célere de m udança cultural no
;:ío a O cidente resulta em acomodação cultural de um obsoletismo rápido; a sabe-
c ^ lto doria da m oda atual rapidam ente torna-se a m oda descartada de amanhã.
cres; e Para o historiador de teologia cristã nos últimos cinqüenta anos mais ou
c: no- menos, o m esm o m odelo pode ser visto emergir persistentem ente: o “espírito
cereço da época” acaba por mostrar-se bastante efêmero, conduzindo a um a janela
ò
■ O. igualmente breve de credibilidade para teologias que se baseiam em costumes e
: :m to ' práticas sociais contemporâneos. Foi essa observação que m otivou o comentário
em sábio de William Inge, ex-deão da Catedral de S. Paulo, em Londres: “Se você se
casa com o espírito de sua geração, você será um viúvo na próxim a.”153 Assim, as
posições radicais aparentem ente asseguradas da década de 1960 vieram a ser
derrubadas durante a década de 1980, justam ente com o o surgim ento do pós-
m odernism o reflete a credibilidade seriamente desgastada de um a racionalidade
universal que um dia foi vista com o central para o m étodo teológico “liberalis­
ta”. O notável escritor liberal judeu Eugene B. Borowitz é um crítico que pôde
perceber essa tendência fatalm ente vulnerável da teologia liberal. Exam inando
as ruínas do pensam ento religioso liberal, tanto judaico com o cristão, Boro­
witz destaca a vulnerabilidade — na verdade, a indefensibilidade — de suas
crenças centrais:

O liberalismo perdeu sua hegemonia cultural em grande parte por causa


da desmitificação de seus aliados, o racionalismo universal e a ciência.
Houve época em que os considerávamos não só nossas mais finas fontes
de verdade como também nossos mais seguros caminhos para o enobreci-
mento humano. Hoje, os intelectuais sabem que elas tratam só em possíveis
“construções de realidade”, e que as massas sentem que elas mais recomen­
dam relativismo ético do que valores e obrigações necessários.154

N o entanto, talvez a crítica mais fundam ental de todas as que foram aqui
expostas refira-se à cultura já “dada”. C om o vimos, a cultura alemã tornou-se
dom inada pelo socialismo nacional durante a década de 1930. O s que argu­
m entaram que a teologia deveria receber suas sugestões ou buscar seus alicerces
na cultura logo se viram argum entando que a teologia cristã deveria responder
à situação totalm ente nova criada pelo surgim ento do socialismo nacional,
assum indo idéias e valores nazistas (ver p. 51-52). Em anuel H irsch argum en­
to u que, visto que “o socialismo nacional, baseado no direito de m udança
histórica, tornou-se a form a auto-evidente e norm ativa de vida para todos os
alemães”, o cristianismo na Alemanha tinha a obrigação de incorporar essas nor­
mas à sua vida e doutrina.155 M uito parecido é o ponto destacado em situações
subseqüentes, com exigências para que o cristianismo conforme-se à tendên­
cia cultural mais nova, presum indo-se que qualquer direção que a cultura tom e
será, de algum m odo, o resultado de providência divina, e de im portância
obrigatória. C om o o surgim ento do nazism o e stalinism o já têm tornado
m uitíssim o claro, tendências culturais precisam ser criticadas. N ão se pode
perm itir que sejam normativas. E isso exige que o cristianismo baseie-se em
algo que transcenda particularidades culturais — especificamente, a auto-reve-
lação de Deus.

2 . Experiência
“Experiência” é um term o impreciso. As origens da palavra sao relativa­
m ente bem entendidas; é derivada de experientia, palavra latina que pode ser
interpretada com o “o que resulta da viagem através da vida {ex-perientiaf.
Nesse senso lato, isso significa “um corpo de sabedoria acumulada, que surge
por meio de um encontro de primeira m ão com a vida”. Q uando se fala de “um
professor experiente” ou de “um médico experiente”, isso implica em que o
professor ou o médico tenha adquirido sua perícia por aplicá-la em primeira
mão. C ontudo, o term o desenvolveu um sentido adquirido, que nos diz respeito
particularm ente aqui. Veio a referir-se à vida interior dos indivíduos, na qual
aqueles indivíduos se tornam apercebidos de seus sentim entos e emoções subje­
tivos.156 Relaciona-se ao m undo interno e subjetivo da experiência, com o opos­
to ao m undo externo da vida cotidiana. U m a série de escritos, incluindo o
celebrado estudo de W illiam James, The Varieties ofReligious Experience [As va-
67

: rreci- riedades da experiência religiosa] (1902), que tem enfatizado a im portância dos
: ssíveis aspectos subjetivos da religião em geral, e do cristianismo em particular. O
:: men- cristianismo não é sim plesm ente sobre idéias; é tam bém sobre a interpretação
e transform ação da vida interior do indivíduo. Essa preocupação com experiên­
cia hum ana é associada particularm ente com existencialismo, que tem procura­
■: : m aqui
do restaurar um a percepção da im portância da vida interior de indivíduos
L ::rnou-se
tanto para a teologia com o para a filosofia.157
eue argu-
D uas abordagens principais podem ser observadas dentro da teologia cris­
-s i-:cerces
tã quanto à questão do relacionam ento da experiência com a teologia:
,:í?Donder
1. A abordagem que se tornou especialmente associada com os escritores
1 -»icionaI,
liberais, que argum enta que a experiência provê um recurso fundam ental para
~ :ru m en -
a teologia cristã.
~ „ dança
2. A abordagem tradicional, associada ao evangelicalismo, que argum enta
.1 ::-dos os
que a teologia cristã oferece um a estrutura interpretativa pela qual a experiên­
' ií5is nor-
cia hum ana pode ser interpretada.
: s::uações
Com eçaremos nossa análise dessas opções considerando a prim eira posição,
r :endên-
que vê a experiência h u m an a com o explicam, algo que possui im portância
r_ra tome
explanatória ou reveladora.
r : rrância
A idéia de que a experiência religiosa hum ana pode atuar com o um recur­
l :jrn a d o
so fundam ental para a teologia cristã tem atrativos óbvios. Sugere que a teolo­
: .; í pode
gia cristã trata da experiência hum ana — algo com um a toda a hum anidade,
c:c-se em
em vez de um bem preservado exclusivo de um pequeno grupo. Para os que se
i_:> rev e-
sentem embaraçados pelo “escândalo da particularidade” a abordagem tem
m uitos méritos. Sugere que todas as religiões do m undo são basicamente res­
postas hum anas à m esm a experiência religiosa — a que m uitas vezes é possível
se referir com o “um a experiência de cerne do transcendente”. Teologia é, po r­
rr.ativa-
tanto, a tentativa cristã de refletir sobre essa experiência hum ana com um , sa-
r : de ser
bendo-se que a mesm a experiência está por trás das outras religiões no m undo.
r:-:-::ia)”.
Voltaremos a esse ponto mais tarde, ao tratar da questão do relacionam ento do
i _r surge
cristianismo com as outras religiões.
i :e "um
Esta abordagem tem tam bém consideráveis atrações para a apologética
rr. que o
cristã, como os escritos de m uitos teólogos estado-unidenses recentes, espe­
r nmeira
cialmente Paul Tillich e D avid Tracy, tornam claro. N aquilo que os hum anos
: respeito
com partilham um a experiência com um , quer optem ou não por vê-la como
n qual
“religiosa”, a teologia cristã pode se dirigir a essa experiência com um . O proble­
es subje-
m a de concordar num ponto inicial com um é assim evitado; o ponto-inicial já
o pos­
é fornecido, na experiência hum ana. A apologética pode dem onstrar que o
tando o
evangelho cristão pode fazer sentido da experiência hum ana com um . Provavel­
f va­
m ente, esta abordagem é vista em sua m elhor apresentação nos sermões de Paul
Tillich, The Courage To Be [A coragem para ser], que atraíram considerável atenção religiosa é forma'j
após sua publicação, em 1952. Para muitos, pareceu que TillicK obtivera êxito giosa” é conceirua
em correlacionar a proclamação cristã com a experiência hum ana com um .158 ficar suas caraeaei
N o entanto, há dificuldades aqui. A mais óbvia delas é a m uito pouca comunidade : : n
evidência em pírica para um a “experiência de cerne em com um ” através de que “as várias re_:í
toda a história e cultura hum ana. A idéia é facilm ente postulada, e virtual­ do Ú ltim o” e:
m ente impossível de ser verificada. Essa abordagem encontrou sua expressão mesmo um d c em
mais m adura e sofisticada na “Teoria de D outrina Experimental-Expressiva”, dificuldade em .<
para usar um term o empregado pelo distinguido teólogo de Yale, George L ind­ Com o Lindbe:.-:.
beck. E m sua obra The Nature ofD octrine [A natureza da doutrina] (1984), a possibilidace - :■
Lindbeck oferece um a análise im portante da natureza da doutrina cristã.159 mesma fé, em r
U m dos m uitos m éritos desse livro é o debate que tem iniciado com respeito a digna de créd::: s
esse aspecto injustam ente negligenciado da teologia cristã, que, recentem ente, linguagem e ; : ~
veio a assumir nova im portância por causa do im pacto do m ovim ento ecu­ articulações ce. :>
m ênico. Tentativas a;
Lindbeck sugere que as teorias de doutrina podem ser divididas em três cia inerente a ve;
tipos gerais. A teoria proposicional-cognitiva poe ênfase nos aspectos cogniti­ cia em pírica ;
vos da religião, enfatizando a m aneira em que as doutrinas funcionam como religiosos são :e>
reivindicações da verdade ou proposições informativas. A teoria experimental- que linguagem e
expressiva interpreta as doutrinas como símbolos não-cognitivos de sentim en­ pectativa de :a_ e
tos ou atitudes hum anas interiores. U m a terceira possibilidade, defendida pelo form a poderia ai
próprio Lindbeck, é a abordagem cultural-lingüística à religião. Lindbeck as­ empírico e o . : :
socia este m odelo a um a teoria de doutrina de “regra” ou “reguladora”. E a D a mesma :
crítica que Lindbeck faz à segunda dessas teorias que é de interesse particular colocada acima,
para nós a esta altura. observáveis. Ass;
A teoria “experimental-expressiva”, segundo Lindbeck, vê as religiões, in­ dessa abordaee-
cluindo o cristianismo, como manifestações públicas e culturalm ente condi­ “experiência
cionadas, e afirmações de formas pré-lingüísticas de consciência, atitudes e apreensões ex:>:;
sentim entos. Em outras palavras, há algum a “experiência religiosa” universal tende a “exper.e;
com um , que a teologia cristã (como acontece com outras religiões) procura nidade de te.
expressar em palavras. Experiência vem prim eiro; teologia surge mais tarde. m aneira comum
Conform e Lindbeck argum enta, a atração dessa abordagem à doutrina é fun­ Enquanm a
dam entada em um núm ero de características do pensam ento ocidental de fins constante atra e
do século XX. Assim, um a preocupação contem porânea com o diálogo inter- estiver articu.aa,
religioso em presta plausibilidade à visão de que as várias religiões são expressões ará a nao ccm e
diversas de um a experiência de cerne com um , tal com o um “cerne isolável de questionável: a;s:
encontro” ou um a “percepção não m ediada do transcendental”. de cultura, c.as e
A principal objeção a essa teoria, assim explicada, é sua óbvia incorreção tirar a c o n c m ú
fenomenológica gritante. Com o Lindbeck sugere, a possibilidade de experiência m ente — ela va:
63

'■'t. ãtençao religiosa é form atada por expectativa religiosa, de m odo que a “experiência reli­
mera êxito giosa” é conceitualmente derivativa, se nao vazia. “E difícil ou impossível especi­
r— ■- r ^158
ficar suas características distintas, e mesmo que isso seja feito, a afirmação da
m : pouca com unidade torna-se lógica e empiricamente inexpressiva”.160 A afirmação de
mmvés de que “as várias religiões são simbolizações diversas de um a só experiência de cerne
; - irtual- do U ltim o”161 é no final um axioma, um a hipótese não verificável — talvez até
-m ressão mesmo um dogma, no sentido pejorativo do term o — não menos por causa da
imessiva , dificuldade em localizar e descrever a “experiência de cerne” de que se trata.
íme Lind- Com o Lindbeck afirma corretamente, isso pareceria sugerir que há “pelo menos
r 1984), a possibilidade lógica de que um budista e um cristão podem ter basicamente a
m stã .159 mesma fé, em bora expressa m uito diferentemente”.162 A teoria só poderia ser
mmeito a digna de crédito se fosse possível isolar-se um a experiência “de cerne” com um da
m mente, linguagem e com portam ento religiosos, e dem onstrar que esses dois últimos são
mm: ecu- articulações de, ou respostas à primeira.
Tentativas de avaliar essa teoria são totalm ente frustradas por sua resistên­
s em três cia inerente à verificação ou falsificação. Enquanto não há disponível evidên­
i m-gniti- cia em pírica que nos perm ita avaliar a sugestão de que linguagem e ritos
tm como religiosos são resposta a um a experiência religiosa anterior, a possibilidade de
-.mental- que linguagem e ritos criem aquela experiência (por exemplo, suscitando ex­
mmmen- pectativa de tal experiência, e indicando de que m aneira ela pode surgir, e que
pelo form a poderia assumir) é pelo m enos igualm ente provável, nos dois níveis, o
:ck as- empírico ,e o lógico.163
É a D a m esm a forma, a sugestão de que a experiência de indivíduos deve ser
licular colocada acima, ou antes, da religião com um em si parece inverter prioridades
observáveis. Assim, Schleiermacher, que poderia ser visto com o o arquétipo
:: es, m- dessa abordagem experim entalm ente fundam entada à teologia, não entende
e eondi- “experiência” com o designando as indiferenciadas emoções idiossincráticas ou
imdes e apreensões existenciais de cada crente individualm ente; ao contrário, ele en­
immrsal tende a “experiência” baseada na m em ória, testem unho e celebração da com u­
rm c u ra nidade de fé.164 A im portância teológica da experiência cristã é articulada de
mrde. m aneira com um , não individualm ente.
í . e fim- E nquanto a noção de um a experiência de cerne com um que perm anece
í m fins constante através da diversidade de culturas hum anas e do fluxo da história
c mter- estiver articulada e expressa num a variedade espantosa de maneiras, continu­
messões ará a não convencer de m odo nenhum . Em piricam ente, a idéia é altamente
U-. eí de questionável: assim, Lonergan sabiamente admite que experiência religiosa varia
de cultura, classe e individuo,iL" enquanto aparentem ente sendo relutante para
c rreção tirar a conclusão que suas concessões sugerem, por mais que experim ental­
mencia m ente — ela varia de um a religião para outra. Enquanto a tradição doutrinária
64

da igreja está publicam ente disponível para análise, perm itindo, no entanto,
que seu caráter alegadamente “im utável” seja acessado criticam ente, a experiên­
cia religiosa perm anece um conceito subjetivo, vazio e nebuloso, cuja con­
tinuidade e constância diacrônicas acham-se necessariamente além da verificação
ou — com o parece ser o resultado mais provável — da falsificação.166
As linhas principais da crítica de Lindbeck sobre teorias experimentais de
do utrina que trata de d o utrina com o que lidando com experiência ubíqua
pré-refietiva particular com um a todas as religiões são oportunas e persuasivas.
Três outras críticas de tais teorias podem ser acrescentadas, com o a seguir.
Em prim eiro lugar, devemos notar a insistência enfática dentro de pelo
m enos um a linha da tradição cristã: experiência e realidade são, pelo menos
potencialm ente, para ser opostas de m aneira radical. A doutrina não expressa
nem articula necessariamente a experiência, mas pode contradizê-la. Talvez a
mais notória instância dessa atitude seja encontrada na “teologia da cruz”, de
M artinho Lutero,167 em que é colocada ênfase sim ultaneam ente na im portância
da experiência religiosa na vida crista autêntica e na falta de sua confiabilidade
com o recurso teológico. O s escritos de um “teólogo da glória” e um “teólogo
da cruz” — para usar as expressões de Lutero — sobre a “expressão que busca
experiência” dão toda a aparência de ser m uito diferentes. C ontudo, ambos
requerem ser classificados sob o m esm o-m odelo “experimental-expressivista”.
Em segundo lugar, há um a aparente suposição de que a presente experiên­
cia de um indivíduo, seja qual for ela, constitui-se no prim eiro dado da re­
ligião. Essa ênfase parece sugerir que nenhum a distinção fundam ental pode
ser feita entre a experiência de um indivíduo que, deliberada e conscientemente,
determ inou rejeitar um a religião e alguém que da mesma forma, deliberada e
conscientem ente, determ inou abraçar outra. Por exemplo, um a ocorrência cada
vez mais com um dentro da situação religiosa global, mas que traz im portantes
raízes nos estágios formativos da tradição cristã é a conversão.168 E o caso de
um indivíduo, criado dentro de ambiente puram ente secular e disposto a um
ateísmo materialista, que subseqüentemente descobre o cristianismo e se torna
um “cristão nascido de novo”. Será que a experiência desse indivíduo nas duas
situações é a mesma? C ertam ente, é inconcebível que sejam idênticas, ou mes­
m o similares, particularmente, se um a das mais experimentalmente orientadas
tradições cristãs está im plicada na experiência de conversão. Além disso, estu­
dos psicológicos empíricos têm revelado que indivíduos religiosos “com prom is­
sados” têm qualidades psicológicas e atitudes sociais m arcadam ente diferentes
dos que assumem um a posição m eram ente “consensual”.169 Em outras pala­
vras, os que ativam ente escolherem assumir um com prom isso de fé são bastante
diferentes em seus pontos de vista dos que sim plesm ente estão de acordo em
65

r : entanto, atitudes e tendências sociais, das quais a religião é um a. Essas diferenças sao
: i experiên- expressas tanto no plano experimental como no cognitivo — por exemplo, a
>: cuja con- m aneira em que a oração é experim entada e interpretada.170 C ontudo, a abor­
:r verificação dagem experimental-expressivista para a religião parece deixar de ter a estrutu­
ra conceituai para distinguir essas situações, por causa do que Lindbeck cham a
r.tientais de de “tendências de homogeneização associadas ao expressivismo-experimental
r c r ubíqua liberal”.171 A “experiência” é assim tratada por liberalismo com o algo hom ogê­
,r ersuasivas. neo, com um e imutável, não afetado por alterações em afiliaçÕes religiosas —
r é eguir. em suma, algum a coisa universal, sobre o que a teologia pode ser edificada na
i:r: de pelo arena pública.
menos ,A transição da descrença para a fé seria, portanto, considerada como que
:I: expressa envolvendo um grau de reorientação existencial, obrigando um a teoria experi-
-.c., _alvez a mental-expressivista de religião a explicar essa m udança. Por ser a conversão
:r cruz”, de um elem ento altam ente significativo na experiência religiosa hum ana, no pas­
~ ? crtância sado e no presente, a necessidade de diferenciar entre a experiência de “crer” e
Trirrilidade a de “não crer” pareceria ser um aspecto suficientem ente im portante da re­
reólogo ligião para requerer que teorias de religião e doutrina pudessem explicá-la.
: cxe busca Em terceiro lugar, um a questão séria exige atenção com respeito ao “con­
i r :. ambos teúdo” ou “referente” de u m a experiência. C om o podem os saber que — como,
rressivista”. realmente, podem os até mesmo começar a perguntar se, e em que m aneira —
< experiên- a experiência que estamos tentando capturar em um m om ento ou símbolo
Lrrr da re- verbal realmente é um a experiência de Deusi172 Q ue bases temos para sugerir
■er.Tri pode que a experiência hum ana é de algum m odo relacionada a um a realidade,
cr. remente, tradicionalm ente designada “D eus”? Sobre que bases somos autorizados a iden­
e.irerada e tificar um m om ento ou m om entos como carregados com a fragrância da d i­
ré r. cia cada vindade, e nao sim plesm ente um a experiência hum ana e m undana? O grande
r. r : rtantes dilem a do jovem Karl Barth, preparando seu sermão do dom ingo em Safen-
. : caso de wil, torna-se o nosso dilema. Para Barth, a pergunta decisiva dizia respeito às
■: :tj a um palavras que ele pregaria: com o poderia ele descansar assegurado de que essas
e se torna palavras de algum m odo incorporavam ou transm itiam a palavra de Deus, e
c ras duas não m eram ente as suas palavras? Em que sentido ele podia alegar que estava
í :u mes- proclam ando a palavra de Deus, e não m eram ente em prestando um a legitim i­
c r.entadas dade e autoridade imerecida às palavras de Karl Barth? Com o pode a “experiên­
: í .; estu- cia buscando expressão” ser identificada com o experiência de Deus, e não com o
rr.rrom is- experiência de um m undo secular e ateísta, ou um solipsismo existencial e
c.rerentes excêntrico? E o que dizer de religiões não-teístas? Sem dúvida, um relato ex-
Liras pala- pressivo-experim ental do budism o de T heravada insistiria em que aquela
: rastante tradição dá acesso à experiência religiosa — mas será que pode ser vista como
c : rdo em um a experiência de Deus, quando aquela m esm a tradição explicitamente repu­
dia essa sugestão? Experiência pode de fato buscar expressão — mas pede tam ­
bém um critério pelo qual pode ser julgada.
Além disso, este ponto pode ser desenvolvido particularm ente à luz da
tendência ao secularismo na sociedade ocidental. A abordagem “expressiva-
experim ental” à religião e doutrina afirma a prim azia da experiência atual como
o m eio da revelação de Deus. A pressuposição im plícita desta abordagem é
que há algum a experiência para expressar — por exemplo, a noção de Schleier-
m acher de piedade com o um senso de dependência absoluta, a categoria do
num inoso de- O tto , e a experiência de Tillich do incondicional. E se não há
nenhum a experiência para expressar? Se Deus é conhecido com o ausente do
seu m undo — que Bonhoeffer sugere ser o resultado inevitável em um “m u n ­
do já de m aioridade”173 — em que sentido podem os afirmar que ele está pre­
sente*. Tom ando o evento da crucificação como paradigma, Lutero argum enta
que a experiência é corrigida pela doutrina; que a experiência é interpretada
apropriadam ente, até o ponto de ser contestada, por e dentro de um a estrutu­
ra teológica. Experiência, em outras palavras, é o explicandum, em vez de a
explicans-, é o que exige ser interpretado, em vez de ser o agente interpretador
em si. D eus é conhecido (experim entado) com o ausente; a doutrina afirma
que D eus está presente de form a o culta.174 A teologia se engaja com a ex­
periência hum ana; contudo, a experiência m uitas vezes precisa ser criticada e
radicalm ente reinterpretada. Este é um tem a m uito im portante na “teologia
da cruz”, de L utero.175 Para Lutero, a cruz'm onta um ataque poderoso sobre
outro recurso hum ano, sobre o qual demasiado peso espiritual é m uitas vezes
colocado, especialmente no pensam ento ocidental m oderno. A experiência do
indivíduo é destacada como tendo autoridade reveladora. “O que eu experi­
m ento é que é o certo”. “Eu não o experim ento dessa form a.” Lutero sugere
que a experiência individual é com freqüência seriamente não confiável como
guia para questões de fé. A m aneira em que experim entam os as coisas não é
necessariamente a m aneira que as coisas realmente são.
E esta tensão potencial entre a teologia e a experiência que levanta tantas
dificuldades para escritores liberais, tais com o D avid Tracy e Schubert O gden.
C om o tem sido apontado m uitas vezes, o m odelo oferecido sistematicamente
por tais teólogos m inim iza tanto “a particularidade histórica da tradição [cris­
tã] com o a força de seu conflito com a experiência”.176 Por essas razoes, a
segunda abordagem esboçada para o entendim ento da relação entre experiên­
cia e teologia tornar a ser ouvida.
Segundo essa abordagem, a experiência é um explicandum, algo que em si
requer ser interpretado. A teologia cristã oferece um a estrutura pela qual as
am bigüidades da experiência podem ser interpretadas. A teologia visa a inter­
67

■r rde tam - pretar a experiência. É como um a rede que podem os lançar sobre a experiên­
cia, a fim de capturar seu sentido. A experiência é vista com o algo para ser
:r 7 iuz da interpretado, em vez de algo que em si é capaz de interpretar. A teologia cristã
em.mssiva- visa assim a dirigir-se a, interpretar e transformar a experiência hum ana. N o
com o que se segue, eu m e proponho a explorar esses temas com referência particular
: r "igem é aos escritos de M artinho Lutero e C. S. Lewis. A teologia européia, com sua
e mvnleier- longa tradição de lutar com a experiência dentro de um a estrutura cognitiva,
tr m r ia do tem um a contribuição im portante a fazer dentro desta discussão global, de
r j não há relevância especial num a era centrada-em -experiência.177 Três pontos podem
sente do ser aqui dispostos.
:m "m un- Prim eiro, a teologia se dirige à experiência. A teologia cristã não pode
e esri pre- perm anecer fiel ao seu conteúdo se ela se vê com o puram ente proposicional
. ju m e n ta ou cognitiva em sua natureza. O encontro cristão com D eus é transform ativo.
:e:rrerad a C om o Calvino afirmou, conhecer Deus é ser m udado por Deus; o verdadeiro
7 estrutu- conhecim ento de D eus leva à prestação de culto, à m edida que o crente é
rz de a arrebatado em um encontro transform ador e renovador com o D eus vivo.
rr :e :a d o r Conhecer Deus é ser m udado por D eus.178 C om o Soren Kierkegaard com en­
77 iíirm a ta em seu Unscientific PostScript [Post-scriptum a Migalhas Filosóficas], conhecer
c 77. a ex- a verdade é ser conhecido pela verdade. “Verdade” é algo que afeta nosso ser
rm ead a e interior, à m edida que ficamos envolvidos em “um processo apropriado da
‘teologia mais apaixonada interiorização”.179
: s : sobre Isto não tem , em nenhum sentido, o objetivo de negar ou tirar a ênfase
ims vezes dos aspectos cognitivos da teologia cristã. Visa só a observar que a teologia é
ien d a do mais do que só informação intelectualizada. U m a teologia que toca a m ente,
_ rxperi- deixando de afetar o coração, não é a verdadeira teologia cristã — ponto enfa­
■: sugere tizado tanto por Lutero com o por Calvino. Em bora Lutero seja crítico do
eom o papel da experiência em espiritualidade, não o descarta com o um a irrelevân­
ó - não é cia. N a verdade, Lutero insiste em que, para ser um teólogo, há necessidade de
um a experiência básica. Ele descreve esse conceito em breves palavras num a de
■7 rantas suas mais difíceis e mais citadas afirmações: “E viver, morrer, e até ser conde­
vdden. nado que faz um teólogo; não ler, especular e entender”.180 Ser um teólogo
7777.ente verdadeiro é não lutar com ninguém a não ser com o Deus vivo — não com
í: _cris- idéias sobre Deus, mas com o próprio Deus. E como pode um pecador sempre
semes, a esperar tratar adequadam ente com esse Deus?
tre riê n - Se você quer ser um teólogo de verdade — Lutero insiste — , precisa ter
experimentado um sentimento de condenação. Precisa ter passado por um m o­
le em si m ento de clara compreensão, em que reconhece o quanto é realm ente peca­
cual as dor, e o quanto merece a condenação de Deus. A m orte de Cristo sobre a cruz
a inter­ escreve, letra por letra, a extensão plena da ira de Deus contra o pecado, e nos
68

expõe com o quem é condenado. Só deste ponto podem os apreciar por com ­ Es:,
pleto o tem a central do Novo Testam ento — com o D eus pôde livrar o peca­ na. Er.:
dor da sua destruição. Sem um a percepção com pleta de nosso pecado, e do vazam,
temível abismo aberto entre nós e Deus, nós não podem os apreciar a alegria e tar seir.r
m aravilha da proclamação do perdão que se alcança por meio de Jesus Cristo. que aieu
N u m a carta a seu colega Philip M elanchthon, datada de 13 de janeiro 1522, os — í
Lutero sugeriu que ele fizesse a seguinte pergunta sobre os assim chamados realizara
“profetas” que estavam na época confundindo os fiéis de W ittenberg: “Têm um a M r
eles experim entado aflição espiritual e o divino nascim ento, m orte e infer­ Allen .
no?”. U m a lista de sensações espirituais não é nenhum substituto pelo terror que O ;
acom panha um encontro real com o Deus vivo. Para esses profetas modernos, conta::
Lutero afirmou: “o sinal do Filho do hom em está faltando”. Quase qualquer essa pr:
um pode ler o Novo Testam ento, e ver nele algum sentido. Lutero insiste, por D r.
porém , em dizer que o verdadeiro teólogo é alguém que experim entou o senso intuiçã:
de condenação por causa do pecado — que lê o Novo Testam ento e reconhece satisfaz:
que a mensagem de perdão é a boa-nova. O evangelho é assim experimentado conter.:
com o algo libertador, que transform a a nossa situação, que é relevante para Deus. z
nós. E m uito fácil ler o Novo Testam ento com o se fosse nada mais do que um a pode ::
produção literária. Lutero nos lem bra que é só pelo reconhecim ento de nosso segue r
pecado, e todas as suas implicações, que podem os apreciar plenam ente a m a­ fim ale.
ravilhosa e encorajadora declaração de que D eus já perdoou nossos pecados eterniz
por m eio de Jesus Cristo. impe:
Em segundo lugar, a teologia interpreta a experiência. E um a conseqüên­ e sua ::
cia da doutrina cristã da criação: fomos feitos à imagem de Deus. H á aí a palavra
capacidade em butida — podem os até dizer a necessidade em butida — de nos coraçã.
relacionar com Deus. Deixar de relacionar-se com D eus é deixar de ser com ­ saudac
pletam ente hum ano. Ser realizado é ser plenificado po r Deus. N ada transi­ distar.:
tório pode preencher essa necessidade. N ada que não seja o próprio Deus Er
pode esperar tom ar o lugar de Deus. Assim mesmo, por causa da decadência mo te:
da natureza hum ana, há hoje a tendência natural de se tentar fazer com que existèr.
outras coisas preencham essa necessidade. do na
O pecado nos afasta de Deus, e nos leva a pôr outras coisas em seu lugar. contir.
Essas vêm para substituir Deus. Elas, porém , não satisfazem. E, com o a cri­ marav
ança que experim enta e expressa insatisfação quando o pino quadrado nao se ravilha
encaixa no orifício redondo, passamos a experim entar um sentim ento de in­ gemic
satisfação. D e algum a forma, perm anece em nós a sensação de necessidade oferez
de algo indefmível, de que a natureza hum ana nada sabe; só sabe que não o reelarv
possui. sua irr
fazer c
Este fenôm eno tem sido reconhecido desde a aurora da civilização hum a­
na. Em um de seus diálogos,181 Platão com para os seres hum anos a jarros que
vazam. D e algum a forma, nunca estamos totalm ente realizados. Podemos es­
tar sempre despejando coisas nos “recipientes” de nossa vida, mas algo im pede
que alguns deles estejam inteiram ente abastecidos. Estamos sempre m eio vazi­
os — e por esta razão, experim entam os um a profunda percepção de falta de
realização e felicidade. “O s que já suportaram o vazio sabem que encontraram
um a fom e diferente, ou um vazio; nada na terra pode satisfazê-la” (Diógenes
A llen).182
O sentim ento de insatisfação, já bem docum entado, é um dos pontos de
contato mais im portantes para a proclamação do evangelho. Em prim eiro lugar,
essa proclamação interpreta esse sentim ento vago e sem form a como um anseio
por Deus. D á substância e form a cognitivas ao que de outro m odo seria um a
intuição subjetiva am orfa e não identificada. Em segundo lugar, propõe-se a
satisfazê-la. H á um sentim ento de descontentam ento divino — não um des­
contentam ento com Deus, mas com tudo o que não é Deus, que surge de
Deus, que em últim a análise conduz a Deus. Sartre está certo: o m undo não
pode trazer preenchim ento, satisfação. Aqui ele ecoa a visão cristã, que pros­
segue para afirm ar que aqui, no m eio do m undo, alguma coisa que está por
fim além do m undo torna-se disponível para nós. N ão precisamos esperar pela
eternidade para experim entar Deus; esta experiência pode começar, por mais
im perfeitam ente que seja, agora. Talvez a m aior declaração deste sentim ento,
e sua interpretação teológica mais prim orosa, sejam encontradas nas famosas
palavras de A gostinho de H ipona: “Tu nos fizeste para ti m esm o, e nosso
coração está inquieto enquanto não descansa em ti”.183 H á um sentim ento de
saudade de algum lugar que nunca visitamos, a intim ação de um a terra m ui
distante, que nos atrai apesar de não a conhecermos.
Em todas as reflexões de Agostinho, especialmente nas Confissões, o mes­
m o tem a recorre. Somos sentenciados a perm anecer incom pletos em nossa
existência atual. Nossas esperanças e mais profundos anseios continuarão sen­
do nada além de esperanças e anseios. A solução desta tensão doce-amarga
continua real, m esm o para o cristão, que se torna cada vez mais apercebido da
m aravilha de Deus, e da imperfeição de nossa compreensão atual dessa m a­
ravilha. H á um sentim ento de coisa adiada, de anseio, de desejo anelante, de
gemidos sob a tensão de ter de tolerar o presente, quando o futuro é que
oferece tan to .184 O s grandes temas da criação e redenção ali encontram um a
reelaboração que merece atenção cuidadosa. Por sermos criados por D eus à
sua imagem, nós o desejamos; por sermos pecadores, nós não podem os satis­
fazer o nosso desejo — nem substituindo algo por Deus, nem tentando forçá-
70

lo a chegar até nós. U m sentimento real de frustração, de descontentam ento, se


desenvolve. E esse descontentam ento — não a sua interpretação teológica — é
parte da experiência hum ana comum . Talvez a mais perfeita revelação dessa ago­
nia deleitosa se encontre na exclamação de Agostinho: “está gemendo com gemi­
dos inexprimíveis em m eu caminho de viandante, e relembrando Jerusalém com
m eu coração elevado para ela — Jerusalém, m inha pátria; Jerusalém, m inha
m ãe”.’85 Estamos exilados de nossa pátria — mas as lembranças dessa pátria
voltam assombrosamente.
Agostinho encontra um dos seus intérpretes apologéticos recentes mais
em inentes no crítico literário de O xford e teólogo, C. S. Lewis. Talvez um dos
aspectos mais originais da obra escrita por C. S. Lewis seja seu apelo persis­
tente e forte à imaginação religiosa, no desenvolver da m áxima de Agostinho:
desideriutn sinus cordis (o anseio faz profundo o coração). C om o Agostinho,
Lewis estava consciente de que certas emoções hum anas profundas revelavam
um a dim ensão de nossa existência além do tem po e do espaço. Lewis sugere
que existe um profundo e intenso sentim ento de desejo dentro dos seres h u ­ Lev.-!= *3
m anos, que nenhum objeto ou experiência terrena pode satisfazer. Lewis cha­
m a este senso de “alegria” e argum enta que essa alegria aponta para D eus como mca:
sua fonte e seu alvo — por isso, o título da celebrada autobiografia: Surprised rota.-.;
by Joy [Surpreendido pela alegria]. D e acordo com Lewis, alegria é “um desejo deix^
não satisfeito. Porém, ele é mais desejável que qualquer outra satisfação. [...]
qualquer pessoa que já a vivenciou vai querer novam ente senti-la”.186
Para entender Lewis nesse ponto, a idéia de “joy — alegria” deve ser expli­
cada em algum detalhe. Das janelas de sua casa, em Belfast, Irlanda do N orte,
o jovem Lewis podia enxergar os distantes M ontes Castlereagh. Esses m ontes - ^
distantes pareciam -lhe simbolizar algo que se achava além de seu alcance. U m .
sentim ento de intenso desejo surgia quando ele os contemplava. Ele não po­
dia dizer exatam ente o que era que ele ansiava; podia apenas sentir que havia _ 4:.
dentro dele um a sensação de vazio que os m ontes misteriosos pareciam realçar,
sem satisfazer. Lewis descreve esta experiência (talvez mais bem conhecida por . ;_
estudantes do R om antism o alemão, com o Sehnsucht) em algum detalhe na
autobiografia. Ele relata como, quando criança, ele estava em pé ao lado de D ese: ,‘
um a groselheira florida, quando, por algum a razão inexplicável, um a lem - apon:a
brança foi disparada. satisfa;
em d::;
...de repente, surgiu em mim sem aviso, e como que de um abismo não de r - -

anos, mas de séculos, a lembrança daquela manhãzinha na Casa Velha, C om "


quando meu irmão trouxe o jardim de brinquedo até o quarto. E difícil
cavara.
encontrar palavras fortes o bastante para descrever a sensação que me in-
cr.
71

-70' se vadiu; a miltoniana “enorme bem-aventurança” [...] chega perto. Foi, cla-
1— e ro, uma sensação de desejo; mas desejo de quê? Não, certamente, de uma
1 -go- tampa de lata de biscoitos de musgo, nem mesmo (embora isto tenha
r'~nn- vindo também) do meu passado [...] e antes de saber o que desejava, o
-om próprio desejo se desfizera, todo o vislumbre se dissipara, o m undo voltara
nuiha à normalidade, ou era agora só agitado pelo anseio do anseio que acabara
7 etria de sumir. Durara só um momento; e em certo sentido tudo o mais que
me acontecera até então era insignificante diante disso.187
mais
r# dos Lewis aqui descreve um breve m om ento de visão, um m om ento devastador de
trsis- sentir-se capturado por algo que vai m uito além das esferas de experiência de
-^o- cada dia. M as o que significava isso? Para que isso apontava, se é que apontava
.r.ho, Para alg ° ?
: .-am Lewis fez essa pergunta em um sermão notável intitulado “O peso da
rere glória”, pregado diante da Universidade de Oxford, em 8 de junho de 1941.
nu_ Lewis falou de “um desejo que nenhum a felicidade natural satisfará”, “um
jh a- desejo, ainda vagueando e incerto de seu propósito e ainda em grande parte
incapaz de ver esse objetivo na direção onde realm ente está”. H á algo autoder-
rotante no desejo hum ano, em que o que é desejado, quando alcançado, parece
_,_-j0 deixar o desejo insatisfeito. Lewis ilustra isso da busca antiga por beleza, usan­
do imagens reconhecivelmente agostinianas:

U Os livros ou a música em que pensávamos que a beleza estava localizada


‘ nos trairão se confiarmos nelas; nao está em elas, só veio por meio delas, e
_ o que veio por intermédio delas foi anseio. Estas coisas — a beleza, a
-- lembrança de nosso passado — são boas imagens do que realmente dese-
jamos; mas se elas são erradamente aceitas como a própria coisa, tornam-
se ídolos mudos, quebrando o coração de seus adoradores. Elas não são a
própria coisa; são só o cheiro de uma flor que ainda não encontramos, o
eco de uma música que ainda não ouvimos, a notícia de um país que
ainda não visitamos.188
r na
Desejo hum ano, o anseio profundo e doce-amargo por algo que nos satisfará,
aponta para além de objetos finitos e pessoas m ortais (que parecem capazes de
satisfazer esse desejo, mas que eventualm ente provam ser incapazes de fazê-lo)
em direção ao seu alvo real e cum prim ento no próprio Deus.
Prazer, beleza, relacionam entos pessoais: tudo parece prom eter tanto!
C ontudo, quando conseguimos o que desejamos, descobrimos que o que bus­
cávamos não estava nessas coisas, mas se encontra além delas. H á um “divino
descontentam ento” na experiência hum ana, que nos leva a perguntar se existe
72

algum a coisa que possa atender à busca do hom em pela satisfação dos desejos
do seu coração. Lewis argum enta que há. Fome — ele sugere — é um exce­
lente exemplo de um a sensação hum ana que corresponde a um a necessidade
física real. Essa necessidade aponta para a existência de com ida que pode satis-
fazê-la. Sim one Weil faz ecoar este tem a, e destaca a im portância apologética
disso quando escreve: “O perigo não é se a alma deve duvidar se existe algum
pão, mas se por um a m entira ela vai ser persuadida a acreditar que não está
com fome. Ela só pode se convencer disso m entindo, pois a realidade de sua
fome não é um a crença, é um a certeza”.189
Os críticos menos perspicazes de Lewis — para tristeza geral, mais num ero­
sos do que se poderia esperar — concluíram que seu argum ento se baseava
num a falácia elementar. Estar com fome não provava que havia pão à mão. A
percepção de fom e não correspondia necessariamente a um suprim ento de
alim ento. C ontudo, Lewis responde que essa objeção não vem ao caso.

A fome física de um homem não prova que ele conseguirá algum pão; ele
pode morrer de fome num a jangada no Oceano Atlântico. Mas certa­
mente a fome de um homem prova que ele vem de uma raça que repara o
seu corpo comendo, e habita um m undo onde substâncias comestíveis
existem. D a mesma forma, embora eu não creia (até queria crer) que meu
desejo pelo Paraíso prova que eu desfrutarei dele, acho que é uma indi­
cação relativamente boa de que ele existe e alguns homens desfrutarão
dele. Um hom em pode amar um a mulher e não tê-la para si; mas seria
m uito estranho se o fenômeno chamado “apaixonamento” ocorresse em
um m undo desprovido de sexualidade.190

Em tudo isso, Lewis faz ecoar um grande tem a do pensam ento cristão tradi­
cional sobre a origem e o alvo da natureza hum ana. Fomos criados por Deus,
e experim entam os um profundo sentim ento de desejo por ele, que só pode ser
satisfeito pelo próprio Deus. Em bora as reflexões de Lewis sobre o desejo que
ele cham a de “alegria” reflitam sua experiência pessoal, é evidente que ele (como
incontáveis outros) considera que esse desejo seja um a característica m uito
espalhada da natureza e experiência hum anas. U m ponto im portante de con­
tato para a proclamação do evangelho é assim estabelecido.
As descobertas de Lewis trazem tam bém nova profundidade a passagens
bíblicas familiares com respeito ao anseio que o hom em tem por Deus. “Com o
a corça anseia por águas correntes, a m inha alm a anseia por ti, ó Deus. A
m inha alma tem sede de Deus, do D eus vivo...” (SI 42.1-2). É bom notar que
o grande senso de anelo por D eus expresso neste texto — um desejo ardente
que assume ainda mais sentido se as reflexões de Lewis sobre “alegria” forem
levadas em conta. Deve ser dado destaque ao paralelo bíblico entre a sensação
de necessidade — no caso do texto, a sede anim al — e a necessidade e desejo
hum ano por Deus.
Em terceiro lugar, a teologia se propõe a transformar a experiência. A teolo­
gia cristã não só fala à situação hum ana; ela se propõe a transformá-la. N ós não
apenas ouvimos que somos pecadores, necessitados do perdão de Deus e da
renovação divina, mas que esse perdão e essa renovação nos são oferecidos na
proclamação do evangelho. Se o aspecto negativo da proclamação cristã do Cris­
to crucificado é que nós estamos longe de Deus, o lado positivo dessa procla­
mação é que Deus se prontifica a trazer-nos para casa, para si mesmo, por meio
da m orte e ressurreição de seu Filho. Teologia não apenas interpreta nossa ex­
periência em termos de alienação de Deus. Responde a essa experiência, inter­
pretando-a como sinal de nossa alienação global de Deus em conseqüência do
pecado, e propõe-se a transformá-la por intermédio da graça divina.
U m dos m uitos méritos dos escritos de C. S. Lewis é que eles levam a sério
o m odo em que palavras podem gerar e transformar experiência. Para Lewis, as
palavras têm a capacidade de evocar um a experiência por que ainda não passa­
mos, além de descrever um a experiência já vivenciada por nós. O que já co­
nhecemos funciona como um sinalizador para o que ainda vamos conhecer, e
que está dentro do nosso alcance. E m seu ensaio The Language ofReligion [A
linguagem da religião], Lewis enfatiza este ponto capital do seguinte modo:

Este é o mais notável dos poderes da linguagem poética: transmitir-nos a


qualidade de experiências que ainda não vivenciamos, ou que talvez nun­
ca venhamos a vivenciar, para usar fatores dentro de nossa experiência de
maneira que se tornem apontadores para alguma coisa fora de nossa ex­
periência — como duas ou mais estradas num mapa mostram-nos onde
uma cidade que está fora do mapa deve estar. Muitos de nós nunca passa­
mos por uma experiência como a que Wordsworth registra perto do fim de
Prelúdio XIII. Quando, porém, ele se refere à “triste monotonia visionária”,
penso termos captado uma noção do que foi essa experiência.191

No seu melhor, a teologia cristã com partilha essa característica da linguagem


poética (não da poesia em si, incidentalmente, mas a linguagem usada em poesia)
como identificada por Lewis — tenta transmitir-nos a qualidade da experiência
cristã de Deus. Tenta apontar além de si mesma, erguer-se acima de si mesma,
forçando sua linha ao correr à frente, para apontar-nos para um a cidade que está
fora de seu m apa — um a cidade que se sabe existir lá, mas à qual ela não nos
pode levar.
A teologia é capaz de usar palavras de tal form a a oferecer algumas indi­
cações para benefício dos que ainda têm pela frente o passo de descobrir o que
é sentir o experim entar Deus. Isso usa um grupo de palavras-chave para tentar
explicar o que é conhecer Deus, pela analogia com palavras associadas à ex­
periência hum ana. E como o perdão — em outras palavras, se você pode im a­
ginar o que é sentir ser perdoado por um a ofensa realmente séria, pode começar
a entender a experiência cristã de perdão. É com o reconciliação — se você
pode im aginar a alegria de ser reconciliado com alguém que lhe é m uito im ­
portante, pode ter um vislum bre da experiência cristã de “voltar para casa”,
voltar para Deus. É com o voltar para o lar depois de ter estado longe e sozinho
por m uito tem po, e esperando talvez nunca poder retornar. A apologética usa
analogias com o estas para tentar e postar avisos — como estradas que saem do
m apa de Lewis para um a cidade que não é vista — a experiência cristã de
Deus, para benefício dos que ainda têm de vivenciar essa experiência transfor­
m adora.
Nesta seção, defendi o conceito de que não há espaço certo na teologia
cristã para nenhum a abordagem puram ente cognitiva ou puram ente experi­
m ental. Experiência e entendim ento são com o dois lados da m esm a m oeda
que reforçam e embelezam um ao outro. O apelo liberal à experiência global
não interpretada é am plam ente vista com o desacreditada, em parte por causa
das considerações notadas por George Lindbeck e outros, e em parte por causa
de um a nova percepção das implicações da filosofia de Ludw ig W ittgenstein.
C om o Stanley H auerw as observou: “W ittgenstein pôs fim para sem pre a
qualquer tentativa de m inha parte de ancorar a teologia em algum relato geral
de experiência hum ana.”192
C ontudo, esse am plo desencantam ento com a experiência com o um re­
curso teológico não nos deve perm itir rejeitar um com ponente experimental
im portante na reflexão teológica. E mais, com o tenho argum entado em outra
parte, a experiência é um “ponto de contato” vital para a apologética cristã
num m undo pós-m oderno.193 D iferentem ente, então, precisamos insistir em
que a experiência é para ser tratada, interpretada e transform ada à luz da pro­
clamação do evangelho da redenção por meio de Cristo, com o isto nos é dado
a conhecer por meio da Escritura. A ncorando assim a teologia no alicerce forte
da revelação divina, enquanto ligando-a ao m undo da experiência hum ana,
podem os assegurar que a teologia cristã perm aneça tanto autêntica com o rele­
vante nos anos que estão pela frente. A teologia pode dirigir-se à experiência,
sem ser reduzida ao nível de um a m era reiteração do que nós vivenciamos e
observamos.
75

L~as indi- 3. Razão


c:;r o que
C om o surgimento do Ilum inismo veio a dem anda de que a sabedoria deve
tentar
ser universalmente acessível. A idéia de um conhecimento “privilegiado” de Deus,
- : ís à ex-
m ediado apenas pela revelação, foi rejeitada em bases morais. C om o a reve­
:: cie ima-
lação não era universal, argum entou-se, Deus estava causando problemas m o­
s começar
rais por limitar a revelação à pessoa de Jesus Cristo, ao texto da Escritura, ou ao
- >e você
dom ínio da igreja. O Ilum inism o argum entou que qualquer sugestão dessas
r.iciro im-
deveria ser rejeitada como form adora de um “escândalo de particularidade”.194
Esse conhecim ento tinha de 'ser universalmente acessível, em todas as culturas,
e fo zinho
contextos históricos e regiões geográficas. Para o Ilum inismo, a razão fornecia
tm ca usa
exatamente um recurso universalmente válido. Todas as pessoas tinham um a
■:em do
faculdade racional; portanto, todas podiam usá-la, e assim ter acesso ao conheci­
cristã de
m ento de Deus.
::m sfor-
O escritor racionalista do século XVIII, G. E. Lessing, descartou qualquer
idéia de que Jesus Cristo poderia ser de status determinativo para a teologia
rcologia
cristã por causa de sua convicção de que a razão hum ana sozinha podia assumir
: txperi-
esse papel normativo. Sua famosa declaração de que “verdades acidentais da
= moeda
história nunca se podem tornar a prova de verdades necessárias da razão”195
L dobal
repousa sobre a suposição característica do Iluminismo de que a única forma
t : causa
significativa de sabedoria consiste nas “necessárias verdades da razão”. U m a visão
«: r causa
similar pode ser encontrada sustentando os escritos de Spinoza, que argum en­
ü-istein.
tou ser possível estabelecer verdades racionais fundam entais como axiomas, e
trr.ore a
deduzir um sistema ético ou teológico inteiro nelas baseados, em m uito seme­
: geral
lhantes a todo o sistema geométrico deduzido por Euclides a partir de axiomas
fundam entais. C om o StephenT oulm in apontou, a atração da lógica m atemática
uci re-
para escritores com o Descartes e Spinoza estava em parte no fato de ser ela
i~ ental
vista com o “possivelm ente a única atividade intelectual cujos problem as e
r outra
soluções estão acim a do tem po”.196
a cristã
Esta abordagem, no entanto, é vista agora por um público am plo como
i:ir em
fatalm ente falha. As “verdades necessárias da razão” acabam agora significando
e i pro-
pouco mais que “tautologias” ou “coisas que são verdade por definição”. N a
e dado
realidade, precisam ente este ponto estava no cerne da crítica de Ludw ig W itt-
rorte
genstein à filosofia de B ertrand Russell. C om o foi apontado em 1895 por
LT.ana,
Lewis Carroll, toda tentativa de justificação racional por dedução mostra-se,
ic rele-
ao final, ser circular, em que a aplicação do processo de dedução pressupõe que
iíncia,
esse processo de dedução é ele m esm o válido.197
lt. os e
Além disso, a descoberta de geometrias não-euclidianas durante o século
XIX destruiu o paralelo entre a geom etria e a teologia. Descobriu-se que havia
outros m odos de fazer geometria, cada um tão internam ente coerente quanto
76

o de Euclides. Euclides propunha um conjunto de axiomas; outros optaram


por sugerir um conjunto diferente, cada um dando surgim ento a um sistema
geométrico diversificado. M as que conjunto de axiomas é correto? Q ue siste­
m a é válido? A pergunta não pode ser respondida. Eram todos diferentes, cada
um com seus m éritos e problemas peculiares.198 O nde um a vez havia só geome­
tria, havia agora geometrias.
As mesmas críticas foram dirigidas contra a ética. Spino/.a cria que a apli­
cação sistemática de pura razão levaria a um sistema ético acontextual univer­
salm ente válido, independente de espaço e tem po. Escritores do Ilum inism o
criam que essa m oralidade racional era acessível à razão hum ana, tornando
relativas todas as outras norm as éticas, incluindo o exemplo m oral e ensino de
Jesus Cristo. M esm o tao tardiam ente com o na década de 1950, R. M . H are
podia falar na “linguagem de verdades m orais” com o se houvesse som ente
um a linguagem .199 M as não mais. Agora é am plam ente aceito que há um a
variedade de sistemas éticos, cada um a com sua visão de natureza e destino da
hum anidade. O sonho do Ilum inism o de um a m oralidade universal acabou.
D e m odo semelhante, a suposição do Ilum inism o de que havia um a só
“racionalidade”, independente de tem po, espaço e cultura, não é vista mais
como tendo qualquer credibilidade. O n d e um a vez se argum entava que havia
um único princípio racional, é agora concedido que há — e sempre tem havi­
do — m uitas “racionalidades” diferentes. C om o Stephen T oulm in apontou,
“o exercício de juízo racional é ele m esm o um a atividade desem penhada em
um contexto particular e essencialmente dependente dele; os argum entos que
nós encontram os são fixados em um dado tem po e em um a dada situação, e
quando os avaliamos eles têm de ser julgados contra esse pano de fundo”.200
M uitos pensadores do Ilum inism o parecem ter sido resguardados deste fato
desconcertante pelas limitações de sua escolaridade em história, que havia per­
m anecido firm em ente atrelada à tradição clássica ocidental. Esta ilusão, porém ,
já foi agora despedaçada. N o fim de sua brilhante análise sobre abordagens
racionais ao conhecim ento e ética, Alasdair M aclntyre conclui;

Tanto os pensadores do Iluminismo como seus sucessores provaram ser


incapazes de concordar quanto a precisamente o que eram os princípios
que seriam encontrados inegáveis por todas as pessoas racionais. Um tipo
de resposta era dado pelos autores da Encyclopédie, um a segunda por Rous-
seau, uma terceira por Bentham, uma quarta por Kant, um a quinta pelos
filósofos escoceses do senso comum e seus discípulos franceses e estado-
unidenses. A história subseqüente não tem diminuído a extensão desse
desacordo. Em conseqüência, o legado do Iluminismo tem sido o forne-
optaram cimento de um ideal de justificação racional que provou a impossibili­
' sistema dade de ser alcançado.201
Hie siste-
_es, cada A razão prom ete m uito, mas falha na hora de entregar seus benefícios. E por isso
j geome- que H ans-G eorg Gadam er escreveu sarcasticamente a respeito do “Sonho de
Robinson Crusoé do ilusionismo histórico, como tão artificial como o próprio
_e a apli- C rusoé”.202 A noção de “racionalidade universal” é um a ficção, um sonho e
_ univer- um a ilusão. O filósofo de ciência Paul Feyerabend leva as conseqüências do
minismo colapso de crença num a racionalidade no singular, universal, até sua conclusão
ornando óbvia em sua famosa comparação entre a tribo prim itiva e os racionalistas:
nsino de “Quase não há diferença entre os m em bros de um a tribo prim itiva que defen­
^í. H are dem suas leis porque são as leis dos deuses [...] e um racionalista que apela a
somente padrões objetivos, exceto que os prim eiros sabem o que estão fazendo enquan­
há um a to este últim o não sabe.”203 A comparação alarm ou a muitos; entretanto, aguar­
■stino da da ainda ser refutada por um filósofo de ciência.
Acabou, A esta altura, precisamos dar ênfase à diferença entre “razão” e “racionalis­
um a só m o”, que podem parecer idênticos para alguns. Razão é a faculdade básica
.sra mais hum ana de pensar, baseada em argum ento e evidência. É teologicam ente neu­
ue havia tra, e não apresenta nenhum a ameaça à fé — a não ser que seja vista como a
‘m havi- única fonte de conhecim ento sobre Deus. Então, torna-se racionalismo, que é
pontou, um a dependência exclusiva som ente sobre a razão hum ana, e um a recusa de
'a d a em perm itir que qualquer peso seja dado à revelação divina. A teologia cristã clás­
' los que sica, incluindo toda a teologia evangélica responsável, faz uso com pleto da
.ução, e faculdade hum ana do raciocínio — por exemplo, em ponderar bem as im pli­
i d o ”.200 cações de certos aspectos da auto-revelação de Deus. Por exemplo, considere o
■sre fato papel da razão em explorar a relação entre um a cristologia funcional e on-
'•'ia per- tológica: se Jesus é nosso Salvador, mas só D eus pode salvar, a razão sugere que
porém, Jesus deve (em algum sentido da palavra) ser Deus. C ontudo, aqui a razão está
rdagens refletindo sobre a revelação, e buscando explorar mais as suas implicações. O
racionalismo declara que todo o pensar sobre D eus deve se basear na razão
hum ana, bloqueando assim im ediatam ente a teologia na situação do hom em
ser caído, sem possibilidade algum a de ser desembaraçado de nossa confusão e
cios distorção pelo próprio Deus.
:ipo C om o foi que essa notável — e, precisa ser dito, totalm ente mal colocada
.O U S - — confiança na razão em m atéria de religião se desenvolveu? Três estágios
"clos podem ser identificados, cada um deles levando naturalm ente para o que se
ado- segue.
cesse 1. Inicialm ente, foi argum entado que, como o evangelho era racional, era
:ne- inteiram ente apropriado dem onstrar que o cristianismo fazia sentido e se apoia­
va em fundam entos com pletam ente razoáveis. Por exemplo, A quino argum en­
tou que a fé crista em D eus nao envolvia nenhum tipo de suicídio intelectual,
apresentando cinco linhas de pensam ento lógico que m ostravam ser esta crença
inteiram ente razoável. Todavia, A quino, e a tradição cristã que ele representa­
va, nem por um m om ento acreditavam que o cristianismo se lim itava àquilo
que podia ser conhecido pela razão. A fé vai além da razão, tendo acesso a
verdades e insights de revelação, que a razão não pode esperar entender ou
descobrir sem auxílio.
O célebre historiador do pensam ento medieval cristão, Etienne Gilson,
fez um a comparação encantadora entre os grandes sistemas teológicos da Idade
M édia e as catedrais que se ergueram através da Europa cristã nessa época: os
sistemas eram, ele observou, “catedrais da m ente”. O cristianismo é como um a
catedral que se apóia sobre o leito de rocha da razão hum ana, mas cuja super-
estrutura se levanta além das regiões acessíveis à pura razão. Descansa sobre
fundam entos racionais, mas o edifício erigido sobre esse fundam ento ia m uito
mais longe do que a razão podia descobrir. Assim, A quino argum entou que o
cristianismo se baseava num conhecim ento que, em bora racional, transcendia
capacidades hum anas, e era assim m ediado unicam ente pela revelação.204 João
Calvino, um representante e intérprete posterior desta abordagem , sugeriu
que a razão era perfeitam ente capaz de chegar a um conhecim ento de Deus, o
Criador. N o entanto, o conhecim ento real de D eus — o conhecim ento salva­
dor de D eus — só poderia ser adquirido pela revelação. O conhecim ento de
Deus, o redentor, era questão de revelação, não razão. Esse conhecim ento não
contradizia o conhecim ento de Deus, o Criador; trazia-o à perfeição, ao m os­
trar que o D eus que um a vez criou o m undo subseqüentem ente agiu para
redim i-lo.
2. Até a m etade do século XVII, especialmente na Inglaterra e Alemanha,
um a nova atitude começou a desenvolver-se. O cristianismo, argumentava-se,
era racional. O nde, porém , Tomás de A quino entendia que isso queria dizer
que a fé repousava seguram ente sobre fundam entos racionais, a nova escola de
pensam ento tinha idéias diferentes. Se a fé é racional, argum entavam , deve ser
capaz de ser deduzida no seu todo pela razão. Todo o aspecto da fé, cada item
da fé cristã, deve revelar derivar-se da razão hum ana.
U m excelente exemplo dessa abordagem pode ser encontrado nos escritos
de Lord H erbert de Cherbury, especialmente De veritatis religionis, que argu­
m entava em favor de um cristianismo racional baseado no senso inato de Deus
e na obrigação m oral hum ana. Isso teve duas conseqüências im portantes.
Prim eiro, o cristianismo foi realmente reduzido àquelas idéias que pudessem
ser provadas pela razão. Se o cristianismo era racional, quaisquer partes de seu
79

zunien- sistema que não pudessem ser provadas pela razão não poderiam ser contadas
-;;:ual, com o “racionais”. Teriam de ser descartadas. E, segundo, a razão era entendida
; mença como prioridade sobre o cristianismo. Razão vem prim eiro; cristianismo vem
rirnta- em segundo lugar. Razão é capaz de estabelecer o que é certo sem precisar
i ; uilo qualquer assistência da revelação; cristianism o tem de seguir, sendo aceito onde
■jr5so a endossa o que a razão tem a dizer, e sendo descartado onde segue o próprio
c r : ou cam inho. Então, por que ter preocupação com a idéia de revelação, quando a
razão poderia contar-nos tudo o que pudéssemos possivelmente desejar co-
...:: ’-on, nhecer sobre Deus, m undo, e sobre nós mesmos? Esta convicção absoluta-
= 'nade m en te resolvida na to tal com petência da razão h u m a n a form a a base à
e nu os depreciação racionalista da doutrina cristã da revelação em Jesus Cristo e por
:: á?uma meio da Escritura.
t
;uner- Esta abordagem ao cristianismo (ou, mais acertadam ente, esta form a de
• ■jbre deísmo tingido com cores palidam ente cristãs) trata de D eus com o um a idéia,
m uito um a construção da m ente hum ana. D eus é algo postulado, um a idéia que
:ue o geramos dentro de nossa mente, e depois escolhemos chamar de “Deus”. Cria-
cíndia mos essa idéia. E obra de nossa m ente. M as o cristianismo tradicional argu-
João m en tav a que D eus não p o d ia ser sim plesm ente p o stu la d o desse m odo
u íeriu cruam ente racionalista. Deus tem de ser experim entado, ele tem de ser encon-
►;us. o trado de frente. Ele é alguém que nos engaja; e, engajando-nos, força-nos a
:.:’.va- reavaliar a idéia que fazemos dele. M as o Deus da pura razão está preso dentro
" :■:> de dos limites de mentes hum anas. E mentes pequenas contribuem para um Deus
:: não pequeno.
i mos- 3. Finalm ente, esta posição racionalista foi em purrada até a sua conclusão
i :nira lógica. N a verdade, argumentava-se, o cristianismo inclui algumas crenças in­
consistentes com a razão. E como a razão precisa ser vista tendo a autoridade
unha, final em matérias de fé, onde a Escritura está em desacordo com a razão, ela
ru-se, deve ser vista como errada ou enganosa. Tendo sido postulado por razão hu-
nizer m ana, Deus é, agora, “despostulado” [ou derrubado] por seu criador.205
c .i de C om o resultado da desconstrução sociológica da noção de “razão univer-
ve ser sal”, o apelo à “autoridade da razão” é feito hoje com bem m enos convicção.206
i nem U m a crença fundam ental na racionalidade da fé cristã perm anece intacta e
justificada; a tentativa do Ilum inismo de estabelecer razão hum ana não auxilia-
criros da com o o fundam ento norm ativo único para todo o discernim ento é visto
ar^u- agora com o seriamente falho. Em parte, esse reconhecim ento vem da com-
Deus preensão das limitações colocadas na razão; em parte, porém , vem tam bém da
tnnes. percepção pós-m oderna das conseqüências potencialm ente autoritárias de um
íí?em apelo à “totalização da razão ' (ver p. 151-159). “Ser razoável” não é reduzível
le seu a um único m étodo, e facilmente pode conduzir à “tirania da racionalidade”
80

por m eio da afirmação de que só este m odo de pensar, ou só este tipo de argu­
m ento, tem algum a validade. E, com o escritores pós-m odernos têm enfatiza­
do (ver p. 159-165), “ser razoável” vezes demais acaba tornando-se na exigência:
“aceitar o meu m odo de pensar”.
O reconhecim ento de que estruturas de racionalidade não são universais,
mas social e historicam ente localizadas, é de im portância considerável para a
teologia cristã, particularm ente em avaliar o valor do racionalismo iluminista.
Por exemplo, a crítica ilum inista da noção cristã tradicional da revelação de
D eus em Jesus Cristo, para Lessing, era inaceitável; negava acesso a essa “reve­
lação” àqueles cuja localização histórica era, por exemplo, cronologicam ente
anterior ao nascim ento de Jesus de Nazaré. A força dessa objeção, presume-se,
é prim ariam ente moral, em que a acessibilidade da verdade não pesa diretamente
sobre sua exatidão. Para Lessing, este ponto serviu para realçar a superioridade
m oral da religião racional, que foi capaz de fazer um apelo às verdades univer­
sais da razão.
C om o advento dos discernim entos da sociologia do conhecim ento, as
vantagens da posição de Lessing são seriamente desgastadas, provavelmente a
ponto de torná-las enganadoras. “Verdades universais da razão” podem mes­
m o ser encontradas dentro dos confins um tanto restritos da lógica e da
m atem ática, m esm o se não resultam em nada mais além de tautologias —
reafirmações disfarçadas em explicações ou novos níveis de discernim entos.
Modelos de racionalidade em geral, porém , social e historicamente localizados e
condicionados. “Razão” precisa ser entendida com o referindo-se às estruturas
de racionalidade e noções preconcebidas de verdades auto-evidentes apropria­
das a grupos sociais específicos em m om entos específicos da história, em vez
de algum a característica universal e perene do raciocínio hum ano. Precisa­
m ente a m esm a crítica dirigida por Reimarus contra o cristianismo pode ser
colocada contra o apelo de Lessing à noção fictícia de razão universal: a localiza­
ção social de um indivíduo determ ina as opções intelectuais que estão abertas
a ele. “Razão” e “revelação” são ambas sujeitas às limitações de historicidade.

4. Tradição
Para alguns escritores, a “tradição” tem bastante autoridade. Tradição seria
entendida aqui como o que designa um a doutrina ou crença tradicional, que
tem força de autoridade por causa de sua antigüidade. C ontudo, isso pode
facilm ente degenerar em sentim entalidade não crítica. A afirmativa “sempre
cremos assim” pode significar “sempre estivemos errados”. C om o o escritor do
terceiro século, Cipriano de Cartago, aludiu, “um a antiga tradição pode ser só
um antigo erro”. A tradição deve ser honrada onde pode ser dem onstrada
81

i± argu- como justificada, e rejeitada onde não o pode. Esta apreciação crítica de tradição
r.ratiza- foi um elem ento integral da Reform a,207 e baseava-se na crença fundam ental
uencia: de que a tradição era, em últim a análise, um a interpretação da Escritura que
tinha de ser justificada com referência à m esm a fonte com petente.
.'.'rrsais, C ontudo, a idéia de “tradição” é de im portância para o evangelicalismo
. rara a m oderno. O s evangélicos têm tido sempre a tendência de ler a Escritura como
''.a. se fossem os prim eiros a fazer isso. Precisamos lem brar que outros já estiveram
irão de lá antes de nós, e já a leram antes que nós o fizéssemos. Esse processo de
i reve- receber a revelação escriturai é “tradição” — não um a fonte de revelação soma­
L~;nte da à Escritura, e sim um m odo particular de se entender a Bíblia que a igreja
LT.r-se, cristã tem reconhecido com o responsável e confiável. A Escritura e a tradição
»
L-r.ente não são, pois, para serem vistas como duas fontes alternativas de revelação; em
c.aade vez disso, são coinerentes. A Bíblia não pode ser lida com o se nunca tivesse sido
;r.:ver- lida antes. As hinódias e liturgias das igrejas constantem ente nos fazem lem ­
brar que a Escritura já foi lida, avaliada e interpretada no passado. James I.
: : j . as Packer, um dos mais influentes escritores evangélicos de anos recentes, enfati­
;í:'-te a za esse ponto:
: mes-
i c da O Espírito tem estado ativo na igreja desde o início, fazendo o trabalho
para o que foi enviado — guiar o povo de Deus na compreensão da ver­
cr. tos. dade revelada. A história do trabalho da igreja para entender a Bíblia
aaos e forma um comentário sobre a Bíblia que não podemos desprezar nem
urnras ignorar sem desonrar o Espírito Santo. Tratar o princípio de autoridade
crria- bíblica como uma proibição à leitura e aprendizado do livro de história da
rr. vez igreja não é um erro evangélico, mas um erro anabatista.208
tcLsa-
“Tradição” é assim entendida acertadam ente (por exemplo, pelos reformadores,
ser
como Lutero) na form a de um a história de discipulado — de leitura, interpre­
^.iza-
tação e luta com a Escritura. Tradição é um a disposição de ler a Escritura,
>ertas
levando em conta as formas em que esta foi lida no passado. É um a percepção
Laie.
da dimensão geral da fé cristã, sobre um período extenso de tem po, que põe
em dúvida o individualism o superficial de m uitos evangélicos. H á mais na
5eria interpretação da Escritura do que qualquer crente pode individualm ente dis­
cernir. E um a disposição para atribuir peso aos pontos de vista dos que nos
. que
precederam na fé, o que provê lembranças fortes da natureza corporativa da fé
p jde
r.rre cristã, o que inclui a interpretação da Escritura.
ir do A prim eira vista, essa ênfase na im portância da com unidade de fé pode
er só parecer estar em tensão com a convicção de que só a Escritura, apenas a Escritu­
ra, é autorizada. N o entanto, escritores com o Lutero ou Calvino nunca ten-
rada
çionaram significar que a Escritura é lida individualmente. N ão se pretendeu
que o discernimento pessoal de um indivíduo seja elevado acima do discerni­
m ento geral da igreja (embora tenha sido interpretado dessa maneira por certos
reformadores radicais, fora da corrente principal da Reforma). Em vez disso,
afirma que, em princípio, todo o m odo tradicional de se ler a Escritura deve
estar aberto ao desafio. Com o o estudo da história da igreja deixa claro, a igreja
pode por vezes entender a Escritura erradamente; os reformadores do século
XVI criam que a Escritura tinha sido m al-entendida num a série de pontos pela
igreja medieval, e incumbiram-se de reformar suas práticas e doutrinas naqueles
pontos. Esse, porém , é o caso de um a tradição ser criticada e renovada por den­
tro, à luz dos fundam entos bíblicos sobre os quais, em últim a análise, ela repousa
e é reconhecida como em repouso. O s reformadores não se viam como quem
estava fundando um a nova tradição; sua preocupação era reformar um a tradição
já existente, mas que parecia ter sido desligada de suas bases escriturais.
O princípio da autoridade da Escritura até sobre seus mais prestigiosos
intérpretes é vigorosam ente sustentado pela Fórm ula Luterana de C oncord
(1577):

Cremos, ensinamos e confessamos que só há uma regra e norma pela qual


todos os ensinos e professores deverão ser avaliados e julgados, que não é
outra senão os escritos proféticos e apostólicos do Antigo e Novo Testa­
mentos. [...] O utros escritos, quer sejam eles dos pais ou dos teólogos
mais recentes, não importa quais sejam seus nomes, não podem ser vistos
no mesmo status da Escritura Sagrada, mas esses devem ser considerados
como subordinados a ela, e a testemunharem o modo em que o ensino
dos profetas e apóstolos foi preservado em tempos pós-apostólicos e em
diferentes partes do mundo. [...] A Escritura Sagrada permanece o único
juiz, regra e norma segundo os quais todas as doutrinas deverão ser com­
preendidas e julgadas, quanto às que são boas ou más, e quanto às verda­
deiras ou verdadeiramente falsas. Outras doutrinas (símbolos) e escritos
[...] não possuem em si a autoridade de juizes, como no caso da Escritura
Sagrada, mas são testemunhas de nossa religião quanto à forma em que
[as Escrituras Sagradas] foram explicadas e apresentadas.209

Em parte, a autoridade da Escritura repousa na aceitação universal dessa au­


toridade dentro da igreja cristã. Reconhecer a Escritura com o autorizada não é
o juízo de um grupo de indivíduos; é o testem unho da igreja no decorrer dos
séculos. Entre as m uitas razões que podem ser apresentadas para se confiar na
Bíblia (incluindo o fato vitalm ente im portante de ela ser inerentem ente digna
de confiança) deve estar envolvido o simples fato de a Escritura possuir a con­
fiança da igreja.
Em atribuir autoridade à Escritura, nós não estamos m eram ente reconhecen­
do e honrando a decisão de Deus de se revelar a nós, ou só a form a específica
que isso tom ou em Jesus Cristo; estamos tam bém honrando um a tradição
viva, que se tem m antido fiel aos m odos de fé e vida tornados conhecidos e
feitos possíveis por m eio de Cristo, e mediados pela Escritura. H á assim um a
ligação natural entre a palavra de Deus e o povo de Deus, e — quer isso seja
reconhecido ou não — um elem ento fortem ente eclesiológico para nossa com ­
preensão da identidade de Jesus Cristo.210

A u to rid ad e bíblica e crítica bíblica


N a análise feita até aqui, considerável ênfase foi colocada nas dificuldades
que acom panham o emprego das autoridades teológicas fora da Escritura. To­
davia, o apelo evangélico à Escritura como fonte teológica principal não deixa
de ter suas dificuldades. Para os não-evangélicos, o crescimento de crítica bíblica
tem feito surgir um a série de dificuldades que tornam problem ática a noção
de “autoridade da Escritura”. Essas dificuldades não podem ser descartadas
com o artificiais, arrogantes ou irrelevantes. O que faz o evangélico, então,
com a crítica bíblica moderna? C om o reconcilia ele a visão da Escritura como
palavra de D eus com os pontos de vista dos críticos?
O m ovim ento crítico bíblico enfocou a atenção na Bíblia com o um livro
hum ano escrito por autores hum anos. T êm sido feitas m uitas perguntas — e
tenta-se respondê-las — com respeito à autoria e origem de textos bíblicos.
Essas questões são reconhecidas pelos evangélicos com o perfeitam ente válidas;
as respostas dadas por alguns críticos, no entanto, têm sido m uitas vezes ex­
trem am ente embaraçosas, não só para os evangélicos, mas para outros de per­
suasão ortodoxa. N ão é difícil entender a razão para esse embaraço: alguns dos
achados dos críticos têm , m uitas vezes, parecido irreconciliáveis com a visão
de que toda a Bíblia é a inspirada e confiável Palavra de Deus. Alguns críticos
têm argum entado que a Bíblia é historicamente incorreta, internam ente contra­
ditória, e teologicam ente equivocada. O crítico liberal inglês D avid Edwards
fala em “inúm eras passagens contraditadas, ou por outras passagens da Bíblia
crista, ou pelas provas ou probabilidades do conhecim ento histórico m oder-
no ” . 91111
Os evangélicos têm respondido de várias maneiras a esse desafio. Alguns
concluíram que o argum ento crítico realmente nos força a abandonar a visão
tradicional crista e evangélica da Escritura, e que devemos reconhecer a Escritura
como um a falível (embora inspirada) testem unha para a revelação divina. O utros
têm descartado a crítica como irresponsável e irrelevante, afastando-se de um
fundam entalism o dogm ático e simplista. A prim eira dessas reações representa
o triunfo da crítica sobre a tradição, e a prom oção da razão à custa da reve­
lação; a segunda representa um afastam ento da razão e do engajam ento sério
com o pensam ento m oderno.
M uitos evangélicos — com razão, do m eu ponto de vista — têm trilhado
um cam inho entre esses dois m odos de ver, recebendo bem o m étodo crítico
em princípio, negando, porém , que sua im plem entação venha m inar neces­
sariamente, em teoria ou prática, a convicção cristã histórica com respeito à
autoridade divina da Escritura.
Esse m étodo deve ser aceito porque leva a sério o princípio da encarnação,
segundo o qual Deus escolheu se revelar, não em algum a form a atemporal,
não-histórica, ou em proposições abstratas, mas em contextos históricos par­
ticulares e por meio de pessoas históricas reais. Para entender a auto-revelação
de Deus na história é necessário, portanto, entender esses contextos e essas
pessoas; a exploração crítica do lado hum ano da Escritura é um meio para esse
fim. Estudiosos evangélicos têm, portanto, abraçado o m étodo eles próprios, e
contribuído significativamente para o em preendim ento crítico.212 O m étodo
tem suas limitações, com o será apontado abaixo; na verdade, alguns estudio­
sos recentem ente têm sido bem negativos sobre o potencial da abordagem
histórica à Escritura. E ntretanto, em bora seja correto reconhecer que todo
entendim ento da Escritura é parcial e até em certo grau provisório, isso não
pode ser interpretado com o pretendendo dizer que o em preendim ento histórico
é dispensável ou impossível. N ão é dispensável, por causa da natureza histórica
da própria Escritura; nem é impossível, com o ficou dem onstrado pela produ­
tividade do m étodo quando aplicado — por exemplo, um a compreensão de
lei e formas legais antigas do oriente próxim o já ilum inou enorm em ente o
sentido e a distinção dos velhos códigos de lei do Antigo Testamento; crítica
de formas tem contribuído significativamente para a nossa apreciação dos salmos;
abordagens sociológicas recentes têm aberto novos m odos de entender tanto o
A ntigo com o o Novo Testamentos. Evangélicos têm recebido bem m uitas des­
sas descobertas.
O que dizer, porém , dos achados críticos que têm parecido contradizer a
autoridade divina da Escritura? O s evangélicos têm respondido a essas descober­
tas de duas maneiras. Negativamente, têm notado as limitações do m étodo
crítico; positivamente, têm reconsiderado aspectos de seu entendim ento de
autoridade bíblica.
Negativam ente, alguns evangélicos argum entaram que todos os críticos
são influenciados por suas pressuposições culturais, filosóficas e teológicas, e
que m uito da crítica que parecia enfraquecer a autoridade da Escritura tem
refletido um enraizado preconceito contra o miraculoso, com bases racionalis-
85

da reve­ tas em vez de pressuposições cristãs. M esmo estudiosos cujo trabalho em outros
rto sério respeitos tem sido bastante ilum inador têm achado difícil, po r vezes, chegar a
term os com milagres e profecia bíblica.213 O s evangélicos com razão rejeitam
:rilhado a crítica baseada em tanto preconceito como, em prim eiro lugar o não-cristão,
j crítico e em segundo lugar o baseado num a m etodologia falha, na qual um p o n to de
" neces- vista secular é im posto sobre o material bíblico.
peito à Os evangélicos têm argum entado tam bém que m uitas conclusões críticas
são realmente quase tentativas e incertas. Teorias que um dia foram vistas como
rnação, “resultados assegurados da crítica” — tais com o a teoria JE D P originária do
"poral, Pentateuco, a solução de duas fontes ao problem a sinótico, ou a crença con­
os par- troladora de que as parábolas de Jesus só têm um ponto simples cada — são
■elação agora vistas sendo no seu m elhor questionáveis, e no pior, definitivam ente
r essas erradas.214 Críticos da Bíblia m uitas vezes parecem desconhecer a pura nature­
ara esse za provisória da erudição.
rrios, e Ambas as tendências são observadas e criticadas pelo estudioso do Novo
netodo Testam ento, W alter W ink, que destaca a m aneira em que, no passado, os estu­
;:udio- diosos eram notoriam ente dogmáticos sobre o que não poderia ter acontecido
.zagem no Novo Testamento:
e rodo
5o não Historiadores ainda podem exigir que garantias ou evidência sejam apre­
5:órico sentadas para que se possa crer que algo fora do comum aconteceu [...]
srórica Eles podem providenciar controles de valor sobre superstição, lançando
"'rodu- um olhar crítico sobre reivindicações extraordinárias que tenham uma
5ão de inclinação tendenciosa. Ir além disso, porém, para afirmações dogmáticas
ente o de que curas pela fé, ou clarividência, ou ressurreição dos mortos é impos­
crítica sível, é ir além da competência da pessoa como historiador para as asseve-
a_mos; rações de fé de uma pessoa presa aos estreitos confins de certa visão de
anto o m undo — ou o que Paul Ricoeur chamou de “o crível disponível”.213
-5 des-
M uito facilmente, a abordagem dos críticos à Escritura pode ficar presa à visão
de m undo rígida e estreita de um a ideologia, que recusou contem plar que
:zer a
qualquer coisa além de sua experiência de m undo pudesse ter acontecido, ou
ober-
que quaisquer idéias alheias a seu ponto de vista possam ser corretas. Em tais
erodo
pontos, a crítica pareceria ter extrapolado seus limites apropriados; a Escritura
:o de
está aí sendo julgada na base de um entendim ento transitório e provisório da
realidade, cujas limitações e temporalidade não parecem ter sido reconhecidas.
::icos
O evangélico não é mais livre de pressuposições do que o liberal, racionalista ou
:as, e
secularista. N ão obstante, evangélicos insistem em que estão preocupados em
rem
abordar a Escritura em seus termos, em vez de im por um a camisa de força
nalis­
86

m odernizadora sobre ela, e que essa abordagem leva a um a leitura sim pática e
intelectualm ente satisfatória da Escritura.
C ontudo, os evangélicos, enquanto apontando as lim itações da crítica
bíblica, têm tam bém respondido positivam ente a alguns de seus achados. H á
um reconhecim ento m aior da necessidade de distinguir as questões da her­
menêutica das questões de autoridade. Por exemplo, a autoridade da segunda
carta escrita pelo apóstolo Pedro, em últim a análise, depende da autoria Petri-
na? Tais questões recebem cada vez mais atenção dentro do evangelicalismo.
U m comprom isso total para com a autoridade bíblica não precisa — alguns
argum entariam — com prom eter um estudioso com um a abordagem específi­
ca à interpretação bíblica. U m debate im portante e potencialm ente difícil está
em ergindo dentro do evangelicalismo que não sente mais a necessidade de
estar na defensiva sobre seu com prom isso nem para com a erudição bíblica
nem para com a autoridade bíblica.

A u to rid ad e bíblica e experiência p esso a l


U m elem ento final em qualquer exposição de autoridade bíblica é o de
sua convicção subjetiva — um a idéia expressa de m aneiras bem diferentes
como “o ressoar do toque da verdade” (J. B. Phillips) ou “o testem unho inter­
no do Espírito Santo” (João Calvino). Q uando a Bíblia é recebida e ensinada
com o a Palavra de Deus, ela fala às necessidades e situações das pessoas com
um poder e relevância que confirm am a autoridade inerente que lhe foi dada
por Deus. Qs_Evangelhos descrevem como Jesus assom brou seus auditórios
por sua pregação cheia de autoridade; essa autoridade foi no prim eiro m o­
m ento experimentada, e só no segundo, explicada, por seus seguidores. O teste­
m unho evangélico é que a Escritura vem a nós com o a auto-autenticada e
convincente palavra de Deus. U m im portante escritor evangelista escocês do
século passado pôs esse tipo de sentim ento nas seguintes palavras:

Se me perguntam por que eu recebo a Escritura como a Palavra de Deus


[...] [eu respondo] [...] Porque a Bíblia é o único registro do amor reden­
tor de Deus, porque somente na Bíblia eu encontro Deus se aproximando
de nós em Jesus Cristo, e declarando-nos nele a sua vontade para a nossa
salvação. E este registro eu sei ser verdadeiro pelo testemunho do seu Es­
pírito no meu coração, pelo qual sou assegurado de que ninguém senão
Deus mesmo é capaz de falar tais palavras à m inha alma.216

Inevitavelmente, nisso corre um risco de subjetivismo. A inda assim, como


Soren Kierkegaard nos fez lembrar, “subjetivismo” não é um a noção inteira­
87

n r ic a e m ente negativa. Em seu sentido mais profundo, “subjetivismo” significa que


algo tem relevância interior e aplicabilidade; em suma, tem relevância existen­
i :rítica cial. Em seu Unscientific PostScript [Post-scriptum a Migalhas Filosóficas], Kierke-
Há gaard salientou a necessidade de “um processo apropriado da mais apaixonada
- i her- interioridade”.217 A Escritura, como já vimos, possui um a dimensão fortem ente
rçunda objetiva, em que ela nos conta sobre com o as coisas são; possui tam bém um
i ?etri- com ponente subjetivo, por meio do qual oferece transform ar nossa vida inte­
rior — um a oferta que, na experiência evangélica, é mais do que justificada, e
i-íuns leva a um a ênfase na evangelização como meio pelo qual outros podem com ­
;* ecífi- partilhar dessa m esm a “amizade transform adora” (James H ouston).218 Com o
.:i: está Lutero afirmou, nós lemos a Escritura não sim plesm ente para saber dos “co­
:-.je de mandos de D eus” (mandata Dei) mas para encontrar o “Deus que com anda”
r:blica {Deus mandantus), e ser transform ados com o resultado disso.

R elação entre E scritu ra e teologia sistem ática


A análise que até aqui fizemos indicou a enorm e im portância que o evan-
o de gelicalismo atribui à Escritura. C om o, no entanto, o relacionam ento entre
entes Escritura e teologia deve ser entendido? Q ual é a relação entre reflexão bíblica
"ter- e teologia sistemática? N esta seção de conclusão, consideraremos, sob um a
r.ada perspectiva evangélica, a complexa interação entre a Escritura e a teologia.
com Com eçam os explorando a noção de “teologia bíblica”.
dada
A noção de “teologia bíblica”
:orios
mo- O term o “teologia bíblica” tornou-se problem ático para os evangélicos. O
:este- problem a, no entanto, se acha prim ariam ente nas associações do term o dentro
ida e da teologia m oderna. O entendim ento m oderno do term o deriva do discurso
ès do inaugural apresentado por Johann Philip Gabler, em m arço de 1787, na U ni­
versidade de Altdorf, no qual ele defendeu a separação radical de “teologia
bíblica” e “dogm ática”.219 E significativo que esse discurso tenha sido apresen­
tado na m aré alta do Ilum inism o; isto é especialmente evidente em relação à
pretensão de Gabler que dá às verdades universais da razão precedência sobre
as particularidades da Escritura. Segundo Gabler, a “teologia bíblica” era para
ser entendida com o um a disciplina puram ente histórica e descritiva, enquan­
to a “dogm ática” era um a disciplina norm ativa ou prescritiva.
Em bora a abordagem de Gabler tivesse sido desconsiderada inicialm ente
por seus contem porâneos, ela com eçou a granjear am pla aceitação na década
de 1830, de m odo que a “teologia bíblica” veio rapidam ente a ser entendida
com o um a disciplina puram ente histórica e descritiva, sem nenhum a ligação
necessária com a vida ou com a fé cristã.220 Estudar “teologia bíblica” tornou-
se um exercício em história crista, exam inando, em m uito, a teologia de escri­
tores bíblicos do m esm o m odo com o se poderia estudar a teologia do judaís­
m o prim itivo patrístico ou do segundo-tem plo. Era um exercício desinteressado
no estudo da história da religião de Israel e da igreja prim itiva, sem nenhum a
relação com a vida e o pensam ento do cristianismo hoje. Evangelicalismo não
tem nenhum espaço para tal entendim ento da “teologia bíblica”. C ontudo, a
despeito de todas as inúteis e enganosas associações que agora são ligadas ao
term o, o evangelicalismo precisa recuperá-lo e reestabelecê-lo.
Então, o que seria um a teologia bíblica evangélica? Para alguns evangéli­
cos, tal teologia m eram ente repetiria o que a Escritura afirma, talvez providen­
ciando um a coleção de textos relacionados a tópicos destacados. A dificuldade
essencial com a tal “teologia da repetição” é que ela deixa de interpretar, con-
textualizar e correlacionar. N o fim, a repetição é o últim o recurso dos que são
intelectualm ente preguiçosos e espiritualm ente complacentes. Podemos afir­
mar, com Paulo, que nós somos “justificados pela fé” (Rm 5.1). O que isso,
porém , significai As afirmações fundam entais da Escritura precisam ser expli­
cadas. U m papagaio é perfeitam ente capaz de repetir “Somos justificados pela
fé”; repetição, entretanto, não é nenhum substituto para entendim ento. U m a
teologia sistemática bíblica trata da explicação do vocabulário distinto e das
conceituações da Escritura, a fim de que seu sentido possa ser entendido e
proclam ado ao m undo vivo de hoje. O teólogo é assim obrigado a correlacio­
nar — isto é, a perm itir que afirmações bíblicas venham im pactar a situação
contem porânea.
A história do evangelicalismo sugere que o sucesso do m ovim ento repousa
sobre sua disposição de correlacionar Escritura com o contexto em que ele se
acha, em vez de m ecanicam ente repetir citações bíblicas, ou sim plesm ente
voltar na história evangélica para tirar correlações passadas, tais com o o m odo
no qual um texto foi aplicado por Calvino em seu contexto de século XVI, em
Genebra. A questão é aplicar a Escritura a contextos novos até agora não ex­
perim entados, em vez de, com o escravo, repetir interpretações da Escritura
originalm ente desenvolvidas com um contexto cultural m uito diferente em
m ente.221 D avid E Wells , um dos expoentes contem porâneos mais im por­
tantes e respeitados do evangelicalismo, com enta assim sobre a tarefa da teolo­
gia evangélica:

E tarefa da teologia descobrir o que Deus falou em e por intermédio da


Escritura e “vestir” essa descoberta num a conceituação nativa para a nossa
época. Em seu terminus a quo, a Escritura precisa ser des-conceitualizada,
a fim de que se capte seu conteúdo transcultural, e precisa ser re-contextu-
89

alizada, a fim de que seu conteúdo possa ser mesclado com os pressupôs-
tos cognitivos e moldes sociais de nosso tem po.222

Além disso, as várias declarações dentro da Escritura requerem ser corre­


lacionadas — isto é, sua relação m ú tu a dentro de um a estrutura com pleta
m aior precisa ser estabelecida. Afirmações bíblicas a respeito da divindade de
Jesus Cristo exigem ser colocadas ao lado das que afirm am sua hum anidade, e
correlacionadas. C om o esses dois conjuntos de declarações podem transm itir
verdades? E quais são as suas implicações para a nossa compreensão da iden­
tidade de Jesus C risto, a natureza de D eus e nossa identidade? A teologia
sistemática não trata apenas de repetir afirmações ou temas bíblicos, mas de
pôr à m ostra a configuração com pleta do pensam ento do qual individual­
m ente eles dão testem unho.

Escritura e narrativa
Term inam os esta análise do papel da Escritura no pensam ento evangélico
enfocando um a questão de im portância considerável na erudição bíblica re­
cente: o reconhecim ento da posição prim ária do gênero narrativo dentro da
Escritura. D e que m aneira um a narração serve com o base da teologia?223 De
que m aneira pode-se falar de um a narrativa reter “autoridade”? À vista da im ­
portância desta questão em análise teológica contem porânea, passaremos dire­
tam ente a um a consideração das implicações para o evangelicalismo do caráter
predom inantem ente narracional da Escritura.
Em seu estudo clássico de interpretação bíblica desde a Reforma, H ans
Frei m ostra como o surgim ento do racionalismo levou a um a gradativa rejeição
do caráter “narrativo” da Escritura.224 Para escritores “pré-críticos”, a interpre­
tação da Escritura dizia respeito a “um a interpretação de histórias e seus signifi­
cados, tecendo-os juntos em um a narrativa com um que se refere a um a história
única e seus modelos de sentido”.223 O Ilum inismo, porém , adotou um a rede de
abordagens à interpretação bíblica que reflete o racionalismo e o anti-super-
naturalism o do m ovim ento. C om o Brevard Childs dá a entender, a resultante
aplicação de “ferram entas críticas históricas com uns” deixou de fazer “justiça
. 0- plena à m atéria teológica ím par da Escritura com o auto-revelação de D eus”.226
Parte desse processo de interpretação, evidente do século X V III em diante, foi
um a rejeição do caráter “narrativo” da Escritura.
O evangelicalismo anterior estava plenam ente apercebido da im portância
da narrativa. M artinho Lutero é um excelente exemplo de um a abordagem
evangélica anterior a esse assunto. Ele nem (para antecipar o Ilum inism o) via a
narrativa como algo a ser eliminado a fim de se chegar aos “pontos” que se
apresentavam; nem (para antecipar o Romantismo) via a “história” como o veículo
único da verdade.227 A despeito de todas as suas críticas dos programas teológi­
cos e exegéticos do Ilum inismo, porém , o evangelicalismo parece ter escolhido
segui-lo nesse respeito. O caráter narrativo da Escritura fora marginalizado sutil-
mente, a fim de facilitar sua análise puram ente como repositório de declarações
proposicionais, capazes de resistir aos critérios epistemológicos do Iluminismo.
Com o Frei aponta, o tem a da “narrativa” continuou presente dentro do evange­
licalismo, mas foi transferido da Escritura para a jornada espiritual pessoal do
crente.228 Foi visto como apropriado aos evangélicos falarem de “sua historia”
(significando “o relato de como chegaram à fé, e estão progredindo na vida cristã
pessoal”). N o entanto, o fato de m uito da própria Escritura fazer um a narrativa
tem sido omitido. Por quê?
As razoes para isso são complexas, e não tão bem entendidas assim. Um
fator que parece ser de especial im portância nesse respeito é a m aneira em que
o evangelicalismo é responsivo diante de seu contexto intelectual. Através de
sua história, o evangelicalismo tem se m ostrado inclinado a cair num a form a
de racionalismo. H á am pla evidência de que isso ocorreu na H olanda durante
a parte final do século XVI, à m edida que os evangélicos se tornaram cada vez
mais influenciados pela prevalência da visão de m undo dos racionalistas.229
N os Estados Unidos, a tendência para aderir ao racionalismo dentro dos círcu­
los evangélicos foi acelerada durante fins do século X V III e começo do século
XIX pela am pla adoção do que se to rnou conhecido com o o “realismo es­
cocês” ou filosofia “do senso-com um ”230 — um a questão à qual voltaremos
mais adiante (ver p. 141-144). Em particular, o evangelicalismo tem respondi­
do aos tipos de teologia de revelação associados com a neo-ortodoxia, especial­
m ente a de Em il B runner, que trato u a revelação p u raniente com o um a
“presença pessoal”, ao enfatizar o conteúdo de informações da revelação. C on­
tudo, pensando bem, isso tem sido um a reação exagerada; a resposta apropri­
ada a B runner é afirmar o conteúdo inform acional da revelação, nao negar
seus aspectos pessoais. O resultado é que formas do evangelicalismo estado-
unidense que têm sido especialmente influenciados por racionalismo, como
aquela associada com Carl Henry, têm colocado ênfase demais na noção de
um a revelação bíblica puram ente proposicional.
N o entanto, isso não precisa ser feito. Efetivamente, à m edida que a pressão
para defender o evangelicalismo roubando os trajes do Ilum inism o dim inui,
os evangélicos são livres outra vez para redescobrir e recuperar as características
distintivas de um a abordagem mais bíblica à teologia, que põe ênfase em que
as ações de Deus na história, recontadas e interpretadas na Escritura, form am
um a narrativa.231 Q ualquer visão da revelação que vê a autom anifestação de
D eus como a m era transmissão de feitos concernentes a Deus é seriamente
deficiente, e arrisca fazer de Deus um análogo a um executivo corporativo que
espalha m em orandos a subalternos. Revelação é a auto manifestação de D eus e
auto-envolvim ento na história e, acima de tudo, suprem am ente, a decisão de
Deus de se tornar encarnado em Jesus Cristo, de m aneira que quem vê Jesus
Cristo vê o Pai. Revelação diz respeito aos oráculos de Deus, aos atos de Deus,
e à pessoa epresença de Deus.
Reduzir a revelação a princípios ou conceitos é suprim ir o elemento de
mistério, santidade e maravilha na automanifestação de Deus.232 O s “primeiros
princípios” podem tirar dúvidas e informar; não nos forçam a ajoelhar em reverên­
cia e temor, como Moisés diante da sarça que se queimava, ou os discípulos na
presença do Cristo ressurreto. Por razões que podem ser compreendidas, o evan­
gelicalismo tem no passado escolhido ser enfocado no elemento proposicional
ou cognitivo da complexa rede da revelação divina — um elemento que perm i­
tia ao evangelicalismo m anter sua credibilidade e integridade durante um período
de assalto racionalista. O entendim ento decorrente de “revelação”, porém , esta­
va em si perigosamente deficiente, beirando na aridez e esterilidade que eram as
marcas da m esm a racionalidade à qual o evangelicalismo estava buscando se
opor.
Reconhecer a qualidade narrativa da Escritura perm ite que seja recupera­
da a plenitude da revelação bíblica. D e m odo nenhum essa estratégia envolve
abandono ou enfraquecim ento de um comprom isso evangélico com a verdade
cognitiva objetiva da revelação divina. E sim plesm ente reconhecer que a reve­
lação envolve mais do que isso, e recom endar a sabedoria de se evitarem abor­
dagens reducionistas à questão. Dois teólogos que estiveram preocupados em
recuperar a im portância da narrativa nesse respeito são Karl Barth e H . Ri-
chard N iebuhr. Para Barth, a Bíblia relatava um a narrativa que identificava o
“D eus de Jesus C risto”.233 Para N iebuhr, o testem unho bíblico, ele próprio
narrativo na forma, ilum ina nosso auto-entendim ento e nos capacita para fa­
zer sentido de “a história de nossa vida”.234
O evangelicalismo sempre esteve preocupado em dem onstrar a ligação
próxim a entre Escritura e doutrina. Por razões que em últim o caso refletem a
dom inância das idéias do Ilum inism o em Princeton durante o século XIX, o
evangelicalismo era inclinado a m inim izar os elementos narrativos na Escritu­
ra, a fim de assegurar o relacionamento íntim o entre Escritura e doutrina, m ui­
tas vezes vendo a prim eira com o livro de fonte de d o utrinas. C o n tu d o ,
corretamente entendido, há um a ligação igualmente íntim a e interativa entre a
narrativa da Escritura e as afirmações doutrinárias. N o que se segue, eu me pro­
ponho a explorar esse assunto, a fim de realçar claramente a ligação entre narra­
tiva e doutrina.235
92

A Escritura nao tem prim ariam ente a form a de afirmações do credo e-


doutrina, em bora estes indubitavelm ente estejam com o que tecidos dentro de
sua estrutura. Sua preocupação prim ária — em bora de form a nenhum a exclu­
siva — é narrar o que aconteceu em m om entos tidos com o de particular im ­
portância para a autodefinição da com unidade de fé — m om entos tais como
o êxodo do Egito ou a ressurreição de Jesus de Nazaré. A Bíblia nos apresenta
um a narrativa, cujo propósito é contar as maneiras que Deus usou para se
relacionar com a hum anidade, culm inando em — mas não term inando com
— a história de Jesus de Nazaré.236 O nde a doutrina trata do que deve ser (ou
é) acreditado, a Escritura parece preocupada prim ariam ente com narrar o que
aconteceu.237 (Enquanto o Novo Testam ento inclui m uito m aterial não narra­
tivo em seu caráter, esse pode ser apresentado como argum ento para represen­
tar o resultado de encontros com a narrativa de Jesus de Nazaré). E m que o
cristianismo é centrado na figura de Jesus de Nazaré, um a m odalidade de dis­
curso capaz de expressar estruturalm ente essa história é exigida. A Bíblia não
articula um conjunto de princípios abstratos, mas aponta para um a vida vivi­
da, um a existência histórica específica, com o que em algum sentido incorpo­
rando e dando substância a tal conjunto de princípios.
N o Novo Testamento, a narrativa de Jesus é interpretada como um a história
que põe em terreno sólido a existência cristã, que dá alguma form a e especifi­
cidade aos pontos de vista do hom em sobre a vida e as formas de pensar que
são expressões apropriadas do nosso com partilham ento na vida de Cristo.
Narrativas são baseadas em história, em ações, possibilitando que evitemos
pensar no cristianismo em term os de abstrações universais, e, em vez disso,
alicerçando-o no terreno sólido das contingências de nossa existência históri­
ca. Nossa visão é form ada e inform ada pela história de Jesus de Nazaré, relem­
brada na celebração eucarística de sua m orte e ressurreição e nos benefícios
entendidos e trazidos, os quais reconhecemos com o incorporando a form a ou
m olde de nossa vida e com unidades com o cristãos.238
A Escritura, então, fornece a narrativa de um a existência histórica real,
afirm ada ser de valor fundam ental para a com unidade de fé, encarnando tanto
valores com o idéias. M as com o se fará a transição da narrativa para a doutrina?
A im portância desta pergunta em relação ao gênesis da doutrina pode ser ilus­
trada com referência a dois exemplos tirados da história da doutrina crista, que
ilum inam as dificuldades encontradas nessa transição.
A assim cham ada teoria Christus Victor da Expiação, proem inente no
período patrístico, é essencialmente narrativa em sua estrutura.239 O s marcos
e metáforas soteriológicos do Novo Testam ento são ampliados e reconstruí­
dos, para dar um relato narrativo sobre o dram a da redenção da hum anidade.
Essa narrativa tem certos pressupostos — por exemplo, o de que a hum anidade
está em servidão a tiranos ou poderes hostis. N ao obstante, essas pressuposições
são identificadas pela própria narrativa, no curso de recontar a m aneira pela
qual a m orte e ressurreição de Jesus de Nazaré representam o conflito divino
com a vitória e o triunfo sobre os poderes maus da servidão.
Nosso interesse está voltado para a estrutura, em vez de para o conteúdo,
daquilo a que G ustaf Aulén refere-se com o a “teoria clássica da expiação”. A
narrativa provou levantar mais questões do que respondia. Por que a h u ­
m anidade estava presa em servidão a forças demoníacas? D e que m odo a cruz
e a ressurreição representam um divino conflito e vitoriar’ Por que D eus não
podia ter apenas elim inado ou deixado de lado o Diabo? E, enfrentando essas
dificuldades, os proponentes da teoria foram obrigados a fornecer um a sub-
estrutura conceituai à luz da qual a narrativa pudesse ser interpretada. O con­
ceito do ius diaboli foi desenvolvido, então, como um a tentativa de fazer sentido
da narrativa em seus pontos que mais causam perplexidade.240 U m a subestru-
tura de form ulações doutrinárias, portanto, com eçou a emergir, com o um
meio de interpretar o dram a narrado pela teoria Christus Victor. C om a renas­
cença teológica de fins do século X e começos do século XII, essa subestrutura
veio a ser criticam ente exam inada por parte de teólogos tais com o Anselmo e
Abelardo, sendo eventualm ente rejeitada com o insatisfatória e substituída por
um a doutrina — em vez de um a narrativa — da redenção.241 Nosso ponto,
entretanto, trata da estrutura da teoria Christus Victor, que pode ser vista como
um estágio interm ediário entre a narrativa bíblica e as formulações doutrinárias.
A narrativa requeria a pressuposição de um conjunto de axiomas se fosse ser
significativo: esses axiomas foram identificados e elaborados, no processo do
gênesis da doutrina. O que faltava à narrativa, ou o que podia plausivelmente
ser argum entado pressupor, foi providenciado pela subestrutura doutrinária.
U m segundo exemplo é fornecido pela controvérsia ariana do quarto século.
Esta controvérsia enfocava a identidade de Jesus Cristo. Era Cristo m eram ente
um ser hum ano, suprem o entre todas as criaturas de Deus, mas criatura mes­
m o assim? O u era Cristo ninguém mais do que o divino Filho de Deus? A
dificuldade básica era que a narrativa de Jesus poderia ser lida em dois m odos
bastante diferentes: com o o relato de um notável ser hum ano, ou com o o
relato da encarnação do Filho de Deus. M as qual dessas duas formas corres­
pondia mais precisam ente ao testem unho bíblico? C om o seria entendida a
narrativa de Jesus Cristo? A necessidade de um a estrutura conceituai pela qual
os vários aspectos da narrativa pudessem ser interpretados tornou-se dolorosa­
m ente óbvia. A estrutura oferecida por Ário era baseada na crença de que Jesus
era suprem o entre as criaturas de Deus; e aquela oferecida por Atanásio re­
pousava sobre a crença de que ele era o Filho de Deus encarnado.
N o cerne desta disputa estava um a tensão dentro da tradição cristológica
origenista, na qual um a narrativa e várias estruturas de conceitualism o pediam
correlação.242 C om o podia a narrativa escriturai ser relacionada com tal estru­
tura interpretativa? E qual das várias estruturas disponíveis (ou concebíveis)
era mais apropriada? A controvérsia ariana ilum ina essa tensão entre estruturas
interpretativas diferentes enquanto tratam de um a tradição narrativa com um :
tanto Ário como Atanásio reivindicam ser intérpretes das mesmas narrativas.
Em bora Ário não fosse nenhum filósofo, é claro que sua leitura da narração
escriturai exigia um a estrutura em que Deus fosse totalm ente transcendente e
absoluto;243 a narrativa escriturai, portanto, era centrada sobre um a criatura,
não sobre o Criador. Para Atanásio, como vimos, a mesm a narrativa centrou-
se sobre a encarnação do Filho de Deus.
Esta controvérsia ilustra um a fase crucial no desenvolvimento da doutrina
cristã: a necessidade de testar a adequação das formulações doutrinárias como
estruturas interpretativas para a narrativa escriturai. As estruturas propostas
pelos dois, Ário e Atanásio, eram suficientem ente coerentes em seu interior
para necessitar ser avaliadas em outras bases; essas bases incluíram o grau de
correlação com a própria narrativa escriturai, e a avaliação dessa narrativa den­
tro da com unidade de fé com o expressa em sua oração, culto e adoração. A
insistência de Atanásio sobre o significado da máxima lex orandi lex interpretandi
(que pode ser traduzida mais ou menos como “o m odo em que oramos esta­
belece o m odo em que interpretamos”) coloca-o à parte de Ário nesse ponto:
para Atanásio, adoração é o cadinho dentro do qual declarações teológicas são
refinadas; para Ário, a teologia provê um a estrutura para a crítica do culto.244
A doutrina cristológica das “duas naturezas” assegura a existência de dois
insights vitais: “Jesus é D eus” e “Jesus é hom em ”. Q uaisquer que sejam as im ­
plicações metafísicas ou ontológicas que possam ser sugeridas por essas reivin­
dicações, é im portante apreciar que inicialmente elas se referem à interpretação
da narrativa de Jesus de Nazaré. D entro do contexto dessa narrativa, Jesus
pode ser visto desem penhando dois papéis — o hum ano e o divino. D ois
papéis que até então tinham sido vistos com o m utuam ente exclusivos, exigin­
do diferentes personagens, são tidos pela narrativa como intim am ente relacio­
nados e enfocados na pessoa única de Jesus. D entro do contexto da narrativa,
Jesus age com o Deus (por exemplo, perdoando pecado: M c 2.5-7), bem com o
assum indo o papel mais convencional de um ator hum ano. A doutrina das
duas naturezas provê um meio de interpretar a narrativa escriturai, e de asse­
gurar sua consistência interna.
Sem elhantem ente, a doutrina da Trindade pode ser vista com o um a inter­
pretação da narrativa cristã. “Pai, Filho e Espírito Santo” é um a descrição iden-
95

::.;:o ló g ica tificadora de Deus, como é ele percebido atuando no Novo Testamento. “Pai”,
~ : pediam “Filho” e “Espírito” são identificados como papéis relacionados dentro da nar­
r. :al estru- rativa do Novo T estam ento.243 A d outrina da Trindade oferece um a chave
: r. cebíveis) herm enêutica para a interpretação correta das narrativas do Antigo e do Novo
: :;rru tu ra s Testam entos que, de outro m odo, poderiam ser entendidas com o dizendo
'a ;o m u m : respeito a três deidades diferentes. O discurso trinitariano é um a tentativa de
rrarrativas. identificar D eus no centro da narrativa escriturai. Isso, em com um com a
a :;.arraçao doutrina com o um todo, nem faz explicitamente, nem im pede explicitamente,
: cadente e afirmações metafísicas. É, a princípio, concernente à interpretação de um a
- criatura, narrativa.
£ :entrou- H á assim um relacionam ento dinâm ico entre a doutrina e a narrativa bíbli­
&
cas. Essa narrativa possui um a subestrutura interpretativa, dando m ostra de
i c ru trin a afirmações doutrinárias. E evidente que há estruturas conceituais, ligadas a
" - com o estruturas narrativas, dentro da Escritura: essas funcionam com o pontos inici­
c r: postas ais para o processo de geração de estruturas conceituais mais sofisticadas, no
- ai ten o r processo de form ulação doutrinária. C om base nessas sugestões escriturais,
c arau de marcadores e sinalizadores de caminhos bíblicos, afirmações doutrinárias po­
i den- dem ser feitas, e ser então empregadas como um a estrutura conceituai para a
c ração. A interpretação da narrativa. A narrativa é re-lida e re-visionada à luz dessa estru­
"etandi tura conceituai, no curso da qual modificações à estrutura são sugeridas. Há,
n ::s esta­ portanto, um processo de interação dinâm ica, de feedback, entre doutrina e
is ponto: Escritura, entre a estrutura interpretativa e a narrativa. Poder-se-ia descrever
:-r:cas são esse relacionam ento dialético em term os piagetanos, com o um de assimilação
caro.244 e acomodação: a narrativa é assimilada a conceitos, e os conceitos são aco­
a ae dois m odados à narrativa. N o decurso deste espiral herm enêutico, novos níveis de
as im- interpretação são alcançados por um a oscilação interativa progressiva entre a
a; rcivin- narrativa generativa da Escritura e a estrutura interpretativa da doutrina.
T r tração Esse processo de interpretação envolve um a interação contínua entre nar­
"• ... Jesus rativa bíblica e formulações doutrinárias, num a tentativa de encontrar um a
r . Dois estrutura interpretativa, ou um raio de ação de tais estruturas, já sugeridas
; rxigin- dentro do Novo Testam ento, na base das quais a narrativa de Jesus de Nazaré
: rc.acio- possa ser vista em níveis intensificados de sentido. Chegou-se à estrutura
drrariva, doutrinária que abarca o conceito de encarnação com algum a hesitação, por
ra. romo causa de suas evidentes implicações para o m onoteísm o judaico, e ela foi sujei­
r. a a das ta à mais sustentada crítica no período do Ilum inism o e pós-Ilum inism o. N ão
■ac asse- obstante, perm aneceu nada mais que um a hipótese tentativa haver qualquer
espécie de descontinuidade radical entre a narrativa de Jesus de Nazaré e as
:a inter- estruturas interpretativas prim itivas contidas no Novo Testam ento, por um
a. -den- lado, e a doutrina da encarnação do outro.
Podemos sum ariar nossa análise da relação entre a narrativa bíblica e a
doutrina com o se segue. Narrativas precisam ser interpretadas corretam ente; a
doutrina cristã oferece a estrutura conceituai pela qual a narrativa da Escritura
é interpretada. Narrativas exigem interpretação. A narrativa da Escritura não é
nenhum a exceção. O Antigo Testam ento pode ser lido com o um a história da
busca por identidade entre um povo nôm ade do antigo oriente próxim o, as­
sim com o os Evangelhos sinóticos podem ser lidos com o a história de um
revolucionário galileu mal orientado ou de um rabi judeu frustrado. A doutri­
na articula a interpretação específica, ou a gama de interpretações, da narrativa
da Escritura apropriada ao auto-entendim ento da com unidade crista, levando
outros a questioná-la. Assim, a afirmação “Jesus é o C risto” é um a afirmação
doutrinária que perm ite que a narrativa de Jesus de Nazaré seja vista sob certa
luz. Esta afirmação não é, porém , arbitrária: é m antida para ser legítim a à luz
da própria narrativa. Rom anos 1.3-4 torna legítim a a idéia de que Paulo pre­
tende afirm ar que Jesus é o Cristo, com referência à narrativa de Jesus de N a­
zaré, justam ente como um a subestrutura narrativa pode ser detectada no caso
de outras afirmações teológicas ou éticas do apóstolo.246
A doutrina fornece a estrutura conceituai pela qual a narrativa bíblica é
interpretada. N ão é um a estrutura arbitrária, no entanto, mas é sugerida por
aquela narrativa, e dada a entender (por mais provisoriam ente que seja) pela
própria Escritura. Ela deve ser discernida dentro, em lugar de im posta sobre,
essa narrativa. A narrativa é prim ária; a estrutura interpretativa, secundária. O
Novo Testam ento inclui tanto a narrativa de Jesus de Nazaré com o a interpre­
tação da relevância dessa narrativa para a existência das com unidades cristãs
primitivas; doutrina representa a extensão das sugestões quase-doutrinárias,
marcadores e sinalizadores a serem encontrados dentro do Novo Testamento.
A transição de um a narrativa para um a estrutura conceituai de pensam en­
to teria efeitos potencialm ente destrutivos para a teologia cristã se a narrativa a
respeito de Jesus de Nazaré, tendo sido perm itida gerar um a estrutura especí­
fica de conceitualismos, fosse esquecida. Tivesse um a abordagem conceituai
para o cristianismo (tal como aquele associado com o conceito de encarnação)
sido vista com o auto-suficiente e autônom a, a narrativa que originalm ente a
precipitou poderia ter desaparecido nas brum as da história. Tivesse isso ocor­
rido, ansiedade séria necessariamente teria resultado com respeito à propriedade
e adequação dessa estrutura. Teria sido deixada suspensa sem visível susten­
tação. N enhum critério, salvo os que foram impostos de fora por ideologias
rivais, poderia ser aduzido pelo qual ela pudesse ser avaliada. E ntretanto, a
narrativa fundam ental tem sido preservada pela com unidade de fé, e lhe foi
conferida status prim ário em reflexão doutrinai (particularm ente dentro das
rablica e a igrejas da Reforma, que perm anecem pontos de referência históricos para um a
aaamente; a autocom preensão evangélica).
a i escritura O princípio sola Scriptura é, em últim a análise, um a asserção da primazia
ra a ra nao é da narrativa fundam ental da Escritura sobre qualquer estrutura de conceitua-
. a a tó ria da lismos que ele possa gerar. A Reform a poderia razoavelmente ser interpretada
ra a m o , as- como um re-exame atrasado da estrutura medieval católica de conceitualismos
: r;a de um à luz de sua narração generativa; sim ilarm ente, o slogan da Reforma, ecclesia
: A doutri- reformata, ecclesia semper reformanda poderia ser interpretado como um a afir­
:a aarrativa mação da necessidade de correlacionar continuam ente a narrativa generativa e
:I .evando os conceitos resultantes. N ós não temos acesso à história de Jesus em seu todo.
i -inrmação N ão possuím os a totalidade de tradições a respeito de Jesus. N ão obstante,
:a 5 0 b certa tem os acesso à parte daquela história e daquelas tradições que as primeiras
: à luz com unidades cristãs viam como fundam entais e doadoras de identidade, ju n ­
- i u I o pre- to com sugestões de possíveis estruturas interpretativas, perm itindo-nos ava­
:f_5 de Na- liar quaisquer representações conceituais resultantes do evangelho — passados,
no caso presentes e futuros. Temos posse dos critérios pelos quais qualquer estrutura
proposta de conceitualismos pode ser gerada ou avaliada. N o fim, a doutrina
'i bíblica é cristã perm anece ou cai em relação à Bíblia, não a qualquer conjunto particu­
la^rida por lar de conceitos.
: .; eia) pela A relação entre narrativa e metafísica pode ser explorada adicionalm ente
c s:a sobre, considerando-se a “teologia da cruz” de Lutero, talvez um dos mais teologica­
-adiria. O m ente argutos relatos desse tem a.247 A teologia de Lutero é m uitas vezes incor­
a :aterpre- retam ente descrita com o “anti-metafísica”, o que já levou a um grupo de juízos
ice; cristãs não-históricos com respeito à sua teologia. O ponto fundam ental de Lutero,
aaanárias, no entanto, é que a narrativa do Cristo crucificado deve ser interpretada com
^:am ento. base num a estrutura estabelecida por essa própria narrativa, em vez de com
>tasamen- base num a estrutura alienígena imposta. A hostilidade de Lutero para com a
r. arrativa a metafísica aristoteliana baseia-se na sua convicção de que esta im põe na narra­
ira especí- tiva da Escritura um a estrutura interpretativa que leva a séria distorção dessa
c : aceitual narrativa.
icirnação) A preocupação exata de Lutero centra-se num grupo de atributos divinos,
e m e n te a tais com o a “glória de D eus”, o “poder de D eus” e a “justiça de D eus”. Se esses
1553 ocor- atributos são definidos na base de pressuposições metafísicas anteriores (inclu­
c r riedade indo um uso não-crítico do princípio de analogia) o evangelho fica distorcido.
c- susten- C om o pode a revelação da “justiça de D eus” (iustitia Dei) (Rm 1.16-17) ser
icíologias boa-nova para a hum anidade pecadora, quando (com base em um a análise
rtranto, a aristoteliana de iustitia) essa revelação só pode ter im plícita a condenação? O
. r lhe foi rom pim ento teológico de Lutero (a ser datado em algum p onto de 1515)
carro das centrou-se em sua percepção de que é a narrativa de Jesus de Nazaré, enfocan­
98

do o Cristo crucificado, que define o sentido de termos como “a justiça de


D eus”.248 O “teólogo da cruz” é o que gera um a estrutura conceituai com base
na narrativa da Escritura; um “teólogo da glória” é o que interpreta a narração
da Escritura com base num a estrutura conceituai predeterm inada.
Lutero não fez nenhum a objeção à metafísica, como dem onstra um a leitu­
ra, ainda que rápida, de seus escritos do período de 1515-21; sua preocupação
é perm itir que a narrativa bíblica de Jesus de Nazaré, conform e enfocada no
Cristo crucificado, gere a própria estrutura de conceitualismos. A declaração
que Lutero faz da autonom ia da narrativa da Escritura não envolve a rejeição
da metafísica; m eram ente nega a qualquer metafísica preconcebida o direito
de im por sua estrutura interpretativa sobre a Escritura. C onceder a existência
de logicamente anteriores categorias interpretativas preconcebidas ou estrutu­
ras para interpretação bíblica é, no fim, solapar radicalm ente a autoridade da
Escritura.
Para Lutero, porém , conceitualismos tais com o “a justiça de D eus” são
definidas pela narrativa bíblica, não im portadas de fontes externas. Até “D eus”
é definido dessa m aneira, com o pode ser visto pela célebre referência de Lute­
ro ao “crucificado e oculto D eus” (Deus crucifixus et absconditus). A definição
de “D eus” feita por Aristóteles, segundo Lutero, não tem a ver diretam ente
com a interpretação da Escritura, que identifica um Deus um tanto diferente
com o seu principal agente.249 E possível ver o axiom a de Lutero crux sola
nostra theologia com o um a declaração sofisticada do princípio sola Scriptura,
que afirma a prioridade de um a narrativa historicam ente baseada — em vez de
conceitos abstratos de divindade — na reflexão teológica.
D a análise acima, ficará claro que perm itir que um a narrativa se torne o
fundam ento da reflexão teológica evangélica não apresenta quaisquer proble­
mas fundam entais. O fato é que oferece um catalisador inestimável para o
processo catártico de purgar o evangelicalismo da influência prolongada do
Ilum inism o, e de fazer um a busca para trás do Ilum inism o para recuperar
abordagens mais autenticam ente evangélicas para o papel da Escritura na vida
e pensam ento cristãos.

Conclusão
N este capítulo, argum entam os que o apelo evangélico à autoridade da
Bíblia é coerente e bem -inform ado. A atual retórica a respeito de um a “crise
em autoridade bíblica” é profundam ente enganosa, em que confunde questões
secundárias (o m odo em que a autoridade bíblica deve ser articulada e formaliza­
da teologicamente) com a questão prim ária do papel fundam ental da Escritu­
ra. C ada vez mais, os evangélicos estão expressando receios com respeito às
99

' - ustiça de abordagens da autoridade bíblica associadas à escola da O ld Princeton,250 vendo


com base o uso continuado das idéias deste educandário contribuindo para a escravidão
c i narração prolongada do evangelicalismo às idéias e pontos de vista do racionalismo Ilu-
minista.
! _nna leitu- Isso, no entanto, nao pode ser interpretado com o representando um a re­
\'e : ;upação tirada, ou um a diluição da ênfase evangélica tradicional sobre a autoridade da
:n:: cada no Escritura; representa m eram ente um a parte integral da agenda evangélica con­
. ceclaração tin u a d a para assegurar que todo o aspecto de sua agenda teológica seja
_e i rejeição fundam entado na Escritura. H á um a percepção crescente dentro do evangeli­
cc : direito calismo de que a posição de Princeton está em últim a análise dependente de
c e::;>tência suposições e norm as extrabíblicas.251 A vista da determ inação do evangelicalis­
- estrutu- m o de nao perm itir que qualquer coisa de fora do m aterial bíblico assuma um
:: nuade da papel norm ativo ou fundam ental no pensam ento cristão, tem -se provado
necessário questionar esse m odo particular de expressar e defender a autori­
- ''eus'' são dade da Escritura — mas não pôr em dúvida essa questão em si. Por fim, o
-ue "Deus” evangelicalismo está sim plesm ente no processo de substituir um a abordagem
lc ue Lute- à autoridade bíblica (que é vista agora sendo baseada em axiomas filosóficos)
l. uennição com outra (baseada em considerações mais bíblicas). O comprom isso com a
irerumente autoridade bíblica permanece; é m eram ente o m odo de sua articulação que
: urerente está m udando.
) r :tx sola Nos prim eiros dois capítulos, ocupam o-nos com a coerência interna do
: : :':ptura, evangelicalismo. Nossa atenção agora se volta para um a questão mais ampla: a
z~\ vez de coesão e resiliência do evangelicalismo em face de seus rivais intelectuais e
teológicos no m undo contem porâneo. Com eçam os esta análise considerando
s-e :orne o a relação do evangelicalismo com o m ovim ento na teologia recente que está
er nroble- agora se tornando am plam ente conhecida com o “pós-liberalismo”.
‘e. nara o
nucda do
recuperar
:c na vida

:ucde da
~ c 'crise
ruestões
?rrnaliza-
^'Critu-
íreito às
3
EVANGELICALISMO E PÓS-LIBERALISMO

N a prim eira parte deste trabalho, as dinâmicas internas da teologia evangéli­


ca foram exploradas, dando-se especial enfoque à ênfase evangélica que se acha
na pessoa e obra de Jesus Cristo e no papel norm ativo da Escritura. Tendo
colocado a coerência da visão teológica evangélica em relação a essas questões,
eu m e proponho agora a avaliar abordagens im portantes rivais dentro da cul­
tura ocidental contem porânea. M inha intenção não é apresentar um a alterna­
tiva evangélica a tais abordagens, e sim indicar as bases sobre as quais elas
podem ser criticadas. A prim eira abordagem im portante a ser considerada é o
“pós-liberalismo”, que emergiu nas conseqüências da desilusão com a teologia
liberal a partir da década de 1960.

A reação contra o liberalism o


A reação geral contra o liberalismo, tanto na academ ia quanto na igreja,
alcançou proporções tais, que pode parecer que o assunto é inutilm ente trata­
do. C om o um de meus colegas um a vez m e perguntou, por que o evangelica­
lismo m oderno deveria entrar em diálogo com os mortos? N o entanto, creio
que é im portante continuar a interagir com a tendência liberal dentro da teo­
logia cristã — ou, mais corretam ente, com o grupo de abordagens à teologia
que m ostram “semelhanças de família”, mais notadam ente um apelo aos “uni­
versais” da cultura, de experiência ou da religião e um recuo da afirmação da
particularidade da fé cristã. E ntender as bases da recente reação contra o libe-
%alismo é ganhar um a apreciação mais profunda dos pontos inerentes e dos
pontos fortes do próprio evangelicalismo.
O evangelicalismo há m uito vê o liberalismo com o um a ameaça séria à
integridade e identidade cristã.232 A estratégia liberal de reconhecer norm as e
fontes de autoridade teológica derivadas de fora da revelação cristã é vista ser
algo com o um cavalo de Tróia, perm itindo que idéias e valores do m undo
ganhem um a presença e influência im erecida e nada bem -vinda dentro do
cristianismo. A crítica evangélica sustentada do liberalismo, tanto no plano
pragm ático com o no teórico, tem sido agora suplem entada por outras vozes
de fora do evangelicalismo, reforçando o consenso crescente dentro das igrejas
cristãs de que o liberalismo é intelectualm ente falho e defeituoso. Destas vo­
zes, a mais relevante é o m ovim ento conhecido com o pós-liberalismo. A vista
da im portância desse desenvolvimento e da influência crescente do pós-libe-
ralismo, tanto dentro das igrejas com o das academias, este capítulo apresen­
tará um a avaliação evangélica detalhada e resposta a esse m ovim ento, indicando
as áreas de convergência e desacordo entre esses dois movim entos.
A emergência do pós-liberalismo é am plam ente vista com o um dos mais
im portantes aspectos da teologia ocidental, desde 1980. O m ovim ento teve
suas origens nos Estados Unidos, e foi inicialm ente associado com a Yale D i-
vinity School, e particularm ente com teólogos com o H ans Frei, Paul Holm er,
D avid Kelsey e George Lindbeck.2’’3 C onquanto não seja perfeitam ente corre­
to falar em um a “escola Yale” de teologia, contudo há claras “semelhanças de
família” entre o núm ero das abordagens à teologia que em ergiram de Yale
durante os últim os anos da década de 1970 e os prim eiros anos da de 1980.254
Desde então, tendências pós-liberais vieram-se tornando bem-estabelecidas
dentro da teologia acadêmica estado-unidense e britânica,255 indicando que é
provável que isso tenha um im pacto considerável sobre o evangelicalismo, pelo
m enos na próxim a década, à m edida que este últim o aum enta a sua presença
dentro da com unidade acadêmica. A relação entre o evangelicalismo e o pós-
liberalismo é, pois, de relevante im portância para a ordem colocada pelo pre­
sente estudo.
A característica peculiar do pós-liberalismo pode estar localizada em sua
rejeição dos projetos totalizadores da m odernidade, quer isso tom e a form a
específica de um apelo estilo-Iluminismo à razão universal, ou um apelo liberal
à “religião”, “cultura” ou um a experiência religiosa nao-m ediada com um a toda
a hum anidade. C ada um destes é hoje reconhecido como um universal falso,
um a construção fictícia de atitude de m ente totalízadora. N o lugar desses pseu-
do-universais, o pós-liberalismo coloca com unidades religiosas e suas tradições,
particularm ente com o mediadas por meio de narrativa.256 Assim, W illiam C.
Placher ajudou com a identificação útil das três seguintes características fun­
dam entais do pensam ento pós-liberal:257
1; A prim azia da narrativa com o um a categoria interpretativa para a Bíblia;
2) A prim azia herm enêutica do m undo criado pelas narrativas bíblicas
sobre^o m undo da experiência hum ana;
3. A prim azia da linguagem sobre a experiência.
103

do Ficará claro que esta crítica do papel fundam ental da experiência representa
r .: olano um passo decisivo de distanciamento da estratégia de um a geração anterior.
vozes As raízes filosóficas deste m ovim ento são complexas. D entro do m ovi­
igrejas m ento, apreciação especial pode ser discernida pelo estilo de abordagem asso­
' ;í:is vo- ciado com o filósofo Alasdair M aclntyre, que põe ênfase na relação entre
■: A vísta narrativa, com unidade e vida m oral.258 Nesse respeito, o pós-liberalismo rein-
r : í-libe- troduz um a forte ênfase na particularidade da vida cristã, em reação contra as
:.rresen- fortes tendências hom ogeneizadoras do liberalismo, em sua tentativa m alo­
r -ícando grada de fazer coincidirem a teoria — de que todas as religiões estão dizendo a
mesma coisa — e a observação — de que as religiões são diferentes. Começamos
: í mais nosso envolvimento com o pós-liberalismo, considerando o próprio liberalis­
=v : j teve mo.
. :Vc Di-
~ jlmer, D efinindo liberalism o
: : : corre-
Em certo sentido, “liberalismo” pode sim plesm ente ser definido como a
m ç a s de
posição teológica, até aqui característica de m uito da cultura ocidental, que
~e Yale
agora foi substituída pelo pós-liberalismo. N o entanto, há necessidade de ten­
: : so .254
tar explorar, em maiores detalhes, os fundam entos do m ovim ento. 259 Talvez a
r í.ecidas
característica mais distinta do movim ento seja o seu acomodacionismo — isto é,
i o : que é
a sua insistência em que doutrinas cristãs tradicionais devem ser reafirmadas ou
pelo
reinterpretadas a fim de harmonizá-las com a tendência da época. Considerável
: resença
ênfase foi colocada na necessidade de se estar aberto para os novos insights
' 3 J pÓS-
apresentados pelo avanço filosófico, social e religioso, em vez de se estar am ar­
: : .o pre-
rado a dogmas do passado. O liberalismo era especialmente hostil a qualquer
form a de particularismo, tal com o a noção de um a revelação divina especial.
d :m sua
Para o liberalismo, a religião precisa ser baseada em recursos hum anos univer­
: rorma
sais, tais com o a cultura hum ana ou a experiência com um . A posição anti-
: liberal
particularista do liberalismo é especialmente evidente em sua antipatia para
l~ .1 toda
com a evangelização ou missão, que freqüentem ente são depreciados como
r_:i. falso,
“racismo teológico” ou “imperialismo cristão”.
5-5:5 pseu-
Para entender o liberalismo teológico, é necessário explorar as origens do
::idições,
liberalismo em geral. O term o “liberal” é term o francês em sua origem, datan­
:.-iam C.
do da era napoleônica. O grande senso de libertação que acompanhara a Revo­
::: ís fun-
lução Francesa de 1789 dera lugar a um sentim ento de desespero, à m edida
que a m áquina m ilitar de Napoleão esmagava tudo o que estava em seu cami­
l: Bíblia;
nho. Tanto o regime jacobino quanto o bonapartista estenderam os poderes
■ nblicas
do Estado em nom e da “liberdade pessoal”, com base no pressuposto de que a
liberdade e a soberania do povo eram idênticas. As origens deste ponto de vista
provavelmente estavam na transferência que Jean-Jacques Rousseau propunha
das idéias clássicas romanas e gregas de virtude pública para a França moderna,
sem levar em conta a natureza fundam entalm ente diferente desses contextos.260
Reagindo contra essa evolução, m ovim entos surgiram que enfatizaram a
necessidade de salvaguardar a liberdade individual contra o controle estatal e
social, principalm ente lim itando-se o poder do Estado. O term o “liberal” foi
prim eiram ente usado nesse sentido político por escritores com o M adam e de
Stael e Chateaubriant, em 1807, ao se referirem especificamente aos que esta-
vam preparados para fazer oposição ao totalitarism o napoleônico.261 Em 1811,
a palavra aparece pela prim eira vez em espanhol, para se referir a elementos
reformadores preocupados em defender a liberdade da im prensa e liberdades
individuais. Sinais das origens estrangeiras da palavra na língua inglesa podem
ser vistos no diário de W alter Scott, que se referiu a um “partido de libéraux'.
A té a década de 1830, a palavra estava firm em ente estabelecida na língua in­
glesa, sendo usada para se referir a um grupo de valores que abarcavam o ideal
de liberdade política, a inevitabilidade de progresso, a virtude da tolerância e o
poder da razão.262
Até a década de 1830, o term o “liberal” já estava em uso bastante regular,
referindo-se especialm ente a um a atitude política que celebrava o culto da
liberdade pessoal. E m seu dram a lírico Prometheus Unbound, [o poeta inglês]
Shelley escreveu sobre a natureza hum ana sendo “livre, incircunscrita, iguali­
tária, sem classes, sem tribos e sem nações”. A natureza h um ana não era sujeita
a ninguém ; era totalm ente livre em suas escolhas. O forte senso de otim ism o
que permeava o m ovim ento, particularm ente no plano religioso, pode ser vis­
to na famosa declaração de John M orley (1838-1923): “a natureza hum ana é
boa, o m undo tem condições de ser feito um lugar de habitação desejável, e o
mal do m undo é o fruto da m á educação e de instituições más”.263
Este sentim ento pode ser encontrado m uitas vezes no pensam ento inglês
liberal do início do século XX, e foi, em várias ocasiões, atribuído ao próprio
Jesus, com base no positivismo histórico um tanto ingênuo que caracterizava
o período. U m excelente exemplo é fornecido pelo teólogo liberal James Fran-
klin Bethune-Baker, que declarou que “a sociedade hum ana tem nela os ger­
mes imortais do progresso em direção à sua perfeição, e as condições de sua
perfectibilidade foram descritas por dizeres com o os que são coletados no Ser­
m ão do M o n te”.264 Isso ilustra tanto a sua visão perfeccionista da natureza
h u m an a com o a tendência liberal geral de projetar visões com pletam ente
m odernas em Jesus — um a tendência devastadoram ente caricaturada por
George Tyrrell, com particular referência a A d o lfv o n H arnack: “O Cristo que
H arnack vê, olhando para trás ao longo de dezenove séculos de escuridão católi­
ca, é apenas o reflexo de um a face protestante liberal, vista no fundo de um
poço fundo”.265 Para m uitos, estas idéias sociais progressistas foram deixadas
em trapos nas conseqüências da Prim eira e Segunda Guerras M undiais, espe­
cialmente quando os horrores dos campos de extermínio nazista se tornaram
am plam ente conhecidos.
D ado este compromisso liberal fundam ental com a liberdade, é provavel­
m ente um a das maiores tragédias de nossos dias que em anos recentes o “libera­
lismo” tenha, na visão de muitos observadores, degenerado de um compromisso
com abertura e tolerância para um a visão de m undo intolerante e dogmática,
que recusa reconhecer a validade de quaisquer óticas, salvo o próprio ponto de
vista. O liberalismo estava preparado para tolerar ou incentivar um a variedade
de pontos de vista, contanto que estes fossem relacionados com o m undo parti­
cular dos indivíduos, e não tivessem im portância social ou pública. N a verdade,
o liberalismo representa um a tentativa de controlar — quer por marginalização
ou apaziguamento — as visões de m undo diferente dentro de limites estrita­
m ente impostos, definidos e estruturados com base em sua percepção da nature­
za da realidade. Efetivamente, o liberalismo adotou um a abordagem paternalista
para diferenças, tolerando-as enquanto não ameaçassem a sua hegemonia. É por
esta razão que a expressão “tirania liberal” está sendo cada vez mais aplicada ao
m ovim ento.266 Em bora possa inicialm ente parecer ser um oxim oro [palavras
reunidas, aparentem ente contraditórias], a expressão realm ente retrata com
acerto o desejo liberal de controlar diferenças segundo sua visão de m undo.
Isso é tanto verdade no cam po religioso com o o é na arena política. O teólogo
britânico John M acquarrie com entou:

O que se quer dizer com teologia “liberal”? Se significa apenas que o teólogo
a quem o adjetivo é aplicado tem abertura para outros pontos de vista, os
teólogos liberais são encontrados em todas as escolas de pensamento. Se
“liberal”, entretanto, torna-se o termo em si mesmo uma etiqueta de parti­
do, ele geralmente acaba mostrando-se extremamente ilíberal.267

O paradoxo profundam ente perturbador de m uita teologia m oderna é que


alguns dos mais dogm áticos de seus representantes reivindicam ser liberais. A
despeito das estruturas notadas no parágrafo anterior, o liberalismo é tradicio­
nalm ente considerado com o envolvendo um respeito inalienável para um a
abertura aos pontos de vista de outros. O novo dogm atism o dentro do libera­
lismo é, ele m esmo, um a indicação certa de um profundo senso de inquietação
e insegurança, e um a percepção de seu crescente isolam ento e marginalização
dentro da linha principal do cristianismo.268
O liberalismo é agora cada vez mais descartado com o irrelevante, tanto
pelos escritores cristãos conservadores como pelos escritores cristãos da linha
tradicional, impacientes com a sua fácil acomodação à cultura ocidental con­
tem porânea e a seu aparentem ente nada crítico abandono de m uito do que é
visto ser de im portância vital para o cristianismo. Stanley Fish é um escritor
recente que cham a a atenção para o fato de o liberalismo político ser “basica­
m ente um a síntese contra a crença e a convicção”;269 esta posição anticom pro-
m etim ento é inevitavelmente levada adiante para suas corporações religiosas.
Nesse acontecim ento, porém , o liberalismo acabou m ostrando ter muitgs certe­
zas e dogm as com o a ortodoxia, m esm o que esse ponto não fosse visto de
início, talvez porque os poucos que se preocupavam em estudá-lo tivessem um
interesse investido em sua sobrevivência. Seus críticos o acusam de apresentar-
se a um auditório secular, e de dar incentivo a um a tendência cada vez mais
anticristã na cultura ocidental. O s escritos de John Shelby Spong são freqüente­
m ente indicados como um exemplo, ditos dem onstrar o vazio intelectual, a
erudição superficial e o puritanism o cultural dessa abordagem com prom issada
e autoconscientem ente liberal. A óbvia inadequação desses escritos faz as
acusações de sua irrelevância e irresponsabilidade tentadoram ente fáceis de
serem endossadas. E m vez de dar tem po a um esforço tão sem sentido, eu me
proponho a tentar identificar o que tem causado o surgim ento da perda de
confiança dentro do liberalismo. Para começar, porém , podemos voltar à questão
da identidade do liberalismo.
N a teologia liberal estado-unidense recente, duas distintas (embora admiti-
dam ente relacionadas) estratégias podem ser discernidas, cada um a das quais se
preocupa em evitar as particularidades da tradição cristã, e se firmar nos atribu­
tos comuns da existência hum ana universal. Isso pode ser relacionado direta­
m ente à tentativa liberal geral de “em ancipar indivíduos da contingência e
particularidade de tradição” (Alasdair M aclntyre).270 A abordagem fortemente
fundacionalista do liberalismo ocidental clássico resulta em sua tarefa de um a
busca programática por base universal de assuntos socialmente im portantes como
moralidade e religião.271 Schubert O gden pode ser tom ado como um represen­
tante da tendência para basear a teologia em experiência hum ana universal,272 e
G ordon Kaufman da tendência para baseá-la na cultura ocidental.273 As inade­
quações destes pontos de vista já foram exploradas (ver p. 56-74).
O que o liberalismo tem para oferecer? M uitos escritores liberais têm en­
fatizado a im portância de relacionar o cristianismo a seu m eio-am biente in­
telectual, sugerindo que esta é um a contribuição distinta que o m ovim ento
ainda pode fazer para o cristianismo contem porâneo. C ontudo, deve-se notar
que um a preocupação com o clima intelectual em que o cristianismo se en­
contra em qualquer m om ento não é um a característica singular, nem mesmo
um a característica que define o liberalismo. Tomás de A quino levou a sério o
107

iizr.tal con- aristotelismo da Universidade de Paris do século XIII, ao escrever tanto a obra
l: : do que é Sum m a contra Gentiles como a Sum m a Theologiae. N em por isso já encontrei
_:r. escritor A quino descrito como um liberal. Realmente, essa abordagem é típica do cris­
"basica- tianism o refletivo e intelectualm ente responsável no passar dos séculos. Essa
:.;om pro- visão é característica da reflexão cristã bem -pensada através dos dois mil anos
:: re.igiosas. de sua história, não a característica exclusiva ou descritiva do liberalismo.
certe- Um exemplo mais m oderno esclarecerá este ponto inequivocamente. Um a
í í ; visto de das mais significativas contribuições para a m oderna filosofia da religião vem de
: rssem um um grupo de escritores estado-unidenses, incluindo Alvin Plantinga e Nicholas
^rresentar- W olterstorff. Sua discussão do tem a “fé e racionalidade” tornou-se um ponto de
ü vez mais referência em debates recentes centrados neste tem a.274 C ontudo, o grupo não
: rrtoüente- tem inclinação nenhum a em direção ao liberalismo, representando em vez disso
i:r_cctual, a o que se poderia chamar de a “clássica abordagem reformada”, extraindo sua
r : : missada inspiração dos escritos de João Calvino. Em suma: não há nada distintivamente
r . : : 5 faz as liberal sobre ser academicamente sério e culturalmente informado.
raceis de A necessidade de ser sensível e responsivo a evoluções dentro da sociedade é
:.z:\ eu me incontestável. N ão obstante, para seus críticos, o liberalismo parece ter sido pos­
Li rerda de suído de um a disposição para perm itir que seus planos e os recursos que ele leva
iz i questão a influir sobre eles sejam formatados por tendências transitórias, culturais, não
universais. O sociólogo francês Jacques Ellul (1912-94) identifica essa tendên­
■: :í admiti- cia, que parece ter alcançado seu apogeu no fim da década de 1960 e primeiros
i - ' quais se anos da década de 1970, e aponta com seu dedo um dos aspectos mais aflitivos
r .: s atribu­ do liberalismo durante o decênio de 1960: sua tendência de dar feitio a teologias
i r : direta- a fim de justificar decisões que foram tomadas em outras bases.
r.r.céncia e -i'
f : “ emente O que me preocupa não é que as opiniões de cristãos m udam, nem que
;:í de uma suas opiniões são formatadas pelos problemas dos tempos; pelo contrário,
í_~:es como isso é bom. O que me preocupa é que os cristãos se conformam com a
■ reoresen- tendência do m omento sem introduzir nela nada de especificamente cris­
v^rsal,2' 2 e tão. Suas convicções são determinadas pelo seu meio social, não pela fé
á s inade- * em revelação; falta-lhes a unicidade, a importância que deveria ser a ex­
pressão dessa fé. É assim que as teologias tornam-se exercícios mecânicos
i ; :èm en- que justificam as posições adotadas, e justificam-nas em bases que abso­
ir:ente in- lutamente não são cristãs.2 3
:: -im ento
■e-í= notar Teologias novas radicais — sendo “radical” um a palavra que então assegurava
rr. :■ se en- a credibilidade cultural das idéias a ela ligadas — eram elaboradas, geralmente
rr. mesmo com referência m ínim a ou altamente seletiva para a tradição cristã, o que providen­
i i sério o ciava racionalizações post hoc de atitudes e idéias, cuja origem em últim a aná­
lise se achava firm em ente no meio social. Para m uitos, parecia que a teologia
108

liberal era pouco mais do que um transitório aglomerado de idéias e valores, liberalisir.: :
derivados prim ariam ente do meio social em que os escritores liberais estavam — de m u n e :
geralmente universidades, separados das preocupações sociais e pastorais de cris­ princípio s r
tãos leigos comuns, e cada vez mais dom inados por um a visão secular que se do Ilumir.-S
esperava que a teologia compartilhasse, se fosse para m anter qualquer “credibi­ regiões. E q
lidade acadêmica”. O liberalismo escorregava facilm ente de rem etente para artigo re :tn
recipiente de um a cultura secular. dois eticis:i
O resultado dessa tendência é inevitável. E m sua obra American*Mainline enfatizair. i
Religion: Its Changing Shape a n d Future [Principal religião estado-unidense: sua da nova
mudança e futuro], os sociólogos W ade C lark R o o f e W illiam M cK inney digna de
fornecem um estudo im portante do declínio num érico regular em igrejas tradi­ ciar das "r n
cionais.276 A im portância da obra, no entanto, não se acha m eram ente em sua das do disn
docum entação de tendências, confirmadas em pesquisa após pesquisa, e ob­ teologia ru i
servadas em um capítulo prévio desse livro. R oof e M cK inney olham à frente Deus p ar: 3
para o futuro, e perguntam qual será o resultado dessas evoluções. A conclusão idéias e : : : ;
a que eles chegam: na década de 1990, o desafio ao cristianismo tradicional H á rr.-J
não virá dos “conservadores a quem desprezou, e sim dos secularistas a quem se dirija : :
777
gerou . " lares dos : : :
C ontudo, resta um a pergunta mais preocupante. Para onde está indo o coristas . t_;
liberalismo? O que ele tem a oferecer? Talvez a crítica mais devastadora do engajar c ~
liberalismo político deva-se a M ichael O akeshott, que o definiu como um a posta o fere:
associação civil sem objetivo estruturada por regras adverbiais.278 N ão tem fatalmer.r: :
realmente nenhum propósito. Sendo assim, Ronald D w orkin argum enta que valores cu :;
a virtude do liberalismo não está em sua prom oção ativa de nenhum conceito da cultur: s
de m oralidade ou do propósito da vida, e sim em sua recusa de prom over argum enr: ;
qualquer m odo de vida.279 E neutro. A m esm a agenda atravessou para o libe­ dentes a : : n
ralismo teológico, que já se tinha tornado decididam ente relutante para falar salmente
de evangelismo por causa de suas pretensões aos privilégios. A não ser que o se dirigir.
liberalismo recupere um com prom isso firme com o evangelho de Jesus Cristo, Há
é difícil ver o que pode ser feito para que ele continue a existir. Será ignorado noções sl: 2
pela igreja e pela sociedade, com o um todo. E esse m edo assom brado de ser são dadas ;_
condenado à irrelevância está por trás de um a das mais interessantes evoluções vida-rea_.- r. 3
dentro de um liberalismo cada vez mais cerceado — a busca por um a “teologia cristãos. ~rr>
pública”, para a qual podem os agora nos voltar. abstrações e
lições q u : 5
O liberalism o e a busca p o r um a “teologia p ú b lic a ” anos da : : :
U m tem a repetitivo da cena cultural contem porânea é o reconhecim ento Cynic [Ps;r:
de que o Ilum inism o chegou ao fim. O surgim ento do pós-m odernism o na
Se u ~ rr
cultura em geral, da Nova Era na esfera da espiritualidade pessoal,280 e do pós-
criar
liberalismo no cam po da teologia cristã, tudo conduz ao colapso da fé na visão
de m u n d o do Ilum inism o, especialm ente de seu racionalism o e busca por
princípios fundam entais universais. C ontudo, a notícia da m orte dem orada
do Ilum inism o parece ter sido m arcadam ente lenta para viajar para algumas
regiões. E quase com o se alguns pensadores não suportassem essa idéia. U m
artigo recentem ente publicado no Christian Century ilustra esse ponto. Nele,
dois eticistas cristãos liberais — M ax L. Stackhouse e D ennis P. M cC ann —
enfatizam a necessidade de um avivamento de “um a teologia pública”.281 A luz
da nova situação que se seguiu ao colapso do socialismo como visão m undial
digna de crédito — eles argum entam — existe um a necessidade de se distan­
ciar das “particularidades confessionais, histórias exclusivas e esferas privilegia­
das do discurso”. “Esta program ação para o pensam ento cristão requer um a
teologia pública, um m odo de falar sobre a realidade de D eus e a vontade de
Deus para o m undo que seja intelectualm ente válido na praça do m ercado de
idéias e m oralm ente eficaz no m ercado de bens e serviços.”
H á m uitas razões para apoiar esta proposta. Ela insiste em que a teologia
se dirija ao mais am plo dos públicos, exigindo ser ouvida até nos mais secu­
lares dos contextos. A não ser que os cristãos devam m eram ente “pregar a seus
coristas”, eles precisam encontrar algum m odo “intelectualm ente válido” de
engajar o m undo secular lá fora. C ontudo, sob inspeção mais precisa, a pro­
posta oferecida com tanta sinceridade por esses escritores acaba se m ostrando
fatalm ente falha. Ela se firm a no pressuposto de que, enquanto a linguagem e
valores da teologia cristã são form atados pela história, os valores e linguagem
da cultura secular não são condicionados por tais influências. N o cerne do
argum ento está um apelo aos “princípios de verdade, justiça e am or transcen­
dentes a contextos”. Em outras palavras, essas três noções abstratas são univer­
salm ente válidas, e determ inam a estrutura a que um evangelho público precisa
se dirigir.
H á três falhas principais nessa abordagem. Em prim eiro lugar, essas três
noções são abstrações improdutivas, que só podem vir a ser vivas quando lhes
são dadas substância. Precisam ser particularizadas, localizadas em situações da
vida-reaf. Esse ponto já foi apreciado pela m aioria dos pregadores e pastores
cristãos, preocupados em tratar das questões da vida real, em vez de tratar das
abstrações entorpecedoras de princípios gerais. Todos precisam aprender as
lições que R einhold N iebuhr aprendeu no centro da cidade de D etroit, em
anos da década de 1920. Em sua obra Leaves jrom the Notebook o f a Tamed
Cynic [Páginas das anotações de um cínico amansado], (1929), N iebuhr escreveu:

Se um ministro quer ser um homem entre homens ele só precisa parar de


criar uma devoção a ideais abstratos que todo m undo aceita em teoria e
nega na prática, e agonizar sobre sua validade e praticabilidade nas questões
sociais que ele e outros enfrentam em nossa civilização atual. Isso imedia­
tamente dá a seu ministério um toque de realidade e potência.282

C ontudo, N iebuhr é um excelente exemplo de teólogo que seguiu um a


crítica teológica de noções prevalecentes liberais econômicas, sociais e políti­
cas; o tipo de “teologia pública” que nos é oferecido por Stackhouse parece
fazer teologia com a idéia de defender a visão liberal da cultura. A visão cultural
vem prim eiro; a estrutura teológica parece ser um a reflexão tardia descartável.
Pois, em segundo lugar, esta abordagem realm ente tende a ser pouco mais
do que um a rendição à cultura secular. Stackhouse e M cC ann falam em “ir a
público”; na realidade, eles já foram ao secular. A força m otriz atrás de seu
em preendim ento é provar a relevância pública da teologia; ela ainda tem coi­
sas a dizer que vale a pena escutar. C ontudo, o auditório pretendido para esses
pronunciam entos é um que tem pouco interesse em pensam ento cristão; sua
única pergunta é capaz de ser a intensam ente pragmática: “Vocês podem nos
dar justificativas adicionais para o que já estamos fazendo, e o que já sabemos
ser certo?”. A “teologia pública” já se m ostrou inteiram ente disposta a dar ain­
da melhores razões para o etos dem ocrático liberal da Am érica m oderna do
que podem dar os m odernos democratas liberais. H ipnotizados pelo espectro
de serem “relegados à irrelevância” dentro da cultura ocidental, eles já jogaram
para o lado os recursos característicos da tradição cristã — aos quais se referem
condescendentem ente com o “particularidades confessionais, histórias exclusi­
vas e esferas privilegiadas de discurso” — em sua corrida im petuosa para im i­
tar o m undo. Com o resultado, a “verdade” do evangelho cristão é transform ada
em um eco pálido de um a ou outra form a do pensam ento dem ocrático liberal
do fim do século XX.
O resultado desta abordagem é bem simples: silencia os cristãos, proibin­
do-os de terem quaisquer insights distintos que precisem ser ouvidos em públi­
co. “Exigir um discurso neutro em vida pública [...] deve agora ser reconhecido
com o um m odo de coagir as pessoas a falarem publicam ente na linguagem de
outra pessoa, nunca sendo assim leais à própria linguagem” (Os G uinness). 283
Lesslie N ew bigin com enta sobre o resultado inevitável dessa posição:

Somos como as congregações cristãs sob os sistemas milet dos impérios


persa e muçulmano: usamos a língua mãe da igreja aos domingos, mas
para o resto de nossa vida usamos a língua imposta sobre nós pelo poder
ocupante. Se nós, porém, somos fiéis à linguagem da igreja e da Bíblia,
sabemos que isso nao é suficientemente bom .284
111

tr .jts H á, entretanto, um terceiro, e mais sério, problem a. Stackhouse e Mc-


C ann parecem ter deixado passar o fato de o Ilum inism o ter chegado ao fim.
A opinião de que a linguagem e valores da cultura secular são universalm ente
válidos não é mais levada a sério. Stackhouse e M cC ann retêm fé na idéia de
:: uma algum a form a de falar e pensar, que transcende as particularidades irritantes de
r rolíti- ser um cristão (ou judeu, ou socialista, ou seja lá o que for). Eles crêem em
•; carece algum tipo de esperanto moral e religioso, que ofereça derrubar particularidades
:u. rural divisoras, e perm ita que todos falem a m esm a língua, e vivam felizes para sem­
■carrável. pre. O “esperanto” em questão acaba m ostrando ser um a linguagem artificial,
:■mais um a invenção. A língua de moralidades, entretanto, precisa fazer sentido a
t ~ "ir a com unidades inteiras, antes que possamos chegar a qualquer lugar. O surgi­
i re seu m ento do pós-m odernism o é um indicador significativo do colapso geral de
Cí~ coi- confiança no conceito fundam ental do Ilum inism o na “m oralidade univer­
i :a esses sal”. C om o — fica-se a pensar — , com o se pode esperar que um a teologia
í:I j: sua cristã m antenha credibilidade intelectual num m undo pós-m oderno, se for­
: : n nos mos adotar a abordagem ultrapassada e desacreditada de Stackhouse e M c­
=.arem os C ann, que parecem ter saudosism o dos bons dias antigos do (já defunto)
ra r ain- Ilum inism o?
:c:r.a do A tarefa de construir um a teologia pública é séria demais para ser baseada
eírectro em noções antiquadas de conto de fada de “valores culturais universais”. A
i : raram “verdade, a justiça e o am or” tudo requer ser definido — e é definido de m a­
rererem neiras diferentes por pessoas diferentes. Longe de serem “transcendentes a con­
ÍM J íU S Í- textos”, eles são radicalm ente dependentes de seus contextos para se saber seu
ira imi- sentido. Stackhouse e M cC ann parecem crer que a cultura secular não é condi­
*: rmada cionada pelas contingências da história, em contraste com o que eles clara­
: -iberal m ente vêem com o características distintas pouco im portantes e irritantes do
cristianismo. Talvez não seja de se adm irar que o cristianismo liberal esteja
:: jibin- perdendo a voz, tanto dentro da igreja com o dentro da sociedade. O liberalis­
r. t libli- m o já gastou seu combustível.
arecido » Por essa razão, podem os agora voltar-nos para considerar o pós-liberalis­
igem de m o em m aior detalhe.
- , 283
A crítica p ó s-lib era l do fu n d am en talism o liberal
A emergência do pós-liberalismo pode ser vista como um a indicação digna
crio s
de nota de que a credibilidade intelectual e cultural do liberalismo tem sido
T'.'1S
decisivamente desafiada. A noção de “experiência com um hum ana” é agora
c ler
vista com o pouco mais do que um a ficção experimental, m uito com o a “racio­
nalidade universal” é vista agora como pouco mais do que o “sonho acordado”
da razão. O conceito fundam entado em metanarrativas culturais ou experimen­
tais (em prestando-se o term o dos conceitos do pós-modernismo) é reconheci­ O ar^i
dam ente falho na melhor das hipóteses, e, na pior delas, um convite à opressão. de obriga;
Idéias como “religião” e “cultura”, a que um a geração anterior de escritores li­ filosófic:;
berais apelava bem felizes como constituindo fundam entos universais de for­ pação li rei
mas não particularistas do cristianismo, são vistas agora como construtos fictícios, mental ne
geralmente refletindo um conjunto especificamente ocidental de pressuposições. sendo me:
Mais im portante de tudo, não é mais visto com o “arrogante” ou “imperialista” talm ente a.
para sugerir que a teologia cristã trata da busca por particularidade justificável. gia cristã e
Críticos liberais do pós-liberalismo já argum entaram que ele representa um cultura c _
lapso para um a “ética de gueto” ou alguma form a de “fideísmo” ou de “tribalis- m ente mai
m o”, por causa de seu afastamento das normas universais de valor e raciona­ piam ente i
lidade. N o entanto, esses mesmos críticos liberais parecem incapazes de aceitar inadequa^
que o Ilum inismo já passou, e que qualquer noção de “linguagem universal” ou E sta:;
“experiência com um dos hum anos” é simplesmente um a ficção, como — para m uito be­
usar a analogia famosa de Gadam er — a ilha imaginária de Robinson Crusoé. O cos podem
“fundam entalism o” de qualquer tipo — quer filosófico ou religioso — é ampla­ na Escri:_j
m ente considerado como desacreditado.285 O pós-liberalismo já se acertou com evangéiie:;
a m orte do Ilum inismo, onde o liberalismo tropeça patética e aleatoriamente m ente . m
pelo terreno intelectual, procurando desesperadamente por um alicerce, um fun­ potência :
dam ento firme, num m undo que não aceita mais a existência dele. O nascimen­ nhos resu_;
to da pós-m odernidade parece não ter sido visto pelo liberalismo, que dá a há a perm.
impressão de preferir viver no passado em vez de confrontando o severo novo fluência ::
m undo de hoje. E a favor dos escritores pós-liberais que eles têm aberto os olhos lismo ne =>
para o abandono cultural de normas e valores universais, ainda quando os críti­ próprio ev
cos liberais do m ovim ento preferem a nostalgia ajeitadinha do m ito de um a supostc> 3
“linguagem universal” ou o “discurso público”. ton (ver r .
C om o M ary M idgley um a vez com entou, a “piadinha triste” das “lin­ N a: j
guagens universais” é que ninguém parece falá-las.286 Criticar o pós-liberalis- tificar carr.
m o por seu abandono de “discurso universal” é com o m altratar um a criança cultura :: i
que não crê mais em Papai Noel. Pode ser um a ilusão tranqüilizadora, aconche­ envolveria
gante e útil — mas é um a ilusão. E, como o pós-m odernism o tem enfatizado, forço de ei
a ilusão de norm as universais pode facilmente demais se tornar profundam ente para un: a;
opressiva, forçando a observação a se conform ar à teoria, e reprim indo clareza de créd i::
por parte de, por exemplo, um a religião, por causa da convicção anterior dog­ evita es:e ;
m ática de que todos estão falando a mesm a coisa. A reasseveração do caráter Enc _i
genuinam ente distinto do cristianismo tanto reflete esta reação contra a ilusão procura r :
da universalidade, com o um a percepção crescente do caráter genuinam ente do que r :
singular da fé cristã. Exploraremos este últim o ponto na seção seguinte; nossa liberalism:
preocupação agora é enfocar a crítica do fundacionalism o liberal que sustenta explicac:
o em preendim ento pós-liberal.
113

•" é reconheci- O argum ento básico é que a teologia liberal sente estar sob algum a espécie
c mme à opressão. de obrigação de se firm ar em algo na arena pública — tal com o conceitos
t ce escritores li- filosóficos ou “experiência com um hum ana”.28/ Lindbeck declara esta preocu­
mmversais de for- pação liberal em term os de um “comprom isso com o em preendim ento funda­
: r. ■rrutos fictícios, m ental de descobrir princípios ou estruturas universais”, quer estes acabem
Lz Pressuposições. sendo metafísicos, existenciais ou diferentes desses.288 O impulso fundam en­
: "imperialista” talm ente apologético em intenção é encontrar um a base com um para a teolo­
m m e justificável, gia cristã e o discurso público cristão, por um a análise anterior de conhecim ento,
e.; representa um cultura ou experiência hum ana. O m érito desta apreciação crítica está provavel­
: u de “tribalis- m ente mais evidente no caso de Paul Tillich, cuja teologia apologética é am ­
e ~mor e raciona- plam ente vista como pronunciada por ditames extrabíblicos e não-cristãos, e
c.mmes de aceitar inadequadam ente baseada nas particularidades da tradição cristã.
universal” ou Esta tentativa de libertar a teologia cristã de pressupostos extrabíblicos será
í: c o m o — para m uito bem recebida por evangélicos.289 Isso certam ente indica que os evangéli­
r.r.sen Crusoé. O cos podem se aliar, pelo menos até certo ponto, com a ênfase do pós-liberalismo
£-: se — é ampla- na Escritura bíblica como única fonte norm ativa da teologia e vida cristãs. Os
e -e acertou com evangélicos e pós-liberais parecem compartilhar o tipo de interesse freqüente­
i cmatoriamente m ente expresso por Karl Barth com respeito à escravização ou corrupção em
. mcerce, um fun- potencial do pensam ento cristão por meio da intrusão de pressupostos estra­
ic.e. O nascimen- nhos resultantes de um m étodo teológico deficiente, por interm édio do qual,
M-smo. que dá a há a permissão para que as idéias originadas fora da igreja assumam um a in­
•o : severo novo fluência controladora dentro deja. Já exploramos a vulnerabilidade do libera­
nr ocerto os olhos lismo nesse ponto (ver p. 60-61); na verdade, é necessário até adm itir que o
c c m ndo os críti- próprio evangelicalismo já tenha sido indevidam ente influenciado por pres­
m mito de um a supostos do Ilum inism o, particularm ente no caso da antiga escola de Prince­
ton (ver p. 140-146).
i :r:sce” das “Un­ N ão obstante, isso não exclui o procedim ento apologético de tentar iden­
ir : nós-liberalis- tificar com unidades entre o evangelho e a experiência hum ana, a razão ou a
rmir um a criança cultura como possíveis “pontos de contato” para a evangelização.290 N em isso
irm ora, aconche- envolveria a rejeição do uso de term inologias e conceitos extrabíblicos no es­
c :em enfatizado, forço de explicar ou deixar mais inteligível o caráter distinto do cristianismo
lt n rotundam ente para um auditório secular. O liberalismo acabou tornando o secularismo digno
m rm iindo clareza de crédito para o cristianismo em vez de ser ao contrário. O pós-liberalismo
ç i j in terio r dog- evita esse desastre apologético.
emção do caráter Enquanto a estratégia liberal mais antiga e agora desacreditada envolvia a
ã : contra a ilusão procura por princípios universais fundam entais, deste m odo — em efeito mais
.cr genuinam ente do que po r intenção — reduzindo o cristianism o a tais princípios, o pós-
L: seguinte; nossa liberalismo oferece um a posição m ediadora pela qual o cristianismo pode ser
>eral que sustenta explicado e recom endado, usando-se term inologias e conceitos m ediadores
sem perm itir que eles sejam sistem aticam ente anteriores ao evangelho, nem
que eles controlem nosso entendim ento do próprio evangelho.291 A apologética
é assim entendida como fundam entada em e controlada pela teologia sistemática,
com cada e toda a estratégia apologética sendo vista com o provisória e heurís­
tica, respondendo à situação particular que está sendo tratada.292

R edesco brin do o gênero distinto do cristianism o


Existe um a aceitação crescente dentro da teologia acadêmica, do conceito
de que não som ente o cristianismo é mesmo distinto, mas que qualquer visão
de m undo que se recuse a reconhecer essa distinção deve ser rejeitada por estar
seriam ente em desacordo com os fatos observáveis. Afinal de contas, Jesus
Cristo não foi crucificado só por reforçar o que todos já sabiam. C om o fim do
Ilum inism o e seus satélites intelectuais — incluindo o liberalismo e o pluralis­
m o — o embargo em distinção foi levantado. N ão é mais a reivindicação de
estar dizendo algo diferente visto com o equivalente a ser irracional. Os judeus
são especiais; eles têm um a história especial, e um conjunto de valores dife­
rentes. D a mesm a forma, os cristãos são especiais; eles têm um a história espe­
cial, e um diferente conjunto de valores.293 O pós-liberalismo incorpora um a
disposição de respeitar — na verdade, de celebrar — a distinção da tradição
cristã, e vê a teologia cristã ocupada com a articulação da gram ática distinta da
fé cristã.
Esta opinião talvez seja encontrada na sua mais clara dem onstração nos
escritos de Paul Holm er, mais notadam ente em sua Grammar ofFaith [Gramáti­
ca da fé ] (1978). Para H olm er, o cristianismo possui um a gram ática central
que regula a estrutura e form a dos “jogos de linguagem” cristãos.294 Essa lin­
guagem não é inventada ou im posta por teólogos; é inerente nos paradigmas
bíblicos dos quais, no fim, a teologia depende. A tarefa da teologia é discernir
essas regras intrabíblicas (tais como a m aneira em que se adora e se fala sobre
Deus), não é im por regras extrabíblicas. Para H olm er, um a das falhas mais
fundam entais do liberalismo foi suas tentativas de “reinterpretar” ou “reafir­
m ar” conceitos bíblicos, o que inevitavelmente degenerava em harm onização
da Bíblia com o espírito da época. O “contínuo refazer da Escritura para se
adequar à época provavelmente seja só um a escravidão invisível à época, em
vez de ser o desejo de ganhar a era para D eus.”295 A teologia é fundam entada
no paradigm a intrabíblico que ela é obrigada a descrever e aplicar o m elhor
que pode. Afirm ar que teologia tem autoridade reguladora não é tornar im ­
plícito que ela possa regular a Escritura, mas é reconhecer que um m odelo
distinto de regulagem já existe dentro do m aterial bíblico, que a teologia deve
abrir, descobrir e articular.
115

-:. nem A pergunta crítica que surge desta abordagem, à qual voltarem os mais
-: gética tarde neste capítulo, é se teologia é sim plesm ente sobre a gram ática da fé —
r-T.ática, isso é dizer, regulagem de discurso cristão. A que esse discurso se relaciona? H á
rsurís- algum a realidade ou conjuntos de realidades fora do texto bíblico a que a
narrativa bíblica se relaciona? Será que as afirmações teológicas simplesmente
articulam gramática bíblica, ou elas se relacionam com alguma ordem objetiva,
sem considerar se reconhecemos ou não esse relacionamento? C om o veremos,
:eito um a ansiedade central evangélica que trata da abordagem pós-liberal é que ela
: visao parece representar um negocio puram ente intratextual, com pouca preocu­
r estar pação pela sua possível relação com um a realidade objetiva externa.
Jesus A afirmação mais im portante dessa abordagem é encontrada nos escritos
Im do de George Lindbeck, especialmente na obra Nature ofD octrine [Natureza da
uralis- doutrina]. U m dos m uitos m éritos desse livro é o debate que ele iniciou sobre
:ão de este aspecto injustam ente negligenciado da teologia cristã, que tem recentem ente
udeus assumido nova im portância por causa do im pacto do m ovim ento ecum êni­
? dife- co.296 E, pois, mais do que apropriado que essa tentativa de explorar a relação
. espe- entre evangelicalismo e pós-liberalismo comece por um delineam ento e —
i uma por provisoriam ente que seja — responda à análise de Lindbeck.
idição U m dos aspectos mais curiosos e tantalizantes da Nature o f Doctrine de
" ta da Lindbeck é que ele pretende claram ente que esse seja um texto pré-teológico,
em vez de um exercício em teologia sistemática. A obra esboça um program a de
:io nos pesquisa, em vez de articular seu resultado. Lindbeck vê o livro como sugestão
de um a estrutura para a exploração de perguntas e questões teológicas, em vez
;;n tra l de cuidar dessas questões diretam ente. Isso torna o texto um tanto difícil para
lin- um evangélico que tenha interesse especial no resultado da aplicação de um
rigmas m étodo, em que o evangelicalismo julga a confiabilidade de um m étodo teológi­
- í cernir co, em parte em term os de suas conseqüências. E razoável revelar que Nature
ofDoctrine [Natureza da doutrina] foi publicado em 1984, o que perm itiu um
tem po mais do que suficiente para a aplicação subseqüente de sua abordagem;
no entanto, o próprio Lindbeck não produziu ainda um a obra substancial que
in d iq u e evidência de um a transição de investigação pré-teológica para a
declaração teológica.
N o que se segue, m inha análise é, portanto, necessariamente lim itada ao
próprio Nature ofDoctrine [Natureza da doutrina]\ ligando a análise de sua abor­
dagem com um a tentativa de explorar no que as conseqüências de sua aplicação
poderiam se tornar. N o entanto, nessa parte do program a pré-teológico de Lind­
beck que inclui a avaliação de abordagens existentes, é especialmente apropriado
sugerir e criticar sua avaliação de abordagens rivais. Por isso, voltamo-nos para
considerar a exposição de abordagens “proposicionais cognitivas” à doutrina.
A apreciação de Lin d b eck sobre o evangelicalism o
Com o resultado de sua análise da natureza de doutrina, Lindbeck identifica
três “teorias” ou entendimentos. Já temos endossado e expandido a análise de
Lindbeck sobre a abordagem à doutrina, a qual é característica do liberalismo
teológico, particularm ente na América do N orte, a que Lindbeck se refere como
a abordagem “experimental-expressiva” (ver p. 62-64). Em bora Lindbeck não
indique explicitamente que pretende tratar do evangelicalismo, um a das abor­
dagens que ele comentará claramente seria associada com o movimento.
Este é o ponto de vista, designado por Lindbeck com o “proposicional” ou
“cognitivo”, que trata das doutrinas com o “proposições informativas ou reivin­
dicações da verdade sobre realidades objetivas”.297 Este estilo de abordagem há
m uito tem po já é associado com o evangelicalismo, e tornou-se de especial
im portância no renascim ento evangélico da década de 1960, quando evangéli­
cos como Carl H enry reagiram contra as abordagens à revelação associadas
com a neo-ortodoxia, por meio de ênfase forte no conteúdo inform ativo da
revelação divina, que era para ser articulada em form a de proposições. E n­
quanto já argum entei que essa abordagem à doutrina cristã é inadequada, em
que deixa de fazer jus à plena complexidade das noções bíblicas de revelação,
continua sendo axiomático para os evangélicos o fato de tanto revelação como
doutrina terem aspectos cognitivos ou informacionais. A crítica explícita de
Lindbeck a tais abordagens im pacta claram ente sobre o evangelicalismo, mes­
m o que o próprio Lindbeck não apresente explicitamente tais conexões.
Lindbeck argum enta que esta abordagem deve ser rejeitada como volun-
tarista, intelectualista e literalista, fazendo até a sugestão de que os que “perce­
bem ou experim entam religião de m aneira cognitivista” são os que “com binam
insegurança descom unal com ingenuidade”.298 U m a prim eira hesitação sobre
esta crítica diz respeito à sua confiabilidade: parece ser baseada n u m entendi­
m ento questionável da posição “cognitivo-proposicional”, aparentem ente basea­
da no conceito de que os inclinados a esta posição m antêm a opinião de ser
possível declarar a verdade objetiva sobre Deus de m odo definitivo, exaustivo
e atem poral em form a proposicional.
Isso não pode ser considerado com o um a representação adequada dessa
posição, nem em sua form a clássica nem em sua form a pós-crítica. Deixa de
registrar a sofisticação histórica e lingüística de abordagens cognitivas à doutri­
na.299 Por exemplo, a sugestão de Lindbeck de que a abordagem “cognitivo-proposi­
cional” à doutrina trata de um a dada doutrina qualquer como “eternam ente
verdadeira”300 deixa de levar em conta a evidente capacidade de proponentes
desta abordagem de reformular, ampliar ou suplementar um a doutrina com cir­
cunstâncias históricas em m udança.301 Lindbeck atribui um a imerecida inflexi­
117

iO bilidade a abordagens cognitivas à doutrina não dando destaque à noção de


"adequação relativa” de declarações doutrinárias, onde a “adequação” pode ser
:-iuentifica
m edida em term os tanto do contexto histórico original de um a formulação
l ir.álise de
doutrinária como em termos de qualquer referente de que se suponha ser ela
-:e:alism o
representante.
■;:ere como
A m aioria dos teólogos do período medieval entendia dogm a como um
:e:eck não
conceito dinâm ico, um a “percepção de verdade divina, tendendo em direção a
a. abor-
essa verdade” {pereeptio divinae veritatis tendens in ipsaní)?m E verdade que
certos escritos medievais parecem m esm o sugerir que doutrina pode ser trata­
l:_ : nal” ou
da como teoremas de Euclides: o Regulae theologiae, de Alan de Lille, e o De
; : u reivin-
arte catholicae fidei, de Nicolas de Am ien, são excelentes exemplos desse gênero
c i i j s m há
datando do século X II,303 mais tarde encontrado em escritos com o D e naturae
: : especial
philosophiae (1560), de Morzillus, e Astrologia galliea (de 1661), de M orinus.
l evangéli- Todavia, um a abordagem consideravelm ente mais cheia de nuanças para a
i 5o ciadas natureza de declarações teológicas é m uito mais característica da teologia cristã
“ irivo da dos períodos patrístico e medieval.304 A teologia é reconhecida como preocupa­
• . l.n-
da em primeiro lugar com a clarificação da m aneira em que afirmações sobre
cuoda, em Deus são derivadas e, em segundo lugar, com o m odo em que se relacionam
:evelação, com afirmações análogas tiradas do m undo mais familiar dos sentidos. É um a
£:1o como tentativa de conseguir clareza conceituai, para evitar confusão sujeitando
sr.:cita de declarações a respeito de Deus a um exame minucioso. O que representa a pala­
.-■~o. mes- vra “Deus”? Com o a pergunta “Deus existe?” se relaciona com a pergunta aparente­
m ente análoga “Sócrates existe?”? Q ue razões poderiam ser aduzidas por sugerir
rr.: volun- que “D eus é justo”? E com o essa afirmação se relaciona com a afirmação
"perce- aparentem ente análoga “Sócrates é justo”? Alan de Lille (para destacar um dos
:: m binam mais proposicionalistas dos teólogos medievais) é preocupado com a busca de
a :1o sobre identificar as maneiras em que nós poderíam os ser desencam inhados por afir­
r entendi- mações teológicas — por exemplo, po r tratá-las com o descrições de objetos
ir.:e basea- físicos, ou presum indo que term os e conceitualidades relacionadas a Deus
i:l: de ser possuam os mesmos sentidos encontrados no discurso cotidiano.305 Por trás
. o .ím ív o dessas tentativas de conseguir clareza de conceitos e m odos de discurso está o
reconhecim ento de que afirmativas doutrinárias são para ser reconhecidas como
dessa percepções, não como descrições totais, apontando além de si em direção ao
Deixa de m aior mistério do próprio Deus.
■ : doutri- Para tais teólogos, as doutrinas são descrições de realidade confiáveis, porém
:-rroposi- incompletas. Seu poder está no que representam, em vez de estar no que são
rr.im ente em si mesmas. O ponto em que a interrogação é apropriada diz respeito a
>r onentes procurar saber se tais doutrinas são representações adequadas (até o estrita­
t :om cir- m ente lim itado grau em que isso é possível) da realidade independente à qual
h inflexi­ se alega estar relacionadas. D ado que elas não podem ter esperança de repre-
118

sentá-las em sua totalidade, e dadas as limitações inevitáveis que acom panham cogn::;' i
qualquer tentativa de expressar em palavras algo que em últim a análise está para . >
além delas, é a form a particular de palavras empregadas a mais confiável num experic"
m odo concebível? A controvérsia de Nicéia é um exemplo óbvio de um a luta naturi_n
para articular descobertas dessa maneira. Se um a experiência deve ser articulada cogn::/.-;
em palavras, a fim de comunicar ou tentar visionar em com um essa experiência, " D :;:
alguma forma de um a dimensão “cognitivo-proposicionaT é inevitável. C ontu­ que c r e:
do, isso não é reduzir a experiência a palavras, mas simplesmente tentar transmi- até o r. c r
ti-la por palavras.306 por exí.T
Este ponto com respeito à verbalização da experiência é válido, irrespecti- los c:m
vo se as palavras usadas são vistas ou não com o transmissoras de um a verdade mo t e : - 3
ontológica. Por exemplo, considere as linhas poéticas de Longfellow, de Saga unh _
o fK in g Olaf: deste r : i
a a b o rc i
O uvi um a voz que clamou, da d cu :r
Balder o belo tandc ur.
está m orto, está m orto. como e
Estas palavras não seriam consideradas ontologicam ente verdadeiras. Para usar to co'-: -
os term os de Lindbeck, elas são intrassistem icam ente verdadeiras, em que são h o m e~ 1
coerentes dentro do contexto do m ito nórdico de Valhalla.307 Esta afirmação
não deixa que seja implicado nada com respeito à verdade ou falsidade, a não nitiva> ]
ser que o m ito seja lido com o história. C ontudo, assim descreveu C. S. Lewis por e:ce~
a sua reação, ao ler os versos de Longfellow: “Eu nada sabia sobre Balder; mas o m eu ::
instantaneam ente fui elevado a regiões vastíssimas do céu setentrional, e dese­ Zuíntu: :
java com intensidade quase doentia algo que jamais poderá ser descrito (salvo tivas r:c§
que é frio, am plo, austero, pálido e distante); e então, [...] surpreendi-m e exa­ e discu:s
tam ente no m esm o m om ento, já perdendo o desejo e ansiando que ele vol­ mente
tasse.”308 m ente
Seria absurdo sugerir que palavras podem captar adequadam ente um a ex­ figuras e
periência; Ludwig W ittgenstein, que lam entou a incapacidade das palavras não-l:rt:à
para descrever ou transm itir o arom a do café, deixou-nos seguros de que esta­ em sue; j
mos perfeitamente apercebidos desse ponto. C ontudo, será que isso é um a coisa cia ote:rc
tão significativa? As palavras podem não ser capazes de prover um a descrição cia s e n ::;
totalm ente compreensiva do cheiro bom do café; assim m esmo, palavras são em
suficientem ente ajudadoras para deixar-me saber onde achar café, como asse­ por Licu.
gurar que o que achei é mesmo café, e depois experim entar seu aroma. Teorias teoriaí :i
cognitivas de doutrina reconhecem que palavras estão nas bordas da experiência, impacièr..
intim ando e colocando avisos da realidade que elas não podem captar. Aplicar de se e u r
epítetos pejorativos tais com o “intelectualista” ou “literalista” à abordagem
119

:: rr.ranham cognitivo-proposicional à doutrina é deixar de apreciar o poder das palavras


iü _ :se está para evocar experiência, apontar além de si para algo inexpressível, para um a
num experiência que seu autor deseja com partilhar com seus leitores. E tam bém ,
ir uma luta naturalm ente, deixar de fazer justiça aos m uitos planos em que as declarações
:: irriculada cognitivas ou propositivas operam.
c:reriência, Declarações teológicas sim plesm ente não operam no m esm o plano em
: r.. Contu- que operam as equações matemáticas. A acusação de “literalismo” é vulnerável
rirrransm i- até onde arrisca deixar de ver a riqueza de linguagem não-literal, da metáfora,
por exemplo, com o m eio de articulação, e a im portância de analogia ou “m ode­
• vrespecti- los” como estímulo heurístico à reflexão teológica. E sim plesm ente um truís-
•" verdade m o teológico dizer que nenhum a linguagem hum ana pode ser aplicada a Deus
:v.. de Saga univocam ente; na verdade, é pelo reconhecim ento, em vez de pela negação,
deste ponto que abordagens cognitivas à doutrina começam. Ocasionalm ente,
a abordagem nada com placente e um tanto dispensável das teorias cognitivas
da doutrina de Lindbeck sugere que ele entende seus proponentes com o ado­
tando um a abordagem cruam ente realista diante de afirmações teológicas, tais
com o a criticada pelo escritor inglês John R obinson em Honest to God [Hones­
>. -'ira usar to com Deus] (1963) — por exemplo, a idéia de que D eus é realm ente um
que são hom em velho que perm anece num ponto não especificado da estratosfera.
i.vrmação __A vaga acusação de “literalismo” dirigida contra teorias de doutrina “cog­
Íü í . a não nitivas” parece não ter o aparato discrim inatório necessário para distinguir,
Lewis por exemplo, as interpretações radicalm ente diferentes da declaração “... isto é
mas o m eu corpo” (M t 26.26), encontradas com Lutero (é literalm ente verdade),
e dese- Zuínglio (é um a form a de metáfora) e Calvino (é m etoním ico). Teorias cogni­
isalvo tivas pressupõem o uso dos “quatro tropos mestres” não-literais do pensam ento
:.-m e exa- e discurso (metáfora, m etoním ia, sinédoque e ironia) no processo do pensa­
_r ele vol- m ento conceituai, em vez de reduzi-los a um conceito de representação crua­
m ente literal, como Lindbeck parece sugerir.3^ Calvino e Zuínglio são duas
:e _;nia ex- figuras do século XVI que fizeram uso extenso de análise retórica e modalidades
j ralavras
não-literais de discurso, tanto em sua análise de textos (como os bíblicos) como
: iu e esta- em suas afirmações teológicas positivas.310 Essas análises retóricas de experiên­
~_~a coisa cia oferecem um meio pelo qual o relato cognitivo pode ser dado da experiên­
iescrição cia sem reduzi-la em qualquer sentido a um a form a proposicional ou degenerar
l í ' ras são em “literalismo” no sentido vago mas no fim pejorativo do term o empregado
c ~ o asse- por Lindbeck. A im paciência de m uitos escritores teológicos m odernos com
ü . íeorias teorias “cognitivas” de doutrina parece às vezes representar pouco mais do que
penéncia, im paciência com a natureza irritante da linguagem hum ana, e um a relutância
l
*. Aplicar de se engajar com sua ambivalência e polissemia.
>: raagem
120

É im portante tam bém salientar que a ciência da psicologia cognitiva tem


im portantes descobertas para contribuir para este m odelo de doutrina, em
que é capaz de falar sobre os processos m entais pelos quais a experiência é
interpretada e expressa em palavras.311 Por exemplo, parece haver paralelos
significativos entre os processos cognitivos implicados na reflexão estética e na
reflexão religiosa, de m odo que a cognição estética pode ser vista como análoga
relativamente válida de cognição religiosa. A tentativa de simbolizar experiên­
cia pessoal (que tam bém está por trás de im portantes afinidades entre form u­
lações doutrinárias e insights psicoterapêuticos) sugere que tanto as dificuldades
com o as descobertas positivas de abordagens “cognitivas” defensáveis para a
doutrina cristã têm paralelos em outros pontos de m aior im portância no leque
intelectual relacionado a tentativas hum anas de expressar experiência em pala­
vras. Em bora o estudo desses paralelos esteja só agora com eçando, deve-se
esperar que m odelos cognitivos de d o utrina sejam mais bem entendidos e
apreciados à luz desses paralelos. Inevitavelmente, isso tem implicações para a
crítica das teorias doutrinárias “cognitivas” de Lindbeck.
Adm ito que a crítica de Lindbeck tem bastante força quando dirigida con­
tra os entendim entos neo-escolásticos de revelação, tal como a abordagem as­
sociada com H erm ann D ieckm ann, no sentido de que a revelação sobrenatural
m eram ente transm ite conhecim entos conceituais por m eio de proposições.
Isso está claram ente aberto à crítica séria no sentido sugerido por Lindbeck.
Nesse respeito, Lindbeck já providenciou um corretivo valioso para modelos
deficientes de doutrina cognitiva. N ão obstante, nem todas as teorias cogniti­
vas de doutrina são vulneráveis nesse respeito. É necessário fazer um a distinção E xr
clara entre o ponto de vista que um relato exaustivo e nada am bíguo de Deus alg:
é transm itido conceitualm ente por proposições por um lado, e a visão de que lizlr
existe um a dimensão, com ponente ou elem ento genuinam ente cognitivo em tar ;
declarações doutrinárias, por outro. Declarações doutrinárias não precisam ser
e não devem ser tratadas como declarações puramente cognitivas. re g ::
O critério fundam ental aqui é que palavras hum anas não podem definir mar.
experiência adequadam ente, mas podem assim m esm o apontar para ela, como
sinalizadores. Em bora a ênfase nos aspectos experimentais de doutrina seja e n :r;
associada especialmente com os anos mais tardios do Renascim ento e o surgi­ re li;
m ento de teologias experim entalm ente orientadas no período do Rom antis­ moí
mo, sugestões de tais percepções são evidentes nos escritos de A gostinho de A c:
Efippo e seus intérpretes medievais. A doutrina cristã procura dar form a à vida mer.
cristã colocando os fundam entos para determ inada geração e subseqüente in­ no r
terpretação da experiência cristã. que
121

>: irúriva tem Por trás da profundidade da experiência hum ana e encontro jaz um a ten ­
:: _:rina, em são não resolvida — a tensão entre o desejo de expressar um a experiência em
r-ireriència é palavras, e a incapacidade das palavras para captar essa experiência em sua
' • paralelos plenitude. Tudo na experiência hum ana que é precioso e significativo é ameaça­
i.::edca e na do de extinção, no que está em algum sentido além das palavras; contudo,
: ~ : análoga exige ser expresso em palavras para que se torne conhecim ento hum ano. E
txperiên- ameaçado com o espectro do solipsismo, no que, a não ser que um a experiên­
■ torm u- cia possa ser com unicada a outrem , ela perm anece presa dentro do m undo
c.::;uldades particular experimental de um indivíduo. Palavras podem apontar para um a
ivcís para a experiência, podem começar a esboçar seus contornos — mas a descrição total
ao leque dessa experiência perm anece além das palavras. Palavras apontam adiante de
•ci :m pala- si, a algo m aior que foge ao seu alcance. Palavras hum anas, e as categorias que
. i . deve-se elas expressam, são esticadas até seus limites ao tentarem encapsular, com uni­
::r~ d id o s e car, algo que atorm entadoram ente recusa ser reduzido a palavras. E a pura
i ; ■í 5 para a simulação da experiência hum ana, sua recusa obstinada de ser aprisionada den­
tro de um a m atriz verbal, que aponta igualm ente para a necessidade de poesia,
~r.;:da con- simbolismo e doutrina. U m a impaciência exatamente com essa simulação parece
: m g e m as- estar por trás da rejeição de qualquer com ponente cognitivo a afirmações
c : renatural doutrinárias.
t : rosições. A intimação de algo mais que está além e é sinalizado pela experiência, é
■ _:~dbeck. característico da experiência hum ana. Vivemos nas terras marginais de algo
-'j. modelos mais — algo intim ado, algo por fim posicionado além dos horizontes de nossa
‘.if cogniti- com preensão, contudo, ocasionalm ente penetrando em nossa consciência.
ti -istinção Experiência e linguagem apontam para além de si mesmas, testificando que
.: ue Deus algo está além de suas divisas, contudo, como terreno em que, de m odo tanta-
líi : de que lizante, nós não conseguimos entrar. Linguagem do dia-a-dia se perde ao ten­
£r.::ivo em tar captar além da soleira do empírico e observável, para captar o que sabe que
rz;:>am ser está adiante. C om o W ordsw orth sugere, os seres hum anos são “habitantes das
regiões fronteiriças”, firm em ente baseados no m undo real da experiência h u ­
cru definir m ana, contudo, estendendo-se em aspiração além de seus lim ites.312
Lr.a. como Esta sensação de estender-se atrás de algo inatingível, sugerido, mas não
i_:::na seja entregue pela experiência, tem nuanças fortem ente religiosas e conseqüências
>r ; surgi- religiosas im portantes. N ão está, porém , em nada confinada ao que podería­
F.: mantis- mos razoavelmente cham ar de experiência “religiosa” ou situações “religiosas”.
:í::nho de A observação freqüente é que os hom ens n utrem ideais altos que, repetida­
r~ a à vida m ente — e m uitas vezes tragicam ente — , deixam de alcançar. Existe a tensão
c uente in- no plano m oral entre os seres faltosos e finitos que somos, e o alto destino para
que nós nos sentimos chamados.
U m a tensão similar, captada por C. S. Lewis, existe no plano estético, na
busca por beleza.313 O m esm o senso de anseio doce-amargo, de Sehnsucht?lA
da incapacidade tanto da experiência de entregar o que prom ete, com o das
palavras hum anas para captar aquela experiência e as aspirações que ela en­
gendra, perm eia os escritos de Evelyn W augh, talvez mais poderosam ente na
pungência fina de Brideshead Revisited, à m edida que lembranças do passado
invadem, ilum inam e transform am o presente.

Talvez todos os nossos amores sejam meramente sugestões e símbolos;


linguagem de vagabundos rabiscada em portões e calçadas ao longo da
estrada cansada em que outros já pisaram com passos pesados antes de
nós; talvez você e eu sejamos modelos e essa tristeza que por vezes cai entre
nós surge do desapontamento em nossa busca, cada um se esforçando
além e por meio do outro, pegando um vislumbre de quando em quando
da sombra que vira a esquina sempre um passo ou dois à nossa frente.315

A linguagem da teologia crista funciona sob restrições semelhantes às que


afetam a poesia: ela é obrigada a expressar em palavras coisas que por sua na­
tureza desafiam redução a essas palavras; apesar disso, existe um a ressonância
fundam ental entre palavras e experiência. A experiência de Keats, ao ler o
H om ero, de Chapm an; a experiência de W ordsw orth, ao ver um a vasta área de
narcisos silvestres amarelos na Inglaterra; ambos exigiram expressão e com uni­
cação por interm édio de palavras, um meio quem sabe fundam entalm ente
m al-apropriado para seu propósito, mas que ficou sendo o único veículo a seu
dispor. Schleiermacher sugere que a função da doutrina cristã é efetuar um a
transição decisiva dentro da linguagem da com unidade cristã, desde a poética
e retórica até a “descritivo-didática”:316 linguagem poética e doutrinária são
assim níveis distintos, mas relacionados, níveis de discurso disponíveis à co­
m unidade de fé. Precisamente porque a linguagem prim ária da com unidade
cristã é poética e retórica, a doutrina é essencial por causa da pregação respon­
sável à com unidade em sua linguagem prim ária.317
Esta descoberta pode ser desenvolvida levando-se em conta os aspectos
apologético e evangelístico da doutrina. A pregação pode ser dirigida aos que
estão fora da com unidade de fé, não m eram ente aos que estao lá dentro, com
vistas a evocar o entendim ento e um a resposta da parte deles (ver p. 41-43).
Para caricaturar a doutrina cristã, então, como m ero jogo de palavras ou
como um a tentativa de reduzir o mistério de Deus a proposições é deixar de
apreciar a m aneira em que palavras nos servem. A fim de que m inha experiência
seja expressa, comunicada a alguém ou despertada em outrem , ela exige declaração
em form a cognitiva. Q ue essas formas cognitivas deixam de captar tal experiên­
cia em sua totalidade é auto-evidente, e dificilmente matéria para exagero retóri­
co: é um a das conseqüências inevitáveis de viver na história e ser obrigado a
comunicar em formas históricas. Schleiermacher reconheceu que a doutrina ex­
pressa um a experiência constituída pela linguagem da comunidade crista, apontan­
do assim para a interação delicada de elementos cognitivos e experimentais em
formulações doutrinárias.
“Experiência” e “sentido” são assim dois lados da mesma moeda, proibindo
que reduzamos o cristianismo a proposições nuas por um lado, ou à experiência
rudim entar, por outro. Toda experiência inclui elementos interpretativos e é
modificada por eles.318 C om o teorias m odernas de observação científica já es­
clareceram, a experiência não se resume a dados pré-teóricos; ela é realmente
carregada de teoria, acom panhada por elementos interpretativos.319 O bruto
empirismo que trata a experiência puram ente como dados crus que requerem
interpretação é inadequado: a experiência é realmente “dada” dentro de um a
estrutura interpretativa, por provisória que ela seja. A teoria desem penha um
papel m uito mais determinativo em nossa abordagem à experiência do que o
puro empirismo sugere: a própria teoria determina, pelo menos até certo ponto,
a experiência que essa teoria vai supostamente explicar ou interpretar. C om o a
fenomenologia de Husserl enfatiza, conhecimento e crenças anteriores desem­
penham um papel constitutivo em determinar o que observamos e experimen­
tamos. É por esta razão que o tratam ento de Lindbeck sobre modelos “cognitivos”
e “experimentais” de doutrina, como antitéticos, é tão profundam ente insatis­
fatório. A dimensão cognitiva da doutrina cristã é a estrutura sobre a qual a
experiência cristã é apoiada, o canal por meio do qual é transmitida. É um es­
queleto que dá força e form a à carne da experiência.
A doutrina provê tam bém um aparelho conceituai pelo qual a experiência
pode ser interpretada e criticada. Os julgamentos preliminares da experiência
são interpretados dentro de um a estrutura conceituai, por fim baseada na narra­
tiva da Escritura e suas intimações doutrinárias, expressas por doutrina, a fim de
que possa ser vista em um a nova luz. Este ponto tem sido salientado por Ger-
hard Ebeling, que nota a necessidade de poder abordar a própria experiência de
tal m odo, que possa ser experimentada em um a nova maneira.320 Por ser vista
em certa luz, a experiência é correlacionada com a narrativa bíblica e a estrutura
conceituai que gera, e é perm itida assumir um novo significado. A doutrina abre
o caminho para um a nova “experiência com a experiência”.321
Já notam os (ver p. 60-74) como a própria experiência é um alicerce inade­
quado para a afirmação teológica; assim m esm o, ao ser interpretada, a ex­
periência oferece descobertas centrais na dimensão existencial da fé cristã. A
nova relevância da “teologia da cruz”, conform e exposta por Jürgen M olt-
m ann e Eberhard Jüngel, m ostra a necessidade de a teologia interpretar ex­
periência, sem que seja reduzida a suas categorias ou am arrada pelas suas reações
preliminares. Abordagens cognitivas à teologia, com o as que são afirmadas
pelo evangelicalismo, retêm essa função vital da doutrina, vendo-a com o um a
rede lançada sobre a experiência, a fim de que esta possa ser mais adequada­
m ente captada e entendida.

A abordagem lingüístico-cultural de Lin db eck


C om o foi colocado anteriorm ente, L indbeck tira algo dos escritos do
antropólogo cultural Clifford Geertz322 e de Ludwig W ittgenstein,323 ao ex­
por sua abordagem própria à natureza da teologia. Lindbeck sugere — e o
paralelo com W ittgenstein aqui ficará claro — que religiões podem ser com ­
paradas a línguas, a doutrinas religiosas funcionando com o regras gramaticais.
As religiões são estruturas ou meios culturais que produzem um vocabulário e
precedem um a experiência interior.

Uma religião pode ser vista como uma espécie de estrutura ou meio cul­
tural e/ou lingüístico que formata o todo da vida e pensamento [...] Não
é em primeiro plano um a coleção de crenças sobre a verdade e o bem
(embora possa envolvê-los), ou um simbolismo expressivo de atitude,
modos de sentir ou sentimentos básicos, (embora estes venham a ser gera­
dos). Ao contrário, é semelhante a um idioma que torna possível a des­
crição de realidades, a formulação de crenças, e a experiência de atitudes
interiores, modos de sentir e sentimentos. Como uma cultura ou língua,
é um fenômeno habitual que formata o subjetivismo de indivíduos em
vez de ser primariamente um a manifestação desse subjetivismo. C om ­
preende um vocabulário de símbolos discursivos e nao-discursivos junto
com uma lógica ou gramática distinta em termos da qual esse vocabulário
pode ser empregado significativamente.324

C om o um a língua é correlacionada com um a form a de vida (como W ittgens­


tein colocou em relação a “jogos de linguagem”), um a tradição religiosa é cor­
relacionada com a form a de vida que ela gera e reflete.
U m elem ento fundam ental nesta compreensão de doutrina, e da teoria de
verdade que a acom panha, é o conceito de coerência intra-sistêmica. Em parte,
esse entendim ento diz respeito à coerência racional de sistemas: doutrinas re­
gulam religiões, em m uito como essa gram ática regula linguagem. O conteú­
do ideal de um a afirmação é efetivamente colocado de lado, a fim de que sua
função form al possa ser enfatizada. Lindbeck ilustra esse ponto com referência
ao Hamlet, de Shakespeare: a declaração “D inam arca é a terra onde H am let
viveu” não reivindica verdade ou falsidade ontológica; é sim plesm ente um a
afirmação com respeito à ordenação interna dos elem entos da narrativa de
Shakespeare.325 A narrativa em si não é nem fato nem ficção: é um veículo
para um dos dois ou para ambos. Narrativas que parecem ser fatos não são
necessariamente factuais.326 Só se a narrativa for tom ada com o história haverá
pretensões a respeito da verdade ou falsidade ontológica. Assim, a Bíblia pode
— Lindbeck sugere — ser lida com o um a “vasta novela não fictícia livremente
estruturada”, cuja narrativa canônica oferece um a descrição da identidade de
Deus. Desenvolvendo este ponto, Lindbeck sugere — citando a parábola do
filho pródigo com o exemplo — que “o apresentar do caráter de D eus” não é
necessariamente dependente da natureza factual da história impressa.

O sentido é constituído pelo uso de uma linguagem específica, em vez de


ser distinguida dela. Portanto, o modo apropriado de determinar o que
“Deus” significa, por exemplo, é examinando como a palavra opera den­
tro de um a religião e com isso dá forma à realidade e experiência em vez
de primeiro estabelecer seu sentido proposicional ou experimental e rein-
terpretar ou reformular seu uso de acordo com isso. E nessa percepção
que a descrição teológica no sentido cultural-lingüístico é intra-semiótico
ou intratextual.327

A principal dificuldade levantada por essa abordagem trata da origem da tradição


cultural-lingüística regulada por doutrinas. Lindbeck parece presum ir que é
sim plesm ente “dada”. E um ponto de partida axiomático. A “língua” só está aí.
Lindbeck nota que línguas originam-se de fora, levantando assim a pergunta
óbvia com respeito às origens da tradição cristã em falar sobre Deus, ou articu­
lar aspirações hum anas, em seu m odo particular, ou na gama de m odos. Com o
a linguagem cristã veio a existir? Pela sua análise parece haver um a evasão
deliberada da pergunta central da revelação — em outras palavras, se a lingua­
gem idiom ática cristã, articulada na Escritura e então na tradição cristã, ori­
gina-se de insight h u m an o acum ulado, ou da auto-revelaçao de D eus no
evento-Cristo.
C ontudo, a insistência de Lindbeck na prim azia de “as objetividades de
religião, sua linguagem, doutrina, liturgias e m odos de agir” levanta a pergun­
ta não-respondida de como explicar, como prestar contas desses dados primários.
D e onde vêm as doutrinas cristãs? C om o podem ser elas avaliadas? A que é a
linguagem cristã um a resposta? Q ual a realidade extralingüística que ela está
tentando descrever ou retratar? Os evangélicos se acham na posição de poder
concordar em term os gerais com Lindbeck até onde ele vai, mas desejar que
ele fosse bem mais longe. Por esta razão, a mais fundam ental crítica evangélica
do pós-liberalismo trata da inadequação de seu com prom isso com realidades
extralingüísticas e extra-sistêmicas. Exploraremos esse ponto no que se segue.

Um a crítica evangélica do p ó s-liberalism o


C om base na análise feita até aqui, podem os começar a m ontar um a críti­
ca evangélica do pós-liberalismo. Q ualquer crítica do gênero precisa ser prefa­
ciada por um a recom endação de suas virtudes, incluindo as seguintes.
1. Sua ênfase na im portância distinta do cristianismo, e sua recusa estuda­
da e respaldada em seguir a precipitação forte do liberalismo na corrida para
identificar a verdade do evangelho com norm as culturais liberais de fins do
século XX, com eçando na América.
2. Sua insistência na Escritura com o fonte suprem a de idéias e valores
cristãos.
3. Sua reafirmação da centralidade da pessoa de Jesus Cristo dentro da
vida e pensam ento da igreja cristã.
N a realidade, o evangelicalismo pode aprender com o pós-liberalismo,
mais com respeito ao forte senso de com unidade deste, que faz sobressair a
tendência do evangelicalismo rum o ao atom ism o social. Tendo dito isto, porém ,
três críticas fundam entais devem ser feitas. Eu as form ularei como perguntas
dirigidas a três pensadores pós-liberais im portantes: Lindbeck, H auerwas e
Frei.

1. O que é verdade?
A que se referem as declarações teológicas? Em sua Grammar o f Faith
[Gramática da fé], Paul H olm er explana um a teoria reguladora de teologia que
claram ente tem tido algum a influência sobre a abordagem de Lindbeck. A
teologia é essencialmente interessada na descrição de regras intrabíblicas para
se falar em Deus, Cristo, e assim por diante. Essas regras não são estabelecidas
pela teologia; já são dadas no m aterial bíblico em si.328 Neste sentido, a teolo­
gia nao introduz nada de novo ao m aterial bíblico, mas sim plesm ente expõe as
estruturas que já estão presentes, em m uito com o a gram ática coloca as regras
que governam o uso da linguagem .329 A gram ática é descritiva, não estabelece
regras; sim plesm ente rem ete informações sobre as regras que já são operacio­
nais.
Lindbeck crê que a teologia trata da articulação e exploração dos aspectos
intra-sistêmicos da fé cristã. Aqui, Lindbeck segue a tradição associada com
Schleiermacher em adotar um conceito de doutrina essencialmente descritivo.
Para Schleiermacher, teologia dogmática é “o conhecimento de doutrina atual­
m ente corrente na igreja”.330 Em essência, a teologia é um a investigação a res­
127

r.r realidades peito da adequação de doutrinas para articular a fé que elas expressam. O teólo­
cue se segue. go é obrigado a considerar o “valor eclesiástico” e o “valor científico” das doutri­
nas — em outras palavras, sua adequação como expressões de sentimento religioso,
e sua coerência com o contexto do vocabulário teológico como um todo. A
:ur um a críti- doutrina é descritiva, prim ariam ente interessada em coesão intra-sistêmica.
u ?er prefa- Lindbeck parece sugerir que a abordagem lingüístico-cultural à doutrina
pode prescindir saber se o idiom a cristão tem qualquer referente externo. A
-'r estuda- língua funciona dentro de um m undo cultural e lingüístico; ela não se refere,
:: rrida para entretanto, a nada. A doutrina se preocupa com a regulação interna da lingua­
ue fins do gem cristã, assegurando sua coerência. A questão de com o aquele idiom a se
relaciona com o m undo exterior é considerada im própria. Lindbeck oferece
'i- e valores como ilustração um a comparação entre um gram ático aristotélico e um não-
aristotélico. Am bos estariam de acordo com a opinião de que as sentenças
uentro da corretas têm certos componentes, como um sujeito e um objeto. O aristotélico,
então, argum entaria que a sentença “espelha”, de alguma forma, a realidade,
-..reralism o, enquanto o não-aristotélico m anteria a opinião de que essa afirmação gramati­
f : oressair a cal não tem nenhum a implicação ontológica. D e form a semelhante — Lind­
-f - - porém , beck argumenta — , o teólogo cristão pode permanecer “gramaticalmente ortodoxo”,
.: rerguntas sem denotar nenhum a pretensão metafísica, contentando-se em seguir as re­
ruuuerwas e gras, em vez de aceitar suas implicações ontológicas.331
Para Lindbeck, doutrina é a linguagem da com unidade cristã, um idioleto
autoperpetuador. C om efeito, em alguns pontos ele parece sugerir que conce­
ber teologia com o a gram ática da língua cristã exige o abandono de qualquer
o f Faith conversa sobre Deus como um a realidade independente e qualquer sugestão
cer.ogia que de ser possível fazer reivindicações sobre a verdade (num sentido ontológico,
-vrubeck. A em vez de intra-sistêmico) com respeito a ele.332 Lindbeck argum enta que a
'.ruças para teologia é um a “atividade de segunda ordem ” que não faz reivindicações da
^urrelecidas verdade, esta função sendo reservada para declarações de “prim eira-ordem ”.
u :. a teolo-
r.re expõe as Como a gramática por si não afirma nada, nem algo de verdadeiro nem
sca as regras algo de falso sobre o m undo em que a linguagem é usada, mas só sobre a
c estabelece linguagem, a teologia e a doutrina, até onde são atividades de segunda-
?: jperacio- ordem, nada afirmam de verdadeiro ou falso sobre Deus e sua relação com
as criaturas; falam apenas sobre tais asserções.333
í :; aspectos
“Verdade” é assim igualada com — virtualm ente ao ponto de ser reduzido a
:;;a d a com
— consistência, ou coerência interna. C ontudo, o próprio Lindbeck parece
: uescritivo.
nublar a distinção decisiva que ele introduz entre afirmações de “prim eira or­
trriua atual-
dem ” e afirmações de “segunda-ordem ”. C om o Bruce M arshall, um antigo
earão a res­
aluno de Lindbeck, tem com entado, há fortes paralelos entre as abordagens à
128

verdade associadas com Tomás de A quino e com Lindbeck.334 U m compromisso cristo i cri
implícito com pontos de vista sobre a verdade em relação aos quais os evangélicos d o u triru
pouco achariam para discordar está por trás da análise de Lindbeck, mesmo atribuiu]
que ele próprio não articule isso explicitamente. associuu.3
Portanto, com base na citação já feita, a conclusão seria que a teologia do co:'rr
regula a m aneira em que cristãos falam sobre Deus, mas não com enta sobre a ontolcui.
pretensão de que tais declarações sejam verdadeiras. “Religião” é, portanto, a
língua; teologia é só a gram ática que a regula. Faz pouco sentido perguntar se ca? Es:ur
a língua grega, a latina ou a inglesa é verdadeira; faz sentido, porém , descobrir m odem :
as regras que governam sua operação, a fim de que possam ser entendidas. m a. Nu
C ontudo, é um a simples m atéria de fato — que Lindbeck parece conceder o te rrr.:
im plicitam ente, ainda que não chame atenção para isso — que as religiões m a H.-.":
têm , sim, pretensões sobre a verdade, deixando a comparação direta de “re­ m ente; :>
ligião” e “linguagem ” deficiente em pelo m enos esse respeito. Se a linguagem é definiu r
para ser adotada como um m odelo para a religião, ela precisa ser reconhecida p e riè n : .=
com o tendo suas limitações, especialmente nesse respeito. C :n
Esta aparente evasão ou fuga de pretensões da verdade pode ser vista na pergu::::
discussão de Lindbeck sobre o homoousion. E nquanto ilustrando seu entendi­ relacic:::
m ento da função reguladora de doutrinas dentro da teologia, Lindbeck sugere com o : ?
que o credo Niceno “não faz reivindicações de verdade de prim eira ordem ”.335 N a za:e:
Em outras palavras, o homoousion não faz nenhum a referência ontológica, mas coisa? . :
m eram ente regula a linguagem tanto a respeito de Cristo com o de D eus.336 pencen:
Este estudo de caso é im portante, na m edida em que fornece um dos poucos Li ra­
exemplos trabalhados, históricos, da tese de Lindbeck, perm itindo assim ser tifica : : :
julgado tanto sua com petência histórica com o teológica, por provisional que perene "
seja a m aneira. Lindbeck afirma que Atanásio entende o term o homoousios a p ro m
com o significando “tudo o que se diz do Pai é dito do Filho, exceto que o não r :1
Filho não é o Pai’”, assim, dem onstrando que Atanásio “pensou nisso, não pela u:'!
com o proposição de prim eira-ordem com referência ontológica, mas como p O S S i ;Ui
regra de pronunciam ento de segunda-ordem ”.337 Só no período medieval — danei: ..
Lindbeck sugere — , conceitos metafísicos entraram para ser lidos nesta abor­ que r : u
dagem essencialmente gramatical ao homoousion. N o período patrístico — ele ficaçl: 1
argum enta — , o term o era entendido com o um a regra de fala, bem indepen­ tação : :>
dente de qualquer referência à realidade extralingüística.
cristã r ]
C ontudo, Lindbeck parece negligenciar o fato de Atanásio basear a função
da e c r:
reguladora do homoousion em seu conteúdo substantivo. Em outras palavras,
dada a relação ontológica de Pai e Filho, a regulação gramatical de linguagem
c ia ln e r
a respeito deles segue como coisa natural. Para Atanásio, pareceria que “o ho­
ao
moousion, reguladoramente construído, elimina inovação ontológica, não refe­
de de;ui
rência ontológica”.338 Isto não é, que se enfatize, dizer que os debates patrísticos
129

:: mpromisso cristológicos deixaram de reconhecer a função referencial ou reguladora da


' ; í'-angélicos d outrina crista. Assim m esm o, poderia parecer que L indbeck talvez tenha
'■fc.-c. mesmo atribuído ao homoousion funções reguladoras que, estritam ente falando, eram
associadas ao communicatio idiomatum. As funções gramaticais ou reguladoras
a teologia do communicatio idiom atum pareciam estar fundam entadas nas afirmações
ür.ra sobre a ontológicas do homoousion.
. riT tanto, a Tendo este ponto em mente, voltemos à “Dinamarca”. Mas que D inam ar­
perguntar se ca? Estamos falando sobre a “D inam arca” no Hamlet, de Shakespeare, ou no
r.. descobrir m oderno Estado constituído desse nome? Elas não são necessariamente a mes­
; r. rendidas. ma. N a verdade, pode ser apropriado assegurar, de m aneira Lindbeckiana, que
Cr conceder o term o “D inam arca” seja coerentem ente empregado dentro da m atriz do dra­
a> religiões m a Ham let, de Shakespeare. A pergunta, porém , surge inevitável e apropriada­
.rt:a de “re- mente: como essa “D inam arca” se relaciona com a realidade geográfica e política
- “ çuagem é definida e identificável cham ada “D inam arca”, localizada no m undo da ex­
reconhecida periência humana?
C om o podem os verificar se H am let é fato ou ficção? A im portância desta
=;r vista na pergunta dificilmente pode ser negada. Com o a D inam arca de Shakespeare se
eu entendi- relaciona com a D inam arca do m undo real? E com o — devemos perguntar
beck sugere com o os teólogos — o “Jesus” da linguagem cristã se relaciona com o Jesus de
. irdem ”.333 Nazaré? H á algum a ligação identificável com ele? Refere-se a ele, ou a outra
;: gica, mas coisa? Pode ser m ostrado que se originou dele — ou é um a construção inde­
:r Deus.336 pendente da m ente hum ana?
a : s poucos Lindbeck aqui parece ilustrar distintam ente o que Rowan W illiams iden­
: assim ser tifica como um dos mais sérios pontos fracos da teologia m oderna— a tendência
:ia) que
perene “de ser seduzido pela esperança de contornar a questão de ela aprender
fy-noousios a própria linguagem ”.339 A possibilidade — que Lindbeck parece não querer e
: í : o que o
não poder considerar — é que o discurso que ele identifica com o regulado
r. isso, não
pela doutrina cristã pode ser baseado em um a incom preensão histórica; que
cias como
possa significar nada mais que as formas acidentais do historicam ente “dado”,
c aieval —
dando a isso um enraizamento sócio-histórico que vicia sua validade mais ampla;
lesra abor-
que pode representar um a séria representação errada, ou até m esm o um a falsi­
ci:o — ele
ficação deliberada de eventos históricos; que possa representar um a interpre­
i indepen-
tação com pletam ente espúria da im portância de Jesus de Nazaré. A linguagem
cristã não pode ser sim plesm ente aceita com o “dada”: ela precisa ser interroga­
r a função
da com respeito a suas credenciais históricas e teológicas.
i ralavras,
A abordagem de Lindbeck à linguagem cristã parece, pelo m enos superfi­
ir.íuagem
cialmente, ser desconfortavelm ente similar à abordagem de R udolf B ultm ann
[ue "o ho-
ao querigma\ ambos são assumidos com o estando lá, dados, achando-se além
não refe-
de desafios ou justificação. O interrogatório ao qual a “nova procura do Jesus
?arrísticos
histórico” sujeitou a cristologia querigm ática de B ultm ann deve ser estendido
ao entendim ento da natureza da doutrina de Lindbeck. D outrina, com o o
querigma, não é algo que só está lá, m andando que o aceitemos ou o deixem­
os: é algo que tem o propósito de representar adequada e apuradam ente a
im portância de um evento histórico, e que está aberto ao desafio com respeito
a ser adequado com o um a interpretação daquele evento.340 A Reform a e o
Ilum inism o são óbvias instâncias históricas de doutrinas recebidas sendo desa­
fiadas com respeito às suas credenciais históricas. Lindbeck, por acidente ou
plano, está talvez um tanto equivocado sobre saber se sua abordagem cultural-
lingüística à doutrina envolve a afirmação ou o afastam ento do realismo epis-
tem ológico e um a teoria de correspondência da verdade; assim m esm o, a
impressão geral obtida é de que ele considera a coerência mais im portante do
que a correspondência, levantando precisam ente as perguntas que acabei de
m encionar.341 E a esse ponto que o evangelicalismo dirige um a de suas críticas
mais sérias contra o pós-liberalismo. Para os evangélicos, o pós-liberalismo
reduz o conceito de “verdade” a “coerência interna”. N ão se pode duvidar que
coerência intra-sistêm ica seja um a qualidade a ser adm irada. E ntretanto, é
perfeitam ente possível ter um sistema inteiram ente coerente que não tenha
nenhum a relação significativa para o m undo real. O cristianismo não é sim ­
plesm ente sobre a interpretação da identidade narrada de Jesus, ou sobre a
apreciação de um relato coerente da gram ática da fé. É sobre reconhecer a
verdade de Jesus Cristo com o Salvador e Senhor. E sobre o reconhecim ento da
verdade do evangelho, e, com isso, o reconhecim ento da necessidade da teolo­
gia cristã oferecer um relato tão confiável quanto possível da sua identidade e
im portância.
Para o evangelicalismo, a teologia é fundam entada sobre a auto-revelação
de Deus e avaliada na base dessa mesm a auto-revelação. Este é o fundam ento
m áxim o e o critério da teologia cristã. A Reform a do século XVI freqüente­
m ente faz-se notar, de m aneira acentuada, na auto-refiexão evangélica por se
ter por princípio examinar constantem ente a vida e o pensam ento da igreja, à
luz da Escritura, e em preender um processo de correção à m edida que e onde
se torna apropriado.342 A linguagem cristã, sujeita que é ao desenvolvimento
histórico, precisa ser corrigida periodicam ente à luz de um critério externo.
Para Lutero e Calvino, esse critério era fornecido pela Bíblia, lida e interpreta­
da dentro da com unidade viva da igreja cristã.
Enquanto reconhecendo as hesitações do pós-liberalismo sobre abordagens
potencialm ente ingênuas à questão da verdade, o evangelicalismo assim mesmo
insiste em que a teologia deve estar preocupada com a questão de revelar a ver­
dade sobre Deus. Essa verdade pode tom ar a form a de um a narrativa (“contando
131

a : estendido a verdade”) ou um a estrutura doutrinária (na qual um a narrativa foi transposta


r r r . como o em formas conceituais), ou um a simples afirmação da veracidade e confiabi­
: - o deixem- lidade de Deus. Com o quer que seja colocado o conceito de verdade, é entendi­
m e am ente a do firmem ente que esse está localizado fora da linguagem do cristianismo, bem
;: m respeito como dentro dele. O cristianismo visa a prover um relato sistemático, regulado
F.erorma e o e coerente de quem Deus é e de como Deus é — há um referente extra-sistêmico
: ;í.~do desa- que funciona tanto como um fundam ento como um critério do jogo de lingua­
m rdente ou gem cristão.343 O u, para afirmar isso de outro m odo, o evangelicalismo insiste
i ~ cultural- em que a “verdade” cristã precisa designar tanto um a realidade fora do jogo de
li.:?mo epis- linguagem, como a adequação desse jogo de linguagem para representá-lo. Isto
r mesmo, a quer dizer que a teologia cristã deve transm itir com acerto e coerência a verdade
ç : rtante do da identidade e propósitos de Deus.
m icabei de Para o evangelicalismo, esse em preendim ento teológico deve ser executa­
í':as críticas do com base na Escritura. O pós-liberalismo ecoa esta ênfase, e assim nos
-.meralismo provê com sugestões para passar adiante com o fim de explorar um a segunda
c _vidar que área da interação complexa entre o evangelicalismo e o pós-liberalismo.
rm etanto, é
2. Por que a Bíblia?
: rao tenha
■r. Io é sim- Em sua altamente estimulante obra Community o f Character [Comunidade
: u sobre a de caráter], Stanley Hauerwas salienta a im portância da Escritura em m oldar as
:;:n h e c e r a crenças e valores da com unidade cristã. A Bíblia apresenta normas em forma de
m m ento da pretensões para a com unidade cristã. Em aceitar e reafirmar o que a Bíblia dita,
Cr da teolo- a com unidade cristã tem sido feliz no decorrer dos anos.344 A igreja cristã tem
c entidade e afirmado e se submetido à Escritura no passar dos séculos; conseqüentemente, a
esfera apropriada da interpretação da Escritura precisa ser a própria com unidade
-revelação cristã.345 A igreja pode esperar encontrar suas idéias e valores existindo em ten­
imuamento são com aqueles da sociedade secular, que não se orienta em torno da narrativa
rreqüente- escriturai, mas que reconhece outras narrativas como autorizadas.
em a por se Hauerwas apresenta um relato im portante e persuasivo da m aneira em
ca igreja, à que a Escritura é usada dentro da igreja, que é particularm ente bem -vindo por
ene e o n d e causa da conexão estreita que ele estabelece entre a Bíblia e a igreja. Permanece,
v : r.dmento porém , para o leitor crítico um a pergunta: por que a Bíblia possui tanta au­
:: externo, toridade? Por que é a narrativa de Jesus Cristo que exerce essa autoridade con­
imerpreta- troladora? E a autoridade da Escritura algo que tenha sido im posto sobre o
texto por um a com unidade disposta a submeter-se a essa autoridade — mas
arordagens que, em princípio, teria sido preparada para reconhecer outras autoridades, ou
i:m mesmo autoridades alternativas? O u há algo inerente ao próprio texto que estabelece
ve.ar a ver- essa autoridade, antes mesmo do reconhecim ento disso pela comunidade? Fazer
~contando tais perguntas é levantar a questão do papel da revelação dentro das teorias
pós-liberais da teologia.346
A crítica específica que o evangelicalismo dirige contra o pós-liberalismo
nesse ponto é a seguinte: a priorização da Escritura não está adequadam ente
fundam entada no plano teológico. C om efeito, a prioridade da Escritura é
defendida em bases que parecem ser culturais, históricas ou contratuais. O
papel do Q u r a n [Alcorão] dentro do islã poderia ser justificado em bases se­
melhantes. O papel norm ativo da Escritura dentro da com unidade cristã é
inquestionavelm ente cristão (assim como o papel norm ativo do Corão ou Al­
corão dentro do islã é islâmico), mas é certói Para o evangélico, pretensões para
que seja verdade não podem ser evitadas nesta conjuntura. A Escritura tem
autoridade, não por causa do que a com unidade cristã escolheu fazer com ela,
mas po r causa do que ela é, e do que ela transm ite.
Este ponto pode ser visto claram ente tam bém na im portante crítica em
Carl Henry, a respeito do livro de D avid Kelsey, Uses o f Scripture in Recent
Theology [O uso das Escrituras na teologia atual] (1975).347 H enry nota a ati­
tude positiva de Kelsey para com a Escritura; contudo, confessa-se perplexo
pela curta dispensa de qualquer tentativa de falar sobre a “autoridade da Es­
critura”, a não ser em termos puram ente funcionalistas e intra-sistêmicos. C om o
H enry observa, a noção da teologia como resposta hum ana a um a norm a ex­
terna objetiva é obstada pela abordagem de Kelsey, que, no fim, deixa a idéia
toda de “fazer teologia” com preendida num a m atriz de um relativismo episte-
mológico insolúvel.
Os evangélicos há m uito insistiram em que a prioridade da Escritura re­
pousa em sua inspiração, independentem ente de ser reconhecida com o tal,
por determ inada com unidade ou indivíduo.348 N ão é m inha intenção defender
esse consenso geral evangélico, nem articular nenhum a de suas formulações
específicas. M inha preocupação aqui é observar um a tensão clara entre esse
consenso evangélico e o ataque geral da posição pós-liberal, que reflete um a
tensão mais profunda e fundam ental sobre a doutrina inteira da revelação.
Além disso, pelo m enos nos escritos de H olm er e Lindbeck, a ênfase pós-
liberal na Bíblia corre o risco de sugerir que o cristianismo se enfoca num
texto, em vez de enfocar-se em um a pessoa. A m áxim a de R oland Barthes vem
à m ente: il-ríy-apas de hors-text (nada há fora do texto). Para os evangélicos, há
algo real que se acha além do texto da Escritura, que, não obstante, é entregue
e m ediado pelo próprio texto349 — isto é, a experiência cristã de ser redim ido
em Cristo. A ênfase na intratextualidade tende a obscurecer o fato de a pessoa
de Jesus Cristo estar ali no centro da fé cristã — e já estava ali antes dos textos
do N ovo Testam ento terem sido escritos. A prioridade histórica e teológica da
pessoa de Jesus C risto acima de sua encarnação e interpretação textual precisa
ser reconhecida. C ontudo, o pós-liberalismo, pelo m enos nas formas associa­
das com H olm er e Lindbeck, arrisca obscurecer este ponto; sua ênfase no cris­
133

rriiismo tianism o, com o um a linguagem com regras gramaticais associadas, ameaça


:rm ente cortar sua vital união com a pessoa de Cristo.
:r;:ura é A “ameaça”, porém, deixa subentendida um a possibilidade, em vez de um a
rrais. O realidade. Talvez o pós-liberalismo seja mais sábio em suas intuiçoes do que em
?i>es se- suas declarações ostensivas. Certam ente os escritos de H ans Frei dem onstram
rristã é um com prom etim ento genuíno com um enfoque na pessoa de Jesus Cristo. N o
: ou Al­ entanto, como ficará claro no que se segue, os evangélicos tencionarão expressar
iee< para reservas sobre o m odo específico dessa abordagem.
ura tem
:: m ela, 3. Por que Jesus Cristo?
O u tra pergunta enfoca o papel desem penhado por Jesus Cristo dentro de
s :;a em um esquem a teológico pós-liberal. E claro que, para ambos, Hauerwas e Frei,
Recent a narrativa de Jesus Cristo é de im portância central para a legitimação da Es­
zi a ati- critura com o norm a para a vida e pensam ento cristãos. N o entanto, a questão
r-erplexo para saber por que essa narrativa possui tanta autoridade não pode ser ignora­
: i a Es- da. Frei e Hauerwas, com o Lindbeck, talvez nos transm itam a impressão de
Com o que isso é só com o as coisas são. A narrativa é “dada” e anterior à com unidade,
■:ma ex- com o resultado de que a identidade histórica da com unidade é ligada ao seu
i i idéia fundador. N o que se segue, eu me concentrarei nos escritos de H ans Frei, e
: eoiste- tentarei explorar o papel específico que Jesus Cristo desem penha no esquema
herm enêutico que ele sugere. (Uso o term o “tentar” deliberadam ente, em que
irura re- preciso confessar ter sido derrotado verbalm ente pela prosa de Frei, que é a
»~o tal, mais opaca contra qual fui obrigado algum dia a lutar.)
:e:ender A posição de Frei sobre a relação de “sentido” [ou “significado”] e “ver­
:u-açÕes dade” nas narrativas do evangelho é notoriam ente difícil de se desvendar.350
:::e esse Em um a análise m uito simpática, George H unsinger argum enta que Frei con­
zzz um a seguiu m ostrar que para os crentes, o seu “conhecim ento de Cristo com o pre­
■ição. sente à fé é fundam entado no conhecim ento prévio de sua identidade como
pós- retratada nas narrativas do evangelho”.351 U m intérprete mais crítico de Frei
c r num argum entaria que, por alguma distância, ele dem onstra a coerência interna da
r.;s vem narrativa do evangelho de Jesus Cristo, e a ligação entre essa narrativa e a
L j o s , há
com unidade de fé — mas que a fundam entação dessa narrativa nem é adequa­
ír.rregue dam ente tratada nem explicada. Por exemplo, Frei trata a ressurreição de Cris­
ü im id o to com o um a afirmação intra-sistêmica da identidade da autom anifestação de
a ressoa Jesus com a autom anifestação de Deus, e explicitamente exclui referência a
:extos um a ocorrência extra-sistêm ica.^2 Sem desejar de m odo nenhum m inim izar a
c ;:ca da im portância da análise de Frei. me pareceria que o ensaio de W olfhart Pannen-
í rrecisa berg sobre o m étodo cristológico m ostra o tipo de possibilidades que existem
ifjocia- para a exploração da relação da narrativa de Jesus Cristo com a história.353
r.o cris­
O problem a é que a abordagem de Frei me parece repousar sobre a priori­
dade da narrativa de Jesus em bases similares às colocadas por A lbrecht Ritschl,
em 1874. Para Ritschl, a prioridade de Jesus dentro da com unidade de fé é
para ser baseada prim ariam ente no plano histórico; Jesus é anterior à com u­
nidade, que baseia suas idéias e valores nele. Em bora Ritschl seja inocente do
interesse de Frei na form a narrativa específica e caráter literário dos Evangelhos
sinóticos, os mesmos temas emergem com o im portantes. O etos cristão deve
ser entendido com o a extensão espaço-tem poral das idéias e princípios repre­
sentados na pessoa de Jesus dentro da com unidade de fé — em outras pala­
vras, a “tradição de Cristo propagada na igreja” (die in der Kirchefortgepflanzten
Uberlieferungvon Christus). Essa “tradição” é essencialmente empírica e histórica,
referindo-se a um a idéia ou princípio ético e religioso prim eiro encarnado no
Jesus histórico. Esta idéia, então, foi aceita e propagada pela com unidade de
fé, e tornada disponível até o dia de hoje. “Cristo vem para agir sobre o crente
individualm ente, por um lado, por meio da lem brança histórica dele que é
possível na igreja”.3’4
C om o conseqüência, Cristo ocupa um a posição singular para com todos
os que estão dentro da com unidade de fé, expressa num juízo religioso com
respeito a seu status. O s que “crêem em C risto” (no sentido da expressão de
Ritschl) participam do reino divino, sendo, portanto, reconciliados com Deus,
participando no mesmo relacionam ento qualitativo com ele, com o fundador
de sua religião. Em bora Ritschl critique severamente as cristologias do Ilum i-
nism o, é m uito difícil evitar a conclusão que ele vê com respeito a Cristo como
um indivíduo tipicam ente im portante e insuperável, cuja im portância é pri­
m ariam ente para ser articulada em term os de ele ser o fundador da com u­
nidade cristã, tendo assim a prioridade tem poral sobre os que se seguiram.
Ritschl argum enta que, em bora seja concebível que outro indivíduo pudesse
surgir, igual a Cristo em seu status religioso e ético, “ele ficaria em dependên­
cia histórica de Cristo, e seria, portanto, distinguível dele”.3” A concessão é
significativa, em que indica que a im portância de Cristo é entendida historica­
m ente em vez de ontologicam ente, um prim eiro entre pares cuja prim azia
surge pelo acidente histórico de ele ser o fundador singular da igreja cristã.
Esta abordagem à im portância de Jesus Cristo foi severamente criticada
por Em il Brunner.356 A posição singular de Jesus Cristo dentro da com unidade
de fé — ele argum entou — foi assim entendida ser baseada em pouco mais do
que um a precedência histórica. E esta é a preocupação que até o mais sim páti­
co dos críticos evangélicos gostaria de expressar sobre a abordagem de H ans
Frei. Frei perm ite-nos explicar a im portância da narrativa de Cristo com o “re­
flexão dentro da fé” para a com unidade cristã; 357 não nos perm ite, no entan­
to, entender a base dessa reivindicação à im portância, nem no seu contexto
135

rre a priori- original histórico, nem na situação atual. Enquanto a abordagem nos perm ite
eu: Ritschl, identificar um a abordagem cristã à identidade e im portância de Jesus Cristo,
de fé é deixa-nos com a questão severamente difícil de perguntar se essa abordagem é
:: i comu- ela m esm a justificada.
r. -rente do Assim, Frei declara que “a história do Novo Testam ento trata simples e
z ungelhos exclusivamente da história de Jesus de Nazaré, quer seja esta fictícia ou real”.358
7._;rão deve Enquanto im ediatam ente concedendo as dimensões positivas deste ponto, não
7 7? repre- m enos seu enfoque em Jesus, a dificuldade central torna-se clara de imediato.
pala- A “história” é mesmo fictícia ou real? C om o se poderia saber que não é simples­
7 - 7 anzten m ente “um trecho de hiperficção requerendo ser um fato que se autogarante”?359
r 7:stórica,
Em bora esta questão possa ser descartada como ingênua po r alguns teólogos,
: :vío no
ela continua sendo de fundam ental im portância. A ansiedade central que even­
.r.idade de
tualm ente levou à desagregação da abordagem bultm anniana à cristologia se
re o crente
enfocava no fundam ento cristológico m inim alista do querigm a — “das Dass”.
C:.e que é
E se o querigm a entendeu Jesus erradamente? As implicações cristológicas dis­
so eram graves, e exigiam exploração, à m edida que tom ava impulso o desen­
c : m todos
volvim ento da “new quest” (nova busca). C om o os escritos de E rnst Kásemann,
_ :?o com
Joachim Jeremias e G ünther Bornkam m dem onstram ,360 a relação entre fé e
rre?são de
história, descartada por Bultm ann como um a irrelevância, tornou-se um a questão
:: rã Deus,
central de estudos eruditos sobre o Novo Testamento e de reflexão cristológi­
■rundador
ca.361 C ontudo, Frei parece nos levar de volta a um a rota bultm anniana desa­
u: Ilumi-
creditada, sem a atenção devida para suas fraquezas percebidas e desenvolvimentos
:.;:o como
subseqüentes.
r. ria é pri-
A vista da im portância deste ponto, podem os explorar as diferenças entre
7 a comu-
B ultm ann e G erhard Ebeling a respeito dele.362 As diferenças entre B ultm ann
frrairam .
e Ebeling relacionam-se diretam ente com a sua avaliação do significado teológi­
7 irudesse
co da figura histórica de Jesus de Nazaré. Para B ultm ann, tudo o que poderia
lerendên-
ser e tudo o que se poderia exigir que fosse conhecido sobre o Jesus histórico
uuressão é
era o fato de (das Dass) ele existir. Para Ebeling, a pessoa do Jesus histórico é a
u:?torica-
base fundam ental (das Grunddatum) da cristologia, e se pudesse ser m ostrado
. rrim azia
que a cristologia era um a interpretação errada da im portância do Jesus históri­
i ;ristã.
co, essa seria levada a um fim. Nisso, Ebeling pode ser visto expressando as
: rnticada
preocupações que estão por trás da “nova busca do Jesus histórico”. Ebeling
7 unidade
aqui revela um a deficiência fundam ental na cristologia de Bultm ann: ela ter
t mais do
total falta de abertura à investigação (talvez “verificação” seja um term o m uito
s um páti-
forte) à luz da erudição histórica. N ão poderia a cristologia repousar sobre um
ue Hans
erro? C om o podem os saber que há um a transição justificável da pregação de
::m o “re-
Jesus para a pregação sobre Jesus? Ebeling desenvolve críticas paralelas às que
r.: entan-
foram feitas em outra parte por Ernst K ásem ann,363 mas com um enfoque
i "ntexto
136

teológico, em vez de um enfoque puram ente histórico. Mais im portante para


nossos propósitos é o fato de Ebeling enfatizar que, mesmo o m ínim o das Dass
de B ultm ann, realmente requer justificação em term os de das Was ou das Wie
— isto é, em termos do conteúdo implícito do querigma. Esta m esm a questão
parece emergir com o essencial em relação à atitude de Frei diante da história.
O evangelicalismo tem dificuldade com qualquer abordagem, se for orig­
inária de B ultm ann ou de Frei, que aparentem ente se situe tão levianamente
para com a história. Não é acidente o evangelicalismo dar alta ênfase à importância
dos estudos avançados do Novo Testamento. Não é m eram ente a lógica interna
do Novo Testamento que é vista como im portante; é a demonstração de que
essa lógica pode ter surgido em resposta a pressões genuínas, como conseqüên­
cia do que é conhecido sobre a história de Jesus de Nazaré. Isso em nenhum
sentido faz a cristologia dependente de um a figura histórica “desconhecida”. Ao
contrário, tenta descobrir e explorar a correlação entre história e teologia no
Novo Testamento.364 çac
liv;
C onclusão
Q ual é o futuro relacionamento entre evangelicalismo e pós-liberalismo? É h a v tr.i
claro que o diálogo ainda está num estágio inicial. Em especial, deve-se notar dize: a
que o pós-liberalismo ainda é mais bem visto talvez como um program a de sentr z:
pesquisa, em lugar de um conjunto definitivo de doutrinas.365 N o entanto, como do r : ;-
Jeffrey Stout certa vez comentou, um a preocupação com um m étodo somente é tex :: v
como lim par sua garganta antes de um a preleção pública: você só pode fazer isso poce ;:
um pouquinho antes de seu auditório perder interesse. E mais cedo ou mais
tarde, o pós-liberalismo terá de se dirigir a um a série de questões doutrinárias de Defin
grande im portância para o evangelicalismo. Será nessa conjuntura que o relacio- r_
nam ento futuro desses dois movimentos ficará mais claro. Todavia, a identidade
a o c ::
de pelo menos algumas das questões que o evangelicalismo desejará dirigir ao
é ccn:
pós-liberalismo é clara; sobre várias delas já tratamos neste capítulo. O diálogo
criscia
será claramente tanto crítico quanto positivo, e pode bem ser de importância
ser cr.,
considerável tanto para a academia como para a igreja.
argura
Nossa atenção agora se desloca para a agenda enorm em ente complexa e
e m c:
convoluta que foi lançada para o evangelicalismo pelo surgim ento e queda da ,
a j •j j ” taQa
m odernidade .
de n a
grau :
prem:

(Eurc
a reliu
EVANGELICALISMO E PÓS-MODERNISMO

O term o “pós-m odernismo” alcançou im portância própria na metade da


década de 1970. Em bora tivesse sido usado antes, ganhou cada vez mais aceita­
ção e credibilidade dessa época em diante, especialmente com a publicação do
livro La conditionpostmoderne, de Jean-François Lyotard, em francês, em 1979,
e em inglês, cinco anos depois. O term o já ganhou am pla aceitação, mesmo
havendo debate continuado sobre o que ele significa precisamente, e pode-se
dizer que oferece correta avaliação do tom cultural contem porâneo. N o pre­
sente capítulo, nosso interesse está em explorar os contornos desse m ovim ento
do pós-m odernism o, e avaliar as implicações para o evangelicalismo nesse con­
texto. Com eçam os explorando o Ilum inism o, para o qual o pós-m odernism o
pode ser visto com o um a reação.

D efinindo o Ilum inism o


Em algum ponto por volta de 1750, um a m udança im portante começou
a ocorrer na E uropa ocidental e na Am érica do N orte. O período em questão
é conhecido com o “Ilum inism o”, destinado a causar grande im pacto sobre o
cristianismo naquelas regiões.366 A característica prim ária do m ovim ento pode
ser encontrada em sua declaração da onicom petência da razão hum ana. A razão,
argumentava-se, era capaz de revelar tudo o que precisamos saber sobre Deus
e m oralidade. A idéia de algum a espécie de revelação sobrenatural era descar­
tada, por ser julgada sem im portância, irrelevante. Jesus Cristo era apenas um
de m uitos mestres religiosos, que nos contou coisas que qualquer um com certo
grau de senso com um , de alguma forma nos teria contado. A razão reinava su­
prema.
As regiões do m undo em que o Ilum inismo ganhou sua m aior influência
(Europa ocidental e América do Norte) foram aquelas em que o cristianismo era
a religião dom inante. Com o resultado, o cristianismo foi, entre todas as religiões
138

do m undo, a mais atingida por devastadoras e penetrantes críticas, nas mãos


desse racionalismo agressivo. As críticas dirigidas contra o cristianismo pode­
riam igualm ente ter sido dirigidas, por exemplo, contra o judaísm o ou o islã;
com raras exceções, não o foram. O resultado desse assalto frontal foi criar
algo que quase chegava a um a m entalidade em estado de sítio em partes do
cristianismo.
Alguns receberam bem essa evolução, vendo-a como um a m udança per­
m anente na cultura hum ana. O s que contribuíram para The M yth o fG o d In-
carnate [O mito do Deus encarnado] (1977), obra de grande influência da
teologia liberal inglesa, parecem ter visto o Ilum inism o como algo que lhes
fora ofertado e fixado para todos os tempos. Estava aqui para ficar, e a teologia
era obrigada a se subm eter à sua hegem onia. U m dos que contribuíram para
isso, Leslie H oulden, argum entou que não temos nenhum a opção senão aceitar
a visão racionalista 4o Ilum inismo, e reestruturar nosso pensam ento cristão de
acordo com ele. “Temos de aceitar nossa sorte, legada a nós pelo Ilum inism o,
e tirar dele o m áximo proveito.”367 C ontudo, quando H oulden ainda estava
escrevendo, a visão de m undo do Ilum inism o estava m orrendo.
A ascensão do m ovim ento que é agora geralmente conhecida com o “pós-
m odernism o” através do m undo ocidental é um resultado direto do colapso
dessa confiança na razão, e um a desilusão mais geral com o assim-chamado m undo
“m oderno”.368 Pós-modernism o é o m ovim ento intelectual que proclama, em
prim eiro lugar, que o Ilum inism o apoiava-se em fundam entos intelectuais
fraudulentos (como a fé na onicom petência da razão hum ana), e, em segundo,
que ele prenunciou alguns dos mais horríficos eventos da história hum ana —
com o os expurgos de stalinistas e os campos de extermínio nazistas.369 A nova HrU:
disposição cultural que se desenvolveu na década de 1980 rebelou-se contra o
Ilum inism o. Q uem quereria qualquer coisa com um m ovim ento intelectual­
m ente dúbio, que tinha dado surgim ento ao holocausto nazista e aos expurgos
stalinistas? N a década de 1880, Nietzsche declarou, um tanto prem aturam ente,
como acabou sendo revelado, que “Deus está m orto!” Mais recentem ente, é a de
m orte do Ilum inism o que está sendo proclam ada. A inda está longe de ser ou
claram ente revelado o que vai substituí-lo. O que está claro, no entanto, é que de c .
a camisa de força, claustrofóbica e restritiva, colocada sobre o cristianismo C a\.I
ocidental pelo racionalismo, se foi. poct
A interação entre o “Ilum inism o” e a “m odernidade” é sabidam ente com ­ tuc:
plexa, form ando um paralelo, pelo m enos em alguns respeitos, com a relação cia c.
entre o “Renascim ento” e o “H um anism o”.370 Para alguns comentaristas, um
pode ser considerado m ovim ento cultural; o outro, seu cerne ideal ou intelec­ que ;
tual. Para outros, o relacionam ento é m uito mais m atizado, cheio de nuanças, etnc,
havendo pelo m enos áreas substanciais de superposição, se não um a total iden­
tidade, fazendo assim uso continuado dos dois term os equivalentes a um a
distinção sem um a diferença.
A preocupação fundam ental que diz respeito ao em preendim ento do Ilu-
m inismo pode ser expressa no seu interesse em privar os seres hum anos de suas
“particularidades”, deixando nu o cerne da natureza hum ana — um ser “inde­
pendente autônom o, e assim essencialmente moral não-social”.371 Para o Ilumi-
nismo, a “particularidade” era escandalosa, em que expunha a descrédito o axioma
central dos constantes universais da hum anidade. A natureza e a racionalidade
hum anas permaneciam as mesmas, independentem ente de sua localização espe­
cífica histórica, social, cultural ou cronológica. O “projeto Ilum inism o” inteiro
pode, portanto, ser entendido como um esforço sustentado da parte de seus
pensadores para desenvolver a ciência, moralidade e lei universal objetivas, e arte
autônom a segundo sua lógica interior.372 Por trás das contingências históricas da
religião, pois, um princípio universal e racional era para ser discernido, que trans­
cendia cada um a de suas manifestações ou representações específicas.
As características gerais desta abordagem podem ser vistas no ensaio de
1787, escrito por G. W! F. Hegel, que trata da história da religião grega e
rom ana.373 As particularidades da religião clássica — ele argum entava— eram
devidas aos específicos políticos e culturais de um sistema em que líderes reli­
giosos, de família e tribais m antinham autoridade sobre seus sujeitos por meio
de várias formas de m anipulação. E ntretanto, um a elite intelectual emergia,
capaz de discernir as verdades universais que estavam por trás dessas particu­
laridades, em ancipando assim as pessoas de superstições religiosas opressivas.
Hegel argum entava que o mesmo m odelo poderia ser discernido na A lem anha
m oderna. Por um lado, havia um a religião pura, universal e ética da razão. Por
outro, estavam as particularidades do cristianism o, às quais m uitas pessoas
com uns estavam profundam ente presas. O único m odo em que o progresso
poderia ser experim entado era m anter um com prom isso com algum a espécie
de cristianismo, enquanto, ao m esm o tem po, suas pretensões à im portância
ou universalidade eram enfraquecidas. Por esta razão, Hegel defendia a idéia
de que o cristianismo deveria ser interpretado como um a de várias corporifi-
cações de um a religião universal da razão. Nessa obra dos prim eiros tem pos,
podem os ver um im pulso fundam ental de m odernism o: o desejo de incluir
tudo sob um a narrativa centralizadora — neste caso, a suprem acia e suficiên­
cia da razão hum ana sem ajuda.
C ontudo, logo ficou claro que isso era pouco mais do que um sonho. O
que escritores do Ilum inism o tinham presum ido ser “universal” m ostrou ser
etnocêntrico. A ênfase sobre o pensam ento individual m ostrou ser pouco mais
do que um a falha para perceber até onde os pensadores ditos “livres” eram, na
verdade, condicionados por sua história e cultura. Kant, talvez o mais vigoroso
defensor do Ilum inism o, foi severamente condenado pelo filósofo alemão Jo-
hann Georg H am ann (1730-1788), que teve pouca dificuldade em m ostrar
que o “sujeito conhecedor” de K ant era fundam entalm ente form atado por
forças sociais não reconhecidas374 — forças que eventualm ente tornariam todo
o em preendim ento do Ilum inism o espúrio.
Nossa atenção agora se volta para as notáveis invasões que o Ilum inism o
fez dentro do evangelicalismo.

A influência do Ilum inism o sobre o evangelicalism o


O Ilum inism o é cada vez mais um a voz que vem do passado, com um a
im portância cada vez m enor para a apologética evangélica e para a reflexão
teológica. N ão possui mais a influência, quer positiva ou negativa, que um dia
possuiu; todas as indicações sinalizam para o fato de que, no futuro, sua in­
fluência dim inuirá mais ainda. C om a m orte lenta do Ilum inism o tem sur­
gido um descrédito geral do racionalismo. A razão não é mais considerada
com o possuidora de potencial para entregar, ela só, as descobertas teológicas
das quais a igreja precisa depender. Isso, porém , não significa que a razão deixou
de ser teologicam ente im portante. Simplesmente quer dizer que o cam inho
está livre para se recuperar o papel da razão na teologia, agora que as distorções
e ilusões do racionalismo ficaram para trás de nós. Rejeitar a supremacia da razão
em teologia de m odo nenhum é rejeitar o papel real e válido da razão neste
contexto,375 racionalismo é um a coisa; um a fé racional é coisa bem diferente. A
razão sempre terá um papel a desem penhar dentro do evangelicalismo. Com o
T heodore Beza declarou em seu pronunciam ento na inauguração da Academia
de Genebra, em 5 de junho de 1559: “visto que D eus nos dotou, com o m em ­
bros da raça hum ana, com inteligência, estamos sob um a obrigação de usar essa
dádiva”.376 Toda a diferença do m undo, entretanto, está entre ver a razão com o
único m eio de ganhar conhecimento, e o reconhecimento evangélico do papel
apropriado, mas lim itado da razão dentro do esquema da auto-revelação de
Deus. Curiosam ente, porém , o evangelicalismo foi profundam ente influen­
ciado pelo racionalismo do Ilum inism o. N o que se segue, exploraremos as
razões para essa influência, e a extensão de sua ação.
Alguém poderia pensar que o evangelicalismo recusaria o racionalismo
duro do Ilum inism o. N a realidade, contudo, o evangelicalismo se tem m ostra­
do mais aberto a tais idéias e m étodos do que m uitos dentro do m ovim ento
poderiam querer admitir. As origens desse relacionam ento estreito entre o Ilu-
m inism o e evangelicalismo é um a questão de debate histórico; há pelo menos
141

;-ram, na algumas bases para sugerir que tendências dentro do próprio protestantism o
- u^oroso foram responsáveis pelas origens do Ilum inism o.377 Q ualquer que seja a expli­
emão Jo- cação, é ela m atéria de fato histórico que a visão de m undo do Ilum inism o, em
: mostrar várias formas locais, veio a ser dom inante naquelas áreas onde o evangelicalis­
.rado por mo expandiu-se com o conseqüência dos reavivamentos e renovações do sécu­
:am todo lo XVIII, e em que teve de se defender no século XIX.378 Assim, o Ilum inism o
teve pouco im pacto em países com o a Espanha, Grécia e Itália,379 nos quais o
m inismo evangelicalismo não tinha quase nenhum a presença, mas foi dom inante na
Alemanha, Inglaterra, Escócia e América do N o rte.380 C om o resultado, um
bom núm ero de pressupostos fundam entais do Ilum inism o parecem ter sido
10 absorvidos sem crítica no m ovim ento nesses estágios formativos.
::m u m a U m excelente exemplo é dado pela “filosofia do senso com um ”, um estilo
. reflexão de filosofia com linhagem reconhecidam ente reformada, mas fortem ente in­
e um dia fluenciada por idéias do Ilum inism o, que emergiu nas universidades de Glas-
i. íua in- gow e Edinburgo, em fins do século XVIII, e foi associada com pensadores
rzm s u r­ como Francis H utcheson, Thom as Reid, A dam Sm ith, A dam Ferguson, H ugh
is iderada Blair e W illiam R obertson.381 Essa filosofia, particularm ente nas formas asso­
í : -ógícas ciadas com Reid e H utcheson, foi introduzida na escola que se tornaria na
deixou Princeton University (naquele tem po, ainda conhecida com o a “College of
cam inho N ew Jersey”), por John W itherspoon, que m igrou da Escócia para ser presi­
círorções dente da faculdade, em 1768.382 C ontudo, paradoxalm ente, ela deve ser vista
aa razão como um a “vanguarda liberal” em lugar de ser considerada com o “conserva­
’l z ' neste dores levando razão a serviço de um a ortodoxia decadente”.383
::=nte. A O desenvolvimento do Ilum inismo na América do N orte assim testem u­
C om o nhou um a aliança emergindo entre o que H enry F. M ay descreve como “Iluminis-
.cademia mo moderado” e formas de teologia reformada no auge do “Grande Despertamento”
i: m em - no cristianismo na América do N orte.384 O resultado abrangente dessa con­
u>ar essa fluência foi que o fervor evangélico do “grande despertam ento” foi temperado
l : com o por formas do moralismo e racionalismo do Ilum inismo, especialmente em Prin­
a? papel ceton, O s resultados logo ficaram óbvios. Harvard, que adotou a mesm a filoso­
lação de fia, até 1810 já era unitariana. A visão teológica em Princeton era inicialmente
m rluen- dom inada por Archibald Alexander, conhecido pela feroz reputação de ser refor­
tm o s as m ado com pontos de vista radicalmente ortodoxos. N o entanto, o fundam ento
filosófico sobre o qual essas óticas foram construídas e as bases em que foram
ir.adsmo desenvolvidas, são as do Ilum inism o escocês. C om o Ahlstrom comenta, se al­
mostra- guém fosse ler Outline o f M oral Science [Um esboço da ciência moral], de Alexan­
r.m ento der, e não conhecesse a identidade de seu autor, concluiria simplesmente que a
11 O Ilu- obra era de “algum inglês latitudinário m oderado interessado em difundir os
) menos pontos de vista de Butler, Reid e Price”.385 N a realidade, um a tensão desestabi-
lizadora existe entre a substância teológica da escola de Princeton e a filosofia evangélic;!
usada na sua justificação, defesa e exposição. E Princeton era para ser o cadi­ wick AIo _.i
nho no qual as grandes teorias evangélicas de inspiração e autoridade bíblica Carl H er.r
eram forjadas. O resultado? As teorias de escritores como Charles H odge (1797- um a ‘‘revr]
1858) são profundam ente influenciadas pelos preconceitos do Ilum inism o. um apeu
C om o George M arsden m encionou, a teologia de Princeton foi dom inada afirmaçã: i
pela suposição de que “qualquer pessoa sã e sem preconceitos de juízo poderia da própria
e precisava perceber as mesmas coisas” e que “verdades básicas são, em grande para H en n
escala, as mesmas para todas as pessoas em todos os tem pos e lugares”.386 é possíve.
O to m fortem ente racionalista dessa filosofia é particularm ente evidente O u;-j
nas obras de Benjam in B. W arfield,387 mas é claram ente evidente nas obras fundam e r. i
dos prim eiros tem pos de Charles H odge. Em sua análise perceptiva da teoria protestar:;
dedutivista de inspiração bíblica associada com Hodge, Kern R obert Trem- alta “cor.rj
bath dem onstra o quanto a sua teologia já dependia da “filosofia escocesa do que lógici
senso com um ”. Por exemplo, H odge tende a evitar a questão crítica da exten­ fornece : :
são até onde a razão hum ana pode ser falha ou mal dirigida como conseqüên­ O reri
cia de pecado, conduzindo a um a estimativa questionavelmente alta do papel da a “um 1:yt
razão hum ana na teologia. “Hodge deixou de notar até que ponto sua aceitação tornar a v;
sem críticas de filosofia de senso com um divergia dos conceitos tradicionais decaída. D
agostinianos e calvinistas da totalidade dos efeitos do pecado original”.388 que a revtl
Mais significativamente, talvez, a filosofia de linguagem associada com a nosa. Q uu
escola “do senso com um ” causou impacto dramático na compreensão de Hodge com pro r :;
a respeito da im portância da linguagem bíblica. Palavras podem ser conhecidas finitas c u:
direta e im ediatam ente pela m ente hum ana, sem a necessidade de quaisquer revelaçã: :
intermediários. Conhecer as palavras da Escritura é, portanto, saber im ediata­ aprisionou,
m ente com que realidades elas têm relação.389 Esta teoria da língua é de im ­ tem dese :
portância fundamental, porque oferece alicerce à crença de Hodge de que, hoje, surgiu nu j
o leitor da Bíblia pode estar “seguro de encontrar m uitos pensamentos, palavras caram a .:i
e intenções do próprio Deus”.390 C ontudo, essa idéia metafísica foi emprestada, trabíblic u?
junto com outras de igualmente questionável paternidade teológica, do Ilumi- efeito 'en;:
nismo. A análise de H odge sobre a autoridade da Escritura é, em últim a instân­ ta por H ::
cia, baseada em um a teoria não reconhecida e implícita da natureza da linguagem, As
que se deriva do Ilum inismo, e reflete a ordem dessa corrente filosófica. há m u i:: k
T ão grande foi a influência da antiga escola de Princeton, que seu racio­ destacou o
nalismo passou para o evangelicalismo estado-unidense reform ado m oderno. doria hu.r:
Evangélicos, inconscientes da procedência complexa da abordagem de Prince­ graves c í >
ton, contentaram -se em absorver seus resultados, sem se preocupar em per­ divina e ::
guntar de onde eles vinham . D onald G. Bloesch já argum entou que um espírito palavras. j
fortem ente racionalista pode ser discernido m esm o dentro dos escritos desses mano. E ;r
143

[; sofia evangélicos m odernos estado-unidenses, com o Carl F. H . Henry, Jo h n War-


: ,;adi- wick M ontgom ery, Francis Schaeffer e N orm an Geisler.391 Assim, até m esm o
nblica Carl Fíenry pode oferecer tais reféns à sorte, com o sua afirmação da crença em
“ 97- um a ‘revelação divina logicamente coerente”.392 Por fim, Fíenry arrisca fazer
-.ismo. um apelo im plícito por um a base epistemológica mais fundam ental em sua
::oada afirmação da autoridade da Escritura, levando à conclusão de que a autoridade
deria da própria Escritura é derivada desta autoridade mais fundam ental. Assim,
m nde para Fíenry, “sem não-contradição e consistência lógica, conhecimento nenhum
•: é possível”.393
iie n te O uso não-crítico da expressão “logicamente coerente” reforça a crítica
roras fundam ental de Bloesch de que essa tradição, em anando do escolasticismo
:eoria protestante e da antiga escola de Princeton, coloca um a questionavelm ente
Trem- alta “confiança na capacidade da razão para julgar a verdade de revelação”. A
e ,; do que lógica vai-se perm itir esse papel central? D e quem é a racionalidade que
exten- fornece a base para a autoridade escriturai?
v üên- O perigo desta abordagem será óbvio. N ão é só isso que reduz a Escritura
re i da a "um livro de códigos de ordenanças teológicas’;394 ele abre cam inho para
iracão tornar a verdade da revelação divina dependente dos juízos da razão hum ana
í onais decaída. D entre todas as pessoas, os evangélicos são quem não pode perm itir
que a revelação seja aprisionada dentro dos limites da razão hum ana pecami-
;;m a nosa. Q ualquer que seja a extensão à qual a m ente hum ana é noeticam ente
í odge com prom etida pelo pecado, torna-se imperativo que a essas m entes hum anas
eeidas finitas e decaídas não seja perm itido serem os juizes do que é e do que não é
bquer revelação divina. C om o pode a teologia com tão boa vontade perm itir-se ser
éiata- aprisionada por “especialistas” em lógica? O evangelicalismo m oderno não
|c im _ tem desejo nenhum de seguir o cam inho do “racionalismo evangélico”, que
. hoje, surgiu na segunda m etade do século XVI quando escritores evangélicos bus-
liivras caram alcançar aceitação e credibilidade cultural perm itindo que norm as ex-
s:ada, trabíblicas validassem ou julgassem o testem unho escriturai. C ontudo, este é o
lum i- efeito (em bora não seja a intenção — estou convencido) da estratégia propos-
i?:àn- ta por Henry.
ar em, As sérias conseqüências de um a evolução com o essa já foram reconhecidas
há m uito dentro da teologia crista. Escrevendo no terceiro século, Tertuliano
r^cio- destacou o perigo de basear ou julgar o evangelho no que passava por sabe-
[erno. doria hum ana.395 U m excelente estudo de caso, ilustrando as conseqüências
m ce- graves de se falar de m aneira indefinida sobre a “natureza lógica” da revelação
[ oer- divina é oferecida pela doutrina das duas naturezas de Cristo — em outras
pirito palavras, o ensino definitivo cristão de que Cristo é tanto divino com o hu-
iesses m ano. Esta doutrina cristã fundam ental, com a qual o evangelicalismo está
fortem ente com prom etido, tem sido criticada regularmente, por filósofos secu­
lares, com o “ilógica”. M esm o no período patrístico, esses filósofos eram rápi­
dos na sua indicação dessa alegada falha lógica na doutrina.
Essas críticas foram intensificadas no tem po do Ilum inism o, com m uitos
críticos do cristianismo tradicional seguindo Espinosa em declarar que falar de
Jesus, como D eus e como hom em , tinha mais ou m enos o m esm o sentido de
falar num círculo quadrado. H en ry deixa o evangelicalismo intensam ente — e
desnecessariamente — vulnerável nesse ponto. Efetivamente, alguns evangéli­
cos têm até desenvolvido cristologias de “um a-natureza”, em resposta à pressão
racionalista, sendo aqui endossada por Henry, para se conform ar à “lógica”, a
despeito das conseqüências seriamente não-ortodoxas desse ato.396 C ontudo,
por que os evangélicos deveriam sentir-se tão pressionados para conformar-se
aos ditames altam ente questionáveis dos limites da razão do hom em decaído?
E quantas vezes já foi apontado, mesmo por filósofos seculares, que “a lógica é
o inim igo da verdade”?
Se revelação divina parece ser logicamente inconsistente em certas horas
— o que, sem dúvida acontece: veja a doutrina das duas naturezas de Cristo
— , isso não pode ser aceito como significando que a doutrina em questão está
errada, ou que, por causa de seu caráter “ilógico”, a doutrina não é revelação
divina. Ao contrário, isso ilustra m eram ente o fato de a razão hum ana decaída
não poder com preender plenam ente a majestade de Deus. Este ponto foi coloca­
do regularm ente por escritores cristãos tão diversos quanto Tomás de Aquino
e João Calvino.
Se fosse seguir a liderança de H enry nessa conjuntura, o evangelicalismo
se colocaria na estrada que inevitavelmente perm ite à razão hum ana julgar a
revelação de Deus, ou tornar-se sua base final. Essa é um a estrada que o evan­
gelicalismo nao se pode perm itir tomar, m esm o que tenha oferecido, por um a
vez, um a vantagem apologética de curto prazo dentro de um a cultura que
aceitou a visão de m undo do Ilum inism o. Isso, porém , foi ontem . Hoje, o
evangelicalismo está livre para evitar o falso engodo do fundam entalism o, e
m anter a integridade da divina revelação em seus term os e em suas categorias.
Deixe que a Escritura seja Escritura!
O estilo teológico adotado por H enry dá tam bém a impressão de preferir
tratar com princípios gerais ou “fatos objetivos” — noção caracteristicamente
Ilum inista — em vez de com a narrativa histórica da revelação.397 H enry in­
siste, à m oda verdadeira do Ilum inism o, que todos os aspectos da Bíblia, e
cada um deles, podem ser reduzidos aos prim eiros princípios ou axiomas lógi­
cos. “Irrespectivo das parábolas, alegorias, expressões emotivas e perguntas
retóricas usadas por esses escritores [bíblicos], seus dispositivos literários têm
145

>secu- um ponto lógico que pode ser form ulado proposicionalm ente e que é verda-
i rápi- deiro ou falso”.398 H enry adota um a abordagem que H ans Frei discerniu como
característica do racionalismo: a extração de declarações proposicionais lógicas
r.uitos de um trecho de escrita essencialmente narrativo.
Lir de Fica claro, então, que um grupo de escritores evangélicos im portantes tem,
ico de implícita ou explicitamente, tirado idéias de pressupostos associados com o Ilu-
e— e minismo, em vez de tirá-las da tradição crista. H á aqui um óbvio e im portante
L r.géli- paralelo com o desenvolvimento da teologia cristã durante o período patrístico,
ressão no qual um a igreja confiante e crescente desenvolveu-se de seu contexto original
u; , a palestino para entrar em um contexto mais intelectualmente sofisticado, dom i-
i:udo, nado pelas idéias da filosofia grega secular. Deve ser salientado que o desen-
r.ar-se volvim ento em que isso aconteceu e suas implicações precisas para a teologia
:a:do? crista perm anecem disputadas.399 N ão obstante, há um acordo amplo de que
ç:ca é a teologia cristã prim itiva furtou algumas das roupagens da filosofia grega a
fim de assegurar que fosse ouvida no m undo helenístico.400 E nquanto as preo-
noras cupaçÕes iniciais podem ter sido apologéticas — isto é, conseguir que o evan-
In s to gelho fosse ouvido por um auditório secular — parece que o “diálogo” acabou
está com o cristianismo sendo decisivamente influenciado pelas idéias e visões de
5-àção m undo daqueles a quem buscava se dirigir.
;caída E tentador argum entar que isso representa um a rendição por parte da
j-oca- teologia cristã à filosofia grega, provocando o célebre rom pante de Tertuliano:
quino “O que há em com um entre Atenas e Jerusalém? E ntre a academia e a igre­
ja?”401 E ntretanto, um a leitura mais sensível das fontes sugere um a explicação
-:im o mais significativa — e potencialm ente mais preocupante — explanação de
ija r a desenvolvimentos. Os teólogos cristãos do período patrístico parecem ter as-
evan- sum ido que certas idéias e m étodos eram auto-evidentem ente corretos e não
' um a exigiam justificativas. Era inteiram ente natural e apropriado incorporar essas
£ que percepções “neutras” à teologia. Mais do que isso; com o eram com partilhadas
c e. o por todas as pessoas pensantes, podiam atuar, inicialmente, com o base de um a
!T-0 , e estratégia apologética e, subseqüentem ente, com o base de um a teologia cristã
;c:ias. coerente. C om base na percebida “neutralidade” e “universalidade” de idéias
filosóficas gregas, a teologia cristã assim se tornou cada vez mais entranhada
'ererir num a série de aventuras intelectuais que a levaram mais e mais longe do evan-
r.ente gelho do Novo Testamento.
rin- O evangelicalismo tem sido afetado de m odo m uito semelhante pelo Uumi-
>.:a. e nismo. Certas idéias centrais do Ilum inism o parecem ter sido trazidas a bordo,
' -Ogi- sem crítica, por alguns evangélicos, com o resultado que parte do m ovim ento
uutas que corre o risco de se tornar prisioneiro secreto de um a visão secular que já
5 tem está perdendo a vitalidade, está m orrendo a olhos vistos. Os evangélicos têm a
responsabilidade absoluta de assegurar que suas idéias centrais sejam baseadas
na Bíblia, nao no resultado da influência do Ilum inism o. Deixar de fazer isso
é perm itir que idéias e valores originários de fora da fé crista exerçam influên­
cia controladora dentro dela — é inevitavelmente aum entar, assim, o grau em
que a teologia é culturalm ente condicionada.
D e que formas essa influência do Ilum inism o se mostra? Q uatro áreas
podem ser identificadas, com o se segue.

1. A natureza da Escritura
Existe um a tendência dentro do evangelicalismo de tratar a Bíblia sim ­
plesm ente com o um a fonte de doutrinas cristãs, e de negligenciar, suprim ir ou
negar seu cunho narrativo. Já discutim os o trabalho de H ans Frei (ver p. 89-
90), que argum enta que um a das mais distintas características da herm enêuti­
ca bíblica durante o período do Ilum inism o foi negar seu caráter narrativo, ou
tratá-lo como um tanto embaraçoso, sendo m elhor tratá-la como um a fonte de
onde extrair a informação conceituai que se pudesse ter.402 Particularm ente, Frei
traça o desenvolvimento dessa tendência para reduzir o sentido da Escritura a
“um a afirmação proposicional gram atical e logicam ente sadia” à influência
continuada da filosofia de John Locke durante o século X V III.403 A tendência
geral de tratar a Bíblia puram ente com o um livro-fonte de verdades pura­
m ente proposicionais pode ser argum entada de m aneira a encontrar base es­
pecialm ente na antiga escola de P rinceton, em particular nos escritos de
Charles H odge e Benjam in B. W arfield, em que a influência das pressuposições
do Ilum inism o é especialmente fácil de ser notada.
Felizmente, o evangelicalismo está agora com eçando aos poucos a lim par
de si este dúbio vestígio do Ilum inism o,404 e movendo-se em direção a um a
posição que é bem mais sensível à natureza da própria Escritura. Por exemplo,
há m aior sensitividade ao papel de narrativas, particularm ente no Antigo Testa­
m ento, em que as narrativas bíblicas podem ser vistas somadas umas às outras
para resultar num a narração cum ulativa da natureza e caráter de D eus.405 Em
vez de forçar a Escritura a um m olde ditado pelas preocupações do Ilum inis-
mo, o evangelicalismo pode dedicar-se a perm itir que a Escritura seja Escritu­
ra.

2. Espiritualidade
Existe um a tendência de ver espiritualidade em termos de entendim ento do
texto bíblico — isto é, a leitura da Bíblia tirando sentido de suas palavras e
idéias, e entendendo seu fundo histórico e seu sentido para hoje. A ênfase con­
tinua a ser sobre a razão, sobre o raciocínio. N o entanto, precisamos ir para trás
147

■- baseadas do Ilum inismo, e recuperar as mais antigas e mais autênticas abordagens à espiri­
: nzer isso tualidade, como as que são encontradas em escritores como Jonathan Edwards,
r. ínfluên- ou John e Charles Wesley. O etos fortemente racionalista do Ilum inism o foi
c j a u em muitas vezes refletido no que se pode chamar de um embargo espiritual em
qualquer espécie de envolvimento emocional com a Escritura, ou qualquer uso
-i::o áreas da faculdade hum ana da imaginação — duas abordagens à leitura da Bíblia que
o evangelicalismo de tempos anteriores tinha em grande estima.
Ê am plam ente aceito o fato de o protestantism o, em todas as suas formas,
ter sido influenciado pelo racionalismo do Ilum inism o em grau m uito m aior
',r.ia sim- do que o Catolicism o R om ano ou a O rtodoxia Grega do Leste da Europa. Isso
r n m ir ou tem causado um im pacto devastador sobre a espiritualidade evangélica, e o
i-cr p. 89- colocou em séria desvantagem em relação à espiritualidade tanto do Catolicis­
r~enêuti- m o rom ano com o da O rtodoxia Oriental. O Ilum inism o forçou o evangeli­
ri.:ivo, ou calismo a adotar atitudes para chegar à espiritualidade que resultaram em
í :onte de abordagens um tanto frias, impessoais e racionais, com relação à Escritura. O
:cnie, Frei tradicional “tem po devocional” tem sido profundam ente influenciado por esse
.tritu ra a ponto de vista.406
r.rluência C ontudo, o Ilum inism o acabou. Precisamos expurgar, remover, o racio­
[er.dência nalismo de dentro do evangelicalismo. E isso significa recuperar os aspectos
2 es pura-
relacionais, emocionais e imaginativos da espiritualidade bíblica, que o Ilum i-
r o ase es­ nism o declarou serem im próprios. C om o M artinho Lutero insistia constante­
critos de m ente, o cristianismo está interessado no totus homo, a “inteira pessoa hum ana”,
-rosições não só a m ente hum ana. A firm ando isso, Lutero não estava fazendo nada mais
do que enfatizando a im portância de se m anter um entendim ento bíblico de
i. limpar natureza hum ana em todos os aspectos do viver cristão.
í : a um a O escritor australiano R obert Banks m enciona as implicações para a es­
exemplo, piritualidade dessa visão bíblica da natureza hum ana quando observa que es­
j Testa- piritualidade diz respeito “não só ao nosso espírito — tam bém à nossa m ente,
15 outras vontade, imaginação, sentim ento e corpo”. Esta percepção era familiar à tradição
Em evangélica, antes do Ilum inism o. Está passando da hora de a redescobrirmos.
Luminis- Para Banks, espiritualidade é sobre “o caráter e qualidade de nossa vida com
i Escritu- Deus, entre irmãos em Cristo e no m u n d o ”. Banks deliberadam ente evita duas
abordagens inadequadas à espiritualidade: a prim eira é puram ente intelectual
ou cerebral, ocupando a m ente e nada mais; a segunda é puram ente interioriza­
da, não m antendo nenhum a relação com as realidades da vida de cada dia ou
r.ento do com as verdades da Escritura. Aqui, temos m uito terreno perdido para pôr em
t-ivras e dia. Isso, porém , pode ser feito. Podemos recuperar a nossa herança, buscando
r.». con- as abordagens evangélicas à espiritualidade que foram suprim idas pelo Ilum i-
r ira trás nism o, mas que são de im portância vital, hoje.
148

3 • Apologética
Em relação à apologética, o evangelicalismo já se m ostrou disposto a operar
dentro do paradigm a de um a racionalidade com o a que influenciou o texto
clássico de apologética racionalista de John Locke, The Reasonableness ofChris-
tianity [A racionalidade do cristianismo] (1695). C om base no pressuposto alta­
m ente questionável de que “todo m undo concorda com o que é razoável”, as
credenciais racionais da fé cristã são apresentadas. Esta abordagem, porém ,
m ostrou-se profundam ente falha em dois respeitos. Prim eiro, tom a por certo
que o apelo do cristianismo é puram ente racional; segundo, baseia-se sobre
um a rede de pressupostos universais que deixam de se relacionar com os meios
fortem ente particularizantes em que o evangelho precisa ser proclam ado no
nível global. C om o o evangelicalismo já se expandiu m uito além de suas terras
tradicionais de fala inglesa, por exemplo, essas dificuldades se tornam especial­
m ente evidentes. E m esm o em tradicionais terras próprias, o Ilum inism o tem
em grande parte dado cam inho a pontos de vista pós-m odernos.
Isso tem tido implicações significativas para a apologética evangélica no
contexto pós-m oderno (que não aceita mais o pressuposto fundam ental do
Ilum inism o, de um a racionalidade hum ana universal), e em contextos nao-
ocidentais (onde a razão “universal” em questão acaba se m ostrando inflexí­
vel). C om o resultado, m uita apologética evangélica é incapaz de funcionar
efetivamente nestes dois contextos significativos. N o caso do pós-m odernis-
m o, o evangelicalismo descobre que seu pressuposto de categorias universais
de evidência e racionalidade é rejeitado já de início, com isso im possibilitando ir".
cor:
um a apresentação efetiva do evangelho nesse contexto. N o caso de contextos
não-ocidentais, o evangélico é obrigado a converter um auditório a maneiras
rzz.
ocidentais de pensar antes da credibilidade do evangelho poder ser articulada.
C ontudo, onde no Novo Testam ento é a credibilidade ou a comunicabilidctde
do evangelho feita dependente de crenças não-cristãs assim? O evangelicalis­ P: -'
CU:
m o precisa perm itir que sua abordagem ao evangelismo seja rem odelada e
fo i:
feita pelo Novo Testam ento, em vez de por pressupostos antiquados de um já
defunto Ilum inism o. H á um sério perigo de que o evangelicalismo possa sim­
plesm ente prolongar a influência do Ilum inism o po r um endosso continuado
tra :
não-crítico de algumas de suas pressuposições e valores principais, dos quais
pelo m enos alguns são potencialm ente hostis ao etos evangélico.
pur
4. Evangelismo quz
a c
Finalm ente, em relação ao evangelismo, o evangelicalismo já se m ostrou
vulnerável a um a form a de racionalismo. C om base num a visão ilum inista de des:

m undo, o evangelicalismo se interessa em persuadir as pessoas da verdade do pa:.


evangelho — com aquela palavra crítica — verdade — sendo entendida de
m odo fortem ente racional como “correção proposicional”. O evangelismo diz
respeito à proclamação da verdade cognitiva do evangelho, com um a exigên­
cia por sua aceitação. H á um grande núm ero de dificuldades nesta abordagem,
mais significativamente em relação ao próprio conceito de “verdade”. U m con­
ceito não-bíblico de “verdade”, definido por considerações cartesianas em vez
de cristãs, vem a exercer um a função controladora.407 Q uando o Novo Testa­
m ento afirma que Jesus Cristo é a “verdade” (Jo 14.6), não pretende que nós
entendam os m eram ente que Cristo é proposicionalm ente correto. Neste con­
texto, “verdade” apresenta claram ente aspectos pessoais e cognitivos.
O evangelicalismo precisa redescobrir a riqueza e a distinguibilidade dos
conceitos bíblicos de verdade.408 A associação fundam ental da raiz hebraica
norm alm ente traduzida como “verdade” ou “verdadeiro” (como em “o Deus
verdadeiro”) é “algo ou alguém em que se pode confiar”.409 H á claros paralelos
aqui com a noção bíblica de “retidão”, que pouco têm a ver com noções ilu-
ministas de moralidade pessoal, mas que se relacionam essencialmente com fi­
delidade pactuai.410 A noção de confiabilidade pessoal, tão m agnificam ente
articulada no conceito de fé expresso por M artinho Lutero com o fiducia (con­
fiança), precisa ser vista como fundam ental para qualquer conceito de verdade
autenticam ente bíblica. O evangelismo é a proclamação e recom endação da
confiabilidade de Deus e do evangelho. E um a caricatura da idéia bíblica de
“verdade” igualá-la com a noção ilum inista da correspondência conceituai ou
proposicional, ou a visão derivada de evangelismo com o a proclamação da
correção proposicional da doutrina cristã.
Este conceito deficiente de evangelismo abre cam inho para os tipos de
racionalismo e formalismo que têm destruído a vitalidade da fé cristã no pas­
sado. A fé chega a significar pouco mais do que consentim ento intelectual a
proposições, perdendo a ligação vital e dinâm ica com a pessoa de Jesus Cristo,
que, para os cristãos, é — só ele — a verdade. As declarações do evangelho de
João precisam ser aceitas com a m aior seriedade: Jesus não apenas nos m ostra
a verdade, ou nos diz a verdade; ele é a verdade — e qualquer conceito de
“verdade”, incapaz de com preender o fato de a verdade ser pessoal, deve ser
tratado com intensa desconfiança pelos evangélicos.
“Verdade”, no sentido neotestamentário do termo, não é algo abstrato nem
puram ente objetivo; é pessoal, e envolve a transformação da inteira existência de
quem a apreende e é apreendido por ela. Neste ponto, é necessário redescobrir
a com pleta riqueza do conceito bíblico de verdade, e salvar o evangelismo
dessa noção truncada e secularizada de verdade. Em particular, as dimensões
pactuais do conceito bíblico de verdade devem ser apreciadas. O filósofo di­
nam arquês Soren Kierkegaard foi um a boa distância na direção de recuperar as
associações bíblicas de verdade, mais em sua insistência no conceito de que
conhecer a verdade é ser conhecido pela verdade. “Verdade” é algo que afeta
nosso ser interior, à m edida que nos envolvemos em “um processo de apropri­
ação da mais profunda interiorização”.411 D e m aneira nenhum a, isso é negar
ou tirar a ênfase dos aspectos cognitivos da teologia cristã. E m eram ente ob­
servar que a teologia é mais do que informações intelectuais. U m a teologia
que toca a m ente, deixando o coração intocado, não é teologia crista verdadei­
ra.
Tratar o evangelismo simplesmente como a proclamação de um evangelho
“objetivam ente verdadeiro” é fazer séria violência ao conceito neotestam entário
da proclamação de Cristo — não proposições sobre Cristo, mas a pessoa e
obra plenas do próprio Cristo. O conceito do “am or de D eus”, tão central ao
Novo Testam ento, nos lem bra que o evangelismo é sobre a proclamação de
um a verdade objetiva com a expectativa de que isso dará surgim ento a um a
resposta subjetiva — isto é dizer, um a resposta que envolva o coração, a m ente
e o ser total dos que a ouvem. As noções que o Ilum inism o desenvolveu sobre
“verdade” e “conhecim ento”, da form a em que críticos como Kierkegaard de­
fenderam com tanto vigor, não se encaixam com a natureza hum ana em toda
a sua plenitude; em vez disso, enfocam-se num a “fé” m eram ente cerebral, va­
zia de emoção e transformação.
O conceito de conhecim ento encontrado nos escritos de João Calvino
representa um a diretriz bem mais confiável para o evangelicalismo m oderno.
John Mackay, um expoente im portante estado-unidense da im portância de
João Calvino, assim escreve sobre o feito desse reformador:

Um sistema de pensamento religioso e uma forma de organização da igre­


ja, criados por um hom em cujo coração estava abrasado, não podem ser
fiéis à sua natureza, a não ser que a realidade de um a vida inflamada por
uma paixão por Deus e acostumada à comunhão com ele, receba uma
posição central. Pois bem fundo no coração do calvinismo, e no presbite-
rianismo em sua forma mais verdadeira e mais clássica, reside uma piedade
profunda, isto é, um a experiência pessoal de Deus ligada à devoção apaixo­
nada por ele.412

Todos esses elem entos precisam en co n trar sua e n trad a n u m a abordagem


evangélica responsável para com o evangelismo. A afirmação Joanina de que
Jesus Cristo é a verdade é um lem brete de que um a abordagem puram ente
proposicional da Escritura ou do evangelismo é seriam ente em pobrecida e
inadequada. Evangelismo é discurso preocupado em apresentar a pessoa de
Jesus Cristo, em toda a sua plenitude, ao m undo, a fim de que esse m undo
possa ser rem odelado e renovado à sua semelhança.
A luz desta análise, ficará evidente que o evangelicalismo está sob a obrigação
de assegurar que ele não permanece como um prisioneiro secreto do racionalis-
mo. Apelos ao “senso com um ”, muitas vezes, acabam por se tornar a aceitação
ingênua de um a visão de m undo racionalista, na qual valores e racionalidades de
fora da fé cristã vêm exercer um papel normativo dentro dela.

A m orte d a m odernidade
A pós-m odernidade é um a noção vaga e mal-definida, que talvez pudesse
ser descrita, em determ inado plano, como a perspectiva intelectual geral que
surge após o colapso da m odernidade.413 Em bora existam os que m antêm o
conceito de que a m odernidade ainda está viva e ativa, essa posição está se tor­
nando cada vez mais rara. A m odernidade acreditava num m undo que, em princí­
pio, poderia ser entendido e dom inado. A pós-m odernidade não apenas tende a
ver, em últim a análise, que o m undo está além da compreensão ou do domínio;
ela vê que essa compreensão e esse dom ínio, em qualquer dos dois casos, são
imorais. E então, na frase reveladora de Alan W ilde — “um m undo precisando
ser rem endado é suplantado por um que não tem mais conserto”.414
O pós-m odernism o é caracterizado por sua desilusão fundam ental com os
grandes temas da m odernidade, que, im pressionantem ente, ele coloca dentro
de um a bateria cética de isolamento feito por pontos de aspas: “...”. M esm o no
nível de sua ortografia, escritos pós-m odernos sobre “verdade”, “razão”, “justiça”
ou “realidade” tornam claro que o que um dia era visto como universal é tratado
agora com o ultrapassado [fora de moda] e questionável. Com o o analista cul­
tural O s Guinness observa:

Onde o modernismo era um manifesto de autoconfiança e autocongratula-


mento humanos, o pós-modernismo é uma confissão de modéstia, se não
de desespero. Não há verdade nenhuma; somente verdades. Não há nenhu­
ma grande razão; só razões. Não há civilização privilegiada nenhuma (ou
cultura, crença, norma e estilo); só uma multiplicidade de culturas, crenças,
normas e estilos. Não há justiça universal nenhuma; só interesses e a com­
petição de grupos de interesse. Não há nenhuma grande narrativa de pro­
gresso humano; só incontáveis histórias de onde pessoas e suas culturas estão
agora. Não há nenhuma simples realidade ou qualquer grande objetividade
de conhecimento universal, impessoal; só uma incessante representação de
tudo em termos de tudo mais.’ '
O traum a do H olocausto é agora geralmente visto com o um a acusação
poderosa e chocante das pretensões e ilusões da m odernidade.416 Tem havido
um colapso geral da confiança hum anista no poder da razão para providenciar
fundam entos para um conhecim ento universalm ente válido do m undo, in­
cluindo o conhecim ento de Deus. A razão não consegue apresentar um a m ora­
lidade adequada para o m undo real em que vivemos. E com esse colapso na
confiança nos critérios universais e necessários da verdade, o relativismo e p lu­
ralismo têm m edrado. C om o declarou Jean-François Lyotard, o pós-m oder-
nism o “refina nossa sensitividade para diferenças e reforça nossa capacidade de
tolerar o incom ensurável”.417 A implicação é clara: o pós-m odernism o elimina
o im pulso para se universalizar, criando um meio em que diferenças incom ­
patíveis podem ser toleradas. N u m a leitura pós-m oderna do m undo, o judeu e
o nazista podem coexistir, sem que cada um sinta a necessidade de gerar um a
ideologia que exija a eliminação do outro.
A tendência m odernista a um a universalização e uniform idade pode ser
vista particularm ente bem no cam po da arquitetura. A ideologia do design
associada ao m odernism o é baseada, pelo m enos em parte, na Escola Interna­
cional, fundada nas décadas de 1920 e 1930 por W alter Gropius e outros.418
O m ovim ento estava com prom etido para desenvolver a partir de um a escala
tecnicamente racional com ênfase em elementos funcionalm ente eficientes de
prédios, enfatizando, em especial, o uso do retângulo e da linha reta.419 Para os
que conceberam a técnica na década de 1920, o estilo seria liberador; em reali­
dade, provou ser profundam ente opressivo. O tédio com pleto do planejam en­
to stalinista de cidades desmoralizava os que viviam em cidades tão m odernas.
C om o Leon Krier observou, o “m odernism o tem gerado um a uniform idade
sem sentido e um sem-sentido uniform e [...] Auschwitz, Birkenau e M ilton
Keynes são filhos dos mesmos pais”.420 O design dos campos de concentração
nazistas, com o Auschwitz e Birkenau, m ostraram a preocupação m odernista
com eficiência funcional e sua priorização de retângulos e linhas retas no seu
pior estilo. As fileiras bem organizadas de cabanas retangulares simbolizaram a
opressão tanto do nazismo com o do estilo de arquitetura favorecido. C om o
Frederick Jameson argum entou em sua análise detalhada da cultura pós-m oder­
na, a arquitetura assim forneceu um m odo visível e tangível em que o descon­
tentam ento poderia ser expresso com o m ovim ento inflexível em direção à
uniform idade que é associada com a m odernidade.421
Para entender por que os projetos do m odernism o são vistos agora tão
negativam ente, podem os enfocar duas imagens: um a paisagem, e um anjo.
N o ano de 1720, o filósofo alemão Christian W olff publicou um a obra com o
título que poderia ser traduzido como Pensamentos racionais sobre Deus, o mundo,
153

l acusação a alma e tudo mais. O título m ostra pretensões imediatas à universalidade e


havido racionalidade, resum indo, assim, seu tem a geral da libertação e emancipação
ódenciar que acontecerão pela soberania da razão hum ana. A prim eira folha do livro
ur.do, in - consiste de um a ilustração digna de nota. M ostra um a paisagem, reunindo
mora- m ontanhas, florestas e cidades, envolvidas em nuvens escuras. C ontudo, os
::.id so na raios de um sol sorridente da razão estão abrindo cam inho pelas nuvens, acla­
:> e plu- rando a paisagem antes escurecida. A mensagem é clara: a razão aclara, afu­
: ;-~ioder- gentando as nuvens da vida.
Lciaade de Em seu auge, o Ilum inism o e seus aliados pareciam oferecer esperança para
l : rdmina o futuro, quer fosse esta esperança entendida nos quase-messiânicos termos da
l- incom - vinda de um a revolução sócio-econômica que faria chegar um a era de paz e
: :udeu e justiça, ou em termos da visão de um m undo que seria universalmente entendi­
;r:ar uma do pela razão hum ana, e, assim, controlado por esta mesma razão. A ameaça à
existência hum ana causada pela imprevisibilidade e caos da ordem natural e
: rode ser irracionalidade de afazeres hum anos seria assim eliminada, abrindo cam inho
u : design para o paraíso — um m undo ordenado e estruturado onde a hum anidade pode­
i .nterna- ria viver sem preocupações. Com o Jean-François Lyotard declarou, a m odern­
l erro s.418 idade tem sido continuam ente forçada a procurar sua legitimidade no futuro.422
m escala Isto pode ser visto na ética de Lévinas, por exemplo, que muitas vezes faz apare­
::r ” tes de cer um “m om ento utópico” no qual existe um reconhecim ento de “algo que
Para os não pode ser realizado mas que, no fim, guia toda a ação m oral”. Para Lévinas,
;:n reali- nao pode, portanto, haver nenhum a lei m oral sem utopia.423
r . : :im en- E ntretanto, não foi isso o que se provou ser. Essas teorias se viram em
r.: dernas. tensão cada vez m aior com a experiência hum ana da vida. O paraíso foi adiado
c rmidade ao ponto em que se tornou mais e mais claro que ele era pouco mais do que um a
r M ilton utopia visionária. Em vez de adm itir seu fracasso em oferecer o que prometera, a
c ; r. tração m odernidade ficou deferindo e atrasando a chegada de sua utopia. O paraíso
;; cernista estava sempre adiante, logo depois da virada da próxim a esquina. A visão pode
^ 5 no seu perm anecer viva para alguns; contudo, acha-se estagnada no m eio de um a
i.iriram a paisagem cicatrizada pelos escombros de seus fracassos. Talvez a mais visionária
?;. Com o crítica do m odernism o seja a que partiu do escritor marxista alemão W alter
>;-moder- Benjam in (1892-1940), que viu o surgim ento do nazismo nos últim os anos
c rescon- da década de 1930 com o um sinal m arcante da futilidade do m odernism o.
cireção à Benjamin via o pacto nazi-soviético de 1939 com o um indicador devastador
do fracasso do marxismo, e, incapaz de viver com o desespero dessa percepção,
a^-ira tão com eteu suicídio pouco depois.
um anjo. As “Theses on the C oncept o f H istory” [Teses sobre o conceito de história],
cc com o de Benjamin, são de im portância fundam ental para um a compreensão do fra­
: 'iundo, casso do m odernism o do Ilum inism o.424 U m a passagem pivô tom a a form a de
meditação sobre um desenho de um anjo do artista alemão Paul Klee. Ben-
jam in interpretou esse anjo (Paul Klee o estilizou com o Angelus Novus) como
o “anjo da história”, reduzido a total im potência e desespero pela tem pestade
incontrolável que ruge ao seu redor. O anjo parece

... estar prestes a se afastar de algo que ele está contemplando fixamente.
Seus olhos estão com um olhar fixo, sua boca está aberta, suas asas estão
estendidas. E assim que se retrata o anjo da história. Seu rosto está voltado
para o passado. O nde nós percebemos uma cadeia de eventos, ele vê uma
só catástrofe que fica empilhando destroços e os lança à frente de seus pés.
O anjo desejaria ficar, acordar os mortos, e fazer inteiro o que foi destroça­
do. Mas uma tempestade está soprando do Paraíso, e agarrou-se a suas
asas com tal violência, que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempesta­
de o impulsiona irresistivelmente para o futuro para o qual suas costas
estão voltadas, enquanto o m onte de destroços à sua frente sobe em direção
ao céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso.425

Aqui, Benjamin reflete o sentim ento de desilusão com o m odernism o do Uu-


m inism o, que já fez tanto para levar à emergência do pós-m odernism o em
anos recentes. A m odernidade levou sim plesm ente aos meios sociais, políti­
cos, econômicos e tecnológicos para exterm inar a hum anidade — ou um a
grande parte dela.426
Inicialmente, pode ter parecido libertador enfrentar a quebra do Uumi-
nism o com a tradição. C ontudo, com o Benjam in viu tão claram ente, isso
acabou sendo profundam ente opressor. O que Czeslaw Milosz cham ou de a
“recusa de lem brar”427 é um elem ento integral da “vontade para o poder” —
nesse caso, um a determ inação de não ser am arrado pelo passado. N o entanto,
como o surgim ento do nazismo e do stalinismo dos anos 1930 to rnou claro,
quebrar com a tradição poderia facilm ente passar a um quebrar com a civiliza­
ção e todas as suas salvaguardas contra o totalitarism o.
O que foi dito até aqui poderia dar a impressão de que há um a divergência
fundam ental entre o pós-m odernism o e o m odernism o. E nquanto, sem dúvi­
da, existe algum a verdade nesta impressão, o quadro é um tanto mais com ­
plexo do que esta análise sugere. Por exemplo, é possível que, no período mais
longo, o pós-m odernism o seja visto relacionando-se ao m odernism o, da mes­
m a form a em que o Rom antism o se relacionou com o racionalismo do Ilum i-
nism o — um a reação corretiva ao m ovim ento, que, não obstante, deixou de
operar sua inversão ou redirecionamento decisivo.428 Será que o pós-m odernis­
m o é um m ovim ento dentro do m odernism o — ou é ele o seu substituto
futuro? E cedo para se dizer. O u tro ponto, porém , deve ser notado: apesar de
todas as suas divergências, ambos os m ovim entos são direta ou indiretam ente
voltados para a prom oção da liberdade hum ana. A ênfase pós-m oderna na
liberdade absoluta da autodefm ição individual m eram ente estende tendências
que sempre foram implícitas dentro do m odernism o. Isso, entretanto, já é
antecipar o que se segue; precisamos agora tentar dar um a definição mais com ­
pleta do que seja, realmente, o pós-m odernism o.

D efinindo o pós-m odern ism o


O pós-m odernism o é geralmente entendido como algo de sensibilidade
cultural sem absolutos, certezas fixas ou fundam entos, que se deleita no pluralis­
m o e divergência, e que objetiva pensar profundam ente o “estabelecimento”
radical de todo o pensam ento hum ano. Em cada um desses assuntos, isso pode
ser visto como um a reação consciente e deliberada contra a totalização do Ilumi-
nismo. D ar um a definição completa de pós-m odernismo é praticamente impos­
sível.429 Em parte, isto se dá porque há substancialmente menos do que total
acordo sobre a natureza da “m odernidade” que ela substitui e suplanta. N a ver­
dade, o term o “pós-m odernismo”, em si mesmo, pode ser argum entado como
deixando implicado que “m odernidade” é suficientemente bem definido e en­
tendido como — seja o que for — podendo ser considerado como concluído e
superado. O problem a é especialmente acentuado no caso da literatura, em que
“m odernism o” foi sempre um a noção contestada. Será que o term o se refere ao
gênero de literatura associada com M allarmé e Joyce (como os formalistas prefe­
ririam), ou o que é encontrado no “Prefácio” de Joseph Conrad à sua obra The
Nigger and the Narcissus, ou então no ensaio de Virginia Woolf, “M odern Fic-
tion” (como preferem os subjetivistas)?430 N o entanto, é possível identificar sua
característica geral principal: o abandono intencional e sistemático de narrativas
centralizadoras. As diferenças gerais entre m odernidade e pós-m odernidade têm
sido resumidas em termos de um a série de contrastes estilísticos, incluindo os
seguintes:43’

Modernismo Pós-modernismo
Propósito Brincadeira
Projeto Acaso
H ierarquia A narquia
Centralização Dispersão
Seleção C om binação
Os term os reunidos sob a categoria do ‘“m odernism o” têm fortes nuanças
da capacidade de análise, ordenação, controle e dom inação do sujeito pen­
sante. O s que são reunidos sob a categoria do “pós-m odernism o” possuem
igualm ente fortes nuanças da inabilidade do sujeito pensante no dom inar ou
controlar, com o resultado de as coisas precisarem ser deixadas com o são, em
toda a sua gloriosa e divertida diversidade. Isso se aplica igualm ente às religiões
e a tudo mais.
Ficará claro que há um comprom isso pré-existente com o relativismo ou
pluralism o dentro do pós-m odernism o, em relação às questões a respeito da
verdade. Para usar o jargão do m ovim ento, pode-se dizer que o pós-m odernis­
mo representa um a situação em que o significativo substituiu o significado
com o enfoque de orientação e valores. Em term os da lingüística estruturalista
desenvolvida inicialm ente por Ferdinand de Saussure, e, subseqüentem ente,
por R om an Jakobson e outros, o reconhecim ento da arbitrariedade do sím bo­
lo lingüístico e sua interdependência com outros símbolos lingüísticos m arca
o fim da possibilidade de sentidos fixos, absolutos. D e acordo com de Saus­
sure, um “sím bolo” consiste de três coisas: o significativo (a imagem acústica
das palavras como ouvidas pelo receptor tencionado da mensagem), e o sig­
nificado (o sentido que é evocado na m ente desse receptor por interm édio do
estímulo do significativo), e a unidade desses dois. Para de Saussure, a unidade
do significativo com o significado é um a convenção cultural. N ão há nenhum
fundam ento universal ou transcendente que relacione significativo e significa­
do: é arbitrário, refletindo as contingências de condicionam ento cultural. 432
Desenvolvendo essas descobertas, escritores como Jacques Derrida, Michel
Foucault e Jean Baudrillard argum entaram que a língua era, em últim a análise,
excêntrica e cheia de caprichos, e não refletia nenhum a lei lingüística abrangente
absoluta. Era arbitrária, incapaz de pôr à m ostra o sentido. Portanto, Baudrillard
argum entou que a sociedade m oderna estava presa em um a armadilha num a
rede sem fim de sistemas artificiais de sinais ou símbolos, que nada significavam,
e m eram ente perpetuavam os sistemas de crenças dos que os criaram.433
U m aspecto de pós-modernismo que ilustra essa tendência particularm ente
bem, enquanto tam bém indicando sua obsessão com textos e língua, é a descons-
trução — o m étodo crítico que virtualm ente declara que a identidade e in­
tenções do autor de um texto são um a irrelevância à interpretação do mesmo,
antes de insistir que, em qualquer caso, nenhum sentido fixo pode ser encon­
trado nele. Esse m ovim ento surgiu prim ariam ente com o resultado da leitura
que Jacques D errida fez das obras de M artin Heidegger nos últim os anos da
década de 1960.434 Dois princípios gerais podem ser vistos como subjacentes
a esta abordagem à leitura de textos.
157

nuanças 1. Q ualquer coisa transm itirá sentidos que seu autor não pretendeu e não
:o pen- poderia ter pretendido.
:>ssuem 2. O autor não consegue expressar em palavras adequadam ente o que ele
-inar ou quer dizer de início.
fio, em Todas as interpretações são, portanto, igualm ente válidas, ou igualm ente
sem sentido (dependendo do seu ponto de vista) ,435 C om o Paul de M an, um
dos principais proponentes estado-unidenses desta abordagem , declarou, a
:=mo ou própria idéia de “significado” cheirava a fascismo. Esta abordagem, que flores­
reito da ceu na Am érica do N orte do pós-Vietnã, ganhou respeitabilidade intelectual
erms- por acadêmicos como de M an, Geoffrey H artm an, H arold Bloom e J. Hillis
ficado Miller.436 “M etanarrativas” — isto é, narrativas generalizantes que pretenderam
: u ralis ta oferecer estruturas universais para o discernim ento do sentido — deveriam ser
emente, rejeitadas como autoritárias. Longe de discernir sentidos, essas narrativas im ­
>ímbo- punham os próprios sentidos de m aneira fascista.
J5 marca Desenvolvendo esta abordagem em um artigo publicado em princípios de
ic Saus- 1986, Lyotard argum entou que todas as narrativas universais, com o o marxis­
aaústica m o, eram totalitárias em sua visão, e, portanto, potencialm ente capazes de
; o sig- gerar m entalidades propensas a “crimes contra a hum anidade”.437 Se as pes­
*ídio do soas estão convencidas da retidão da posição que defendem, inevitavelmente
unidade haverá a tentação de controlar ou destruir os que discordam delas.438 U m a
"enhum abordagem similar foi adotada no ano seguinte pelo crítico literário Terry Ea-
t^nifica- gleton, que argum entou que noções como “verdade” ou “sentido” eram inten­
iiral. 432 sam ente repressivas, e deviam ser rejeitadas como um a form a de terrorism o
. Michel acadêmico:
. análise,
■ingente O pós-modernismo assinala o fim de tais “metanarrativas”, cuja função
aurillard secretamente aterrorizante era basear e legitimar a ilusão de uma história
.a num a hum ana “universal”. Estamos agora no processo de acordar do pesadelo
r.sj.vam, da modernidade, com sua razão manipuladora e fetiche da totalidade,
para o descontraído pluralismo do pós-moderno, essa heterogênea gama
de estilos de vida e jogos de linguagem que já renunciou o impulso nostálgi­
co de totalizar e legitimar-se [...] A ciência e filosofia precisam lançar fora
suas grandiosas pretensões metafísicas e verem a si mesmas mais modesta­
mente como apenas outra coleção de narrativas.439

Notem -se, particularm ente, os adjetivos usados para referência ao m odernis­


m o e pós-m odernism o: o prim eiro é “aterrorizante” e “m anipulador”, enquanto
o segundo é “descontraído” e "modesto”. H á aqui um im portante, ainda que
implícito, apelo às normas culturais de um a parte da sociedade ocidental m oder­
na que valoriza estar “descontraída . Isso, no entanto, como veremos, serve para
levantar a pergunta desajeitada sobre saber donde vêm esses valores. E se esses
valores não são universalmente aceitos, será que o pós-m odernismo pode um dia
ter um apelo universal? Em virtude de sua grande modéstia, o pós-modernismo
parece ser a visão de m undo dos que gostam dele.
O s pontos implícitos do tipo de posição esboçado acima vieram a público
com a sensacional publicação, em 1989, de alguns artigos do tem po de guerra,
escritos por Paul de M an, até então estabelecido como um a figura de vanguar­
da no m ovim ento pós-m oderno. E m 1°. de dezem bro daquele ano, o New
York Times noticiou a descoberta de artigos anti-semíticos e pró-nazistas, escri­
tos por Paul de M an para o jornal nazista belga, Le Soir. Isso resultou num
escândalo. Era o não construtivism o de Paul de M an, um a tentativa de negar
seu passado? Era o próprio de M an, realmente um ex-fascista, tentando es­
capar de seu sentim ento de culpa? E, dado o status axiomático da “falácia de
intenção autoral” dentro do pós-m odernism o, ninguém poderia argum entar
que de M an tinha realmente querido dizer algo diferente da impressão criada
por esses artigos; afinal, os pontos de vista do autor eram, segundo o não
construtivism o, um a irrelevância. N enhum a tentativa poderia ser feita para
desculpar de M an por um apelo às suas circunstâncias históricas; o próprio de
M an havia escrito que “considerações da atual e histórica existência de escri­
tores são um a perda de tem po, de um ponto de vista crítico”. Desconstrução
assim parecia se afundar na lam a da incoerência interna.
A área de teologia cristã mais sensível a essa evolução é a apologética,
tradicionalm ente vista com o um a tentativa de defender e recom endar as pre­
tensões do cristianismo para o m undo.440 Apologeticam ente, a pergunta que
surge no contexto pós-m oderno é a seguinte: como podem elas ser levadas a
sério, quando há tantas alternativas rivais, e quando a própria “verdade” se
to rnou um a noção desvalorizada? N inguém pode pretender possuir a verdade.
E tudo um a questão de perspectiva. A conclusão desta linha de pensam ento é
tão simples quanto é devastadora: “a verdade é que não há nenhum a verdade”.441
Todas as pretensões à verdade são igualm ente válidas; não há nenhum a
posição vantajosa, posição de observação que perm ita a qualquer pessoa decidir
o que é certo e o que é errado. Esta situação tem vantagens e desvantagens
crucias para o apologista cristão. Por um lado, a apologética não opera mais
sob as limitações entediantes da visão de m undo intensam ente restritiva do
Ilum inism o, presa pelas ilusões e pretensões da razão pura. O cristianismo não
pode mais ser descartado com o um a form a degenerada da religião racional. As
severas limitações da m entalidade moderna são intelectualm ente obsoletas, e
não precisam ser mais um a dificuldade séria para o apologista. O teólogo de
Princeton, Diogenes Allen, resume bem essa evolução:
159

se esses N um m undo pós-moderno, o crisdanismo é intelectualmente relevante.


um dia E relevante às perguntas fundamentais — Por que o m undo existe? Por
rrnismo que ele tem a ordem presente, em vez de ter outra ordem? — E relevante
à discussão dos fundamentos da moralidade e sociedade, especialmente
oúblico sobre a importância de seres humanos. O reconhecimento de que o cris­
, guerra, tianismo é relevante para nossa sociedade inteira, e relevante não só ao
anguar- coração mas tam bém à mente, é a maior m udança em nossa situação
o New cultural.442
5 . escri-

Li num C om esse avanço, entretanto, veio um recuo. O pós-m odernism o declara


e negar que todos os sistemas de crenças devem ser vistos como igualmente plausíveis.
ndo es- Algo é verdadeiro se é verdadeiro para m im . O cristianismo tornou-se aceitável,
.ácia de porque é acreditado com o verdadeiro por alguns — não porque ele é verda­
imentar deiro. C om o pode o cristianismo recom endar a si mesmo em tal contexto,
j criada quando a questão da verdade é praticam ente descartada da m ão logo de início?
o não Isso tem im portantes implicações na área de trabalho evangelístico univer­
ira para sitário. O apologista do campus cristão desejará enfatizar que o cristianismo
iprio de acredita em si m esmo, em bases excelentes, para possuir descobertas que sao
le escri- tanto verdadeiras com o relevantes. C om o pode o cristianismo recom endar a si
.struçao m esm o no campus, quando os m éritos da verdade não são concedidos?

ogética,
A vu ln era bilidad e do pós-m o d ern ism o :
■as pre- Fou cault e L y o ta rd
nta que O pós-m odernismo tem aversão endêmica às questões sobre verdade, cren­
rvadas a do que a noção de “verdade” é, na m elhor das hipóteses, ilusória e, na pior,
aade” se opressiva. N o entanto, a necessidade de ter a pergunta sobre a verdade no seu
erdade. planejam ento é relativamente fácil de ser entendida. O pós-m odernismo insiste
m ento é em que não é possível agir coerentemente com respeito ao m undo, pela razão
.ide”.441 fundam ental de o m undo ser um a coleção de fragmentos perpetuam ente mutáveis
;nhum a em vez de ser um todo unificado, estável e coerente. Pensar ou agir de maneira
. decidir coerente é, pois, ou repressivo (no que força a ordem sobre algo intrinsecamente
ntagens desordenado) ou ilusório (em que ignora como o m undo realmente é). Correção
:ra mais política sugere que a idéia de “verdade” pode chegar perto de fascismo intelec­
itiva do tual, por causa de seus sobretons autoritários. Allan Bloom resume essa perspec­
mo não tiva em The Closing ofthe American M in d [ 0 fechamento da mente estado-unidense]:
onal. As
oletas, e O perigo [...] não é o erro, mas a intolerância. O relativismo é necessário
Jogo de para a abertura; e esta é a virtude, a única virtude, à proclamação da qual,
por mais de cinqüenta anos. toda a educação primária se dedica. Abertura
— e o relativismo que a torna a única posição plausível em face de várias
pretensões à verdade e dos vários estilos de vida e tipos de seres humanos
— é a grande descoberta de nossos tempos. O verdadeiro crente é o peri­
go real. O estudo da história e da cultura ensina que todo o m undo estava
louco no passado; os homens sempre julgavam estar certos, e isso os levou
a guerras, perseguições, escravidão, xenofobia, racismo e chauvinismo. O
importante não é corrigir os erros e realmente estar certo; é não pensar, de
maneira nenhuma, que você está sempre certo.443

Por baixo de toda a retórica sobre “abertura” e “tolerância”, está um a pos­


sibilidade profundam ente inquietante — que as pessoas possam basear sua
vida sobre um a ilusão, sobre um a m entira escancarada, ou que os presentes
moldes de opressão possam continuar, e ser justificados, com base em crenças
ou pontos de vista que podem provar ser falsos. M esm o o mais tolerante plu­
ralista tem dificuldades com esse aspecto do h in d u ísm o que justifica as
desigualdades da sociedade indiana pela sua insistência sobre um a ordem so­
cial fixada, como, por exemplo, queim ar viva um a viúva na pira funerária de
seu últim o marido.
Além disso, a atratividade de um a crença é tam bém , m uitas vezes, inversa­
m ente proporcional à sua verdade. N o século XVI, o escritor e pregador radi­
cal Thom as M üntzer encabeçou um a revolta dos camponeses alemães contra
seus chefes políticos. N a m anhã do encontro decisivo entre os camponeses e as
tropas do príncipe alemão, M üntzer prom eteu que os que o seguissem seriam
salvos pelas armas de seus inimigos. Encorajados por essa promessa atraente e
significativa, os camponeses entraram no combate, cheios de esperança.
A conseqüência foi desastrosa. N aquele com bate, seis m il deles foram
m ortos, e seiscentos, capturados. Poucos conseguiram fugir. Sua confiança na
invulnerabilidade era relevante. Foi atraente, significativo. Foi um a bruta e
cruel m entira, sem nenhum fundam ento na verdade. As últimas horas daque­
le patético grupo de hom ens confiantes foram de descanso num a total ilusão.
Foi som ente quando as primeiras salvas de artilharia reduziram alguns deles a
farrapos que eles entenderam que tinham sido enganados.
Perm itir critérios tais como “tolerância” e “abertura” para ser dado m aior
peso do que seja “verdade” é, sim plesm ente, um sinal de superficialidade in ­
telectual e de irresponsabilidade m oral. A prim eira e mais fundam ental de
todas as perguntas deve ser: É verdade? É digno de fé e confiança? Certam ente,
a verdade não é garantia de relevância — porém , ninguém pode construir sua
vida em torno de um a m entira. U m sistema de crença, por mais consolador e
tranqüilizador que seja, pode provar ser falso em si m esmo, ou repousar sobre
fundam entos com pletam ente espúrios.
161

t varias Se eu fosse insistir que a Declaração da Independência estado-unidense


_manos ocorreu em 1789, a despeito de toda a evidência que aponta claram ente para o
peri- ano de 1776, eu não poderia esperar honra nenhum a por estar m antendo
: estava m inha liberdade intelectual ou integridade pessoal; nem poderia esperar rece­
5 levou
ber tolerância da parte de meus colegas historiadores. A virtude tão propalada
;mo. O de “abertura” acadêmica seria ridícula por perm itir que eu fosse levado a sério.
;sar, de
Eu estaria sim plesm ente, obstinadam ente, teim osam ente errado, incapaz de
responder à evidência que exigia um a decisão verdadeira. U m a resposta obedi­
ente à verdade é sinal de integridade intelectual. Assinala a disposição de ouvir
um a pos-
o que pretende ser a verdade, julgá-la, e, se for descoberto ser verdade, aceitá-
rasear sua
la com boa vontade. A verdade exige ser aceita, porque inerentem ente merece
uresentes
ser aceita — e que se aja por ela. Integridade acadêmica e responsabilidade
-m crenças
política igualm ente exigem um com prom etim ento apaixonado a se descobrir,
rrante plu-
contar e agir sobre a verdade. E im portante insistir, não só em que a verdade
ustifica as
im porta, mas em que o cristianismo é verdadeiro.
: rdem so-
Stanley Hauerwas certa vez escreveu que “a única razão para ser um cristão
nerária de
[...] é as convicções cristãs serem verdadeiras”.444 O filósofo de Princeton, D io-
genes Allen, narra a história de um a pessoa que lhe perguntou por que deveria ir
r>. inversa-
à igreja quando não tinha nenhum a necessidade religiosa. “Porque o cristianis­
:ador radi-
m o é verdade”, foi a resposta de Allen.445 O livro de G ordon Lewis, Testing
_ães contra
Christianitys Truth Claims [ Colocando a prova as reivindicações da verdade do cris­
: neses e as
tianismo/,446 é im portante não simplesmente por causa de sua docum entação de
em seriam
recentes evoluções em apologética, mas porque declara firmemente que — reivin­
a:raente e
dicações da verdade — estão sendo feitas, que têm capacidade de serem testadas,
ança.
e que, como um a questão de princípio, devem ser testadas. E se o pluralismo é
z.es foram
resistente à possibilidade de ter testadas as suas reivindicações sobre a verdade,
r.nança na
dificilmente pode esperar ser levado a sério, salvo pelos que — por causa do
ua bruta e
m om ento condicionado culturalmente — com partilham seus preconceitos. Será
ras daque-
triste o dia em que a resposta à pretensão de se estar dizendo a verdade for a
: :al ilusão.
revelação de que não existe nenhum a verdade para ser contada, ou que contar a
_r.s deles a
verdade é igual à opressão.
Para sugestões pós-modernas de que a “verdade é fascista”, ou de que todas
ado m aior
as visões de m undo são igualmente válidas, ou de que algo pode ser “verdade
a.idade in-
para m im ”, mas não ser “verdade”, as seguintes perguntas poderiam ser levanta­
arnental de
das. Será que o fascismo é tão verdadeiro — talvez devêssemos dizer “válido” —
ertamente,
como o libertarismo democrático? Considere a pessoa que crê, apaixonada e
r.struir sua
sinceramente, que excelente coisa é queim ar viúvas vivas nas piras funerárias
r.solador e
hindus.447 O u a pessoa que argum enta que foi totalm ente certo m atar com gás
: usar sobre
milhões de judeus durante o período nazista. Essas crenças podem certam ente
ser “verdadeiras para eles”. Mas podem passar sem ser desafiadas? Sao tão válidas
como, por exemplo, o princípio de que se deve viver em paz e tolerância com
os vizinhos, inclusive com os judeus? A seriedade m oral dessas perguntas m ui­
tas vezes age como o equivalente intelectual de um antigo aríete — a m áquina
de guerra para derrubar m uralhas — , fazendo sobressair o fato de certos p o n ­
tos de vista não poderem m esm o ser aceitos com o verdade. Precisa haver al­
guns critérios, alguns padrões de julgam ento, que perm itam excluir certos
pontos de vista como inaceitáveis. Senão, o pós-m odernism o será visto como
nao-crítico e simplístico, um meio reprodutor da complacência política e moral
que perm itiu o surgim ento do Terceiro Reich, lá atrás, na década de 1930.
M esm o o pós-m odernism o tem dificuldade em concordar em que o nazismo
tenha sido um a coisa boa. C ontudo, precisam ente este é o perigo que há ali,
como evidenciado pelo célebre comentário de Sartre: “Am anhã, depois de m inha
m orte, certas pessoas poderão decidir estabelecer o fascismo, e as outras po­
dem ser suficientem ente covardes ou miseráveis a ponto de deixá-los agir im ­
punem ente. Naquele m om ento, o fascismo será a verdade do hom em ”.
Este é um ponto im portante, talvez o ponto em que o pós-m odernism o se
apresenta mais vulnerável. Para em prestar a isso um peso extra, podem os con­
siderar as conseqüências das visões éticas de M ichel Foucault e Jean-François
Lyotard, geralmente considerados com o dois dos pilares intelectuais do pensa­
m ento pós-m oderno.
Foucault argum enta apaixonadam ente, num a série de trabalhos altam ente
originais e criativos, que a própria idéia de “verdade” brota dos interesses dos
poderosos. Atrás disso, pode ser discernido o envolvimento direto com a noção
nietzscheana de “vontade para o poder”, com suas implicações para o conceito
de “verdade”.448 Para Foucault, há um a linha direta de ligação entre verdade e
poder. A “verdade” pode sustentar sistemas de repressão, ao identificar padrões
aos quais as pessoas podem ser forçadas a se conform ar.449 Assim, o que é
“louco” ou “crim inoso” não depende de nenhum critério objetivo, mas sim
dos padrões e interesses de quem está em autoridade. C ada sociedade tem suas
“políticas gerais de verdade”, que contribuem para aos seus interesses fixados.
A “verdade” serve, assim, aos interesses da sociedade, perpetuando sua
ideologia, e fornecendo um a justificativa para o aprisionam ento ou eliminação
dos que contradizem seu ponto de vista geral. E a filosofia pode facilmente
demais tornar-se um cúmplice nesta repressão, ao prover aos opressores argu­
m entos racionais para justificarem suas práticas. O conhecimento é inextricavel-
m ente ligado ao poder. Filósofos têm levado a sociedade a crer que estivesse
perseguindo seus elementos marginais na base da “Verdade” ou da “m oralidade”
— padrões universais e objetivos de m oralidade, do que é certo e do que é
163

>I j tão válidas errado — em vez de persegui-los na base dos próprios interesses fixados. A
:: .erància com crença básica do Ilum inism o na virtude louvável do conhecim ento é assim
■■errantas m ui- posta em dúvida. O conhecim ento pode tanto escravizar quanto libertar. A
— i m áquina tarefa da filosofia é, portanto, criticar, a fim de que possa resultar na em anci­
c r certos pon- pação.
-. - haver al-
ex.:.uir certos Filosofia é precisamente o desafiar de todos os fenômenos de domínio em
' “isto como qualquer nível ou sob qualquer forma em que eles se apresentem — política,
--rica e moral econômica, sexual, institucional, e assim por diante. Esta função crítica
' . de 1930. da filosofia, até certo ponto emerge diretamente do imperativo socrático:
;_e o nazismo “Preocupe-se com você mesmo”, i.e., fundamente-se em liberdade, por
í : : que há ali,
meio do domínio de você mesmo.450
t ; :s de m inha
Por essas razões, Foucault crê que a própria idéia de verdade ou moralidade
i; outras po-
objetiva deve ser desafiada. Idéias — tais como “verdade” — que legitim am ou
:. agir im-
perpetuam repressão devem ser rejeitadas. Esta crença passou para a estrutura
c .r.em",
de m uito do pós-m odernism o. M as será isso certo? Será que a verdade sobre a
;: oernismo se
qual a crítica de Foucault realmente repousa não é um conjunto de crenças
:em os con-
bastante definidas sobre o que é certo e o que é errado? Para dar um a ilus­
i ri"-François
tração: por meio dos escritos de Foucault, encontram os um a crença apaixona­
:i-í do pensa-
da de que a repressão está errada. O próprio Foucault está assim com prom etido
com um valor m oral objetivo — que a liberdade é para ser preferida à re­
::; ..'.ameinc
pressão. A crítica de Foucault da m oralidade realmente pressupõe certos va­
:r.:eresses dos
lores morais. Atrás de sua crítica da ética convencional está um conjunto oculto
;: m a noção
de valores morais, e um compromisso, ainda não reconhecido, com eles. A críti­
r r j conceito
ca de Foucault dos valores morais da sociedade parece deixá-lo sem nenhum
r:re verdade e
valor m oral de si m esm o — entretanto, sua crítica de valores sociais repousa
Lr.car padrões
sobre seus valores morais, intuitivam ente aceitos (em vez de explicitamente
o que é
reconhecidos e teoricam ente justificados), que ele claram ente espera que seus
r :. mas sim
leitores com partilhem .
.ize rem suas
C ontudo, por que a luta é preferível à submissão? Por que a liberdade é
e;se> fixados,
escolhida, em vez de a repressão? E quais as estruturas ou critérios morais
tru a n d o sua
propostos, pelos quais este posicionam ento implícito pode ser defendido? Es­
u e.iminação
tas perguntas normativas exigem respostas, se a posição de Foucault pode ser
c radlm ente
justificada — contudo, Foucault rejeitou vigorosamente um apelo a princí­
es.;ores argu-
pios norm ativos gerais com o parte integral de seu m étodo. N a verdade, ele faz
ir.extricavel-
um apelo ao sentim entalism o, em vez de apelar à razão; apela à compaixão, em
r_e estivesse
vez de apelar a princípios.431 O fato de m uitos terem com partilhado sua aversão
'nr oralidade”
intuitiva de repressão a s s e g u r o u q u e e l e f o s s e b e m r e c e b i d o — m a s a p e r g u n t a
i e do que é
fundam ental perm anece sem resposta. Por que a repressão é algo errado? E
aquela m esm a pergunta aguarda um a resposta convincente do pós-m odernis­
m o, que seja vulnerável precisam ente onde Foucault é vulnerável. C om o Ben
Meyer tão devastadoram ente com entou:

Os seguidores de Nietzsche e Foucault estão apaixonadamente persuadi­


dos de que verdade é um mero artifício retórico empregado a serviço da
opressão, e dizem isso por extenso. Qual é, então, a condição de eles dize­
rem tal coisa? Devemos dar-lhes a escolha. E falso? O u está a serviço da
opressão?452

O pós-m odernismo nega no fato o que afirma na teoria. M esmo a pergunta


casual “O pós-modernismo é verdadeiro?” inocentem ente levanta perguntas crite-
riológicas fundamentais que o pós-m odernismo acha embaraçosamente difíceis
de serem manejadas.
Agora é am plam ente aceito que há um a contradição interior nesse ponto,
semelhante à que foi apontada por Francis Schaeffer no caso do niilismo ético
de Jean-Paul Sartre. O ponto fundam ental de Sartre foi que a ética era um
tanto de irrelevância. Se havia um com ponente ético qualquer em um a ação,
ele perm anecia no exercício de escolha, não na decisão m oral alcançada. Essa
famosa atitude atraiu atenção considerável. Depois, Sartre assinou o M anifes­
to Argeliano — um protesto contra a ocupação francesa continuada da Argélia.
Eventos no m undo real levantaram dúvidas sobre seus pareceres éticos.

[Sartre] assumiu um a atitude deliberadamente moral e disse que era uma


guerra injusta e suja. A posição política de ala esquerda pela qual ele op­
tou é outra ilustração da mesma inconsistência. Até onde diz respeito a
muitos existencialistas seculares, do momento que Sartre assinou o M ani­
festo Argeliano em diante ele foi visto como apóstata de sua posição, e
caiu de seu lugar de liderança da vanguarda.453

Isso ilustra o ponto defendido por Schaeffer de que Sartre e outros niilis­
tas “não conseguiram viver com as conclusões de seu sistema” — e assim revela
a necessidade de o apologista evangélico explorar o que poderiam ser essas
conclusões. “Q u an to mais lógico o hom em que m antém um a posição não-
cristã está dos próprios pressupostos, mais longe ele está do m undo real; e
quanto mais perto ele está do m undo real, mais longe ele está dos próprios
pressupostos’.454 As éticas anti-opressivas de Foucault pareceriam enquadrar-
se nesse caso, em que ilustram a necessidade de princípios fundam entais que
Foucault declarou adiantadam ente serem em si mesmos opressivos. N o entan­
to, não é tão simples assim.
Foucault parece presum ir que o uso da força só é associado à injustiça.
Será, entretanto, que esse é o caso, realmente? N u m ensaio recente sobre a
natureza da crueldade, H élé Béji observa que “a única coisa que a justiça com ­
partilha com a injustiça é que ambas precisam ser exercidas com a autoridade
da força”.455 O ponto essencial em questão é que as pessoas precisam ser per­
suadidas de que “justiça” é do próprio interesse antes que venham a servi-la.
Para o evangelicalismo, um aspecto central da doutrina do pecado original é que
a hum anidade é radicalm ente autocentrada, não tendo lugar para o altruísm o,
a nao ser que os próprios interesses específicos sejam servidos por meio dele.
U m dos m éritos centrais da filosofia política de Thom as H obbes e Jeremy
B entham é que ela reconhece explicitamente que os seres hum anos são “defi­
cientes em altruísm o e, portanto, requerem a ameaça de coerção para incen­
tivá-los a buscarem interesses majoritários em vez de os próprios interesses”.456
Foucault parece ou definir a justiça em term os puram ente de realização indi­
vidual e auto-gratificaçao, ou perm anecer livre das realidades mais escabrosas
do com portam ento hum ano.
Conform e observado acima, Foucault é incapaz de oferecer qualquer padrão
norm ativo pelo qual a pessoa possa distinguir regimes sociais aceitáveis (como
o democrático-liberal) dos regimes inaceitáveis totalitários. Este ponto foi apre­
ciado e desenvolvido no ensaio de M ichael Walzer, “T he Politics o f M ichel
Foucault”,457 que continua sendo um a das análises mais penetrantes do pensa­
m ento m oral e social de Foucault a aparecer até agora. Walzer argum enta que,
no fim, Foucault precisa ser reconhecido com o um “anarquista m oral bem
com o um político m oral”. É possível, naturalm ente, argum entar que isso pode
acabar sendo um a representação incorreta de Foucault. N o entanto, esta ob­
jeção levanta toda a questão de “intenção autonal”. A carreira de Foucault
poderia facilm ente ser vista com o representando um esforço sustentado de
destruir a idéia de que a leitura de um texto envolve questões de verdade ou
falsidade com respeito à sua interpretação. Para Foucault, o que o autor preten­
deu dizer num dado texto não é de im portância nenhum a; textos — incluin­
do os próprios textos de Foucault — podem ser lidos num a variedade de formas;
todos, porém , são igualm ente válidos.
N o entanto, o ponto de Walzer parece impossível de levantar dúvidas. A
ética é a livre criação de indivíduos, e não tem validade e força universal.458 E
criada por indivíduos, não precisa e não pode ser justificada ou criticada por um
apelo a qualquer conceito universal de justiça ou critério ético. Fazer assim é ou
um ato de ilusão ou opressão tentada. A ética de Foucault é um a autocriação
radical. C om o Richard Rortv. talvez o mais ilustre filósofo estado-unidense a
desenvolver a aversão de Foucault a princípios gerais e padrões normativos,
com enta, um a conseqüência dessa abordagem precisa ser o reconhecim ento
de que

Nada há no profundo do nosso interior, exceto o que nós mesmos pusemos


ali; nenhum critério que nós não tenhamos criado no decorrer da elabo­
ração de uma prática, nenhum padrão de racionalidade que não seja um
apelo a esse critério, nenhuma argumentação rigorosa que não seja obedi­
ente a nossas convenções.4’9

Se, porém , esta abordagem é correta, que justificativa poderia ser dada para
fazer oposição ao nazismo? O u ao stalinismo? Rorty não pode dar um a justifi­
cativa pela rejeição m oral ou política do totalitarianism o, com o ele mesmo
concede. Se ele está certo, Rorty admite, ele tem de reconhecer que

Quando a polícia secreta chega, quando os torturadores violam os inocentes,


não há nada a ser dito para eles do tipo “H á algo dentro de vocês que vocês
estão traindo. Embora vocês encarnem as práticas de um a sociedade totali­
tária, que durará para sempre, há algo para além dessas práticas que conde­
na vocês.460

É difícil evitar a conclusão de que, para Rorty, a verdade de valores morais


depende sim plesm ente de sua existência. E é nesse ponto que m uitos pós-
m odernistas sentem-se profundam ente desconfortáveis. Algo parece estar er­
rado aqui. E esse senso de desassossego é um im portante ponto de entrada
para a insistência cristã de que, em prim eiro lugar, a verdade importa, e, em
segundo lugar, ela é acessível. Essa questão será reforçada pela consideração da
posição de Lyotard neste ponto.
Lyotard argum enta que um resultado im ediato da diversidade inerente do
m undo pós-m oderno deve ser o abandono de qualquer noção de um “consen­
so” m oral ou intelectual.46’ N o entanto, Lyotard reluta em tirar a conclusão de
que “justiça” cessa de ser um a noção universal. Em bora ele im piedosam ente
rejeite a idéia de “consenso” com o “um valor fora de m oda e suspeito”, explici­
tam ente ele exclui justiça desse julgam ento. C ontudo, com o pode justiça ser
um valor universal, dadas as pressuposições da pós-m odernidade? Lyotard si­
lencia com respeito a isso, provavelmente ciente de que buscar esta pergunta
pouco faria para avançar sua causa teórica.
Esse comprom isso com o relativismo pode tam bém ser visto na atitude de
Lyotard com referência às ciências naturais. Para ele, as ciências naturais de­
pendem da “paralogia” — isto é, do raciocínio falho ou m esm o contraditório,
onhecim ento que abandona qualquer pretensão de estar em posse de narrativas centraliza­
doras ou sendo por ela governado.

- pusemos A ciência pós-moderna — ao se preocupar com essas coisas como “in­


da elabo- solúveis”, os limites de controle preciso, conflitos caracterizados por in­
o seja um formações incompletas, “fractais” [com medidas irregulares], catástrofes e
eja obedi- paradoxos pragmáticos — está teorizando sua evolução como descontínua,
catastrófica, não-retificável, e paradoxal. Está m udando o sentido da pa­
lavra conhecimento, enquanto expressa como tal mudança pode ocorrer.
er dada para Está produzindo não o conhecido, mas o desconhecido.462
■um a justifi-
: ele mesmo Este relato de m étodos, alvos e conquistas das ciências naturais sim plesm ente
:ue não pode ser levado a sério. C om o Steven C onnor observa, há um a séria dis­
junção entre a abordagem de Lyotard e as realidades das ciências empíricas.
:nocentes,
que vocês Lyotard pinta um quadro da dissolução das ciências dentro do arrebata-
ide totali- mento do relativismo em que o único objetivo é pular fora alegremente
ue conde­ do confinamento de velhos paradigmas cheirando a bolor, e amassar pro­
cedimentos operacionais com os pés, na busca de formas exóticas de ilógi­
ca. Este, porém, simplesmente não é o caso. Se algumas formas das ciências
cores morais puras, matemática e física teórica novamente sendo os exemplos óbvios,
muitos pós- estão preocupadas com as diferentes estruturas do pensamento para en­
ece estar er- tender realidade, isso ainda está amarrado, no geral, a modelos de racio­
de entrada nalidade, consenso e correspondência a verdades demonstráveis.463
:orta, e, em
.sideração da Argumentos como esses provavelmente cortam pouco gelo com um públi­
co pós-m oderno, que pode se sentir inclinado a descartar esses apelos a “va­
inerente do lores” ou “verdade” como um a irrelevância, dadas as suas pressuposições. As
:m ' consen- considerações que notei acima, entretanto, não são necessariamente apontadas
onclusão de para um a clientela pós-m oderna compromissada. Tenho dois públicos especí­
edosamente ficos em mente:
:ro , explici- 1. U m público evangélico, que precisa ter reforçada a sua confiança em
e justiça ser seus argum entos e racionalidades. Esses argum entos reforçarão e anim arão
Lvotard si- evangélicos em suas convicções, confirm ando a plausibilidade e integridade
;ra pergunta de suas crenças em face da crítica pós-m oderna.
2. U m público maior, escutando de tabela esta conversa entre o evangeli­
u atitude de calismo e o pós-modernismo. Esses ouvintes provavelmente ficarão desalenta­
naturais de- dos pelas implicações práticas do descarte pós-m oderno da verdade, mesmo se
ntraditório, os próprios pós-modernos podem viver com eles. As considerações notadas aci­
m a servem para solapar a plausibilidade pública do pós-m odernismo, dem ons­
trando a incongruência do pós-m odernism o num a série de conjunturas vitais.
Se o evangélico não consegue persuadir o pós-m oderno da im portância da
questão da verdade, ele pode m ostrar que o pós-m odernism o se acha sem de­
fesa na arena pública, acusado de dar suporte a crenças e práticas que são vistas
com intenso desagrado pela população com o um todo.

Conclusão
Neste capítulo, foi examinada a complexa rede de questões relacionadas
tanto ao surgim ento do m odernism o com o ao surgim ento do pós-m odernis­
m o, e seu im pacto sobre o evangelicalismo. Ficará claro que m inha fundam en­
tal convicção é que o evangelicalismo dem onstra um alto grau de poder de
elasticidade e coerência em face aos desafios m uito diferentes colocados por
m eio de cada um a dessas visões de m undo, um a das quais tenta justificar a
totalização, e a outra, a fragmentação.
N o passado, o evangelicalismo era confrontado com o desafio da m oder­
nidade. Escolheu, por motivos que via com o convincentes, enfrentar esse de­
safio usando os m étodos e pretensões de seu rival. O evangelicalismo, talvez
tendo ganhado, durante o século XIX, a impressão de que a m odernidade
estava aqui para ficar, perm itiu-se incorporar vários aspectos críticos da visão
de m undo m oderna em sua estratégia apologética, e dá pelo m enos alguma
indicação de ter perm itido que eles exercessem um a influência oculta sobre
seus m étodos teológicos. Chegou o tem po para o evangelicalismo elim inar de
si as influências fundam entais rem anescentes do Ilum inism o, não simples­
m ente porque o Ilum inism o já acabou, mas por causa do perigo de perm itir
que idéias cujas origens e legitimação são de fora do evangelho cristão exerçam
um a influência decisiva sobre esse evangelho. O evangelicalismo tem ainda
que com pletar o ajustam ento apologético e teológico ao declínio da m oderni­
dade; esta tarefa continua sendo um a prioridade para o m ovim ento.464
C ontudo, a lenta saída da m odernidade, ainda que inexorável, não sig­
nifica que o evangelicalismo precise assumir a ordem pós-m oderna. C om efeito,
o evangelicalismo provê um ponto de observação fundam ental de onde criti­
car aspectos da visão de m undo pós-m oderna, não m enos sua aparente reação
exagerada à ênfase do Ilum inism o na verdade. A verdade perm anece um as­
sunto de im portância apaixonante para o evangelicalismo, m esm o que exista
um a pressão cultural bastante forte na sociedade ocidental para conform ar
com sua ótica prevalecente de “m eu ponto de vista é tão bom quanto o seu”.
Essa pressão talvez seja mais intensam ente enfocada e experim entada com
relação às questões levantadas pelo pluralism o religioso, para o qual nos voltare­
mos em seguida.
EVANGELICALISMO E PLURALISMO RELIGIOSO

O evangelicalismo afirma de m aneira segura que o evangelho cristão é sin­


gular, e não pode ser confundido ou identificado com nenhum a outra religião
ou filosofia de vida. Esta vigorosa defesa da natureza distinta do evangelho, que
é rigorosamente baseada num conjunto de afirmações cristológicas coerentes
com respeito à natureza única da pessoa e obra de Jesus Cristo, é vista com
hostilidade por m uitos, por causa das implicações negativas para a tentativa libe­
ral de tratar todas as religiões como essencialmente idênticas — a despeito de
suas diferenças superficiais — e igualmente válidos m odos de ver a vida.
M uitas vezes é sugerido que a questão do pluralism o religioso é algo novo,
que introduziu até agora dificuldades inimagináveis no cam inho das reivindi­
cações cristãs, particularmente as que dizem respeito à importância e finalidade de
Jesus Cristo. C ontudo, é necessário lem brar que o pluralism o religioso foi um
fato de vida no contexto em que Paulo prim eiro pregou o evangelho na Euro­
pa, como é hoje. O surgim ento do pluralismo não levanta nenhum a objeção
fundam ental à teoria ou prática do evangelismo cristão; na verdade, se existe
algum a coisa nesse sentido, isso nos traz para mais perto do m undo do próprio
Novo Testam ento. C om entando a situação confrontada pela igreja primitiva,
conform e descrita nos Atos dos Apóstolos, o im portante evangelista M ichael
Green observa:

Penso ser irônico que as pessoas façam objeção à proclamação do evangelho


cristão nestes dias porque tantas outras crenças se acotovelam à porta de
nossa vila global. O que há de novo? A variedade de crenças na anti­
güidade era ainda maior do que é hoje. E os cristãos primitivos, fazendo
como fizeram reivindicações totais para Jesus, enfrentaram o problema de
outras crenças diretamente desde o comecinho. Sua abordagem foi interes­
sante [...] Eles não denunciavam as outras crenças. Simplesmente proclama­
ram Jesus com todo o poder e persuasão que tinham a seu dispor.465
O pluralismo religioso se tem tom ado, hoje, um a questão de importância
substancialmente maior por causa de várias razões, como por exemplo o surgi­
m ento, especialmente nos Estados Unidos, de um a cultura ocidental forte­
m ente voltada para os direitos, e ligada a um a com unidade politicam ente
organizada que não visa a prejudicar ninguém por causa de suas crenças reli­
giosas. É im portante apreciar que um a questão cultural é m uitas vezes ligada
com esse debate: defender o cristianismo é visto com o o ato de depreciar as
religiões não-cristãs, o que é “inaceitável” num a sociedade m ulticultural. Este
ponto é destacado claram ente pelo escritor católico Joseph A. D i Noia, OP,
que descreveu a experiência recentem ente vivida por ele, com o um dos cinco
participantes em um a m esa-redonda form ada de teólogos para discutir a per­
gunta “É Jesus Cristo o único m ediador da salvação?”. D i N oia foi o único dos
cinco participantes que apresentou um a resposta inequivocam ente positiva
para essa pergunta; os outros quatro não quiseram fazer isso, por crerem que
essa afirmação seria ofensiva a outras religiões.466
Especialmente para os que portam convicções políticas liberais, a agenda
m ulticultural exige que às religiões não deva ser perm itido fazer reivindicações
de verdade, a fim de evitar triunfalism o ou imperialismo. N a realidade, parece
haver um a percepção am pla de que a rejeição do pluralism o religioso com ­
preende intolerância, ou inaceitáveis pretensões à exclusividade. Realmente, o
planejam ento político liberal dita que todas as religiões sejam tratadas em pé
de igualdade. N o entanto, ir desse juízo essencialmente político sobre tolerân­
cia à declaração teológica de que todas as religiões são a m esm a coisa é um
pequeno passo. N a verdade, as pessoas totalm ente compromissadas com um a
visão de m undo pluralista parecem pensar que é vital para o futuro da civiliza­
ção hum ana tratar “as grandes tradições religiosas com o diferentes maneiras de
conceber e experim entar a única e m áxim a realidade divina”.467 Será, porém ,
que h á algum a razão para progredir do inteiram ente louvável e aceitável princí­
pio de que devemos respeitar as outras religiões que não a nossa, para o princí­
pio mais radical, que nos leva a ver todas com o um a m esm a religião, ou vê-las
com o igualm ente válidas manifestações de algum a “realidade divina supre­
ma”, ou com o cam inhos igualm ente válidos para um a salvação para todos?

A natureza de p lu ralism o
O surgim ento de um a ideologia de pluralism o religioso — m elhor visto
com o um a subcategoria de pluralism o intelectual e cultural em seu direito, em
vez de com o um a entidade específica — é a conseqüência não tanto de algum a
percepção de um a fraqueza da parte do cristianism o, mas sim do colapso da
idéia do Ilum inism o de conhecim ento universal. E verdade que a atenção é às
vezes desviada do colapso da visão do Ilum inism o sugerindo-se que o pluralis­
m o represente um desafio novo e irrespondível ao próprio cristianismo. O
teólogo de Princeton, Diogenes Allen, descarta corretam ente essa idéia como
um a pretensão falsa:

Muitos têm sido impulsionados ao relativismo pelo colapso da confiança


do Iluminismo no poder da razão para fornecer fundamentos para nossas
pretensões sobre a verdade e para chegar a alguma finalidade em nossa
busca pela verdade nas várias disciplinas. Muito da aflição expressa hoje
com respeito ao pluralismo e ao relativismo surge de uma crise na menta­
lidade secular da cultura ocidental moderna, não de uma crise no próprio
cristianismo.468

C ontudo, esses pressupostos relativistas já se tornaram profundam ente enraiza­


dos dentro da sociedade secular, particularm ente dentro do pós-modernismo,
m uitas vezes com a suposição especifica de que eles existem em detrim ento da
fé cristã.
C om entando o tem a “o evangelho num a sociedade pluralista”, Lesslie New-
bigin observa:

Tem-se tornado lugar-comum dizer que vivemos em uma sociedade plu­


ralista — não meramente uma sociedade que é de fato plural na variedade
de culturas, religiões e estilos de vida que abarca, mas pluralista no sentido
de ser esta pluralidade celebrada como para ser aprovada e apreciada.469

Newbigin faz aqui um a distinção entre pluralismo como um fato da vida, e


pluralismo como um a ideologia — isto é, a convicção de que o pluralismo deve
ser incentivado e desejado, e as pretensões normativas à verdade devem ser cen­
suradas como imperialistas e divididas. Com o fato de vida, isso é não-contenci-
oso; tipicamente, porém, pluralistas prescritivos tendem a usar a evidência do
primeiro para introduzir clandestinamente o segundo. N o que se segue, eu me
referirei ao prim eiro como “pluralismo descritivo” e ao segundo como “pluralis­
m o prescritivo”. N o sentido descritivo do termo, o pluralismo já foi explicita­
m en te reconhecido pela teologia cristã em seus períodos form ativos. A
proclamação cristã prim itiva ocorreu num m undo pluralista, em competição
com convicções rivais religiosas e intelectuais, quer consideremos a emergência
do evangelho na matriz do judaísmo ou, mais tarde, na expansão do evangelho
num meio helenista.470 A proclamação e consolidação do evangelho dentro de
um contexto religiosamente pluralista continuou subseqüentemente, como pode
ser visto pela expansão da igreja na Rom a pagã, no estabelecimento da igreja
M ar Thoma na região sul da índia, ou na inquieta co-existência do cristianis­
m o e do islã durante o período do Califato islâmico. Todos esses são exemplos
de situações nas quais apologistas e teólogos cristãos, para não falar em crentes
cristãos com uns, têm estado apercebidos de que há alternativas religiosas dis­
poníveis para o cristianism o.471
E bem possível que esta descoberta tenha ficado perdida para pelo menos
alguns escritores populares britânicos ou estado-unidenses do fim do século
X IX ou do começo do século XX. Para esses escritores, o pluralismo pode ter
significado pouco mais do que um a variedade de formas de protestantism o,
enquanto a referência “diferentes religiões” provavelmente teria sido entendi­
da com o referindo-se sim plesm ente à velha tensão entre protestantism o e cato­
licismo rom ano. O pluralism o estava situado e contido dentro de um contexto
cristão. Em parte, isto reflete um a tendência geral dentro da cultura européia,
particularm ente durante o século XVIII, que costum ava generalizar sobre pes­
soas “asiáticas” ou “orientais”, sem nenhum real entendim ento de suas religiões
ou heranças culturais.472 O islã, por exemplo, era geralmente visto tanto com
desconhecim ento como com aversão.473 M ontesquieu falou de sua difusão na
Ásia, Europa e África, com o “o eclipse de m etade do m u n d o ”. Em seu livro
N atural History ofReligion [História natural da religião], David H um e tratou o
“m aom etanism o” como um a religião opressiva e intolerante. A consideração séria
de religiões não-ocidentais foi assim im pedida de m odo significativo por um a
ignorância geral de culturas estrangeiras, como as orientais. A teologia ocidental
não tinha simplesmente condições de refletir sobre a relação das religiões, em
parte por falta de algum conhecimento real de seu conteúdo, e em parte por
ausência de qualquer pressão social para considerar os assuntos. Fora algumas
tentativas inconstantes por parte de alguns escritores do Ilum inismo que argu­
m entavam que todas as religiões positivas representam a corrupção de um a “re­
ligião da natureza” original, a questão continuou sem ser examinada.
As novas condições sociais que em ergiram em m uitas cidades ocidentais
durante a segunda m etade do século XX com o resultado de imigração da Áfri­
ca, sudeste da Ásia e do subcontinente indiano, levou a um a m udança radical
em atitudes ocidentais estabelecidas para com outras religiões.474 N a Inglater­
ra, o hinduísm o e o islã já se tornaram focos de identidade para m inorias
étnicas. A França foi sacudida pela nova presença de islamitas pela imigração
de suas antigas colônias do norte africano. As grandes cidades da Austrália e o
litoral oeste da Am érica do N orte tornaram -se o lar de grande núm ero de
pessoas vindas do sudeste da Ásia, de m odo que as “religiões orientais” — para
usar um term o etnocêntrico típico da tendência esteriotipadora do ocidente
— são um a presença conhecida nessas regiões. C om o resultado, teólogos oci­
dentais, — que parecem ainda dom inar a discussão global desses assuntos —
têm finalm ente se apercebido da sua im portância e se envolvido em aspectos
rotineiros da vida de cada dia para cristãos em m uitas partes do m undo, por
terem percebido que tem sido assim durante séculos.
C ontudo, muitas vezes, como veremos adiante, esse despertar tarde para o
pluralismo religioso é muitas vezes form ulado e discutido com base num con­
junto de pressupostos liberais ocidentais, em vez de ser estudado sob o prism a de
pressupostos cristãos. Além disso, as abordagens teológicas a outras religiões,
desenvolvidas dentro de comunidades cristãs não-ocidentais com longas histórias
de existência em um a cultura religiosamente pluralista, não têm causado ne­
nhum impacto sobre a teologia ocidental. As abordagens adotadas são baseadas
em pressupostos ocidentais, ou explicitamente ditas por parte de teólogos oci­
dentais, ou aceitas um tanto passivamente por pessoas dessas regiões do m u n ­
do educadas em um contexto ocidental supostam ente mais avançado. Vamos
explorar isto depois, olhando aquela palavra difícil de ser com preendida —
“religião” — um pouco mais profundam ente.
O fenômeno básico do pluralismo não é nada novo. Nova é a resposta in­
telectual a esse fenômeno: a sugestão de que a pluralidade de crenças não é mera­
m ente um a questão de fato observável, mas é teoricamente justificada — na vida
intelectual e cultural em geral e particularm ente em relação às religiões. Reivin­
dicações de qualquer grupo ou indivíduo que detém dom ínio exclusivo sobre a
“verdade” são tratadas como o equivalente intelectual de fascismo. Esta form a de
pluralismo é fortem ente prescritiva, buscando determ inar o que pode ser acredi­
tado, em vez de m eramente descrever o que é crido. Significativamente, como
veremos, a prim eira vítima da agenda pluralista prescritiva é a verdade.
M inha preocupação básica é m ostrar que essas formas de pluralismo pres-
critivo são fatalm ente falhas e crivadas de contradições internas, e deixam de
corresponder com o m undo com o realmente ele é. Em outras palavras, são
com prom etidas por um a série de incoerências intraparadigm áticas e extrapa-
radigmáticas, que cum ulam para deixá-las implausíveis, salvo para os que es­
tão to talm ente precom prom issados com elas p o r razões culturais. M in h a
abordagem envolve trazer ao plano da articulação consciente algumas das pres­
suposições e m étodos centrais de um a ideologia pluralista, a fim de sujeitá-los
ao exame crítico que já há tanto tem po deveria ter ocorrido. M inha ansiedade,
sentida em com um com m uitos outros cristãos, é que há igrejas tradicionais
precipitando-se diante de um comprom isso com algum tipo de visão pluralis­
ta, sem dar à questão o cuidado e atenção plena que isso tão obviam ente exige.
Tristem ente — na realidade, ironicam ente — m inha conclusão não é só
que o pluralismo prescritivo e intelectualm ente vazio em certas conjunturas
críticas; ela tam bém parece culpável exatamente do dogmatismo e imperialismo
dos quais os cristãos ortodoxos são tão livremente (e sem críticas) acusados. A
idéia de um liberalismo dogmático pode parecer um a contradição em termos.
N ão obstante, sob séria ameaça de um evangelicalismo espiritual e intelectual­
m ente renovado, o liberalismo parece, para muitos observadores, ter-se retirado
a posições defensivas, que ele está preparado a m anter com todo o vigor de um
Atanásio defendendo a divindade de Cristo contra o m undo. Um a ideologia
pluralista tornou-se parte integral, talvez até um a pedra angular, dessa estratégia
defensiva. Por esta razão, é im portante investigar os alicerces dessa ideologia.

O que é religião ?
U m exemplo da dependência excessiva de categorias ocidentais pode ser
visto em relação ao próprio termo “religião”. A palavra “religião” precisa de m ais
exame. Em sua obra clássica, mas altamente problem ática — The Golden Bough
(1890) — , Sir James Frazer colocou o ponto fundamental: “é provável que nao
haja nenhum assunto no m undo sobre o qual opiniões difiram tanto como so­
bre a natureza da religião, e form ular um a definição de religião que satisfaça a
todos obviamente tem de ser impossível”. C ontudo, tem havido recentemente
um esforço resoluto para se reduzir todas as religiões ao mesmo fenôm eno bási­
co global.
Antes, observamos as tentativas que vários escritores liberais fizeram para
tratar “cultura” e “experiência” como universais, capazes de evitar o particularis-
m o que sentiam ser um a característica tão inaceitável do pensam ento cristão
tradicional. De m odo m uito semelhante, “religião” — ou, ocasionalmente, a
categoria híbrida de “experiência religiosa” — é introduzida como um terceiro
term o universal em potência, num a tentativa de evitar particularidade. Cada um
destes três, porém , é simplesmente um a noção pseudo-universal, derivando a
pouca credibilidade que possui da agenda totalizante de seus proponentes. Isso
fica agora especialmente claro no caso da categoria de “religião”, a qual é ampla­
m ente concedida ser um a falsa categoria, incapaz de suportar a tensão teológica
das teologias pluralistas mais aventureiras e ambiciosas erigidas sobre sua base
espúria.
H á claramente um a questão de poder intelectual aqui, levantando a agenda
notada por M ichel Foucault. Q uem faz as regras que estabelecem o que é a
religião, e o que não é? As regras desse jogo determ inam o resultado: então,
quem decide sobre elas? A resposta a essa pergunta é bem simples: as regras
foram formadas e “policiadas” — para usar o term o de Foucault, com todos os
sobretons que com razão são implicados — por acadêmicos ocidentais liberais,
na base de um conjunto de pressupostos politicamente corretos que têm pouca
relação com as realidades empíricas das religiões.
175

erialismo C ontudo, muitos escritores liberais estão ansiosos sobre a violação da inte­
isados. A gridade das diferentes religiões que essa abordagem hom ogeneizadora com ­
i termos, preende. David Tracy é exemplo de um teólogo liberal profundam ente cético,
lelectual- desconfiado, de tal abordagem, apontando que, como matéria de simples obser­
r retirado vação, “não há nenhum a essência única, nenhum único conteúdo de ilum i­
ir de um nação ou revelação, nenhum caminho único de emancipação ou libertação” a
ideologia ser descoberto dentro das religiões do m undo.475 Por trás de m uita discussão
estratégia ocidental recente sobre “as religiões” está o pressuposto de que “religião” é uni­
ologia. versalmente um gênero, um a categoria concordada. O fato é que não é nada
disso. N um recente e im portante estudo, o teólogo de Cambridge, John Mil-
bank especifica que o “pressuposto sobre um gênero religioso” é central para
pode ser
a de mais ... a maneira mais atual de encontro como diálogo, mas seria um erro
imaginar que surgiu simultaneamente entre todos os participantes como
. que não o reconhecimento de uma verdade evidente. Pelo contrário, está claro que
como so- as outras religiões foram tomadas por pensadores cristãos como espécies do
satisfaça a gênero “religião”, porque esses pensadores sistematicamente classificaram
ntem ente fenômenos culturais divergentes sob categorias que incluem noções oci­
leno bási- dentais do que constitui pensamento e prática religiosos. Essas falsas catego-
rizações têm sido aceitas freqüentemente por representantes educados-
eram para no-ocidente, eles mesmos de outras religiões, que são incapazes de resistir à
-rticularis- força retórica politicamente saturada do discurso ocidental.476
ro cristão
N inian Sm art tam bém observou que m uito da conversa livre sobre “religião
_mente, a
ii terceiro clássica” realm ente significa clássica ocidental, sendo, portanto, um reflexo da
cultura ocidental, em vez de um a categoria universal.477
Cada um
rivando a Dessa forma, precisamos estar intensamente preocupados com a validade
entes. Isso do ingênuo pressuposto, com um a estudantes de religião ocidentais (que, no
I é ampla- fim, refletem um a visão culturalmente condicionada), que “religião” é um a cate­
teológica goria bem-definida, que pode ser nitidam ente, cirurgicamente distinguida de
e sua base “cultura” como um todo. O fato de a mitologia clássica grega, o confucionismo,
o taoísmo, as várias e diversas religiões da índia terem sido enganosamente re­
o a agenda unidas sob o term o genérico “hinduísm o”, o cristianismo, o totemismo e o ani-
o que é a mismo, todos estes, poderem ser chamados de “religiões” denota que isso é um a
do: então, categoria alarmantem ente ampla e difusa, sem qualquer característica realmente
: as regras distinta. O utra vez, John B. C obb Jr., um pioneiro do diálogo cristão-budista,
I I todos os comenta:
lis liberais,
Eu não vejo razão a priori para presumir que religião tenha uma essência
rém pouca
ou que as grandes tradições religiosas sejam bem entendidas como re­
ligiões, isto é, como tradições para as quais ser religioso é o alvo central.
Certamente, não vejo evidência empírica em favor dessa visão. Vejo so­
mente hábito erudito e o poder da linguagem para iludir.478

O primeiro passo em se dirigir ao pluralismo religioso é eliminar noções de


religião que refletem o viés cultural ocidental. N ão há nenhum espaço na teolo­
gia global para um a noção etnocêntrica de “religião” tão claramente refletindo
pressupostos ocidentais e incompreensoes de fenômenos culturais não-ociden-
tais. A teologia ocidental tem especialmente deixado de fazer isso. A sociologia
tem sido m uito mais aberta em respeitar a surpreendente variedade de crenças
dentro das religiões. Com o A nthony Giddens, professor de sociologia na U ni­
versidade de Cambridge, comenta, “religião” não pode ser definida em termos
ocidentais:

Primeiro, religião não deve ser identificada com monoteísmo [...] A maioria
das religiões compreende várias deidades [...] Em certas religiões não há
nenhum deus. Segundo, religião não deve ser identificada com prescrições
morais controlando comportamento de pessoas que crêem [...] Terceiro, a
religião não está necessariamente preocupada com explicar como o m un­
do veio a ser como é [...] Quarto, religião não pode ser identificada com o
sobrenatural, como intrinsecamente envolvendo crença em um universo
“além da esfera dos sentidos”.479

Em resumo, há a necessidade de respeitar a individualidade do que ainda insis­


tim os em m encionar com o “religiões”, em vez de construir definições artifici­
ais e reducionistas daquilo que a “religião” é. Isso é sim plesm ente imperialismo
cultural, em que os entendim entos de “religião” ocidental liberal — não a
cristã — têm sido impostos globalmente. Acaba sendo aquilo a que M ichel
Foucault se referiu com o “policiando” — isto é, um a coação repressiva de um a
noção predeterm inada do que algum a coisa ou alguém deve ser, em vez de
um a disposição de aceitá-los pelo que realmente são. Este é um exemplo clás­
sico do “fetiche da totalização”, tão característico da m odernidade, e tão vigo­
rosam ente contestado por escritores pós-m odernistas (ver p. 151-165). Este
ponto parece ter sido apreciado em discussões mais recentes, m esm o que suas
implicações plenas para um a perspectiva pluralista ainda tenham de ser explo­
radas. Paul K nitter já notou como, em sua m aneira de pensar, ele tem sido
culpado de “im plicitam ente, inconscientemente, mas ainda imperialisticamente
im por nossas noções de deidade ou do suprem o sobre outros crentes que,
como m uitos budistas, podem não querer falar sobre Deus, ou que experi­
m entam o suprem o com o Sunyata, que não tem nada ou tem pouco a ver com
o que os cristãos experim entam e cham am D eus”.480
177

Generalizações podem ser de auxílio em perm itir-nos entender religiões;


j central.
mas tais generalizações são só descrições e nunca podem ser permitidas tornar-se
. \ ejo so-
em vez disso prescrições do que a religião pode e não pode ser. Toda a questão do
pluralismo religioso se tem tornado fatalmente falha por um a m entalidade que
:ir noções de exige que tudo seja reduzido ao mesmo molde. Talvez mais arrogante de tudo
íço na teolo-
seja o uso (felizmente cada vez mais raro) da expressão “religiões mais altas” para
;:e refletindo se referir às religiões vistas como superiores a outras, na base de sensibilidades
não-ociden- ocidentais. O uso de expressões como essa é insultante e degradante, especial­
A sociologia m ente para as religiões da África sub-saariana, e deve ser abandonado. N o m e­
de crenças lhor dos casos, essas expressões não fazem sentido, e têm valor som ente para os
.; s;ia na Uni- que trazem consigo planos reducionistas; na pior das hipóteses, elas são im pe­
em termos rialistas e ofensivas.
Qualquer discussão sobre o lugar do cristianismo entre as religiões do m un­
do deve ser conduzida na base do respeito m útuo, tanto da parte de cristãos para
. a maioria com os não-cristãos, como da parte dos não-cristãos para com os cristãos. Esse
- não há respeito pode ser expresso em diálogo, que deve ser entendido como um a tenta­
; rrescrições tiva da parte de pessoas com crenças diferentes de obter um m elhor entendi­
Terceiro, a m ento um do outro. Esse diálogo, porém, não pode ser conduzido na base de
m j o m un- um a atitude profundam ente condescendente como a que julga que “todo m un­
iciua com o do está dizendo a mesma coisa”. Diálogo subentende respeito, mas não pres­
universo supõe concordância. C ontudo, a palavra “diálogo” precisa ser explorada melhor.

D iálogo e respeito m útuo


ur ainda insis-
D e vez em quando tem-se a impressão de que um a palavra já foi m uito
nições artifici-
trabalhada, e mostra-se cada vez mais incapaz de sustentar a pressão que se
: imperialismo
coloca sobre ela. A palavra “diálogo” já teve a desventura de ser tratada assim
>e:al — nao a
em anos recentes. A literatura do pluralism o está saturada com essa palavra,
i que M ichel
quase ao p onto de induzir um torpor intelectual por parte de seus leitores
ressiva de um a
desafortunados. Esta fixação é compreensível, dadas as pressuposições do plu­
ser. em vez de
ralismo, especialmente a crença fundam ental não justificada (e, em qualquer
;:>:emplo clás-
caso, injustificável) de que “religião” constitui-se um gênero. Se é correta a
ce. e tão vigo-
pressuposição pluralista de que as várias religiões, como m em bros de um gênero
' 1-165). Este
com um , precisam ser entendidas com o com plem entando um a à outra, segue-
cí mo que suas
se que a verdade não está num a abordagem “ou-isto-ou” e sim no sentido de
r. ue ser explo-
“tanto-um -com o”.
■. ríe tem sido
Isso naturalm ente leva à idéia de que diálogo entre religiões pode levar a
ruisticam ente
um a intensificação da verdade, em que a capacidade de avaliar as perspectivas
« crentes que,
de um a religião pode ser com plem entada pelas diferentes perspectivas de outra.
>u que experi-
Com o todas as religiões são tidas como se relacionando com a mesma realidade,
>u;o a ver com
o diálogo assim constitui um m odo privilegiado de acesso à verdade.
178

N o entanto, o tem po certam ente chegou de em ancipar o “diálogo” dos


vínculos com os tais pressupostos. E perfeitam ente possível o cristão entabular
um diálogo com não-cristãos, quer sejam eles de um a persuasão religiosa ou
não, sem de m odo nenhum estar comprom issados com a visão intelectual­
m ente pouco profunda e paternalista de que “estamos todos dizendo a m esm a
coisa”.481 C om o Paul Griffiths e Delmas Lewis colocaram num artigo com um
título m uito hábil, “é tanto logicamente com o praticam ente possível para nós,
com o cristãos, respeitar e denotar consideração com representantes dignos de
outras tradições enquanto ainda crendo — em bases racionais — que alguns
aspectos de sua visão-de-m undo são sim plesm ente erradas”.482 Ao contrário
da abordagem hom ogeneizante de John H ick, John V. Taylor observou que
um diálogo é “um a conversa sustentada entre partes que não estão dizendo a
m esm a coisa e que reconhecem e respeitam as diferenças, as contradições, e as
exclusões m útuas entre suas várias m aneiras de pensar”.483 O diálogo assim
implica respeito, não concordância, entre as partes. Isso já se tornou um a parte
essencial do etos de civilidade característico da cultura ocidental.
A ênfase distinta colocada sobre o “diálogo” dentro do pluralismo parece
repousar sobre um modelo socrático de diálogo.484 Essa abordagem presume
que os participantes no diálogo estão todos falando de praticam ente a mesma
entidade, que acontece estarem vendo de perspectivas diferentes. Assim, o diálo­
go oferece um estilo de abordagem que perm ite que essas perspectivas sejam
reunidas, combinadas, gerando um a percepção cum ulativa que transcende às
particularidades de cada um a, perm itindo assim a cada participante sair mais
rico e inform ado. N o contexto de diálogo inter-religioso, a abordagem é m ui­
tas vezes com parada a um rei e seus cortesãos, que se divertem fazendo com
que pessoas cegas apalpem diferentes partes de um elefante. Os relatos dados
por esses cegos sobre o que tocaram e sentiram são bem diferentes; em bora
superficialm ente irreconciliáveis, as descrições podem facilm ente ser harm o­
nizadas com o perspectivas diferentes sobre a mesm a realidade maior. Com o
John H ick explica — usando, note-se, categorias kantianas fortem ente etnocên-
tricas que os partidários de religiões não-ocidentais acham totalm ente inapropria-
das — as religiões poderiam ser entendidas com o “diferentes experiências
fenomenais de um noumenon divino único; ou em outra linguagem, diferen­ 1£-.
tes transformações experimentais do m esm o input fenom enal transcendente is? :

dado”.485 C ada perspectiva é genuína e válida; sozinha, contudo, é inadequada rr.e:


Sc!”
para descrever a m aior realidade da qual é apenas parte.
qui
Até que ponto é apropriado esse m odo de discurso em geral, e essa analo­
gia em particular, para um entendim ento da relação entre as religiões do m u n ­ re_:

do? Lesslie New bigin faz um a observação vitalm ente im portante que precisa Sc':
irr;.
179

>;o' dos ser pesada cuidadosam ente, em relação a um a analogia m uito-citada para a
nrabular relação entre religiões.
eiosa ou
e.ectual- Na famosa história dos homens cegos e o elefante [...] o ponto verdadeiro
l mesma da história é constantemente negligenciado. A história é contada do ponto
c èjn um de vista do rei e seus cortesãos, que não são cegos mas podem ver que os
?ara nós, homens cegos são incapazes de captar a realidade total do elefante e só são
icmos de capazes de tocar uma parte dele. A história é constantemente contada a fim
ê alguns de neutralizar as afirmações das grandes religiões, para sugerir que seus adep­
ntrário tos aprendem humildade e reconhecem que nenhum deles pode ter mais de
v iu que um aspecto da verdade. Naturalmente, porém, o ponto real da história é
icendo a exatamente o contrário. Se o rei também fosse cego, não haveria nenhuma
::es, e as história. A história é contada pelo rei, e é a afirmação imensamente arro­
e: assim gante de alguém que vê a verdade completa, que todas as religiões do m un­
ma parte do estão só estendendo a mão para apalpar e pegar. Ela corporifica a pretensão
de já conhecer a realidade completa que relativiza todas as pretensões das
parece religiões.486
r resume
a mesma New bigin expõe a arrogância em potencial de qualquer pretensão de se dizer
. o diálo- capaz de ver todas as religiões do ponto de vista de alguém que vê a verdade
•i5 sejam plena. Alguém afirmar que vê o quadro grande, enquanto cristãos e outros
^rende às vêem só um a parte dele, eqüivale ao imperialismo, a não ser que esteja univer­
sair mais salm ente disponível um conhecim ento público aberto a um exame e avaliação
r. é m ui- crítica geral.
rmo com A reivindicação a acesso privilegiado para um conhecim ento total e com ­
cs dados preensivo da realidade é geralmente tratada com intenso ceticismo, não menos
: embora por causa de sua evidente falta de fundam entos empíricos, e sua resistência à
r narmo- verificação ou falsificação. Existe um acordo geral de não perm itir nenhum a
ir. Com o posição privilegiada da qual o “quadro grande” pode ser visto. Escritores como
ernocên- John H ick têm insistido em que as diferenças óbvias entre as “religiões” do
arropria- m undo devem-se a suas percepções diferentes de “o Real”. N enhum a evidên­
trièncias cia empírica de substância, porém , tem sido oferecida para essa afirmação. Faz
, aiferen- igual sentido dizer que as religiões são diferentes, e devem ser respeitadas por
cendente isso — ou, no que diz respeito ao assunto, dizer que algumas estão simples­
idequada m ente erradas. N inian Smart, que se dedica a docum entar os fenôm enos ob­
serváveis da religião em vez de forçá-los em moldes preconcebidos, enfatiza
►sa analo- que o “juízo quanto a saber se há um cerne com um básico de experiência
co m un- religiosa deve ser baseado nos fatos, e não determ inados apriori pela teologia”.
le precisa Sobre adotar esta abordagem fenomenológica, ele argum enta que é bastante
irrazoável pensar que “há suficiente semelhança conceituai entre Deus e nirva­
na (como concebido no budismo theravadin) para asseverar que o theravadin e
o cristão estão cultuando o mesmo Deus — o theravadin, porém, não está basi­
camente cultuando”. 487 D e m aneira semelhante, os próprios escritores budistas
são intensamente resistentes à sugestão de que o taoísmo, confucionismo e bu­
dism o são só estradas diferentes que sobem à m esm a m ontanha.488
Lesslie N ew bigin, com entando sobre as visões relacionadas de W ilfrid
Cantwell Sm ith, bate m uito na m esm a tecla:

É claro que na ótica de Smith “o Transcendente” é uma categoria pura­


mente formal. Ele, ela ou isso pode ser concebido em qualquer modo que
o adorador possa escolher. Portanto, não pode haver tal coisa como um
culto falso ou mal-orientado, visto que a realidade à qual é dirigido é algo
incognoscível. Smith cita como “um dos comentários mais teologicamente
discernentes que conheço” as palavras do Yogavasistha: “Tu és sem forma.
Tua única forma é nosso conhecimento de ti”. Qualquer reivindicação
feita para um conceito do Transcendente, por exemplo a pretensão cristã
de que o Transcendente está presente em plenitude em Jesus (Cl 1.19), é
para ser vista como totalmente inaceitável. Não há critérios pelos quais
diferentes conceitos do Transcendente podem ser testados. Somos confi­
nados a uma total subjetividade: o Transcendente é incognoscível. 489

A não ser que a “plena realidade que torna relativas todas as reivindicações das
religiões” seja tornada publicamente disponível e sujeita a intensa análise empíri­
ca — e até que isso aconteça — , a reivindicação de que, de alguma forma, todas
as religiões providenciam instâncias de seus vários aspectos é pouco mais do que
um a alegação não verificada, sem nenhum a base legítima. Efetivamente, repre­
senta um a reivindicação tanto não verificável como nao falsificável, um a in­
trusão no m undo de especulação em vez de um a pesquisa empírica sólida. Com o
John H ick sabe que as religiões são apenas “diferentes experiências fenomenais
do único noumenon divino; ou, em outra linguagem, diferentes transformações
experimentais do mesmo transcendente input inform acional”? C om o poderia
ele dem onstrar isso a um auditório imparcial?
Discussões sobre o pluralism o religioso foram seriamente obstruídas por
um a m entalidade bem -intencionada, mas, no fim, espúria, que está travada na
visão m undial de “nós todos estamos dizendo a m esm a coisa realm ente”, que
suprim e ou evade as diferenças entre diferentes crenças a fim de construir al­
gum a teoria artificial que explique atributos com uns. A supressão deliberada
ou a evasão de diferenças é academ icam ente inaceitável, e não pode ser tolera­
do por quaisquer pessoas preocupadas em fazer justiça às religiões do m undo
com o são vistas por seus adeptos, em vez de em versões artificialm ente re-
181

.cnvadin e construídas dessas crenças religiosas que emergem das tendências hom ogenei-
: está basi- zantes de estudiosos de religião.
- budistas Em im portante e recente estudo, a teóloga de Yale, Kathryn Tanner, argu­
:?mo e bu- m enta que a teologia pluralista liberal já sucum biu ao “discurso colonialista”,490
tentando reduzir as religiões a manifestações dos mesmos impulsos transcen­
W ilfrid dentais, ou m inim izar suas diferenças por am or à ordem teórica:

As generalizações pluralistas sobre o que todas as religiões têm em comum


.i. oura- conflitam-se com diálogos genuínos, em que prejulgam seus resultados. A
: 1 0 que existência de atributos comuns, que devem ser estabelecidos em e por um
r.'.o um processo de diálogo, são construídos adiantadamente por pluralistas para
: e algo servir às pressuposições do diálogo. Os pluralistas, portanto, fecham-se ao
cim ente que pessoas de outras religiões poderiam ter para dizer sobre seu relato des­
■ rorma. sas coisas comuns. E mais [...] um pluralista enfoca nas mínimas diferenças
..cicação das coisas comuns entre as religiões do mundo. A insistência do pluralismo
1: crista no comum como condição de diálogo mostra a relutância em reconhecer a
: .19), é profundidade e o grau de diversidade entre religiões, ou a importância posi­
:s quais tiva delas.491
í confi-
Além disso, Tanner cham a atenção para o fato de os pluralistas esconderem as
“particularidades de suas visões afirm ando form ar generalizações sobre as re­
: caçoes das ligiões do m u n d o ”. Apesar disso não ser verdade — Tanner observa — , esta
:se empíri- abordagem “traz os teoristas pluralistas da religião bem próxim os do tipo de
: :ma, todas absolutism o que é a parte de seu projeto para evitar.492
/.ais do que E óbvio que diferenças existem entre as religiões do m undo, quer se ana­
ente, repre- lisem questões de interpretação histórica ou de exposição doutrinária. O Novo
r’. um a in- Testam ento é enfático: Jesus m orreu num a cruz. O C unrã é igualm ente en­
.;da. Com o fático: ele não m orreu num a cruz. H á duas óticas principais sobre este assunto
renomenais dentro do islã. O ponto de vista ortodoxo é que Jesus nem foi m orto pelos
judeus, nem foi crucificado “em bora parecesse assim para eles” (.shubbiha la-
.slormações
huwi), mas que ele foi transladado ao céu, tendo outra pessoa, de nom e desco­
~ o poderia
nhecido, tom ado o seu lugar na cruz.493 A expressão “parecesse assim para eles”,
neste caso, suportaria ou o sentido de “os judeus pensaram que Jesus m orreu na
cruídas por
cruz” ou “os judeus pensaram que a pessoa na cruz era Jesus”.
.a travada na
O segundo ponto de vista, encontrado na tradução deste sura, na versão
v.ente”, que
do C unrã associado com o m ovim ento Ahmadiyya, tanto Lahori com o Q adi-
onstruir al-
yani, não excluem a colocação de Jesus na cruz, mas negam explicitamente
deliberada
que ele morreu na cruz.494 O s Ahm adis (que são vistos como heréticos pela
e ser tolera­
linha principal sunita) argum entam que Jesus se recuperou de seus ferimentos
do m undo
no túm ulo, antes de eventualm ente encam inhar-se para Caxemira, onde final­
al m ente re­
m ente morreu. 495
A im portância fundam ental deste ponto está totalm ente além da disputa.
Im porta decisivamente se Jesus Cristo m orreu sobre a cruz, tanto para a história
como para a teologia. O aspecto histórico da questão é decisivo: tanto o Novo
Testamento como o C unrã não podem estar certos. Se um está correto quanto a
essa questão histórica, o outro está incorreto. Para os objetivos de buscar afir­
mação para esse ponto, não im porta qual das duas opiniões é correta; o simples
fato é que ambas as opiniões não podem estar com a verdade.496 Os aspectos
teológicos da questão estão tam bém além da discussão. Se Jesus não m orreu na
cruz, toda um a série de crenças distintas e autenticam ente cristãs é questionada.
C om o o M uham m ad Zafrulla Khan (1893-1985), o escritor Ahmadi, com en­
tou: “U m a vez estabelecido que Jesus não m orreu na cruz, não havia nenhum a
m orte amaldiçoada, nenhum levar os pecados da hum anidade, nenhum a ressur­
reição, nenhum a ascensão e nenhum a expiação. A estrutura inteira da teologia
de igreja é assim demolida”.497 M esm o dando desconto pelo tom geralmente
anti-cristão dos escritos de Ahm adi, o ponto que se faz é relevante: se Jesus
Cristo não m orreu na cruz, não há nenhum evangelho cristão.
Aqui está um caso simples de discordância sobre um assunto — um as­
sunto importante — da história. Isso é destacado claram ente por H ans Kiing,
que, sob m uitos aspectos, é considerado um dos mais liberais dos escritores
Católicos Romanos recentes. C ontudo, Küng recusa perm itir que seu pré-com-
promisso liberal influencie o fato inegável de que o cristianismo é diferente de
outras crenças. Para Küng, um elem ento vitalm ente im portante é a cruz de
Jesus C risto.498
Precisamos agora destacar mais claram ente um ponto decisivo para deter­
m inar o que é especificamente cristão, o que até aqui tem causado dificuldades
não só para judeus e m uçulm anos e para os seguidores de outras religiões, mas
tam bém para m uitos cristãos: a im portância da cruz com o m arca característica
dos cristãos. Já nessa conjuntura torna-se m uito claro o fato de o veredicto
popular de que todas as religiões e seus “fundadores” são a m esm a coisa repre­
sentar um preconceito insustentável. Se forem comparadas apenas as m ortes
dos fundadores das religiões, surgirão diferenças inconfundíveis: Moisés, Buda
e Kung-Fu-Tse todos m orreram com idade avançada, depois de grande êxito
entre seus discípulos e seguidores, “cheios de vida” com o os patriarcas de Isra­
el; M aom é nos braços de sua esposa favorita, depois de gozar um a vida agradável
em seu harém . E Jesus de Nazaré? M orreu corno um hom em jovem após um
período adm iravelm ente curto, de no m áxim o três anos, e talvez só alguns
meses; traído e negado por seus discípulos e seguidores, escarnecido e zom ­
bado por seus opositores; abandonado por D eus e seus semelhantes hum anos
no rito mais abominável e com pleto de morrer, que de acordo com a juris­
183

prudência rom ana não podia ser infligido em criminosos que fossem cidadãos
a aisputa.
rom anos, mas só em escravos e rebeldes políticos: a cruz.
i nistória
N egar que o cristianismo e o islã estão em discordância sobre um a questão
: o Novo
tão fundam ental pareceria trocar argum entação raciocinada por rogos especi­
a janto a
ais e afirmações petulantes.499 Divergência honesta não é pecado. Além disso,
_?aar afir-
a disposição de reconhecer diferenças remove a crítica mais básica dirigida
: simples
contra o diálogo intra-fé: que não está preparado para reconhecer diferenças
: aspectos
genuínas. Só alguém de integridade intelectual altam ente questionável pode­
r . : rreu na
ria discutir que é verdade tanto que “Jesus m orreu, sim, na cruz” e que “Jesus
c-:ionada.
não m orreu na cruz”. Diferenças precisam ser reconhecidas e suas implicações,
t: comen-
exploradas.
aenhum a
Vamos considerar o diálogo entre judeus e cristãos, com o qual eu tenho
~.a ressur-
estado envolvido pessoalmente. N u m im portante estudo recente, o ilustre escri­
:a :eologia
tor judeu, Jacob Neusner, argum entou que, realmente, não tem havido nenhum
-rralmente
diálogo judeu-cristão, em que a crença central de cada fé — a doutrina da
í : se Jesus
encarnação, no caso do cristianismo, e a divina vocação de Israel, no caso do
judaísm o — tem sido evitada pelos que se têm envolvido nessas discussões.300
— um as-
Será que isso pode ser diálogo real — ele pergunta — , se não há confrontação
Küng,
de diferenças tão claras e abertas? Por que essas discussões interconfessionais
escritores
buscam estabelecer pontos de acordo, e ignoram diferenças tão grandes?
_ rre-com -
Em parte, a resposta a essas perguntas é simples: o objetivo desse diálogo
::erente de
geralmente é estabelecer pontos em comum , a fim de m elhorar entendim ento e
a cruz de
respeito m útuo num m undo m oderno altamente polarizado, em que diferenças
religiosas são de substancial im portância política — um ponto enfatizado por
- ara deter-
Gilles Kepel, do Instituto de Estudos Políticos em Paris.501 C ontudo, este alvo
cr.culdades
inteiram ente digno de apreço tem seu lado mais negativo. Pode m uito facil­
lüiões, mas
m ente levar à supressão deliberada de diferenças, nos interesses de harm onia.
aacterística
E inteiram ente apropriado que as religiões do m undo sejam reconhecidas como
: veredicto
discordastes entre si no que se refere às suas crenças. O cristianismo vê a auto-
: :sa repre-
revelação final de D eus com o tendo acontecido em Jesus Cristo; o islã o vê
as mortes
com o tendo ocorrido por meio de M aom é. Em bora de acordo com a idéia de
: ises, Buda
um a revelação final de Deus, ocorre que as duas religiões diferem fundam ental
^ande êxito
e irreconciliavelmente, tanto no m odo específico dessa revelação com o em seu
eas de Isra-
conteúdo. O s cristãos insistem em que Jesus foi crucificado; os m uçulm anos
*a agradável
insistem em que ele não o foi. Se o crente convicto realmente crê alguma coisa,
rr. após um
a divergência é inevitável — e apropriada. C om o o distinto filósofo estado-
z só alguns
unidense Richard Rorty disse, ninguém , “a não ser o ocasional calouro coope-
iao e zom-
rador” realmente crê que “duas opiniões incompatíveis a respeito de um assunto
5 r.umanos
im portante são igualm ente boas”.1112
: :r. a juris­
184

N ão é crime nenhum discordar de alguém. É im próprio, contudo, elimi­


nar ou evitar as diferenças por causa de um a opinião a priori de que nenhum a
diferença pode existir. George Lindbeck escreveu sobre a tendência liberal de
“homogeneizar” tudo: a abordagem adotada aqui é honrar e respeitar diferenças Urru
genuínas e buscar explorar suas implicações. N ão há lugar para um a desones­
tidade intelectual que recusa reconhecer, por exemplo, que os cristãos prestam
culto e adoram a Jesus Cristo com o Senhor e Salvador, enquanto os m uçul­
m anos vêem o C unrã como a palavra autorizada de Deus, e M aom é, com o seu
profeta. Am bas as religiões estão comprom issadas com evangelismo e con­
versão (para usar dois term os cristãos que não têm paralelos exatos no islã),503
crendo que eles estão certos; nenhum dos dois vê suas diferenças m útuas como
ameaça à sua distinção própria. Para o islã, o cristianismo é diferente — e
errado.
U m a das mais sérias dificuldades que surge do m odelo de John H ick é que
não são só as religiões individuais que têm acesso à verdade; é o pluralismo
liberal ocidental, que insiste em que cada religião precisa ser vista no contexto
de outras, antes que possa ser avaliada. E com o m uitos já apontaram , isso
significa que a doutrina liberal ocidental de pluralismo religioso é definida
com o o único ponto de vista válido para se avaliar religiões individuais. H ick
colocou no centro de seu sistema de religiões um a idéia vaga e indefinida de “o
Ser E terno”, que parece não ser m uito mais do que um a vaga idéia liberal de
divindade, cuidadosam ente definida — ou, com mais acerto, deliberadam ente
não definida, para evitar o estrago que a precisão com preende — para incluir
pelo m enos algo de todas as maiores religiões do m undo que H ick sente que
vale a pena incluir.
C ontudo, não é chocantem ente im perialista essa abordagem? Fica im ­
plícito desta idéia de H ick que só o acadêmico liberal ocidental culto pode
realmente entender todas as religiões. Seus adeptos podem crer ingenuam ente
que eles têm acesso à verdade; na realidade, só o acadêmico liberal ocidental
tem um acesso privilegiado deste, que é negado àqueles que pertencem e prati­
cam tal religião. Apesar de não ser budista, H ick sabe dizer ao budista o que ele dc 55:
realmente crê (como oposto ao que eles pensam que crêem). Talvez um a das rece:
mais impressionantes reivindicações feitas por liberais a esse respeito possa ser
encontrada em The M yth ofChristian Uniqueness [O mito da unicidade cristã], COIT-
obra em que vários colaboradores — com o Paul Knitter, Langdon Gilkey, p re :,
Rosem ar y Radford R uether e Tom D river — afirm am que todas as tradições e n tr;
religiosas podem com partilhar um a perspectiva com um sobre justiça e liber­ e o r:
tação. Esta arrogante imposição de correção política sobre as religiões do m u n ­ mas
do anula, encobre, evidentem ente, o fato óbvio de que as religiões do m undo tin u ;
têm diferido — e continuam a diferir — significativamente sobre matérias
sociais e políticas, tanto quanto sobre idéias religiosas.

Um a abordagem evangélica às religiões e à salvação


Se um pluralism o ingênuo já ganhou o controle no m undo acadêmico, é
em parte porque os evangélicos têm perm itido que isso seja feito, ao deixar de
articular um a interpretação crível, coerente e convincente, e cristã, do lugar
das religiões do m u n d o ,504 e de assegurar que isso seja ouvido e notado na
arena pública. Já enfatizei a im portância de desenvolver um a estrutura para
fazer sentido do lugar e idéias de outras religiões e possibilitar sua avaliação.
Carl E. Braaten assim expressa este aspecto:

Para a teologia cristã, as religiões não podem estabelecer seu sentido de


um modo final à parte da luz que vem do evangelho e que cai sobre elas:
isto é, sabemos o que sabemos sobre o que Deus está fazendo nas religiões,
pela luz de Cristo; de outra forma, não saberíamos que sentido fazer delas.
Alguma perspectiva definida precisa dirigir nossas interpretações e apropri­
ações.505

O evangelicalismo pode oferecer essa “ótica definida”, rigorosam ente funda­


m entada nas doutrinas cristãs de criação e redenção. A prim eira descoberta
feita por alguém que leia a Bíblia é que D eus criou o m undo. Será, pois, sur­
preendente que essa criação dê testem unho dele? O u que o auge de sua criação,
a natureza hum ana, leve um sinal reconhecível da natureza divina?506 E que
este sinal tenha um valor considerável com o ponto de partida para que se
possa entender o im pulso religioso da raça hum ana? Pela graça de Deus, a
criação pode apontar para o seu Criador. Por meio da generosidade de Deus,
foi deixada em nós um a m em ória latente sobre ele, capaz de nos levar a recor­
dar dele em sua plenitude. E m bora haja um a fratura, um a disjunção, entre o
ideal e o empírico, entre as esferas da criação caída e redim ida, a lem brança
desse elo continua vivendo, ju n to com a insinuação de sua restauração pela
redenção.
C ontudo, a doutrina cristã da redenção afirma que a natureza hum ana,
com o nós a vemos e conhecemos agora, não é natureza hum ana como Deus
pretendeu que ela fosse. Isso nos força a desenhar um a nítida linha divisória
entre a natureza h um ana prístina e a natureza hum ana decaída — entre o ideal
e o real, o protótipo e o verdadeiro. A imagem de D eus em nós está danificada
mas não destruída. C ontinuam os a ser as criaturas de Deus, não obstante con­
tinuarm os a ser as criaturas decaídas de Deus. Fomos criados para a presença
186

u m cr.;;i
de Deus; contudo, por causa do nosso pecado, essa presença é apenas um
rs
sonho. O que deveria estar pleno do conhecim ento, glória e presença de Deus,
acha-se vazio.
E scrirura
Assim, dentro de nós há um relacionam ento com Deus — relacionam en­
re lig i:- !
to fraturado — e um a receptividade para com D eus — receptividade insatis­
p e rié r.j.a
feita. A criação estabelece um a potencialidade, que o pecado frustra — contudo,
d a e5:r_r
a m ágoa e a dor daquela frustração continuam vivas em nossa experiência. E
m ais c : :
esse m esm o senso de vazio que, em si, está por trás da idéia de um ponto de
básica 7*í
contato. Estamos apercebidos de que algo está faltando. Podemos não ser ca­
várias : : í
pazes de dar-lhe o nome. Podemos ser incapazes de fazer alguma coisa a respeito.
m e n c s a^
O evangelho cristão, porém , é capaz de interpretar nosso desejo ardente, o
liz aç ã:. E
sentim ento de não nos sentir realizados, com o um a percepção da falta de Deus
ser /j
— e assim prepara o cam inho para a realização. U m a vez que reconhecemos
que estamos incom pletos, que nos falta algo, começamos a pensar se esse vazio Q-=~
n ism c a í
espiritual poderia ser preenchido. E este im pulso que está por trás da busca
é c o n te i
hum ana por realização religiosa — um a busca que o evangelho vira de ponta
plexa e i.
cabeça com sua declaração de que fomos buscados pela graça de Deus.
T estar.: tr.
E precisamente esta a idéia que está por trás das famosas palavras de Agos­
dos c a re.
tinho: “Tu nos fizeste para ti m esmo, e nossos corações estão inquietos até que
ética. L ::
descansem em ti”.507 As doutrinas da criação e redenção com binam -se para
d e salvari
interpretar esse senso de descontentam ento e falta de realização como um a
da, ela r ‘
perda — perda de com unhão com Deus — que pode ser restaurada. O quadro
N.
de um a natureza hum ana partida, que ainda possui a capacidade de estar ciente
p rim i : r :■
de sua perda, e de esperar que possa ser restaurada é dado. H á um ponto
referir-
natural de contato para o evangelho, fundam entado na frustração da natureza
do c o r m
hum ana de satisfazer-se por seus projetos. Agostinho captou essa idéia perfeita­
os e s c r i:::
m ente quando falou da “m em ória amorosa”508 de Deus. E a memória de Deus,
N a bas t a
baseada nas doutrinas da criação e redenção, que afirm am que, por m eio do
clusão r^ :
pecado, nós tem os parcialm ente perdido algum a coisa — e somos de algum a
Jesus r : r :
form a tornados conscientes daquela perda por meio da graça. E um a lem ­
Is>; r
brança amorosa, experim entada como um senso de nostalgia divina, de anseio
c o m o .'.'r.-’
espiritual. H á um a sede para se ter mais daquilo do que só temos em parte.
dele. N a :
O ponto de contato é, então, um a percepção ou consciência da presença
dos c o ra :
passada de D eus e o presente em pobrecim ento dessa presença, suficiente para
d a em :z:
m over-nos ao desejo de recuperá-la totalm ente por m eio da graça de Deus. É
q u a lq u a : :
um gatilho, um estímulo, um ante-gosto do que ainda virá, e um a revelação
O N:
da insuficiência e pobreza do que agora temos. Para usar o vocabulário de
Jesus Cr;>i
Agostinho, o ponto de contato é um a m em ória latente de Deus, reforçada por
re a firn :: _
187

um encontro com sua criação, que tem o potencial de nos dirigir para a fonte
renas um
m ediante a qual seu senso de anseio doce-amargo pode ser satisfeito.
r ue Deus,
Aqui está um a estrutura interpretativa definida, firmemente alicerçada na
Escritura e na tradição cristã, que visa a fazer sentido de m uito da experiência
jnam en-
religiosa hum ana. U m impulso fundam ental que parece existir por atrás da ex­
ue insatis-
periência religiosa — a busca pelo transcendente — pode ser explicado dentro
— contudo,
da estrutura da teologia cristã. Não é m inha intenção desenvolver esse ponto
rriencia. E
mais do que isso, simplesmente porque o espaço não o permite. M eu argum ento
uonto de
básico, porém, é que o próprio evangelho nos capacita para entender por que as
- Io ser ca-
várias tradições religiosas da hum anidade existem, e por que pode haver pelo
- i :espeito.
m enos algum grau de convergência entre elas em relação a um a busca por rea­
irdente, o
lização. Esse grau de convergência pode ser teologicamente justificado, e precisa
de D eus
ser apologeticamente explorado.
: nhecemos
Q ue abordagem pode ser, então, adotada para o lugar salvífico do cristia­
e esse vazio
nism o dentro da situação religiosa do m undo? O ponto inicial que mais ajuda
í ; da busca
é considerar a própria noção de “salvação”. A noção cristã de “salvação” é com ­
- i de ponta
plexa e altam ente cheia de nuanças. As imagens controladoras usadas no Novo
eus.
Testam ento para articular seus vários aspectos incluem term os e conceitos tira­
de Agos-
dos de relacionamentos pessoais, cura física, transações legais e transform ação
e:os até que
ética. C ontudo, no meio dessa rica diversidade de entendim entos da natureza
im -se para
de salvação, um fator perm anece constante: seja como a salvação for entendi­
eomo um a
da, ela é fundam entada na vida, m orte e ressurreição de Jesus C risto.509
O quadro
Salvação é um a possibilidade só po r causa de Jesus Cristo. O s cristãos
estar ciente
prim itivos não hesitavam em usar o term o “salvador” (no grego: sôtêr) para
um ponto
referir-se a Jesus Cristo, apesar de esse term o já ser am plam ente usado dentro
ua natureza
do contexto complexo e diverso no qual o evangelho prim eiro apareceu. Para
e:i perfeita-
os escritores do Novo Testam ento, Jesus foi o único salvador da hum anidade.
■:.i de Deus,
N a base da evidência disponível aos escritores do Novo Testam ento, esta con­
: r meio do
clusão pareceu inteiram ente apropriada e necessária. A evidência a respeito de
í de algum a
Jesus precisava ser interpretada nessa direção, e foi assim interpretada.
£ um a lem -
Isso não significa, porém , que os prim eiros cristãos pensavam que Jesus
de anseio
com o sôter oferece a mesm a sôtêria que outros que portaram esse título antes
em parte,
dele. N a religião clássica grega, Poseidon e os D ioskouroi eram todos aclama­
da presença
dos com o sôtêres;510 contudo, a “salvação” em questão parece ter sido concebi­
-ciente para
da em term os de livramento tem poral de um a ameaça presente, em vez de
de Deus. É
qualquer noção de salvação eterna.
-ua revelação
O Novo Testamento afirma a particularidade do ato redentivo de Deus em
cabulário de
Jesus Cristo.511 A tradição cristã primitiva, baseando-se no Novo Testamento,
eforçada por
reafirmou essa particularidade. Enquanto concedendo a revelação de Deus ia
bem além de Jesus Cristo (em que Deus tornou-se conhecido em várias exten­
sões por esses meios como a ordem natural da criação, e a consciência hum ana e
civilização), o conhecimento geral de Deus não era entendido como compreen­
dendo salvação universal. João Calvino declarou os vários estilos de conheci­
m ento de Deus disponíveis à hum anidade quando ele fez sua celebrada distinção
entre um “conhecimento de Deus, o Criador”, e um “conhecimento de Deus, o
redentor”.512 O prim eiro era disponível universalmente, m ediado por meio da
natureza e (de m aneira mais plena e mais coerente) da Escritura; o último, que
só constituía um conhecimento de Deus distintivamente cristão, tornou-se co­
nhecido por intermédio de Jesus Cristo, conforme é revelado na Bíblia. Assim,
Calvino não teria problem a algum em permitir, por exemplo, tanto a judeus
quanto a m uçulmanos terem acesso a um conhecimento de Deus, como Cria­
dor; o conhecimento particular e distintivamente cristão de Deus está ligado a
conhecê-lo como redentor, em vez de conhecê-lo apenas como Criador.
Calvino aqui expressa um consenso estabelecido há longo tem po dentro da
teologia cristã: o conhecimento de Deus pode ser alcançado fora da tradição
cristã. D entro da tradição reformada, a posição geral de Calvino tem sido m an­
tida, a despeito do desafio vigoroso de Karl Barth, que insistiu em que nenhum
conhecimento de Deus era disponível ou possível fora de Cristo, m udando as­
sim de um a posição cristocêntrica para um a posição cristomonista. A forte tradição
da teologia natural dentro da tradição reformada aponta para a crença, baseada
na Bíblia, de que Deus não se deixou sem testemunhas no m undo, quer na
própria natureza, na filosofia clássica, ou em outras religiões.513 Por exemplo,
Romanos 1.18-32 deixa claramente implícito que revelação divina ocorreu na
história, na cultura e na experiência hum ana antes da vinda de Jesus Cristo, e
indica que isso pode ser visto como um a preparação para o próprio evangelho
(praeparatio evangelica).
O m esm o princípio geral é m antido na dogm ática luterana, e é mais
freqüentem ente expresso em term os da distinção entre Deus Absconditus e Deus
revelatus. C om o Carl E. Braaten m enciona, a tradição luterana reconhece um a
estrutura dual dentro da revelação de Deus: o Deus oculto da criação e da lei
(Deus absconditus) e o D eus revelado do pacto e do próprio evangelho (Deus
revelatus),514 U m a abordagem semelhante é tam bém associada com o Segun­
do Conselho Vaticano.’15 Ao adm itir o conhecim ento de D eus fora da com u­
nidade especificamente cristã, eu não estou dizendo nada novo, notável nem
particularm ente controverso; estou m eram ente reiterando um consenso de
longa data dentro da teologia cristã.
Apesar disso, algumas correções precisam ser acrescentadas im ediatam ente:
1. A tradição cristã é testem unha de um entendim ento particular de “D eus”,
e não pode ser amalgam ada nos vários conceitos de divindade encontrados em
outras religiões. A dm itir que algo de Deus seja conhecido em religiões não-
cristas não é aceitar com o verdadeira a opinião de que todos os aspectos dos
entendim entos de D eus dessas religiões não-cristãs sejam coerentes com o cris­
tianism o, nem que todos os aspectos da compreensão cristã a respeito de Deus
sejam encontrados em outras religiões. Estamos falando sobre “pontos de con­
tato” e convergências ocasionais, não de identidade nem m esm o de acordo
consistente fundam ental.
2. N a compreensão cristã, o conhecim ento factual ou cognitivo de Deus
não é visto como salvífico em si. C om o Soren Kierkegaard observou em sua
obra Unscientific PostScript, é perfeitam ente possível com preender o entendi­
m ento cristão de D eus sem ser um cristão.516 C onhecim ento de Deus é um a
coisa; salvação é outra. Perm itir que algo seja conhecido de D eus em religiões
não-cristãs não im plica em dizer que a “salvação”, no entendim ento cristão do
term o, seja possível entre elas.
3. Além disso, a idéia de “salvação” varia consideravelmente de um a re­
ligião para outra. Nas religiões nativas do oeste da África especialmente, por
exemplo, m uitas vezes não há nenhum elem ento transcendente discernível
associado às noções que no meio delas se desenvolvem a respeito de salvação.
A falta de atenção dispensada às traduções de escritos religiosos de outras crenças
para o inglês, especialmente os trazidos da ín d ia e China, perm itiu o surgi­
m ento da pressuposição de que todas as religiões com partilham idéias com u­
nas sobre “salvação”. O fato é que, no inglês, o term o “salvação” é m uitas vezes
usado para traduzir referências ao sânscrito ou chinês, com conotações e asso­
ciações bem diferentes do conceito cristão. Essas divergências são disfarçadas
pelo processo de tradução, que m uitas vezes sugere um grau de convergência
ausente na realidade. Tão im portantes são esses pontos que serão explorados
em m aior detalhe.

O entendimento cristão de “Deus”


D urante certo período, encontrou-se apoio para o conceito de que o en­
tendim ento m útuo entre as religiões do m undo seria mais realçado se os cris­
tãos aceitassem um tipo de “revolução coperniciana”, pela qual deixassem de
ver Jesus Cristo com o alguém de im portância central, e, em vez disso, passas­
sem a enfocar sua atenção em Deus. Ser centrado em Deus — ouvia-se dizer
— seria de m aior ajuda do que ser centrado em Cristo. A atração desse m odelo
já dim inuiu bastante desde então, à m edida que a relativa pobreza tanto de
seus fundam entos intelectuais com o de suas conseqüências práticas torna-se
cada vez mais clara. John H ick argum entou que todas as religiões deveriam ser
vistas como planetas orbitando ao redor do sol.517 Escrevendo de um a pers­
pectiva indiana, porém , Raim undo Panikkar critica essa noção e defende um essa dourn
total deslocamento de “D eus” ou de “o absoluto” de um tal centro. Em vez nação, e -
disso, cada religião deve ser vista com o um a galáxia em seu direito, girando cristiar.:;-
reciprocam ente em volta de outras galáxias sem elhantes.’18 Em outras pala­ Cristo e j
vras, cada religião é diferente das outras; tem as próprias características. apenas
N o fim, um a cristologia encarnacional agora é vista como um a barreira séria entre o r.
para o entendim ento inter-religioso só no sentido de ser o C unrã tam bém um a a todas
barreira. Ambos são integrais às crenças em questão. Eliminá-los seria alterar m ente ví_:
essas crenças radicalmente, ajudando um a reconciliação inter-religiosa só até o É
ponto em que destruísse o caráter distinto das religiões envolvidas. Q ue autori­ evoluo: e?.
dade, no entanto, tem o pluralista de adotar um a abordagem tão abusiva, que assalte er­
violenta a integridade desses sistemas? Essa pode ser um a possibilidade hipotéti­ óticas ene:
ca em seminários de estudo avançado e pesquisa em nível de pós-graduação; no “A p r o r : s
m undo real, precisamos aprender a conviver com conflitos entre tais caracterís­ ticamer.:e
ticas de definição e distintividade de crenças, em vez de tentar suavizá-las. As tradici: r.i
religiões não são massa de vidraceiro para ser moldadas por ideólogos pluralistas, dem oxei:
e sim realidades vivas que exigem respeito e honra. gar a .
E um simples fato a teologia cristã tradicional ser fortem ente resistente à teologii i
agenda hom ogeneizadora de pluralistas religiosos, mais por causa de sua alta Éi:í
cristologia.519 A sugestão de que todas as religiões estão mais ou m enos con­ defensc :e*
versando vagamente sobre o mesmo “D eus” encontra-se em dificuldade em necessioi.;
relação a certas idéias essencialmente cristãs — mais notadam ente, as doutri­ mestre? :=
nas da encarnação e da Trindade. Por exemplo, se D eus é semelhante a Cristo, to rn a c i ?
com o a doutrina da divindade de Cristo afirma em term os categóricos, a figu­ entre c ? ;
ra histórica de Jesus, junto com o testem unho sobre ele na Escritura, torna-se S e;_:
de im portância fundam ental para o cristianismo. Essas doutrinas distintas são p o r m e ::
um embaraço para os que desejam desmascarar o que cham am de o “m ito da coperr.::.,
im portância cristã”, que passam a exigir que o cristianismo abandone doutri­ nosair.er.:
nas tais com o a encarnação, que im plicam um alto perfil de identificação entre tãos se^iri
Jesus Cristo e Deus, em favor de várias “cristologias por graus” que são mais — d e ix -
acessíveis ao program a reducionista do liberalismo. D e m aneira bastante se­ deria ser .
m elhante, a idéia de que D eus é em qualquer sentido manifesto ou definido explic::.: ;
cristologicam ente é posta de lado, por causa de suas implicações teológicas ou so rre '
trem endas para a identidade e im portância de Jesus Cristo — que o pluralis­ de d es~ i.
m o liberal acha um embaraço. Voltem o-nos para considerar esses dois pontos. a u tè n :::i
Prim eiro, a doutrina da encarnação é rejeitada, m uitas vezes demissiona- cristiar.x:
riam ente, com o um m ito.520 John H ick e seus colaboradores rejeitam a encar­ (1 6 5 6 -:-
nação por vários m otivos lógicos e de senso com um — contudo, deixam de u m a re?r*
tratar da questão sobre a razão por que os cristãos deveriam ter desenvolvido sar so r:^
nde um essa doutrina logo de início.521 H á um a agenda por trás dessa dispensa da encar­
Em vez nação, e um a parte central dessa agenda é a eliminação da pura distinção do
girando cristianismo. U m a distinção é assim desenhada entre a pessoa histórica de Jesus
■as pala- Cristo e os princípios que se alega serem representados por ele. Paul Knitter é
is. apenas um de m uitos escritores pluralistas preocupados em colocar um a cunha
rira séria entre o “evento-Jesus” (singular ao cristianismo) e o “princípio-Cristo” (acessível
em um a a todas as tradições religiosas, e expresso em suas maneiras distintas, mas igual­
a alterar m ente válidas).
só até o É justo, e na verdade necessário, indagar com respeito à pressão para essas
e autori- evoluções, pois um a agenda oculta pluralista parece governar o resultado desse
'iva, que assalto cristológico — um ponto feito num a crítica altam ente perceptiva das
nipotéti- óticas encarnacionais de Hick, que vieram da pena de W olfhart Pannem burg.
ação; no “A proposta de pluralismo religioso de H ick como um a opção de teologia auten­
iracterís- ticamente cristã gira sobre a condição de um a demolição prévia da doutrina
a-las. As tradicional da encarnação”. H ick — Pannenberg observa — presum e que essa
jralistas, demolição já tenha ocorrido, e o critica por sua seletividade excessiva ao che­
gar a essa conclusão — para não falar em sua falta de fam iliaridade com a
is tente à teologia alemã recente!522
sua alta E altam ente significativo tam bém o fato de a agenda pluralista forçar seus
nos con- defensores a adotarem visões heréticas de Cristo a fim de satisfazerem suas
~ade em necessidades. N u m esforço de ajustar Jesus ao m olde da categoria dos “grandes
s doutri- mestres religiosos da hum anidade”, a heresia ebionita tem sido ressuscitada, e
a Cristo, tornada politicam ente correta. Jesus é um a das opções religiosas disponíveis
=. afigu- entre os grandes mestres hum anos de religião.
:orna-se Segundo, o conceito de que, de algum a forma, D eus se torna conhecido
intas são por meio de Cristo já foi descartado. Cativado pela imagem de um a “revolução
mito da coperniciana” (provavelmente, um a das expressões mais empregadas e enga­
e doutri- nosam ente usadas em escritos recentes nesta área), pluralistas exigem que cris­
;ão entre tãos se afastem de um a discussão sobre Cristo para um a discussão sobre Deus
são mais — deixam de reconhecer, porém , que o “D eus dos cristãos” (Tertuliano) po­
:ante se- deria ser um tanto diferente de outras divindades, e que a doutrina da Trindade
iefinido explicita a natureza dessa distinção. A conversa vaga e ilim itada sobre “D eus”
eológicas ou sobre “realidade”, encontrada em m uitos escritos pluralistas não é resultado
rluralis- de desmazelo ou confusão. Representa um a rejeição deliberada de descobertas
5 pontos, autêntica e distintivam ente cristãs na direção de Deus, a fim de sugerir que o
r.issiona- cristianism o, para reprocessar um a frase do escritor deísta M atthew Tindal
. a encar- (1656-1733), é sim plesm ente a republicação da religião da natureza.523 É, pois,
eixam de um a resposta considerada ao reconhecim ento de que, para os cristãos, conver­
-volvido sar sobre a Trindade é falar em um Deus específico (não só “deidade” em ge­
192

ral), que optou por tornar-se conhecido de um a form a altam ente particular
em Jesus Cristo e por m eio dele. U m a parte essencial da agenda do pluralismo
prescritivo é a eliminação de qualquer distintividade em relação ao entendi­
m ento cristão da natureza, propósitos e pessoa de Deus.
C ontudo, a história religiosa hum ana m ostra que idéias hum anas naturais
sobre o núm ero, natureza e caráter dos deuses é notoriam ente vaga e m istura­
da. A ênfase cristã é sobre a necessidade de adorar, cultuar, não os deuses em
geral (as censuras de Israel contra a religião cananita sendo especialmente im ­
portantes aqui), mas o culto a um Deus que optou por tornar-se conhecido.
C om o R obert Jenson argum entou persuasivamente, a doutrina da Trindade é
um a tentativa de explicar em detalhes a identidade desse Deus, e evitar con­
fusão com rivais requerentes a esse título.524 A doutrina da Trindade define e
defende a particularidade e distinção e, por fim, a importância do “D eus dos
cristãos”. O Novo Testam ento dá um a nova guinada nessa evolução usando
para isso a sua linguagem sobre “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus C risto”,
encontrando nas ações e paixões de Jesus Cristo a identidade de Deus. Em
resumo: para os cristãos, D eus é revelado cristologicamente.
Este ponto é de im portância considerável. A m aioria dos pluralistas reli­
giosos ocidentais parecem trabalhar com um conceito de Deus form atado pela
tradição cristã, quer isto seja reconhecido abertam ente ou não. Por exemplo,
um apelo é feito por pluralistas m uitas vezes à noção de um gracioso e am o­
roso Pai. N o entanto, esta é um a noção de Deus, distintivam ente cristã, que
em últim a análise é baseada e substanciada em Jesus Cristo. N ão há nada como
a “noção de Deus independente de tradição”. N em a idéia de D eus expressa
por K ant, que alegava ser puram ente racional em caráter e, portanto, indepen­
dente de cultura, é na realidade etnocêntrica. Foi profundam ente m oldada
por suposições cristãs implícitas que estavam arraigadas na m atriz social de
Kant. C om o Gavin D ’Costa observou, o conceito de Deus m anifestado por
John Hick, que desem penha papel significativo em sua visão de m undo plu­
ralista, foi decisivamente m oldada — quer se reconheça ou esteja preparado
para adm itir isto — por considerações cristológicas. “Até que p onto”, ele per­
gunta, “pode H ick expor um a doutrina da vontade universal salvífica de Deus
se ele não baseia essa verdade crucial na revelação de D eus em Cristo, trazendo
assim a cristologia de volta ao centro do palco?’525
Pluralistas têm colocado um a cunha entre D eus e Jesus Cristo, com o se os
cristãos fossem obrigados a escolher entre um e outro. A m edida que o pên d u ­
lo balança em direção a um a abordagem teocêntrica (presum indo que o “deus”
em questão é com um a todas as tradições religiosas), a cristologia dos pluralis­
tas religiosos fica reduzida a proporções insignificantes. Só a mais baixa cristo-
193

urucular logia possível dentro da tradição cristã é declarada digna de aceitação no período
i_:ilismo m oderno (passando por cima do fato desajeitado de que esta cristologia tinha
er.tendi- sido rejeitada com o herética pela igreja prim itiva). Se os pluralistas têm algu­
m a fonte infalível de conhecim ento sobre a natureza e propósitos de Deus à
parte de Cristo, qual é o objetivo do evangelho? E que tipo de D eus é este que
pode ser conhecido separadam ente de Cristo? Estamos falando sobre “o Deus
e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (lP e 1.3), m esm o, ou sobre algum a deidade
diferente? U m a idéia de Deus só pode ser considerada “cristã” se estiver sujeita
ao padrão da auto-revelação de Deus por meio de Jesus Cristo, conform e tor-
na-se conhecida por nós pela Escritura.
Q ual é a relevância deste ponto para o nosso tema? Salvação, no entendi­
m ento cristão desta noção, envolve um relacionam ento alterado com Deus,
quer isto seja entendido pessoalmente, substancialm ente, m oralm ente ou le­
galmente. Sobre que Deus, porém , estamos faltando? Os escritores do Antigo
Testam ento estavam bem certos de que “salvação”, como eles a entendiam , era
sobre um novo relacionam ento, não com nenhum dos deuses de Canaã, Filis-
tia ou Assíria, mas com o uno e único Deus pactuai de Israel, a quem eles
L-:as reli- conheciam pelo título pessoal que o distinguia: “o Senhor”. Para o cristianis­
Liido pela m o, a noção da salvação inclui explicitamente e se centra sobre um relaciona­
exemplo, m ento, inaugurado no tem po e a ser consum ado além do tem po, com ninguém
- e amo- mais do que o “Deus e Pai de nosso Senhor Jesus C risto”. Estamos assim tratan­
risuâ, que do com um a noção de salvação altam ente particularizada, como ficará claro
ü a como mais adiante nesta seção.
5 expressa
O lugar de Jesus Cristo na salvação
:ndepen-
rr.oldada Já tratam os da im portância de Jesus Cristo em relação ao entendim ento
5? ciai de cristão de Deus, e a tendência pluralista que acaba, como diz o teólogo da
<:rdo por Harvard, Harvey Cox, “abrandando a figura do próprio Jesus”. Para Cox —
rr.io plu- que já foi um dia considerado um dos mais radicais teólogos da década de
p reparado 1960 — , a m aneira mais apropriada para os cristãos se em penharem em diálo­
. ele per- go significativo entre as diferentes crenças é começar reconhecendo que “Jesus
^ ue Deus é, em algumas formas, o elem ento mais particularístico do cristianism o”.526
. crazendo Cox aqui cham a a atenção para o ponto de haver um a necessidade de começar
de algo concreto e histórico, em vez de iniciar de algum símbolo abstrato. E
:: mo se os para os cristãos, este elem ento particularista é Jesus Cristo. A teologia cristã,
: : pêndu- espiritualidade cristã e acima de tudo o culto cristão são fortem ente enfocados
te o "deus” em Cristo.
55 pluralis- O Novo Testam ento, que endossa e legitim a este cristocentrism o, não vê
lixa cristo­ m eram ente Jesus Cristo como expressão de um a salvação divina, que pode se
tornar disponível em outras formas. Ele é claramente entendido como o consti­
tutivo dessa salvação. N a tradição cristã, Jesus é visto com o mais do que Rasul
(“o enviado”, para usar a definição fundam ental m uçulm ana da seqüência de
profetas que culm inou com M aom é). Ele é visto com o o que estabelece tanto
quanto como o que é enviado — um profeta e um salvador. A essa altura, os
pluralistas têm várias opções para declarar que o Novo Testam ento está sim ­
plesm ente errado sobre esse ponto (o que im pede um a séria pretensão de ser
cristão), até sugerir que as afirmações do Novo Testam ento podem ser verdade
para os cristãos, mas não têm força para obrigar nesse respeito extra muros
ecclesiae (fora dos limites da igreja).527 C ontudo, pelo m enos potencialm ente,
o Novo Testam ento vê de m aneira clara Jesus Cristo com o o salvador do m u n ­
do, não apenas de cristãos, referindo-se, assim, ao caráter fortem ente universal
de sua obra savífica.

A natureza da salvação
Em um im portante estudo, John H ick argum enta que há um a estrutura
de cerne com um a todas as religiões que “são fundam entalm ente iguais em
exibir um a estrutura soteriológica. Isto é, todas elas estão interessadas em sal­
vação/ libertação/ ilum inação/ realização”.328 N o entanto, pode ser observado,
razoavelmente, que esses conceitos de salvação são concebidos de maneiras tão
radicalm ente diferentes, e entendidos para ser estabelecidos ou alcançados de
tantas maneiras diferentes, que só alguém que estivesse obstinadam ente deter­
m inado, com o um a questão de princípio, para tratá-los com o aspectos do
mesmo todo m aior teria suficiente flexibilidade intelectual para fazer isso. Será
que o cristianismo e o satanismo realmente entendem da m esm a form a a sal­
vação? M eus conhecidos sobre o satanismo certam ente não me levam a crer
assim. C om efeito, os satanistas aceitam que há um Deus; mas optam por
adorar a antítese desse Deus. Esse dualism o dificilm ente deixa entrever a pro­
priedade num a teoria pluralista das religiões.
U m observador m enos envolvido na questão, aliviado por não ter de de­
fender a idéia de que todas as religiões do m undo são basicamente a mesma,
poderia sugerir razoavelmente que elas não só oferecem diferentes meios de
alcançar e conceituar a salvação; elas oferecem “salvações” com pletam ente dife­
rentes. A visão rastafariana de um paraíso no qual os negros são servidos pelos
criados brancos; a idéia hom érica de tártaros; o velho conceito nórdico do
valhallá; a visão budista de nirvana; a esperança cristã da ressurreição para a
vida eterna — todos são obviamente diferentes. Com o todos os caminhos para
a salvação podem ser igualmente “válidos” quando os alvos a serem alcançados
em tão diferentes m odos são tão obviam ente nada relacionados?
r . : o consti- C om o foi notado acima, há enorm e variedade dentro das religiões com
c eue Rasul relação à natureza da salvação. Conceitos cristãos de salvação estão enfocados
rjúència de no estabelecimento de um relacionam ento entre Deus (no sentido cristão do
tanto termo) e seu povo, e utilizam um a variedade de imagens para articular seus
si iltura, os vários aspectos. Por trás dessas convergentes imagens de salvação está o tem a
c: está sim- com um a todas: “salvação em e por meio de Cristo” — isto é o m esm o que
:r.íio de ser dizer que salvação é um a possibilidade som ente por causa da vida, m orte e
íer verdade ressurreição de Jesus Cristo, e essa salvação é m oldada em sua imagem. Q u a n ­
:\r>'a muros do os cristãos tentam explicar o que está incluído na palavra “salvação”, Joseph
r.eialmente, A. D i Noia, OP, tece o seguinte comentário:
: do m un-
... nós nos achamos falando sobre o Deus triúno; a encarnação, paixão,
i:e universal
morte e ressurreição de Jesus Cristo; graça, pecado e justificação; transfi­
guração e divinização; fé, esperança e caridade; os mandamentos e as vir­
tudes morais; e muitas outras coisas caracteristicamente cristãs. Não
devemos ficar surpresos se, em tentar responder a uma pergunta cognata,
r.i estrutura
um membro de outra tradição religiosa, digamos, um budista, mostrar-se
:e iguais em
bem específico sobre nirvana e tudo que diz respeito a alcançá-lo. Não
a iis em sal-
nos devemos surpreender, também, se a descrição de salvação e nirvana
r :òservado,
nao coincidirem [...] salvação tem um conteúdo específico para os cris­
r.ineiras tao
tãos. Compreende uma comunhão interpessoal, tornada possível por Cris­
cir.çados de
to, entre pessoas humanas e o Pai, Filho e Espírito Santo. Pelo menos à
re n te deter-
primeira vista, isso parece ser algo muito diferente do que se pode supor
isnectos do
que budistas buscam quando eles seguem o Excelente Cam inho Octuplo
it: isso. Será
que os dirige no caminho de realizar iluminação e a extinção do eu em
:: :m a a sal-
nirvana. Pelo menos na face das coisas, o que os budistas querem dizer
íe-. im a crer
com “nirvana” e o que os cristãos querem dizer com “salvação” não pare­
; -.'iam por
cem coincidir.529
trever a pro-
Diferenças entre noções de salvação são refletidas tam bém no culto de
L; :er de de- com unidades religiosas. O s que são atraídos à noção budista de salvação, (ou,
,:e a mesma, mais acertadam ente, um a das m uitas opções dessa natureza disponíveis dentro
te 5 meios de das várias tradições budistas) dificilm ente desejarão tornar-se cristãos; isso
irr.ente dife- porque, na teologia, culto e oração cristãos são entrelaçados bem de perto com
;r. idos pelos um a série definida de crenças tanto sobre a pessoa como sobre a obra de Jesus
■nordico do Cristo. O culto cristão reflete crenças específicas a respeito tanto da natureza
reieão para a da salvação com o da natureza do salvador. Geoffrey W ainw right e outros têm
irninhos para enfatizado o m odo em que a teologia e a doxologia são bem interligadas,530
n alcançados tornando impossível enxertar, por exemplo, um a idéia budista de salvação num a
com unidade de culto cristão. N um contexto relacionado, m uçulm anos con­
tinuam a estar, no m áximo, altam ente céticos, e, mais em geral, intensam ente
críticos, diante da prática caracteristicam ente crista de adorar Jesus Cristo.
(Esta prática é geralmente vista com o um caso de heresia de ittakhadha, pela
qual Jesus é reconhecido como Filho físico de Deus.)
Escritores pluralistas ocasionalm ente referem-se à idéia de “salvação de
gatinho” dentro do hinduísm o, com o indicação de que a noção de graça não é
distintam ente cristã. A distinção entre “salvação de gatinho” e “salvação de
m acaco”, dentro da tradição bhakti marga do hinduísm o, repousa sobre o fato
de que um a tigresa carrega seus filhotes, enquanto que bebês macacos têm de
se dependurar em suas mães. M uitas vezes, apela-se para essa idéia de “salvação
de gatinho” específica a esta form a de hinduísm o, como um a indicação da
“convergência” das religiões sobre a graça de Deus.
A situação, porém , não é tão simples quanto esta análise poderia sugerir.
O conceito não é achado em nenhum dos docum entos de fundação do hin­
duísm o, que datam do período védico — 2000-600 a.C. — , no qual um a
síntese entre a religião sacrificial politeísta dos arianos e o m onism o panteísta
do upanishades ocorreu, nem durante o período purânico — 300-1200 A.D .
— , durante o qual formas sírias do cristianismo se tornaram estabelecidas nas
regiões do sul da índia, e é especialmente associada ao escritor medieval Sri
Ram anuja (c. 1050-1137).531 A suposição de que “salvação de gatinho” dem ons­
tra, um a inerente similaridade entre hinduísm o e cristianismo é perigosamente
simplista; poderia igualm ente ilustrar a conhecida tendência de alguns escri­
tores hindus de “em prestar” idéias do cristianism o.532 Semelhanças podem
refletir o tipo de em préstimos que tomavam, associados às tendências forte­
m ente sincretistas de algumas formas do hinduísm o; não é preciso entendê-las
com o refletindo convergência fundam ental.
C om esses pontos em m ente, vamos discutir a pergunta: “A salvação é
possível fora do cristianismo?”. C om o resultado dos escritos de Ludwig W itt-
genstein, teólogos se têm tornado acentuadam ente sensíveis à necessidade de
estabelecer o contexto em que as palavras são usadas.533 Para W ittgenstein, o
lebensform (“form a de viver”), dentro do qual um a palavra era usada, era de
im portância decisiva em estabelecer o sentido daquela palavra. O lebensform
cristão é, portanto, de im portância controladora para entender o que o con­
ceito cristão de salvação sugere, pressupõe e expressa.
C om o o próprio W ittgenstein observou, a m esm a palavra pode ser usada
n u m grande núm ero de sentidos. U m m odo de tratar com isso poderia ser de
inventar um vocabulário totalm ente novo, no qual o sentido de cada palavra
seria com precisão e inequivocam ente definido. M as essa não é um a opção
real. Línguas, como religiões, são entidades vivas, e não podem ser forçadas a
r -rm ente ter com portam ento tão artificial. U m a abordagem perfeitam ente aceitável,
_s Cristo, segundo W ittgenstein, é dar-se ao trabalho de definir o sentido particular no
pela qual um a palavra deve ser entendida, a fim de evitar confusão com seus m uitos
outros sentidos. Isso envolve um estudo cuidadoso de suas associações e seu
uução de uso na “form a de viver” em que ela se relaciona.534 Esse ponto parece ser apre­
ru a nao é ciado por Paul Knitter, que, ao observar que “todo conhecim ento é carregado
u ução de de teoria”, conclui que “cada religião está falando dentro de seu jogo-de-lin-
b :e o fato guagem”.535 Esse uso de um conceito W ittgensteiniano claram ente indica um a
; s :èm de percepção da necessidade de identificar o uso de palavras em “jogos-de-lin-
salvação guagem” para verificar seu sentido específico dentro da tradição em que são
;;rção da empregadas. “Salvação” é claram ente um exemplo disso. Seu uso e associações
dentro da tradição cristã, especialmente no culto, dem onstra um a com preen­
Li sugerir, são específica de que a fé cristã é entendida com o conferindo aos crentes, sua
c do hin- base final, e o m odo em que isso acontece.’36
cual um a Se o term o “salvação” é entendido como significando “algum benefício
r anteísta conferido a m em bros de um a com unidade, e alcançados por eles, quer indi­
: j O A.D. vidual ou corporativam ente”, todas as religiões oferecem “salvação”. Todas —
r ridas nas e isso definitivamente não só religiões — oferecem alguma coisa. C ontudo, essa
cieval Sri é um a afirmação tão geral que ficou vazia de valor teológico significativo.Todas
uemons- as religiões, junto com teorias com o a do marxismo e escolas psicoterapêuticas
samente com o a terapia rogeriana podem legitim am ente ser intituladas de “salvíficas”.537
ur.s escri- A declaração “todas as religiões oferecem salvação” é assim potencialm ente
Dodem pouco mais do que um a tautologia. Só pelo uso do mais violento dos meios
:irs forte- pode-se dizer que todas as religiões oferecem a m esm a “salvação”. Respeito
::endê-las pela integridade das religiões do m undo exige que “salvação” seja particularizada
— isto é, que a m orfologia distinta da compreensão de salvação de um a re­
íj_vação é ligião (incluindo a sua base, seu m odo de transmissão e apropriação, e sua
w i g W itt- natureza inerente) deve ser respeitada, e não hom ogeneizada forçadam ente
ííidade de para ajustar-se às necessidades de algum grupo de pressão em particular dentro
eustein, o da academia.
zi. era de O caráter distintivo de cada religião pode e precisa ser afirmado: o budis­
Uoensform m o oferece um estilo de “salvação”, assim com o o cristianismo oferece outro.
ue o con- N ão é nenhum a crítica do budism o sugerir que este não oferece um a salvação
especificamente cristã, assim com o nao é nada imperativo dizer que a visão
;er usada cristã da salvação não é a m esm a que a visão budista a respeito dela. Essas
eria ser de diferenças refletem o simples fato de que o cristianismo não é o budism o. E
i i palavra essencial respeitar e honrar diferenças, e resistir à tentação sempre presente de
ma opção forçar todos a um m esm o molde.
terçadas a
198

À luz desta abordagem, pode-se destacar estas três afirmações:


1. O cristianismo tem um entendim ento específico da natureza, bases e
meios de obter-se a salvação.538 E o entendim ento cristão da salvação, com o a
noção cristã de Deus, é determ inado cristologicamente. Assim como é ilegíti­
m o usar o term o “D eus” de um a form a vaga e genérica, perm itindo que seja
entendido que todas as religiões com partilham a m esm a divindade, assim é
im próprio usar o term o “salvação” com o se fosse com um a todas as religiões.
Deve-se notar que traduções inadequadas para o inglês dos escritos funda­
m entais de outras religiões m uitas vezes contribuem para a agenda hom oge-
neizadora de pluralism o prescritivo. A palavra “salvação” em nossa língua é
m uitas vezes usada para traduzir term os gregos, hebraicos, árabes, sânscritos e
chineses, term os de m uito m aior complexidade do que se percebia. C om o
resultado, conceitos vastam ente diferentes são m uitas vezes traduzidos pela
m esm a palavra do inglês, digamos, sugerindo um a afinidade entre os escritos
das religiões que na realidade está ausente nas línguas e contextos originais, em
que as palavras assumem sobretons específicos que as im pedem de designar o
mesmo conceito em cada caso. “Salvação” é um a particularidade, não um a uni­
versalidade. H á um a necessidade urgente de prestar mais atenção ao vocabulário
e associações de “salvação” por m eio das religiões, em vez de perm itir que a
falta de clareza verbal gere confusão teológica.
2. O cristianismo é a única religião que oferece salvação no sentido cristão
acue.í
desse termo. Esta expressão desajeitada, mas teologicam ente precisa, reconhece
nc r u
o ponto, enfatizado por W ittgenstein, de existir um a necessidade vital de se n - _-
esclarecerem as associações de um term o, e o sentido particular em que este
univí:
está sendo usado. Porque a palavra “salvação” é sem sentido a não ser que seu
ob :r :
contexto seja identificado, é necessário estabelecer a “form a de vida” que dá à
e are.
palavra o seu sentido distinto — nesse caso, o m undo cristão de doutrina,
culto e esperança, que rem onta ao Novo Testam ento e é consolidado na tradição
Deu; :
cristã.
salvir.
3. Salvação, no sentido cristão do termo, é proclamada como um a possibi­
ao c : r.
lidade para os que estão presentemente fora da com unidade cristã. O em preen­
tode >
dim ento inteiro do evangelismo, agora reconhecido ser de im portância tão vital
ao ar.-;
para as igrejas cristãs através do m undo todo, é dirigido para a proclamação
de a : :
dessa boa nova ao m undo.
neote;'
Salvação Cristã e as religiões do mundo dade c
Ei
C om estes três pontos em m ente, voltemos à questão da salvação nas re­
unive:
ligiões. Todas as religiões são salvíficas em seus term os, em que oferecem um
tem su
conceito específico de salvação. C ontudo, com o já enfatizei, há um entendi­
roso.'
199

m ento especificamente cristão de salvação, fundam entado de m odo sem paralelo


:u:eza, bases e
na vida, m orte e ressurreição de Jesus Cristo. Afirmar que há um entendim en­
vição, como a
to cristão ím par da salvação não é negar que outras crenças ofereçam “sal­
e : mo é ilegíti-
vação” nos próprios term os; é sim plesm ente notar que a “salvação” em questão
:.r.do que seja
difere de um a fé para outra. Neste sentido, é particular, não universal. É per­
i-iide, assim é
feitam ente legítimo o cristão querer com partilhar sua experiência e esperanças
eis religiões,
a respeito da salvação com outras pessoas; fazer isso não é dim inuir outros, e
peritos funda-
sim desejar com partilhar a experiência especificamente cristã da salvação. N um
er.ia homoge-
m ercado livre de idéias, a atração e relevância do entendim ento cristão sobre
t : 5sa língua é
salvação determ inarão se outros desejam abraçar esse m esm o entendim ento,
r:. sànscritos e
tornando-se cristãos.
■reebia. Com o
Em seu sentido cristão, salvação está assim universalm ente disponível por
ü u z id o s pela
meio da igreja. O cristianismo proclam a que a salvação é um a possibilidade
;:re os escritos
universal, sem fronteiras geográficas, culturais ou divisores sociais. Para rece­
s : riginais, em
ber a salvação de Deus, não é necessário unir-se a um a denom inação cristã;
,:e designar o
basta receber essa salvação. É recebendo essa salvação que se entra na igreja —
r. Io um a uni-
não no sentido de um prédio, ou mesmo de um a denom inação, mas no senti­
i: vocabulário
do de com unidade de crentes no decorrer das eras. Em nenhum sentido, o
>e:mitir que a
cristianismo declara que salvação é um a possibilidade só para os que estão
dentro de seus limites. Pode-se pensar na igreja como a com panhia dos remidos;
:- ".:ido cristão
aqueles que estão fora de seus limites, entretanto, são convidados a compartilhar
reconhece
no banquete de casamento, com a condição de se “vestirem dignam ente” (M t
ter vital de se
22.1-12). N inguém é forçado a assistir; o convite, nem por isso, deixa de ser
r a i que este
universal. A particularidade daquele convite (que repousa sobre a pessoa e
I: ser que seu
obra de Cristo) de nenhum a form a entra em conflito com a sua proclamação
í ' ; í que dá à
e apelo universal.
ie doutrina,
Ao lado da afirmação inequívoca da particularidade do ato de redenção de
c.: na tradição
Deus em Jesus Cristo, o Novo Testam ento declara a universalidade da vontade
salvífica de Deus. É desejo de Deus que todas as pessoas sejam salvas e cheguem
i uma possibi-
ao conhecim ento da verdade (lT m 2.4). Deus pretende ter misericórdia sobre
u O empreen-
todos (Rm 11.32). Deus não quer que ninguém pereça, mas que todos cheguem
ir-d a tão vital
ao arrependim ento (2Pe 3.9). U m a teologia cristã responsável deve ser capaz
. rroclam ação
de acomodar-se dentro da tensão criativa que resulta da simultânea afirmação
neotestam entária da particularidade da pessoa e obra de Cristo, e da universali­
dade do escopo de sua missão.’39
Essa tensão não pode ser dissolvida sim plesm ente adotando-se um a rota
Ivição nas re-
universalista, declarando que, ao final, todos serão salvos.540 Esta abordagem
c rerecem um
tem suas atrações, mais porque parece ser mais fiel ao tem a de um Deus am o­
um entendi­
roso.541 C ontudo, a idéia de que todos serão salvos requer a inclusão de algu­
mas crenças adicionais, incluindo-se o fato de que todos consentirão em ser
salvos. E se alguns, desejando exercer sua faculdade de liberdade dada por
Deus, optarem por recusar essa oferta, preferindo seguir o próprio caminho?
Nessa situação, a doutrina do universalismo nos pede que imaginemos um a
situação em que D eus im põe salvação sobre os indivíduos. E um pequeno
passo da afirmação otim ista “todos serão salvos”, ao pronunciam ento autoritário
“todos precisam ser salvos, quer queiram ou não”.
A compreensão cristã do am or de D eus é a de um am or vulnerável, que
nos é oferecido por Cristo. Deus se oferece a nós, sabendo que podem os re­
cusar esse oferecimento. O universalismo nega à hum anidade o direito de dizer
“não” a D eus . A despeito de suas atrações iniciais, acaba tendo seu lado deci­
didam ente mais escuro, declarando, em efeito, que todos são predestinados à
salvação — levantando precisam ente os mesmos problem as relacionados à so­
berania divina e à responsabilidade hum ana associados com a abordagem de
João Calvino, um a abordagem que não é usualm ente vista com nenhum grande
entusiasm o por pluralistas.

Stalinism o R eligio so ? P lu ra lism o e a agenda da


m odern idade
O pluralism o prescritivo explorado neste capítulo é em si m esm o depen­
dente de um a conseqüência direta da agenda m odernista. Esta form a de plu­
ralismo é pouco mais do que um satélite intelectual do Ilum inismo, livremente
ligada à sua agenda totalizante e homogeneizadora. Mais cedo, ao explorar os
contornos intelectuais do m odernism o (ver p. 137-159), notam os que dois te­
mas centrais do m odernism o são os seguintes:
1. U m a ânsia “totalizadora”, que insiste em que tudo precisa ser visto como
um aspecto de um a grande teoria ou “metanarrativa”;
2. U m desejo de dom inar m atéria crua — cultural, intelectual ou física —
para encaixá-la com os desejos da hum anidade.
Am bos os temas podem ser discernidos dentro da agenda pluralista. Todas
as religiões devem ser vistas da perspectiva pluralista, a única que perm ite que
sejam observadas em sua luz apropriada. E onde acontece o fato de as religiões
não se coadunarem com os pressupostos deste paradigm a em particular, elas
são forçadas a se conform ar a eles — no caso do cristianismo, é colocado sob
pressão para abandonar suas crenças tradicionais, as que o definem , crenças na
ressurreição e divindade de Jesus Cristo, e a doutrina da Trindade. Isso é o
m esm o que stalinismo intelectual. Em fazer essa asserção, estou deliberada­
m ente apontando a agenda e raízes m odernistas com uns que estão por trás do
pluralism o prescritivo, do nazismo e do stalinismo. Todos os três são colônias
201

; em ser intelectuais do m odernism o, governados pelas mesmas regras e arrogâncias,


;e rada por ainda que possam variar em relação a questões de detalhe local.
i; erminho? N o fim, portanto, as críticas dirigidas pela pós-m odernidade contra a
r.:n o s um a m odernidade se aplicam com força igual, se não maior, ao pluralism o religioso
rr requeno prescritivo (ou obrigatório): é realmente profundam ente opressivo em poten-
: rrroritário ciai — ilusório porque lhe falta qualquer base que lhe dê substância, e opressi­
vo porque envolve a imposição sistemática da agenda dos que estão em posições
rerível, que de poder intelectual sobre as religiões e dos que aderem a estes. A imposição
v rem os re- iliberal desta m etanarrativa pluralista sobre as religiões é, em últim a análise,
; r :■de dizer um a reivindicação ao domínio — tanto no sentido de ter autoridade e poder
u \:-Âo deci- nietzscheano para m oldar m aterial de acordo com a vontade própria, com o no
rrein ad o s à sentido de ser capaz de relativizar todas as religiões por ter acesso a um ponto
: r rdos à so- de vista privilegiado. Com o Terry Eagleton observou, “o pós-m odernism o as­
■: rrig e m de sinala o fim de tais metanarrativas cuja função secretamente terrorista era basear
r m çrande e legitim ar a ilusão de um a história hum ana universal’. Estam os agora no
C>
processo de acordar do pesadelo da m odernidade, com sua razão m anipula-
dora e fetiche da totalidade, para o pluralismo descontraído do pós-moderno,
aquela gama heterogênea de estilos de vida e jogos de linguagem que renunciou
o impulso nostálgico de totalizar e legitimar-se.”542 Talvez o pluralismo prescri­
tivo devesse enfrentar essas questões, e se perguntar se está preparado para
r;rro depen-
perm itir que o cristianismo seja cristianismo, e não sim plesm ente forçá-lo a
r r r r de plu-
ser a manifestação de um a realidade desconhecida e desconhecível, mas assim
rvrem ente
m esm o totalizante, universal.
: rrplorar os
A atração do pluralism o está não tanto em suas reivindicações de ter a
rue dois te-
verdade (que cada vez mais são concedidas serem notavelm ente esquivas e pouco
profundas), mas em suas reivindicações de prom over tolerância entre as re­
: ‘isto como
ligiões. C ontudo, essa reivindicação foi feita tam bém pela m odernidade, como,
po r exemplo, na parábola de Lessing, Natã, o Sábio. Para Lessing, essa ideolo­
[ : u física —
gia desenvolveria a tolerância das religiões;543 mas, para Stalin, a m esm a ideo­
logia segurava a chave para a sua supressão e eliminação. O pluralismo prescritivo
rirsta. Todas
corre exatam ente o m esm o risco. Tolerância é m uito mais capaz de resultar da
rerm ite que
dem onstração de respeito a outras religiões, do que de obrigá-las a entrar num a
:e rs religiões
estrutura artificial que suprim e sua distinção num a tentativa de fazer a obser­
irrirular, elas
vação se conform ar à teoria.
::.ocado sob
r. rrenças na C onclusão
=re. Isso é o
: reliberada- O evangelicalismo reconhece que o cristianismo existe no meio de um a
c ro r trás do pluralidade de religiões, e em algumas regiões do m undo dentro de um a cultu­
ílo colônias ra que deseja tratar todas as religiões num a base politicam ente igual. E ntretan­
202

to, o evangelicalismo não vê necessidade nenhum a de se afastar ou retirar de


algo das convicções da fé cristã por causa desses fatores. N a verdade, veria tais
passos com o um a capitulação totalm ente im própria a pressões culturais. O
evangelicalismo afirma a particularidade da fé cristã, e pede que sua integridade
seja respeitada, e que se resistam às pressões culturais para hom ogeneizar suas
crenças e pretensões. A m edida que a m entalidade do Ilum inism o se torna
cada vez mais distante, oferecem-se excelentes razões para insistir em que a
distinção e particularidade do cristianismo sejam afirmadas publicam ente e
levadas à prática.

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Já não há dúvida nenhum a de que o evangelicalismo é de im portância m uito
grande para o futuro do cristianismo global.544 Para pessoas de fora, seu dina­
mismo e ativismo espiritual, junto com o intenso compromisso tão característi­
co de crentes, individualm ente, e de igrejas evangélicas, são fortes indícios do
crescimento significativo de longo prazo no movimento. Os evangélicos — eles
mesmos — , porém, apontariam o seu compromisso total com o evangelho como
razão fundam ental para o sucesso atual e potencial futuro. Eles argum entam
que perm aneceram fiéis ao evangelho durante o período na cultura ocidental
em que outros se entregaram a pressões sociais para acom odar o cristianismo
às idéias e valores de um a visão de m undo secular. Sua paixão pela verdade do
evangelho pode ser vista agora como justificada. Eles já colhem as recom pen­
sas de sua fidelidade.
Talvez essa resposta seja um tanto simplista. Parte do argum ento deste
livro foi que os evangélicos perm itiram , realmente, que o seu contexto secular
afetasse seu pensam ento; o que pode ser visto claram ente na m aneira em que
Charles Elodge e Benjam in B. W arfield perm itiram que a teoria de linguagem
associada com o “realismo escocês” influenciasse sua compreensão da autori­
dade bíblica (ver p. 141-144). O utros exemplos poderiam ser dados, sem dúvida.
Apesar disso, a convicção evangélica fundam ental não deixa de ser que é im ­
perativo perm anecer fiel ao evangelho de Jesus Cristo, e não perm itir que
idéias ou valores externos ao cristianismo exerçam um papel norm ativo dentro
de seu pensam ento ou vida.
A presente obra explorou a questão da coerência intelectual e credibilidade
acadêmica do evangelicalismo. Se “acadêmico” é entendido como ter referência
a normas e valores culturais que chegaram a prevalecer em muitas instituições
acadêmicas ocidentais, o evangelicalismo não terá interesse nenhum em adotar
ou defender im portância “acadêmica”. O evangelicalismo tem estado ocupado
demais levando adiante seu m inistério evangelístico e pastoral para ter m uito
tem po para esse tipo de preocupação “acadêmica”. C ontudo, em m uitas partes,
o term o “acadêmico” continua a fazer referência à coerência e plausibilidade
intelectual, ligado a um forte comprom isso com a erudição. Foi preocupação
desta obra m ostrar que, nesse sentido mais antigo do term o, o evangelicalismo
tem toda razão de pensar em si, e de ser julgado, com o “acadêmico”.
Para alguns evangélicos, isso será um a irrelevância. Q uem se im porta com
o fato de o evangelicalismo ter ou não qualquer peso intelectual? C ertam ente
a coisa im portante é ganhar pessoas para o Senhor e cuidar de sua alma. H á
sabedoria enorm e neste parecer, e ele deve ser respeitado e honrado. Isso nos
faz lem brar que ao evangelicalismo nunca pode ser perm itido perder de vista
os grandes desafios e alegrias do m inistério do evangelho, ou da im portância
de se m inistrar a, e cuidar de pessoas com uns que am am o Senhor, mas não
têm interesse em intelectualidade. C om esta visão, não é inconsistente, porém ,
que o evangelicalismo tem tam bém um alto grau de coerência intelectual,
especialmente em face de seus rivais no m undo acadêmico contem porâneo.
Mas por que im porta apontar isso? Q ue valor isso pode ter?
Apreciar os m éritos e a sofisticação potencial do evangelicalismo nesse
respeito é bastante im portante por várias razões. U m ponto simples diz respeito
ao papel de universidades e outros educandários na cultura ocidental. O s es­
tereótipos oferecidos nesses estabelecimentos de ensino a respeito do evangeli­
calismo, retratam -no como anti-intelectual e sem im portância para pessoas
que pensam . O sucesso popular e influência do m ovim ento são assim mal
interpretados em alguns círculos acadêmicos influentes com o um a indicação
direta de sua falta de m érito e sofisticação intelectual. C om o resultado, a elite
social do am anhã m uitas vezes tem sido saturada durante sua fase form ativa
com estereótipos anti-evangélicos. E nquanto o protesto de evangélicos contra
tais estereótipos deve continuar, isso deve ser suplem entado com afirmação
cada vez mais vigorosa e dem onstração da sofisticação intelectual do m ovi­
m ento.
A voz evangélica precisa, pois, ser ouvida em nível acadêmico, com cursos
sobre “teologia evangélica” e “espiritualidade evangélica”, sendo perm itido a
estes achar seu lugar legítimo no ensino de seminários e educandários respeita­
dos. Os evangélicos precisam apreciar esta sofisticação para si mesmos antes de
poderem persuadir outros. A presente obra procurou encorajar este processo
de edificação de confiança dentro do m ovim ento, para que futuros líderes e
pensadores evangélicos de potencial não precisem se sentir sob pressão legíti­
m a para abandonar sua fé evangélica por causa de sua alegada irracionalidade.
205

•a rer m uito Talvez o m aior desafio para o evangelicalismo na próxim a geração seja
u:ras partes, desenvolver um compromisso intelectual cada vez m aior sem perder suas raízes
a_>ibilidade na vida e fé dos crentes com uns. As associações fortem ente negativas da pala­
■reocupação vra “acadêmico” são um constante aviso dos perigos de se form ular um a teolo­
•ae.icalismo gia ou visão de m undo sofisticada sem se engajar firm em ente com a agenda e
interesses da igreja. Aspirar à erudição intelectual é a coisa mais fácil do m u n ­
r.ro rta com do; já desenvolver isto enquanto se perm anece firm em ente em contato com as
Certam ente realidades da vida cristã com um é tarefa um tanto mais intim idante.
.2 rima. H á C ontudo, isso permanece um a tarefa que precisa ser assumida. O evange­
í :, Isso nos licalismo, especialmente na América, tem raízes profundam ente populistas.
cer de vista E nquanto a fundam entação segura na cultura popular evita que o evangelica­
rr.nortância lismo se gratifique no negócio de erudição acadêmica visando a esse aspecto,
:r. mas não isso m esm o pode significar que o m ovim ento corra um risco sério de se tornar
rrre. porém , tão intelectual e espiritualm ente efêmero e pouco profundo quanto a cultura
:r.:electual, geral. Teologia, entendida com o um engajam ento positivo e sustentado com
ín porâneo. as riquezas e recursos da fé cristã, oferece ao evangelicalismo a oportunidade
de suplem entar seu populism o dinâm ico e ativista colocando raízes profun­
íii.no nesse das, capazes de nutrir e sustentar o m ovim ento no coração e na m ente.
ciz respeito O “escândalo da m ente evangélica”, na expressão de M ark Noll, está no
r.ral. Os es- fato de, n u m passado recente, evangélicos terem deixado de perm itir que sua fé
:: cvangeli- formatasse sua compreensão de m u ndo.545 Em parte, a presente obra visou a
tara pessoas corrigir esta deficiência, tranqüilizando os evangélicos da coerência e viabilidade
' aí sim mal de suas crenças. Para construir um prédio, é preciso primeiro que se esteja asse­
■a indicação gurado da confiabilidade de seus alicerces. Este livro visou a buscar a aceitação
cado, a elite pública da adequação intelectual e suficiência do evangelicalismo, tanto em
c rormativa term os dos próprios critérios internos com o das alternativas no m undo oci­
Li: os contra dental m oderno.
: afirmação Os evangélicos não precisam mais se sentir desm edidam ente vulneráveis,
l ao movi- na defensiva, ou pedindo desculpas sobre as crenças que os distinguem dos
seguidores de outras doutrinas religiosas. Podem começar a aplicá-las, con­
: : m cursos solidá-las, e estender os grandes avanços feitos durante a últim a geração. A
?ermitido a paixão evangélica pela verdade precisa tornar-se um a paixão pela m ente evangélica.
i: s respeita- O evangelicalismo já fez grandes contribuições para a formatação e renovação da
i : í antes de vida da igreja que Cristo fundou; a tarefa de form atar e renovar a vida da
;re processo m ente crista é o que o aguarda agora.
c 5 líderes e
e_;;ão legíti-
::: nalidade.

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