Desde a década de 70 do século passado que a aplicação do Direito
Agrário na Amazônia era um sonho acalentado por vários autores.
Aqui mesmo, no Pará, OTÁVIO MENDONÇA era o seu mais renomado arauto, já em 1979 afirmava que a região deveria ser o local privilegiado para esse acontecimento. A sua vasta extensão territorial, numa época em que as pressões ecológica e fundiárias não eram tão prementes como hoje; a riqueza que se imaginava sob seu solo e que já despontava, permitiam que os doutrinadores da época sonhassem de olhos abertos. Não imaginavam os conflitos que nasceriam da questão fundiária na Amazônia. A feroz intervenção do Estado Central na política de terras do estado do Pará, através do Decreto n. era apenas vislumbrada por alguns poucos, como BENEDITO MONTEIRO e JÁDER BARBALHO, quer permeavam seus discursos com recheios retóricos que não passaram disso mesmo, meros arroubos de retórica. Decerto que os artigos e ensaios da época ainda não imaginavam a profusão de conceitos e situações que a Constituição de 1988 trouxe, nem os problemas advindos da crise econômica e social que o país experimentou a partir do choque do petróleo e da inflação descontrolada. Nesse meio tempo, em razão da disputa pela posse da terra na Amazônia e especialmente no Pará, tivemos o assassinato de advogados, como Paulo Fonteles, Gabriel Pimenta e João Batista; de militrantes dos direitos humanos, como Irmã Molinari; líderes sindicais, como Arnaldo Delcídio, e tantos outros. Vivia-se uma situação extremada pela violência, como ainda se vive infelizmente. No final da década de 80 temos a chegada do movimento sem-terra, o MST, substituindo os posseiros que quase sempre concentravam sua luta por um pedaço de terra e tinham as mãos calejadas da lida na roça, hoje temos os lumpemproletários arregimentados pelo MST nas periferias das cidades da Amazônia; quase sempre despossuídos da terra, desempregados, analfabetos, totalmente excluídos do sistema econômico e social; sem qualquer chance de ascensão social. Não se imaginava que conceitos jurídicos como “função social da propriedade”, embora já estabelecidos desde a década de 60 no Estatuto da Terra ganhassem a conotação quase revolucionária que hoje possuem como conceito jurídico de manejo nas lides jurídicas. Essa é uma construção da doutrina, já aceita por parte da jurisprudência, mais ainda dependente de maior densidade nos tribunais que permanecessem apegados aos conceitos clássicos de posse, de Savigny e de Ihering, apesar de mais de duzentos anos de elaboração dessas doutrinas. Esse item, entretanto, deve ser analisado à frente com maior vagar. O quem importa ressaltar, de todo modo, é o fato de que os institutos específicos do direito agrário, como o de arrendamento, de parceira agrícola, e outros semelhantes, não são adequados à região amazônica em razão da própria natureza do processo de ocupação regional, onde o sistema não se assentou de forma tranqüila a permitir esse tipo de superestrutura legal própria de um capitalismo estabelecido. Se os doutrinadores pensavam numa região propícia à propagação do Direito Agrário tal como ele foi originariamente concebido, pode-se afirmar que na Amazônia o modo de sua aplicação é pensado de forma totalmente diferente. Agora, somente, é que se pensa em dar sustentação jurídica e legal às posses extrativistas e ribeirinhas, como demonstram os trabalhos de BENATTI. Do mesmo modo, o esforço teórico e doutrinário para estabelecer uma “posse agrária”, diferente da civil, objeto também de nossa preocupação mais à frente, porquanto diretamente relacionada com os embates judiciais nos processos que tramitam na Vara Agrária de Marabá. O próprio modo de encarar a questão agrária na Amazônia, através dos ensaios de OTÁVIO MENDONÇA, demonstra que este tema não foi convenientemente tratado pela doutrina local, mas somente a partir da década de 80 do século passado é que tivemos a primeira preocupação nesse sentido com a tese de mestrado de MATTOS, onde se nota o esforço de compreender e estudar a chamada “posse agrária”. Mas este texto não busca fazer uma recensão do assunto, dado seu caráter mais pragmático, e mesmo acadêmico. Busca ele, sobretudo, verificar vários dos aspectos detectados no exercício cotidiano da Promotoria de Justiça junto à Vara Agrária de Marabá, no decorrer de mais de um ano representando o Ministério Público. A primeira questão que chamou e ainda chama, a atenção, é o fato de que criada a Vara Agrária os processos em trâmite não ultrapassam duzentos(200). Evidente que a atenção é imediatamente desperta para a quantidade de processo que não justificam a criação de uma vara especializada, com os custos de implantação e de funcionamento muito mais altos que os de efetiva operacionalização, levando a crer e comprovando que, de fato, na questão existe uma conteúdo de cunho político mais profundo, principalmente no estado do Pará, dada as situações que podem ser enumeradas como as chacinas de Eldorado e outras. Assim, demandaria muito mais importância a resoolução das questões de cunho criminal, do que, efetivamente, a criação de instãncias especializadas. No levantamento feito pela PJ de Marabá demos conta de apenas processo, quase todos de reintegração de posse e de manutenção, demonstrando que na verdade o debate judiciário ainda se encontra na fase civil do assunto e não no aspecto imediatamente “agrário”, embora a doutrina faça uma separação entre estas duas modalidades no campo agrário e no campo civil. Mariana Della Trota diz, por exemplo,que:
1. Histórico Jurídico – Legal da questão:
Com a Constituição de 1988 a Justiça Agrária ganhou dimensão
constitucional, ainda que de modo simples, com o dispositivo do artigo 186, onde se previu que aos Estados poderiam instalar varas agrárias para dirimi conflitos fundiários. Essa concepção não estava e nem está muito afeita às propostas de várias correntes da doutrina que propugnam uma justiça especializada, com várias propostas em trâmite no Congresso Nacional, como os projetos de lei n. , em que a Justiça Agrária seria organizada de modo semelhante às justiça especializadas, algumas dessas propostas até mesmo repassando essa competência para a esfera federal em razão de não se fiar muito nas justiça estadual. O dispositivo constitucional contemplou um anseio há muito existente na doutrina que defendia a instalação dessa justiça no Brasil. Nossa tradição ibérica e secular é pródiga nesse tipo de providência, em criar mais burocracia, dispêndio de recursos públicos e mais cargos e funções no Poder Público, enquanto a questão a ser atacada permanece ao longe; frequentemente se troca o meio pelo fim. Logo, o Constituinte de 88 abeberou-se da idéia, mas remetendo aos estados essa incumbência.
Na doutrina a Justiça Agrária era desejada, mas sob um enfoque
diferente, eu penso. As razões era a vocação agrária do Brasil, na produção de alimentos agrícola, ensejando um competente e bem articulado corpo legal para dar conta dos prováveis conflitos oriundos da exploração agrícola. Hoje o agronegócio demonstra que essa idéia não é assim tão necessária a ponto de se criar mais um monstrengo burocrático para interferir nas relações rurais. O setor consegui se dinamizar em várias frentes, prescindindo de justiça agrária, embora em apenas alguns setores, justamente naqueles destinados á exportação. Nos demais, há sim necessidade de correção de outro meio, mas nada que se possa recorrer à interferência política e administrativa dó estado, sendo desnecessário a JÁ.
O enfoque dado à instalação de uma justiça nesses moldes era
justamente a modernização das relações no campo, e questão da terra que ainda continua no Brasil fortemente marcada pela concentração. Entretanto, de lá para cá, a exigência pensada não tem se feito mais presente, o que realmente tem provocado a discussão são ocorrências que destoam, a rigor, da concepção da específica de uma JÁ. São os assassinatos nas disputas pela posse da terra; a violência advinda dessa disputa que choca a todos; a concentração da terras rurais nas mãos de alguns poucos, redundando numa estrutura agrária que se pode chamar de injusta e desigual; os privilégios fiscais e financeiros concedidos apenas à alguns setores, enquanto outros permanecem na berlinda; a morosiddade da política federal de distribuição de terras pára a reforma agrária, etc. Os quais, como se vê, prescindem claramente de interferência de órgão estatal de caráter jurisdicional.