A partir de 1942, quando a posição do Brasil na II Guerra Mundial se definiu em favor das potências liberais, o que acabou por fazer com que o país se engajasse no conflito contra os regimes totalitários, as contradições nascidas com essa tomada de posição repercutiram no cenário político interno. Como explicar um Estado com tantas características fascistas que envia seus cidadãos para lutar e morrer contra o fascismo, em defesa dos ideais antiautoritários? Mas somente essa contradição não poderia explicar a queda do Estado Novo. Em 1943, esgotara-se o prazo que o Estado impusera para a Legitimação da Constituição de 1937, por meio de um plebiscito, e muitos exigiam uma maior participação política e a volta do país a uma situação mais “legalizada”. O próprio Vargas havia se comprometido a redemocratizar o país quando acabasse a guerra, mas, como muitas de suas promessas haviam sido remetidas ao esquecimento, em 1945, quando a Guerra terminou, as agitações pela redemocratização iniciaram-se. Com as pressões, Getúlio Vargas começou a abrir um pouco a política brasileira, permitiu partidos políticos, fundando um (o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro) que mobilizava a burocracia sindical fiel a ele e ajudando a fundar outro (o PSD – Partido Social Democrata); e concedeu, ainda, anistia política. Entretanto, o Presidente manobrava para se manter no poder. Como a Constituinte somente poderia reunir-se após a eleição presidencial marcada para dezembro de 1945, trabalhistas e comunistas (com ideologia antiimperialista) lançaram a campanha conhecida como “queremismo”: “queremos Getúlio”. Com o tempo o grito dos que apoiavam Getúlio Vargas mudou, passaram de “queremos Getúlio” para “Constituinte com Getúlio”, desejando, portanto, a continuidade de Vargas no poder e começando a Constituinte antes da eleição presidencial. Mesmo diante de toda força popular, os opositores de Vargas acabaram por engendrar um golpe de Estado. Em 29 de outubro de 1945, Getúlio foi obrigado a abandonar o poder, transmitindo-o ao judiciário. Estava encerrado o Estado Novo, ao menos em tese. De 1946 em diante, a marca de Vargas permaneceria indelével na política e na sociedade brasileira. O movimento operário, que retomou seu vigor no princípio de 1946, manteve- se apartidário, e os políticos, mesmo após o suicídio de Getúlio em 54, alinhavam-se entre os que eram varguistas e o que eram antivarguistas. 1.1. A Constituição de 1946 Um pouco mais de um mês depois da deposição de Vargas pelos militares, em 2 de dezembro de 1945, foi realizada a eleição para presidente, abrindo caminho para a feitura da nova Constituição em 1946. A Ordem dos Advogados do Brasil chegou a indicar uma lista de estudiosos em legislação para a elaboração de um anteprojeto, a tentativa tinha por objetivo substituir a estrutura autocrática imposta em 1937.664 Mas, ao contrário das anteriores, a Constituição de 1946 não foi precedida de uma comissão especial nomeada pelo Executivo. Em setembro de 1946, foi aprovada a versão final da nova Constituição do Brasil, cuja base foi a Constituição de 1934, contendo todos os receios que acompanham um país que acabou de sair de uma ditadura e um alinhamento cada vez mais evidente com os Estados Unidos que, após a II Guerra, tornaram-se o líder do bloco capitalista da Guerra Fria. 1.1.1. O Poder Executivo Foi mantido o presidencialismo na Constituição de 1946, entretanto, a definição de Poder Executivo mudou. Enquanto a Constituição de 1934 não previa Vice-Presidente, esta o fazia, mas o vice não era por definição elemento de composição do Executivo: “Art. 78. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República.” O Vice-Presidente da República seria o substituto do Presidente: “Art. 79. Substitui o Presidente, em caso de impedimento, e sucede-lhe, no de vaga, o Vice-Presidente da República.” As eleições para Presidente e Vice-Presidente da República passaram a ser feitas simultaneamente, mas em pleitos independentes. Isso significava que se poderia votar em um indivíduo para presidente e em outro para vice sem que os dois pertencessem à mesma chapa. Mas o primeiro Vice-presidente seria eleito pelos próprios Constituintes: “Art. 1o A Assembleia Constituinte elegerá, no dia que se seguir ao da promulgação deste Ato, o Vice-Presidente da República para o primeiro período constitucional. § 1o Essa eleição, para a qual não haverá inelegibilidades, far-se-á por escrutínio secreto e, em primeiro turno, por maioria absoluta de votos, ou, em segundo turno, por maioria relativa.” Uma questão envolvendo a vice-presidência também causa estranheza para o modelo atual. O Vice era também o Presidente do Senado Federal, portanto do Congresso. Isso poderia ser uma ingerência do Executivo no Legislativo, mas, conforme afirmado anteriormente, o Vice-Presidente não fazia parte do Poder Executivo: “Art. 61. O Vice-Presidente da República exercerá as funções de Presidente do Senado Federal, onde só terá voto de qualidade.” Mas, de fato, o controle do Legislativo sobre o Executivo é que tinha aumentado. Embora a nomeação de ministros ainda ficasse por conta do Presidente da República, estes deveriam comparecer compulsoriamente ao Congresso quando convocados para interpelações e esclarecimentos: “Art. 54. Os ministros de Estado são obrigados a comparecer perante a Câmara dos Deputados, o Senado Federal ou qualquer das suas comissões, quando uma ou outra câmara os convocar para, pessoalmente, prestar informações acerca de assunto previamente determinado.”