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TEORIA DO PROCESSO DE

MEDIAÇÃO

autora
PROFª. Dra LAILA MARIA DOMITH VICENTE

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2018
Conselho editorial  roberto paes e gisele lima

Autora do original  laila maria domith vicente

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gisele lima, paula r. de a. machado e aline karina


rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  maria carolina cancella de amorim

Imagem de capa  kzenon | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2018.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

V63t Vicente, Laila Maria Domith


Teoria do processo de mediação / Laila Maria Domith Vicente.
Rio de Janeiro : SESES, 2018.
96 p: il.

isbn: 978-85-5548-560-2.

1. Mediação de conflitos. 2. Teoria do conflito. 3. Ética na mediação.


4. Processo de mediação. 5. Acesso à justiça. 6. Resolução adequada de
conflitos. I. SESES. II. Estácio. cdd 346

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário
Prefácio 7

1. Por um novo paradigma na resolução de conflitos


sociais 9
O movimento pelo acesso à justiça 11

Mas o que é a mediação? 14


Objetivos da mediação 15
Qual a diferença da mediação para outras formas de resolução
de conflitos? 16

A negociação 16

A conciliação 17
Heterocomposições 18
Arbitragem 19
Jurisdição estatal 19

Áreas de aplicação da mediação 20

Princípios e teorias da mediação de conflitos 22


Princípio da liberdade das partes 22
O princípio da não competitividade 23
O princípio do poder de decisão das partes 23
O princípio da imparcialidade 23
Princípio da competência do mediador 24
O princípio da informalidade do processo 24
O princípio da confidencialidade no processo 24
Princípio da consensualidade 25

Comunicação não-violenta 25

2. Estudos sobre o conflito e o processo


de mediação 29
Os conflitos 30
Conflitos e Disputas 34
A nova teoria do conflito 35

Transformação do conflito 37
Territórios e espaços do conflito: a espiral negativa 37

Os sujeitos do processo de mediação 38


Comportamentos habituais das pessoas 38

Tipos de mediandos 39
Mediando vítima 39
Mediando agressivo 39
Mediando fechado ou evitativo 40
Mediando controlador 40
E o que os mediandos esperam do mediador? 40

3. O mediador e a mediação 45
O que é ser um mediador? 46
Qualquer pessoa pode ser mediadora? 47
Funções do mediador 50
Formação do mediador 52

Comediação ou mediação coletiva de conflitos 54


Mediação coletiva de conflitos: estudo do caso Rua Miramar 55

A estrutura do processo de mediação 56


A dinâmica da mediação 56

Escolas de mediação 59
Escola linear, satisfativa ou de Harvard 60
Escola transformativa ou transformadora 61
Escola circular narrativa de Sara Cobb 62

4. Técnicas para a mediação de conflitos 67


A caixa de ferramentas com propósito 68

A ressignificação 69

A recontextualização 71

História alternativa 72
Revalorização e reconhecimento 74

A negociação assistida 75

Outras técnicas 76
A escuta ativa 76

Criação e redação de acordos 76

5. A mediação e o Poder Judiciário 79


A mediação e o Poder Judiciário 80
Os marcos legais da mediação no Brasil 81

Benefícios da mediação versus o Poder Judiciário 87

A ética no processo da mediação 89


Responsabilidades do mediador 90
O código de ética de conciliadores e mediadores judiciais 90
Prefácio

Prezados(as) alunos(as) do Curso Tecnólogo em Mediação de Conflitos,

O presente livro didático é uma parte importante dos estudos que o/a levarão
à prática eficaz e responsável em Mediação de Conflitos. Em meio a relações com
cada vez mais animosidade, poder pensar formas melhores e mais éticas de resolver
os conflitos se mostra essencial e urgente.
O nosso livro parte de uma proposta crítica e ética dos conflitos e das formas
de resolvê-los, pois entendemos que estamos em uma sociedade permeada por
relações de poder e que um mediador tem que ter isso em mente se quiser atuar
de maneira isonômica.
Os estudos da Teoria do Processo de Mediação estão inseridos nos conhe-
cimentos necessários para que o futuro tecnólogo possa exercer essa prática no
âmbito judicial ou em outros contextos.
O livro está dividido em cinco capítulos.
No primeiro capítulo iremos estudar o contexto da mediação, como ela aparece
com grande importância dentro do movimento de Acesso à Justiça, quais são os seus
objetivos e as suas diferenças frente às outras formas de resolução de conflitos. Também,
ainda no primeiro capítulo, estudaremos os princípios da mediação de conflitos.
O segundo capítulo abordará os estudos do conflito. O que é e o que pode ser
um conflito. Partiremos do seguinte questionamento: são os conflitos inevitáveis?
A resposta é sim. A partir daí nos questionaremos: todo conflito é ruim ou destru-
tivo? Para esta pergunta a resposta é não. A mediação, portanto, será o instrumen-
to que torna possível trabalhar os conflitos para que eles deixem de ser destrutivos
e passem a ser construtivos. Tudo isso, é claro, garantindo a autonomia das pessoas
envolvidas, característica principal da mediação de conflitos.
O terceiro e o quarto capítulos vão se destinar basicamente a pensar de forma
detalhada a estrutura, as técnicas e a atuação do mediador na resolução de conflitos.
Por fim, o último capítulo nos aproximará do encontro entre a mediação e
o judiciário, e, para finalizar o nosso estudo, trabalharemos a ética do processo
de mediação.
Desejamos a vocês um feliz e produtivo estudo, e, futuramente, ótimas práti-
cas de mediação de conflitos.

Bons estudos!

7
1
Por um novo
paradigma na
resolução de
conflitos sociais
Por um novo paradigma na resolução de
conflitos sociais

Iniciaremos o primeiro capítulo do nosso livro pensando o contexto da media-


ção. Como surge a mediação de conflitos e o que faz com que ela se torne um dos
instrumentos mais importantes na Resolução Adequada dos Conflitos (RADs)?
Ou mais ainda, em que casos podemos visualizar a mediação como o principal
instrumento e o mais adequado para a resolução de um conflito? Para responder
a estas perguntas primeiro responderemos a mais básica: o que é a mediação? Já
parou para pensar... e é a partir desta resposta que poderemos iniciar o nosso per-
curso em busca das teorias e princípios da mediação. Vamos lá!

OBJETIVOS
•  Compreender o contexto do surgimento da mediação como um importante instrumento na
Resolução Adequada dos Conflitos;
•  Entender o que é a mediação;
•  Diferenciar a mediação de outras formas de resolução de conflitos;
•  Conhecer os princípios da mediação e algumas de suas teorias.

Por muito tempo a forma de resolvermos os conflitos sociais e interpessoais


se baseou em um paradigma adversarial, ou seja, sempre que nas relações sociais
estivéssemos frente a um desentendimento, em especial se este desentendimento
fosse levado ao Judiciário, estaríamos frente a adversários em uma disputa: obriga-
toriamente ao final teríamos uma parte vencedora e outra vencida.
Existe uma frase famosa que o filósofo Michel Foucault (2002) retira do es-
trategista militar do Reino da Prussia – Clausewitz – e a inverte em seus traba-
lhos dizendo que “A Política é a guerra continuada por outros meios”. Dentro da
nossa temática podemos parafraseá-lo e dizer que por muito tempo o Direito foi
a guerra continuada por outros meios em virtude do paradigma adversarial que
falávamos. Isto porque a mediação não fazia parte dos mecanismos judiciais de
resolução de conflitos, e a sua atuação na sociedade era muito tímida, localizada
em certos contextos e muitas vezes marginalizada. A mudança do paradigma ad-
versarial para o paradigma consensual ou coexistencial não ocorreu do dia para a

capítulo 1 • 10
noite, como toda mudança social ela tem uma história e é esta história que agora,
brevemente, iremos abordar.

AUTORES
Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz foi um militar e estrategista do Reino da Prussia que,
em seu livro “Da Guerra” diz que “A guerra é a política continuada por outros meios.”.
Michel Foucault filósofo francês e historiador da subjetividade, nasceu na França, em
1926, e faleceu em 1984. Possui uma produção filosófica e histórica muito elogiada em di-
versas áreas. Apenas a título de exemplo, alguns livros de destaque: Vigiar e Punir, A História
da Loucura, a História da Sexualidade, os Ditos e Escritos, além de seus cursos publicados.

CONCEITOS
Paradigma Adversarial é aquele que entende que na resolução de um conflito estamos
sempre entre adversários e que ao final teremos um vencedor e um vencido. Geralmente tal
paradigma é baseado nas relações judiciais em que um juiz diz às partes quem tem a razão
(vencedor) e quem está errado ou é o culpado(vencido).
Paradigma Consensual ou Coexistencial é o princípio de que em uma controvérsia
sempre é possível chegar a um consenso em que, mesmo que as pessoas não saiam plena-
mente felizes, pois geralmente de um conflito surge de um problema comum na vida, saiam
satisfeitas com o desfecho da situação, ou seja, estaremos diante de vencedor e vencedor.

O movimento pelo acesso à justiça

O jurista italiano Mauro Capeletti data de 1965 a busca por um Judiciário e


uma Justiça efetiva que viesse de fato a resolver os conflitos sociais. Ele delimita
histórica e didaticamente em três ondas os movimentos por soluções práticas que
denominou de Acesso à Justiça. A primeira onda se referia à Assistência Judiciária
para os pobres que buscaria disponibilizar o acesso ao judiciário independente da
condição financeira daquele que necessitasse de uma solução judicial. Isso, tanto
no que se refere às custas processuais, como no que se refere aos custos com o
advogado (honorários advocatícios). Foi a partir deste movimento que foram re-
formulados nos mais diversos países, os serviços de assessoria judiciária. A segunda

capítulo 1 • 11
onda se voltou a garantir o que foi denominado de interesses coletivos ou difusos
que são aqueles que atingem um grupo homogêneo ou mesmo heterogêneo de
pessoas. Tais interesses fugiam àqueles típicos judiciais que eram basicamente uma
pessoa contra outra e o Estado-Juiz ao centro para definir a quem convinha a ra-
zão. Os direitos coletivos e difusos podem se referir tanto a direitos como os dos
consumidores em que um grupo de pessoas pode ser lesado por um mesmo produ-
tor, fornecedor, vendedor ou prestador de serviços, como a interesses difusos que
atingem um grupo heterogêneo de pessoas, como o direito a ter um ar saudável
sem o excesso de poluição em uma cidade.
Entretanto, para os nossos estudos a terceira onda denominada por Capeletti
é a que mais interessa. Ela se refere a efetividade do acesso à justiça, um acesso
à Justiça justa. Também no Brasil, o conceito de acesso à justiça é reconfigurado
e isso principalmente a partir da Constituição Federal de 1988, pretendendo
deixar de ser o simples fato de se ter um acesso a uma decisão judicial – o simples
fato de se ter acesso formal ao Judiciário – para se referir ao acesso à uma decisão
justa, que leve em consideração as características do Direito a ser tutelado, as ca-
racterísticas do conflito e as melhores vias para resolvê-lo. Para isso, deve-se levar
em consideração as características das partes em disputa, inclusive a desigualdade
entre elas, para que possam estar em pé de igualdade no momento de resolver as
desavenças. Dizemos que isto é ter acesso a Igualdade Material, ou em outras pa-
lavras podemos usar o antigo conceito de Aristóteles: “tratar igualmente os iguais
e desigualmente os desiguais na exata medida da sua desigualdade”.
Portanto, compreendeu-se que o Judiciário deveria ser um Sistema
Multiportas, em que para cada diferente conflito haverá uma porta adequada a
atendê-lo. O mesmo se dará para cada sujeito – mais ou menos necessitado – ha-
verá uma porta adequada a atender as suas necessidades, e da mesma forma, para
cada direito a ser buscado haverá uma porta satisfatória a contemplá-lo.
A Constituição de 1988 (Art. 5º XXXV) ampliou o âmbito do Acesso à Justiça,
entretanto, na legislação infraconstitucional o Sistema Multiportas somente foi im-
plementado nas últimas décadas, em que tivemos as formas chamadas de alterna-
tivas de resolução de conflitos cada vez mais presentes na legislação. Podemos citar
tais alterações legislativas desde a Lei da Arbitragem, passando pela Resolução 125/
CNJ de 2010, até as recentes Lei da Mediação (13140/2015) e do novo Código de
Processo Civil (13.105/2015) que trazem os institutos da conciliação e da mediação
para dentro do processo civil, deixando, portanto, de serem mecanismos “extrajudi-
ciais” de conflitos, sendo levados para dentro do próprio mecanismo judicial.

capítulo 1 • 12
A Mediação é uma delas. Considerada uma das formas mais eficazes de reso-
lução efetiva de determinados conflitos. Principalmente aqueles que se referem às
relações prolongadas que são aquelas que se perpetuam após solução judicial dada.
Dentro deste âmbito podemos exemplificar as relações familiares ou as relações de
condomínios. Vamos pensar juntos/juntas dois exemplos e ao final deste capítulo
será apresentada uma possível resolução adequada para estes conflitos:

EXEMPLOS
Exemplo 1:
Relações Parentais: uma disputa judicial pela guarda de um filho pequeno.
Jonas e Carmem mantiveram um relacionamento feliz e harmônico por 8 anos e desta
união tiveram uma filha, a Eduarda, que neste momento completava 5 anos. Após tantos anos
de relacionamento saudável eles começaram a se desentender, principalmente por conta da
educação da filha: enquanto Jonas acreditava que a menina deveria dançar ballet e estudar em
uma escola de padres, Carmen compreendia o desejo da filha de fazer esportes e lutas, assim
como preferia uma educação construtivista, em uma escola que ensinasse valores como a so-
lidariedade, a liberdade de escolhas, a generosidade e o respeito às fases do desenvolvimento
da criança. Tantos desentendimentos os levaram à separação e a questão da guarda da filha
desde o início foi o maior desentendimento no processo do divórcio. Foi estabelecida a guarda
compartilhada e a partir de agora, já sem um relacionamento conjugal, Carmem e Jonas pre-
cisam manter a relação parental sem prejuízos para a criança.

Exemplo 2:
Relações de Vizinhança: infiltração no banheiro
Elioberto mudou-se a trabalho para a cidade do Rio de Janeiro em maio de 2017 e, após
um longo dia de mudanças, recém estabelecido em seu apartamento no bairro da Glória,
resolve dormir uma noite de sono tranquilo. Entretanto às 3h da manhã foi surpreendido por
um estrondo na cozinha de seu pequeno apartamento quarto e sala, e quando foi até lá, ainda
sonolento, para verificar o que havia ocorrido, percebeu que parte do gesso do teto da cozinha
estava no chão. Ainda sem saber se estava dormindo ou acordado, outro forte barulho é es-
cutado quando todo o teto vem abaixo. Dirigiu-se na mesma hora à portaria do prédio que in-
terfonou para o seu vizinho do andar de cima, porém este se recusou a atender. Assim, seguiu
por uma semana sem que o vizinho quisesse ao menos escutar o ocorrido, dizendo de pronto
que não era sua responsabilidade o ocorrido no apartamento de outra pessoa.

capítulo 1 • 13
Resolução dos Exemplos 1 e 2:
Em ambos os casos percebemos que tratam-se de relações prolongadas de convivência.
Ainda que eles resolvam a questão que os levou a buscar a solução hétero ou auto composi-
tiva, não será possível deixar de ter uma relação, seja por conta da relação parental: Carmen
e Jonas continuarão sendo pais da criança, ou pela relação de condomínio: a não ser que se
mude, Erioberto continuará tendo contato com seu vizinho de cima, seja no elevador, seja na
garagem, seja nas reuniões de condomínio ou nos arredores do prédio.
Neste sentido a mediação se apresenta como a Resolução mais adequada para os conflitos
citados, uma vez que o intuito dela é estabelecer uma comunicação não violenta entre as partes,
fazer com que elas possam se olhar e dialogar, chegando juntas ao melhor entendimento para a
situação, fazendo com que a situação deixe de ter como regra final um vencedor e um vencido.

AUTOR
Mauro Capeletti é um jurista italiano que desenvolveu, trazendo diversas áreas de conhe-
cimento ao Direito, o conceito de Acesso à Justiça, descrevendo a história deste movimento
a partir de uma perspectiva crítica.

CONCEITO
Sistema Multiportas é o entendimento que um Poder Judiciário justo deve possuir
um sistema multiportas em que para cada diferente conflito haverá uma porta adequada a
atendê-lo. O mesmo se dará para cada sujeito – mais ou menos necessitado – haverá uma
porta adequada a atender as suas necessidades, e da mesma forma, para cada direito a ser
buscado haverá uma porta satisfatória a contemplá-lo.

Mas o que é a mediação?

Podemos conceituar a mediação como um processo de resolução de conflitos em


que uma pessoa não envolvida (chamamos de “terceiro não envolvido”) atua, por meio
das técnicas de mediação, para facilitar a comunicação entre as partes conflitantes.
Portanto, observe, o mediador não irá intervir diretamente no conflito, não irá
propor soluções, mas, por meio de suas técnicas, irá facilitar (por isso muitas vezes o

capítulo 1 • 14
mediador é chamado de facilitador) o diálogo entre as partes, irá facilitar a percepção
por elas de seus reais interesses, e das controvérsias que podem ser solucionáveis de
forma prática, alcançando, assim, uma pacificação da situação. Marshall Rosenberg
denominou este desígnio do mediador de “comunicação não violenta”, então, de
maneira didática, podemos dizer que o ofício do mediador é estabelecer uma comu-
nicação não violenta entre as partes. Neste tipo de atuação não pode haver um tem-
po pré-estabelecido, sendo a sessão de mediação prolongada pelo tempo necessário,
podendo ser dividida em sessões posteriores, até atingir sua finalidade.

CONCEITO
Mediação é um processo de resolução de conflitos em que uma pessoa não envolvida
(chamamos de “terceiro não envolvido”) atua, por meio das técnicas de mediação, para facili-
tar a comunicação entre as partes conflitantes.

AUTOR
Marshal Rosenberg é criador do conceito e da técnica de mediação denominada “Co-
municação Não-Violenta”. Fundou, em 1984, na Califórnia, o Center for Nonviolent Comu-
nication (CNV) que se tornou uma organização internacional de treinamento de pessoas
habilitadas na CNV em mais de trinta países, incluindo o Brasil.

Objetivos da mediação

A mediação possui o seu objetivo primordial e imediato que é apaziguar uma


situação conflituosa, fazendo com que as próprias partes estabeleçam a maneira ade-
quada de chegar ao consenso entre elas. Neste sentido, também apresenta objetivos
mediatos que podem ser delimitados como: 1. trazer autonomia para as pessoas resol-
verem suas próprias questões, 2. preservar as relações prolongadas uma vez que resol-
vidas pelas próprias partes 3. reestabelecer a possibilidade do diálogo entre as pessoas,
4. promover uma cultura de paz, reestabelecendo a comunicação não violenta entre
as pessoas; 5. fortalecer os laços de cidadania e cordialidade nas coletividades, uma vez
que as pessoas, em última instância, resolvem por si só suas controvérsias.

capítulo 1 • 15
Qual a diferença da mediação para outras formas de resolução de conflitos?

Existe uma série de formas de resoluções de conflitos, das quais a mediação é


uma delas, e estas foram chamadas de RADs – Resoluções Apropriadas de Disputas.
Para diferenciarmos a mediação das demais formas de resolução de conflitos
devemos levar em consideração que na prática, muitas vezes, o facilitador poderá
utilizar métodos diferentes em momentos diversos de sua atuação, a depender da
necessidade. É pacífico atualmente considerar que não é possível diferenciar de
forma estanque as técnicas no momento de sua utilização e que em muitos casos
de conciliação, por exemplo, o conciliador pode ser propenso a utilizar técnicas
da mediação ou mesmo permitir a negociação direta entre as partes. Entretanto, é
necessário conhecer e conceituar cada um destes métodos para que se possa utili-
zá-los adequadamente no momento da resolução da disputa.

COMENTÁRIO
Segundo o Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça (AZEVEDO,
2015) o termo RADs também é utilizado como Resoluções Adequadas ou Amigáveis de
Conflitos no lugar do termo Apropriadas, sendo as três formas consideradas corretas.

A negociação

O processo de mediação muitas vezes é denominado de negociação assistida. Isso


já nos diz muito do conceito de negociação. Se podemos pensar que muitas vezes,
ainda que intuitivamente, atuamos como mediadores no nosso dia-a-dia, contri-
buindo na resolução de um conflito em nosso ambiente de trabalho ou faculdade,
entre uma briga de nossos filhos, ou mesmo nos famigerados conflitos familiares na
festa de natal, ainda mais isso acontece no que se refere à negociação. Podemos dizer
que a todo momento estamos negociando e impedindo futuros conflitos ou resol-
vendo pendências por meio da negociação. Isso porque a negociação é a resolução
de um conflito pelas próprias partes que em comum acordo estabelecem a melhor
forma de lidar com alguma situação. Em uma batida de carro, por exemplo, muitas
vezes abrimos mão de parte do que nos seria devido (abro mão do ajuste daquele
arranhão na porta, desde que você pague a reparação do para-choque) para resol-
vermos a situação e seguirmos nosso caminho. Se um casal só tem uma televisão em

capítulo 1 • 16
casa podem negociar entre eles quais os dias assistirão novela ou futebol, sem que
isso seja motivo para divórcio ou brigas conjugais. Todas estas situações podem ser
consideradas como negociações, em que a principal característica é a não intervenção
de nenhuma pessoa além das próprias envolvidas no conflito.
Por outro lado, a mediação é denominada negociação assistida, pois na media-
ção as próprias partes chegarão a resolução de suas disputas, entretanto possuem a
assistência de um terceiro não envolvido no conflito, um facilitador, que tornará
possível o diálogo entre as partes que assim chegarão ao acordo por si mesmas. Por
este motivo tanto a mediação quanto a negociação são considerados métodos de
resolução de conflitos autocompositivos, pois as próprias partes chegam a solução
de suas controvérsias.

CONCEITOS
Negociação é a resolução de um conflito pelas próprias partes que em comum acordo
estabelecem a melhor forma de lidar com alguma situação.
Métodos Autocompositivos de conflitos são aqueles em que as próprias partes che-
gam a sua resolução final, ainda que com a assistência do mediador ou do conciliador.
Métodos Heterocompositivos são aqueles em que um terceiro não envolvido e impar-
cial define a resolução de uma controvérsia de forma impositiva não dependendo das partes
aceitarem ou não a resolução proferida.

A conciliação

A conciliação também é um método autocompositivo em que as partes por


elas mesmas chegam a solução de suas controvérsias. Entretanto, aqui temos o
conciliador que é um terceiro não envolvido no conflito, mas que para auxiliar
as partes em sua resolução possui uma atuação mais ativa que a do mediador. Faz
parte do papel do conciliador propor soluções, intervir mais diretamente no mé-
rito da questão e, muitas vezes tendo conhecimentos jurídicos, dizer e redigir os
termos do acordo. Tais atitudes são impensáveis por parte do mediador que possui
uma intervenção muito mais sutil, podemos considerar muito mais difícil tam-
bém, de atuar na comunicação entre as partes, facilitando para que estas possam se
comunicar e cheguem por elas mesmas nos termos de seu acordo. A mediação tem
como pressuposto reestabelecer/preservar minimamente a relação entre as pessoas,

capítulo 1 • 17
o que é indiferente para o conciliador. A regra da mediação de que não se deve
ter um tempo determinado ou número máximo de sessões não cabe para a con-
ciliação que muitas vezes faz parte do funcionamento judicial, como é o caso dos
Juizados Especiais Cíveis, que possuem uma pauta de audiências, com um tempo
determinado para cada uma delas.
Por suas características a conciliação é bem aplicada para a resolução de ques-
tões simples de caráter patrimonial e que não se refiram a relacionamentos pro-
longados que prosseguiriam após o término da sessão, como são os exemplos já
citados de relações familiares ou mesmo de condomínios. Situações como estas
que são melhores resolvidas pela mediação que trata também da própria relação e
comunicação entre as pessoas.
A conciliação pode ser estabelecida por um conciliador predestinado a função,
mas também pode ser realizada por outros sujeitos, como o Juiz, por exemplo, que
pode a qualquer tempo do processo promover a conciliação.

CONCEITO
Chamamos de “Termos do Acordo” o documento que será ao final assinado pelas par-
tes e que contém as obrigações assumidas por cada uma delas na sessão de conciliação.

COMENTÁRIO
Nos Juizados Especiais Cíveis, regidos pela Lei 9.099/95, temos as audiências de con-
ciliação que obrigatoriamente ocorrerão previamente às Audiências com os Juízes/Juízas
denominadas de Audiências de Instrução e Julgamento.

Heterocomposições

São denominadas de heterocomposições as formas de resolução de conflitos


em que um terceiro não envolvido e imparcial define a resolução de uma contro-
vérsia de forma impositiva não dependendo das partes aceitarem ou não a resolu-
ção proferida. São formas de heterocomposição a Arbitragem e a Jurisdição Estatal.

capítulo 1 • 18
Arbitragem

Ainda fora do âmbito Judicial temos a Arbitragem, regulamentada pela Lei


9307 de 1996, que se trata de um método de composição em que as partes vo-
luntariamente escolhem um árbitro, um terceiro não envolvido no conflito, para
que resolva e sentencie a controvérsia. São os denominados Tribunais Arbitrais,
que, apesar de a solução do conflito não passar pelo Estado/Juiz, também não é
definida diretamente pelas partes envolvidas no conflito.
Os Tribunais Arbitrais possuem limitações no seu âmbito de atuação, o objeto
da controvérsia deve corresponder a direitos patrimoniais disponíveis e as pessoas
que elegerem o Tribunal Arbitral devem ser pessoas capazes juridicamente.
A diferença do Judiciário, em que as partes pagam apenas as custas do proces-
so, no Tribunal Arbitral as partes ao escolherem o julgador também devem arcar
com o pagamento do procedimento privado.

CURIOSIDADE
Você pode estar se perguntando como a decisão arbitral vai ser imposta a uma das par-
tes caso esta não cumpra o determinado pelo Árbitro, certo? Então, a decisão arbitral gera
o que denominamos de título executivo judicial e, caso não cumprida, a pessoa prejudicada
deve levar ao judiciário que não entrará no mérito já decidido pelo Árbitro e coercitivamente
irá cumprir o que ficou decidido.

Jurisdição estatal

Segundo uma teoria denominada nos Direitos de Teoria Geral do Processo, na


resolução dos conflitos as partes abrem mão de sua autonomia e são substituídas
pelo Estado/Juiz que decidirá por elas, dizendo a norma aplicável ao caso concreto
e tendo o poder coercitivo para impor a sua decisão. Isso é chamado no Direito
de Jurisdição Estatal. Os mecanismos alternativos de resolução de conflitos (ou
RADs – Resoluções Adequadas de Controvérsias) se mostram como alternativas
à Jurisdição Estatal que durante muito tempo foi considerada a única via apta
de resolução de conflitos levando as demais às margens. Porém, como vimos, o
Sistema Multiportas veio a modificar esta visão retrógrada e ineficiente de resolu-
ção de conflitos, uma vez que, a Jurisdição Estatal pode se mostrar a melhor forma

capítulo 1 • 19
de resolução para determinados conflitos, entretanto, pode ser trágica para outros,
apenas perpetuando conflitos ao invés de resolvê-los. O Sistema Multiportas serve
para abrir as possibilidades, diversificando as maneiras de solucionar as controvér-
sias da vida, com um leque amplo de portas podemos escolher ou ser orientados
àquela que melhor se abrirá a solucionar e restaurar nossas relações sociais.
Organograma das formas de resolução de conflitos

Métodos Métodos
Heterocompositivos Autocompositivos

Arbitragem Jurisdição Negociação Conciliação Mediação

Áreas de aplicação da mediação

A Mediação possui um amplo espectro de atuação, podendo ser judicial ou


extrajudicial. Alguns exemplos em que a mediação não só é aplicável como é a mais
adequada das formas de resolução de controvérsias podem ser citados: como todos
os conflitos em situações de âmbito prolongado de convivência, conflitos familiares,
de vizinhos, conflitos comunitários, escolares, nas relações de trabalho entre outras.
Uma importante área em que a Mediação é o principal instrumento de reso-
luções de conflitos é a denominada Justiça Restaurativa. Esta é uma forma de
resolução de conflitos no âmbito penal que pretende pensar a situação-problema
(um diferente nome dado ao que costumamos chamar de crime) a partir do dano
causado, e principalmente a partir do sofrimento vítima, que, por meio do encon-
tro, do diálogo e da mediação visa restaurar a situação social levando em conside-
ração a vítima, mas também o agente e a comunidade. A busca será sempre pela
reparação e restauração da situação problemática na tentativa de transformá-la em
uma situação de paz social.

capítulo 1 • 20
“A Justiça precisa ser vivida, e não simplesmente realizada por outros e notificada a
nós. Quando alguém simplesmente nos informa que foi feita a justiça e que agora a
vítima irá para casa e o ofensor para a cadeia, isto não dá a sensação de justiça. (...)
Não é suficiente que haja justiça, é preciso vivenciar a justiça.” (ZEHR, 2008, p. 191-2)

Agora que já entendemos o que é a mediação e como ela se diferencia de ou-


tros métodos de resolução de conflitos, também já compreendemos os objetivos
da mediação, assim como as suas áreas de atuação, agora é hora de conhecermos
os Princípios da Mediação de Conflitos.

CONCEITO
Justiça Restaurativa é uma forma de resolução de conflitos no âmbito penal que pre-
tende pensar a situação-problema (um diferente nome dado ao que costumamos a chamar
de crime) a partir do dano causado, e principalmente a partir do sofrimento da vítima, que,
por meio do encontro, do diálogo e da mediação visa restaurar a situação social levando em
consideração a vítima, mas também o agente e a comunidade.

CURIOSIDADE
Existe em andamento na Câmara dos Deputados, desde 2006, o Projeto de Lei
7006/2006 que visa regulamentar os procedimentos da Justiça Restaurativa e torná-la mais
aplicável a diversos âmbitos da Justiça Criminal, entretanto, passados mais de dez anos o
projeto de lei não foi levado à votação.

MULTIMÍDIA
O filme As Neves de Kilimanjaro nos traz uma interessante perspectiva crítica às formas
de resolução de conflitos no âmbito penal. Sem uma observação cuidadosa da situação-pro-
blemática, muitas vezes a resolução penal perpetua conflitos e traumas. O filme supracitado
traz outras possibilidades.
Ficha Técnica: Nome: As Neves do Kilimanjaro. Direção: Robert Guédiguian. Nacionalidade:
França. Tempo de Duração: 1h 47m. Ano de Lançamento: 2012. Sinopse retirada do Google Fil-
mes: Michel, desempregado, vive feliz com a mulher. Uma noite, ladrões entram na sua casa e os

capítulo 1 • 21
agridem fisicamente. Eles ficam profundamente chocados. Seu desespero é ainda maior quanto
descobrem que o mandante é um ex-colega de Michel. Disponível em: <https://www.google.
com.br/search?q=as+neves+do+kilimanjaro&oq=as+neves&aqs=chrome.1.69i57j0l5.2829j-
0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8>. Acesso em: 27 de novembro de 2017.

Princípios e teorias da mediação de conflitos

A palavra princípio se refere ao início das coisas e, portanto, os princípios da


mediação nos servirão de guia, de base teórica e de diretrizes que temos que partir
se quisermos atingir uma mediação justa e eficaz entre as partes. É a partir dos
princípios que se constroem as teorias.

Princípio da liberdade das partes

O princípio da liberdade das partes se refere ao fato de que ninguém poderá ser
obrigado a participar de uma sessão de mediação, ela deve ser sempre realizada de
forma livre e voluntária. Isso pode ser facilmente compreendido quando levamos
em consideração as características da mediação. Esta necessita da predisposição das
partes para aceitarem a intervenção empática do mediador com vias a “preparar o
terreno” para que seja possível a comunicação e a resolução pacífica dos conflito
pelas próprias pessoas envolvidas, conforme já conversamos anteriormente.
Além da voluntariedade, ou seja, da liberdade por parte das pessoas em esco-
lherem participar deste método de resolução de conflitos, os envolvidos devem
ter a liberdade para tomarem as decisões e estabelecerem as bases da resolução da
controvérsia. Tal liberdade tem que ser plena, tanto no que tange ao entendimento
da situação – por isso as pessoas envolvidas devem ter plena capacidade civil –
quanto ao fato de não sofrerem nenhum tipo de coação tanto por parte do outro
mediando e muito menos por parte do mediador.
A Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça expressamente se
refere ao princípio da liberdade das partes, dentre outros, em seu Anexo III que
trata do Código de Ética dos Mediadores:
Art. 2º- II - Autonomia da vontade - dever de respeitar os diferentes pontos de vista
dos envolvidos, assegurando-lhes que cheguem a uma decisão voluntária e não coerciti-
va, com liberdade para tomar as próprias decisões durante ou ao final do processo e de
interrompê-lo a qualquer momento.

capítulo 1 • 22
O princípio da não competitividade

O mediador deve sempre ter como meta estabelecer a cooperação e a busca


do consenso entre as partes. Conforme já conversamos deve-se mudar a lente com
a qual sempre se enxergou uma controvérsia, ou seja, sempre foi imaginado um
conflito levado ao Judiciário em que teremos uma parte vencedora e outra venci-
da. É importante mudarmos as lentes e levarmos em consideração que, a partir de
uma situação problemática ocasionadora de um conflito social, podemos ter uma
resolução menos onerosa para os dois lados, e que em última instância estaremos
frente a duas partes vencedoras.

O princípio do poder de decisão das partes

Cabe às partes, sempre, a decisão final sobre a resolução da controvérsia levada à me-
diação. Esta decisão deve sempre ser tomada de forma livre de qualquer tipo de coação
e ao conciliador cabe apenas estabelecer a comunicação cordial e não violenta entre elas.

O princípio da imparcialidade

Concordamos com Fernanda Tartuce (2015, p.202) quando ela diz que o
princípio da imparcialidade “representa a equidistância e ausência de comprome-
timento do mediador em relação aos envolvidos no conflito”. Ou em outras pala-
vras: o mediador não deve ter qualquer interesse direto ou indireto na resolução da
controvérsia, nem no que se refere ao objeto em disputa, nem no que se refere às
partes que não devem ter nenhum tipo de envolvimento prévio com o mediador.
O princípio da imparcialidade também abrange a ausência de julgamentos,
preconceitos e opiniões morais sobre o assunto em questão na controvérsia, ou
seja, o mediador não deve deixar que seus valores e conceitos pessoais venham à
tona no momento de sua atuação.
Mais uma vez nos remeteremos à Resolução do CNJ em seu Anexo III para
frisar o que apontamos aqui:
Art. 1º - São princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e mediado-
res judiciais: confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, indepen-
dência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação.
IV - Imparcialidade - dever de agir com ausência de favoritismo, preferência ou
preconceito, assegurando que valores e conceitos pessoais não interfiram no resultado

capítulo 1 • 23
do trabalho, compreendendo a realidade dos envolvidos no conflito e jamais aceitando
qualquer espécie de favor ou presente.

Princípio da competência do mediador

O mediador deve estar habilitado e ter competência técnica para o procedi-


mento a ser realizado, realizar a capacitação e periodicamente a atualização dos
conhecimentos adquiridos.
Neste sentido, mais uma vez fazemos coro ao Anexo III da resolução 125 do CNJ:
Art. 1º (...)
III - Competência - dever de possuir qualificação que o habilite à atuação judicial,
com capacitação na forma desta Resolução, observada a reciclagem periódica obrigató-
ria para formação continuada.

O princípio da informalidade do processo

Quando comparamos a mediação a um processo judicial a mediação possui a


informalidade como regra, ou seja, os procedimentos são simples, utilizando em
regra a oralidade e o diálogo, enfocando principalmente os resultados e não a mera
formalidade dos procedimentos.

O princípio da confidencialidade no processo

O mediador deve ser alguém a quem as partes possam falar abertamente de suas
questões, portanto, um dos princípios fundamentais é o da confidencialidade em
que tudo o que for dito para o mediador em uma mediação deve permanecer ali.
Para tanto a legislação traz consequências para o mediador que viole o dever
de confidencialidade. O Código de Processo Civil/2015 em seu Art. 173 prevê a
exclusão do mediador do cadastro de conciliadores e mediadores. Da mesma for-
ma, a declaração judicial que violar a confidencialidade do processo de mediação
é considerada prova ilícita em um processo judicial, ou seja, não tem validade.
O Anexo III da Resolução 125 do CNJ assim descreve o princípio da
confidencialidade:
Art.1º (...)
I - Confidencialidade - dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas
na sessão, salvo autorização expressa das partes, violação à ordem pública ou às leis

capítulo 1 • 24
vigentes, não podendo ser testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvi-
dos, em qualquer hipótese.

Princípio da consensualidade

A solução final alcançada para por fim a uma controvérsia deve sempre ser ba-
seada no consenso entre as partes, ou seja, no acordo mútuo entre elas, na decisão
conjunta e satisfação de ambas com o resultado.

ATENÇÃO
Princípios da Mediação

1. Liberdade das Partes;


2. Não Competitividade;
3. Poder de Decisão das Partes;
4. Imparcialidade;
5. Competência do Mediador;
6. Informalidade do Processo;
7. Confidencialidade do Processo;
8. Consensualidade.

Comunicação não-violenta

A CNV – Comunicação Não Violenta – é uma teoria acompanhada de uma


prática criada por Marshall B. Rosenberg em que se busca estabelecer as bases para
uma comunicação que possa, de fato, resolver os conflitos e aprimorar os relacio-
namentos pessoais e profissionais.
A Comunicação não Violenta parte de quatro componentes: 1. Observação;
2. Sentimento; 3. Necessidades; 4. Pedido. Primeiro devemos observar o que está
acontecendo em uma determinada situação, a observação deve ser livre de julga-
mentos ou avaliações. Depois identificarmos os sentimentos que temos ao ob-
servar (alegres, tristes, ansiosos, raivosos), a partir disso devemos reconhecer as
reais necessidades ligadas ao sentimento que identificamos. Por último, devemos

capítulo 1 • 25
expressar honestamente o sentimento e o pedido que pode resolvê-lo. Traremos
um exemplo do próprio livro de Marshall (2006, p. 25):

Uma mãe poderia expressar essas três coisas ao filho adolescente dizendo: Roberto,
quando eu vejo duas bolas de meias sujas debaixo da mesinha e mais três perto da
TV, fico irritada, porque preciso de mais ordem no espaço que usamos em comum. Ela
imediatamente continuaria com o quarto componente – pedido bem específico: você
poderia colocar as suas meias no seu quarto ou na lavadora?” Esse componente enfo-
ca o que estamos querendo da outra pessoa para enriquecer a nossa vida ou torná-la
mais maravilhosa.

Percebemos que a partir da lição de Rosenberg (2006) as simples situações da


vida podem ser resolvidas sem gritarias ou brigas. O mediador deve tentar aplicar
esta técnica nas conversas entre os mediandos, direcionando a comunicação para
os quatro componentes indicados por Marshall.

MULTIMÍDIA
Para conhecer mais sobre a CNV – Comunicação Não Violenta indicamos o vídeo dispo-
nível no youtube, em que é apresentado um Curso ministrado por Marshall Rosenberg.
<https://www.youtube.com/watch?v=DgAsthY2KNA&list=PLiFg9s20-IeG-
fo73Ylk5QGjjtjcpnwrW9>.

ATIVIDADE
01. O que são as RADs? Cite e descreva cada um deles dizendo ao final aquela que pode
ser considerada como instrumento da Justiça Restaurativa.

REFLEXÃO
No presente capítulo conhecemos o contexto da mediação, onde ela se insere, como
se deu o seu estabelecimento como um método importante dentro das RADs – Resoluções
Adequadas de Conflitos. É importante que façamos uma reflexão sobre o papel do Direito
e das diversas formas de Resolução de Conflitos na sociedade para, assim, entendermos a
grande importância da mediação. Para que servem as RADs? Acreditamos que seja para a

capítulo 1 • 26
pacificação social, vivemos socialmente em uma rede de inter-relações e é importante que
cada uma destas relações se sustentem de forma saudável, pois se a rede estiver furada e
cada vez mais a rasgarmos, ao invés de remendarmos os laços desfeitos, a nossa rede social
só pode tender a afundar. Portanto, cuidemos das nossas relações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, André Gomma (Org.) Manual de Mediação Judicial, 6ª ed. Ministério da Justiça: CNJ,
2015.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.
FOUCAULT. Michel. Em Defesa da Sociedade: Curso no Collège de France. São Paulo: Martins
Fontes, 2002
ROSENBERG, Marshall B. Comunicação Não-Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos
interpessoais. 4ª ed. São Paulo: Ágora, 2006.
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 2ª ed. São Paulo: editora método, 2015.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça: Justiça Restaurativa.
Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2008.

capítulo 1 • 27
capítulo 1 • 28
2
Estudos sobre
o conflito e o
processo de
mediação
Estudos sobre o conflito e o processo de
mediação

Agora que já você já aprendeu que, além do Judiciário, existem diversas manei-
ras de resolver um conflito e que, nem sempre, o Sistema Judicial é a melhor ma-
neira de fazê-lo, avançaremos um pouco mais para conversarmos sobre as técnicas
a serem aplicadas a cada caso. Mas antes devemos responder um questionamento
simples que é: o que é um conflito? Conflito, disputa, lide, controvérsia, briga, são
todos sinônimos? Propomos um exercício: o que vem a sua mente quando você
pensa em um conflito? Raiva, desentendimento, briga, violência. O conflito em si
é algo negativo? Todos os conflitos sempre estarão vinculados a estes sentimentos?
Seria possível um conflito que se caracterizasse como uma oportunidade? Por onde
se deslocam estes espaços do conflito? É sobre estas perguntas que iremos pensar e
responder no presente capítulo.

OBJETIVOS
•  Compreender a interdependência dos seres humanos;
•  Compreender como os conflitos são inerentes e compõem as sociedades;
•  Entender a diferença entre conflito e disputa;
•  Conhecer a Nova Teoria do Conflito;
•  Diferenciar conflitos produtivos e destrutivos;
•  Estudar os sujeitos do processo de mediação;
•  Conhecer os tipos de mediandos.

Os conflitos

O ser humano é um ser social. Após estudos de diversas áreas do conhecimen-


to, como por exemplo, a psicologia do desenvolvimento, compreendeu-se que
o que a gente entende como ser humano só pode ser assim considerado porque
ele se desenvolveu e conviveu entre outros seres humanos. Não passam de mitos
os entendimentos de que o ser humano pode se desenvolver de forma isolada. É
muito simples compreendermos isso, basta pensarmos que se um bebê ao nascer

capítulo 2 • 30
for abandonado em algum espaço isolado, ele não irá sobreviver por muito tempo,
ele só sobreviverá se for cuidado por alguém. Somos interdependentes, ou seja,
dependemos uns dos outros e em verdade, para irmos mais longe, somos, dentre
todos os animais, um dos que mais depende de outro ser da mesma espécie.
Portanto, se estamos fadados a viver juntos, algumas consequências podem ser
propostas: coabitamos um mundo com seres diversos, dependemos uns dos outros,
necessitamos – por nossa característica primordial de interdependência – viver em
sociedade e somos diferentes. Ainda que estejamos em um mesmo país, possuímos
culturas diversas, vivemos de maneiras diferentes, e isso pode ser observado desde
aspectos financeiros, religiosos, profissionais até aqueles ligados ao gênero, à orien-
tação sexual, à raça, aos meios sociais. Possuímos diversas sociedades dentro de uma
sociedade e é importante que seja assim, é interessante para o crescimento individual
e social. O movimento que tentou uniformizar a sociedade e acreditou cegamente
que isso era para um “bem universal” se chamou nazismo e as consequências dele
são de conhecimento geral: o genocídio de 11 milhões de pessoas, dentre judeus,
homossexuais, ciganos, pessoas com transtornos físicos e mentais, e qualquer um
que fosse diferente daqueles que, naquele momento estavam no poder.
A filósofa Judith Butler (2017), aprendendo com a história, nos traz o concei-
to de Coabitação Plural: a necessidade de habitarmos junto com o que nos é dife-
rente, o mundo que nos foi dado a viver. O conceito demonstra a importância de
entendermos que não podemos escolher as pessoas ou os tipos de pessoas que vão
coabitar o mundo ao nosso lado. Devemos lutar por uma democracia radical, em
que todas as pessoas, todas as minorias, todas as diferenças, não sofram nenhum
tipo de violência ou discriminação por serem quem elas são.
Além das diferenças, sobre as quais refletimos anteriormente, vivemos em um
mundo e em uma cultura com limitados bens e com ilimitada produção de desejo
por estes bens. Assim, as pessoas desejam as coisas, e quando as conseguem, cada
vez mais desejam outras coisas que nem sempre estão disponíveis para elas.
Assim, se constrói o terreno para o conflito se configurar como uma disputa
por espaço, por ideias, por modos de ser e estar no mundo, os conflitos também
podem se caracterizar como disputas por bens, entre outras formas de litígio.
Os conflitos fazem parte da vida em sociedade, conforme podemos facilmente
apreender das premissas anteriores. Ou seja, 1) somos interdependentes – o ser
humano só sobrevive em sociedade; 2) a diversidade também é essencial a nós; 3)
possuímos desejo ilimitado e bens limitados; logo, a junção destas três premissas
faz com que seja natural que haja conflitos.

capítulo 2 • 31
Mas como podemos definir um conflito? Podemos nos remeter à conceituação
de Fernanda Tartuce (2015, p. 04) “Conflito é uma crise na interação humana”.
Que pode ser levada a cabo por intolerâncias frente a diferentes formas de viver
culminando em formas diversas de violência, por disputas por bens que são limi-
tados em uma sociedade em que a produção de desejos é ilimitada, mas também
por diversos outros motivos, como mudanças, insatisfações pessoais entre outras.
Portanto, um conflito é uma crise na interação das pessoas, um embate de
vontades, de desejos ou de pretensões.

MULTIMÍDIA
O filme “O Enigma de Kaspar Hauser” pode nos ajudar a visualizar a situação da ne-
cessidade de sociabilidade do ser humano. O filme trata da história de um rapaz que tem seus
primeiros contatos com outras pessoas aos dezesseis anos, pois ele viveu enclausurado em
uma torre até então, sendo alimentado por meio de uma pequena passagem, sem nenhum
contato com outro ser humano. Kaspar Hauser não tem capacidade de fazer nenhum dos
gestos de sociabilidade perante os quais reconhecemos um ser humano, como por exemplo,
a linguagem, a posição ereta do corpo, o movimento dos polegares, ou mesmo para deter-
minadas formas cognitivas – como a abstração, por exemplo – entre outras. Trata-se de um
filme importantíssimo. Assistam!

Ficha Técnica:
Nome Original: Jeder für sich und Gott gegen alle
Ano: 1974
Direção: Werner Herzog
Duração: 109 minuto
País de Origem: Alemanha
Disponível legendado em: <www.youtube.com/watch?v=geug75xNoAo>.

CURIOSIDADE
A história verídica de Victor de Aveyron também é muito interessante para pensarmos a
necessidade dos seres humanos de viverem em sociedade. Victor foi encontrado aos onze ou
doze anos por caçadores na floresta de Aveyron na França e se acredita que ele só sobreviveu
por ter crescido com lobos em uma matilha. O fato é que em nada o garoto se parecia com

capítulo 2 • 32
um ser humano e sim com os lobos que conviveu: grunhia, não se portava ereto, não possuía
nenhum cuidado humano com a assepsia, não reconhecia a sua imagem. Após ser encontra-
do, o garoto foi enviado ao hospital psiquiátrico e o famoso médico Pinel o diagnosticou com
demência. Entretanto, o psiquiatra Jean Marc Gastard Itard levou a cabo sua tese e conseguiu
comprovar que ele não havia tido o seu desenvolvimento infantil entre outros seres humanos.

LEITURA
Sobre a história de Victor de Aveyron sugerimos o texto:
PEREIRA, Tatiane Marina dos Anjos. GALUCH, Maria Teresinha Bellanda. O Garoto Sel-
vagem: a importância das relações sociais e da educação no processo de desenvolvimento
humano. Revista Perspectiva. Vol.30, n2, 2012.

MULTIMÍDIA
E o filme:
Nome: O Garoto Selvagem. Nome Original: L'Enfant Sauvage. Ano: 1970 Direção:
François Truffaut. País de Origem: França.

CONCEITOS
Psicologia do Desenvolvimento é a área da psicologia que estuda os processos e as
etapas por que passa uma pessoa desde o seu nascimento até se tornar um adulto. Alguns
psicólogos ainda prosseguem o estudo do desenvolvimento desde o nascimento até a morte.
Podemos citar alguns nomes como: Jean Piaget, Lev Vygotsky, Erik Eriksson.
Coabitação plural de Judith Butler é a necessidade de habitarmos juntos o mundo que
nos foi dado a viver. O conceito demonstra a importância de entendermos que não podemos
escolher as pessoas ou os tipos de pessoas que vão coabitar o mundo ao nosso lado. Deve-
mos lutar por uma democracia radical, em que todas as pessoas, todas as minorias, todas as
diferenças, não sofram nenhum tipo de violência ou discriminação por serem quem elas são.

capítulo 2 • 33
AUTOR
Judith Butler é uma filósofa estadunidense que desenvolveu diversos conceitos impor-
tantes e foi reconhecida por seus Estudo de Gênero, mas também por seus estudos de
Filosofia Política e Ética.

Conflitos e Disputas

O conceito de conflito conforme vimos deve ser definido de forma ampla,


como uma crise em uma relação, que pode atingir diversos aspectos dela, mas que
pode ou não chegar às vias de fato. Diferente é o conceito de disputa: a disputa se
refere a uma situação específica, em que o conflito se materializa em um bem da
vida. Podemos dar o exemplo de um casal no processo de divórcio que tenha junto
um filho pequeno, e em que ambos desejem a guarda da criança. O que chama-
mos de conflito se refere à crise na interação entre as duas pessoas que compõem
o casal, a disputa vai se inserir especificamente na briga pela guarda. A disputa se
estabelece quando uma pessoa tem uma pretensão específica (a guarda do filho)
e esta pretensão lhe é impedida por outra pessoa (no caso o outro genitor) que
também tem interesse na situação.
O renomado jurista italiano Francesco Carnelutti (2000) define o conceito de
Lide, que vai ser muito utilizado no âmbito jurídico, como um conflito de interes-
ses qualificado por uma pretensão resistida. O que o jurista italiano quis dizer com
esta famosa sentença é que a lide nada mais é que um conflito de interesses – o fato
de que duas pessoas desejam a mesma coisa – em que uma destas pessoas se dirige
a satisfazer seu interesse, entretanto a outra não lhe permite (resiste).

CONCEITO
Segundo Francesco Carneluti (2000) a lide é um conflito de interesses qualificado por
uma pretensão resistida em Juízo.

capítulo 2 • 34
A nova teoria do conflito

A partir do momento em que se percebe o conflito como um fenômeno natural na


relação de quaisquer seres vivos é possível se perceber o conflito de forma positiva.
(Azevedo, 2015, p. 51)

Quando perguntamos a você no início do capítulo o que lhe viria a mente


ao ouvir a palavra “conflito” e os sentimentos associados a ela é bem provável
que a maioria das respostas tenham vinculado o conflito a situações negativas
como guerras, brigas, agressões, e a sentimentos negativos como raiva, tristeza,
perda. Entretanto, a Nova Teoria do Conflito propõe que ele seja visto de forma
diferente. Pois se perguntarmos às próprias pessoas que passaram por conflitos,
principalmente se eles tiverem sido bem resolvidos em mediações transformativas,
muitas das vezes elas dirão que ao final o conflito (e a sua resolução) lhes ajudou:
a crescer, a ter paz, a ter entendimento e aproximação frente a outra pessoa en-
volvida. Portanto, partindo do que construímos no início deste capítulo – que o
conflito é inerente às relações humanas e inevitável – compreendemos que ele não
necessariamente é algo destrutivo às relações, mas, pelo contrário, dependendo
da forma como a sua resolução for conduzida, um conflito pode ser construtivo.
Isso porque uma resolução adequada de conflitos visa tratar a relação. A finalidade
primordial de uma mediação é o tratamento das relações e a paz social.
Assim é que podemos dividir os conflitos entre Destrutivos X Construtivos
a depender da resolução que lhe for dada. Um conflito será destrutivo se ele gerar
ansiedade, mal estar, tristeza ou qualquer outro sentimento ruim nas pessoas en-
volvidas, destruindo as relações. Um conflito será construtivo se após a resolução
levada a cabo as pessoas saiam fortalecidas, a relação seja tratada e, por fim, a rede
social seja salvaguardada.

COMENTÁRIO
Segundo o dicionário Michaelis conflito pode ser definido como:
con·fli·to
sm
1. Falta de entendimento grave ou oposição violenta entre duas ou mais partes.
2. Encontro violento entre dois ou mais corpos; choque, colisão.
3. Discussão veemente ou acalorada; altercação.

capítulo 2 • 35
4. Encontro de coisas que se opõem ou divergem.
5. Luta armada entre potências ou nações; guerra.
6. Conforme a teoria behaviorista, estado provocado pela coexistência de dois estímu-
los que desencadeiam reações que se excluem mutuamente.
7. No drama, elemento determinante da ação que consiste na oposição de forças entre
duas ou mais personagens ou, às vezes, entre o protagonista e as forças da natureza.

COMENTÁRIO
No Manual de Mediação do CNJ (Azevedo, 2015, p. 49 -52) na parte em que é estudada
a Teoria do Conflito são apresentados os seguintes quadros que representam os sentimen-
tos e sensações que se distinguem quando estamos frente a conflitos destrutivos ou confli-
tos construtivos. Pelo valor didático reproduzimos tais quadros:

CONFLITOS DESTRUTIVOS CONFLITOS CONSTRUTIVOS


GUERRA PAZ

BRIGA ENTENDIMENTO

DISPUTA SOLUÇÃO

AGRESSÃO COMPREENSÃO

TRISTEZA FELICIDADE

VIOLÊNCIA AFETO

RAIVA CRESCIMENTO

PERDA GANHO

PROCESSO APROXIMAÇÃO

TRANSPIRAÇÃO MODERAÇÃO

TAQUICARDIA EQUILÍBRIO

RUBORIZAÇÃO NATURALIDADE

ELEVAÇÃO DO TOM DE VOZ SERENIDADE

IRRITAÇÃO
 COMPREENSÃO

capítulo 2 • 36
CONFLITOS DESTRUTIVOS CONFLITOS CONSTRUTIVOS
RAIVA SIMPATIA

HOSTILIDADE AMABILIDADE

DESCUIDO VERBAL CONSCIÊNCIA VERBAL

Transformação do conflito

O principal papel do Mediador, portanto, é a condução da transformação do


conflito. De forma geral um conflito não chega ao mediador como uma situação
favorável ou construtiva, uma vez que o fato de ser levado para uma mediação
pressupõe que o conflito gerava mal estar entre os envolvidos. Portanto, mais do
que levar as partes a atingir um acordo sobre os termos da disputa, a mediação deve
transformar o conflito, que é anterior, mais amplo e, muitas vezes, mais importante
que a situação fática e o bem em disputa.
A mediação deve ser transformadora:

a proposta de uma perspectiva transformadora para a mediação é a de se evitar que a


busca por um acordo ofusque ou deixe para segundo plano uma intenção ainda anterior
a essa: a transformação do conflito de uma espiral negativa em um processo coopera-
tivo de empoderamento[1] (empowerment) e reconhecimento mútuo[2] (recognition).
Dessa forma, a mediação transformadora não tem por escopo direto ajudar as partes a
chegarem a uma solução consensual ao seu conflito, mas, antes, busca trabalhar com as
partes para que estas mudem a qualidade do conflito. (Oliveira, 2017, online)

Territórios e espaços do conflito: a espiral negativa

Chamamos de espirais do conflito os espaços e territórios subjetivos que po-


dem se voltar para linhas negativas em progressivas escaladas que resultam de
círculos viciosos. A disputa inicial ganha cada vez mais proporções e as disputas
se multiplicam em virtude da própria discussão, deixando a causa originária no
esquecimento. Em uma espiral negativa o conflito prolonga seus espaços em que
os envolvidos reagem de forma cada vez mais severa criando mais pontos de dis-
córdia. Remetemo-nos ao exemplo contido no Manual de Mediação Judicial do
CNJ. Exemplos como este podem ocorrer em qualquer congestionamento dos
trânsitos das grandes cidades:

capítulo 2 • 37
Se em um dia de congestionamento, determinado motorista sente-se ofendido ao ser
cortado por outro motorista, sua resposta inicial consiste em pressionar intensamente
a buzina do seu veículo. O outro motorista responde também buzinando e com algum
gesto descortês. O primeiro motorista continua a buzinar e responde ao gesto com um
ainda mais agressivo. O segundo, por sua vez, abaixa a janela e insulta o primeiro. Este,
gritando, responde que o outro motorista deveria parar o carro e “agir como um homem”.
Este, por sua vez, joga uma garrafa de água no outro veículo. Ao pararem os carros em
um semáforo, o motorista cujo veículo foi atingido pela garrafa de água sai de seu carro
e chuta a carroceria do outro automóvel. Nota-se que o conflito desenvolveu-se em uma
espiral de agravamento progressivo das condutas conflituosas. (Azevedo, 2015, p.54)

Em uma espiral negativa o conflito entra em um processo destrutivo, agravan-


do a situação inicial, tornando-se independente dela, e desfazendo qualquer laço
preexistente. Portanto, nestes espirais de conflito o mediador deve se atentar para
o fato que iniciou o conflito e indicá-lo sempre que possível às partes envolvidas.

Os sujeitos do processo de mediação

Comportamentos habituais das pessoas

Agora pararemos um pouco para falar sobre os protagonistas do nosso livro. Os


mediandos. Mediandos são os sujeitos envolvidos em algum conflito que entram
em disputa e abrem espaço para uma mediação como a solução da questão. O me-
diador deve sempre estar atento aos comportamentos dos mediandos na sessão.
Com base na observação dos comportamentos que habitualmente os median-
dos desenvolvem na situação da mediação criou-se uma pequena classificação.
Entretanto, devemos sempre ter em mente que qualquer classificação é volátil, ou
seja, um mediando que se comporte de maneira expansiva em um momento, em
outro posterior, dependendo do assunto, pode se tornar fechado.
Vários são os fatores que influenciam o comportamento dos mediandos nas
sessões e que podem ser responsáveis pela mudança na atuação deles. Esses fatores
vão desde as características pessoais, culturais, familiares, até a apresentação de um
ambiente acolhedor por parte do mediador, e as emoções que veem a tona naquele
momento.

capítulo 2 • 38
ATENÇÃO
Toda classificação é uma tentativa de compreensão, mas ela nunca pode ser entendida
de forma rígida, muito menos quando se tratar do comportamento das pessoas. Portanto,
um mediando que se comporte de maneira expansiva em um momento, em outro posterior,
dependendo do assunto, pode se tornar fechado. Da mesma forma, um mediando agressivo,
na mesma sessão, pode se comportar como vítima, enquanto que outro que em um momento
se mostrou como vítima venha a se tornar o controlador da situação.

Dado este importante alerta vamos conhecer algumas típicas formas de com-
portamento dos mediandos nas sessões de mediação.

Tipos de mediandos

Mediando vítima

Ao nos depararmos com um mediando que se porte habitualmente como víti-


ma, veremos alguém que se sente o tempo todo ameaçado, por este motivo, Fiorelle
(2008) o denominou como Mediando Paranóide. Outras características são ofen-
der-se facilmente, sentir-se humilhado por qualquer colocação da outra parte ou
mesmo do mediador. Estas características podem se colocar como uma barreira para
a interação entre as partes o que, por fim, virá a impossibilitar uma mediação efetiva.

Mediando agressivo

A principal característica de um mediando agressivo é a tentativa, mais ou


menos disfarçada, mais ou menos efetiva, de intimidar o mediando em relação.
Segundo Fiorelli (2008, p. 194) “a pessoa fala alto, eventualmente usa termos
ofensivos; encara ostensivamente o oponente; procura impor-se pela postura;
muitas vezes coloca a argumentação em segundo plano”.
No caso da outra parte sentir-se realmente intimidada isso pode ou impossi-
bilitar a composição, ou, o que seria pior para uma situação de mediação, a outra
parte pode aceitar uma resolução sem de fato estar de acordo, sentindo-se ao final
injustiçada ou mesmo sem ter condições de cumpri-la.

capítulo 2 • 39
O mediando agressivo pode demonstrar a sua agressividade de modo muito
disfarçado, situação que dificulta ainda mais a atuação do mediador. A intimi-
dação pode não estar nos gestos ou na fala do mediando, e sim em sua situação
de vantagem frente a outra parte, vantagem esta que pode ser ter relação com a
situação social, financeira, com as desigualdades de gênero e raça, idade, ou com
alguma posição que se refira especificamente à relação entre eles.
O mediador, portanto, deve estar sempre atento a estas situações, é o seu papel
ético intervir e proporcionar uma relação igualitária entre as partes, pois, diferente do
que se poderia almejar em uma conciliação, na mediação a busca é pela relação social
justa e pacífica, e não especificamente por um acordo. Abordaremos situações como
estas no último capítulo quando formos falar da Ética no Processo da Mediação.

Mediando fechado ou evitativo

O mediando fechado demonstra desde o início do processo um retraimento


que pode ser confundido com uma indisposição para a mediação. Muitas vezes o
comportamento pode ser gerado pela própria tensão da situação ou pela falha do
mediador em gerar um ambiente acolhedor para as partes. Fiorelli (2008) nos traz
o exemplo das condutas que podem indicar o fechamento do mediando: “somente
fala se convidado, porém, com relutância, olha para baixo; disfarça o olhar; prefere
ficar consultando as informações. Dá a impressão de reagir pouco aos estímulos,
inclusive às provocações do oponente; de pouco se importar (o que não necessa-
riamente é correto) com os rumos dos acontecimentos” (Fiorelli, 2008, p. 194).

Mediando controlador

O mediando controlador irá se colocar na situação de controle de todas as situa-


ções, se também for uma pessoa expansiva tenderá a tentar tomar o lugar do media-
dor e indicar o ritmo ou os procedimentos da sessão. Se for mais retraído ou fechado
não aceitará ou não colaborará com as orientações do mediador o que, caso não seja
relativizado, poderá impossibilitar a composição do conflito por meio da mediação.

E o que os mediandos esperam do mediador?

O mediador deve sempre se portar demonstrando credibilidade pessoal (nele


enquanto pessoa) e institucional (na pessoa desempenhando a função). Pois os

capítulo 2 • 40
mediandos esperam do mediador aquilo que Christopher Moore (1998) denomi-
nou de Rapport, e que se refere à harmonia, à comunicação, à conexão e à confor-
midade entre as pessoas presentes na sessão.
Ou seja, os mediandos esperam do mediador que este possa construir um
ambiente favorável à composição, que se sintam acolhidos e confortáveis, sem se
sentirem pressionados por nenhum dos lados, e que possam confiar no mediador
e no procedimento que estarão se dispondo a iniciar.

ESTUDO DE CASO
Leia atentamente o caso a seguir:

O poderoso olhar de Jerônimo

A senhora Iracema e o senhor Jerônimo participaram de mediação para estabelecer a


repartição dos bens móveis.
Jerônimo exercia grande poder sobre a ex-mulher; bastava um olhar para apavorá-la,
resultado de muitos anos de opressão, em que não faltaram agressões físicas e maus-tratos.
O mediador constatou, já no acolhimento, o poder de Jerônimo sobre Iracema, habil-
mente estabeleceu uma disposição de lugares que tornou difícil a troca de olhares; livre do
estímulo aversivo, Iracema conseguiu manifestar opiniões.

A partir do caso retirado do livro de Fiorelli (2008, p. 169), continue a descrever a atua-
ção do mediador apresentando a forma que você considere adequada para a mediar a situa-
ção e identifique os tipos de mediandos envolvidos.

Resolução:
O mediador deve, do início ao fim da sessão, estabelecer uma igualdade material entre
as partes, desenvolvendo um comportamento ativo no sentido de não permitir que a relação
opressiva prevaleça no momento da mediação. Deve orientar e intervir, harmonizando a re-
lação e abrindo espaço para uma comunicação não violenta. É possível dizer que Jerônimo
se trata de um mediando agressivo, enquanto Iracema pode demonstrar um comportamento
fechado ou evitativo se a relação não for horizontalizada.

capítulo 2 • 41
REFLEXÃO
Compreendemos com a leitura do presente capítulo que os seres humanos são interde-
pendentes, ou seja, que desde que nascem dependem da presença e do cuidado de outro
ser humano para que sobreviva e se desenvolva, podendo, assim tornar-se um adulto. O
fato de necessitarmos viver em sociedade, o que equivale a estar sempre junto a outro ser
humano, aliado ao fato que somos sujeitos de desejos e que estes desejos podem encontrar
resistência face ao desejo de outro ser humano, faz com que seja natural que haja conflitos.
Os conflitos fazem parte das relações humanas. Mas eles não são naturalmente destrutivos,
existem conflitos construtivos também, que nos fazem crescer, reatar laços e sentimentos
desfeitos. Existe um aspecto ético importante nesta afirmação. Não podemos banalizar o
mal (caráter destrutivo dos conflitos) porque entendemos que os conflitos fazem parte das
relações. Devemos coabitar pluralmente a sociedade, juntos àqueles que são diferentes, não
podemos escolher com quem coabitamos o mundo, levando ao extermínio o diferente. A
mediação é a melhor forma para coabitarmos respeitando a diferença e transformando os
conflitos, apresentando-os em sua forma positiva e construtiva

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, André Gomma (Org.) Manual de Mediação Judicial, 6ª ed. Ministério da Justiça: CNJ,
2015.
BUTLER, Judith. Caminhos Divergentes. São Paulo: Boitempo Editorial, 2017.
CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Classic Books,
2000.
DINAMARCO, Cândido Rangel ; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo ; GRINOVER, Ada Pellegrini .
Teoria geral do processo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2014.
FIORELLI José Osmir. FIORELI, Maria Rosa. MALHADAS, Marcos Julio Olivé Junior. Mediação e
Solução de Conflitos: teorias e práticas. São Paulo: Editora Atlas S.A , 2008.
MOORE, Cristopher W. O Processo de Mediação: estratégias práticas para a solução de conflitos. 2
ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
OLIVEIRA, Artur Coimbra. Para A Verificação da Eficácia de uma Mediação Transformadora. In Estudos
de Arbitragem, Mediação e Negociação . AZEVEDO, André Gomma (Org.). Disponível em: <http://
www.arcos.org.br/livros/estudos-de-arbitragem-mediacao-e-negociacao-vol4/parte-iv-doutrina-
artigos-dos-pesquisadores/para-a-verificacao-da-eficacia-de-uma-mediacao-transformadora>.

capítulo 2 • 42
Acesso em: 01 de dezembro de 2017.
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 2ª ed. São Paulo: editora método, 2015.
Dicionário Michaelis. Pesquisa da palavra Conflito. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno-
portugues/busca/portugues-brasileiro/conflito/ Acesso em: 01 de dezembro de 2017.

capítulo 2 • 43
capítulo 2 • 44
3
O mediador e a
mediação
O mediador e a mediação
“O trabalho dela é resolver briga e desentendimento, eu vou conversar com a
mediadora de conflitos” Foi com essa frase que Jô Soares iniciou o seu programa de
entrevistas no dia em que convidou a mediadora Gabriela Asmar para explicar um
pouco a pergunta que irá nos guiar nesta primeira parte do terceiro capítulo: o que
é ser um mediador? Qualquer pessoa pode ser mediadora? Estudaremos também as
funções e como deve ser a formação de um mediador. Para na segunda parte deste
capítulo iniciarmos o estudo da estrutura do processo de mediação, estudarmos quais
são as etapas necessárias e quais são os modelos e as escolas clássicas de mediação.

OBJETIVOS
•  Conhecer a figura do mediador;
•  Analisar as etapas da mediação;
•  Saber como é estruturada a formação de mediadores;
•  Pensar sobre a comediação e a mediação comunitária;
•  Conhecer os modelos clássicos de mediação.

O que é ser um mediador?

Agora que já estudamos um pouco da mediação já podemos responder: será


que um mediador é alguém que trabalha para resolver conflito e desentendimento,
conforme afirmação do Jô Soares?
Inicialmente não poderemos confirmar tal afirmação uma vez que a regra básica
da mediação é possibilitar que as pessoas envolvidas em um conflito resolvam suas
próprias questões relacionais. Porém, até certo ponto podemos dizer que sim, por-
que o mediador colabora e muitas vezes é imprescindível na resolução do conflito,
entretanto, ele não resolve, o trabalho dele acontece antes, o papel do mediador é
anterior à resolução do conflito, é seu papel atuar de forma que as pessoas possam se
olhar, se comunicar sem violência, compreender as reais questões que as levaram à
disputa, evitar a espiral do conflito – momento em que o conflito se complexifica e
cresce em escalada – e onde já não se sabe mais qual foi a causa que gerou o desen-
tendimento. Ainda neste capítulo vamos conhecer as etapas de como isso será feito,
porém antes vamos conhecer um pouco mais da figura do mediador.

capítulo 3 • 46
Qualquer pessoa pode ser mediadora?

A regra é que qualquer pessoa que tenha a confiança das partes pode ser
mediadora do conflito. Entretanto, se estamos falando de mediação judicial a as-
sertiva muda de figura.
A Lei da Mediação (13.140/2015), que iremos estudar com mais calma no
capítulo cinco deste livro, nos traz a regra de que para ser mediadora a pessoa
deve ser capaz civilmente, graduada há pelo menos dois anos em curso superior
reconhecido pelo MEC, e deve ter feito a capacitação em escola ou instituição
de formação de mediadores reconhecida pelo Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM, observados os requisitos mínimos
exigidos pelo Ministério da Justiça e Conselho Nacional de Justiça.

COMENTÁRIO
O artigo 11 da Lei 13.140/2015 – Lei da Mediação – nos traz os requisitos necessários
para ser um mediador judicial:
Art. 11. Poderá atuar como mediador judicial a pessoa capaz, graduada há pelo menos
dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educa-
ção e que tenha obtido capacitação em escola ou instituição de formação de mediadores, re-
conhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM
ou pelos tribunais, observados os requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional
de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça.

Além destes requisitos formais, devemos sempre ter em mente as qualidades


e atributos necessários para que uma mediação seja efetivamente uma resolução
construtiva de conflitos. A pessoa que deseja trabalhar como mediadora deve ter
empatia com as relações e conflitos humanos, ser paciente, ter uma escuta ativa,
ter consciência social para poder mediar as diferenças e promover uma igualdade
material entre as partes, saber abrir mão de seus valores morais individuais e pre-
conceitos para receber igualmente qualquer pessoa que se apresente e pretenda
compartilhar o conflito e sua resolução com o mediador ou a mediadora.
Portanto, aqui cabe uma reflexão acerca do princípio da neutralidade. O prin-
cípio da neutralidade na mediação é aplicável no sentido de que o mediador não
deve possuir nenhum interesse pessoal na solução do conflito, tampouco agir em

capítulo 3 • 47
consonância com seus valores pessoais ou religiosos. Mas quando falamos em neu-
tralidade devemos afastar termos como indiferente, asséptico ou estático. Pois o
mediador deve conhecer o contexto social em que os demandantes se situam,
e atuar positivamente pela igualdade material entre eles e sempre se atentar às
possíveis violações de direitos entre as partes mediandas. Nesse sentido, podemos
utilizar o termo mediador multiparcial.

“O mediador multiparcial reconhecerá os territórios (contextos sociais) de vida dos


sujeitos, devendo assegurar o espaço mútuo e de reciprocidade de um e de outro pon-
to de vista, conduzindo o caminho para as saídas e soluções apresentadas e pactuadas
por eles, sempre pautados no princípio e na promoção dos direitos humanos, devendo
estar atento às situações de violação dos direitos e de violência.” (CTC, 2011, p.49)

MULTIMÍDIA
A Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem no Brasil disponibilizou um vídeo muito in-
teressante em que explica o procedimento e simula a mediação de um conflito. Para assisti-lo
acesse ao link: <https://www.youtube.com/watch?v=Kr13qBAPA9k>.

Trecho do Programa do Jô com a entrevista de Gabriela Asmar pode ser visto no link:
<https://www.youtube.com/watch?v=Fg3U77otJpI>

O Conselho Nacional de Justiça (Azevedo, 2015, p. 131) apresenta um plane-


jamento para a qualidade da mediação com as seguintes diretrizes:

PLANEJAMENTO DE QUALIDADE EM MEDIAÇÃO

Instruções: Discuta esse questionário com mediadores e companheiros de trabalho.

1. Quais são nossas metas a respeito de qualidade?


Queremos: proporcionar um serviço que satisfaça completamente nossos usuá-
rios; fazer o processo de mediação cada vez melhor de forma que nossos usuários
fiquem cada vez mais satisfeitos; capacitar nossos usuários para que eles possam
entender completamente os resultados e consequências de todas as suas decisões.

capítulo 3 • 48
2. Quem são nossos usuários externos?
Nossos usuários externos são todos aqueles que entram em contato conosco
para ter suas disputas resolvidas. Isso inclui partes, advogados, estagiários e outros.
3. Quem são nossos usuários internos?
Nossos usuários internos são todos aqueles com quem trabalhamos e que nos
ajudam em nossas mediações e outros serviços que proporcionamos.
4. Quais são as necessidades mais prováveis de nossos usuários?
O desejo de nossos usuários de ter acesso a um serviço de mediação que seja
absolutamente imparcial, confidencial, de baixo custo, que os ajude a entender
todos os problemas e explorar soluções construindo confiança e possivelmente
chegando a um acordo.
5. Como deve um mediador se comportar para satisfazer tais necessidades?
Deve: capacitar as partes para estabelecer o processo que desejem; estabelecer
confiança; agir e ouvir com empatia; se comportar de maneira imparcial e livre de
julgamentos; passar informações às partes usando de linguagem neutra; convocar
reuniões privadas quando necessário; saber como superar impasses na mediação;
conduzir o processo em um ritmo que não deixe as partes se sentindo com pressa
ou desejando que o mediador ande mais rápido; saber como redigir um acordo
tecnicamente correto; trabalhar de forma polida com as partes e com a equipe;
usar corretamente da linguagem corporal; notar quando aumenta a tensão e evitar
que o conflito ganhe maiores proporções.
6. Como deve ser o processo de mediação para satisfazer as necessidades dos
usuários?
Deve: ser absolutamente imparcial; ser confidencial; capacitar as partes de
modo que possam decidir outras regras da mediação; ser orientado para a resolu-
ção; ser conduzido em uma sala organizada, limpa e confortável; ser conduzido de
maneira polida e cordial; possuir várias fases distintas como a declaração inicial,
coleta de fatos, reuniões privadas, reuniões conjuntas e declarações formais.
7. Como podemos controlar a mediação de modo a garantir que esteja satis-
fazendo as necessidades de nossos usuários?
Podemos: consultar nossos usuários durante e depois da mediação; e aplicar
questionários após as mediações.

capítulo 3 • 49
Funções do mediador

Segundo Fiorelli (2008) as funções do mediador são: acolher, organizar, infor-


mar e esclarecer, administrar as participações, ampliar a compreensão do proble-
ma, estabelecer a sintonia emocional, desenvolver soluções de forma cooperada e
favorecer acordos satisfatórios. Iremos conversar brevemente sobre cada um deles.

Acolhimento

O mediador faz o primeiro acolhimento das partes que buscam a resolução


de seus conflitos por meio da mediação, e isso se dá na etapa que chamamos de
pré-mediação. Falaremos mais detalhadamente sobre cada uma das etapas da me-
diação logo mais. No acolhimento o mediador é o responsável por fazer com que
as partes possam se sentir confortáveis no local em que se encontram. O mediador
acolherá ambas no mesmo momento, caso elas procurem juntas a mediação – o
que é mais raro – ou o mediador deverá desenvolver da mesma forma ao receber a
parte que busca a mediação primeiro e posteriormente deve agir acolhedoramente
quando receber a outra.

Organização

Compete ao mediador toda a organização do ambiente e do processo, desde o


respeito às etapas da mediação, ou a supressão de alguma destas etapas a critério dele,
passando pela acomodação das pessoas na mesa de diálogo, até a redução a termo do
acordo ou de um possível encaminhamento da lide a outra via que se ache necessária.

Informação e esclarecimento

É função e dever do mediador informar às partes mediandas, de forma clara


e precisa, todas as etapas e procedimentos da mediação. Deve ainda informar as
possibilidades diversas de resolução de conflitos, esclarecer os direitos e deveres de
cada um deles e as consequências da assinatura do termo da mediação.
Neste sentido é importante que o mediador possua conhecimentos básicos de
Direito. Caso o Direito não seja a formação do mediador, se indica que ele estude
juridicamente a situação dos envolvidos antes de iniciar as etapas da mediação,
para que assim ele possa esclarecer eventuais dúvidas a contento.

capítulo 3 • 50
Administração das participações

O mediador deve administrar as participações criando uma divisão igualitária


do tempo de fala de cada um e das possibilidades de expressão e de narrativa da
versão dos fatos. Conforme visto no capítulo anterior existem comportamentos tí-
picos dos mediandos que muitas vezes se refletem em tipos expansivos – estes ten-
dem a tomar para si toda a atenção e o tempo da mediação – mas também temos
outros tipos como os reservados que evitam ao máximo se expor e falar qualquer
coisa. Tendo isso em mente o mediador deve sempre estar atento e motivar a falar
aqueles mais reservados, contendo a expansividade dos outros.
O mediador ainda deve estar atento à qualidade destas participações, equi-
librando relações hierárquicas e de poder que já existam previamente. Portanto,
deve haver sempre o respeito às falas de cada um, que devem estar isentas de coa-
ção ou de qualquer tipo de imposição de vontade.

Ampliação da compreensão do problema

Conforme já sinalizado o mediador deve ampliar a noção jurídica das partes


acerca do conflito que levam à sessão. Porém, mais do que isso, ampliar a com-
preensão do problema se refere às questões que muitas vezes estão escondidas e
que são as mais difíceis de resolver. Muitas vezes a disputa na partilha de bens de
um casal está muito mais relacionada com a dificuldade que estas pessoas tem para
se separarem do que com a geladeira ou o apartamento no Leblon. Percebemos
nessas situações que muitas vezes as pessoas não podem mais conviver harmoni-
camente, mas tampouco conseguem se separar, por isso permanecem juntas no
conflito. Conflito este que pode ser ainda dentro de uma relação conjugal, ou após
o divórcio, leva-se o conflito para o âmbito judicial ou para a sala de mediação.

Estabelecimento da sintonia emocional

Tal função se refere à necessidade de não deixar as partes partirem para espirais
negativas do conflito, tampouco transferirem ao mediador aspectos negativos da lide.
Segundo Fiorelli(2008) a sintonia emocional possibilita identificar aspectos
emocionais dos envolvidos, e perceber aquelas emoções que devem ser explicitadas
para que seja possível liberar energia psíquica para a resolução do conflito.

capítulo 3 • 51
Desenvolvimento de soluções cooperadas

A esta altura do aprofundamento dos nossos estudos já compreendemos que


uma das características mais importantes da mediação é o fato dela abrir o espaço
para que as próprias pessoas envolvidas no conflito possam resolver suas questões.
Assim é que uma das funções do mediador é o desenvolvimento de soluções para
os conflitos em que os envolvidos possam cooperar entre si, tanto no momento de
estabelecê-las quanto depois ao cumpri-las.

Favorecer acordos satisfatórios

Por fim, uma finalidade essencial da mediação é colaborar para que as pessoas
envolvidas possam chegar a acordos que sejam satisfatórios e o mediador deve ser
um facilitador para que isso aconteça.

Formação do mediador

Segundo o Conselho Nacional de Justiça a formação do mediador se deno-


mina Ciclo de Formação, isso porque ele passará por diversas etapas até que esteja
apto e formado para o ofício. Em muitos casos os Tribunais de Justiça promovem
os cursos de forma gratuita e após estarem aptos, os mediadores passam a fazer
parte do Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores e/ou dos
cadastros dos Tribunais. É sugerido que tal ciclo seja formado por cinco etapas,
sendo elas: 1) seleção; 2) capacitação técnica; 3) observação; 4) supervisão; 5)
avaliação pelo usuário. Passaremos agora a falar brevemente sobre cada uma delas.

Seleção

É interessante que sejam realizadas seleções para a escolha dos profissionais


que participarão dos Ciclos de Formação, utilizando critérios como a seriedade
no propósito, o tempo disponível, o perfil necessário para o ofício. Isso para que
sejam poupados tempo e trabalho de formação de mediadores que não finalizarão
o curso ou que de fato não exercerão a função.

capítulo 3 • 52
Capacitação técnica

A capacitação técnica é a primeira etapa de fato do ciclo de formação e aqui os


futuros mediadores receberão o conhecimento técnico necessário. Será composta
por aulas expositivas-participativas, serão indicadas e estudadas referências biblio-
gráficas importantes sobre o assunto, e os futuros mediadores ainda participarão
de mediações simuladas. Em regra a capacitação técnica é composta por cerca de
32 a 40 horas aula (Azevedo, 2015) e ao menos cinco audiências simuladas.

COMENTÁRIO
O Manual de Mediação Judicial do CNJ (Azevedo, 2015) propõe que dentre as metodo-
logias de ensino do curso de formação estejam as seguintes:
•  Exposições teóricas sobre diversos tópicos relacionados à teoria do conflito, teoria de nego-
ciação, habilidades comunicativas, habilidades perceptivas e cognitivas, processo de tomada de
decisões, habilidades analíticas, questões éticas específicas para a mediação entre outros;
•  Exercícios de análise de conflitos para desenvolver a capacidade para compreender as
causas e a dinâmica das disputas;
•  Simulações de negociação para ensinar a dinâmica e os procedimentos de comunicação
e persuasão;
•  Demonstrações em vídeo ou em teatralizações de mediação por treinadores para exempli-
ficar abordagens e habilidades;
•  Sessões de planejamento de estratégia para mostrar como as intervenções são planejadas
e implementadas;
•  Sessões de demonstrações e prática sobre o processo das reuniões privadas;
•  Apresentações de estudo de caso por instrutores e iniciantes para explorar a 
dinâmica da
análise do conflito e sua resolução;

•  Apresentações e sessões simuladas de exercícios de comediação. 


Observação

Essa etapa consiste na observação de ao menos cinco mediações reais realiza-


das por um mediador experiente e comprometido.

capítulo 3 • 53
Supervisão

A supervisão consiste no acompanhamento e aconselhamento por parte de


um mediador experiente do trabalho do mediador em vias de se formar.

Avaliação pelo usuário

Após o início das atividades, além das avaliações recorrentes por parte dos
instrutores do curso de formação, o mediador deverá também ser avaliado pelos
usuários por meio de resposta em fichas de avaliação.

Comediação ou mediação coletiva de conflitos

O meu conceito da mediação ultrapassa o procedimento de resolução de conflitos para se


transformar numa filosofia e ideologia de relacionamento social. A sua proposta de apropria-
ção responsável dos problemas e fundamentalmente a proposta de autogestão para uma
comunidade participativa, cooperativa; ciente de ser protagonista da planificação e constru-
ção do futuro. Em síntese a mediação promove a emancipação das comunidades no desen-
volvimento das capacidades de participação, relacionamento cooperativo e solidário, criativi-
dade e sensibilização na procura de programação e implementação de seu futuro.
Juan Carlos Vezzulla (2011, p.41)

A comediação se refere à prática da mediação exercida por um grupo multidisci-


plinar de mediadores. A comediação pode ser exercida em qualquer situação que se
entenda ser necessário uma diversidade de conhecimentos técnicos. E estas situações
são diversas, como casos de alienação parental, em que além dos conhecimentos ju-
rídicos sobre a guarda e o poder familiar, temos os necessários conhecimentos sobre
o desenvolvimento infantil, sobre os aspectos psicológicos dos adultos envolvidos,
além da assistência social. Podemos pensar também em casos envolvendo a saúde,
arquitetura, educação, entre outros que passem por uma interdisciplinariedade.
Inclusive o Novo Código de Processo Civil prevê a possibilidade da comedia-
ção em seu Art. 168 § 3o:
Art. 168. As partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o me-
diador ou a câmara privada de conciliação e de mediação.

capítulo 3 • 54
(...)
§ 3o Sempre que recomendável, haverá a designação de mais de um mediador
ou conciliador.
Entretanto, existe uma prática em que a comediação é utilizada de forma priori-
tária, que são os casos de conflitos comunitários ou coletivos. A nossa cultura indivi-
dualista, e politicamente liberal, faz com que nos venha a mente conflitos entre duas
pessoas, sempre que pensamos em mediação ou mesmo resoluções judiciais. Porém,
conforme já conversamos no primeiro capítulo deste livro, o movimento por Acesso
à Justiça, que abriu as portas para a mediação como um método importante de re-
solução dos conflitos, em sua terceira e mais sofisticada onda nos traz a necessidade
de protegermos os direitos coletivos e difusos e solucionarmos os conflitos referentes
a eles. Assim é que perguntamos a você: é possível a mediação de um conflito que se
refira aos direitos coletivos e difusos? Ou para dizermos de outro modo: é possível
resolvermos os problemas comunitários por meio da mediação?
A resposta é sim. E esta se mostra a melhor forma possível. Para que isso fique
claro, traremos o estudo de um caso real ocorrido em Minas Gerais e mediado pela
equipe do PMC – Programa de Mediação de Conflitos da Secretaria de Defesa
Social do Estado de Minas Gerais . O Caso da Rua Miramar. (CTC, 2011)

Mediação coletiva de conflitos: estudo do caso Rua Miramar

O Programa de Mediação de Conflitos (PMC) é um programa que visa a media-


ção comunitária no contexto das políticas públicas e tem como pressuposto desenvol-
ver uma cidadania ativa por parte da comunidade. Isso porque se nos lembrarmos da
principal característica da mediação de conflitos a proposta vai nos parecer mais clara:
abrir espaço para que os próprio envolvidos no conflito possam resolver o seu proble-
ma, contando com a parceria de um terceiro que estabelecerá entre os envolvidos for-
mas de comunicação, sem nunca resolver diretamente a questão. As pessoas atuam di-
retamente exercendo a cidadania ao resolverem as suas questões sociais e comunitárias.
Assim é que as pessoas da própria comunidade voluntariamente se dirigem
ao PMC e encaminham uma demanda que pretendem resolver. O Caso da Rua
Miramar ocorreu exatamente desta maneira. Em 2009 uma liderança comunitária
do bairro Ribeiro de Abreu, região norte de Belo Horizonte - MG, se dirigiu ao

capítulo 3 • 55
PMC para solucionar uma questão que envolvia um serviço de saneamento bá-
sico administrado pela SSB-MG (Serviço de Saneamento Básico Minas Gerais).
A partir daí o Grupo Multidisciplinar de Mediação de Conflitos começou a sua
atuação dentro dos parâmetros da mediação de conflitos, buscando e ouvindo os
setores do serviço público e colocando em contato as pessoas da comunidade e os
representantes do serviço que aquelas visavam solucionar.
Esta mediação comunitária passou pelas etapas que a seguir começaremos a
estudar: pré mediação, abertura, relato das histórias, resumo, pauta de trabalho,
esclarecimento das controvérsias e resolução de questões, todas elas dentro da es-
pecificidade de uma resolução de um conflito comunitário.
Não iremos detalhar cada uma das etapas que podem ser lidas no livro
“Programa Mediação de Conflitos: uma experiência de mediação comunitária no
contexto das políticas públicas.” (2011) disponível em: <http://www.institutoelo.
org.br/site/files/publications/732b97393c88308cb2d84dc9c406c1cb.pdf>.
Entretanto, apontaremos para o fato de que a equipe de mediação após rece-
ber a líder comunitária, convocou os demais moradores da região, para ouvi-los
e confirmar o interesse coletivo na resolução da questão, se dirigiu aos órgãos
públicos responsáveis pelo serviço público que não estava sendo prestado adequa-
damente, e depois os reuniu para o encaminhamento das soluções, compartilhada
entre a comunidade e o serviço público e mediada pela equipe.

A estrutura do processo de mediação

Voltaremos a seguir, agora com um pouco mais de discussões técnicas, para des-
crevermos a estrutura do processo de mediação. Esclareceremos as suas dúvidas so-
bre como é desenvolvida a dinâmica da mediação. Quais são as etapas e como se dá
a preparação? Ao final conheceremos os modelos clássicos de mediação de conflitos.

A dinâmica da mediação

A mediação é regida pelo princípio da informalidade, por isso a sua dinâmica


deve ser espontânea e não rígida e fixa nas etapas que a seguir iremos delimitar.
Entretanto, com vistas a estabelecer um norte foram delimitadas as seguintes eta-
pas de mediação:

capítulo 3 • 56
Pré-meditação

Abertura

Resumo

Pauta de trabalho

Esclarecimento de
Controvérsia

Resolução de questões

Organograma das etapas da mediação

Pré-mediação

Antes de iniciar qualquer processo de mediação é muito importante que se passe


por uma preparação. A esta preparação denominamos pré-mediação. Tartuce (2015)
nos aponta que, em realidade, a mediação pode ser dividida em duas grandes etapas:
a pré-mediação e a mediação propriamente dita e que, principalmente na mediação
judicial, estas duas etapas são realizadas por mediadores diferentes.
Na etapa da pré-mediação será realizado o acolhimento dos mediandos e de
suas demandas. Logo após o acolhimento se iniciará a explicação e o esclarecimen-
to de todo o processo de mediação, retirando quaisquer dúvidas das pessoas que

capítulo 3 • 57
buscam este tipo de procedimento. Também faz parte da pré-mediação a escuta
ativa da demanda e dos motivos do conflito. Também na pré-mediação é comum
que as partes encontrem com o mediador separadamente, e de forma privada, para
que seja disponibilizado um espaço de confiança e transparência.

Abertura

A abertura é o início propriamente dito do processo de mediação. É na aber-


tura que o mediador irá destacar os princípios da mediação, o seu papel e a sua
atuação não assistencialista, no sentido de o mediador não ter a função decisória
do conflito: cabe às partes fazê-lo. A abertura tem a importante função de habituar
as partes a estarem no mesmo ambiente, a sentarem lado a lado ou frente a frente.
Na abertura também, em regra, se estabelece um cronograma, ocorre a definição
do dia adequado aos próximos encontros. É importante orientar os mediandos
também sobre a impossibilidade de definir-se de pronto o número de sessões ne-
cessárias, uma vez que na mediação, por ser um processo que envolve emoções, é
impossível prever o tempo necessário pra acalmá-las.

Relato das histórias

Também conhecido pelo nome de investigação, este é considerado um dos


momentos mais importantes, é nesta etapa que o mediador abre espaço para que
as pessoas possam relatar as histórias a partir de seus pontos de vista, tornando
possível se escutarem. É sabido que muitas vezes, apenas o fato de nos deslocarmos
do nosso local de fala e ouvirmos o outro com o mínimo de empatia, se abre o
espaço para que o mal-estar do conflito seja dissolvido, criando uma disposição
das partes a comporem a relação, chegando, por fim, ao entendimento.
Ao mediador cabe escutar com atenção, escuta denominada de escuta ativa, e,
se preciso, intervir com questionamentos para tornar mais claros os fatos. Também
o mediador deve se portar de forma a garantir a igualdade material das partes, esta-
belecendo um espaço igualitário para que ambas possam fazer seus relatos.
Segundo Tartuce (2015, p. 246) essa etapa do relato é importante para que haja
a identificação de questões, interesses e sentimentos dos mediandos, assim como
o esclarecimento das controvérsias e a elucidação das questões controvertidas”.

capítulo 3 • 58
Resumo

A etapa do resumo também é conhecida como agenda e se trata do momento


em que serão levados a termo os principais objetivos e a organização das ques-
tões controvertidas.
Aqui o mediador deve-se atentar às questões que não estão manifestas, chama-
mo-las de latentes, e que apesar de muitas vezes serem as questões fundamentais da
disputa, se mantém inauditas e não ditas.
No resumo se irá objetivar os pontos a serem trabalhados, estabelecendo a
pauta de trabalho.

Esclarecimento das Controvérsias

Nesta etapa se dará o momento de esclarecer as controvérsias, objetivar os


pontos a serem resolvidos, avaliar as opções e escolher aquela que melhor se ade-
qua às vontades, desejos e interesses de todos os envolvidos no conflito.

Resolução de Questões

No momento de resolução de questões serão levados a termo os parâmetros da


mediação e, caso haja, do acordo.

Escolas de mediação

Proponho aqui, para maior compreensão, denominar a mediação liberal de “mediação


acordista”; mais ligada à escola de Harvard da auto composição resultante da impo-
sição do poder entre um e outro e de “mediação responsável” aquela que a partir da
escola transformativa de Baruch Bush e Folger e transformadora de Warat, centra seu
objetivo no trabalho sobre e com as pessoas e eu acrescentaria as comunidades a que
pertencem. O nome de responsável o tomo da atitude solidária e cooperativa de traba-
lhar para tentar chegar a um acordo onde longe de se utilizar dos poderes individuais
se utiliza a cooperação com o objetivo de satisfazer a todos por igual.
Juan Carlos Vezzulla, 2011.

capítulo 3 • 59
Iniciaremos agora o estudo de algumas Escolas Clássicas da Mediação, apre-
sentando as diferenças entre elas. De forma didática e geral, as escolas diferenciam-
se segundo os seguintes objetivos:

ESCOLAS OBJETIVOS
Escola de Harvard Atingir e formalizar o acordo entre as partes
Escola Transformativa Transformar e tratar a relação entre as partes
Escola Circular Narrativa de Sara Cobb Atingir o acordo e transformar a relação

Escola linear, satisfativa ou de Harvard

A famosa Escola de Mediação de Harvard pode ser considerada como o início da


articulação teórica e conceitual da mediação de conflitos. Tem como principais men-
tores Roger Fisher e William Ury que se basearam em técnicas de negociação para
aplicá-las na mediação, com o acréscimo do apoio de um terceiro imparcial. É por
este motivo que muitas vezes a mediação é denominada de “negociação assistida”.
O Modelo de Harvard preconiza que a negociação deve se dar de forma linear,
ou seja, cada um dos mediandos deve ter o seu momento de falar e o seu momen-
to de ouvir, por isso também é conhecida como Escola Linear de Mediação de
Conflitos. Esse modelo clássico de mediação possui forte apelo à imparcialidade
do mediador, à atenção apenas aos aspectos verbais e à praticidade e objetivida-
de da atuação. Por estes motivos, dentre todas, é aquela que mais se aproxima
da conciliação, estabelecendo pequenas diferenças frente a ela. Podemos citar: a
indefinição do tempo de duração da sessão (o que é possível de ser estabelecido
na conciliação) e a impossibilidade do mediador de propor os termos do acordo
(característica fundamental da conciliação).
Podemos delimitar quatro diretrizes básicas para a mediação segundo o mode-
lo da Escola de Harvard que são:
•  Separar as pessoas de seus problemas
Trata-se de uma maneira interessante de evitar a espiral destrutiva de um con-
flito, quando as questões objetivas são deixadas de lado e inicia-se um percurso
de ofensas pessoais. O mediador formado nessa escola sempre atuará baseado em
técnicas que trarão de volta os mediandos para a objetividade de suas disputas, não
abrindo espaço para a resolução de questões afetivas ou para a transformação do
conflito ou do relacionamento.

capítulo 3 • 60
•  Focar em Interesses e não em Posições
Em muitas disputas as partes deixam de agir em virtude de um interesse e co-
meçam a agir para defender a sua posição, e o fato de que se está certo no conflito.
No livro “Como Chegar ao Sim” Fisher e Ury (2005) exemplificam com a situação
de dois homens em uma biblioteca que discutem sobre se a janela deve permanecer
aberta ou fechada. Depois de um tempo de discussão, aproxima-se deles a bibliote-
cária que ao saber o motivo da discussão lhes pergunta o porquê do posicionamento
de cada um: um quer a janela aberta e o outro a quer fechada. O primeiro justifica
a sua pretensão dizendo que quer que entre algum ar fresco, enquanto o segundo a
justifica dizendo que quer manter a janela fechada para evitar a corrente de ar. Ao
escutá-los a bibliotecária imediatamente se dirige a um aposento interno e abre intei-
ramente a janela deixando entrar um ar puro e evitando a corrente de ar.
•  Inventar Opções de Ganho Mútuo
O exemplo anterior serve também para a presente diretriz, uma vez que ao
abrir a janela do interior a bibliotecária atendeu o interesse de ambos que desisti-
ram do conflito.
•  Insistência em critérios objetivos
Apontar critérios objetivos que não se vinculem às questões pessoais de cada
mediando também é uma das formas de se facilitar uma negociação, para isso, po-
de-se utilizar tabelas comerciais, padrões médios de mercado, entre outros critérios
que valham para todas as pessoas.

Escola transformativa ou transformadora

A Escola de Mediação Transformativa surge como uma crítica e uma proposta


de mudança de perspectiva frente às mediações que até a década de 1980/90 vinham
em um processo de assemelhar-se muito a uma prática de conciliação. Os mediado-
res atuavam muito incisivamente nas sessões e muitas vezes definiam as pautas de
discussão, evitando o aprofundamento subjetivo e relativo às questões de afeto, e
definiam até mesmo os termos do acordo e da resolução dos conflitos. (Folger, 2008)
A Mediação Transformativa surge então para responder a essa prática e apre-
sentar um arsenal teórico e prático que visasse permitir que as partes pudessem
de fato ter autonomia, tanto em relação ao encaminhamento do debate de suas
questões, quanto em relação ao desfecho que o processo irá tomar.
Entretanto, mais que trazer autonomia às partes para definirem como enca-
minhar suas questões e como estabelecerem suas resoluções, mais que afastar-se

capítulo 3 • 61
das demais formas de resolução de conflitos, como a conciliação e a negociação, a
Mediação Transformativa tem como objetivo primordial a transformação da qua-
lidade da interação das partes em conflito, ou seja, mudar de fato, e para melhor,
a qualidade das relações humanas envolvidas na mediação. Transformar a relação,
fazer do conflito uma situação construtiva para as partes envolvidas e para a so-
ciedade, esse é o fundamento da mediação segundo a Escola Transformativa. O
termo transformação se refere à mudança no caráter destrutivo do conflito, para
que este possa se apresentar em seu caráter construtivo
Nesse sentido, todo o esforço dos mediadores deve se voltar para a mudança na
forma da relação e do conflito, e nunca como um esforço cego por um acordo. Para
uma mediação transformativa chegar ou não a um acordo deve ser irrelevante, quando
o que se espera de fato é que as partes em mediação possam estabelecer um diálogo
e criarem formas construtivas de convivência. Assim, os mediadores transformativos
abrem os espaços para a interação entre as partes, não controlam em nenhuma medida
o processo, e facilitam a expressão das emoções das partes envolvidas.
No Brasil temos uma linha especial de mediação transformadora que foi enca-
beçada por Luis Alberto Warat, em Santa Catarina.

Escola circular narrativa de Sara Cobb

A Escola de Mediação Circular Narrativa pretende ser uma forma intermediá-


ria que trate de lidar tanto com o objetivo de se atingir um acordo, quanto com o
objetivo de transformar a relação social e o conflito.
A principal forma dessa mediação, como o nome já diz, é a narrativa, em que
o relato sobre a situação conflitiva é a base para a sua transformação e para o esta-
belecimento do acordo entre as partes. Para esta escola a linguagem não representa
uma situação e sim a constitui e a transforma. A narrativa e o deslocamento do eu
de seu lugar inicialmente fixo é a base para o estabelecimento do acordo. Por ser
um processo de mediação com suas origens na psicologia do eu, também é espera-
do um processo de autoconhecimento e transformação, em que são colocados em
análise os sentimentos de cada um dos envolvidos.
O mediador circular-narrativo abre espaço para a construção de novas histó-
rias de vida dos mediandos, sem abrir mão do acordo entre as partes.

capítulo 3 • 62
AUTOR
Warat foi um professor do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina e
um de seus primordiais estudos se referiu ao Oficio do Mediador. Podemos dizer que Warat fez
ao seu modo, e ao modo tupiniquim, a Escola Transformativa no Brasil. Ele a denominou de Es-
cola hedonista-cidadã e o que Warat priorizava fundamentalmente em uma resolução de confli-
tos era a outridade, a empatia e o prazer de transformar relações de forma sensível e com amor.

MULTIMÍDIA
Café Filosófico com Warat:
<https://www.youtube.com/watch?v=QH8hHV0GRZQ> (parte 1);
<https://www.youtube.com/watch?v=1ucH4aGcQZA> (parte 2).

CONCEITO
Alienação Parental: Trata-se da alienação reiterada da presença de um dos genitores
pelo outro, criando um desligamento dos vínculos afetivos em relação ao filho.

MULTIMÍDIA
Um filme muito interessante pode nos aproximar da situação do Caso da Rua Miramar,
ele se chama Saneamento Básico que além de nos ajudar a compreender a questão estu-
dada, tenho certeza que também será responsável por umas boas risadas.

Ficha Técnica:
Nome Original: Saneamento Básico
Diretor: Jorge Furtado
Ano de Lançamento: 2007

capítulo 3 • 63
REFLEXÃO
Dentre as formas de mediação de conflitos que conhecemos até aqui, a mediação comu-
nitária é a forma que mais se aproxima de uma democracia participativa e em sintonia com
os princípios constitucionais que são os pilares da Constituição Federal de 1988. É muito
importante o movimento que, conforme aprenderemos no capítulo cinco, traz para dentro do
Judiciário o processo de mediação. Entretanto, quando pensamos em mediação ainda pare-
ce que estamos presos a modos individualistas de resolução de conflitos, devemos levar ain-
da mais a prática da mediação para políticas públicas como o relatado caso da Rua Miramar.

ATIVIDADES
01. Com base nos estudos desenvolvidos até aqui responda: o mediador é alguém que tra-
balha para resolver briga e desentendimento?

02. Escolha uma das Escolas de Mediação aprendidas neste capítulo e construa uma situa-
ção de conflito simulando a mediação com base na técnica escolhida.

03. Apresente propostas de como a mediação de conflitos pode ser um instrumento de


cidadania e democracia participativa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, André Gomma (Org.) Manual de Mediação Judicial, 6ª ed. Ministério da Justiça: CNJ, 2015.
CTC, Comissão Técnica de Conceitos do Programa Mediação de Conflitos. Programa Mediação
de Conflitos: uma experiência de mediação comunitária no contexto das políticas públicas. Belo
Horizonte: Arraes Editores, 2011. Disponível em: <http://www.institutoelo.org.br/site/files/
publications/732b97393c88308cb2d84dc9c406c1cb.pdf>. Acesso em: 03 de dezembro de 2017.
FIORELLI José Osmir. FIORELI, Maria Rosa. MALHADAS, Marcos Julio Olivé Junior. Mediação e
Solução de Conflitos: teorias e práticas. São Paulo: Editora Atlas S.A , 2008.
FISHER, Roger. URY, Willian. PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim: negociação de acordos sem
concessões. 2ªed. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 2005.
FOLGER, Joseph P. La Mediación Transformativa: preservación del potencial único de la mediación
en situaciones de disputas. Revista de mediación. Año 1. Nº 2. Octubre 2008.

capítulo 3 • 64
VEZZULLA, Juan Carlos. Mediação de Conflitos: a questão coletiva. In Programa Mediação
de Conflitos: uma experiencia de mediação comunitária no contexto das políticas públicas. Belo
Horizonte: Arraes Editores, 2011. Disponível em: <http://www.institutoelo.org.br/site/files/
publications/732b97393c88308cb2d84dc9c406c1cb.pdf>. Acesso em: 03 de dezembro de 2017.
WARAT, Luis. Alberto. O Ofício do Mediador. Florianópolis: Habitus, 2001.
Entrevista da Gabriela Asmar ao Jô Sorares disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=Fg3U77otJpI>. Acesso em: 03 de dezembro de 2017.

capítulo 3 • 65
capítulo 3 • 66
4
Técnicas para
a mediação de
conflitos
Técnicas para a mediação de conflitos
Iniciaremos no presente capítulo o nosso percurso pelas técnicas de mediação
de conflitos. Faremos uma apresentação de algumas delas e dos princípios a elas vin-
culados que podem qualificar a atuação do mediador. Algumas destas técnicas estão
relacionadas às Escolas de Mediação que estudamos. Entenderemos como é possível
para o mediador colaborar para que as partes possam ressignificar um conflito em
suas vidas, ou seja, dar outro significado e valor para o fato, afastando ressentimen-
tos e construindo histórias alternativas. Neste mesmo processo pode ser postulada a
oportunidade das pessoas se empoderarem e reconhecerem o outro em sua humani-
dade. Também iremos entender como é dada a utilização de técnicas de negociação
dentro da mediação. Por fim, vamos conhecer as técnicas utilizadas em diferentes
momentos da mediação e as formas de construção e redação dos acordos.

OBJETIVOS
•  Entender o que é e como pode se dar a ressignificação dos conflitos;
•  Conhecer algumas técnicas da mediação de conflitos: histórias alternativas; revalorização
e reconhecimento, negociação assistida;
•  Conhecer algumas técnicas para abordar diferentes momentos da mediação;
•  Aprender a construir e redigir acordos.

A caixa de ferramentas com propósito

Muito se diz das técnicas e instrumentos da mediação, que elas são como uma cai-
xa de ferramentas, que no momento em que o mediador necessita de determinada téc-
nica, ele, munido de diversas delas, a lança para solucionar um problema, assim como
fazemos com a chave de fenda ou a fita métrica, a depender da nossa necessidade.
É uma metáfora interessante, pois o mediador deve conhecer diversas técnicas para
poder usar e escolher a que melhor convir ao momento. Entretanto, estamos de acordo
com Folger (2008) quando ele nos aponta que toda ferramenta tem um propósito, ou seja,
toda técnica deve ter um propósito e ser utilizada em virtude dele e não aleatoriamente.
É neste sentido que vamos apresentar algumas técnicas de mediação de
conflitos, formuladas por pensadores importantes na área da mediação, mas

capítulo 4 • 68
apresentaremos também o pensamento que a formulou, o contexto e o estilo de
mediação a que ela esteja vinculada e os propósitos a que elas servem.

A ressignificação

A base de qualquer resolução de conflitos passa, ou deve passar, pela ressigni-


ficação. Ressignificar consiste em dar um outro significado, mudar o filtro com
que vemos uma determinada situação. Mudar de perspectiva. Estar em um confli-
to muitas vezes equivale a repetir padrões de comportamentos e de sentimentos,
ressentimento, que significa sentir de novo uma situação desagradável. Re-sentir.
Ao contrário de re-sentir, re-significar é o gesto que faz com que possamos dei-
xar de sentir (mais uma vez) daquela mesma maneira que nos gerou sofrimento, e
que possamos mudar o modo de perceber uma situação. Assim, abrimos as possi-
bilidades para nos sentir melhor, transformando o olhar e o sentimento referentes
a determinados acontecimentos em nossas vidas. Ao ressignificar deixamos espaço
para a resolução das pendências que nos envolvem.
•  Vamos exemplificar com algumas histórias:
Primeiro nos reportamos a uma reportagem do site Hype.fm (2017) que se
chama “Casal Divorciado junta-se todos os anos para tirar fotos de família com o
filho” e mostra como um casal consegue ressignificar a separação conjugal valori-
zando a parentalidade em detrimento do ressentimento que ainda imperava na
relação em virtude da separação. O depoimento da mãe deixa muito claro o mo-
mento em que ela consegue ressignificar a relação para valorizar a parentalidade:
“O Bruce é muito mais feliz agora que eu e o Adam nos entendemos melhor.
Uma vez tivemos uma discussão acalorada em frente ao nosso filho que estava a cho-
rar aos meus pés. Percebi que eu estava mais focada em magoar o pai dele, do que em
reconfortar o meu filho. Eu sabia que aquele não era o exemplo que eu queria ser“.
Foi justamente no momento em que ela percebeu que estava fazendo o seu
filho pequeno sofrer, que ela decidiu desfocar a situação na mágoa que sentia e que
a fazia querer fazer o ex-marido sentir, e focar na criação e no cuidado do filho.
Aqui podemos ver claramente um exemplo de Conflitos Construtivos a que nos
referimos no segundo capítulo deste livro. Sugerimos o acesso ao link indicado
para ter acesso às fotos e à reportagem completa.
•  Ou podemos exemplificar com outra história mais simples e cotidiana:
Em uma das aulas de Marshall Rosemberg (2006) sobre a Comunicação Não-
Violenta, ele conta a história de uma mãe que reclamava de ter que cozinhar todas

capítulo 4 • 69
as noites para seus filhos. Para ela existia a seguinte situação: era a sua obrigação
materna cozinhar todos os dias para o marido e para os filhos. Um certo dia ela
decide que não vai mais cozinhar. Esperava a resistência dos filhos e o que ouviu
foi: estou muito aliviado, mãe, não aguentava mais jantar e sempre lhe ouvir re-
clamar, e poderia ter dito ainda: além disso, agora me sinto mais livre por poder ir
jantar com a minha namorada.
O exemplo nos mostra que quando ressignificamos uma situação, abrimos a
possibilidade para as outra pessoas envolvidas o fazerem também. E algumas vezes
isso nos faz sair de círculos viciosos que não trazem satisfação a mais ninguém.
Para ilustrar o que dissemos até aqui sobre ressignificação, vamos pegar em-
prestado um desenho da Psicologia da Gestalt:

Se olhamos de uma determinada perspectiva vemos uma taça, se olhamos por


outra vemos duas faces. Assim também ocorre com os conflitos, e, muitas vezes, se
apenas mudarmos nossa forma de olhar e ressignificarmos, podemos enxergá-los
de formas muito diferentes, mais simples e possíveis para a resolução.

CONEXÃO
Para ter acesso à reportagem completa e às fotos retiradas pela família acesse o link:
<https://www.hiper.fm/casal-divorciado-junta-se-todos-os-anos-para-tirar-fotos-de-familia-
com-o-filho/?ref=maisfm>.

capítulo 4 • 70
CONCEITOS
Parentalidade se refere ao fato de duas pessoas serem pais e/ou mães. A conjugalida-
de (o fato de serem cônjuges) pode ter fim, entretanto, a parentalidade não termina nunca, a
não ser em casos excepcionais de perda do poder familiar.
A Psicologia da Gestalt é a denominada de “Psicologia das Formas” e estuda, de forma
geral, as sensações e percepções humanas.

A recontextualização

Uma maneira do mediador colaborar na ressignificação de um conflito, que


muitas vezes pode ser considerado um passo largo para a sua resolução, é a recon-
textualização. Trata-se de uma ferramenta ou uma técnica para provocar mudan-
ças por meio da fala do mediador e da escuta do mediando.
Na recontextualização o mediador reformula uma fala de uma das partes,
muitas vezes eivada de mágoas e acusações, mas sem alterar o sentido original,
estimulando as partes a perceberem o contexto sobre outra perspectiva. Portanto,
muitas vezes basta que o mediador repita a frase, entretanto, filtrando ofensas e
ressentimento, já que a fala do mediador deve ser simples e objetiva.
Esta é uma maneira pela qual ele pode colaborar para que as partes ressignifi-
quem a relação. O Manual de Mediação Judicial do CNJ (Azevedo, 2015, p.209)
assim se refere ao tratar da recontextualização:

Sempre que for retransmitir às partes uma informação que foi trazida por elas ao pro-
cesso, o mediador deve se preocupar em apresentar estes dados em uma perspectiva
nova, mais clara e compreensível, com enfoque prospectivo, voltado às soluções, fil-
trando os componentes negativos que eventualmente possam conter, com o objetivo
de encaixar essa informação no processo de modo construtivo.

MULTIMÍDIA
Bem me quer, mal me quer. Este é um filme muito interessante que nos mostra a neces-
sidade de vermos uma mesma situação por outro ponto de vista.

capítulo 4 • 71
Ficha técnica:
Nome Original: À la folie... pas du tout
Ano de Lançamento: 2003
Direção: Laetitia Colombani

Pelo mesmo motivo também indicamos uma comédia italiana que se chama “O Monstro”.
Ficha Técnica:
Nome Original: Il Mostro
Ano de Lançamento: 1994
Direção: Roberto Benigni

LEITURA
O Papalagui é a história de um índio que no contato com a civilização ocidental nos traz
um olhar bastante peculiar sobre nós mesmos. Dentro dos nossos estudos, pode nos ajudar a
compreender a necessidade de nos abrirmos ao olhar do outro, de nos des-ensimesmarmos
(sairmos do “si mesmo”), exercitarmos a empatia e a outridade, o que muitas vezes será a
melhor forma de resolvermos nossos conflitos e, consequentemente, lidarmos com as técni-
cas de mediação.
TUIAVII. O Papalagui. 4a Ed. Rio de Janeiro: Marco Zero, s/d.

História alternativa

Nossas identidades são construídas de muitas histórias e estas histórias estão cons-
tantemente mudando. (Mandelbaum, 2011, p.340 )

A presente técnica da mediação se refere ao uso da narrativa para ressignificar


um conflito. Narrativa se refere a narrar uma história. Se na recontextualização é a
fala do mediador que faz com que o mediando a escute por uma nova perspectiva,
aqui na história alternativa é a própria pessoa em conflito que, ao narrar a sua his-
tória, poderá abrir as lentes para uma nova forma de enxergar o conflito.
Helena Gurfinkel Mandelbaum (2011) nos mostra como somos feitos de histó-
rias e maneiras de contar. De forma muito prática, mas trazendo diversos elementos,

capítulo 4 • 72
ela nos ensina que fatos da vida como “ser ou não uma boa motorista” faz parte de
histórias que lembramos e outras que esquecemos. Segundo ela uma história é feita
de 1) uma seleção de acontecimentos ligados ao fato e escolhidos em detrimentos de
outros; 2) uma encadeação lógica e temporal destes fatos narrados.
Se colocarmos neste encadeamento aquela baliza em uma vaga apertada, o
fato de sempre dar passagem aos pedestres, não incorrer em multas de velocidade,
parar nos sinais de trânsito, podemos não dar prioridade àquele pequeno esbar-
rão no estacionamento. “Ao escrever aquela história, precisei selecionar eventos,
para mim importantes, que se encaixaram naquele enredo específico e dominante.
Quanto mais eventos são selecionados e reunidos ao vento dominante, mais rique-
za e consistência a história ganha.” (Mandelbaum, 2011, p.340 )
Assim é que os estudos sobre a narrativa como técnica de mediação de con-
flitos dividem as nossas histórias, de forma didática, em história dominante e
história alternativa. A história dominante é aquela que encadeada de determinada
maneira nos constitui primordialmente e influencia diretamente a nossa forma de
ser e estar nas relações sociais. Entretanto, ambas geram efeitos em nós, e, muitas
vezes, basta que possamos abrir espaço para uma delas se apropriar e prevalecer.
Para ressignificar um conflito, muitas vezes, basta apostarmos na história al-
ternativa. E, assim, se permite que a questão pendente, e que esteja gerando o
ressentimento nas partes, deixe de ter importância. “Em termos práticos, o me-
diador, principalmente através de perguntas, leva os mediandos à reflexão sobre as
suas histórias, destacando momentos extraordinários em que o problema não teve
influência, ou teve influência mínima” (Mandelbaum, 2011, p.324).
As novas histórias podem possibilitar o sentimento de dignidade para as pes-
soas envolvidas e, assim, abrir espaço para a resolução do conflito.

MULTIMÍDIA
Para compreendermos a força do uso de variadas formas de contar e recontar uma história,
indicamos o maravilhoso filme do documentarista brasileiro Eduardo Coutinho, “Jogo de Cena”.

Ficha Técnica:
Nome Original: Jogo de Cena
Ano de Lançamento: 2007
Direção: Eduardo Coutinho

capítulo 4 • 73
CONCEITO
Entre as práticas narrativas temos em especial o que foi chamado de Conversas de Exter-
nalização. Ela foi introduzida por Michel White nas Terapias Familiares na década de 1980 (Man-
delbaum, 2011) e ela visa, por meio da narrativa, externalizar e enfraquecer diversas relações de
poder que são sociais e, a partir daí, perceber que o conflito, e sua resolução, partem da percep-
ção destas relações que se vinculam a gênero, raça, classe social, orientação sexual, entre outras.

Revalorização e reconhecimento

A Revalorização e o Reconhecimento são técnicas vinculadas à Escola


Transformativa, em especial. E para compreender como elas funcionam vamos
trazer alguns parâmetros do procedimento da mediação transformativa.
O princípio primordial da Escola Transformativa, trazido por Folger (2008)
e seu companheiro Bush, foi o de que é necessário manter a mediação como uma
forma de resolução de conflitos em que as partes possam assumir o lugar de auto-
nomia e de fato decidam a melhor maneira de encaminhar a situação. A Escola
surge como uma resposta ao papel intervencionista que o mediador vinha toman-
do, principalmente na negociação assistida que comentaremos logo mais, e em
que, muitas vezes, pouco se diferenciava de um conciliador.
Assim é que o mediando terá autonomia e dirigirá todas as etapas da media-
ção. Inclusive a delimitação da mediação em etapas não serve para esta Escola que
propõe deixar a dinâmica livre para que as partes possam definir. O mediador
aqui, deve abrir o espaço para que as próprias partes façam a discussão sobre a lin-
guagem, sobre a abrangência da mediação, se trabalhará fatos ligados ao passado,
ou apenas alternativas à situação no futuro, em quantas sessões se dará cada etapa,
se será ou não redigido o acordo.
Segundo Folger(2008) a palavra transformação se refere à transformação da inte-
ração destrutiva das partes em conflito. Ela se refere à transformação da relação e não
a busca por um acordo. E transformar uma relação é algo que só cabe às partes en-
volvidas diretamente nelas. O mediador será o assistente deste diálogo entre as partes.
Ao mediador cabe acompanhar o diálogo assistido e buscar brechas, nas falas
dos mediandos, para a revalorização de si – também denominado de empode-
ramento – e para o reconhecimento do outro. Portanto, os próprios mediandos
empregarão as suas capacidades inerentes tanto para decidir por si mesmos e se

capítulo 4 • 74
responsabilizar pelas consequências (empoderamento), quanto para ir mais além
de suas próprias perspectivas e se abrir aos demais. Portanto, para reconhecer o
outro em sua diferença e singularidade (reconhecimento) e assim solucionar os
difíceis desafios criados pelo conflito (Folger, 2008).
Portanto, a revalorização se refere ao olhar do mediando para si, para com-
preender o seu valor, para não deixar que o conflito acabe por macular a imagem que
ele traz dele mesmo, resgatando e estimulando a autoconfiança. O que chamamos
atualmente de empoderamento. Enquanto o reconhecimento se refere ao outro e
a como cada uma das partes conflitantes pode conseguir compreender as diferenças
e desejos alheios, para criar a empatia que pode levá-las à harmonia e à resolução do
conflito.

A negociação assistida

A negociação facilitada ou assistida se refere à técnica da mediação que tem


por base a Escola de Harvard.
Ela também é conhecida como a negociação baseada em princípios: 1) separar
as pessoas de seus problemas; 2) focar em interesses e não em posições; 3) inventar
opções de ganho mútuo; 4) insistência em critérios objetivos.
As técnicas de negociação assistida são baseadas nestes princípios e já nos refe-
rimos a eles no terceiro capítulo, portanto, nos remetemos a ele para compreensão.
Acrescentaremos os tipos de negociação que a Escola de Harvard apresenta: o
Modelo Integrativo como a contraposição ao modelo Distributivo.
O Modelo Distributivo de Negociação é aquele em que se parte da lógica da
escassez do objeto em disputa, em que a vantagem de uma das partes levaria con-
sequentemente à desvantagem da outra.
O mediador formado na Escola de Harvard trará às partes uma ressignificação da
negociação. Mostrando que mesmo com um único objeto de disputa é possível se chegar
à integração dos interesses, atingindo um ponto em comum que satisfaça às duas partes.
Um exemplo conhecido seria a divisão da fruta: é conhecida a proposta de
“um parte e o outro escolhe”. Esta seria considerada uma negociação distributiva.
Entretanto, se buscarmos os interesses das pessoas podemos descobrir que uma
poderia estar apenas interessada na casca da fruta para fazer um bolo, enquanto
a outra teria interesse na polpa para fazer o suco. A divisão em duas partes, em
realidade, não satisfaria integralmente nenhuma das duas, a negociação e o escla-
recimento das intenções poderia o fazer.

capítulo 4 • 75
Outras técnicas

O Manual de Mediação Judicial do CNJ (Azevedo, 201 p.220) nos apresenta


alguns parâmetros de como estabelecer e cadenciar o diálogo na mediação:
•  O mediador deve usar o tom de voz eficiente;
•  O mediador deve estar sempre atento à comunicação não verbal;
•  Evite que as partes firmem posições em vez de interesses;
•  O mediador deve infundir confiança no processo;
•  O mediador apesar de imparcial, deve ser o defensor do processo;
•  O mediador deve ser paciente e perseverante;
•  As partes devem se sentir à vontade;
•  A linguagem deve ser apropriada.

A escuta ativa

De uma forma geral, a todas as Escolas ou estilos de mediação, a Escuta Ativa


é indicada.
Ela se refere à atenção que o mediador deve ter à fala dos mediandos, aos si-
lêncios e à expressão corporal.
Além de ter uma escuta atenta e ativa a todos os detalhes da situação de me-
diação, também o mediador deve demonstrá-lo. Os mediandos devem se sentir
acolhidos e objetos de atenção. A isso também se chama reciprocidade (Tartuce,
2015).
Portanto, para ter uma escuta ativa o mediador deve estar atento ao dito e
ao não dito, às mensagens verbais e não verbais e, por outro lado, também deve
demonstrar atenção, participar ativamente da conversa, mantendo contato visual,
confirmando com gestos afirmativos e evitando qualquer gesto que demonstre
desatenção (digitar, mexer no celular, ou em outros objetos sobre a mesa).

Criação e redação de acordos

A mediação não deve ter como objetivo a realização de acordos, mas sim a
harmonização da relação conflituosa e, em última instância, a paz social.
Entretanto, o acordo é uma consequência recorrente dos processos de media-
ção, uma vez que as partes desejam formalizar os parâmetros do que foi resolvido.

capítulo 4 • 76
Fiorelli (2008) nos traz algumas orientações para a elaboração e formalização
de um acordo que prospere: as partes devem estar cientes de forma clara e precisa
de tudo o que ficar estabelecido.
Para tanto, o autor sugere que sejam respondidas as seguintes questões antes
de ser levado a termo o acordo:
1. O que será feito (atividades e providências)?
2. Foram contempladas todas as exigências?
3. Quem fará cada ação estabelecida?
4. Quando cada ação será levada a efeito? Com que frequência?
5. As ações se sustentam ao longo do tempo? O acordo terá durabilidade?
6. Onde cada ação será realizada?
7. Por que cada uma das ações será realizada?
8. Como as ações acontecerão? Estarão todos os recursos disponíveis? Elas são
exequíveis? Há praticidade?
9. Quem pagará? Quando, quanto e onde?

Muitas de tais perguntas, inclusive, devem estar respondidas nos próprios ter-
mos do acordo que deverá ser redigido logo após o fechamento das questões, e em
linguagem clara, precisa, concisa e correta.
Por fim, o mediador redige o acordo e o lê em voz alta, momento em que as
partes darão expressamente o consentimento e assinarão em três vias – uma para
cada parte e outra para o Mediador/Câmara de Mediação/Juízo.
São elementos fundamentais de qualquer acordo redigido: nome completo e
identificação dos mediandos e do mediador, os termos do acordo celebrado, local,
hora e data, além das assinaturas dos presentes, inclusive dos advogados.

REFLEXÃO
A lição da ressignificação – entender que uma mesma história pode ser transformada
subjetivamente e deixar de gerar sofrimento – deve servir aos mediandos. Para que estes
deixem de insistir em uma espiral destrutiva do conflito e passem a relações construtivas,
em que a superação da mágoa possa fazer com que todos os envolvidos saiam ganhando ao
final da resolução. Entretanto, também para o mediador, é importante conhecer “o perigo da
história única” para que ele não se deixe levar por um dos lados, para que consiga manter
a sua função de facilitador na relação conflituosa. Conseguir enxergar diversas perspectivas
e histórias alternativas é fundamental para todos os envolvidos, mediandos e mediadores.

capítulo 4 • 77
MULTIMÍDIA
Vídeo essencial para pensarmos as relações de poder (colonialismo, gênero e raça), em
meio às discussões sobre narrativas e história alternativa, é o “Perigo da História Única” da
Chimamanda Adichie para o TED. Vídeo disponível no youtube: <https://www.youtube.com/
watch?v=qDovHZVdyVQ>.

ATIVIDADES
01. Agora o(a) aluno(a) deve colocar em prática os aprendizados adquiridos no presente capítulo,
para tanto deverá propor uma situação de ressignificação de um conflito que, ao final, deverá ser
resolvido pelas partes em mediação e, por fim, ser redigido a termo um acordo sobre a situação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, André Gomma (Org.) Manual de Mediação Judicial, 6ª ed. Ministério da Justiça: CNJ, 2015.
FIORELLI José Osmir. FIORELI, Maria Rosa. MALHADAS, Marcos Julio Olivé Junior. Mediação e
Solução de Conflitos: teorias e práticas. São Paulo: Editora Atlas S.A , 2008.
FOLGER, Joseph P. La Mediación Transformativa: preservación del potencial único de la mediación
en situaciones de disputas. Revista de mediación. Año 1. Nº 2. Octubre 2008.
HIPERFM. “Casal Divorciado junta-se todos os anos para tirar fotos de família com o filho”.
Disponível em: <https://www.hiper.fm/casal-divorciado-junta-se-todos-os-anos-para-tirar-fotos-de-
familia-com-o-filho/?ref=maisfm>. Acesso em: 12 de dezembro de 2017.
MANDELBAUM, Helena Gurfinkel (org.). Mediação Judicial: teoria na prática e prática na teoria. São
Paulo: Primavera Editorial, 2011.
MOORE, Cristopher W. O Processo de Mediação: estratégias práticas para a solução de conflitos. 2
ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
ROSENBERG, Marshall B. Comunicação Não-Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos
interpessoais. 4ª ed. São Paulo: Ágora, 2006.
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 2ª ed. São Paulo: editora método, 2015.
TUIAVII. O Papalagui. 4a Ed. Rio de Janeiro: Marco Zero, s/d.

capítulo 4 • 78
5
A mediação e o
Poder Judiciário
A mediação e o Poder Judiciário
Nosso último capítulo irá tratar de um tema muito importante e que certa-
mente veio nos acompanhando até aqui: trataremos especificamente do encontro
entre a Mediação de Conflitos e o Poder Judiciário. Iremos pensar juntos quais são
os encontros e desencontros, vantagens e desvantagens entre eles. Vamos conhecer
também o movimento que em 2015 criou as leis que formalmente trouxeram a
mediação para dentro do Poder Judiciário. E para terminar o nosso livro, o último
tema, mas decididamente não o menos importante: a ética no processo de media-
ção. Como seria uma atuação ética do mediador? Quais são as suas responsabili-
dades? E assim fechamos este primeiro estudo sobre o Ofício do Mediador. Espero
que todos tenham aproveitado o percurso até aqui e que sigam nos estudos e na
arte desta tão bonita prática que é a mediação de conflitos.

OBJETIVOS
•  Conhecer os marcos legais da mediação no Brasil;
•  Estudar a lei 13.140/2015 (Lei da Mediação) e a lei 13.105/2015 (Novo Código de Pro-
cesso Civil) no que se refere à mediação;
•  Comparar a mediação e o processo judicial;
•  Estudar os aspectos éticos do mediador e as suas responsabilidades.

A mediação e o Poder Judiciário

A relação entre a Mediação e o Poder Judiciário nem sempre foi de encontros,


na verdade até 2015 podemos dizer que foi uma relação prioritariamente de de-
sencontros. Neste ponto, até a poesia pode nos ajudar a entender, e vamos citar
Vinicius de Morais quando este fala que a “vida é a arte do encontro, embora haja
tanto desencontro pela vida.” (Moraes e Powell, 1965).
Pois, conforme já vimos no capítulo 1, durante muito tempo, o Direito se
destinou a resolver os conflitos por meio da Jurisdição, dizendo a palavra final e
impondo uma verdade para as partes envolvidas. É possível dizer até que – muitas
vezes – sem levar em consideração os aspectos emocionais e subjetivos das relações
interpessoais. E poucas eram as oportunidades em que os litigantes teriam dentro

capítulo 5 • 80
do próprio Judiciário alguma oportunidade para resolver as suas pendências por
meio dos métodos consensuais de resolução de conflitos.
Tal cenário começa a mudar em 2015 com a consolidação legal da Mediação
tanto no Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), quanto em legislação
própria, a Lei da Mediação (Lei 13.140/2015). Vamos, agora, fazer uma rápida
passagem para conhecer um pouco das leis e dos projetos que visavam a abertura
de espaço no Judiciário para as vias consensuais.

CONCEITO
Jurisdição Estatal é o nome dado ao processo em que, em um conflito, as pessoas en-
volvidas abrem mão de sua autonomia e são substituídas pelo Estado/Juiz que decidirá por
elas, dizendo a norma aplicável ao caso concreto, a forma de encaminhar a solução, e tendo
o poder coercitivo para impor a sua decisão.

Os marcos legais da mediação no Brasil

Segundo a resenha histórica desenvolvida por Humberto Dalla Bernadino


Pinho (2017), a primeira proposta legislativa que visou regulamentar e impulsio-
nar a mediação no Brasil data de 1998, com o projeto de lei da deputada Zulaiê
Cobra, enumerado como PL 4827/1998. O projeto foi arquivado em 2006.
Apenas em 2010 tivemos de fato uma consolidação normativa sobre o assunto
com a resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a Política
Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos no âmbito do Poder
Judiciário, e entre tais tratamentos adequados dos conflitos está a mediação. Por
longos cinco anos foi a única orientação normativa sobre o assunto.

ATENÇÃO
Uma Resolução não é uma lei, e sim um ato normativo que tem o condão apenas de
orientar e explicar determinados assuntos e não de impor condutas.

capítulo 5 • 81
A resolução 125 do CNJ está composta da seguinte forma:

Capítulo introdutório em que se estabelece,


Capítulo 1: DA POLÍTICA PÚBLI- no âmbito das políticas públicas, a temática
CA DE TRATAMENTO ADEQUADO das resoluções adequadas e consensuais dos
DOS CONFLITOS DE INTERESSES. conflitos voltados para a natureza e peculiari-
dade de cada um.

Capítulo 2: DAS ATRIBUIÇÕES


Trata das atribuições do CNJ no que se refere
DO CONSELHO NACIONAL DE
à resolução adequada dos conflitos.
JUSTIÇA

Seção I – Estabelece a criação dos Núcleos


de Métodos Consensuais de Resolução de
Conflitos por parte dos Tribunais;
Seção II – Também devem ser criados pelos
Tribunais, os Centros Judiciários de Solução
de Conflitos e Cidadania (Centros ou Cejuscs)
que serão os responsáveis pelas sessões de
mediação e as audiências de conciliação, assim
como pela orientação aos cidadãos e cidadãs;
Seção III – Traz orientações acerca dos me-
diadores e conciliadores, define o perfil ne-
cessário, a qualificação, assim como traz
orientações sobre a sua remuneração;
Seção III A – Estabelece a ocorrência periódica
Capítulo 3: DAS ATRIBUIÇÕES DOS
de Fóruns de Coordenadores dos Núcleos de
TRIBUNAIS
Mediação e Conciliação. Cada Tribunal indicará
um magistrado para coordenar o Núcleo.
Seção III B – Determina que ficam sujeitos à
Resolução 125 as Câmaras Privadas de Con-
ciliação e Mediação que farão sessões inci-
dentais nos processos. Tais Câmaras cadas-
tradas no Cadastro Nacional de Mediadores
Judiciais e Conciliadores deverão suportar
uma cota extra de sessões/audiências a título
gratuito para os casos de gratuidade de justiça
como contrapartida ao seu credenciamento.
Seção IV - O CNJ deverá compilar informações
e números sobre as audiências de conciliação e
sessões de mediação para posteriores análises.

O CNJ criou um portal na internet sobre con-


Capítulo 4: DO PORTAL DA
ciliação e mediação, disponibilizando informa-
CONCILIAÇÃO
ções, números, código de ética entre outros.

capítulo 5 • 82
Após a criação da Resolução em 2010, podemos delimitar dois percursos legislativos
que tiveram como consequência a aprovação de importantes leis que estabelecem a media-
ção no Direito brasileiro, são elas o Novo Código de Processo Civil e a Lei da Mediação e
passaremos a abordá-las agora.

COMENTÁRIO
A resolução 125 foi contemplada com duas emendas, uma em 2013 e outra em 2016,
esta visava estabelecer ainda maior sintonia com o Novo Código de Processo Civil e a Lei de
Mediação que entraram em vigor em 2015.

LEITURA
Para ter acesso à Resolução completa do CNJ basta acessar o site: <http://www.cnj.jus.
br/busca-atos-adm?documento=2579>.

O novo Código de Processo Civil

Em 2009 foi convocada uma comissão de juristas presidida pelo Ministro


Luiz Fux com o objetivo de desenvolver o projeto do Novo Código de Processo
Civil. O anteprojeto foi apresentado logo em 2010 e converteu-se no Projeto de
Lei 166/2010 que, após aprovação no Senado, recebeu na Câmara dos Deputados
o número 8046/2010. Após o ano de 2010 foram sucessivas discussões e audiên-
cias públicas até que em 2015 fosse aprovado e em 2016 entrasse em vigor a
Lei 13.105/2015: o Novo Código de Processo Civil.
O Código entra em vigor praticamente ao mesmo tempo que a Lei da
Mediação e dispõe de diversos e esparsos dispositivos sobre esta prática, diferen-
ciando-se da política adversarial do Código anterior. O fato das disposições refe-
rentes à mediação se encontrarem em muitos pontos do Código mostra o ânimo
do legislador em trazer o instituto para dentro do judiciário. Entretanto, são os
artigos de 165 até 175 que, em especial, se dispõem a tratar diretamente do tema.
A preocupação do NCPC/2015 é primordialmente com a mediação judicial,
ou seja, aquela que ocorre dentro do judiciário, em meio a um processo judicial e

capítulo 5 • 83
com mediadores indicados pelo Juízo, ou escolhidos livremente pelas partes, mas
ainda dentro do processo (Art. 168).
A mediação extrajudicial, aquela que ocorre fora do processo judicial, conta
com maior liberdade para estabelecer seus procedimentos, que ficam por conta das
Câmaras de Mediação ou do mediador autônomo. Tem, logicamente, o dever de
seguir os parâmetros éticos, e as disposições que se encontram na Lei da Mediação.

COMENTÁRIO
O Art. 168 do NCPC/2015 assim se refere:
Art. 168. As partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a
câmara privada de conciliação e de mediação.
§ 1o O conciliador ou mediador escolhido pelas partes poderá ou não estar cadastrado
no tribunal.
§ 2o Inexistindo acordo quanto à escolha do mediador ou conciliador, haverá distribuição
entre aqueles cadastrados no registro do tribunal, observada a respectiva formação.
§ 3o Sempre que recomendável, haverá a designação de mais de um mediador ou conciliador.

Ainda, o NCPC estabelece que os mediadores judiciais sejam pessoas espe-


cialmente designadas para a prática da mediação, ou seja, não devem se confundir
com a pessoa do Juiz ou do Promotor de Justiça, nem mesmo com a pessoa do
Defensor Público ou do Advogado, sendo que este fica impedido de atuar no pro-
cesso no caso de um mediador-advogado. Ainda cabe dizer que o Juiz nem mesmo
deve estar presente a uma sessão de mediação, uma vez que ali prima o princípio
da confidencialidade, peça chave da mediação, que permite às partes se abrirem
ao procedimento. Não seria possível para o Juiz, após passada a mediação e sem
a composição, não ficar comprometido com o que escutou durante a mediação e
que porventura venha a comprometer ou o influenciar negativamente acerca de al-
guma das partes, como seria o caso de uma confissão por exemplo (Pinho, 2017).
A lei traz, ainda, objetivamente, a definição e a diferença entre o conciliador e
o mediador. Iremos reproduzir o texto de lei em virtude de sua clareza:
Art. 165. (...) § 2o O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em
que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o
litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimi-
dação para que as partes conciliem.

capítulo 5 • 84
§ 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo an-
terior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses
em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identi-
ficar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. (grifo nosso)

Assim, o conciliador atuará preferencialmente nas situações em que não


houver vínculo anterior entre as partes e poderá sugerir soluções para o conflito,
enquanto o mediador atuará preferencialmente nas situações em que já houver
vínculo anterior entre as partes – as denominadas de relação continuada – e de-
verá trabalhar para que seja possível reestabelecer a comunicação entre as partes,
contribuindo, assim, para que cheguem à solução consensual do conflito.
O Art. 166 traz os princípios da mediação, de forma geral já estudados no
capítulo 1 do presente livro, e que são: independência, imparcialidade, autonomia
da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade, e decisão informada.
A lei traz ainda, em seu Art.167, a orientação para a criação do Cadastro
de Mediadores e Conciliadores, tanto nacional quanto das localidades (Estadual/
Federal) em que estiverem inseridos, que disponibilizarão informações sobre os
profissionais habilitados, como a área de trabalho e efetividade, o número de acor-
dos realizados. É necessária a capacitação dos mediadores em entidade credencia-
da, conforme parâmetros do CNJ, para que sejam incluídos nos Cadastros.

COMENTÁRIO
Devemos tomar cuidado com a interpretação do texto da lei no que se refere ao “sucesso ou
insucesso” da atividade do mediador, a efetividade, informação que deve constar em seu cadastro.
O sucesso de uma mediação não pode ser aferido com base nos parâmetros judiciais ou mesmo
conciliatórios. A mediação é uma atividade que visa a harmonia e o restabelecimento da comuni-
cação entre as partes e não necessariamente um acordo ou a resolução apenas formal do litígio.
É prevista ainda a possibilidade de criação de quadro próprio e permanente de mediado-
res que seriam convocados por concurso público de provas e títulos. A iniciativa seria muito
desejável, uma vez que, já estando nos Tribunais, os mediadores seriam inteiramente acessí-
veis, além de evitar a precarização de tão importante ofício. Caso não haja quadro próprio e
permanente de mediadores é prevista no Art.169 a remuneração pelos serviços prestados,
entretanto, é aberta a possibilidade do serviço voluntário de mediação.
No caso dos mediadores serem advogados, estes estarão impedidos de atuar nos Juízos
em que estejam cadastrados e exerçam a função.

capítulo 5 • 85
A lei em seu Art. 168 traz ainda a possibilidade de as partes escolherem o mediador ou
a câmara privada de mediação, ocasião em que não será necessário que o profissional esteja
cadastrado perante o Tribunal. Entretanto, caso não haja consenso entre as partes o Juiz
deverá indicar um mediador cadastrado no Tribunal.

A comediação também está prevista no NCPC para as situações mais comple-


xas e que necessitem da interdisciplinaridade de conhecimentos.
Temos ainda as possibilidades de sanções para os mediadores judiciais, que
ocorrerão nos casos de quebra da confidencialidade e do sigilo, ainda que sem
intenção direta (dolo) de fazê-lo. Caberá sanção também caso o mediador atue em
situação em que se encontre impedido. O mediador pode ficar até 180 (cento e
oitenta) dias afastado do ofício como forma de sanção, que deverá ser estabelecida
pelo Juiz com base em uma decisão fundamentada e ser encaminhada imediata-
mente ao Tribunal respectivo para instaurar o processo administrativo.
Por fim, o NCPC prevê ainda a mediação para as situações que envolvam a União,
o Estado e os Municípios em âmbito administrativo. Esta previsão é considerada muito
importante uma vez que abre espaço, expressamente, na legislação em vigor, para a me-
diação comunitária que traz em si as possibilidades para as pessoas exercerem a cidadania
e a democracia efetivamente participativa, conforme já abordamos no capítulo 3.

A lei da mediação

Logo em 2011 foi apresentado no Senado Federal o PL 517/2011 na tentativa


de criar uma lei da mediação que estivesse em sintonia com a Resolução 125 do
CNJ. O Projeto de Lei do Senado número 517/2011 passou por diversas discus-
sões e reformulações, sendo acoplado a mais duas iniciativas em 2013, as PLS405
e 434, frutos de Comissões estabelecidas pelo Senado e pelo próprio CNJ. Após
discussões em audiências públicas, fica, por fim, estabelecido o Projeto de Lei
7169 de 2014 que é votado e aprovado sem emendas em 2015, consolidando a
Lei de Mediação (13.140/2015).
Em muitos aspectos a Lei de Mediação está em sintonia com o disposto pelo
NCPC/2015, apresentaremos neste momento algumas novidades que ela traz.
Chama atenção o fato de que a composição de conflitos no âmbito da
Administração Pública tenha recebido todo um capítulo com disposições regula-
mentares e a sua previsão já venha expressa desde o primeiro artigo da lei:

capítulo 5 • 86
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio alternativo de solução de contro-
vérsias entre particulares e sobre a composição de conflitos no âmbito da Administra-
ção Pública.

Outra novidade é que, de forma diferente do NCPC/2015, a Lei da Mediação


traz dispositivos que visam a regulamentar a Mediação Extrajudicial. Para tanto, dis-
põe de toda a subseção II (Arts. 21 ao 23) para trazer orientações relativas a prazos pro-
cedimentais, previsões contratuais, escolha e remuneração do mediador pelas partes,
consequências em virtude da ausência de uma delas às sessões entre outras orientações.
Na mediação judicial, há a previsão da necessidade do acompanhamento por ad-
vogados, conforme art. 26, ressalvadas as situações previstas no Juizado Especial Cível
(Lei 9.099/95) e resguardadas as gratuidades da assistência no caso de hipossuficiência.
Com relação à regra da confidencialidade a Lei da Mediação nos traz duas
exceções: 1) no caso de crime de ação pública; 2) no caso do dever das pessoas
envolvidas na mediação (do mediador, das partes, de seus prepostos, advogados,
assessores técnicos e das outras pessoas) de prestar informação à Administração
Tributária ao final da mediação.
Por fim, há a previsão de que a lei própria irá regular a mediação nas relações de
trabalho. Isso se deve à característica primordial das relações trabalhistas que é a hi-
possuficiência do trabalhador, que dispõe apenas da força de seu trabalho e necessita
garantir a sua subsistência. Por outro lado, temos o empregador que é o dono dos
meios de produção e do lucro advindo desta relação. Devido a esta especificidade, a
legislação deve estabelecer regramentos próprios para harmonizar a relação e possi-
bilitar a necessária igualdade entre as partes no momento da mediação.

Benefícios da mediação versus o Poder Judiciário

Seria um erro grave pensar em executar mediações em série, de forma mecanizada,


como hoje, infelizmente, se faz com as audiências prévias ou de conciliação, nos juiza-
dos especiais e na justiça do trabalho.
A mediação é um trabalho artesanal.
Cada caso é único. Demanda tempo, estudo, análise aprofundada das questões sob os
mais diversos ângulos. O mediador deve se inserir no contexto emocional-psicológico
do conflito.
(Pinho, 2011, p.225)

capítulo 5 • 87
Conforme o próprio NCPC/2015 nos traz, a mediação está indicada para os con-
flitos que incidam nas relações em que as pessoas já se conhecem, relações estas que
denominamos de continuadas. Logo no capítulo 1 do presente livro, assim como no
capítulo 2, discorremos suficientemente sobre as vantagens da mediação nestas situa-
ções, inclusive com os Exemplos 1 e 2 que foram objetos de reflexão do primeiro capí-
tulo. Remetemo-nos a eles para frisar as vantagens da mediação, que, de forma geral,
podemos exemplificar: a harmonização social, o tratamento da comunicação entre as
partes, a busca pela comunicação não violenta e pela transformação do conflito, que
pode estar em uma espiral destrutiva, para um conflito construtivo que, por fim, pode
até reatar a relação entre as partes e contribuir para o crescimento pessoal delas.
O Processo Judicial será indicado em algumas situações também. Conforme
falamos no primeiro capítulo, o ideal é que tenhamos o sistema multiportas, em que
diversas formas de resolução de conflitos se mostrem disponíveis e que as pessoas
que necessitem sejam direcionadas a elas. O processo judicial será indicado, por
exemplo, para casos em que a hipossuficiência não seja manejável, ou equilibrável
por meio da mediação, como pode ser o caso de uma relação trabalhista em que a
diferença de posições é inerente à situação. Em casos como este, muitas vezes apenas
a imposição da Jurisdição poderá trazer a isonomia e a justiça às partes. Também em
relações interpessoais, tais situações podem se mostrar presentes, em certos casos de
violência, excetuando os esforços da Justiça Restaurativa, e em todas as situações em
que a convivência harmônica se torne impossível, na manutenção de formas violen-
tas de se relacionar e na impossibilidade, após sucessivas tentativas, da mediação do
conflito. Percebemos, portanto, que a Jurisdição, afinal, se mostra como a última
razão do Estado para a resolução de conflitos e não mais como a primeira ou a única.

MULTIMÍDIA
A série da advogada Alicia Florick nos traz boas cenas no Tribunal, entretanto, em sua sexta
e sétima temporadas, ela também nos presenteia com boas cenas de sessões de Mediação. Vale
a pena assistir nos horários de descanso. Todas as temporadas estão disponíveis na rede Netflix.

Ficha técnica:
Nome Original: The Good Wife
Estréia: 2009
Número de Temporadas: 7
Número de episódios: 156

capítulo 5 • 88
A ética no processo da mediação

Definiremos a ética como o estudo e a análise da moral, o questionamento de


si, dos próprios valores, dos valores da sociedade e que fazem parte de cada um. A
Ética, que segundo Foucault (1985), é também um cuidado de si e, consequente-
mente, um cuidado do outro.
Assim, é que consideramos que o primeiro princípio ético do mediador é o
de estabelecer uma relação justa e equânime entre as partes. O cuidado com a
relação que lhe é posta. O mediador não deve tolerar a injustiça que pode pro-
vir de relações desiguais, que são anteriores àquele momento solene. Relações de
opressão que são intrínsecas à nossa sociedade desigual, hierárquica, com toda
nossa história de escravidão e racismo, patriarcalismo e violência de gênero. O
mediador não pode partir de uma suposta isonomia entre pessoas desiguais, deve
ter a sensibilidade de perceber as desigualdades e violências estruturais e que são
muitas vezes latentes.
Portanto, é papel ético do mediador a percepção das desigualdades no que
tange à informação sobre os direitos, sentimentos de medo perante o judiciário,
medo e opressão frente a litigantes habituais (pessoas e/ou empresas que estão
sempre no Judiciário), principalmente nas situações em que é permitido estar de-
sacompanhado de advogado.
O mediador deve ser sempre imparcial, no sentido de não ter nenhum tipo de
vantagem pessoal com o acordo ou a mediação, mas nunca deve ser imparcial se a
sua imparcialidade reforçar a situação de desigualdade. Tudo isso em sintonia com
o princípio da isonomia ou igualdade material.
Assim, um acordo claramente desproporcional e prejudicial a uma das partes,
somado à falta de entendimento, medo ou opressão na relação desigual entre elas,
deve ser evitado pelo mediador, que deve prontamente manifestar a situação pe-
rante as partes e até mesmo perante o Juiz no âmbito de uma Mediação Judicial.

CONCEITO
Violência Estrutural é aquela em que a própria estrutura da sociedade faz com que
determinado grupo social sofra com a retirada de direitos e com a discriminação social por
serem quem são. Um exemplo histórico no Brasil foi com relação àquelas pessoas conside-
radas com transtornos mentais. Até a chamada desmanicomialização, com a atuação do mo-
vimento antimanicomial, retiravam-se todos os direitos das pessoas que eram consideradas

capítulo 5 • 89
fora da suposta normalidade, delas eram retirados o direito à liberdade, à integridade física
e psíquica, direito à identidade e em última instância até o direito à vida, é só verificarmos os
números de mortes de pessoas nos manicômios neste período histórico no Brasil.

Fiorelli (2008) traz mais alguns princípios éticos e responsabilidades do mediador:


•  Respeito à individualidade e autodeterminação dos mediandos;
O mediador não deve levar em conta seus valores pessoais e deve se afastar de
seus preconceitos durante sua atuação.
•  Limitação de atuação ao campo de sua competência;
Sempre que for necessário conhecimento maior que o que o mediador possui,
este deve buscar orientação ou comediação.
•  Comportamento imparcial, sem perder de vista o equilíbrio de forças –
conforme já nos referimos anteriormente;
•  Preservação da confidencialidade;
•  Atuação independente em relação aos temas tratados, e frente às pessoas à
mesa da mediação;
•  Demonstração de persistência, prudência e determinação na orientação dos
mediandos e na busca pela melhor solução.

Responsabilidades do mediador

Segundo Moore (1998, p. 328), além das responsabilidade éticas menciona-


das anteriormente, os mediadores “devem ser honestos e não tendenciosos, agir de
boa fé, ser diligentes e não buscar satisfazer seus próprios interesses às custas dos
interesses das partes”.

O código de ética de conciliadores e mediadores judiciais

A emenda número 1 de 31 de março de 2013 instituiu o Anexo III na


Resolução 125 do CNJ, que trata especificamente do código de ética dos conci-
liadores e mediadores.
Logo em seu artigo primeiro o Código estabelece os princípios da mediação, quais
sejam: confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, indepen-
dência e autonomia, respeito à ordem pública e às lei vigentes, empoderamento e
validação, já abordados em sua maioria no capítulo 1 deste livro. Além dos princípios,

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também estabelece o que denomina de regras que devem reger o procedimento, quais
sejam: informação, autonomia da vontade, ausência da obrigação do resultado, des-
vinculação da profissão de origem, compreensão quanto à conciliação e à mediação.
De forma geral, além dos princípios e regras de conduta, o Código de Ética
formalizado na Resolução 125 prevê as responsabilidades e sanções aos media-
dores, quanto ao dever de confidencialidade e quanto ao impedimento e prevê
também as regras de qualificação e cadastro nos Tribunais.

ESTUDO DE CASO
Jeferson Callado é um dos mediadores judiciais mais antigos cadastrados no Tribunal de
Justiça do Mato Grosso do Sul. Em suas atuações, Callado sempre se mostrou muito bem
articulado, além de solícito, persistente e determinado na orientação dos mediandos e na
busca pela solução dos conflitos. Ele quase nunca falha na resolução dos casos e já virou
uma questão de honra para ele sair do Tribunal com ao menos dois acordos formulados.
Porém, hoje não foi um dia de sorte para Callado, já passava de 17 horas e, em virtude de ter
em mãos casos de resolução muito difícil, desentendimentos que já se arrastavam há anos,
não foi possível nenhum acordo. Era seu último processo e ele resolve tentar de todas as
formas entabular uma resolução formal. O caso tratava-se de uma dívida antiga de um rapaz
muito humilde que informalmente fazia a jardinagem da casa de um grande proprietário de
terra no interior do estado. O rapaz humilde e semi-analfabeto pegou emprestado 200 reais
e não conseguiu pagar. O credor propunha ao rapaz que este prestasse serviço contínuo por
um ano sem remuneração em troca do perdão da dívida. O rapaz humilde e amedrontado
por estar no meio judicial aceita tal acordo hercúleo e Jefferson Callado redige satisfeito os
termos da resolução da mediação. Neste sentido questiona-se: o nosso mediador experiente
atuou de forma ética? Analise e avalie a atuação de Jefferson Callado.

Resolução:
O mediador nunca deve visar o acordo no momento da resolução dos conflitos. O obje-
tivo da mediação é o estabelecimento da comunicação não violenta entre as partes, sendo
irrelevante para ele pôr termo formal ou não ao conflito. Neste caso agrava-se a situação
em virtude do aspecto ético. Em face do desequilíbrio da relação e da injustiça manifesta
da proposta do acordo, o mediador tem o dever de intervir, balancear as partes e amenizar o
sentimento de apreensão por parte do mediando vulnerável.

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REFLEXÃO
O mediador nunca deve buscar o acordo a qualquer custo. Apesar de a mediação, muitas
vezes, aparecer como uma solução para a morosidade e o atravancamento do Poder Judi-
ciário, ela não deve se prestar a este papel. Conforme citação de Humberto Dalla Bernadino
Pinho (2011, p.225) “a mediação é um trabalho artesanal, e cada caso é único”. Podemos
pensar que a conciliação pode se prestar a este papel de desafogar o Judiciário, uma vez que
ela é prioritariamente indicada para os casos em que as partes não têm uma relação prévia.
A mediação definitivamente não. Ela deve, por fim, nos ajudar a harmonizar o convívio social,
trazer desfechos construtivos para os conflitos sociais e possibilitar que as pessoas coabitem
o mundo de forma plural e sem violência. Este é o maior ofício do mediador.

LEITURA
Reproduziremos aqui a íntegra do Anexo III da Resolução 125 do CNJ:

ANEXO III
CÓDIGO DE ÉTICA DE CONCILIADORES E MEDIADORES JUDICIAIS
INTRODUÇÃO

(Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13)

O Conselho Nacional de Justiça, a fim de assegurar o desenvolvimento da Política


Pública de tratamento adequado dos conflitos e a qualidade dos serviços de conciliação e
mediação enquanto instrumentos efetivos de pacificação social e de prevenção de litígios,
institui o Código de Ética, norteado por princípios que formam a consciência dos terceiros
facilitadores, como profissionais, e representam imperativos de sua conduta.
Dos princípios e garantias da conciliação e mediação judiciais.
Art. 1º - São princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e media-
dores judiciais: confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, indepen-
dência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação.
I - Confidencialidade - dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas na sessão,
salvo autorização expressa das partes, violação à ordem pública ou às leis vigentes, não poden-
do ser testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvidos, em qualquer hipótese;

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II - Decisão informada - dever de manter o jurisdicionado plenamente informado quanto
aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido;
III - Competência - dever de possuir qualificação que o habilite à atuação judicial, com
capacitação na forma desta Resolução, observada a reciclagem periódica obrigatória para
formação continuada;
IV - Imparcialidade - dever de agir com ausência de favoritismo, preferência ou precon-
ceito, assegurando que valores e conceitos pessoais não interfiram no resultado do trabalho,
compreendendo a realidade dos envolvidos no conflito e jamais aceitando qualquer espécie
de favor ou presente;
V - Independência e autonomia - dever de atuar com liberdade, sem sofrer qualquer
pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper a sessão
se ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento, tampouco havendo
dever de redigir acordo ilegal ou inexequível;
VI - Respeito à ordem pública e às leis vigentes - dever de velar para que eventual acordo
entre os envolvidos não viole a ordem pública, nem contrarie as leis vigentes;
VII - Empoderamento - dever de estimular os interessados a aprenderem a me-
lhor resolverem seus conflitos futuros em função da experiência de justiça vivenciada
na autocomposição;
VIII - Validação - dever de estimular os interessados perceberem-se reciprocamente
como serem humanos merecedores de atenção e respeito.

Das regras que regem o procedimento de conciliação/mediação


Art. 2º As regras que regem o procedimento da conciliação/mediação são normas de
conduta a serem observadas pelos conciliadores/mediadores para o bom desenvolvimento
daquele, permitindo que haja o engajamento dos envolvidos, com vistas à sua pacificação e
ao comprometimento com eventual acordo obtido, sendo elas:
I - Informação - dever de esclarecer os envolvidos sobre o método de trabalho a ser em-
pregado, apresentando-o de forma completa, clara e precisa, informando sobre os princípios
deontológicos referidos no Capítulo I, as regras de conduta e as etapas do processo;
II - Autonomia da vontade - dever de respeitar os diferentes pontos de vista dos envolvidos,
assegurando-lhes que cheguem a uma decisão voluntária e não coercitiva, com liberdade para to-
mar as próprias decisões durante ou ao final do processo e de interrompê-lo a qualquer momento;
III - Ausência de obrigação de resultado - dever de não forçar um acordo e de não tomar
decisões pelos envolvidos, podendo, quando muito, no caso da conciliação, criar opções, que
podem ou não ser acolhidas por eles;

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IV - Desvinculação da profissão de origem - dever de esclarecer aos envolvidos que
atuam desvinculados de sua profissão de origem, informando que, caso seja necessária
orientação ou aconselhamento afetos a qualquer área do conhecimento poderá ser con-
vocado para a sessão o profissional respectivo, desde que com o consentimento de todos;
V - Compreensão quanto à conciliação e à mediação - Dever de assegurar que os envol-
vidos, ao chegarem a um acordo, compreendam perfeitamente suas disposições, que devem
ser exequíveis, gerando o comprometimento com seu cumprimento.

Das responsabilidades e sanções do conciliador/mediador.


Art. 3º Apenas poderão exercer suas funções perante o Poder Judiciário conciliadores
e mediadores devidamente capacitados e cadastrados pelos Tribunais, aos quais competirá
regulamentar o processo de inclusão e exclusão no cadastro.
Art. 4º O conciliador/mediador deve exercer sua função com lisura, respeitar os princí-
pios e regras deste Código, assinar, para tanto, no início do exercício, termo de compromisso
e submeter-se às orientações do Juiz Coordenador da unidade a que esteja vinculado.
Parágrafo único. O mediador/conciliador deve, preferencialmente no início da sessão
inicial de mediação/conciliação, proporcionar ambiente adequado para que advogados aten-
dam o disposto no art. 48, § 5º, do Novo Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advoga-
dos do Brasil. (Incluído pela Emenda nº 2, de 08.03.16)
Art. 5º Aplicam-se aos conciliadores/mediadores os motivos de impedimento e suspei-
ção dos juízes, devendo, quando constatados, serem informados aos envolvidos, com a inter-
rupção da sessão e a substituição daqueles.
Art. 6º No caso de impossibilidade temporária do exercício da função, o conciliador ou
mediador deverá informar com antecedência ao responsável para que seja providenciada
sua substituição.
Art. 7º O conciliador ou mediador fica absolutamente impedido de prestar serviços pro-
fissionais, de qualquer natureza, aos envolvidos em processo de conciliação/mediação sob
sua condução.
Art. 8º O descumprimento dos princípios e regras estabelecidos neste Código, bem como
a condenação definitiva em processo criminal, resultará na exclusão do conciliador/mediador
do respectivo cadastro e no impedimento para atuar nesta função em qualquer outro órgão
do Poder Judiciário nacional.
Parágrafo único - Qualquer pessoa que venha a ter conhecimento de conduta inadequa-
da por parte do conciliador/mediador poderá representar ao Juiz Coordenador a fim de que
sejam adotadas as providências cabíveis.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, André Gomma (Org.) Manual de Mediação Judicial, 6ª ed. Ministério da Justiça: CNJ, 2015.
FIORELLI José Osmir. FIORELI, Maria Rosa. MALHADAS, Marcos Julio Olivé Junior. Mediação e
Solução de Conflitos: teorias e práticas. São Paulo: Editora Atlas S.A , 2008.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 3: o cuidado de si. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1985.
MORAES, Vinicius. POWELL, Baden. Samba da Bênção. LP Kalendoscópio Elenco SE nº2, 1965.
MOORE, Cristopher W. O Processo de Mediação: estratégias práticas para a solução de conflitos. 2
ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. O Novo CPC e a Mediação: reflexões e ponderações. Revista
de Informação Legislativa: Brasília ano 48 n. 190 abr./jun. 2011.
O Marco Legal da Mediação no Brasil. Disponível em: <https://www.academia.edu/32226099/O_
MARCO_LEGAL_DA_MEDIAC_A_O_NO_BRASIL_-_Atualização_em_2016>. Acesso em: 08 de
dezembro de 2017.
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de [organizador]. Teoria Geral da Mediação à luz do Projeto de
Lei e do Direito Comparado, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

GABARITO
Capítulo 1

01. RADs é a sigla referente a Resolução Adequada de Conflitos, também podendo ser
conhecida como Resolução Amigável de Conflitos e ela se refere ao conjunto que abarca a
Mediação, a Conciliação, a Negociação e a Arbitragem. O instrumento de resolução adequa-
da utilizado na Justiça Restaurativa é a Mediação.

Capítulo  3

02. O mediador não trabalha para resolver briga e desentendimento, a não ser de forma
indireta. O trabalho do mediador é estabelecer harmonia e comunicação entre as partes con-
flitantes, para que elas possam resolver, por elas mesmas, a briga e o desentendimento delas.

03. O aluno inicialmente deve construir uma situação hipotética de conflito, como por exem-
plo, uma situação de divórcio, de briga entre condôminos, ou a partilha de herança. Isto feito,
deverá escolher uma das três Escolas de mediação apresentadas: A Escola de Harvard, a

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Escola Transformativa ou a Escola Narrativa e com base na dinâmica de uma delas exempli-
ficar a atuação de um mediador vinculado a esta Escola.

04. A mediação comunitária é um grande exemplo e instrumento de cidadania, uma vez


que ela abre espaço para que as próprias pessoas da sociedade busquem a resolução de
questões voltadas para o interesse comum. Assim, além do voto (democracia representati-
va), a mediação comunitária faz com que as pessoas participem diretamente da busca pela
efetividade das políticas públicas e isso pode ser considerado como uma forma de democra-
cia participativa.

Capítulo  4

01. O aluno deverá propor uma situação em que as partes consigam visualizar de outra for-
ma o conflito em que se encontram e ressiginificá-lo. No texto do capítulo temos dois exem-
plos no item 2. Após isso, o aluno irá, com base nas orientações do item 8, redigir um acordo.

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