HALL, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade. Rio de Janeiro, DP&A, 2006.
A obra “A identidade cultural na pós-modernidade”, de Stuart Hall, nos traz a
problemática de que se existe ou não uma crise de identidade, e se sim, quais os fatores que levaram a isso, principalmente em relação à globalização. O autor começa sua obra analisando a identidade cultural, como vem se construindo no contexto histórico até a pós-modernidade. Aponta que foi a modernidade que provocou a “crise de identidade” do homem, fragmentando-o e descentrando-o, mudando seu próprio entendimento de ser humano sobre si e o que o cerca: etnia, raça, nacionalismo e gênero. Desta forma, no primeiro capítulo do livro o autor define três concepções de identidade cultural do sujeito: o sujeito do iluminismo, que é dotado de razão, centralidade, fixo em uma identidade, o qual nasce e se desenvolve permanecendo com a mesma identidade; o sujeito sociológico, que é aquele que tem sua identidade formada através da relação com outras pessoas, pois estas são mediadoras de valores, sentidos e culturas, portanto tem sua identidade alterada por esse fatores culturais que lhe são oferecidos; e o sujeito pós-moderno, cuja identidade é composta por várias identidades, a partir dos momentos vivenciados, construídas e transformadas a partir da história. Assim aborda processos de mudanças nas sociedades modernas, os quais, para o autor, formam o sujeito pós-moderno. Hall, mostrando “O que está em jogo na questão de identidades?” exemplifica a questão de um juiz negro, conservador, da Suprema Corte do Estados Unidos, o qual foi acusado de assédio sexual. O autor aponta que o que estava em discussão era “o ‘jogo de identidades’ e suas consequências políticas” (p. 20) e não a culpa ou inocência do juiz: a população que o julgava ou o apoiava era feito em consequência à identidade de raça (negros), de sexo (homens) ou em oposição ao feminismo (mulheres). O autor conclui que “as paisagens políticas do mundo moderno são fraturadas dessa forma por identificações rivais e deslocantes” (p. 21), ou seja, aquela do sujeito iluminista, centrado no eu e que na era pós-moderna tem-se uma identidade fragmentada por absorver novas identidades. No segundo capítulo o autor continua com mais questões de concepção de sujeito, além destas, onde traça um paralelo com a história. Assim, o sujeito do iluminismo do século XVIII tinha como característica a racionalidade, ou seja, uma identidade centrada e estável. Na primeira metade do século XX surge o sujeito sociológico a partir das sociedades modernas e cada vez mais complexas, e com a biologia darwiniana e as novas ciências sociais há uma interação entre indivíduo “interior” e a sociedade “exterior”. Assim, o autor esboça cinco avanços da teoria social que causaram um descentramento do sujeito, através de filósofos que embasam esta questão: os escritos de Karl Marx, que acreditava que o indivíduo tinha de agir conforme suas condições históricas e culturais; a descoberta de Freud sobre o inconsciente, este formado conforme nossas vivências ao longo do tempo; as teorias de Saussure sobre a língua ser social e não individual, formada a partir de vários fatores sociais e não que dependam somente do sujeito; Foucalt ao discutir o poder disciplinar; e o impacto do feminismo como crítica teórica e movimento social nos anos 1960, junto à outros movimentos revolucionários, como questões de sexualidade. Com isso o autor nos faz entender que a identidade não é inata ao homem, mas sim formada ao longo do tempo, por processos inconscientes do indivíduo. De acordo com o autor a nação é fonte da construção de identidade de um país. A cultura nacional torna o idioma oficial, por meio do qual o sujeito deve ser guiado em um sistema de educação padronizado. A representação nacional por meio da cultura também é vista como uma ferramenta de criação de sentidos, que produzem identidades que são disseminadas em todo o espaço territorial. A identificação local, por exemplo, passa pela cultura dos imigrantes, como sendo algo próprio do sujeito. Há três chaves para o entendimento da crítica de Hall, a primeira é denominada narrativa da nação, que absorve a literatura, os fatos históricos da nação e o modo como é divulgada nos meios de comunicação de massas. Essas estórias são disseminadas em forma de símbolos e sons, que criam e fortalecem o conceito de nação. A tradição, segunda palavra chave para Hall, é vista como um elemento de continuidade, ou seja, os símbolos nacionais são estruturados para serem observados como verdades absolutas. Ainda de acordo com o autor, há a invenção da tradição por terceiros, entretanto a veracidade das ideias são ideologias que podem ser extremamente recentes, validadas como algo antigo e agregado de valores inalienáveis. A palavra nação tem como significado a criação do Estado Nação. Partindo do entendimento de nação é possível observar a tentativa de sobreposição a outras culturas, como foi possível ver nas duas grandes Guerras Mundiais. As identidades nacionais são divididas por incongruências, entretanto, continuam juntas pelo fato de pertencimento à nação. A palavra etnia, o autor a baliza para abastecer os aspectos culturais, línguas, religião, costumes que são ofertados aos sujeitos. Quando falamos sobre o termo raça, Hall nos condiciona ao entendimento de que a identidade nacional também não encontra base sólida sob este significado, pois este não possui prova concreta. O deslocamento das identidades culturais nacionais, segundo o autor, passa pelo processo de globalização, e a influência desta palavra situa-se na disseminação em escala ampla, pois atravessa as fronteiras nacionais e a profusão de informação faz com que as identidades nacionais se modifiquem em relação ao entendimento do tempo espaço. Conforme Hall, o tempo e o espaço são pontos no plano cultural, coordenadas pelo sistema de representação, como a escrita, a música, etc. Antes do advento da internet, os atores se encontravam fisicamente, pois as atividades tinham como pré- requisito o encontro, e a modernidade proporcionou o relacionamento virtual, deixando de lado o contato face a face. Adentrando o fato de que a globalização dissemina ideias importadas para os mais diversos cantos do mundo, o autor constata que as identidades nacionais estão enfraquecendo e a conexão dos sujeitos cria fluxos culturais, a partir da ideia de consumidores da cultura importada. O capítulo cinco indaga sobre o que acontece com a ideia de identidade local num contexto de mundo globalizado. Inicialmente o autor propõe que a globalização poderia ter o efeito de homogeneizar as identidades locais, porém ao longo do texto ele aponta que há também a tendência contrária, fortalecendo a identidade local e criando formas de interação entre o global e o local. Essas relações, conforme o autor, acontecem de forma desigual ao redor do mundo, devido a fatores econômicos e políticos, e isso provoca um impacto nas relações locais. Por conta dessas relações desiguais, a globalização também pode ser percebida como um fenômeno vindo do ocidente, pois são as sociedades ocidentais (incluindo o Japão) que produzem o conceito de globalização. Isso gera um movimento de pessoas em direção a essas potências, criando migrações e novos grupos dentro dos estados- nação, o que faz com que as opções de identificação cultural nessas sociedades aumentem. Por outro lado, as sociedades fora do centro também são impactadas por esse movimento, agregando aspectos dessa globalização ocidental. Essas transições de identidade trazem reflexões sobre o conceito de identidade em si, e a partir disso o fortalecimento das identidades locais ou a criação de novas identidades, dois fenômenos descritos no texto como Tradição – onde a identidade é fechada nela mesma e portanto não aceita novos aspectos, buscando restaurar conceitos percebidos como “perdidos” – e Tradução - na qual se observa que a identidade é ligada ao contexto, e portanto seus conceitos devem estar sujeitos à mudança. No capítulo final, Hall postula que esses sincretismos, ainda que gerem poderosas fontes criativas, têm sido também criticados por frentes que buscam a restauração de sua identidade como “pura” e “coesa”. São citados como exemplos o crescimento do fundamentalismo e os movimentos separatistas dos estados Bálticos, impulsionados pela ideia de um estado-nação unificados. Essa ambição pela criação de um estado unificado e culturalmente homogêneo é apontada como problemática pelo autor, que destaca a existência de minorias dentro desses estados que se identificam com outras culturas. Por fim, reforça-se que tanto o liberalismo quanto o marxismo previam que o apego a essas identidades étnicas ou nacionalistas seria substituído por valores mais universalistas. Entretanto, a globalização não produziu esse efeito, tampouco gerou a persistência das identidades locais em sua antiga forma. Assim, percebe-se que a globalização em si não é um processo homogêneo, portanto não poderia produzir resultados que o fossem.