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Universidade Federal de Ouro Preto

Instituto de Ciências Humanas e Sociais


Departamento de História

Arianne Maria Azevedo Tavares


Daniel Borba Lopes
Gabriel Filipe Matos dos Santos
Iany Ferreira Maia
Isabela Oliveira Valente
Luisa Sabina Robles Aceves
Manoela Bicalho Martins de Carvalho
Maria de Queiroz e Melo
Mariana Góes Vilar Garcia
Mateus Góes Vilar Garcia
Pedro Portuense Giacomin
Rian Silva da Cruz
Thiago Luiz de Matos

Irmandades coloniais da Capitania de Minas Gerais, dos séculos XVIII-


XIX: aspectos culturais e religiosos

Mariana
2018
Arianne Maria Azevedo Tavares
Daniel Borba Lopes
Gabriel Filipe Matos dos Santos
Iany Ferreira Maia
Isabela Oliveira Valente
Luisa Sabina Robles Aceves
Manoela Bicalho Martins de Carvalho
Maria de Queiroz e Melo
Mariana Góes Vilar Garcia
Mateus Góes Vilar Garcia
Pedro Portuense Giacomin
Rian Silva da Cruz
Thiago Luiz de Matos

Irmandades coloniais da Capitania de Minas Gerais, dos séculos XVIII-XIX: aspectos


culturais e religiosos

Mariana
2018
1 AS IRMANDADES

Nosso objetivo neste trabalho é abordar as características gerais das irmandades


coloniais na Capitania de Minas Gerais no século XVIII, com foco na Irmandade do Rosário
dos Pretos, qual será feita a análise com base em suas documentações: o Livro de Atas e Termos,
e, no Livro de Entradas da Irmandade do Rosário dos Pretos.
Segundo o autor Caio César Boschi, nas Minas Gerais setecentistas, a religiosidade e a
sociabilidade se correlacionam, não obstante, se interpenetram; as cerimônias religiosas, desde
seus primórdios, são formas de convívio social. Conforme dito por Gehlen1, o convívio entre
os homens converge para criação de ordens e regras, os quais os mecanismos orientadores, são
formados em sua esfera instintiva. A partir da relação mútua, os comportamentos humanos
tendem a transparecer certas figuras, que se fixam em “estruturas estereotipadas”, na qual são
modelos para as instituições (BOSCHI, 2007). Assim, se têm a gênesis social das irmandades.
Com o “achamento” de ouro nos finais do século XVII, no território que, posteriormente,
viria a se tornar a capitania de Minas Gerais, a população que ali começava se formar nutria
fortes sentimento de insegurança e instabilidade, segundo Boschi. Sem o apoio institucional do
Estado, estes homens voltaram-se para a religião. Ressalta-se que na recém explorada área das
Minas Gerais, não houve sistemática política de catequese ou trabalho missionário, assim, a
Igreja Católica, como instituição, não se fez presente nesse espaço, no início dos setecentos; a
presença católica se deu de maneira individualizada, por meio de seus eclesiásticos. Tal
presença, pode-se dizer, aconteceu de maneira expressiva, pois dez anos após o descobrimento
do ouro, a Coroa promulgou textos cerceadores e proibitivos quanto à fixação de religiosos e à
construção de estabelecimentos que abrigassem congregações religiosas (BOSCHI, 2007); tal
promulgação derivava de outros motivos, nas palavras de Boschi:

Claro é que essa legislação não se deveu tão-somente a isso. O enfático


envolvimento de eclesiásticos com o comércio e com o abastecimento, sua
aversão em se submeter ao pagamento dos tributos régios próprios à
população, a ‘escandalosa relaxação dos costumes’ são alguns dos motivos
que explicam a decisão régia de tolher a livre circulação de religiosos nas
Minas Gerais Setecentistas. [...] opostamente ao que se observa e se constata
em outras partes do império colonial português, se não em todo ele, na Minas
Gerais colonial as ordens religiosas não tiveram lugar nem espaço. (BOSCHI,
2007, p.60).

1
Arnold Gehlen, filósofo e sociólogo alemão.
Sob primeira associação como “confrarias”, na medida em que a sociedade se
complexou e se estratificou, logo foi atribuído o termo “irmandades”. Em meados dos
setecentos, com a intensificação da estratificação social, reconheceu-se também as chamadas
Ordens Terceiras. Segundo Boschi, nem sempre eram nítidos os traços distintivos entre as
diferentes associações, por conta de seus textos normativos não se fixarem com exatidão, assim
como os próprios congregados não tinham total discernimento a respeito dessas. No âmbito
jurídico, as naturezas organizacionais se impunham, nas palavras de Boschi:

[...] de acordo com as Ordenações Filipinas, tornava-se essencial que as


associações leigas definissem sua natureza jurídica: aquelas que fossem
fundadas por autoridades e com o consentimento dos bispos, a estes deveriam
prestar contas de seus atos; aquelas instituídas e administradas exclusivamente
por leigos, se subordinavam às orientações e à fiscalização de autoridades
seculares. Nesse caso, cumpria ao Ordinário cuidar apenas das indeterminadas
“cousas pias” das associações. Ressalva-se que, na prática e com constante
fortalecimento do regalismo, esses parâmetros não foram observados à risca.
(BOSCHI, 2007, p.62).

Conforme pode-se perceber, também, nos títulos II e III, do segundo livro, das
Ordenações Filipinas, respectivamente citados:

E por quanto algumas pessoas se fazem da Terceira Ordem de S. Francisco,


ou Irmãos de algumas Ordens, para se escusarem de servir nas cousas, que por
nosso serviço e bem do Reino lhes mandão fazer, e para se exemptarem da
nossa jurisdição: mandamos, que em nenhum modo sejam escusos de servir,
e lhes não guardem privilegio, que alleguem por assi serem da dita Terceira
Ordem ou Irmãos de algumas Ordens. Porem, se alguns da Terceira Ordem
viverem em communidade em algum Oratorio juntamente, com a autoridade
do Papa, ou do Prelado, aos taes havemos por bem, que lhes sejam guardados
seus privilegios, segundo for achado per Direito. (ALMEIDA, 1870, p. 422)

Da maneira, em que El Rei poderá tirar as cousas, que delle tiveres os que
livrarem por as Ordens, que não forem pelo Ecclesiastico diretamente punidos.
[...] El Rei Dom Affonso o Quinto [...] ordenou (não para que se publicasse
por Lei, mas para usar da tal determinação, em quanto a achasse boa e
proveitosa), que quando em seus Reinos e Senhorios alguns Clerigos de
Ordens menores, ou Sacras, ou Beneficiados, Commendadores, e outros
Religiosos, e pessoas da jurisdição Ecclesiastica, fossem culpados em
malefícios, e julgados pelo Ecclesiastico, e não fossem punidos, como per
Direito e justiça deveriam ser, e o dito Senhor o soubesse em certo, elle, não
como Juiz, mas como seu Rei e Senhor, por os castigar, e evitar que taes
maleficios se não commettessem, os lançaria de seus moradores, e tiraria as
Terras, Jurisdições, Castellos, Officios, Vassalagens, Privilegios, Tenças e
moradias, que delle, ou de seus antecessores de graça [...]. (ALMEIDA, 1870,
p. 423).
No título II pode-se notar o esforço na diferenciação das irmandades para com as
entidades eclesiásticas, inclusive no resguardo de privilégios, que só lhes eram concedidos se
fossem associados com oratórios, autorizados pelo Papa. No título III, pode-se notar, conforme
proposto por Boschi, a submissão das ordens à autoridade das entidades eclesiásticas, como
também à vontade da Coroa, “não como Juiz, mas como seu Rei e Senhor”.
As Ordens Terceiras, conforme visto nos documentos, tinham certas particularidades,
eram associações calcadas na perfeição da vida cristã de seus membros; os terceiros se
vinculavam a uma ordem religiosa, a qual servia como modelo de regras de vivência cristã.
Assim, sua existência estava sujeita à aprovação das ordens religiosas (BOSCHI, 2007).
Importante ressaltar o caráter de status social do agremiado, as terceiras se caracterizavam por
ser associações de agremiados providos das mais elevadas camadas sociais da Capitania2.
Assim, com participação indireta dos eclesiásticos (por meio de contratações, para
celebrações religiosas), as irmandades foram responsáveis pela implementação da vida religiosa
no cotidiano mineiro, assim como pelo seu financiamento. Sobre o âmbito do sustento
econômico das Irmandade, tal organização se dava em doações feitas por donatários
particulares ou pedidos à Coroa, estes feitos nos primeiros trinta anos de Setecentos
(SCARANO, 2002, p.66). Vejamos na afirmativa da autora Scarano:

conforme dissemos, não foi o dízimo o que pagou tais construções, ou


sustentou o culto e as associações religiosas. estas deviam contar com seus
próprios recursos. casualmente recorriam à coroa, pedindo "huma ajuda de
custo pª satisfação de huma divida com q seacha a dª irmand.e das obras q'
tem mandado fazer na capella mor da igreja matriz (SCARANO, 2002, p.66)

Muitos daqueles que participavam da Irmandade obtinham uma mensalidade dos


senhores cuja vontade era contribuir para a conversão dos escravos e colonos. Essas
contribuições financeiras eram essenciais para manter as associações funcionando. Além do
mais, quanto mais bem vista, maior sua notoriedade. A Irmandade do Rosário, por exemplo,
alugava casas para um maior lucro na comunidade. Havia também outros meios de arrecadação
monetária, como aluguel de escravos e empréstimos à população (SCARANO, 2002).
No âmbito da implementação religiosa, a religião é, indubitavelmente, um importante
aspecto a ser considerado quando tratamos das Confrarias. No século XVIII, em Minas Gerais

2
Pode-se sugerir que, também, conforme visto nas Ordenações Filipinas, por conta de os terceiros serem da alta sociedade,
terem tratamento diferenciado na jurisdição.
o catolicismo era grande influente sobre a sociedade. Ainda que houvesse um caótico cenário
nesse período de mineração, os fiéis não deixavam de prestar homenagens aos santos e à Deus.

Nesse sentido, as Irmandades são testemunhos de religiosidade e fé. A influência da


igreja ao comportamento social da população se dá por meio de representações místicas nas
missas, na arquitetura (o Barroco como exemplo), e nas crenças do céu e inferno. Deste modo,
a garantia de um funeral digno também era visto como algo valoroso para a Confraria, de forma
que a associação do Rosário logo tratou de construir sua Capela, assim como podemos analisar
no documento referido:

Aos quatorze dias do mês de Maio de 1752 se deitou a primeira pedra da nova
capela de N. S. do R desta Irmandade, cujo ato celebrou o Exmo. Inv. D. Fr.
Manoel da Cruz, primeiro Bispo deste Bispado, com toda a solenidade, foi
conduzida da ponte do Monçú, donde se estava sem um altar, pelo D. Silvéio
Teixeira juiz de fora desta cidade[...]. (Livros de Atas e Termos da Irmandade
de N. Sra. do Rosário dos Pretos, AECM, FL.3v).

Neste trecho, pode-se notar a primeira moção para construção da capela de N. Sra. do
Rosário, a qual teve participação direta das irmandades. Então, posteriormente, foi requerido
ao Bispo de Mariana a permissão para sepultar os membros da Irmandade no local. Conforme
Scarano, "Enterrar dignamente seus mortos constituía uma das preocupações máximas da
associação" (SCARANO, 1975, p.55).
Todos os associados eram obrigados a comparecer aos funerais dos membros falecidos
sob pena de ser desligado da irmandade. O sepultamento era garantido em solo sagrado e o
espaço que o túmulo ocupava dentro da igreja revelava a condição e a influência do sujeito,
quanto mais próximo do altar melhor era sua condição. Apenas a irmandade de Nossa Senhora
do Rosário enterrou pretos no interior de sua igreja (CRUZ, 200, p.12).
Segundo Boschi, não se pode determinar com exatidão a data em que as irmandades
foram criadas, embora se possa estimar, partindo do pressuposto de que os fiéis se congregavam
às sombras dos templos, com o estudo das antigas capelas. As igrejas, para além das práticas
religiosas, eram os centros da vida social e comercial; em torno delas os primórdios da
sociedade mineiras se organizaram, sob o ímpeto da religiosidade. Como já abordado, as
irmandades eram as mantenedoras das capelas, logo, exprimiram função e papel nuclear da
promoção das sociabilidades coloniais mineiras, precedendo ao Estado e à Igreja como
instituições; na criação das primeiras vilas por Antônio de Albuquerque, em 1711, sua presença
e atuação eram incontestáveis.
As autoras Hespanhol e Moreira, em sua obra, propuseram o conceito de “lugar”, como
espaço geográfico atribuído de sentido pelas relações humanas ali instituídas. Nas palavras das
autoras: “A identidade, o sentimento de pertencimento e o acúmulo de tempos e histórias
individuais constituem o lugar. Este guarda em si o seu significado e as dimensões do
movimento da história, apreendido pela memória, através dos sentidos.” (MOREIRA;
HESPANHOL, 2007, p.54). Pode-se sugerir que as irmandades tiveram o caráter constituidor
da atribuição de sentido ao espaço da Capitania de Minas Gerais, o qual torna-se lugar. Diante
uma heterogênea sociedade, segundo Boschi, é normal que se floresçam diferentes instituições
associativas, impulsionadas pela vontade da prática de celebrações religiosas em comum; o que
se expressa na escolha dos oragos das irmandades. Essa escolha surgia espontaneamente dentre
os agregados, estando relacionada às origens sociais dos irmãos. Importante ressaltar que,
devido à exploração aurífera, maior parte da população de Minas Gerais na época era cativa
africana. Para se ter ideia de tamanho número de cativos, 20% da escravaria da América
Portuguesa na virada para o século XIX se encontrava na Capitania (BOSCHI, 2007). Esse
número reflete na predominância dos oragos invocados pelos negros nas fraternidades mineiras,
como Nossa Senhora do Rosário3, que estava presente em 19,31% das irmandades coloniais
mineiras.
Como já observado, a Irmandade do Rosário dos Pretos, era composta por certas
características que as diferenciava das demais. A Irmandade do Rosário não gozava de
hierarquias. Por conseguinte, todos eram portadores dos mesmos direitos, independentemente
se fossem escravos ou libertos. Mas o cargo de talvez mais prestígio na comunidade era o de
rei ou rainha, normalmente ocupado por escravos. Há ainda uma linha de historiadores que
dizem que, após serem reis ou rainhas, esses escravos eram alforriados por tamanha honraria.
Nessa perspectiva, a coroação desse rei ou rainha era denominada "Coroação do Rei do Congo"
e acontecia em várias partes Antigo Sistema Colonial. Estima-se que essa comemoração se
iniciou na mesma época dos Congados no século XVIII. Importante, ressaltar também nesse
trabalho, algumas características gerais dos Congados.
O congado era uma tradição presente em várias irmandades negras, e acontecia no dia
da festa de Nossa Senhora do Rosário; esta prática servia para manter vivas suas raízes
africanas. Trata-se de um tipo de bailado ou dança, com cantos e músicas, em que é representada

3
Tal escolha provinha: ”[...] pela afinidade epidérmica, seja pela igual ou próxima origem social e geográfica,
seja pela identificação com suas agruras terrenas. Até porque, supunha-se, os santos dos brancos não saberiam
compreender os dissabores e os sofrimentos dos negros”(BOSCHI, 2007, p. 66-67).
a coroação do rei negro: “Rei e Rainha do Congo representavam um sistema de governo
africano na medida em que possuíam autoridade sobre seus súditos e preservavam aspectos
culturais e sociais da África, contribuindo para a integração e solidariedade dos negros no
Brasil.” (QUINTÃO, 2000. p.166). Na cerimônia de coroação do rei do Congo aconteciam
danças que eram coreografadas e regidas pelas rainhas auxiliares, valsares e contramestres, cada
qual com uma função determinada na condução do ritual. O rei constituía a figura central digna
de prestígio e possuía adornos que valorizavam sua posição:

A autoridade máxima é a do rei do Congo, podendo essa dança ser associada


às congadas. Sua roupa se distingue das outras e ele traz uma coroa na cabeça,
feita de papelão, fibra natural ou lata, e uma vara, símbolo do seu poder. As
rainhas e valsares têm capacetes feitos dos mesmos materiais e enfeitados com
flores de papel colorido. Penas de arara também enfeitam a coroa do rei e os
capacetes dos valsares. (SOUZA, 2002, p.133).

Entretanto, nem todas as danças e rituais eram aceitos pela sociedade lusitana, algumas
manifestações que se assemelhavam ao calundu eram reprimidas e demonizadas por
constituírem rituais com oferendas (sangue animal, bebidas e comidas) e possessões por
entidades. Esses tipos de práticas eram precedidos pelo som de tambores e danças conhecidas
como batuques ou jongos. Já as danças que precederam a coroação do rei negro eram aceitas
pois se relacionavam com os santos padroeiros das irmandades pertencentes à comunidade
negra e católica. Essa celebração era acompanhada pela figura do pároco local e dos senhores,
que supervisionavam o processo celebrativo. As irmandades negras tornaram possível uma
revitalização das referências culturais africanas, uma exteriorização de suas tradições e
costumes de origem.
As divisões das irmandades poderiam se dar pela “nação”, termo explicado por Célia
Maia Borges: “No século XVIII o termo “nação, empregado para qualificar a origem do
escravo, podia referir-se ao lugar de procedência, porto de embarque, ou a grupos étnicos de
origem. Em alguns livros das irmandades consta, p. ex, o registro da entrada de João, de nação
“Benguela” e assim sucessivamente. [...]” (BORGES, 2005, p. 121). Pode ser constatado tais
classificações na documentação do Livro de Entradas da Irmandade do Rosário dos Pretos,
entradas de um a cem, conforme será abordado posteriormente. De acordo com o texto de
Teresa Cristina de Carvalho Cruz: “As irmandades religiosas de africanos e afrodescendentes”,
as irmandades, eram geralmente organizadas por grupos que eram devotos do mesmo santo.
Em algumas dessas irmandades poderiam se associar membros de diferentes classes sociais, de
diferentes cores, profissões e posição na hierarquia social.
2 AS IRMANDADES RELIGIOSAS DE AFRICANOS E AFRODESCENDENTES

Na história cultural do Brasil, as irmandades representam uma expressão da relação


entre a população de origem africana e a elite senhorial. Para trabalhar a questão sobre as
irmandades religiosas de origem africana. Segundo Teresa Cruz, o papel que as associações
apresentam é tanto em relação à propagação de valores, quanto meio que possibilitava a
inserção de africanos, sejam eles negros ou pardos.
Mesmo que as irmandades africanas estivessem atreladas às portuguesas, elas
apresentavam características próprias em suas celebrações em louvor a Nossa Senhora do
Rosário, conforme já abordado; além de preservarem suas tradições africanas nas irmandades,
eles incorporavam suas posições sociais nas canções, conciliando através de uma negociação,
a celebração de festividades à santos católicos, e, ao mesmo tempo recuperando tradições
africanas míticas e religiosas. Observamos, então, a contradição existente dentro da Igreja
Católica: a aprovação da escravatura coexistente com uma exigência de que o escravo fosse um
fiel fervoroso e igual aos demais ao seguir os dogmas eclesiásticos.
Sob essa ótica, devemos também analisar a carga preconceituosa que os negros e pardos
eram submetidos. Uma exemplificação desse fator é que eles eram proibidos de ingressar no
sacerdócio4. Na Irmandade Nossa Senhora do Rosário, no entanto, pouco se viu esses casos,
visto que o lema da associação era a paz entre todos os membros.
Logo, percebemos que, apesar da obrigatoriedade da conversão dos negros ao
catolicismo, as tradições africanas permaneceram, de maneira difundida, nas Irmandades. As
festas são um grande exemplo disso, primordialmente a de Nossa Senhora do Rosário, na qual
costumes africanos eram manifestados durante a celebração.
É cabível discutir, com mais detalhes, o funcionamento de uma irmandade
afrodescendente, que se dava em uma ajuda mútua, ou seja, seus membros contribuíam, como
por exemplo, as taxas anuais, doações de joias, como também, heranças de defuntos. Tal
constatação pode ser vista no testamento de Josefa Maria Martins, na qual ela doa parte de seus
bens para as irmandades. Assim, a irmandade realizava assistências a eles quando doentes,
presos, famintos ou quando mortos.
Como estratégia de controle, a elite senhorial, todas vezes, procurava participar das
irmandades de cor. As possíveis razões de as elites poderem participar das irmandades de
pretos: para que eles pudessem cuidar de seus livros uma vez que não tinham instrução para

4
No âmbito jurídico, tal condição era via de regra, mas, importante ressaltar que, na prática, era diferente.
escrever e contar, para receberem generosas doações, ou por imposição. Não obstante, o valor
da taxa de admissão e outras contribuições pagas eram significativamente maiores para os
membros brancos. A presença de brancos nas irmandades negras era uma prática comum em
todo a América Portuguesa.
Muitos dos membros das confrarias as integravam para terem garantidos um enterro
luxuoso, com pompa e ostentação, dessa forma, fazer parte de uma irmandade era muito
associado a boa situação social. Portanto, uma das causas que levava as pessoas a fazerem parte
dessas instituições era a preocupação com o “bem morrer”. Logo, se por um lado, fazer parte
de uma irmandade levava a uma maior integração do afrodescendente na sociedade, por outro
lado estar dentro da lei diminuía a possibilidade de revoltas coletivas e reunidos em grupo,
ficava mais fácil controlá-los, conforme dito por Boschi:

Para o colonizador, tratava-se de utilizar mecanismo ideológico que


transmitia às populações negras falsa sensação de igualdade social. Ao
proclamar a ideia de que a todos era permitida a formação de uma ou mais
associações, a Coroa tinha por meta anunciar uma presumível igualdade de
oportunidades. Raciocínio falacioso, logo se vê, pois, igualar os homens
perante Deus não invalidava a desigualdade existente entre eles, enquanto
corpo social. Na ótica do Estado absolutista, a ideologização das irmandades
permitia-lhe perceber e, por decorrência, canalizar a seu favor ou arrefecer
com maior facilidade as manifestações sociais que lhe eram adversas.
(BOSCHI, 2007, p.70).

Como, também, por Cruz: “Logo, se por um lado as irmandades religiosas foram uma
forma de manifestação dos menos favorecidos, por outro também foram um grande mecanismo
de mascaramento de suas lutas e reivindicações.” (CRUZ, 2007, p.11). Assim, a ser considerado
nesse contexto, que nem sempre as irmandades dos pretos lutavam pela liberdade por meio da
alforria. Isso deve-se à lógica escravocrata na qual eles estavam inseridos, ou seja, eram mais
propícios a buscar o enriquecimento e a alforria individualmente e não como um bem-comum.
Posteriormente, os negros tentavam se inserir nessa sociedade branca e com os mesmos
princípios, conforme apontado por Scarano.

3 Livro de Entradas da Irmandade do Rosário dos Pretos

No Livro de Entradas da Irmandade do Rosário dos Pretos pode-se constatar alguns dos
pontos acima abordados. Com o registro das entradas de um a cem da irmandade, recorte que
se encontra entre os anos de 1750 – 1753, se têm informações sobre o nome do ingressando,
sua condição social ou dono (no caso de escravos), a sua “nação5”, a taxa paga, sua moradia,
cargo ocupado pelo mesmo na irmandade e algumas observações. Conforme registrado no
documento, sobre a condição social dos irmãos, que contrastada com a lógica escravocrata
dessa época, nota-se uma informação relevante: quatro dos cem irmãos ingressaram à
irmandade juntamente a seus donos, pretos forros; Rosa Soares Bernardes, preta forra, dona
Izidora; Maria Ferraz de Azevedo, preta forra, dona de Francisca Ferraz de Azevedo; Maria
Mansa, preta forra, dona de Maria Mansa (nota-se uma escrava com mesmo nome de sua dona);
Maria Pinto da Silva, preta forra, dona de Ignácia Soares Bernardes. Pode-se sugerir tal fato se
deu por conta que, por serem também pretos, os senhores forros decidiram ingressar junto a
seus escravos; ou, conforme já abordado, ingressaram juntos para fins de coerção sobre seus
escravos. Importante ressaltar, também, a quantidade dos pretos forros na Irmandade do Rosário
dos Pretos, que eram a maioria: 54 dos pretos eram forros.
Conforme já apontado sobre o conceito das “nações” nas classificações dos pretos, pelo
Livro de Entradas da Irmandade do Rosário dos Pretos se têm um registro importante que, por
conta de o escravo, normalmente, ser desassociado de sua cultura e de sua origem, era-se
omitido (ou até mesmo, pode-se sugerir que não havia interesse em se registrar); tal registros
estão no âmbito do documento da “Nação”. Nota-se a diversidade cultural e etnológica presente
na Irmandade do Rosário dos Pretos, conforme o gráfico representa; constata-se a
predominância dos pretos de Mina, seguido pelos de Angola e Couranos:

Tabela 1 – Nações da Irmandade do Rosário dos Pretos, entradas 1 a 100.

"Nações"

Não Consta
10 21 17 Mina
11 Crioulo

7 Angola
Courano
52 Cabo Verde
Cabré (?)

Fonte: Livro de Entradas da Irmandade do Rosário dos Pretos - AECM

5Conforme já citado: “nação, empregado para qualificar a origem do escravo, podia referir-se ao lugar de procedência, porto
de embarque, ou a grupos étnicos de origem. Em alguns livros das irmandades consta, p. ex, o registro da entrada de João, de
nação “Benguela” e assim sucessivamente. [...]” (BORGES, 2005, p. 121).
Portanto, a diversidade de costumes e tradições eram das mais variadas, mesmo que
constituíssem uma só irmandade. Assim, mesmo com a condição cultural e racial heterogênea,
a intenção era a formação de uma confraria homogênea, coesa:

a quantidade de etnias diferentes não levou a irmandade a uma desagregação.


sentimos ao contrário que se empenhava ela em brilhar como um todo e em
competir com as confrarias de brancos. Talvez a disparidade de "nações"
fizesse com que as confrarias da demarcação não se empenhassem
grandemente em conseguir vantagens para os escravos como tais, ao contrário
de suas congêneres portuguesas. (SCARANO, 2002, pág. 110)

3.1 Testamento da defunta Josefa Maria Martins

No testamento de Josefa Maria Martins, defunta, de testamento aberto em 06/09/1754,


preta forra6, pode-se notar uma das características da forma que se financiava as irmandades: a
herança deixada por agremiados. Em seu testamento, Josefa deixa registrado as suas vontades
de como deveria ser feito seu enterro, e, onde será sepultada; vontades essas, direcionadas para
as irmandades. Conforme pode-se notar neste trecho:

[...] meu corpo será sepultado nesta Capella de Nossa Senhora da Glória deste
Arrayal com mortalha na fábrica de São Francisco ou de Nossa Senhora do
Carmo com [-] que o – por – em acompanhará o meu reverendo parocho e o
seu – todas missas por minha alma no dia de meo enterro por donde ser aliás
no seguinte pagº [-] felhe decendo a esmola de [-] usmado. E passa o chão da
Irmandade de São Miguel e Almas e aos mais irmãos queirão levar meo corpo
a Sepultura na tumba da dita Irmandade a quem deixo duas oitavas de ouro de
esmola para me fazer em seo benefício o meo companheiro do – Irmandade
de Nossa Senhora da Glória e do – Arrayal. [...]. (COD:106 / AUTO: 2183,
1754).

Além de suas vontades, Josefa ressalta a quantia de valores que devem ser repassadas a
diversas irmandades, conforme constata-se neste trecho: “[...] Deixo sinco oitavas de ouro de
esmola para as obras de nossa Senhora da Glória deste Arryal com – sinco oitavas para as obras
da irmandade de nossa senhora do Rosário da numa – seu benefício de acompanharem meu
corpo a sepultura. [...]”. (COD:106 / AUTO: 2183, 1754).

6
Pode-se constatar que é uma preta forra pelo trecho: “Declaro que sou nascida do gentio da guiné da Costa da Mina e que
fui captiva de Bras Martins que sou forra como consta da carta de alforria que o dito meu senhor me passou por tres livros de
ouro que lho dei [...]” (COD:106 / AUTO: 2183, 1754). Pode-se notar, conforme já abordado pelo gráfico 1, mais uma preta
forra provinda da Mina.
*

Por fim, a realização desse trabalho permitiu um maior conhecimento dos aspectos
culturais, sociais e religiosos associados à atuação das irmandades na sociedade colonial nas
Minas Gerais. Ao realizar um recorte historiográfico sobre as confrarias de homens pretos,
ainda é possível reconhecer a importância das celebrações ritualísticas, como o congado e a
coroação de reis africanos, na manutenção da ordem social e na preservação de símbolos
culturais desses povos, bem como a função representativa de alguns deles. Dessa forma, foi
possível permitir a esses povos, nesse contexto, mesmo sendo escravizados, uma forma de
representação social, e de manifestação da sua religiosidade, adaptada mesmo com a imposição
do catolicismo.

.
REFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FONTES:

Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana:

Livro de Atas e Termos – Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.

Livro de Entrada – Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.

Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Marianha – Iphan:

COD:106 / AUTO: 2183, 1754.

Fontes impressas ou disponíveis online

Ordenações Filipinas, vol. 2; Edição de Cândido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro de 1870, p.422 –
424. Disponível online em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l2ind.htm. Acesso em: 03/07/2018.

LIVROS E ARTIGOS:

BORGES, Célia Maia. Escravos e libertos nas irmandades do Rosário: devoção e solidariedade em
Minas Gerais - séculos XVIII e XIX . Juiz de Fora: UFJF 2005.

DE CARVALHO CRUZ, Tereza Cristina. As irmandades religiosas de africanos e afrodescendentes.


PerCursos, Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 03-17, jan./jun. 2007. Disponível em:
http://www.periodicos.udesc.br/index.php/percursos/article/download/1525/1287. Acesso em
23/07/2018.

BOSCHI, Caio César. Irmandades, religiosidade e sociabilidade. In: DE REZENDE, Maria Efigênia
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