Sunteți pe pagina 1din 11

132 A N I n d I' o I (1 I A

A A n t r o p o l o g i a Política t e m m u i t o a conlril)uir para a conipiccii',.!! i


desses m o v i m e n t o s sociais. E l a r e c o n h e c e as d i m e n s õ e s de \nnU\
presentes e m todos eles, n ã o s ó c o m o ideologias, mas c o m o pralK.c.
sociais, que resultam e m interesses e a ç õ e s políticos. Por sua vez,
reconhece a tessitura social e cultural que está presente nesses
movimentos sociais, e c o m o estão conectados a questões políliciis
m a i o r e s , de disputas s o b r e n a c i o n a l i d a d e , d e influência e c o n ó m i c a e de R.EL1GIÀO, RirUALS E MITOS
p o d e r e n t r e n a ç õ e s . N e s s e s e n t i d o , a n o ç ã o d e g l o b a l i z a ç ã o , q u e lui|c'
em dia favorece a crença de que os m o v i m e n t o s sociais estão acima ilos
m o v i m e n t o s políticos, p o r atravessarem fronteiras nacionais, é desafiada
p e l a A n t r o p o l o g i a Política, q u e a s u b m e t e aos c o n t o r n o s d a a ç ã o dos
poderes nacionais, dos interesses de classes sociais, d a d i m e n s ã o humaii.i
corriqueira e imediata que, afinal, não deixa de dar sustentação v
intencionalidade a todo movimento.

^ ' / l < «5,,.

ANTROPOIÍXIIA l i KELKUÀO

Se D e u s existe o u n ã o é q u e s t ã o q u e a A n t r o p o l o g i a n ã o ousa
enfrentar, q u a n t o m a i s r e s p o n d e r . É q u e s ã o tantas as culturas e tantas
as forma s de r e c o n h e c e r a d i v i n d a d e , o A b s o l u t o , o t r a n s h u m a n o , a q u i l o
q u e está a l é m d a v i d a c o t i d i a n a , q u e a A n t r o p o l o g i a se sente como
uma grande m ã e q u e a c o l h e todos, acata os sentimentos e as visões de
todas as religiões. U m deus, u m p a n t e ã o de deuses, espíritos d a água
e do fogo, da onça e da hiena, tudo, enfim, tem sua vivência e
c o n s i s t ê n c i a e e s t i m u l a c r e n ç a e f é . C o m o já d i s s e D u r k h e i m , o s o c i ó l o g o
francês q u e tanto c o n t r i b u i u p a r a os estudos sobre a religião, "toda
religião é v e r d a d e i r a " .
A Antropologia da Religião é u m a especialidade d a Antropologia
q u e trata d e s s a g r a n d e q u e s t ã o . D e r e b o q u e , trata d e a s s u n t o s como
rituais, m e s m o q u a n d o n ã o s e j a m necessariamente d e o r d e m religiosa,
1 e d o relacionamento d a religião c o m as outras d i m e n s õ e s d a cultura, d a
identidade das pessoas aos interesses e c o n ó m i c o s . É u m a tarefa de largo
espectro, q u e se t o r n a m a i s realizável e m v i r t u d e d e ser c o m p l e m e n t a d a
p o r outras grandes disciplinas, c o m o a Sociologia d a Religião, a Filosofia
e a própria Teologia.
A p a l a v r a religião, c o m o l e m b r a m os teólogos, v e m d o latim re-ligare,
que quer dizer mais o u m e n o s o sentimento de voltar a algo inerente ao
K I I I <. I A n , |i I I II A I I M I I < > . I l'i
134 A N I K t ) I' t l I ti I A

h o m e m , o q u a l o h o m e m t e r i a p e r d i d o . T a l v e z t e n h a .sido s u a e.s.seiu i,i ( ) S A C K A D O li O PROFANO


p r i m o r d i a l o u s u a finalidade última. O paraíso p e r d i d o o u o t e m p o c m
Q u a k j u e r pessoa sabe q u e , ao entrar n u m a igreja, e x p e r i m e n t a algo
q u e s e u p e n s a m e n t o c o i n c i d i a c o m s u a v i v ê n c i a - m a l c o m p a r a n d o , i.il
i|ue p o d e s e r c h a m a d o d e sagrado, enquanto entrar n u m bar t e m algo
q u a l o s a n i m a i s e s e u s i n s t i n t o s , o u t a l q u a l i m a g i n o u o f i l ó s o f o grej^o
l i e profano. A igreja diz respeito a coisas religiosas e o bar a coisas
Parmênides q u a n d o disse q u e "ser e pensar s ã o o m e s m o " . O s teólogos
m u n d a n a s , e p a r a c a d a u m a dessas situações a pessoa se comporta
c r i s t ã o s i n t e r p r e t a m e s s a e t i m o l o g i a d i z e n d o q u e a r e l i g i ã o é a b u s c a d< >
ililerentemente. A o sagrado cabe o silêncio, o respeito e a reverência;
reencontro do h o m e m c o m s e u criador, q u e estaria antes dele, q u e seria
ao profano cabe a balbúrdia, a descontração e a irreverência.
a origem de tudo e a essência do todo universal.
T o d a v i a há algo mais que cabe no sentido d o sagrado q u e incute
Os t e ó l o g o s c r i s t ã o s , b e m c o m o o s j u d e u s e o s m u ç u l m a n o s , p e n s a m
lespeito, m a s n ã o d i z respeito v i s i v e l m e n t e à religião. P o r e x e m p l o , n ã o
d e s s a f o r m a s o b r e D e u s ( p a l a v r a q u e i n i c i a m c o m letra m a i ú s c u l a ) e
está n a Bíblia n e m n o s D e z M a n d a m e n t o s q u e u m h o m e m n ã o p o d e se
sobre suas qualidades e atributos, q u e s ã o tudo aquilo q u e d e v e ser c a s a r c o m .sua i r m ã . N o e n t a n t o , n ã o se c o n c e b e tal ato e m nossas
considerado divino. D e certa forma, de m o d o semelhante acontece c o m sociedades, n e m e m n e n h u m a sociedade humana, como vimos no
os teólogos das religiões das grandes civilizações, c o m o o hinduísmo e capítulo "Cultura e seus significados". A Antropologia usa o termo "tabu"
o b u d i s m o , surgidos n a índia, o c o n f u c i o n i s m o e o taoísmo, da C h i n a , para e x e m p l i f i c a r essa atitude de recusa ao incesto. T a b u q u e r dizer,
e o xintoísmo, do Japão, que almejam a incorporação do sentimento de e m língua originária d a s ilhas d o Pacífico S u l , "proibição", "interdição",
religação com u m Ser supremo, ou c o m a totalidade unívoca da " e x c l u s ã o " . Isto é, s i g n i f i c a o m e s m o q u e " p e c a d o " , e p e c a d o s i g n i f i c a
e x i s t ê n c i a , o u a vivência e m u m a r e a l i d a d e ulterior, sagrada, p o r estar u m a transgressão a algo ditado p o r D e u s , isto é, p e l o sagrado. A s s i m , a
além da realidade empírica, considerada temporária e inferior, além de proibição d o incesto p o d e ser c o n s i d e r a d a u m ato sagrado, m e s m o q u e
sofrida o u trágica. n ã o esteja c l a r a m e n t e e x p l i c i t a d o c o m o tal. ,
Para a Antropologia essa é u m a visão importante, mas, na verdade, Outro exemplo. A o observar c o m intensidade algo que existe na
restrita a u m a s p o u c a s culturas, n ã o obstante as m a i s influentes. C o m natureza, c o m o u m rio caudaloso, u m tufão devastador, u m vulcão e m
efeito, a realidade cultural das religiões é b e m m a i s vasta e diversificada. e x p l o s ã o o u u m pôr-do-sol e s p l e n d o r o s o , a p e s s o a p o d e se sentir t o m a d a
A grande maioria das religiões n ã o t e m especialistas, teólogos, para de u m sentimento absorvente e grandioso, q u e p o d e ser definido o u
interpretar seus sentidos, mas d e p e n d e m d o conhecimento tradicional c o m o p o é t i c o o u c o m o religioso. P o d e - s e d i z e r q u e e m tal m o m e n t o a
e d a c r e n ç a de todos. O i m p o r t a n t e é q u e e m todas as c u l t u r a s existe p e s s o a , ao se entregar à q u e l a visão, e x p e r i m e n t a algo sagrado, cheio
u m sentimento q u e r e c o n h e c e algo q u e está a l é m d a materialidade dela de mistério, que seria, transpondo para u m a l i n g u a g e m antropológica,
própria, além da vida c o m o é vivida. T a l v e z possamos chamar o objeto u m a identificação o u incorporação da natureza. •
desse sentimento de Absoluto o u Transcendental, o além do humano, Muitas experiências h u m a n a s têm algo de sagrado. O nascimento de
reconhecendo d e s d e já q u e t a l s e n t i m e n t o n ã o d e i x a d e s e r h u m a n o , u m filho o u a morte de u m pai transporta a pessoa a essa vivência.
p o r ser próprio das culturas. Frequentemente a vivência sagrada é aquela que se dá c o m uma
A A n t r o p o l o g i a , p o r m o d e s t a q u e q u e i r a ser, s e m a l m e j a r d e c i f r a r o c o l e t i v i d a d e , n a q u a l o indivíduo "se p e r d e " , isto é, p e r d e u m tanto d e
mistério religioso, n ã o p o d e se omitir s o b r e a realidade desse sentimento, s u a consciência, e se integra n a totalidade arrebatadora d o coletivo.
d a r e a l i d a d e s o b r e o sagrado, presente e m todas as culturas. Parte d a G r a n d e s oradores, especialmente os religiosos, m a s t a m b é m os laicos,
visão de q u e a religião está e m todas as culturas, sendo, portanto, u m s ã o capazes de fazer as pessoas v i v e r e m u m sentimento muito intenso,
fundamento essencial d o h o m e m . P o u c o discute sobre o que é o sagrado " c o m u n g a r e m " u n s c o m os outros desse sentimento de integração
e m si, a n ã o ser e m contraste c o m o p r o f a n o , m a s b u s c a d e s c r e v e r e coletiva. Isso t a m b é m é sagrado. A s religiões constituídas b u s c a m manter
e x p l a n a r as v a r i a n t e s multifárias d e s s a m a n i f e s t a ç ã o e c o n s t i t u i r u m o espírito de união entre os seus m e m b r o s até e m a ç õ e s m u n d a n a s ,
significado que demonstre a sua efetividade nas culturas. . .. c o m o a ajuda f i n a n c e i r a , o u a s o l i d a r i e d a d e e m t e m p o s difíceis, m a s o
13í) A N I lí o I' I H i ) i, I A K I I I li I A n , lU I U A I N I M I I M 11/

q u e m a i s q u e r e m é f a z e r o s fiéis v i v e n c i a r e m o s e n l i m e i i l o d o s a ^ i . i i l n
Kl .lAO COMO INSTITUIÇÃO
n o s s e u s r i t u a i s r e l i g i o s o s . A l g u m a s o c o n s e g u e m , a t r a v é s t i e l i i i i . i c , i|i
A k i l l d e d e r i v a r ck) s e n t i m e n t o d o s a g r a d o , a l é m d e s e r u m a d i m e n s ã o
p o s s e s s õ e s , c o m o v e r e m o s adiante, e outras se m a n t ê m m a i s d i s c i v l i i f t i '
I )irst'iiie e m todas as culturas e além de servir c o m o identidade mítica q u e
deixam que cada u m sinta o que p u d e r sentir de sagrado n a SWA
.i).íix'ga p e s s o a s e m t o r n o d e u m a o r i g e m t r a n s c e n d e n t a l e d e u m a f i n a l i d a d e
concentração consigo m e s m o , o u n a sua entrega a u m todo misliiiiIMI
iillima d a existência, a religião é mais frequentemente focalizada c o m o
D u r k h e i m foi dos primeiros antropólogos a analisar e sistemali/ai ,i
uma instituição cultural. U m a instituição cultural é algo q u e se a p r e s e n t a
distinção que todas as culturas f a z e m entre coisas consideradas S(igriiilíi\
i i i l i d a m e n t e n a s o c i e d a d e c o m três atributos: 1 . u m d i s c u r s o , isto é, u m a
e c o i s a s c o n s i d e r a d a s profanas. P a r a ele o s a g r a d o é tuck) a q u i l o (|iic
l u s i i f i c a t i v a q u e l h e d á s e n t i d o e f i n a l i d a d e ; 2. p a r t i c i p a n t e s o u m e m b r o s
está c o l o c a d o à parte das coisas m u n d a n a s , q u e são o p r o f a n o . O sagi-adi i,
<|ue s e a g r e g a m ; e 3- c o m p o r t a m e n t o s e s p e c í f i c o s , i n c l u i n d o r i t u a i s . T o d a
n o f u n d o , origina-se d o sentimento q u e junta as pessoas e as faz s e n l i i
instituição cultural está c o n e c t a d a c o m outras instituições, as q u a i s s ã o
c o m o se p e r t e n c e s s e m u m a s às outras, e m u m a c o m u n h ã o de i d e n l i t h u i c
reconhecidas e m suas especificidades e funções. Todavia, e m muitos casos
coletiva, q u e está a c i m a de c a d a indivíduo. O p r o f a n o é a q u i l o corric]ueii( >
r difícil a n a l i s a r u m a i n s t i t u i ç ã o c u l t u r a l de per si, p o i s e l a e s t á i m b r i c a d a
q u e p o d e s e r c o m p r e e n d i d o e c a l c u l a d o p e l o i n t e r e s s e i n d i v i d u a l . <)
vm o u t r a s i n s t i t u i ç õ e s . I s s o p o d e a c o n t e c e r c o m a i n s t i t u i ç ã o r e l i g i ã o o u
sagrado é aquilo que a cultura, c o m o coletividade, reconhece como
com a instituição e d u c a ç ã o , o u c o m q u a l q u e r outra. D e m o d o que, ao
merecedor de respeito e reverência porque toca a todos. D u r k h e i m viu
tratarmos de religião, c o m o instituição, necessariamente trataremos de
nisso a o r i g e m social d o sentimento religioso. A s s i m , a religião derivaria,
aspectos de outras instituições culturais que lhe estão imbricadas, c o m o a
antes de tudo, d o sentimento de pertencimento d o indivíduo ao coletivo.
política, a e c o n o m i a , a m o r a l , etc.
E x e m p l o s dessa p r o p o s i ç ã o de D u r k h e i m estão e m todas as religiões,
A religião, c o m o instituição, q u e r d i z e r u m conjunto d e crenças e m
d e s d e a s q u e s e b a s e i a m n a c r e n ç a e m e s p í r i t o s q u e r e p r e s e n t a m as
t o r n o d o s a g r a d o , u m m o d o d e r e a l i z a r essas c r e n ç a s , isto é, rituais
coisas da n a t u r e z a , até em religiões que pregam sentimentos
p r ó p r i o s , i n s t r u m e n t o s e / o u l o c a i s p r ó p r i o s , e, n a g r a n d e m a i o r i a d o s
e x t r e m a m e n t e abstratos, c o m o a integração d o indivíduo n o todo que
casos, especialistas q u e se c o m u n i c a m c o m os entes religiosos e os
aparece c o m o o nada, conforme existe no zen-budismo. A sacralização
participantes, que se j u n t a m p e l a m o t i v a ç ã o d a c r e n ç a c o m u m . U m
da sociedade, o u d o coletivo, é s e m p r e u m a abstração. O q u e a c o n t e c e
p o n t o e x t r a q u e se a p r e s e n t a c o m o f u n d a m e n t a l n a religião é q u e ela
com mais frequência é a sacralização de alguma coisa, sejam deuses o u
t e n h a eficácia, isto é, q u e ela seja c a p a z n ã o s ó de d a r sentido ( e m o c i o n a l
espíritos, seja u m a p e s s o a , c o m o s í m b o l o d a s o c i e d a d e . P o r e x e m p l o ,
e r a c i o n a l ) às c r e n ç a s , m a s t a m b é m d e p r o v a r q u e é " v e r d a d e i r a " , o q u e
certos p o v o s africanos, que estavam n o processo de constituir o estado
significa também que produza resultados. Isso é particularmente
c o m o instituição política à parte d a sociedade, e l e v a r a m a figura d o rei,
importante nas questões de pedidos e intercessões e m geral, e t a m b é m
e especificamente seu corpo, à própria representação do estado e da
em q u e s t õ e s d e m a g i a , feitiçaria e c u r a s .
sociedade, tornando-a livre do contato c o m o profano, impoluta,
É certo q u e muitos autores f a z e m u m a distinção clara entre m a g i a e
portanto, sagrada. É nesse sentido t a m b é m que os antigos egípcios
religião, s e n d o a p r i m e i r a c o n s i d e r a d a algo m a i s instrumental e m a i s dirigida
e l e v a r a m o faraó à c o n d i ç ã o de u m d e u s v i v o , u m ser sagrado, por
a certos objetivos. E n t r e t a n t o , m a g i a o u feitiçaria s ã o t a m b é m m o d o s d e
representar a união indissolúvel de todo o p o v o .
c o m u n i c a ç ã o e i n t e r m e d i a ç ã o e n t r e as c o i s a s s a g r a d a s e o s p a r t i c i p a n t e s , tal
k E o p o v o que partilha dessas culturas efetivamente vê, pela fé, pessoas c o m o a religião. N e s s e sentido, a c o m p r e e n s ã o d e u m o u d e u m outro r e q u e r
como seres sagrados. A l g u m a s religiões, c o m o a m o d a l i d a d e católica metodologias semelhantes, c o m o instituições culturais. ,
do cristianismo, transferem o objeto sagrado para figuras, imagens e
ícones, q u e representariam materialmente espíritos q u e estariam v i v o s
ou existentes e m outra dimensão, fora da vida. Escapulários, imagens e RELIGIÃO E MAGIA ' ! V i .•

santinhos tornam-se sagrados, tocados c o m cuidado e beijados com Se e n t e n d e r m o s m a g i a c o m o a a p l i c a ç ã o ritualística d e i n v o c a ç õ e s e


reverência, c o m o se deles e m a n a s s e u m a a u r a sagrada. e n c a n t a ç õ e s de espíritos que p o s s a m intervir e m certos aspectos da
11 M I li I A (1 , 11 I I II A I s I M I 1 o s Li')
I.ÍH A N I it o I' t M (1 u I A

vida social, ela é algo que tem bases comuns com a religião. A do", tornando-se menos emocional e irracional e mais moral e rack)nal.

A n t r o p o l o g i a t e m tradicionalmente tratado desses dois assuntos como E m b o r a c o m diferenças entre si, p o d e - s e dizer q u e os antropólogos

u m a rubrica d u p l a . C o m o a religião, a m a g i a requer u m sistema de evolucionistas d o século xix b a s e a v a m suas análises e interpretações de

crenças, que inclui espíritos e sentimentos, u m corpo de crentes e f e n ó m e n o s religiosos n u m a c o n c e p ç ã o colocada ainda nos anos 1830

m e d i a d o r e s entre esses espíritos e os crentes. A m a g i a é propositadamente pelo sociólogo francês Auguste Comte (1789-1857) e m passagens de

u m sistema de intervenção n a o r d e m das coisas. O s mediadores são seus livros sobre a chamada ciência positiva, que d e u origem ao termo

c a p a z e s de m a n i p u l a r esses espíritos p a r a o b e m ( d i g a m o s , curas de "positivismo".

doenças provocadas por intervenções de mediadores maus, como P r o p u n h a C o m t e q u e as religiões e r a m manifestações dos limites d o
feiticeiros) o u para o m a l . Além de feiticeiros, x a m ã s e pajés, há os conhecimento d o h o m e m diante dos f e n ó m e n o s da natureza; portanto,
a d i v i n h o s e seus sistemas de adivinhação, s e j a m tripas d e g a l i n h a , seja n a m e d i d a e m que o h o m e m ia entendendo esses f e n ó m e n o s por u m prisma
cera de v e l a s e m c o p o s d e á g u a nas festas de S ã o J o ã o , seja leitura de racional, b a s e a d o n a lógica de c a u s a e efeito e n a sistematicidade, a religião
m ã o , e dezenas de outros tipos de adivinhação. iria p e r d e n d o suas características e m o c i o n a i s e se r e d u z i n d o a c o n t o r n o s

D u r a n t e muitos anos foi m o t i v o de m u i t a discussão entre antropólogos morais, para, enfim, dar lugar à ciência e à centralidade do h o m e m no

os p o n t o s e m q u e religião, m a g i a e ciência se d i s t i n g u i a m e a q u e l e s q u e u n i v e r s o . H a v i a três g r a n d e s estágios d e e v o l u ç ã o d a s s o c i e d a d e s , a q u e

os a p r o x i m a v a m . N o m u n d o m o d e r n o , a religião s e m p r e t e m sido vista c o r r e s p o n d i a m f o r m a s de religião, c a d a q u a l c o m c o n c e p ç õ e s próprias

com respeito, mesmo com a predominância do espírito científico, d a natureza e c o m características gerais de instituição cultural.

e n q u a n t o m a g i a g u a r d a u m ar de fancaria e irracionalismo. N a m e l h o r O primeiro estágio religioso seria aquele e m que o h o m e m , s e m u m


das hipóteses, magia tem sido considerada, desde D u r k h e i m e J o h n conceito claro sobre a natureza, projetava e m cada f e n ó m e n o natural a
Prazer (1854-1941), a vontade h u m a n a de fazer intervenções sobre u m p r e s e n ç a d e u m e n t e e s p i r i t u a l , u m e s p í r i t o , u m a anima (alma, e m
determinado estado das coisas, baseado n u m a visão de m u n d o e m q u e l a t i m ) . D a í e s s e e s t á g i o ter s i d o c h a m a d o p o r T y l o r d e animismo, embora
os seres d a n a t u r e z a s ã o acessíveis a m u d a n ç a s e ingerências. N a religião, Comte o chamasse teológico. S e r i a m religiões que, a partir d a crença
ingerência só é possível p o r parte de d i v i n d a d e s , o u , c o m u m a certa f u n d a m e n t a l e m espíritos presentes n a natureza - espírito d a água, d o
benevolência, por interventores que m e d e i a m as relações entre o sagrado v e n t o , d a terra, das árvores, d o s a n i m a i s , etc. - tinham suas formas
e o profano. Esses mesmos antropólogos e seus seguidores falam que a adequadas de identificação, m e d i a ç ã o e intercessão entre eles e os
magia depende de u m sistema de classificação d o m u n d o , o q u a l antecede homens. Nas sociedades ditas animistas, os h o m e n s p e n s a m q u e os
a u m sistema mais científico de classificação, sendo, portanto, a o r i g e m animais n ã o só t ê m espíritos c o m o t a m b é m t ê m características h u m a n a s ,
p r i m e v a d a ciência. J á a religião, q u e t a m b é m se p o s i c i o n a c o m um p o d e m pensar c o m o são os h o m e n s . N a Antropologia brasileira atual
sistema de classificação, diz respeito a u m sentimento superior de há u m a corrente de pensamento c h a m a d a perspectivismo q u e enfatiza
relacionamento c o m o divino. . - ; . ; < r;v ' ; > esse relacionamento entre h o m e n s e animais c o m o sendo próprio das
religiões dos p o v o s indígenas brasileiros. J á e m outras religiões animistas
criava-se u m a identificação entre classes de pessoas ( l i n h a g e n s , clãs o u
CLASSIFICAÇÃO D E RELIGIÕES ; '' / ' i aldeias) c o m certos animais, q u e s e r i a m reverenciados de variados m o d o s
p o r e s s a s c l a s s e s . O t e r m o totem, que v e m de línguas dos índios norte-
N o s p r i m e i r o s t e m p o s d a A n t r o p o l o g i a , q u a n d o p r e v a l e c i a a forte
a m e r i c a n o s , representava os a n i m a i s r e v e r e n c i a d o s e a instituição religiosa
corrente evolucionista de analisar as culturas p o r suas p o s i ç õ e s n u m a
ficou conhecida como totemismo.
escala evolucionária, havia concomitantemente u m a determinação em
e x p l i c a r os f e n ó m e n o s religiosos c o m o se estivessem t a m b é m numa Há religiões e m q u e a m e d i a ç ã o entre os espíritos e as pessoas é

escala correspondente de evolução. T a n t o M o r g a n quanto Tylor, os realizada p o r especialistas, q u e t ê m c o n h e c i m e n t o desses espíritos, s a b e m

dois antropólogos mais criativos da época, escreveram sobre religião se c o m u n i c a r e controlá-los. E s s e s "sacerdotes", n u m sentido amplo,

c o m o u m sentimento e u m a instituição cultural q u e v a i "se aperfeiçoan- p a s s a r a m a s e r c o n h e c i d o s c o m o xamãs, u m a palavra v i n d a de línguas


140 A N I u !• o 1 t) I A

d a S i b é r i a , o n d e tais r e l i g i õ e s a s s i m s e c a r a c t e r i z a v a m . N o B r a s i l , e n t r e c o m o Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, S ã o T o m á s de


o s í n d i o s T u p i n a m b á e G u a r a n i , a p a l a v r a pajé se c o n s o l i d o u c o m o o A q u i n o , Galileu, N e w t o n e outros mais.
e q u i v a l e n t e a x a m ã , e o t e r m o pajelança p a s s o u a ser u s a d o para Dá para entender p o r que esse e s q u e m a foi rejeitado pelo cristianismo
r e p r e s e n t a r t o d o o c o m p l e x o ritualístico q u e e n v o l v e o p a j é : danças, e, m a i s t a r d e , p o r t e ó l o g o s e m g e r a l . O s a n t r o p ó l o g o s q u e p a s s a r a m a
c h a m a m e n t o e p o s s e s s ã o de espíritos, o u s o de tabaco p a r a se inebriar f a z e r a crítica a o e v o l u c i o n i s m o r e j e i t a r a m a i d e i a d e q u e a religião e r a
e entrar e m transe, a s s i m c o m o o uso de massagens, sopros e s u c ç õ e s u m substituto p a r a a ciência, o u até, c o m o p r o p u n h a já tardiamente
para realizar a c u r a dos doentes. A variação de religiões ditas animistas Frazer, q u e c o n t i n h a as bases distorcidas e primitivas d a ciência, bem
é muito grande, indo desde sociedades de caçadores e coletores, c o m o a ideia de classificação hierárquica de religiões. A ideia do
p a s s a n d o p e l a s s o c i e d a d e s d e h o r t i c u l t u r a d a s A m é r i c a s e África, até o s m o n o t e í s m o , p o r e x e m p l o , q u e iria i n f l u e n c i a r toda a civilização o c i d e n t a l
pastores e os p r o t o - r e i n a d o s d a África. e o O r i e n t e P r ó x i m o , e m b o r a c r i a d a p o r u m f a r a ó e g í p c i o , A m e n o p h i s iv
N e s s a s últimas religiões estaria se o p e r a n d o u m a p a s s a g e m p a r a o (1375 a . C ) , foi realizada e consagrada por u m p o v o de pastores e
s e g u n d o e s t á g i o , o metafísico, e m que o culto aos ancestrais das linhagens horticultores, os hebreus, antecessores dos modernos judeus, que
iria terminar e s t a b e l e c e n d o a c r e n ç a e m deuses antropomórficos, constituíam u m a sociedade q u e passava da igualdade social para u m
organizados e m panteões hierarquizados. O estágio metafísico c o m pr e e n - sistema de hierarquia social, c o m a presença de figuras reais. A s s i m ,
deria todas as religiões d o s p r i m e i r o s estados c i v i l i z a d o s , c o m o o e g í p c i o , n ã o p o d e r i a h a v e r e x e m p l o mais eloquente q u e esse p a r a se demonstrar
o grego, os reinados m e s o p o t â m i c o s e indianos, e os impérios d a Pérsia e q u e u m a crença e m si a d v é m necessariamente de u m tipo específico de
da C h i n a . C u l m i n a r i a c o m a crença e m u m d e u s único, c o m características sociedade, c o m o subproduto de u m sistema e c o n ó m i c o .
s o b r e - h u m a n a s e c a p a c i d a d e s onipotentes, tal c o m o se d e s e n v o l v e r i a n o P o r s u a v e z , p a r a os críticos d o p o s i t i v i s m o c o m t e a n o e do
E g i t o e, f i n a l m e n t e , e n t r e o s h e b r e u s a o s e l i b e r t a r e m d o c a t i v e i r o . E m e v o l u c i o n i s m o , a c o n t i n u a d a p r e s e n ç a h o d i e r n a de atitudes, crenças e
p r o s s e g u i m e n t o , o c r i s t i a n i s m o estaria n e s s e g r a n d e estágio, m a s já ia se rituais religiosos, q u e p a r e c i a m próprios de religiões ditas animistas, nas
e n c a m i n h a n d o p a r a u m a religião de m o r a l superior, e m b o r a a i n d a presa sociedades baseadas e m religiões monoteístas, o u e m religiões, c o m o o
a incompreensões do papel do h o m e m na sua elaboração. budismo e o taoísmo, que prescindem da ideia de deus ( n o sentido de u m

A passagem para o terceiro estágio seria caracterizada pela entrada espírito u n o n o u n i v e r s o ) , d e m o n s t r a v a o quanto de básica e f u n d a m e n t a l

da ciência no pensamento moderno, ao lado do desenvolvimento da era a necessidade d o h o m e m de manter o espírito d o religioso e do sagrado

filosofia e dos conceitos científicos sobre a existência d o h o m e m . e d e g u a r d a r rituais d e f é , p r o p i c i a ç ã o e r e v e r ê n c i a . A c l a s s i f i c a ç ã o d e

O terceiro estágio, p a r a C o m t e , estava p a r a se realizar n o s e u t e m p o . religiões pelo viés evolucionista t e r m i n o u desacreditada n a A n t r o p o l o g i a ,

F r u t o d o d e s e n v o l v i m e n t o d a c i ê n c i a e d a indústria, o estágio positivo n ã o tanto, p o r suposto, pelas falhas de classificação, m a s p o r q u e , nas

iria libertar o h o m e m d a s c r e n ç a s metafísicas, d o s e u p a s s a d o d e a l i e n a ç ã o s o c i e d a d e s m o d e r n a s , todos os tipos d e religiões se a c h a m presentes,

e de projeção e m o u t r e m d a capacidade d o h o m e m . A religião e a encontrando abrigo nos corações e sentido nas mentes dos homens.

f i l o s o f i a d a r i a m v e z à c i ê n c i a , p o i s o h o m e m já n ã o t e r i a r a z ã o p a r a ter
m e d o e t i n h a as b a s e s p a r a a m p l i a r s e u c o n h e c i m e n t o do mundo. A
O E S T U D O D E RELIGIÕES N O B R A S I L / •
religião seria n ã o mais q u e u m sistema m o r a l de c o m p o r t a m e n t o racional,
de tolerância entre os h o m e n s , q u e s e r i a m guiados pelos e x e m p l o s q u e O interesse de antropólogos pela religião n o B r a s i l t e m o r i g e m n o
o p a s s a d o l h e s h a v i a t r a z i d o . N o l i m i t e d e s u a v i s ã o , já q u a n d o seu interesse pelas religiões q u e e s t a v a m à m a r g e m d a d o m i n a n t e religião
trabalho dito científico tinha sido r e c o n h e c i d o p o r seus c o n t e m p o r â n e o s , católica. T ê m sido objetos de especial estudo o c a n d o m b l é , o espiritismo,
n a d é c a d a d e 1850, C o m t e p r o j e t o u u m a religião d a h u m a n i d a d e e m a u m b a n d a e as variações evangélicas d o protestantismo. Entretanto, há
q u e o panteão de "demiurgos" seriam os grandes h o m e n s d o passado estudos antropológicos sobre as d e m a i s religiões que se e n c o n t r a m n o
que haviam contribuído para o conhecimento e, p o r t a n t o , para a Brasil, inclusive o budismo, o xintoísmo, o islamismo, o hare-krishna,
liberdade dos homens. Entre esses novos "demiurgos" estariam figuras b e m c o m o dezenas de religiões de p o v o s indígenas.
142 A N I lí o I' i ) I i ) i , I A
R I I I (. I A o , Kl I II A I S I M I I II S M.l

CANDOMBLÉ águas, cuja data de comemoração no calendário religioso é,


tradicionalmente, o dia 2 de fevereiro (conforme ainda o é e m Salvador,
O c a n d o m b l é é a religião q u e os escravos negros t r o u x e r a m p a ra o
na Bahia). Já e m cidades c o m o Rio de Janeiro, Yemanjá é reverenciada
B r a s i l e c o n s e g u i r a m p r e s e r v a r e c u l t u a r e m "terreiros", isto é, e m casas
na passagem do A n o N o v o c o m o culto que toma u m a forma semi-
religiosas, e m igrejas, e m d i v e r s a s c i d a d e s brasileiras, e s p e c i a l m e n t e n a
religiosa, o u c o m religiosidade difusa, o u até c o m o u m ritual laico. A s
B a h i a , n o R e c i f e , e m S ã o Luís, n o R i o d e J a n e i r o , e m S ã o P a u l o e e m
pessoas q u e v ã o às praias n o A n o N o v o p r o c u r a m se vestir de branco,
Porto A l e g r e . O c a n d o m b l é é u m a religião f o r m a d a p e l a c r e n ç a e m u m t r a z e m lírios e f l o r e s e a s j o g a m n o m a r c o m p e d i d o s a Y e m a n j á , não
panteão de espíritos-deuses, cada q u a l c o m seus atributos de caráter e m prol de curas de doenças, mas por desejos de bem-estar, por u m
h u m a n o e c o m i d e n t i f i c a ç ã o c o m f o r ç a s d a n a t u r e z a . S ã o o s orixás, em a m o r f u g i d i o o u p e l a p a z n a família. Muitas delas n e m s ã o religiosas,
q u e se d e s t a c a m X a n g ô , O x ó s s i e O l u m . E s s e s espíritos p o d e m ser muito menos do candomblé. Para alguns antropólogos, é como se
i n v o c a d o s nos rituais religiosos, sendo propiciados a "baixar" sobre os estivesse criando u m culto pararreligioso, se for permitida a expressão,
crentes q u e e s t ã o aptos a r e c e b ê - l o s , p o r já t e r e m s i d o " i n i c i a d o s " n o de c u n h o festivo, dentro do calendário cultural brasileiro.
culto. C a d a terreiro tem seu "pai-de-santo", babalorixá, ou "mãe-de-
s a n t o " , ialorixá, que são encarregados do bem-estar espiritual de todos ESPIRITISMO
os participantes. O culto principal é realizado e m cerimónias integradas
O espiritismo é u m a religião d e r i v a d a d a revelação de u m h o m e m ,
p o r d a n ç a (à base de tambores de v a r i a d o s t a m a n h o s e s o n o r i d a d e s ) ,
A l a n K a r d e c , e m meados do século xix. K a r d e c d e i x o u u m a vasta obra
bebida (especialmente cachaça) e fumo ( e m forma de charutos), que
escrita sobre a v i d a d o s espíritos e c o m e n s i n a m e n t o s sobre c o m o contatá-
facilitam a entrada e m transe dos participantes e sua conseqiiente
los, b e m c o m o sobre c o m o levar u m a v i d a digna. Postula, c o m base n a s
r e c e p ç ã o d o orixá próprio d e c a d a p e s s o a . A iniciação d o s crentes se dá
crenças gerais do cristianismo, a existência além d a v i d a de u m m u n d o
p o r u m a série d e rituais, v a r i a n d o d e a c o r d o c o m a preferência d o p a i
de espíritos, cuja finalidade é s e u a p e r f e i ç o a m e n t o até o encontro final
o u m ã e - d e - s a n t o o u c o m a tradição d o terreiro. O uso de sacrifício de
c o m D e u s . N e s s a trajetória, os espíritos v ã o se e n c a r n a n d o n a s pessoas,
animais, especialmente de bodes, galinhas e galinhas-d'angola, é parte
q u e , p o r s u a v e z , d e v e m ter c o n s c i ê n c i a d e s e u s l i m i t e s m a t e r i a i s , c o m o
desses cultos de iniciação de crentes, m a s t a m b é m de propiciação aos
meros corpos que s e r v e m de abrigo temporário aos espíritos. O
orixás e agradecimento por graças alcançadas. e s p i r i t i s m o e s t a b e l e c e u m a m o r a l p e l a q u a l a s p e s s o a s d e v e m ter b o m
É u m a religião de g r a n d e c a r i s m a n a cultura p o p u l a r brasileira u r b a n a , c o m p o r t a m e n t o p a r a q u e seus espíritos " e v o l u a m " o u se a p e r f e i ç o e m .
i n c l u s i v e p o r seus aspectos d e m a g i a e intervenção sobre as coisas Nos seus cultos, o espiritismo p r o p õ e u m relacionamento entre os

m u n d a n a s . É c o m u m encontrar oferendas de alimentos e bebida a orixás dois m u n d o s através de sessões religiosas e m q u e os espíritos p o d e m

nas encruzilhadas e esquinas de ruas, b e m c o m o nas matas urbanas, "baixar" e conversar c o m as pessoas, o u , ao menos, c o m mediadores

nas nascentes e nos veios de água. Ultimamente tem havido reclamações, mais capazes. O s espíritos t a m b é m p o d e m "incorporar-se" e m h o m e n s
e m u l h e r e s já e s p i r i t u a l m e n t e s u p e r i o r e s , o s m é d i u n s o u a t é d e c u r a d o r e s
p o r parte das autoridades pijblicas e dos m o v i m e n t o s ecologistas, sobre
extravagantes (que são rejeitados pelas ciências, b e m como pela
a poluição de águas correntes devido a essas oferendas. Variações do
medicina), e deles servirem de porta-vozes.
c a n d o m b l é são praticadas e m modalidades próprias e m muitas cidades
O espiritismo é u m a religião de grande aceitação entre pessoas de
interioranas, e s p e c i a l m e n t e as q u e t i v e r a m influência s u b s t a n t i v a d e e x -
classe média e média-baixa nas grandes cidades brasileiras. Mais do que
escravos, c o m o nos estados do Maranhão e n o R e c ô n c a v o bahiano.
isso, a n o ç ã o generalizada de espiritismo é u m sentimento m u i t o c o m u m
A l g u n s aspectos d o c a n d o m b l é têm ultimamente se tornado de grande
e n t r e b r a s i l e i r o s , já q u e se b a s e i a e m princípios d o c r i s t i a n i s m o ,
importância para a cultura brasileira e m geral. O mais notável v e m enfatizando aspectos de grande interesse de brasileiros, c o m o a
a c o n t e c e n d o e m c i d a d e s litorâneas, o n d e t e m se e s p a l h a d o u m culto mediunidade, a intervenção mágico-religiosa e m curas e a emulação de
religioso originário d o c a n d o m b l é , o culto à orixá Y e m a n j á , a d e u s a das u m a ética de v i d a . , .
I4'l A N I lí o 1' o I o i, I A lU I u. I A o , iu r u A I s i: M I T O S 145

UMBANDA de crentes e o comportamento social à altura das expectativas da


ortodoxia d e crenças e d a aceitabilidade p o r parte d o s pastores.
A u m b a n d a é u m a religião tipicamente brasileira pois n a s c e u d e u m a
Os cultos evangélicos m a n t ê m a grande influência original trazida
síntese consciente, criada p o r volta d a p r i m e i r a década d o século xx,
dos estados sulinos americanos, c o m cantorias e m coral, denominadas
entre a s p e c t o s doutrinários e ritualísticos d o c a t o l i c i s m o , d o e s p i r i t i s m o
em i n g l ê s gospel music, que são acompanhadas c o m palmas pela
e d o candomblé. E l a se desenvolveu sobretudo nas grandes cidades e
assembleia d e participantes, a oratória e m o c i o n a l d o pastor, o transe
atraiu pessoas d e o r i g e m católica q u e t i n h a m tendência o u aceitação
maléfico (diabo q u e encarna nas pessoas) dos participantes e a cura o u
tanto pelos aspectos m e d i ú n i c o s quanto p e l a p r e s e n ç a de espíritos
i n t e r v e n ç ã o b e n é f i c a d o s pastores e m i n i s t r o s . E m a l g u m a s seitas, os
africanos e indígenas, e a i n d a pelos rituais e e x p r e s s õ e s d e d a n ç a africana.
pastores são creditados c ó m a capacidade de cura pela intervenção
A u m b a n d a se apresenta e m rituais d e dança e m q u e se m a n i f e s t a m
divina, q u e é p o r eles invocada. Isso, naturalmente, faz parte d o
os e g u n s e os orixás através d o s médiuns, tal q u a l n o c a n d o m b l é , m a s
comportamento que a Antropologia chama de magia. • .....
sua função básica é de ensinar as pessoas a se aperfeiçoarem como
A importância dessas igrejas evangélicas t e m a u m e n t a d o n o B r a s i l
seres h u m a n o s , a evoluírem, tal c o m o n o espiritismo. N o s cultos p r e v a l e c e
n o s últimos q u a r e n t a a n o s , t e n d o se e s p a l h a d o p o r todos o s estados
a p r e s e n ç a d o m i n a d o r a d o babalorixá o u d a ialorixá, q u e c o m a n d a m
brasileiros, e m cidades grandes, médias e pequenas, m a s c o m muito
os médiuns, recebe o s e u orixá pessoal, dá "passes" e "descarregos",
mais público entre as c a m a d a s sociais mais pobres e carentes
q u e s ã o atos mágico-religiosos d e retirar forças negativas d a s p e s s o a s e
e c o n o m i c a m e n t e . P e l o C e n s o d o IBGE d e 2000, o Brasil c o m p o r t a cerca
jogar para lugares neutros.
d e 16,5% d e s u a p o p u l a ç ã o c o m o p r o t e s t a n t e s , s e n d o a g r a n d e m a i o r i a
C o m o n o e s p i r i t i s m o , r e q u e r - s e d e s e u s a d e p t o s u m a m o r a l rígida e
de evangélicos. U m dos estados c o m maior porcentagem é o R i o de
u m comportamento caridoso para c o m os demais. Só assim eles poderão
Janeiro, c o m cerca de 23%, sendo os estados nordestinos os q u e têm
e v o l u i r c o m o espíritos.
menor porcentagem de evangélicos. . . . • v •. Í > ,
Até a d é c a d a de 1970, essas religiões d e o r i g e m a f r i c a n a t i n h a m
Muitos pesquisadores d o evangelismo atribuem o crescimento dessas
muita aceitação entre as c a m a d a s urbanas pobres n o Brasil. Porém, aos
igrejas a d i v e r s o s fatores q u e s u c e d e r a m n o B r a s i l nesse m e i o s é c u l o d e
p o u c o s f o i d a n d o e s p a ç o à s r e l i g i õ e s d e c u n h o cristã, q u e t r o u x e r a m
m u d a n ç a s sociais e e c o n ó m i c a s . O principal t e m sido a rápida p a s s a g e m
aspectos d e participação mágico-religiosas e d e alívio espiritual m u i t o
d a v i d a r u r a l p a r a a v i d a u r b a n a (grosso modo, 8 0 % dos brasileiros v i v e m
fortes, c o m o v e r e m o s a seguir.
h o j e e m c i d a d e s , q u a n d o c i n q u e n t a a n o s atrás e r a m a p e n a s 3 0 % ) , q u e
desagregou a cultura rural de origem colonial, baseada n u m catolicismo
CRISTIANISMO PROTESTANTE • - • - O : : I . - ^ . ; v r > í - =^
tradicional, híbrido, p o r aceitar tendências religiosas indígenas e africanas,
São muitas as variações d o cristianismo protestante no Brasil, com a veneração d e santos dentro d e u m calendário sociorreligioso, e
especialmente aquelas criadas originalmente nos Estados Unidos, q u e com f u n d a d o r e s p e i t o a o status quo social. O processo desenfreado de
ficaram conhecidas c o m o "evangélicas", p o r enfatizar a presença de urbanização l e v o u a p o p u l a ç ã o rural brasileira a migrar para as cidades
Cristo n a v i d a corriqueira, b e m c o m o pela leitura a o p é d a letra d a médias e grandes e a viver e m condições de penúria e carência, n ã o só
Bíblia e m relação aos seus relatos históricos e a o s seus ensinamentos material, c o m o espiritual, s e m u m substituto cultural e espiritual à altura
éticos. E n t r e as p r i n c i p a i s igrejas e v a n g é l i c a s e s t ã o a Igreja Batista, a d o s s o f r i m e n t o s e d e s a l e n t o s p a s s a d o s . A d e m a i s , u m n o v o ethos urbano
A d v e n t i s t a d o S é t i m o D i a e, c o m o c r i a ç ã o p r ó p r i a d o B r a s i l , a I g r e j a surgiu e espalhou m e s m o pela vivência rural, s e m u m a concomitante
Universal d o Reino de Deus. O s evangélicos p r o c u r a m pautar sua vida ética e sentimento religioso v i n d o d a tradicional religião católica. O
pelas admoestações dos livros bíblicos, especialmente sobre a necessidade evangelismo, p o r vários motivos, inclusive a abertura à participação d o s
de estarem todos preparados para o dia d o Juízo Final, a saberem suportar crentes e m culto, o ortodoxismo bíblico e a exigência comportamental,
as agruras d a vida o u o s seus benefícios, respectivamente c o m o castigo p a r e c e ter a l i v i a d o essa c a r ê n c i a e s p i r i t u a l p a r a u m a parte d o s p o b r e s
ou c o m o graça divina, o comprometimento de vida c o m a c o m u n i d a d e do Brasil.
Uf) A N I it i ) r D I m , I A
RI I I i, I A o , K I I U A I S I M I r O s 147

P o r s u a v e z , d a d o a t e n d ê n c i a à cissiparidade, isto é, à criação d e Para a Antropologia, vale o ateísmo tanto quanto v a l e o teísmo.

n o v a s igrejas, c a d a q u a l c o m certo g r a u d e a u t o n o m i a , p o r pastores I m p o r t a s a b e r c o m o .se d á a f o r m a d e c r e n ç a o u d e d e s c r e n ç a , d e q u e

capazes d e fundar suas próprias assembleias d e crentes, o e v a n g e l i s m o m o d o e o q u a n t o u m a o u o u t r a afeta a v i d a s o c i a l d o s h o m e n s .


tem procurado estabelecer u m a hierarquia n o seu corpo de sacerdotes
que, de algum modo, termina parecendo c o m a forma tradicional da
Igreja Católica R o m a n a , à e x c e ç ã o d a figura m á x i m a d e u m pontífice. RITUAIS

Grandes seitas agora são controladas p o r cúrias de bispos que


o m o d o c o m o as pessoas se r e l a c i o n a m c o m o sagrado é m a r c a d o
e s t a b e l e c e m c o n t a t o c o m s e u s fiéis a t r a v é s d o s m e i o s d e c o m u n i c a ç ã o
p o r u m espírito d e reverência e p o r u m a atitude própria, n ã o corriqueira,
mais atuais e mais populares, c o m o a rádio e a televisão. Muitos desses
q u e se c h a m a d e ritualístico. T o d a religião t e m rituais, seja n o m o d o d e
bispos e líderes religiosos t ê m optado pelo trabalho político, n u m a
se c o m u n i c a r e p r o p i c i a r o s deuses, seja n a atitude p a r a c o m o sagrado,
estratégia d e g a n h a r a l a v a n c a g e m política c o m a disseminação d e suas
seja n o s seus eventos coletivos.
crenças. P o r tudo isso, e m b o r a n ã o haja u m a desavença assumida, a
Um ritual é composto de u m conjunto de comportamentos
Igreja Católica e as Igrejas Evangélicas t ê m se mostrado m a i s reticentes
u m a s c o m as outras d o q u e o e r a m há u n s vinte anos. padronizados, c o m começo, meio e fim. Esses comportamentos se
d i f e r e n c i a m , d o c o m p o r t a m e n t o c o r r i q u e i r o , e m b o r a este t a m b é m p o s s a
A s outras religiões existentes n o Brasil têm sido estudadas pelo
ser visto c o m o padronizack), p o r fazer parte d e u m a rotina, de u m a
interesse espiritual q u e elas e v o c a m , muito mais do que por suas
repetição d e m e s m o s comportamentos. A diferença entre ritual e rotina,
respectivas p o p u l a r i d a d e s . O próprio protestantismo clássico, d a s igrejas
d o ponto d e vista comportamental, é equivalente à diferença entre o
luterana, calvinista, anglicana, presbiteriana e metodista, parece n ã o
sagrado e o profano. 'iii
estar c r e s c e n d o . Há missionários d e outras seitas protestantes, e m geral
vindos dos Estados Unidos, c o m o os mórmons e os quakers, mas sua . O s eventos religiosos s ã o s e m p r e rituais. T o d a v i a , n e m todo ritual é

existência a i n d a está restrita à influência direta d o s missionários e d e religioso o u diz respeito ao sagrado. T o d a sociedade t e m momentos e m

suas c a p a c i d a d e s d e agregar fiéis. A p r e s e n ç a a i n d a m a r c a n t e do q u e o s a c o n t e c i m e n t o s se d ã o d e u m m o d o ritualístico. P o r e x e m p l o ,


catolicismo, e m cerca de 7 0 % da população brasileira, e m grande medida, n a cultura brasileira, o C a r n a v a l é u m ritual, e m q u e o comportamento
ainda barra o crescimento d e outras religiões q u e trazem u m a visão das pessoas se distingue d o c o m p o r t a m e n t o corriqueiro. A S e m a n a Santa,
espiritual m a i s abstrata, c o m o o b u d i s m o . n o calendário católico, c o m p r e e n d e u m conjunto d e rituais religiosos.
J á as festas j u n i n a s , e m b o r a católicas n a o r i g e m , c o n s t i t u e m u m c o n j u n t o

ATEÍSMO „ , ; , , , , . : , , , ,Í,. .V de rituais profanos.


U m etnólogo francês A r n o l d V a n G e n n e p , q u e fazia parte d o grupo
P o r s u a v e z , h á q u e lembrar a existência d e certa parcela d a p o p u l a ç ã o
de sociólogos e m torno de E m i l e D u r k h e i m , foi q u e m elaborou as
brasileira q u e professa a descrença e m religiões d e qualquer natureza,
principais ideias sobre o q u e constitui u m ritual e sobre c o m o u m ritual
c h a m a n d o - s e ateus. O ateísmo é u m a r e a ç ã o ocidental a o cristianismo
s e o r g a n i z a p a r a d a r s e n t i d o a o s e u c o n t e ú d o .social. A o c o m p a r a r rituais
q u e surgiu a partir d a R e v o l u ç ã o F r a n c e s a e d a ideia positivista d e q u e
e m diversas sociedades, das mais simples ãs de s u a é p o c a (início d o
o h o m e m g u a r d a sentimentos religiosos p o r falta d e c o n h e c i m e n t o d o s
século x x ) , V a n G e n n e p v i u q u e havia u m a estrutura q u e se repetia e m
princípios d a natureza. P o r esse raciocínio, q u a n d o o h o m e m descobrisse
os "segredos" d a natureza, n ã o precisaria mais d e religião para se todos os rituais, e m especial n a q u e l e s q u e ele c h a m o u d e "ritos d e

completar. Numa versão mais branda, há aqueles que se d i z e m p a s s a g e m " . A s s i m , e m s e u m a g i s t r a l l i v r o Ritos de passagem (orig. 1906),

a g n ó s t i c o s , isto é, q u e n ã o se i m p o r t a m q u a n t o à v e r d a d e o u n ã o d a s p r o p ô s q u e todo ritual se dá n u m a s e q u ê n c i a c o m c o m e ç o , m e i o e f i m


religiões, o u q u e n ã o vale a p e n a perder t e m p o c o m a dúvida sobre a e q u e c a d a e t a p a t e m s u a s p r ó p r i a s c a r a c t e r í s t i c a s . Grosso modo, eis
existência o u n ã o de Deus. c o m o se estruturam essas partes:
148 A N I k o r ( I I o ti i A
K I 1 I t. I A D , R I T U A I S 1. M 1 I (1 S 149

• T o d o r i t u a l se i n i c i a i m p o n d o u m c o r t e n o s e v e n t o s a n t e r i o r e s , Vejamos alguns exemplos para esclarecer essa explicação.


m o s t r a n d o q u e a l g o e s p e c i a l está p a r a a c o n t e c e r , q u e r e q u e r u m O C a r n a v a l é u m ritual c o m c o m e ç o , m e i o e f i m . É cíclico, pois
n o v o tipo de atitudes e comportamento. C o n v é m c h a m a r essa ocorre todo ano, e m determinada época. Inicia-se c o m o afastamento
f a s e d e a f a s t a m e n t o . É a fase i n i c i a l , q u e p o d e se d a r qua.se s e m do comportamento corriqueiro: a saída d o trabalho, a m u d a n ç a de
se p e r c e b e r , o u p o d e já e x i g i r r i t u a i s p r ó p r i o s . E m q u a l q u e r c a s o , vestuário e de comportamento, a chegada em locais sociais, mas
é u m corte e m r e l a ç ã o a o q u e e s t a v a a c o n t e c e n d o a n t e s .
específicos p a r a a ocasião. D e a c o r d o c o m o local d a festa, diferentes
• E m s e g u i d a , o r i t u a l pas.sa p e l a fa.se i n t e r m e d i á r i a , e m q u e f i c a
f o r m a s d e início ritualístico o c o r r e m .
e v i d e n t e q u e a l g o d i f e r e n t e está a c o n t e c e n d o e q u e n ã o está c l a r a
' A fase intermediária o u liminar se caracteriza p o r u m a série de eventos
a s u a n a t u r e z a . E s s a f a s e se e v i d e n c i a p e l o c o n t r a s t e c o m o s
extraordinários e contra.stantes c o m o c o r r i q u e i r o . P o r e x e m p l o , o u s o
, eventos corriqueiros. O acontecimento parece muito diferente
de fantasia faz c o m q u e a p e s s o a social d e i x e de existir e passe a ser
do c o r r i q u e i r o , muitas v e z e s parece até ser o contrário, o
u m a pessoa de brincadeira, capaz de atuar de m o d o s inesperados e até
inesperado. P a r a muitos, essa fase é q u e mais c h a m a à vista a
contrários ao n o r m a l . C o m o u m h o m e m vestir-se d e m u l h e r e se rebolar
n a t u r e z a d o r i t u a l . C o m o a s i t u a ç ã o p o d e ser m u i t o d i f e r e n t e e
pelas calçadas à frente de todos, s e m p u d o r o u v e r g o n h a . O u c o m o e m -
inesperada, ela foi conceituada por V a n G e n n e p c o m sendo
briagar-se e dizer besteiras. O u ainda, nos locais mais ousados, como
liminar, isto é , e n t r e u m a c o i s a e o u t r a . E m g e r a l , os e v e n t o s q u e
o c o r r e m nessa fase d e m o n s t r a m u m a grande diferença sobre o fazer coisas q u e n a vida n o r m a l n ã o são aceitáveis. N a fase liminar

• que é corriqueiro e anterior, e ainda n ã o v i s l u m b r a m o que m u i t a c o i s a é p e r m i t i d a e x a t a m e n t e p o r q u e se r e c o n h e c e essa fase c o m o

o c o r r e r á a o f i n a l . T u d o p a r e c e estar i n d e f i n i d o , s u s p e n s o d a s s e n d o i n d e f i n i d a . E s s e é o p o n t o alto d o C a r n a v a l , ãs v e z e s , a q u i l o q u e

regras sociais normais. Nesse caso, e m muitos rituais, a se identifica c o m o Carnaval.


liminaridade suscita ações fora do padrão, ações perigosas e P o r f i m , a c o n c l u s ã o c o m p r e e n d e u m a série de atos e atitudes q u e
inesperadas. E essa só aceita de b o m grado a indefinição no i n d i c a m a finalização dos eventos liminares e a volta ao estado anterior,
, s e n t i d o r i t u a l í s t i c o . c o m o u m a q u e s t ã o l i m i n a r , intermediária. V a l e corriqueiro. Para o católico praticante, por e x e m p l o , a sua reincorporação
a p e n a n o t a r q u e a fase d e l i m i n a r i d a d e , c o m o f o i o b s e r v a d o p o r se realiza c o m a participação n a missa d a quarta-feira de cinzas, q u a n d o é
V a n G e n n e p , s u g e r e u m a forte a s s o c i a ç ã o d o i n d e f i n i d o c o m o reintegrado ao seu sentido religioso. Para outros, c o m o nas folias da B a h i a ,
p e r i g o s o . O i n d i v í d u o q u e está v i v e n d o e s s a fase, n a q u a l s u a o f e c h o d o C a r n a v a l v a i se dar n o c o n g r a ç a m e n t o d o s trios elétricos n a
c o n d i ç ã o n o r m a l está s u s p e n s a , e.stá e m p e r i g o s o c i a l . O f i n a l d o P r a ç a C a s t r o A l v e s e n o s a c o r d e s f i n a i s d e m t j s i c a s já n ã o m a i s c a r n a v a l e s c a s .
ritual é que v a i recuperar sua c o n d i ç ã o . A s s i m , por extensão, a
N a c u l t u n i b r a s i l e i r a e x i s t e m m u i t o s r i t u a i s q u e s e a p r e s e n t a m c o m o ritos
Antropologia tem observado que, na sociedade, quase tudo que
de passagem. Esses rituais i n d i c a m , p a r a o indivíduo e n v o l v i d o e para a
é indefinido carrega u m ar de perigo.
sociedade q u e o cerca, a passagem de u m estado de v i d a para outro. O u u m a
• Por fim, chega-se à fase final e m q u e o ritual é concluído. T a l
r e n o v a ç ã o d o s e u status, c o m o n o s ritos q u e o c o r r e m p e r i o d i c a m e n t e . E n t r e
c o n c l u s ã o p a r e c e s e r a r e s o l u ç ã o d a f a s e a n t e r i o r , isto é, a
tantos rituais, p o d e m o s l e m b r a r o s ritos r e l i g i o s o s , c o m o o b a t i s m o , a c r i s m a ,
definição da condição esperada por todos que participam do
o bar mitzva, a i n i c i a ç ã o n o c a n d o i n b l é , b e m c o m o a s festas d e s a n t o s , a
r i t u a l . A c o n c l u s ã o dá a o s p a r t i c i p a n t e s u m n o v o status s o c i a l -
P á s c o a , etc. S ã o r i m a i s e m q u e o s p r a t i c a n t e s e n t r a m n u m a c o n d i ç ã o s ó c i o -
se o ritual f o r u m rito d e p a s s a g e m - o u p e r m i t e a v o l t a s e g u r a
religiosa, p a s s a m por u m a fase intermediária e s a e m rejuvenescidos o u
a o status anterior dos participantes, b e m c o m o dos eventos
t r a n s f o r m a d o s e m p e s s o a s c o m n o v o status sociorreligioso.
c o r r i q u e i r o s . P o r i s s o , e s s a fase é c h a m a d a d e reincorporação.
Há t a m b é m os ritos d e p a s s a g e m laicos. A c u l t u r a brasileira s e l e c i o n a
Q u a l q u e r ritual p o d e ser analisado c o m o tendo esse tipo de estrutura. u m a série de m o m e n t o s na v i d a d o indivíduo e m q u e se realça a sua
O q u e parece m a i s evidente é a fase liminar o u de liminaridade, e m q u e passagem de u m a condição ou posição social para outra. O mais
os acontecimentos são tão diferentes daqueles q u e se d ã o n a fase q u e a f r e q u e n t e e c o r r i q u e i r o são, s e m dúvida, as festas d e aniversário. T o d o
precede e na que a conclui. brasileiro reconhece seu dia de nascimento e comemora c o m algum
150 A N 1 K o r <i I o (, I A
R F I I t; I Â o , R I T U A I S E M I T O S 151

lipo de ritual festivo. No aniversário, por mais simples cjue seja sua com um marimbondo que picou a barriga da mãe. Ela se zangou,
comemoração, podemos discernir as fases de afastamento, liminaridatle bateu na barriga e o filho parou de falar. Numa encruzilhada
e reincorporação. A preparação da festa e da recepção, a chegada dos perguntou ao filho por onde ir, ele não respondeu. Ela pegou a
convidados, a recepção dos presentes, enfim, o esperado canto de vereda que foi dar na casa do Gambá, o Mykura. Quando chegou,
parabéns e corte do bolo, até o alívio da saída de todos e a avaliaçàt) estava chovendo e o Gambá ofereceu abrigo e uma rede para ela.
sobre todo o ritual e seus participantes. Daí dormiu com ela e lhe fez outro filho, Mykura-yra, o filho do
O casamento é um ritual de passagem da condição de solteiro para Gambá. A mãe continua seu caminho até dar na aldeia das Onças,
ca.sado. Pode ser visto como um ritual em si, ou como parte de um ritual as lawamhu. Mas elas estavam caçando e a mãe foi abrigada por
mais longo, que começa com o namoro, passa pelo noivado, que é a fase uma velha, uma avó, lari, que a recomendou se esconder para as
de liminaridade, em que não se é mais propriamente solteiro, mas também Onças não a virem quando voltassem. Quando as Onças chega-
não se é casado, até a conclusão de todo o ritual do casamento e a ram, sentiram o cheiro diferente, a mãe se espantou, virou uma
incorporação dos recém-casados à sua nova condição social. veada e saiu correndo, mas as Onças a pegaram e a mataram. Ao
O trote que acontece nas universidades com os calouros é um ritual esquartejá-la para assá-la, viram que havia um casal de gémeos
vivos e os deram para lari comer, porque só os velhos comem
em si, mas também é parte de um ritual maior, que é a passagem do
fetos. lari tentou a.ssá-los no espeto, cozinhá-los na panela ou
estado de estudante de ensino médio para aluno de faculdade. Nesse
moqueá-los no jirau, mas os gémeos se mexiam, pulavam fora e
caso, o trote é a fase liminar desse ritual maior, aquele em que o calouro
ela não conseguiu. Aí resolveu guardá-los num cofo até decidir o
não é nada ainda, é um não-sujeito, por isso pode ser "humilhado" e
que fazer. No dia seguinte, os dois veadinhos tinham se transfor-
levado a fazer coisas que normalmente não faz. É uma fase de indefinição,
mado em duas paquinhas. Aí ela resolveu criá-los e não matá-los.
portanto, perigosa. E alguns trotes chegam literalmente a ser perigosos!
Nos dias seguintes, os gémeos foram se transformando em diver-
sos bichinhos, até que um dia, já grandinhos viraram meninos. O
filho de Maíra era poderoso como seu pai e costumava brincar
MITOS
com a avó, retirando sua cabeça e jogando-a no chão e depois
Se alguém perguntar a um índio Guajá como o mundo foi feito, ele recolocando-a na velha. Um dia foram caçar passarinhos e um
vai discorrer sobre uma estória que ouviu de seus pais e avós, ou de deles lhes contou o que eles eram e como as Onças haviam comido
sua mãe. Aí eles resolveram se vingar e matar todas as Onças.
algum homem velho e sábio, a qual responde sobre alguns aspectos da
Maíra-yra criou um brejo com todas as palmeiras e frutas, e com
existência da humanidade e da natureza que são importantes para a sua
partes das palmeiras fez jacarés e piranhas e os jogou no rio. Aí
cultura. Algo assim resumido:
convidou as Onças para ver as maravilhas que havia no brejo.
Tramou com seu irmão fazer uma ponte de pau e quando todas
' ' No princípio, os animais eram iguais aos seres humanos, falavam ""' ' as Onças estavam passando pelo pau, virou-o e elas caíram no rio
e .se comportavam iguais. Um dia, uma mulher viu um homem onde foram trucidadas pelos jacarés e piranhas. Aí resolveram
muito bonito, se apaixonou por ele e eles se amaram. Era Maíra, seguir caminho à procura do pai, Maíra. Finalmente, depois de
o encantado, o demiurgo. Em seguida Maíra foi embora e a mulher muitas aventuras chegaram ao pai, que não os reconheceu e lhes
• ficou com um filho no ventre, o filho de Maíra, Maíra-yra. Logo ' deu várias tarefas para cumprir, até Maíra-yra .ser reconhecido
essa criatura começou a falar e pedir para ir ao encontro do pai, como filho. Nessas tarefas muitas coisas foram criadas e transfor-
mostrando o caminho. A mãe estranhou o pedido e o madas de outras, como a cobra que se faz de um cipó, etc, etc.
desembaraço da criança, mas acatou-o. A criança foi indicando o ;
. ! í caminho, e não parava de falar e pedir: "Mãe, eu quero cheirar . O mito de Maíra, ou melhor, de Maíra-yra e seu irmão gémeo Mykura-
vl . í essa flor, pegue-a para eu cheirar!" A mãe pegava a flor e a levava yra, prossegue por muitos temas e aventuras. Além dos Guajá, vários
; ; até sua barriga para Maíra-yra cheirar, até que uma vez a flor veio povos indígenas da cultura tupi-guarani guardam esse mito, com variações
\S2 A N I H 11 I' u I n i, I A

a q u i e a c o l á . E l e p a r e c e .ser a ba.se d a c o i u p r e e i í . s à o c j u e e s s e s povii:. d e i ' ; d i | X ) e, p o r es.sa r a z ã o , u m d o s m i t o s m a i s c o n h e c i d o s e c o m e n t a d o s


fazem da natureza e de sua relação c o m a humanidade. Explica nessa i K ) m u n d o . A análi.se q u e F r e u d l h e p r o p o r c i o n o u e n r i q u e c e u a c i v i l i z a ç ã o
l i n g u a g e m fantástica a q u i l o q u e os a n t r o p ó l o g o s p r o c u r a m d e i u o n s i i . i i ( x i d e n t a l , m e s m o q u e , p a r a m u i t o s cientistas, n ã o seja c o n s i d e r a d a passível
por sinais mais evidentes e c o m linguagem mais c o m u m . (k' demon.stração científica.
Mas, o q u e é o mito? i^ara a A n t r o p o l o g i a , o m i t o t e m s i d o u m o b j e t o d e g r a n d e i n t e r e s s e
N o s e n t i d o m a i s t r a d i c i o n a l , q u e v e m d o s g r e g o s a n t i g o s , mito é uma e encantamento, se n ã o de p a s m o . E l e t e m sido interpretado de muitas
e s t ó r i a c o n t a d a e m u m a a t i t u d e d e r e s p e i t o s o b r e a c o n t e c i m e n t o s p a s s a c U )s formas e por muitas vertentes, desde a evolucionista, e m que o mito
que de alguma forma contribuíram para a formação de u m a sociedadi' seria u m relato histórico de u m a fase d a h u m a n i d a d e q u e a i n d a n ã o
o u de u m a cultura. E m muitos casos, esses acontecimentos p o d e m sei havia chegado à lógica racional de explicaçóes; a de q u e é u m a metáfora
fantásticos e inverossímeis, misturando seres h u m a n o s c o m animais ou d e u m a história f o r m a t i v a , portanto, p o d e f o r n e c e r d a d o s reais, de v a l o r
d e u s e s . É nesse sentido q u e os gregos c o n t a v a m as origens de sua histórico, se b e m interpretado, d e u m p a s s a d o d a s o c i e d a d e q u e o t e m
f o r m a ç ã o , antes d o a d v e n t o d o p e n s a m e n t o racional, d a filosofia e do em conta; a de que representa alegoricamente u m a visão ética da
discurso histórico propriamente dito. É t a m b é m nesse sentido que os sociedade, uma espécie de carta moral, que provê princípios de
antropólogos c o l e t a m e a n a l i s a m as estórias contadas pelos sábios e e m u l a ç ã o e c o n d u t a p a r a os seus m e m b r o s ; até a visão estruturalista d e
m e m o r i a l i s t a s d a s s o c i e d a d e s igualitárias m u n d o afora; o u os r e c u p e r a r a m Lévi-Strauss, de que o mito é uma linguagem básica universal
das sociedades ocidentais e m tempos anteriores à conquista r o m a n a e compartilhada p o r todos os p o v o s , q u e n ã o t e m n e n h u m a f u n ç ã o m o r a l
suas passagens d a c o n d i ç ã o tribal p a r a a d e província d o I m p é r i o R o m a n o . o u pedagógica, m a s tão-somente o sentido de codificar as estruturas

N a s s o c i e d a d e s m o d e r n a s , m i t o s .são c o n f u n d i d o s c o m l e n d a s . E s t a s inconscientes de pensamento do h o m e m c o m o reflexo de suas sociedades

s ã o t a m b é m estórias fantásticas, mas, e m geral, mais s i m p l e s e c o m u m e .suas c u l t u r a s . L é v i - S t r a u s s , q u e d e d i c o u q u a t r o i m p o r t a n t e s v o l u m e s

propósito mais claramente pedagógico o u moralista. Seu conteúdo é s o b r e e s s a t e o r i a , c h a m a d o s d e Mitológicas (1964-1971), conclui ao final

m a i s fácil d e ser e n t e n d i d o p o r todos. P o r isso, elas s ã o c o n t a d a s com que os mitos n ã o servem c o m o conteúdos de mensagens inconscientes

despojamento e sobretudo para as crianças. J á o mito t e m u m caráter do social, mas c o m o estruturas de linguagem inconsciente que são

mais reverenciado, e aqueles que os sabem contar são reconhecidos reflexos das formas possíveis de comportamento humano, portanto,

p e l o s d e m a i s m e m b r o s d a s o c i e d a d e . O c o n t e ú d o d o s m i t o s é difícil d e n ã o e s t a r i a m restritos ãs s o c i e d a d e s q u e os p r o d u z e m , m a s se c o m u n i c a m

ser e n t e n d i d o n ã o só p a r a os q u e c o n t a m e os q u e escutam, m a s t a m b é m entre si, f a l a m entre si, se m o d i f i c a m entre si.

para os antropólogos q u e os e s t u d a m e os tentam interpretar. Só l e n d o esses quatro v o l u m e s p a r a crer q u e tal teoria seja possível
N u m sentido analítico, mitos se p a r e c e m c o m s o n h o s . E l e s m i s t u r a m de ser aplicada por alguém q u e n ã o o autor original. D e qualquer m o d o ,
objetos fabulosos c o m objetos corriqueiros s e m levar e m conta n e m a fica o desafio de q u e o mito é a i n d a u m mistério para a Antropologia,
t e m p o r a l i d a d e , n e m a espacialidade, n e m a lógica d e c a u s a e efeito, n e m m e s m o e m s e u r a m o q u e se i n c l i n a p a r a a F i l o s o f i a e p a r a a Linguística,
a lógica de estruturas. E i s p o r q u e F r e u d , o p a i d a psicanálise, u s o u tanto e m q u e p a r e c e m estar os m e l h o r e s c a m i n h o s d e c o m p r e e n s ã o .
u m c o m o o outro p a r a criar s u a teoria psicanalítica e t a m b é m p a r a tentar Por tudo isso, a palavra mito tem outras a c e p ç ó e s na linguagem
dar a essa teoria u m a ampliação explicativa ao todo social. N u m livro c o m u m . Serve p a r a significar histórias fantásticas, e n r e d o s labirínticos,
instigante, q u e a j u d o u a f u n d a r s u a teoria, e q u e t a m b é m é merecedor até ideologias, q u e c o n d i c i o n a m visóes e c o m p o r t a m e n t o s humanos.
d a l e i t u r a d e a n t r o p ó l o g o s . Totem e tabu (1917), Freud analisou o mito N ã o é q u e se v a l e m de fatos irreais o u a r g u m e n t o s duvidosos, mas
grego de Édipo para demonstrar o quanto u m mito pode representar a p r o j e t a m u m s e n t i d o aos fatos, antes d e s e r e m testados n u m contexto
estrutura psíquica do h o m e m , e m sua formação pessoal, o u ontogênese, mais a m p l o . É nesse sentido q u e a filósofa brasileira M a r i l e n a Chauí
b e m a s s i m , s u a e v o l u ç ã o cultural, o u s o c i o g ê n e s e . P a r a F r e u d , o q u e se c h a m a a história brasileira, tal c o m o c o n t a d a p e l o s livros académicos
p a s s a n a f o r m a ç ã o d o h o m e m , q u a l q u e r h o m e m , c o m o criança, se p a s s o u o u analisada n o dia-a-dia d a política, de mito! O n d e , pois, estaria a
u m dia, n o passado remoto, n a s u a f o r m a ç ã o c o m o ser cultural. O mito história v e r d a d e i r a ?

S-ar putea să vă placă și