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RECENSÃO

NIALL FERGUSON
O mito da América Colossus. The Rise
and Fall of the
Imperial American Empire
Henrique Raposo Londres,
Allen Lane,
2004, 384 páginas

O Império Americano não existe. É um mito Liberal; 3) retrata uma América que recusa
Samuel Huntington 1
ser um império (imperial denial) – e esta é a
grande especificidade de Colossus. Deste

N o debate pós-11 de Setembro, alguns


intelectuais do campo conservador
têm insistido num mito político: a Amé-
modo, a estrutura da nossa recensão divi-
dir-se-á em três secções. Em cada uma
delas, tentaremos refutar os argumentos
rica é um império. Mais: para estes autores do historiador escocês mais polémico do
(Robert Kaplan, Max Boot, Niall Fergu- momento.
son), o império americano é a única solu-
ção para o século XXI. Em resposta, A AMÉRICA É UM IMPÉRIO?
devemos afirmar que a metáfora imperial UMA IMPOSSIBILIDADE POLÍTICA
é nociva2, pois enviesa e empobrece a Para Ferguson, a América é e sempre foi
nossa capacidade epistemológica3. Cria um império. Está errado. Tentaremos
uma imagem mistificada do mundo. Os comprovar a nossa asserção com argu-
autores que pactuam com este mito mentos relativos a aspectos internos e
recriam a realidade; moldam o mundo aos externos da América. No que diz respeito à
seus desejos ideológicos. argumentação sobre a ordem interna,
O historiador conservador Niall Ferguson importa dizer que a América não é nem
é, neste momento, o grande apóstolo da nunca foi um império porque a sua
benignidade e da necessidade do império estrutura institucional não o permite.
americano. Colossus, aliás, pretende ser um O governo federal americano «não está
instigador da acção imperial americana. organizado de forma a permitir a consu-
E esta instigação divide-se em três argu- mação de um prolongado poder imperial
mentos-chave: 1) Ferguson afirma que a pelo mundo fora»4. A Constituição ameri-
América é e sempre foi um império; 2) cana assenta, precisamente, no repúdio do
declara que a América deve ser um impé- centralismo político necessário à consu-
rio, pois várias regiões do mundo preci- mação de um império, visto que cria um
sam da acção benigna de um Império sistema plural e potenciador das tensões

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internas da sociedade. Esse pluralismo para este tipo de poderes não-coercivos já
intelectual e cultural acaba por se traduzir existe um termo de aplicação indiscutível:
em diversas correntes e teorias de política soft power. Mas, claro, Ferguson nega a
externa5 que, naturalmente, são transpor- acuidade do conceito. Afirma que o soft
tadas para as diversas administrações6. power é apenas uma luva de veludo que
Ferguson critica este pluralismo, apeli- esconde a mão de ferro. Se o poder de
dando as tensões pluralistas de contradições atracção cultural, ideológico e económico
problemáticas. Por outras palavras, o dos EUA é só fachada, então, todo o Oci-
autor não quer compreender a natureza do dente liberal é uma fachada. Na obsessão
sistema político americano. Encara a de comparar a América com impérios de
América como se esta fosse uma nação outras épocas, Ferguson ignora as eviden-
dominada pela Vontade Geral, logo, pas- tes diferenças ideológicas entre a nossa
sível de ser reduzida a um bloco uno e era liberal e as eras imperiais de outrora.
indivisível. Ora, a América é a negação da Não se pode negar a existência do soft
Vontade Geral. E se não existe um pro- power. É uma especificidade do Ocidente
pósito nacional único e indivisível, não dos séculos XX e XXI.
pode haver império. Ferguson, no fundo, A forma desassombrada com que Fergu-
comete o erro típico da intelectualidade son desautoriza conceitos consensuais
europeia: tenta analisar os EUA com a (soft power e a definição clássica de Império)
lente analítica da realpolitik europeia. indica-nos o seguinte: falta de humildade
Em relação à ordem externa, importa dizer intelectual. Quando um conceito estabele-
o seguinte: Ferguson concentra-se, em cido se opõe à sua tese, Ferguson nega-o
demasia, em aspectos quantitativos (poder por completo. E esta arrogância não se
militar, poder económico) e negligencia fica por aqui. Outros conceitos, como uni-
aspectos qualitativos (ligações político- polaridade, unilateralidade ou hegemonia9, são
-institucionais). O Poder não garante liga- descartados com o mesmo desassombro.
ções de soberania e laços institucionais. Ferguson afirma que as invasões do Iraque
Um poder imperial implica, necessaria- e do Afeganistão constituem a transição
mente, uma ligação de soberania7. Um de um império informal para o império
império controla de forma directa e exclu- formal. Em resposta, devemos afirmar o
siva a lei, a burocracia e o exército de um seguinte: as invasões constituíram acções
dado território subalterno. É esta a defini- unilaterais do Estado hegemónico da actual
ção clássica (e correcta) de Império. Fer- conjuntura geopolítica unipolar. Ou seja,
guson recusa-a, sob o pretexto de ser concordemos ou não com estas acções
demasiado simples e estreita. Em sua militares, elas devem ser entendidas como
substituição, apresenta o elástico conceito o prolongamento de uma estratégia de
de Império Informal8, no qual pretende segurança e defesa de um estado-nação
incluir todas as formas de poder não-con- liberal e não como acções expansionistas
vencionais da América (poder comercial, de um império. Parece-nos óbvio que Fer-
poder financeiro e poder cultural). Ora, guson reduz a complexidade da política

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internacional (A América é a potência hegemó- as duas traves mestras de Colossus: (1)
nica do actual momento unipolar e, portanto, A «era pós-imperial tem sido caracteri-
tem poder para realizar acções unilaterais) a um zada por duas tendências contraditórias:
rótulo retórico (América Imperial). globalização económica e fragmentação
Que fique bem assente: o império ameri- política»12; (2) logo, a América deve conti-
cano é uma impossibilidade política, quer nuar a tarefa inglesa (repor a estabilidade
ao nível interno quer ao nível externo. e dotar o mundo de condições para a
democracia liberal e para o capitalismo)13.
A AMÉRICA DEVE SER UM IMPÉRIO? Ora, a nossa crítica ao projecto de Fergu-
UMA IMPOSSIBILIDADE IDEOLÓGICA son deve começar pelo óbvio: o historia-
O segundo argumento de Ferguson, ape- dor escocês encara o mundo com a
sar de tudo, assenta numa análise sensata cosmovisão dos grandes liberais clássicos
do mundo actual. A característica do do século XIX. É uma espécie de reencar-
nosso tempo «não é uma mudança de nação ideológica de Tocqueville. Tocque-
poder para um nível superior, para insti- ville pretendia que a França civilizasse os
tuições supranacionais, mas sim para um povos bárbaros do Norte de África14. Fer-
nível inferior»10, isto é, vivemos uma era de guson pretende que a América civilize o
fragmentação política, de fracasso do Terceiro Mundo. E não podia ser mais
Estado. O 11 de Setembro, aliás, ocorreu claro a este respeito: «[…] mesmo que não
porque a fragmentação política (neste coloquem em perigo a segurança dos
caso do Afeganistão) foi aproveitada por EUA, as condições económicas e sociais
actores não-estatais. Portanto, a grande de muitos países justificam uma interven-
preocupação de Ferguson é a seguinte: ção imperial americana» (p. 24). Ou seja,
como garantir sustentabilidade política de antes de ter preocupações de segurança
um mundo repleto de estados falhados em relação aos perigos estratégicos do
mas em crescente globalização económica século XXI, Ferguson pretende construir
e técnica? um projecto civilizacional tout court, à
A resposta de Ferguson a este dilema maneira oitocentista. Por outras palavras,
começou a ser desenhada nas últimas o império de Ferguson, antes de ser uma
páginas de uma obra anterior: Empire medida estratégica, é uma obrigação civi-
(2003). Aqui, o autor analisou a forma lizacional. Ferguson pretende que a Amé-
como o império britânico expandiu os rica transforme o mundo num local
valores liberais pelos quatro cantos do pla- melhor, destronando tiranias e recons-
neta. E Ferguson tem razão: o mundo em truindo estados falhados.
que vivemos é, em grande medida, o resul- Como começa a ser evidente, Ferguson
tado da acção inglesa. Sem a influência revela, inesperadamente, uma faceta pro-
britânica seria muito improvável que a gressista. E essa faceta é visível em quatro
democracia parlamentar fosse o modelo pontos: 1) Como já referimos, o império
indiscutível que é hoje11. E logo nas últi- de Ferguson é um projecto que visa
mas páginas de Empire, Ferguson revelou melhorar o mundo. Como conservador,

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Ferguson deveria saber que os projectos confortável predisposição analítica que lhe
destinados a melhorar a Humanidade aca- permite perceber todas as épocas, indepen-
bam sempre em desastre. 2) O império dentemente da cultura e ideologias: «A luta
americano sonhado por Ferguson apre- pelo domínio é simultaneamente perene e
senta todas as características da engenha- universal.»17 Obviamente, estamos perante
ria político-social normalmente associada alguém com uma séria distorção episte-
a autores progressistas15. 3) Ferguson mológica. E o resultado epistémico acaba
caminha por veredas que nenhum conser- por ser este: para Ferguson, só existem
vador, em consciência, pode percorrer: dois cenários para o futuro próximo: ou
despreza uma das poucas leis da política – há o império americano, o Leviatã mun-
qualquer acção tem sempre consequên- dial que ordena o mundo, ou há uma
cias imprevisíveis. O projecto imperial de desordem anárquica, uma espécie de nova
Ferguson lançaria o Ocidente e o mundo idade das trevas18.
num estado permanente de instabilidade e Ora, a epistemologia excessivamente rea-
guerra. 4) Ferguson parte de um pressu- lista acaba por abrir duas brechas no
posto progressista: um grande projecto argumento de Colossus. A primeira está
político pode controlar e antecipar tudo. relacionada com a coerência do próprio
Convém recordar que nenhum poder tem argumento; a segunda diz respeito à
a capacidade para antecipar tudo o que se carência de uma apreciação ideológica.
passa em seu redor. A primeira brecha resume-se facilmente:
Mas uma questão ainda está no ar: qual é a existe uma falha na estrutura interna do
causa profunda desta obsessão pelo impé- argumento. Colossus acaba por revelar uma
rio? Em nosso entender, a resposta é a contradição terminal entre o problema e a
seguinte: a epistemologia de Ferguson é solução, ou seja, existe um abismo tre-
determinada, em excesso, pela realpolitik. mendo entre o diagnóstico pessimista e
Seguindo a ortodoxia realista, Ferguson negro (o mundo até corre o risco de entrar
analisa o Poder sem nuances ideológicas, numa nova idade das trevas, caso a Amé-
culturais ou históricas. Julga que possui rica não cumpra o seu dever imperial) e a
uma chave universal para decifrar o solução optimista e luminosa (império
Homem. Esta chave decifradora foi for- americano redentor que tudo resolverá).
jada por Tucídides: as relações entre Ferguson torna-se, assim, num autor des-
potências são ditadas por uma luta inter- concertante para quem faz análise polí-
minável pelo Poder; esta luta está enrai- tica: o seu nível epistemológico é retirado
zada na alma humana. No decorrer da da realpolitik, mas o seu nível epistémico é
História, os nomes mudam, mas a subs- altamente idealista. É como se fosse con-
tância é sempre a mesma. É, enfim, uma servador na análise e progressista na pres-
visão estruturalista16: a pluralidade dos crição.
homens é reduzida a um modelo de Homem, Como referimos, o excessivo pendor rea-
que se repete mecanicamente. Na posse lista de Ferguson garante ainda outra bre-
desta fórmula, Ferguson apresenta uma cha analítica. E esta segunda debilidade

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está relacionada com as percepções ideo- rio britânico fazia parte desse mundo; era
lógicas em relação à América. Ferguson aceite nessa cosmovisão. Hoje, um impé-
concentra-se apenas no suposto poder rio ocidental já não tem qualquer legitimi-
imperial americano. Esquece o seguinte: é dade no mundo não-ocidental. E ainda
fundamental analisar as percepções desse bem. É sinal de que os valores ocidentais
mesmo poder. Por outras palavras, deixa tiveram sucesso em espaços não-ociden-
de lado duas questões essenciais: 1) como tais. A liberdade e, consequentemente,
é que o mundo kantiano (o conjunto de o princípio da autodeterminação são os
regimes demo-liberais) encararia uma conceitos regentes da política mundial.
Washington imperial?; 2) como é que o Teoricamente, todos os estados são iguais,
mundo não-kantiano (tiranias e estados logo, um império não é inaceitável. E por
falhados) encararia esse império? que razão os valores ocidentais tiveram
A segunda questão é completamente sucesso? Resposta: porque o império bri-
ignorada por Ferguson. É como se as tira- tânico transportou-os para o mundo.
nias e os estados falhados fossem sim- E chegamos, assim, a outra contradição
ples títeres da vontade americana. Mais: do edifício argumentativo de Ferguson:
é como se estivessem ansiosamente se aceitamos a tese de Empire, temos de
à espera da invasão e do consequente recusar a tese de Colossus. O sucesso do
nation-building. Ferguson comete um erro, império britânico na expansão dos valores
há muito diagnosticado por Maquiavel: ocidentais impossibilita um império ame-
esquece que a estabilidade de conquistas ricano no século XXI. Ferguson, mais do
«não nasce do muito ou do pouco valor que ninguém, deveria entender isso.
do vencedor, mas sim da qualidade do A outra questão (como é que o restante
vencido»19. Ou seja, a prossecução do tal mundo kantiano encararia o império?)
projecto imperial não depende apenas também é ignorada. Ao prescrever um
dos americanos. Também depende da império, Ferguson comete o seguinte
percepção e da acção dos povos que, erro: concentra-se excessivamente nos
supostamente, serão dominados e civili- problemas do mundo não-kantiano. Por
zados. Ferguson só vê a política por uma outras palavras, Ferguson negligencia os
lente: como é que a América vê e opera no aliados naturais da América, as restantes
mundo. Mas a política nunca é unidimen- potências kantianas. Mais: Ferguson
sional. Também é necessário observar o parece ignorar que uma acção imperial
sentido inverso: como é que o resto do explícita pode criar ainda mais resistên-
mundo vê a América. cias no mundo kantiano (podem surgir
Ferguson parece não entender que o Poder coligações anti-imperiais). A lógica de
não garante Autoridade20. A sua análise pura realpolitik de Ferguson põe em causa
carece de um pouco de sensibilidade cons- as ligações ideológicas e institucionais
trutivista, isto é, de consideração pelas entre potências kantianas. Os EUA devem
ideologias de cada época. O mundo do ser a nação líder do mundo kantiano e não
século XIX era um mundo europeu. O impé- um império. Um poder imperial, que tudo

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controla e rege, é a negação dos valores do O autor critica o que existe (tibieza ameri-
pluralismo liberal. cana no nation-building) e, logo de seguida,
Enfim, a América não deve ser um impé- prescreve o que não pode existir (ethos
rio, porque tal condição entra em rota de imperial vitoriano). Ferguson deixa um
colisão com os princípios do mundo kan- espaço em branco entre a crítica e a pres-
tiano e, não esquecer, com as percepções crição. E esse espaço devia ser preenchido
do mundo não-kantiano. Se Washington pela análise dos pressupostos ideológicos
insistisse na via imperial, estaria a esbar- dos americanos. Se perdesse algum tempo
rar contra estas duas paredes ideológicas com esta análise, Ferguson descobriria
inquebrantáveis. O império americano, que não falta vontade aos americanos.
além de ser uma impossibilidade política, O problema, aliás, não é de escassez
também é uma quimera ideológica. Toc- mas de excesso. Excesso ideológico, para
queville poderia aspirar realisticamente a sermos precisos. Este excesso até tem
um império, Ferguson não. uma denominação clássica: excepcionalismo
americano.
IMPERIAL DENIAL? NÃO: APENAS Concordemos ou não, o excepcionalismo
EXCEPCIONALISMO AMERICANO americano baseia-se na igualdade entre os
O terceiro argumento também tem um povos da grande família humana. Os ameri-
ponto de partida certeiro: os americanos canos vêem a América como a nação pri-
revelam precipitação nas tarefas de nation- mus inter pares e não como um império22.
-building. Destronam os tiranos, mas, Clamam que são libertadores e não con-
depois, realizam eleições precocemente e quistadores. E acreditam piamente nisso.
retiram demasiado cedo. Os americanos É por esta razão que têm pejo em impor,
parecem não saber que «impor lei e ordem por exemplo, uma constituição seme-
é muito mais complicado do que alcançar lhante à sua no Iraque ou no Afeganistão.
a vitória militar»21. Concordamos com a Para Ferguson, isto significa que os america-
crítica. Contudo, consideramos que Fer- nos não são suficientemente imperialistas e
guson não encontrou a causa exacta do que, por isso, fogem das responsabilidades.
problema. Vejamos porquê. Para um americano, contudo, isso signi-
Ferguson afirma que a América é um fraco fica a «expressão dos princípios declara-
empire builder; acusa os americanos de não dos pelos americanos há mais de duzentos
possuírem uma mente e uma predisposi- anos na sua revolta contra uma esmaga-
ção imperiais (imperial denial). Portanto, dora metrópole»23. Ferguson esquece,
a grande ameaça para a América não convenientemente, que a revolução de
advém de nenhum contrapoder europeu 1776 criou uma cultura política anti-impe-
ou asiático, mas do vácuo de poder interno, rial e, por arrastamento, um respeito ine-
da ausência de vontade de poder dos ame- xorável pelo direito à autodeterminação.
ricanos. Esta análise não está correcta. Este binómio (anti-imperialismo e auto-
Isto porque Ferguson não procura perce- determinação) surgiu sempre nos grandes
ber os americanos nos seus pressupostos. documentos clássicos da política externa

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americana (Doutrina Monroe, Catorze mundial em nome de um projecto civiliza-
Pontos de Wilson, Doutrina Truman). cional de impossível concretização. Aliás,
E que importância tem o conceito de excep- até se pode dizer que Colossus acaba por
cionalismo americano na argumentação de delinear um projecto não-político. O pro-
Ferguson? Resposta: zero. Mais uma vez, jecto de Ferguson é uma pretensão teleo-
o historiador escocês nega a acuidade de lógica. Tudo é justificado em nome
um conceito há muito estabelecido. daquela meta imperial. E, assim, as medi-
Afirma que a América é tão excepcional das políticas concretas (por exemplo:
como qualquer outro império do passado. invadir o Iraque) deixam de ser excepcio-
Ora, Ferguson tem de compreender que o nais e polémicas. Passam a estar protegi-
excepcionalismo americano existe. É um das pela certeza indiscutível de todos os
dado ideológico indesmentível. Aliás, a projectos teleológicos que procuram
compreensão e a subsequente crítica do melhorar a Humanidade. Colossus não tem
excepcionalismo americano constituem como objectivo a análise dos homens con-
a porta de entrada para a crítica sensata à cretos. A sua meta é outra: a prescrição de
política externa americana. A falta de von- um projecto para o Homem.
tade referida por Ferguson é, na verdade, o Antes de morrer, o historiador francês
excepcionalismo americano. Devemos cri- François Furet escreveu: «Será que o fim
ticá-lo24, pois é a causa directa para as do comunismo privará a política democrá-
falhas apontadas por Ferguson (precipita- tica de um horizonte revolucionário
ção no nation-building). Mas não podemos durante muito tempo? É esta a pergunta
fingir que não existe. que vos deixo.»25 Ao lermos Ferguson,
ficamos com a sensação de que uma par-
CONSIDERAÇÕES FINAIS cela da velha utopia revolucionária viajou
Em suma, Ferguson sacrifica a comple- para onde menos se esperava: para junto
xidade política e ideológica da política de alguns intelectuais conservadores.

NOTAS

1 5
HUNTINGTON, Samuel – «The Great Walter Russell Mead, por exemplo, con- Policy. Washington: Brookings Instituition
American Myth». In Maclean’s, vol. 118, n.º 7, sidera que existem quatro correntes de polí- Press, 2003.
Fevereiro de 2005. tica externa americana: Hamiltonianos,
7
Jeffersonianos, Jacksonianos e Wilsonia- Ver ZELIKOW, «The Transformation of
2
Ver ZELIKOW, Philip – «The Transforma- nos. Ver MEAD, Walter Russell, Special Provi- National Security», p. 18.
tion of National Security – Five Redefinitions». dence. Nova York: Routledge, 2002.
8
In National Interest, Primavera de 2003. Ferguson acaba por cair noutro cliché da
6
A Administração Bush é apenas o nossa época: excessiva plasticidade dos ter-
3
Mais: o uso do conceito América Imperial exemplo mais recente de uma longa tradi- mos. Ora, se começamos a adulterar os
é uma concessão ao sound byte. O resultado ção de diversidade e pluralismo na Casa conceitos clássicos em prol da nossa
é óbvio: perda de rigor analítico em prol da Branca. A primeira administração de G. W. agenda imediata, corremos o risco de per-
retórica. E assim se cria um mito destinado Bush dividiu-se em três correntes: nacio- der o rigor na discussão intelectual. Quando
a abastecer discussões intelectuais acalora- nalistas assertivos (Rumsfeld), neoconser- se adequa um dado conceito à nossa agenda
das mas pouco rigorosas. vadores democratizadores (Wolfowitz) e pessoal, estamos a criar um ambiente inte-
internacionalistas pragmáticos (Powell). lectual que impossibilita o diálogo, o debate
4
ZELIKOW – «The Transformation of Ver DAALDER, Ivo & LINDSAY, James – Ame- e a crítica. Se os conceitos clássicos não
National Security», p. 19. rica Unbound – the Bush Revolution in Foreign forem respeitados, perderemos o chão

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comum para o diálogo académico e intelec- o império – Max Boot. Aliás, há um duplo eco Tucídides: Realismo Estrutural. Ver DUNNE,
tual. entre Boot e Ferguson. Repare-se na Tim & SCHMIDT, Brian C. – «Realism», in
seguinte frase de Boot, claramente inspi- John Baylis & Steve Smith (eds.), The Globa-
9
Ferguson recusa o conceito de Hegemo- rada na cosmovisão vitoriana de Ferguson: lization of World Politics. Nova York: Oxford
nia, afirmando que é apenas uma forma de «Hoje, o Afeganistão e outras terras turbu- University Press, 2001, p. 149.
evitar o termo Império. Ver FERGUSON, Niall – lentas clamam por uma espécie de ilumi-
17
«Hegemony or Empire». In Foreign Affairs, nada administração estrangeira outrora FERGUSON, «A World Without Power»,
vol. 82, n.º 5 (Setembro-Octubro de 2003), providenciada pelos autoconfiantes ingle- p. 32.
p. 160. ses». Mas, atenção, Ferguson não é neocon-
18
servador. O seu projecto imperial advém da Ibidem, p. 34.
10
FERGUSON, Niall – «A World Without nostalgia do império britânico. Neste sen-
19
Power». In Foreign Policy, n.º 143 (Julho- tido, o intelectual mais parecido com Fergu- MAQUIAVEL – O Príncipe [trad. C. Sove-
-Agosto de 2004), p. 38. son será, provavelmente, o americano ral]. Lisboa: Guimarães Editores, 1999
Robert D. Kaplan: «Winston Churchill via nos [1513], p. 28.
11
Ver FERGUSON, Niall – Empire - How Bri- EUA um digno sucessor do Império Britâ-
20
tain Made the Modern World. Londres:, Pen- nico, pois poderia continuar a missão britâ- Estamos a usar a distinção clássica
guin Books, 2004 [2003], pp. 366-367. nica de liberalizar o mundo». Segundo entre Poder e Autoridade, cunhada por
Kaplan, a América não pode descansar Robert Nisbet. Autoridade, no fundo, des-
12
Ibidem, p. 371. enquanto não produzir algo tão estimável creve um poder com legitimidade. Diz res-
como o império britânico. Cf. KAPLAN, peito à ordem interna e orgânica de uma
13
Tendo em conta a motivação de Fergu- Robert D. – «Supremacy by Stealth». In The dada sociedade. Ou seja, a Autoridade legí-
son, importa distinguir o escocês de outros Atlantic Monthly, vol. 292, n.º 1 (Julho-Agosto tima advém de laços históricos, culturais e
autores que advogam uma actividade impe- de 2003), p. 83; Cf. BOOT, Max – «The Case for religiosos. Poder descreve as estruturas
rial, nomeadamente Michael Ignatieff e American Empre». In Weekly Standard, vol. 7, respeitantes à força militar e política. Ao
Robert Cooper. Michael Ignatieff é um liberal n.º 5 (15 de Outubro de 2001); disponível em contrário da natureza orgânica e natural da
intervencionista. Advoga uma espécie http://www.weeklystandard.com/Content/ Autoridade, o Poder tem óbvios problemas
de imperialismo dos direitos humanos. Public/Articles/000/000/000/318qpvmc.asp; de legitimidade. Ver NISBET, Robert – The
O nation-building assume, aqui, a dimensão Ver IGNATIEFF, Michael – Empire Lite. Lon- Sociological Tradition. Nova York: Basic
de um acto de solidariedade entre ricos e dres: Vintage, 2003; Ver COOPER, Robert – Books, 1966, p. 6.
pobres, isto é, um acto de solidariedade de «Imperial Liberalism». In National Interest,
21
ocidentais para com não-ocidentais. Cooper n.º 79 (Primavera de 2005), pp. 25-34. FERGUSON, Niall – «Hegemony or Em-
também fala em termos idealistas (ex: defesa pire?», p. 155.
14
da dignidade da Humanidade), mas, acima de Ver, por exemplo, TOCQUEVILLE, Alexis
22
tudo, apresenta um pensamento estratégico. de – «Travail sur L’Algérie», in Tocqueville O excepcionalismo americano é
O seu Liberalismo Imperial, no fundo, Oeuvres. Bruges: Gallimard – Bibliothèque expresso, na sua forma mais pura, pelo
resume-se ao seguinte: o mundo pós- de la Plêiade, 1991 [1841], pp. 691-759. mainstream do neoconservadorismo: «a
-moderno (potências kantianas) deve ter a vocação americana não é uma vocação
15
capacidade de intervir no mundo moderno e Por vezes, a engenharia imperial de Fer- imperial». Ver FRUM, David & PERLE,
pré-moderno, quando assim for necessário. guson atinge proporções, digamos, dantes- Richard – An End To Evil - How to Win the War
E deve-se salientar a componente da neces- cas. O autor afirma que a situação política e on Terror. Nova York: Random House, 2003,
sidade. O Liberalismo Imperial advoga inter- económica nas ex-colónias africanas piorou p. 279.
venções estratégicas, isto é, intervenções que desde as independências. Certo. Mas será
23
exterminem ameaças à nossa segurança. que isso justifica um novo tipo de imperia- MCMEEKIN, Sean – «In Denial». In Com-
Robert Cooper foi uma grande influência de lismo? Segundo Ferguson, o regresso de um mentary, vol. 118, n.º 2 (Setembro de 2004),
Ferguson. Empire termina com um desen- império liberal ofereceria melhores pers- p. 98.
volvimento de um argumento de Cooper. pectivas de desenvolvimento económico e
24
Mas, Ferguson vai mais além. Para o espí- estabilidade política. Em suma, Ferguson Ver RAPOSO, Henrique – «Ser ou Não
rito conservador de Ferguson, o projecto de pretende que a América invada e reorganize Ser Maquiavélico». In Relações Internacio-
Cooper tem uma falha: não possui uma base a África subsariana, reocupando o lugar dei- nais, n.º 4, Dezembro de 2004, pp. 173-181.
política sólida. O Liberalismo Imperial, para xado vago pelos europeus…
25
Ferguson, é um conceito etéreo. Daí a FURET, François – «Democracia e Uto-
16
defesa da América Imperial. Tim Dunne e Brian C. Schmidt cunha- pia». In ESPADA, João Carlos (org.) – A Inven-
Com tudo isto, Ferguson aproxima-se de um ram um conceito muito interessante para ção Democrática. Lisboa: ICS, 2000, p. 62.
dos poucos neoconservadores que advogam descrever esta cosmovisão baseada em

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