Sunteți pe pagina 1din 24

ote-Sswicrle.

21ÁÁlp.‘)-5 -£-J-L
(--)L

Este livro reúne textos inéditos no Brasil da


internacionalmente reconhecida experiência italiana
DESINSTITUCIONALIZAÇA0
em Saúde Mental iniciada por Franco Basaglia.
Dirige-se não apenas ao profissional de Saúde
Mental mas a todos os que buscam um novo agir e
• 4
FRANCO ROTELLI
pensar a loucura. OTA DE LEONARDIS
DIANA MAURI
"A subjetividade do paciente existe verdadeiramente
arenas no momento em que ele pode sair do E-4
2.a edição
manicômio, ou seja somente quando lhe são
atribuídos e reconstruídos os recursos e condições
ça2
materiais, sociais, culturais que tornem possível o
efetivo exercício de sua subjetividade."

Franco Rotelli
dirertor des Serviços de Saúde Mental de Trieste

EDITORA HUCITEC

t'ti1'1', isi 616.P


R841
78U27:), 2001'
!Ex.: EDITORA HUCITEC
3ESINSTITItC0,17/C10 H
iCITEC
• P.2/0/2203
;;• )-; L.
ji(2-12
Direitos desta edição reservados pela Editora tlucitec Ltda.,
Rua Gil Eanes, 713 - 04601-042 São Paulo, Brasil. SUMÁRIO
Telefone: (11)5044-9318 (geral), 5543-5810 (vendas)
5093-5938 (fax).
e-mail: hucitec@terra.com.br
Home-page: www.hucitec.com.br

ISBN 85-271-0123-8

Depósito legal efetuado


(Decreto n.° 1.825, de 20/12/1907)

Ilustração ria rapa. fotografia de Romeu di Sessa, de manifestação de arte de Eduardo


de Oliveira, Hercilio Trindade, José Rodrigues Borrs, Leo Alexandre Forensen Gou-
Apresentação 9
veia, Pedro Manuel e Roberto do Amaral Gomes. Este mural encontra-se no Núcleo Fernanda Nicricio
de Atenção Psico-Social da Zona Noroeste, Santos, São Paulo.
1. Desinstitucionalização, uma outra via . 17
Franco Rotelli, Ota de Leonardis, Diana Matai

2. O inventário das subtrações 61


Franco Rotelli

3. Prevenir a prevenção 65
Ota de Leonardis, Diana Mauti, Franco Rota

4. A instituição inventada . 89
Franco Rotelli

5. Uma análise crítica dos fundamentos epistemo-


lógicos na concepção de anormalidade e de psi-
copatia em Kurt Schneider 101
C. de Risio, Franco Rotelli

7
DESINSTITUCIONALIZAÇÃO,
UMA OUTRA VIA
A Reforma Psiquiátrica Italiana no Contexto.
da Europa Ocidental e dos "Países Avançados"

FRANCO ROTELLI
diretor dos Serviços Psiquiátricos de Trieste
j/
1
OTA DE LEONARDIS
Universidade de Salemo, Instituto de Sociologia
DIANA MAURI
Universidade de Milão, Instituto de Sociologia

SÍNTESE

Este ensaio analisa a experiência italiana de desinstitucio-


nalização em Psiquiatria com a qual foi amadurecida uma
reforma conhecida em nível internacional porque é a única
nas sociedades industriais que aboliu a internação no Hospi-
tal Psiquiátrico do con'unto de prestações e serviços d2 saúde
mental.' E os autores assinalam a diferença
em relação às ou ras re ormas psiquiátricas na Europa e nos
Estados Unidos, nas quais a desinstitucionalização foi redu-

Tradução de Maria Fernanda de Silvio Nicácio (Universidade de São


Paulo), do original italiano "Deistituzionalizzazione, un'altra via (la Rifor-
ma Psichiatrica Italiana nel contesto dell'Europa Occidentale e dei `paesi
avanzati)"; publicado em Health Promotion, Oxford University Press, 1986
vol. 1 n. 2. Revisão da tradução: Beatriz Ambrósia do Nascimento (Univer-
sidade Federal de São Carlos) e Denise Dias Barros (Universidade de São
Paulo).

1 Na realidade, até agora, somente no Estado de Saskatchewan (Canadá)


se optou pelo fechamento de fato dos hospitais psiquiátricos, enquanto
em alguns estados Gos r ir",?Wkilguns hospitais foram suprimidos Sr,
in..rn rá.o, r ia, íes pragmáticas na 1
na Suécia por parte dos respectivos governos.

17
1.,k PSIQUIATRIA REFORMADA NA EUROPA E NOS ESTADOS
zida à desospitiáiiNau, fazendo uma síntese crítica dos pro-
UNIDOS: a desinstitucionalização torna-se desospitalização
blemas e falências dessas reformas.
E ão reconstruídos os diferentes conteú-
dos e métodos da desinstitucionalização italiana nos locais A grande estação de reforma na Europa e nos Estado-s
onde foi efetivada, começando pela (crítica do paradigma Unidos, que envolveu e por vezes transformou em várias
racionalista problema-solução• como normalmente é aplica- medidas os sistemas de saúde mental, foi impulsionada pelo
do em Psiquiatria. Os autores colocam em evidência que a intento de renovar a capacidade terapêutica da Psiquiatria,
verdadeira desinstitucionalização em Psiquiatria tornou-se liberando-a dá suas funções arcaicas de controle social,
na Itália um processo social complexo que tende a mobilizar coação e segregação'-. Neste contexto cultural e político a
como atores os sujeitos sociais envolvidos, que tende a trans- desinstitucionalização era uma palavra de ordem central uti-
formar as relações de poder entre os pacientes e as institui- lizada para muitos e diferentes objetivos: para os reformado-
ções, que tende a produzir estruturas de Saúde Mental que res ela sintetizava precisamente esses objetivos; para os gru-
substiti~ inteirarael lie c1;111%..iaação ao Hospital Psiquiá!ri pos de técnicos e poifticos radicais ela simbolizava a perspec
coe que nascem da desmontagem e reconversão dos recursos tiva da abolição de todas as instituições de controle social, e
materiais e humanos que estavam ali depositados. Para argu-1
mentar este último ponto os autores se referem em particular 3 1 se emparelhava à perspectiva antipsiquiátrica; para os admi-
nistradores, ela era sobretudo um programa de racionaliza-
ao exemplo da organização dos Serviços de Saúde Mental de ção financeira e administrativa, sinônimo de redução de lei-
Trieste. tos hospitalares e uma das primeiras operações conseqüentes
Em , é examinada a lei de Reforma que surge da crise fiscal. _ -- -
no interior esse processo e as características de sua imple- É sobretudo com este último significado que_a desinstitu
mentação, para mostrar que a desinstitucionalização, como cionalização foi realizada, ou seja, foi prnticada como desos-
processo social, continua através desta implementação. pitalização, poiflica de ali as tiopitolarcs, redução moí, ,^.;n- \ -
Os autores concluem que coei estes significados a &sins:-
menos gradual do número de leitos (e em alguns casos;---"
titucionalização não se esgota com a chámadaWise do
o eriibora não freqüentemente, de fechamento mais ou menos
ao contrário, ela oferece indicações im ortantes ara
produzir inovações nas políticas sociais do ós-Welfare. brusco de hospitais psiquiátricos). Entre outros aspectos,
Se o objeto observado é a transformação da instituição como é sabido, nesta versão a desinstitucionalização sobre-
psiquiátrica, nossa opinião é que o discurso que apresenta- vive à crise dasPoltticas de saúde mental que dela fizeram
mos tem também implicações referentesa toda a organização uma bandeira, e revela-se coerente com as orientações neo-
sanitária, sobretudo em relação à crise dos projetos sanitários liberais e conservadoras de redimensionamento do próprio
que se contrasta com a transformação cy instituição psiquiá- Tomada como bandeira, ou "mito", a desinstitucio-
trica nesta fase histórica.
O presente estudo representa somente a primeira parte 2 É significativo observar que este processo nem ao menos "arranhou" a
de um trabalho que na seqüência pretende analisar o signifi- situação de outro grande país industrializado, o Japão, onde, ao contrá-
cado do processo de desinstitucionalização-ao nível das rela- rio, o desonvoKinicin;rifirriniernação psiquiátrica se ampliou enui me-
ações interpessoais-e ain-wort4e„Gia-c4iTelpáíristit.,,c;:- nalização ':'. ío.i alingir a cifra
na abordagem do mundo psicopatelógicó individual. dos.

18 19
nalização foi imputada aos reformadores e reevocada para e por uni aumento complementar de :3;tas e de recidivas. Em
liquidar a vontade de mudança daquele período ou para „ outras palavras, os hospitais psiquiátricos são em parte reor-
alimentar as autocríticas dos próprios reformadores. ganizados segundo atAgica do(Grevolving doo s.). Ao mesmo
Para orientar a discussão sobre o significado adquirido tempo, e ao lado desses hospitais, começaram a funcionar
pela própria desinstitucionalização para os grupos de técni- outras estruturas de tipo assistencial ou judiciário que inter-
cos que a Sustentaram com extrema exigência nas experiên- nam e asilam pacientes psiquiátricos. A desinstitucionaliza-
cias desenvolvidas na Itália, afirmamos desde já que esta não ção, portanto, entendida e praticada como desospitalização,
foi entendida nos termos redutivos de urna perspectiva "abo- produziu o abandono de parcelas relevantes da população
licionista" do tipo político radical, e também nunca se iden-
tificou com a desospitalizaçãO (e isto particularmente nos
g psiquiátrica e também uma transinstitucionalização (passa-
gem para casa de repouso, albergues para anciãos, cronicá-
locais que promoveram a Reforma de 1978). rios "não psiquiátricos" etc...) e novas formas (mais obscuras)
Em suas intenções todas as reformas psiquiátricas dos anos de internação _(Rose 1979, Warren 1980, Scull 1981, Morris-
60 nc "r- •!rcp-4 se propunham a 2.tingfr superação gradual da sey 1982). _
internação nos manicómios através da criaçao de serviços na b) Os sei viços ter itoriais ou de comunidade convivem com
comunidade, do deslocamento da intervenção terapêutica a internação mas não a substituem, ao contrário, como vere-
para o contexto social das pessoas, a prevenção, a reabilita- mos, confirmam sua necessidade. Os serviços territoriais são
ção etc... Esta transformação da forma organizativa dos siste- os lugares nos quais se expressa a renovada intenção terapêu-
mas de saúde mental rompeu o predomínio cultural do mo- tica da Psiquiatria, que queria finalmente libertar-se da fun-
delo segregativo clássico da Psiquiatria, no qual o manicômio ção imprópria de custódia e de coação. Esses serviços se
constituía a única resposta ao sofrimento psíqUico. E nesta desenvolveram junto ao hospital psiquiátrico e se especiali-
perspectiva foram multiplicadas as estruturas extra-hospita- zaram seguido a lógica de "um serviço para cada problema"
lares, médicas e sociais, que deveriam assistir aos pacientes (Castel e outros 1979, De Leonardis c Mauri 1980, 1983).
egressos deis hospitais psiqUiátricos e constituir um filtro Isto é, cada problemà vem selecionado e assumido com base
contra hospitalizações ulteriores. no critério da coerência e da pertinência aos códigos da
Mas quais efeitos, desejados ou não, esta mudança produ- prestação do serviço. Em geral, na Europa, os serviços psi-
ziu na prática? Que eficácia tem demonstrado em relação ao quiátricos têm utilizado esta lógica para diferenciarem-se em
objetivo de superar a internação? As análises sobre a psiquia- três modelos principais: o modelo médico, que tem seu lugar
tria reformada põem em evidência alguns traços comuns: institucional no hospital geral e sua prestação principal na
a) A internação psigitidtrica continua a existir na Europa e ministração de fármacos; o modelo do auxílio social, que
nos Estados Unidos. Em todos os sistemas de saúde mental privilegia as condições materiais da vida da pessoa e oferece
nascidos das reformas, malgrado as intenções que as anima- assistência social; o modelo de escuta terapêutica, que privi-
vam, permaneceram os hospitais psiquiátricos e as estruturas legia a vivênciasiketi a ia Esta subdi-
de internação que têm um peso não secundário: calcula-se, visão macroscópica se concretizou em uma total comparti-
por exemplo, que na Europa estas estruturas contêm cerca mentalização e ausência de relações entre estes diversos
de uni milhão de pessoas. As política de desoápitaJização foi 'tipos de serviços, qum qPRinrarn separando-se uns dos outros
acoinpanhada por uma redução no período das internações e articulando-se én. Infla posterior especialização e fragmen-

20 21
tação por tipos singulares de p; estação. Este desenvolvimen- cionicitiatie e aiimen, e necessidade dc lugares nos
to é particularmente observável no campo das psicoterapias temporariamente, possa "despejar" e internar os pacientes.
(Castel 1981). c) O sistema de saúde mental funciona como um circuito.
As análises sociológicas e sócio-psiquiátricas têm insistido Aí análises sociológicas e piiquiátricas sobre a psiquiatria
em apontar os riscos presentes nesta difusão e especialização reformada colÓcam em evidência que entre os serviços da
dos serviços psiquiátricos na comunidade: psiquiatrização comunidade e as estruturas de internação existe uma com-
dos problemas sociais e difusão capilar dos mecanismos de plementaridade, um jogo de alimentação recíproca; fala-se
controle social na comunidade (nota-se o caso extremo das de "efeitos hidráulicos", de "circuito" (Bachrach 1976, Feeley
terapias para os normais). Mas estas preocupações deixaram 1978, Steadman & Monahan 1984). Particularmente a ima-
de lado outros efeitos complementares a estes, ou seja, os gem do circuito coloca em evidência o fato de que na psiquia-
efeitos de seleção, de falta de resposta aos problemas e tria reformada a "estática" da segregação em uma instituição
sofrimentos das pessoas, de abandono. Dctenhamo-nos um separada e total foi substituída pela "dinâmica" da circulação
'N momento neste'aspeeto. O elevado nível de especializ2 ,;ko e entre serviços especializados e prestações pontuais e frag-
de refinamento das técnicas de intervenção tem como con- mentadas. Assim, funcionam: o centro para intervenção du-
seqüência uma correspondente elevação da seleção de pa- rante a crise, o serviço social que distribui subsídios, o ambu-
cientes assumidos, ou seja, os serviços funcionam segundo latório que distribui fármacos, o centro de psicoterapia etc...
uma lógica de empresa: selecionam os problemas com base Assim também funcionam os locais de internação, os quais
na própria competência e quanto ao restante podem dizer também são organizados, como vimos, segundo a lógica do
(E "não é um problema nosso". Isto significa em primeiro lugar "revolving door" e portanto exemplificam o funcionamento
que os pacientes devem saber colocar a requisição coerente em circuito do sistema em seu conjunto. No circuito eles
com o tipo de serviço ou devem ser conscienciosos, ou ao representam um "ponto de descarga" necessário, temporário
menos devem apresentar problemas pertinentes às presta- e recorrente.,
ções oferecidas. Em segundo lugar, a eficácia das prestações O circuito é, entretanto, também uma espiral, ou seja, um
preconizadas, freqüentemente motivada pelo esforço de mecanismo qtie alimenta os problemas e os torna crônicos.
especialização profissional dos operadores dos serviços, se Não por acaso, o dilema central e dramático dos sistemas de
confrontada e relativizada em relação ao grande número de saúde mental nascidos das reformas não são mais os velhos
perguntas e problemas que não são nem ao menos conside- pacientes crônicos egressos dos hospitais psiquiátricos com a
rados, revela-se muito insuficiente. Ao final, e como conse- desospitalização, mas os novos crônicos. Pensemos no caso
qüência, esta forma especialista e seletiva de funcionar dos dos Young Adult Chronic Patients que lotam os serviços nos
serviços psiquiátricos faz com que as pessoas sejam separa- E.U.A.: eles são jovens, uma multidão trazendo problemas
das, "despejadas", jogadas de um lado para outro entre com- diversos (sociais e econômicos, de saúde, psicológicos), per-
petências diferentes e definitivamente não sejam de respon- turbam a ordem pública, não são redutíveis a categorias
sabilidade de ninguém e sim abandonadas a si mesmas. O diagnósticas definidas, circulam entre os serviços sem nunca
abandono dc que foram acusadas as políticas de desospitali- construir uma relação estável. E naturalmente habitam peri-
za& é uma prRica cotidiana, ainda que mais leve e iMtpa odicamente os locais para internação (Bachrach 1982, Pep-
-rente, dos serviços territoriais. Este abandono produz nova per & Ryglewicz 1982),

22 23
Portanto esse jovens representam de forma exemplar ma: trata-se definitivamente de reconstruir todo o processo
aquilo que se produz no funcionamento em circuito dos de transformação da instituição psiquiátrica desenvolvido ao
novos serviços psiquiátricos: um número maciço e crescente longo de mais de, vinte anos e que deixou sua marca em
de crônicos, um sentimento difuso de impotência e frustra- múltiplas dimensões: do microcosmo da relação terapêutica
ção entre os Operadores e a necessidade de locais de inter- (e das concepçõeá e práticas de tratamento) à dimensão da
nação que funcionem como válvula de escape. construção de uma nova política psiquiátrica (e das concep-
Podemos então concluir estas breves notas sobre os siste- ções e práticas da ação política). Consideramos importante
mas de saúde mental nos países "avançados" nascidos das tratar de identificar as características do processo de desins-
reformas, firmando que o balanço desta desinstitucionaliza- titucionalização nestes lugares, exatamente porque, também
çãd não pode ser senão um balanço negativo. na Itália, corre-se o risco (ou pior) de passar a realizar não a
1. A intenção de liberar a Psiquiatria (e o seu objeto) da desinstitucionalização assim como ela foi intencionada, mas
coação e da cronicidade que esta produzia para restituir-lhe a versão'que ilustramos esquematicamente nas páginas ante-
o estatuto terapêutico resultou na construção de um sistema riores.
wmplexo de prestações que, reproduzindo ,,illtiplicando a
lógica somente negativa da desospitalização selecionam, de- 2.1. Desinstitucionalizar o paradigma
compõem, não se responsabilizam, abandonam. A nova cro-
nicidade então produzida constitui o sinal mais macroscópico
A partir do observatório do manicômio em Gorizia nos
e dramático da falência dessas intenções. Na realidade pode-
anos 60, um grupo de psiquiatras inovadores percebeu que a
se avançar na hipótese de que no fundo deste processo
Psiquiatria, desde sempre, não consegue adequar os seus
estivesse a exigência de relegitimar a Psiquiatria "liberan-
métodos de trabalho "aos princípios abstratos" que a gover-
do-a" de sua relação histórica com a justiça e de seu ser
imanente às políticas de controle social; dar-lhe uma digni- nam, assim como às outras i::stituições do Estado Moderno
dade exclusivamente "terapêutica". É rázoável reter que este que dividem entre si as competências de interpretações e de
é um projeto impossível, mas que atrav4 dessas operações} intervenções nos problemas sociais (em particular a medici-
tenta-se fazê-lo parecer real. na, a justiça e a assistência, que fazem fronteira com a Psi-
2. Um sinal complementar desta falência está no fato de quiatria). Estas instituições funcionam (ao menos assim se
que esta forma de de,sinstitucionalização não alcançou o legitimam) com base em uma relação codificada entre "defi-
objetivo de superar a necessidade da coação e, portanto, dos nição e explicação do problema e resposta (ou solução)
locais de internação. Eles permanecem e se confirmam como racional", tendencialmente ótima3. Para esclarecer melhor a
um elemento necessário ao funcionamento do sistema como
um todo. 3 A reflexão crítica sobre o teorema racionalista problema-solução é um
campo que se abriu muito recentemente no âmbito das ciênéias sociais
6,41-)-k\> ° e politolágicas. Para uma concretização no terreno das políticas sociais
EXPERIÊNCIA ITALIANA ver Nelson (1977), Bardach, Kegan (1982), Boudon (1984), March
(1978, 1981); para as implicações na vertente terapêutica ver Watzla-
wick et al 1974. Esta temátiézté,mentretpnto um ernbasainento teórico
Não é simples explicar positivamente o que foi e O que—é de maior alcance nos.studos sobre rc2ion:.1cladc c, cm particular, sobre
a desinstitucionalivação nos locais que prepararam a refor- racionalidade limitada — ver por exempto Elster .'1979).

24 25
ação deste paradigma racionalista problema-soluçao é sufi- a Psiquiatria, oo seja, a medicina, a justiça e a assistência. E
ciente referir-se à terapia no âmbito da medicina. A terapia por isso a Psiquiatria se constitui em ..última instância na
entendida não tanto como uma relação individual entre mé- fronteira, no cruzamento dessas instituições e assume o dever
dico e paciente mas sobretudo como um sistema organizado de absorver no seu interior tudo aquilo que resta da lógica
de teoria, normas, prestações — é em geral o processo que
problema-soluçá que a governa e, portanto, todos os pro-
liga o diagnóstico ao prognóstico, que conduz da doença à
blemas que ao resultarem incoerentes, insolúveis e irredutí-
cura. Este é portanto um sistema de ação que intervém em
relação a um problema dado (a doença) para perseguir uma veis são por isso expulsos. Neste sentido a Psiquiatria revela
solução racional, tendencialmente ótima (a cura). Entretan- ser uma instituição que mais do que qualquer outra coisa
to, apesar dos pressupostos científicos e dos fins terapêuticos administra aquilo:que sobra, isto é, uma instituição, residual
que pretendia ter, a Psiquiatria constitui uma primeira práti- ela mesma, que detém, em relação ao sistema institucional
ca desconfirmadora deste paradigma racionalista. Esta des- em sua totalidade, um poder tanto vicário quanto insubs-
confirmação apresenta-se em primeiro lugar no objeto da tituível.
competência psiquiátrica: a doença mental. De fato, desde
Por isso, a crítica ao manicômio desenvolvida na Itália fez
suas origens, a Psiquiatria está condenada a se ocupar de um
deste um ponto de verdade, não tanto pelo atraso da Psiquia-
objeto, a doença mental, que na realidade é bastante "não
tria, quanto de sua própria (a dos aparatos contíguos) iden-
conhecível" e freqüentemente incurável (Blculer 1983); mal-
grado os enormes esforços para dar-lhe uma explicação e tidade; um ponto dcvcrdadc que ilumina também o presente.
definição racional, ampliando e tornando mais complexo o De fato, como se pode depreender do balanço crítico esbo-
quadro das causas (com as contribuições da psiquiatria social çado anteriormente, a Psiquiatria nascida das reformas faliu,
e relacional, as pesquisas epidemiólogicas, biológicas, imu- seja no objetivo de superar a cronicidade, seja no objetivo de
nológicas etc...) ao final da cadeia causal a doença continua liberar-se da sua "função" de coação e internação.
largamente indeterminada c indefinida; e ainda, apesar do No seu conjOnto,.a.impüssibilidade de conhecei• o proble- •
desenvolvimento das terapias de "choque", das farmacológi- ma e de construir uma solução aparece como uma falta
cas, das psiCoterapias etc... a cronicidade continua a ser o constitutiva da Psiquiatria que, uma vez cnfocada, lança uma
objeto por excelência, o problema e o sinal mais evidente da luz crítica sobre o' acúmulo de códigos diagnósticos, aparatos
impotência da Psiquiatria cm alcançar a solução-cura (e os organizalivos e administrativos, especializações terapêuticas.
manicômios são a evidência concreta de tudo isto). Isso tudo aparece como uma moldura feita mais para encobrir
A desconfirmação do paradigma racionalista está presente c remover aquela falta constitutiva da Psiquiatria e talvez
também na forma assumida pela instituição psiquiátrica: o também através da separação do problema não resolvido,
para manter a salvo, paralelamente, a credibilidade do teore-
manicômio efetivamente se constitui sobretudo como local
ma racionalista problema-solução. Em outras palavras, os
de descarga e de ocultamento de tudo aquilo que, como
psiquiatras inovadores italianos (em Gorizia, nos anos 60, e
sofrimento, miséria ou distúrbio social, resulta incoerente depois cm Trieste, nos anos 70 e atualmente) trabalham com
frente aos códigos de interpretação c de intervenção (de a hipótese dc que o mal obscuro da Psiquiatria está em haver
problema-solução) das instituIções que fazem fronteira com separado um objeto fictício, a "doença", da global

26 27
7

roilinlext: e cona e!:, -4 dos pueiciiks •obre


cie,/ ;‘)o experimenti soluções; ao contrário, estamos irai): ;Lados :1-3
esta separação artificial se construiu um conjunto de aparatos confronto com uma estrutura de respostas científicas, tera-
científicos, legislativos, administrativos (precisamente a "ins- pêuticas, normativas, organizativas, que se autolegitimaram
tituição"), todos referidos à "doença". E este conjunto que é como soluções racionais, definindo, plasmando e reproduzin-
preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o con- do o problema à sua própria imagem e semelhança. A partir
tato com aquela existência dos pacientes, enquanto "existên- da observação do manicômio (e não é assim também, em
cia" doente. muitos sentidos, para o hospital geral?) se torna evidente que
Todavia, o caráter radical desta crítica do manicômio co- na relação que liga o problema à solução é a solução que
mo ponto de verdade da Psiquiatria e de seu papel no sistema formula o problema, no sentido de que é ela que lhe dá nome
ínstitucional não leva os psiquiatras inovadores italianos a e forma. Por isso este primeiro passo da desinstitucionaliza-
tomar o atalho da antipsiquiatria; o percurso que se coloca é ção consiste no fato de que não se pretende enfrentar a
mais complexo e indireto: é preeisamente o percurso da etiologia da doença (ao contrário, renuncia-se efetivamente
decinstitucionalizacão. Neste se continua a realizar o objeti- a qualquer intenção de explicação causal), mas, ao contrário,
vo e a "função" terapêutica (portanto não se faz "pci se adota a direção de unia intervenção prática que remonte
e ao mesmo tempo utiliza-se o poder, residual mas insubsti- a cadeia das determinações normativas, das definições cien-
tuível, que a Psiquiatria tem no sistema institucional como tíficas, das estruturas institucionais, através das quais a doen-
poder de transformação (e portanto se faz "política"). ça mental — isto é, o problema — assumiu aquelas formas de
O primeiro passo nesta direção, ou seja, o primeiro passo existência e de expressão6. Por isso, a reproposição da solu-
da desinstitucionalização, foi o de começar a desmontar a ção reorienta de maneira global, complexa e concreta a ação
relação problema-solução, renunciando a perseguir aquela terapêutica como ação de transformação institucional.
solução racional (tendencialmente ótima) que no caso da Retomando e precisando o título desta seção podemos
Psiquiatria é a normalidade plenamente restabelecida. Isto, então afirmar que a desinstitucionalização é um trabalho
comoveremos, não significa, em absoluto, renunciar a tratar, prático de transformação que, a começar pelo manicômio,
a cuidará. Esse "rejeitar" a solução posSibilita uma mudança desmonta a solução institucional existente para desmontar (e
de ótica profunda e duradoura que atinge o conjunto das remontar) o problema. Concretamente se transformam os
ações e interações institucionais. Não se está mais diante de modos nos quais as pessoas são tratadas (ou não tratadas)
um problema dado em relação ao qual se formulam e se para transformar o seu sofrimento, porque a terapia não é
mais entendida como a perseguição da solução-cura, mas
4 N.T. - A palavra italiana complessivo literalmente diz respeito a algo como um conjunto complexo, e também cotidiano e elemen-
considerado em seu conjunto, em sua totalidade, mas que no texto tem tar, de estratégias indiretas e mediatas que enfrentam o
também o significado de complexo e concreto. Neste sentido quando há problema em questão através de um percurso crítico sobre
referência à existência complessiva traduzimos por existência global,
os modos de ser do próprio tratamento. O que é, portanto,
complexa e concreta.
5 Esta qualidade de "renúncia" pertence de fato à família das assim
chamadas "estratégias indiretas" de que fala Ester (198,1) a propósito 6 Esta mudança de ótica foi provisoriamente definida ;las elaborações do
daqueles objetivos que, ramo a saúde, se ttlo somente como bypro(hicts movin-;eMo de transfarrnação da psiquiatt ia "epidemuilc,f,ia
(ver também nota 10).. ção"; ver Basaglia 1982, Mauri 1983, 1.° Capítulo.

28 29
Lesse sentido "a instituição" nesta nova acepção? É o con- aqui se coloca num nível não formal o problema das fontes
junto de aparatos científicos, legislativos, administrativos, de de energias a serem mobilizadas no processo de implantação
códigos de referência e de relações de poder que se estrutu- da Lei 180 — falaremos disto mais adiante. Permanecendona
ram em torno do objeto "doença". Mas se o objeto ao invés "clínica", a questão colocada pela desinstilucionaliza ção é que
de ser "a doença" torna-se "a existência-sofrimento dos pa- não poderemos imaginar uma psicopatologia e uma clínica
cientes" e a sua relação como corpo social, então desinstitu- que não incorporem na análise, e depois na prática terapêutica
cionalização será o processo crítico-prático para a reorienta- e de transformação, as estruturas existentes, os operadores, o
ção de todos os elementos constitutivos da instituição para campo psiquiátrico. A emancipação terapêutica (que se toma
,este objeto bastante diferente do anterior. o objetivo substituto da "cura") só pode ser (cientemente) a
A ruptura do paradigma (fundante dessas instituições) se mobilização de ações e de comportamentos que emancipem a
refere à passagem da pesquisa causal à reconstrução de uma estrutura inteira do campo terapêutico.
concatenação possibilidade-probabilidade; rompe-se a rigi- Este trabalho de desconstrução, sobretudo a partir do
dez mecanicista constitutiva do procem de "doença". interior do manicômio, apresenta alguns aspectos cruciais
O processo de desinstitucionalizaçao torna-se agora re- que contribuem para enfatizar melhor o significado da de-
construção da complexidade do objeto. A ênfase não é mais sinstitucionalização italiana e a modalidade da sua evolução
colocada no processo de "cura" mas no projeto de "invenção sucessiva.
de saúde" e de "reprodução social do paciente".
Alude-se à pouca verossimilhança da nossa ciência. Se não 2.2. A desinstitucionalização mobiliza todos os atores envol-
existe mais um mundo produtivo definido no qual estar, não vidos no sistema de ação institucional
existe mais uma saúde, mas existem mil. Trata-se de decidir
que é possível reproduzir-se cm mil modos, mas que estes Os principais atores do processo de desinstitucionalização
devem ser praticáveis. Trata-sede utilizar a riqueza infinita _ são antes de tudo os técnicos que trabalham no interior das
dos papéis sociais possíveis, mas é imprescindível promover instituições, os quàis transformam a organização, as relações
ativamente estas possibilidades. e as regras do jogo exercitando ativamente o seu papel
O problema não é cura (a vida produtiva) mas a produção terapêutico de psiquiatras, enfermeiros, psicólogos etc... So-
de vida, de sentido, de sociabilidade, 'a utilização das formas bre esta base também os pacientes se tornam atores e a
(dos espaços coletivos) de convivência dispersa. E por isso a relação terapêutica torna-se uma fonte de poder que é utili-
festa, a comunidade difusa, a reconversão contínua dos re- zada também para chamar à responsabilidade e ao poder os
cursos institucionais, e por isso solidariedade e afetividade se outros atores institucionais, próximos ou não, os administra-
tornarão momentos e objetivos centrais na economia tera- dores locais responsáveis pela saúde mental, os técnicos das
pêutica (que é economia política) geie está inevitavelmente estruturas sanitárias locais, os políticos etc... Em outras pala-
na articulação entre materialidade do espaço institucional e vras, os técnicos da saúde mental ativam toda a rede de
potencialidade dos recursos subjetivos. relações que estruturam o sistema de ação institucional e
Neste ponto; a partir da ruptura do paradigma clínico se dinamizam as competências, os poderes, os interesses, as
institui, o papel central das seniços_moderngs, do Welfare demandas r.ociais (Crozier, Friedberg 1977), Por iso
verdadeiro, como multiplicador institucional de energia. E
30 31
eles fazem também, indiretamente, política. Mas apenas in- pia; abrir as portas; produ -iir relações, espaços e objetos de
diretamente, ou seja, permanecendo ligados a seu papel, que interlocução; liberar os sentimentos; restituir os direitos civis
é uma fonte de poder e uma condição para praticar concre- eliminando a cpação, as tutelas jurídicas e o estatuto de
tamente os objetivos de mudança. Este é um aspecto impor- periculosidade; reativar uma base de rendimentos para poder
tante da desinstitucionalização italiana, que a diferencia das ter acesso aos intercâmbios sociais.
outras experiências, as quais têm sido projetadas por políti- Trata-sede mudanças simples mas bastante visíveis; volta-
cos reformadores, aplicadas por administradores, ou procla- mos a propô-las aqui por duas razões: em primeiro lugar,
madas como objetivo político de grupos e movimentos radi- porque o nosso conhecimento direto dos locais de internação
.,cais. Na Itália, ao contrário, a desinstitucionalização se con- hoje existentes na Europa, na Psiquiatria reformada, e nossas
figurou como um trabalho concreto e cotidiano dos técnicos análises sobre as normas que as regulam nos demonstram que
que produziram degrau por degrau as mudanças. A nova estas mudanças estão ainda, em grande parte, por serem
política de saúde mental vem sendo: construída from the efetivadas. Em segundo lugar, porque a simplicidade destas
bottom up (Thrashcr, Dunkley 1982), no concreto, no local mudanças ajuda a compreender .c.oznaa-desinstitucionaliza-
e a partir do interior da instituição (e também a política é ção é_sobretudo um trabalho terap"euticovoltudo paro (lir-
usada como meio ou como recurso). Por isso aí se encontram constituição das pessoas, enquanto pessoas que sofrem como
investindo, envolvidos e mobilizados, os sujeitos sociais como sujeitos. Talvez não se "resolva "por hora, não se "cure" agora,
atores da mudança: os pacientes, a comunidade local, a mas rio entanto seguramente "se cuida". Dej55is cré ter descar-
opinião pública, os sujeitos políticos institucionais e não lado "a solução-cura" se descobriu que cuidar significa ocu-
institucionais. Esta maneira de praticar a desinstitucionaliza- par-se, aqui e agora, de fazercoun que se transformem os modos
ção suscita e multiplica as relações, isto é, produz comunica- de viver e sentir o sofrimento do 'paciente" e que, ao mesmo
ção, solidariedade e conflitos, já que mudança das estruturas tempo, se transforme sua vida concreta e cotidiana, que ali-
e mudança dos sujeitos e de suas culturas só podem acontecer menta este sofrimento.
conjuntamente (Rotelli 1981, Melucci 1982, Balbo, Bianchi Uma existência mais rica de recursos, de possibilidades e
1982, De Leonardis 1986). de experiências' é também uma existência em mudança. Cer-
O to, o sofrimento psíquico talvez não se anule, mas se se
O objetivo prioritário da desinstitucionalização é trans- começa a remover-lhe os motivos, mudam as formas e o peso
formar as relações de poder entre instituição e os sujei- com que estesofrimento entra no jogo da vida de uma pessoa.
tos e, em primeiro lugar, os pacientes. E igualmente, não se anula a necessidade desta pessoa de ser
ajudada, isto é," precisamente tratada, nos termos que fala-
mos. Mas isto nos faz recordar o valor dessas necessidades e
Inicialmente, isto é, no trabalho dei desconstrução do ma- a necessidade de valor.
nicômio, esta transformação é prodUzida através de gestos Isto significan por exemplo que não se dá um trabalho a um
elementares: eliminar os meios de contenção; restabelecer a paciente psiquiátrico como um resultado e um reconheci-
relação do indivíduo com o próprio corpo; reconstruir o mento do fato deyue ele esteja melhor (um prêmio), nem
direito e a capacidade de uso dos objetos Pe-s-soa'is; recons- om.o terap,P.. mas como uma condição preliminar para que
truir o direito e a capacidade de palavra; eliminar a ergotera- possa estar melhor (um direito); c o ajudamos também a fazer

32 33
e a viver o trabalho. Conseguirá? "Mas nâo é um teste ao qual 2.4. A dcsinstttucionalização é um trabalho homeopáik.o
o submetemos, mas é um espaço de vida a mais no qual o que usa as energias internas da instituição para des-
ajudamos a viver. Em todo caso é um teste para nós"6. Este montá-la.
é então outro aspecto de trabalho terapêutico entendido
como "tomar encargo",7 de cuidar de uma pessoa: é desenvol- As transformàções institucionais são então produzidas a
vido de tal modo a evitar o abandono do paciente a si mesmo, partir de dentro, trabalhando com aquilo que existe.
em nome de sua liberdade abstrata, mas também de modo tal A começar pelo manicômio, o trabalho de desinstituciona-
a evitar impor-lhe objetivos pré-constituídos. E por isso o lização usa os mesmos espaços, os mesmos recursos, o mesmo
trabalho terapêutico é um percurso dinâmico em contínua pessoal, os mesmos pacientes, mas mudando e decompondo
transformação, feito de tentativas, erros e aprendizagens, no os sistemas de ação e interação nos quais cada elemento está
qual os objetivos mudam durante o percurso porque são inserido: uma porta feita para estar fechada é usada, mas
modificados pelo sujeito em jogo. ativamente usada, para estar aberta — a abertura cria proble-
É necessário salientar outro ponto: 411e a transformação mas, a gestão desses problemas modifica a cultura dos atores
da relação de poder entre os pacientes e a instituição é um em jogo. Novamente encontramos aqui uma diferença fun-
processo que intervém em longa escala e deve incidir no damental da desinstitucionalização italiana: ela está baseada
sistema jurídico; quem conduziu as experiências de desinsti- na utilização dos recursos e dos problemas internos da estru-
tucionalização desenvolveu uma atenção "obsessiva" à pro- tura em decomposição para construir pedaço por pedaço as
gressiva objetivação dos novos estatutos, passo a passo de- novas estruturas externas. Essas nascem para "acompanhar"
terminados, e para fazer com que fossem reconhecidas pri- de perto os pacientes fora do manicômio e construir as
meiro as legitimidades administrativas, depois as jurídicas, "alternativas" (e a cultura necessária): os serviços territoriais,
até a Lei 180 de 1978. De fato, a desinstitucionalização muda os plantões psiquiátricos noturnos no hospital geral, as coo-
progressivamente o estatuto jurídico do paciente (de pacien- perativas, as casas para os pacientes, ps bares e os refeitórios
te coagido a paciente voluntário, depois o paciente como de bairro, os jogos, os laboratórios de teatro etc...
"hóspede", depois a eliminação dos diversos tipos de tutela Em suma, as estruturas e os modos de trabalhar nos quais
jurídica, depois o restabelecimento de todos os direitos civis). se concretiza o novo sistema de saúde mental nascem não do
Em síntese, o paciente se torna cidadão de pleno direito e externo, ao lado e de suporte ao manicômio, mas através da
muda com isto a natureza do contrato com os serviços. reciclagem, da reconversão e da transformação progressiva
das possibilidades financeiras, do pessoal, das competências
6 De uma entrevista a um operador psiquiátrico de Bari; de forma geral existentes, dos espaços físicas etc... E é exatamente graças a
ver Rotelli 1981, Mauri 1983. Parece paradoxal mas não é: o "trabalho" esta gênese da desmontagem do manicômio que essas estru-
é "terapêutico" se é o reconhecimento de um direito, não o é se é turas externas conseguem ser, em relação a ele, inteiramente
"técnica de tratamento"; no primeiro caso é o sujeito que realiza uma substitutivas e a suprimir (substituindo) as práticas preexis-
possibilidade sua, no segundo é a instituição que "o decide".
tentes.
7 N.T. — "presa in carico" foi traduzido pOr "tomar encargo"; cabe
ressaltar que esta expressão se constitui numa premissa fundamental na
organização dos serviços territoriaist significa o "fazer-se responsável",
isto é, a impossibilidade de delegar a Mita tiotra estai:ti:á" a issislência 8 S,:bre as r'ad: pF e rcconvc.Tsão dos recursos e dos gastes Oblices •
à população da região de referência. daremos outras indicações nos parágrafos seguintes.

34 35
Em síntese, o processo de desinstitucionalização é carac-
terizado por estes três aspectos que vão tomando corpo, 2.5. A dcsinstitucionalização libera da necessidade da inter-
pouco a pouco, à medida que o manicômio vai se desmon- nação construindo serviços inteiramente substitutivos.
tando, e que representam sua conotação de fundo:
a) A construção de uma nova política de saúde mental a Para explicar este ponto usaremos o exemplo da organiza-
partir da base e do interior das estruturas institucionais ção dos serviços de saúde mental de Trieste, a experiência
através da mobilização e participação, também conflitiva, de italiana mais conhecida a nível internacional e que orientou
todos os atores interessados; o processo glolial da transformação institucional na Itália".
b) A centralização do trabalho terapêutico no objetivo de Em Trieste: a) estes serviços têm a responsabilidade de
enriquecera existência global, complexa e concreta dos pacien- responder à totalidade das necessidades de saúde mental de
tes, de tal forma que eles, mais ou menos "doentes", sejam uma população determinada; b) mudam as formas de admi-
sujeitos ativos e não objetos na relação com a instituição. A nistrar os recursos para a saúde mental; c) multiplica-se e
palavra de ordem é: do manicômio, lugár zero dos intercâm- torna-se mais complexa a profissionalidade dos operadores.
bios sociais, à multiplicidade extrema das relações sociais;
No conjunto, a organização do novo sistema de saúde mental
c) A construção de estruturas externas que são totalmente
substitutivas da internação no manicômio, exatamente porque se fundamenta em uma hipótese clara: que a instituição
nascem do interior de sua decomposição e do uso e transfor- responde mais às próprias necessidades de auto-reprodução
mação dos recursos materiais e humanos que estavam ali que às necessidades dos usuários e que desinstitucionalizar
depositados. significa inverter esta lógica de funcionamento.
Estes três aspectos da dcsinstitucionalização representam,
entre outras coisas, condições graças às quais é possível 2.5.1. Os serviços têm a reponsabilidade de responder à to-
eliminar a internação do conjunto das estruturas e compe- talidade das necessidades de saúde mental de uma
tências psiquiátricas. Ou, mais precisamente, podemos dizer população determinada.
que através deste percurso a dcsinstitucionalização suprime
a internação liberando a Psiquiatria e seu objeto (e definiti- Em Trieste, entre 1971 e 1978, o hospital psiquiátrico foi
vamente a sociedade) da necessidade da própria internação. progressivamente esvaziado dos 1.200 pacientes que ali esta-
A desinstitucionalização transforma as necessidades dos do- vam internados'(a maior parte obrigatoriamente), completa-
entes, dos operadores e da comunidade, às quais a internação mente reconvertido e oficialmente abolido em 1980. Atual-
correspondia, construindo respostas inteiramente substituti- mente não existe nenhum outro lugar de internação: não
vas9. existem clínicas psiquiátricas privadas, nem enfermarias psi-

9 A este propósito pode-se aplicar o estudo cfp Elstcr sobre estratégias 10 Sobre experiência de Trieste ver: Scabia (1974), Bennett (1978), Har-
, indiretas (1981, pág. 438): "Para dar uma imagem sintética, não se pode tung (1981), Rotelli (1981a, 1981b, 1983), Basaglia (1982), Galho,
querer o fechamento do manicômio como solução e não se pode perse- Giannichedda (1982), Mauri (1983), Realli et al (1983), Dell'Acqua
gui-la diretamente: porque neste caso "o fato de querer a ausência é (1985), Pastore (1984). E ainda ver Quaderni di Documentazione dei
incompatível com a ausência desejada". A ausência de manicômio é Pensicro Sdengco, put.11uidatios cuidados de C.N.R. (cm particular
po:lanto.tipiwmente um estado que é•essenclalmente um by-produd Os volürries 3. 8 e. 16) r a revista Fogli di Infonnazicne. Tnmhftn, o
alcançável ao longo de estratégias indiretas (De Leonardis 1985). recente livro de A Topor.

36 37
quiátricas no hospital geral, nem pacientes psiquiátricos vontade), o trabalho c organizado e distribuído conforme as
transferidos para cronicários — no lugar dessas estruturas de exigências que se apresentam. A esta elevada flexibilidade da
internação se desenvolveu uma grande variedade de serviços organização do trabalho corresponde a mesma elevada elas-
e espaços de intervenção. ticidade e permeabilidade no uso do centro e na relação com
a) Os Centros de Saúde Mental. Os Centros de Saúde os pacientes. O centro está sempre aberto e qualquer um
Mental são o eixo de todo o sistema de saúde mental e pode ter acesso a ele quando quiser. Não existem consultas
coordenam uma série de outras possibilidades e estruturas por agenda e muito menos lista de espera. Por isso os pacien-
colaterais que depois examinaremos. 'SãO sete centros, tes usam o centro também como espaço de encontro, de
co3respondentes às sete zonas de descentralização adminis- socialização e de vida cotidiana. Como não existe qualquer
trativa de Trieste, cobrindo em média urna faixa de clientela tipo de subdivisão ou seleção de pacientes, no centro convi-
de 40.000 habitantes cada um. Estão abertos 24 horas por dia vem figuras sociais de todos os tipos: os velhos e os novos
e estão portanto em condições de acolher as pessoas a qual- crônicos, as donas-de-casa deprimidas, os jovens marginais
quer momento do dia e da noite. Os centros são constituídos etc...
por casarões ou apartamentos grandes nos quais a distribui- Todavia, grande parte do trabalho dos operadores se de-
ção de espaço e a mobília não recordam nenhuma das ima- senvolve fora do centro, porque tende-se a ir ao encontro dos
gens conhecidas de um ambulatório médico ou psiquiátrico, pacientes em casa, ou ainda, a fazê-los viver na cidade c com
ou seja, têm todo o aspecto de uma casa. Os centros têm as pessoas.
alguns leitos para dormir (uma média de oito em cada centro) O trabalho terapêutico usa todos os instrumentos à dispo-
onde são hospedados (naturalmente não hospitalizados) os sição: medicação, colóquios, subsídios, ocasiões de trabalho,
pacientes que têm necessidade de ser particularmente acom- estadias de férias na praia ou na serra etc... Além disso,
panhados, ou aqueles que têm necessidade de separar-se do exatamente por essa razão, o centro tem também a responsa-
próprio ambiente de vida por um període de tempo variável. bilidade de buscar recursos através de contato com outras
Em geral existe também uma cozinha e uma grande sala de estruturas institucionais: por exemplo, conseguir da adminis-
almoço na qual comem juntos operadores, pacientes, visitan- tração local um apartamento para alguns pacientes.
tes, pessoas do bairro — algumas vezes são utilizados restau- b) O Plantão Psiquiátrico no Hospital Geral. Este serviço
rantes do bairro conveniados. O pessoal de cada centro é é constituído por dois médicos fixos e dezessete enfermeiros
constituído em média por três psiquiatras, 28 enfermeiros e dos centros em rodízio.
um assistente social. A organização do trabalho nos centros Foi criado para atender os casos de emergência que, sobre-
é pouco hierarquizada e com pequena divisão do trabalho tudo durante a noite, chegam ao hospital geral. Sua função é
entre os diversos papéis, no sentido de flue as responsabili- a de fornecer uma primeira resposta em situação de mal-
dades dc decisão e as competências executivas não são sepa- estar agudo e, se necessário, chamar imediatamente o centro
radas entre si e são assumidas ao mcsmd tempo por mais de de saúde mental competente ou, se isto não for possível,
um operador. A organização do trabalho do dia não é forma- hospedar o paciente por uma noite. Para este objetivo tem
lizada eni um fichário e, a não ser para uma breve reunião oito leitos ruas. miuá se peictle, não funciona como uma
diária (na qual participam também os Pacientes, que tenham enfermaria ps;qu;áirica hospitalar.

38 39
Além disso, o plantão psiquiátrico intervém quando cha- —a "Cooperativa Trabalhadores Unidos" (cerca de 121
mado por enfermarias do hospital, quando algum paciente participantes) que compreende serviços de limpeza e manu-
expressa sofrimento psíquico'[. tenção, marcenaçia, um cabeleireiro e os laboratórios artísti-
c)As Estruturas e os Espaços do Ex-Hospital Psiquiátrico. co, de costura e de teatro;
O que era o hospital psiquiátrico tornou-se um grande par- —a "Cooperativa Posto delle Fragolle" (cerca de 65 mem-
que municipal no qual as velhas estruturas foram esvaziadas bros) da qual depende um bar, o barco a vela e uma coope-
ou destinadas a outros objetivos. Existem: vinte apartamen-
rativa de assistência.
tos para ex-internados, uma unidade de reabilitação para
Das cooperativas fazem parte não apenas pacientes psi-
dpficientes muito graves (onze pessoas) e uma unidade para
idosos dependentes (45 pessoas), que estão sob a responsa- quiátricos mas também jovens desocupados, tóxico-depen-
bilidade do centro de saúde mental da região. Existem ainda: dentes, ex-presidiários ou presidiários em regime de semili-
uma escola maternal, uma escola primária e laboratórios da berdade. Elas constituem uma estrutura importante de auto-
universidade; existe sobretudo uma série de estruturas desti- organização das' pessoas, na qual cresce a autonomia e a
nadas às atividades dos centros e das cooperativas: um bar, capacidade de ajuda recíproca. Um exemplo, para dar uma
um laboratório de teatro, um laboratório artístico, de música, idéia concreta: no âmbito das atividades da cooperativa uni
pintura, de vídeo, uma sala de ginástica, uma sala de estética grupo de jovens, entre os quais ex-presidiários e tóxico-de-
etc... Existem também os alojamentos — com refeitório — pendentes, organizaram um ginásio no qual eles oferecem
para os voluntários italianos e estrangeiros que trabalham cursos de ginástica às crianças da escola do bairro, aos pacien-
nas diversas estruturas (em média estão presentes entre tes lobotomizados de longa internação, aos operadores dos
trinta e quarenta voluntários, um total de duzentos por ano). centros.
O dado mais significativo de todas estas atividades, e em e) O Centro para Tóxico-Dependentes. Este serviço é
particular dos laboratórios, é o fato de que são utilizadas formado por uni psiquiatra, urna assistente social e cinco
conjuntamente por "normais", por pacientes psiquiátricos, enfermeiros, e ao lado dos centros assume competências
por tóxico-dependentes (e sobretudo por jovens). Este é um específicas cm relação aos tóxico-dependentes. Além dos
exemplo concreto da tendência de não compartimcntalizar tratamentos farmacológicos este centro tem a responsabili-
e, ao contrário, multiplicar as trocas sociais, que são essen-
dade de construir soluções de trabalho e de socialização
ciais ao processo de desinstitucionalizaão.
utilizando sobretudo as redes das cooperativas e as atividades
d) As Cooperativas. As cooperativas de trabalho promovi-
das e organizadas pelos centros são: de trabalho, culturais e recreativas que elas promovem. Este
— a "Cooperativa Agrícola" (38 membros) com uma loja serviço atende também os tóxico-dependentes no cárcere.
anexa para venda dos produtos; f) O Serviço Psiquiátrico territorial no interior do cár-
cere. Este serviço é formado por dois médicos e dois psicólo-
11 Respondendo dessa forma às demandas de émergéncia, o plantão psi- gos dos centros" que, duas vezes por semana, intervêm no
quiátrico intervém nos confrontos seja com serviços de ordem pública interior do presídio, seja para acompanhar os pacientes dos
(em particular a policia) seja com médicos (hospitais gerais e médicos .
base).piga aliviar o medo de comportamentos estranhos ou dist u centros que estejam presos, sc;a para seguir presidiários nos
bádores e ativar nesses serviços a capacidade de novas respõstás..- quais o estado de detenção fez cinergii distúrbios psíquicos.

40 41
ÇsÇRJ-k`r 434
Este serviço tem como competência melhorar tanto quanto Mudam as toi mas de administrar os recursos públicos
possível as condições de vida da pessoa no presídio, constituir para a saúde mental.
para ela um ponto de referência externa e tentar todas as
possibilidades legais para obter medidas de redução da pena Como já dissentes, a desmontagem do manicômio se pro-
ou alternativas à pena. Este serviço tem tido também um cessou através dá diferente utilização c da reconversão dos
papel importante na construção de relações de colaboração recursos existentes; as novas possibilidades nascem com o
entre os centros e a justiça local; através dessas relações os deslocamento material de pessoas, pacientes e verbas do
centros assumem a competência de ajudar os pacientes na hospital para a comunidade. Muda portanto a gestão finan-
sua relação com a justiça e ao mesmo tempo de assegurar ao ceira e administrativa dos recursos públicos, com êxito seja
de eficácia seja dc eficiência.
juiz que a pessoa que tem comportamentos perturbadores
O ponto fundamental consiste no fato de que os recursos
está de fato sendo adequadamente acompanhada e "contro-
de que a administração local dispõe não são mais utilizados
lada". Por este caminho foram interrompidos de forma deci- para alimentar uma estrutura institucional, o hospital, que
siva vários encaminhamentos aos manicômios judiciários. mede seus custos essencialmente cora base nos leitos e na sua
Este rápido resumo das possibilidades e das atividades nas utilização ótima sobre a maximização de leitos ocupados. Ao
quais foi reorganizado globalmente o sistema de saúde men- contrário, estes recursos vêm sendo utilizados para fornecer
tal em Trieste não é exaustivo, mas Ode dar, sem dúvida, serviços diretos às pessoas, com base nos seguintes critérios:
uma idéia da forma como funciona. Pode-áe dizer, para a) a mobilidade do pessoal, no sentido também físico, uma
sintetizar, que este modelo dc serviço é inteiramente substi- vez que não são mais os pacientes que vão em busca do
tutivo da internação porque responde de modo totalmente serviço, é o serviço que vai até as pessoas; b) a individualiza-
transformado, isto é, em positivo, à complexidade das neces- ção do serviço, no sentido de que a quclidade e a quantidade
sidades que o velho asilo absorvia no seu interior. Este dos recursos disponíveis se adaptam às exigências dos pacien-
modelo dc serviço — que não por acaso é dcfinidá como tes individualmente e varia de acordo com essas exigências;
"forte" — não seleciona de nenhuma forma necessidades, c) o aumento doi recursos geridos diretamente pelos pacientes
demandas ou conflitos, mas, ao contrário, elabora estraté- e que mais diretamente se referem à sua vida (ver o curso dos
gias dinâmicas e individualizadas de resposta que tentam gastos com medicação e com subsídios); d) o uso produtivo
salvaguardar e ampliar a riqueza da vida das pessoas, doentes dos recursos, no sentido de que se investe em medida crescen-
ou sãs. Trata-se de negar o hospital psiquiátrico salvaguar- te para financiar o trabalho dos pacientes que desenvolvem
dando o direito de assistência, de negar "a política de setor" atividades socialmente úteis (por exemplo, são oferecidas
salvaguardando a unicidade dc responsabilidade sobre um "bolsas de trabalho" ou uma contribuição financeira às coo-
território determinado, de negar a comunidade terapêutica perativas); e) o uso crescente de recursos ativados e organiza-
em favor de uma comunidade difusa, de negar o monopólio dos pela agregação dos pacientes e da comunidade, o que
dos técnicos utilizando ao máximo suas potencialidades para significa também promover e proteger a capacidade de auto-
ativar os recursos das pessoas. Esta linha de atuação é o que ajuda e de autonomia dasjessoas.
se entende eiu Trieste concretamente por desinstitucionali- Estes critériá são Priori tiritirnen te definidos com o obje-
zaçaó. tivo de enriquecer a eficácia terapêutica. Esta é avaliada com

42 43
base na capacidade que este sistema oferere de não selecio- profissionalidade não é entretanto uma aquisição estática,
nar e não excluir e, portanto, com base na capacidade de uma vez que a partir da desconstrução do manicômio os
evitar e inverter processos de cronificação destas necessida- operadores, acima de tudo, "aprenderam a aprender". Com as
des12. O indicador mais evidente para avaliar a eficácia deste informações que, já descrevemos em relação à organização
sistema está no fato de que ele não reproduz a necessidade do trabalho em trieste torna-se evidente que a profissiona-
de internaçãon. lidade se explica menos em termos de competências técnicas
Esta forma de administrar os recursos públicos tem tam- especialistas e codificadas e muito mais como capacidade de
bém o efeito indireto de racionalizar a despesa: são reduzidos escolher, utilizarle combinar uma ampla variedade de moda-
os desperdícios, os automatismos da despesas fixas e os lidades e recursos de intervenção. Vejamos cm detalhe:
custos que caracterizam tipicamente as organizações buro- a)A centralidade no trabalho de equipe. O papel da equipe
cráticas. O novo sistema, considerado globalmente, não é não se expressa tanto nas reuniões periódicas, mas mais no
mais caro, e este é um dado importante em tempos de redu- costume de trabnlhar junto e na colaboração e confronto
ção de despesas públicas". cotidianos entre todos os operadores de cada centro e entre
Todavia, este e um efeito indireto de'um sistema orientado os diversos centros. Este trabalho de equipe ser ve para socia-
para investir os recursos nas pessoas (e possivelmente sempre lizar as experiências, para enfrentar juntos os problemas e
mais recursos), mais que nas instituições. para avaliar, compartilhar e corrigir as decisões que cada
operador toma; a equipe funciona portanto também como
2.5.3. A profissionalidade dos operadores é enriquecida e uma espécie de supervisor coletivo.
torna-se mais complexa. b)A auto-avaliação. A profissionalidade de cada operador
em particular não é avaliada separadamente, mas no interior
As características da organização c do trabalho terapêuti- do trabalho operativo da equipe e integrado na reponsabili-
co que emergiram do processo de desconstrução do manicô- dadc de auto-avaliação que ela desenvolve (às vezes também
mio trouxeram um enriquecimento das competências profis- se desencadeiam tensões e dinâmicas conflitivas). Esta avá:
sionais e dos espaços de autonomia de decisão dos operado- fiação interna, obviamente entrelaçada ao trabalho, refere-se
res e transformaram tanto a modalidade da formação profis- sobretudo à capacidade de autotransformação e aprendiza-
sional quanto os critérios para avaliá-la. O crescimento da gem da equipe e de cada operador. Mas é o elevado grau de
contratualidade do usuário que imprime contínuos elemen-
:12 Sobre este ponto cm particular ver Dcll'Acqua 1985 e WII0 1985.
13 Um outro indicador é o baixíssimo número de Tratamentos Sanitários tos de "crise" e de crítica frente à auto-avaliação; assim,
Obrigatórios, que alem do mais são desenvolvidos sem internação, por pouco a pouco torna-se mais radicalmente presente a voz
exemplo, na casa do paciente ou no Centro Territorial. crítica dos familiares e dos cidadãos.
14 A despesa histórica para a Psiquiatria não aumentou em termos reais c) A formação. Além da base profissional definida pelo
entre 1971 e 1985; a despesa com o pessoal, em particular, permaneceu título acadêmico, a formação também é estreitamente anco-
relativamente constante (se confrontada coá a taxa de inflação e o custo
de vida). Um exemplo de reconversão da despesa: decresce aquela com
rada no trabalhd operativo nos centros; às vezes são organi-
as psicofármacos, enquanto aumenta a com os subsídios. Sobre adespe- zados seminários sobre temas específicos = por exemplo
sa psiquiátrica antas e depois da reforma ver Bennctt 1978; Torcsini. sobre medicação. sobre "self-help" ^agi crises do Welfare
Trebiciani 1985. . State; mas a formação se dá principalmente através da coser-

44 45
ção dos novos operadores e tios voluntários no trabalho serviço e da demanda. É possível intuir o enorme espaço dc
cotidiano. E é no trabalho cotidiano que se abrem, pouco a profissionalização que esta prática tende a requerer; o tra-
pouco, outros campos de intervenção que requerem a aqui- balho terapêutico, deve enfrentar efetivamente um campo de
sição de novas competências (e o caso, por exemplo, das ação complexa. -
competências em matéria de psiquiatria forense e criminolo- 1.Se, por exemplo, eliminar a dimensão afetiva na relação
gia que se desenvolveram a partir das relações com o sistema terapêutica parece ser um código para a medicina e seus
da justiça penal)'s. serviços, aqui, ao contrário, se valoriza esta dimensão.
No conjunto a ênfase é colocada na aquisição de conheci- 2.Se é práxis consolidada separar do contexto mais amplo
mentos, teóricos e operativos, sobre o modo de funciona- a relação médico-paciente (o setting), aqui se busca cada
mento da rede institucional na qual as pessoas estão inseri- instrumento para contextualizá-la.
das; tais conhecimentos são constituídos através do trabalho 3. Se a presença de figuras não profissionais no campo é
cotidiano de análise crítica e de intervenção operativa, para vista muitas vezes com suspeita, aqui se fazem vários esforços
contrastar os efeitos dc empobrecimento, invalidez, de "la- para colocá-las como elementos críticos e desinstitucionali-
beling" que aquele modo de funcionar institucionalizado zantes do serviço.
produz na vida das pessoas. 4.Se as regras de funcionamento do serviço ordenado são
(1) O "case management". Neste ponto age a peculiaridade em geral pretendidas, aqui, ao contrário, são vistas tenden-
mais profunda da ação de desinstitucionalização. De fato, em cialmente como um empobrecimento na possibilidade de tro-
primeiro lugar, os diversos tipos codificados de "terapia" cas sociais e terapêuticas e, nos limites do possível, criticadas
(médica, psicológica, psicoterapêutica, psicofarmacológica, e removidas.
social etc...) são considerados como momentos também im- 5.Se os espaços sanitários são habitualmente bem separa-
portantes, mas redutivos e parciais, sobretudo se isolados e dos, aqui se procura cada ocasião para que sejam, ao invés
codificados. Por isso trata-se de demolir a compartimentali- disso, abertos ao bairro e "atravessados" pelas pessoas.
zação entre estas tipologias de intervenção. Além disso, e por 6.Se a relação com "a doença" tem sempre como referên-
conseqüência, a relação terapêutica tende a ocupar-se de cia um hospital, ambulatório etc..., a relação de desinstitucio-
questões afetivas, econômicas, jurídicas, relacionais, dos ní- nalização requer , a relação com um "território".
veis de estatutos, da família, do trabalho etc... sem cindir estas 7. Uma coisa da qual todos os operadores de Trieste estão
questões, sem confiá-las a profissionalidades separadas. convencidos é, enfim, que não se dcsinstitucionaliza dividin-
Se se trata de pensar que "a liberdade é terapêutica", cada do os agudos dos crônicos, uma vez que o parâmetro conti-
ato em liberdade pode ser terapêutico. Se se trata de desinstituir nuaria sendo a forma "de doença", constituindo áreas de
a doença como awriência que não é separável da existência, fragmentação (e dessa forma reconstruindo cronicidade e
trata-se de valorizar, mais que o sintpina (sobre o qual se tornando ineficaz o serviço), mas assumindo a demanda co-
constrói a instituição), o conjunto de recursos positivos do mo uma totalidade indivisível. Tudo isto é desinstitucionali-
15 E ainda um efeito indireto desta forma de profissionalidade e mais cm
zação, que representa um trabalho complexo para os opera-
geral desta forma de trabalhar é o fato que também os operadores dores e para os administradores, mas que permite uma parti-
(como 05 pacientes) vivem melhor. Não se encontram aqui as síndromes cipação essencial dos recursos da comunidade e, potencial-
de "burn-out" dos operadores. mente, uma enorme mobilização de energias. A ênfase na

46 47
desinstitucionalização é aqui vinculada a um projeto também c) São abolidos o &afta° ele periculosidade social do
de natureza econômica, que considera a velha (mas genera- doente mental, as tutelas jurídicas, a internação coagida e o
lizada) organização das instituições psiquiátricas fruto do tratamento coagido; o doente mental é um cidadão para
atraso e produtora de gastos, uma vez que se priva das todos os efeitos, com os respectivos direitos civis e sociais,
energias e dos recursos da demanda ampliada e muitas vezes incluindo o direitb ao tratamento. Estes princípios são man-
até faz desta privação o seu objetivo. tidos também no caso de Tratamento Sanitário Obrigatório
Por tudo isso pode-se enfatizar que a desinstitucionaliza- (T.S.O.), que a lei prevê; este instituto estabelece que:
ção como entendida em Trieste é exatamente o oposto de 1.o paciente mantém todos os seus direitos pessoais e no
soda prática de abandono. Hoje, todos os recursos econômi- papel do juiz é prevista a tutela desses direitos;
cos e humanos que em 1971 eram absorvidos por um grande 2. o tratamento é decidido pela autoridade sanitária local
hospital psiquiátrico são utilizados na' comunidade (e pela e define a responsabilidade do serviço sanitário competente;
comunidade). 3. isto é previsto somente em casos excepcionais, por um
05 tempo breve e quando estiverem esgotadas todas as• outras
possibilidades. E não requer necessariamente a internação
TRABALHO DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO TAMBÉM É no hospital geral (pode ser desenvolvido na casa do pacien-
LEI QUE NÃO SE COMPLETA COM A APROVAÇÃO DA RE- te). É importante observar que o Tratamento Sanitário Obri-
FORMA E, SIM, PROSSEGUE COM SUA IMPLANTAÇÃO. gatório prevê e compreende dois elementos em geral toma-
dos separadamente: o direito do paciente a recusar o trata-
A reforma psiquiátrica (Lei 180) foi votada por todos os mento e a obrigação do Serviço Sanitário de não abandonar
partidos e aprovado pelo parlamento' italiano em maio de o paciente a si mesmo. E por isso a obrigação de que se fala
1978. Esta lei acolhe o processo de desinstitucionalização fixa uma responsabilidade terapêutica do serviço e não uma
praticado até então e sanciona as inovações por ele produzi- sanção legal do paciente. Não existem dúvidas de que esta lei
das: 'a eliminação da intervenção psiquiátrica e a construção é um — o mais alto em sentido formal — dos atos de desins-
de serviços de comunidade inteiramente substitutivos da in- titucionalização.
tervenção. Detalhadamente, os pontos centrais da lei são os Este elenco muito sintético dos pontos centrais da Lei 180
seguintes (Misiti et a11981, Mosher 1982): deixa entrever como as inovações que ela introduz no sistema
a) É proibida a construção de novos hospitais psiquiátricos de saúde mental são concretas e operativas, mas ao mesmo
e a internação de novos pacientes psiquiátricos; são dadas as tempo de uma qualidade tal que suscita muitas dinâmicas de
diretrizes às administrações regionais para que estabeleçam conflito e de transformação. Como diria Basaglia, no dia
os períodos para um gradual processo de alta dos pacientes seguinte ao da aprovação da reforma: "por sua lógica interna
internados nos hospitais psiquiátricos.] e pelas características do terreno na qual age, esta lei abre
b) Os serviços territoriais são responsáveis pela saúde mais contradições do que as que resolve". Mas isto não
mental de uma determinada população e coordenam o con- significa que não seja uma boa lei — ao contrário.
junto das estruturas necessárias; entre essas podem existir Esta característica da reforma já se coloca no texto legisla-
enfermarias psiquiátrico em hospitais gerais regionais com tivo - pensemos por exemplo naquilo qt, já r-m-innarrins
o máximo de quinze leitos. a propósito do Tratamento Sanitário Obrigatório Como

48 49
dissemos anteriormente, ele coloca junto duas dimensões em c) por isso, como já vimos, este serviço não pode fixar-se em
geral separadas porque são contraditórias e conflitantes en- um modelo estável, mas permanece dinâmico e em trans-
tre si: as garantias jurídicas e os direitos da pessoa junto com formação. Em suma, o serviço territorial se configura como
sua necessidade, também urgente, de ajuda, à qual o serviço ator de mudança social, como propulsor de transformações
deve dar uma resposta; a proibição de internação e de coação concretas em nível local de mudança social nas instituições e
junto com a obrigação de intervir; a responsabilidade do na comunidade.
serviço, que implica uma intervenção de "tomada do encar- Poder-se-ia dizer, em síntese, que a reforma tem uma
go" mas que ao mesmo tempo deve respeitar a liberdade do conotação dinâmica, conflitiva, não resolutiva, mesmo por-
„paciente (Giannichedda 1985, De Leonardis 1986). Sem que ela estabelece e promove o objetivo de abolir a interna-
dúvida não é fácil praticar estas duas dimensões em conjunto ção psiquiátrica. Ou melhor, dizendo de outro modo, exata-
e, uma vez estabelecendo e compreendendo isto no Trata- mente este ponto de fundo que caracteriza a reforma italiana,
mento Sanitário Obrigatório, a lei retonhece que também e a diferencia das outras reformas psiquiátricas, faz com que
este, como todas as intervenções terapêuticas, é uma relação ela não fixe uma solução institucional positivamente concluí-
conflitiva, problemática, entre dois atores, ambos respon- da e não estabeleça um quadro normativo — mas, ao contrá-
sáveis16. rio, suscite dinâmicas, conflitos e transformações, e mante-
Este caráter dinâmico, conflitivo, não resolvido da relação nha dessa forma aberto um campo de incerteza no qual
terapêutica, que a lei explicita no caso do Tratamento Sani- continuam a ser relevantes as ações operativas concretas, as
tário Obrigatório, constitui entretanto o elemento de fundo experimentações, as aprendizagens etc...
da fisionomia do serviço de comunidade, enquanto inteira- A Lei 180 ativou todos os "jogos de implementação" co-
mente substitutivo da internação. Com efeito isto significa nhecidos pela "politologia" (Bardach 1977), manobras polí-
que: ticas, boicotes administrativos, resistência de interesses eco-
a) este serviço trabalha sem a possibilidade de descarregar nômicos e profiásionais que se sentiram ameaçados. Apesar
em outros os problemas, necessidades, comportamentos que disso é importante precisar que dentro deste tecido conflitivo
são incoerentes, problemáticos e também ativamente conflui- emerge um balanço não Negativo da sua implementação.
vos nos seus confrontos; Duas "pesquisas" (uma de 1980 e outra de 1984) mostram de
b) tensões, contradições e mudança começam a fazer parte fato um quadro diversificado em quantidade e qualidade das
do modo de trabalhar, tornando-se o terreno efetivo da ação inovações produzidas, variável em cada região, da realidade
terapêutica; metropolitana a contexto de interior, e em cada cidade, de
bairro a bairro. E sobretudo que se trata de um quadro em
16 Na Itália o campo da justiça civil e penal é particularmente rico de mudança no qual os padrões da atuação- da reforma cres-
inovações, sejam teóricas ou operativas. O Cato de que o doente mental cem'''.
seja sujeito de direito, e que portanto lhe seja contemporaneamente
garantido o direito ao tratamento, coloca eM discussão as possibilidades
de utilizar instrumentos paralelos e não garantidos de tutela da ordem 17 Esta investigação mais recente foi conduzida em quatro regiões (Pie-
pública (tipicamente a ierternaçãO por periculosidade) e abre transfor- monte, Úmbria, Puglia eBasilicata) e compreende dados sobre os tipos
mações no sistema penitenciário porque requer intervenções para ga- de serviços existentes, a quantidade e caracterstiws de primcal, a r1,-!-
rantir a saúde mental dos detentos — ver Cendon 1984, Pavarini 1984. manda, enfim, os tipos de prestação e osimetodes de trabalho.

50 51
Desta investigação se depreende, por exemplo, que não 1977, May, Wildavsky 1978, Nelson, Yates 1978, Pressmau,
foram produzidos os efeitos de "dumping" dos hospitais Wildavsky 1984). Em outras palavras, a implementação de
psiquiátricos, mesmo porque os efeitos da lei se inseriram em uma reforma social é sobretudo um processo social complexo
um "trend" mais geral à diminuição dos internados e dos e contraditório, no qual se produzem inovações nas caracte-
leitos. Os números de internados nessas quatro regiões pas- rísticas e nas forrhas de presença dos atores, nos conteúdos e
sou de 16.575 em 1971 a 12.972 em 1977 e 6.516 em 1984; e nos modos de conflito.
os leitos entre 1977 e 1983 se reduziram em 41,2%. Por outro Isto vale com mais razão para a reforma psiquiátrica italia-
lado crescem as estruturas territoriais, o'arco dos serviços que na, devido aos nós institucionais que atinge e à consciência
fornecem e o porcentual dos pacientes que os usam. Por destas implicações que deriva do percurso de desinstitucio-
exemplo, entre 1981 e 1983 o número médio dos pacientes nalização na qual está inserida. Ou melhor, neste percurso a
nos serviços de comunidade cresceu em 25%. Em 1983 a reforma não é um objetivo finalmente alcançado, não signi-
participação porcentual média dos pacientes dos serviços fica a finalização da desinstitucionalização. Ao contrário, no
territoriais foi 72,3% (77,6% no Piemonte, 51,8% na Puglia), momento no qual ela anuncia o objetivo da eliminação da
em relação a 11,3% dos pacientes nos S.D.C.18 e 16,4% ainda internação psiquiátrica, ela confirma e amplia o campo de
internados (13,9% no Piemonte, 27,2% na Puglia). A inves- ação da desinstitucionalização. De fato, a realização deste
tigação assinala também a lentidão e carência: por exemplo, objetivo não pode ser outro senão um percurso social com-
entre os centros são poucos os abertos nos sete dias da plexo que suscita conflitos, crise e transformações dentro da
semana e ainda menos aqueles abertos 24 horas por dia — rede mais ampla das estruturas institucionais (e suas normas,
poucas as estruturas reabilitativas e as cooperativas. Espera- poderes e competências) nas quais o sistema psiquiátrico está
mos os novos dados desta investigação, que no período de inserido. Este objetivo suscita problemas e requer mudanças
1985 foi ampliada para todo o território nacional e foi publi- na organização sani tária, na justiça, nos modos de administra-
cada em janeiro de 1986. ção, dos recursos públicos etc... E verdade que, corno já
Entretanto é ainda mais importante ter presente que um salientamos, a eliminação da internação psiquiátrica é um
balanço da implementação, um confronto entre objetivo e resultado indireto de um processo social mais amplo de
resultados, se isolado, é inadequado para apreender o signi- transformação, que libera da necessidade da internação por-
ficado mais profundo da implementação da reforma psiquiá- que transforma as necessidades sociais e as respostas institu-
trica italiana. Como os recentes estudos politológicos sobre cionais. E, por isso, o trabalho de desinstitucionalização con-
'a implementação das reformas sociais têm mostrado, esta tinua através da implementação da lei ou, mais precisamente,
consideração vale em geral. No campo das políticas sociais, a implementação da reforma psiquiátrica italiana é um pro-
a implementação abre um tenrnoconflitivo no qual a "política cesso social de desinstitucionalização. É um processo que se
prossegue com outos meios; e no qual sobretudo os sistemas coloca na ordem do factível e não do ideal (Majone 1975a,
de ação e internação se dinamizam produzindo renegocia- 1975b).
ção, transformações e inovações nos objetivos (Bardach Esta forma de pretender e praticar a implementação da
reforma conquistou todo seu significado no momento em que
18 S.D.C. = Servi2.iu Diapese e Cara,- da seja, o Plantão Psiquidir ice no se abriu, também na Itália. nos primeiros anos Crã década de
Hospital Geral (ver neste texto p. 39). 80, o período da "crise do Welfare State", com suas respecti-

52 53
vas políticas de restrição dos gastos públicos e as críticas das imputados à "sociedade dos serviços" nascida das reformas
políticas de reforma precedentes. Nestç contexto político- sociais dos anos de Weltare, a desinstitucionalização coloca
cultural, no qual os fantasmas do desequilíbrio financeiro do em evidência que estes são efeitos de políticas emanadas do
Estado produzem reações de ordem e efeitos regressivos de alto e não construídas, passo a passo, de baixo. Assumamos
"endurecimento" normativo das instituições, a política da que não são efeitos do Welfare, mas deste Welfare. Em
defesa da reforma psiquiátrica aparece logo prejudicada: a particular, a nova política de saúde mental é um campo no
reutilização do hospital psiquiátrico parece o mal menor. qual se formam "culturas das necessidades e dos recursos" no
Mas, se se observa a implementação desta reforma como qual os cidadãos, as comunidades locais, os "usuários" se
terreno operativo no qual continua e se amplia a desins- mobilizam como atores em conflito, se organizam, constroem
trtucionalização, aparecem algumas inovações importantes, soluções e ptoduzem inovações no modo de funcionamento
que têm uma potência de mais longo alcance e oferecem das estruturas institucionais.
indicações em positivo para uma perspectiva de pós-Welfare Este dois pontos, que se colocam também para anunciar
State. Assinalaremos brevemente dois pontos de observa- novas perspectivas de análise, assinalam um fato enfim ad-
ção": quirido nas reflexões sobre as organizações. Ou seja, que uma
a) Frente às crises das instituições, que a crise fiscal e as perspectiva de pós-Welfare se configura como um campo
críticas aos desperdícios e à burocratização colocam em evi- aberto, sem certezas e objetivos unívocos e, ao contrário, rico
dência, a desinstitucionalização sugere um percurso evoluti- de espaço de conflito, experimentação e inovação, seja teó-
vo que pode tornar esta crise produtora de um aumento de rica ou operativa. Por isso, nesta perspectiva, também nossa
eficácia. A experiência já realizada e sedimentada de des- reflexão está aberta, incompleta. Mas, além disso, esses dois
montagem do manicômio ensinou que essa organização era pontos assinalam o fato de que no seu interior a desinstitu-
também uma resposta institucional ineficaz frente às neces- cionalização constitui uma bagagem insubstituível de conhe-
sidades de saúde mental, e que, ao contrário, uma transfor- cimento e de experiência para nos orientarmos.
mação qualitativa dos recursos existentes, uma sua reconver-
são, é não apenas possível mas também produtora de eficácia. (Dezembro, 1085.)
Em resumo, como já dissemos, um investimento dos recursos
muito menos nos aparatos e muito mais nas pessoas, menos BIBLIOGRAFIA
para alimentar as instituições e suas burocracias e mais para
alimentar a autonomia das pessoas. Bachrach, L. (1976): Deinstitutionalization - an Analytical Review and
b) Frente aos efeitos de des-responsabilização institucio- Sociological Perspective, Rockville, National Institute of Mental
nalizada, de dependência e parasitismo dos cidadãos que são Health.
(1982): "Young Adult Chronic Patients — an Analytical Review of
19 Trata-se de dois pontos centrais na atual reflexão sociológica, não Literature", in Hospital and Convnunity Psychiany, 33, 189-197.
apenas italiana, sobre a perspectiva do pés-Welfare. Esta investe, corno Balbo, L & Bianchi, M. (eds.) (1982): Ricomposizioni - il lavoro di
já dissemos, no campo politológico, nas investigações setoriais sobre servizio nella società della crisi, Milano, F. Angeli.
cada uma das reformas, nas teorias sobre novos movimentos e em todo , May, M. P. (eds.) (1984): "Ia compl.:.,sa sodetà dei semi",
o debate em torno ebildeinidade social das mulheres. Ver. por exemplo,. monographic issue of Ináiesta, 6, Ociuber-Decz,,,,,bei..
Melucci et al 1982, Bianchi 1982, Balbo, May 1984, De Leonardis 1983.

54 55
Bardrich, E. (1977): 77w hnplementation Game: what flappois after a Bill (1983). Der Pravention wurbeugen, in M. Wambach, Der Mensch
Betonas a Law, Cambridge, Mill Press. ais Risiko, Frankfurt, Suhrkamp.
Kegan, R. A. (1982): Goingby the Book The Problem of Regulatoty Dell'Acqua, G. Cogliatti, M. G. (1985): The End of the Mental Hospital, in
Unreasonableness, Philadelphia, Temple University Press. Acta Psichiptrica Scandinavica, 71.
Basaglia, F. (1982): Seriai 1 e II, Torino, Giulio Einaudi Editore. Elster, J. (1979): Ulysses and the Sirens, Carnbridge University Press.
Bennett, D. (1978): Changing Pattern in Mental Health Care in Trieste, (1981): States that are Essentially By-Products, in Social Sciences
Copenhagen, WHO. Information, 20.
Boudon, R. (1984): La place du désordre: critique des Works du change- Feeley, M. (1978): lhe New Haven Redirection Center, In B. Nelson, I.
ment social; Paris, PUF. Yates (eds.), Innovation and hnplementation in Public Oganiza-
Caste), R. Caste! F., Lovell, A. (1979): La société psychiatrique avancée, dons, Lexington, MA, Lexington Books.
Paris, Grasset. Friedman, R. (1984): Patterns of Mental Health Services in European
(1981): La gestion des risques, Paris, Ed. de Minuit. Countries, in Proc. of the Congress on Mental Health in Pilot Arcas
Cendon, P. (1984): II prezzo della follia, Bologna, Ii Mulino. in Europe, Copenhagen, WHO Regional European Office.
Censis (1984): Rapporto di indagine sul ilfimzionamento dei presidi psichia- Galho, G. Giannichedda, M. G. (1982): Note per la lettura dei modello
trici in quattro regioni campione, Roma, December. organizzativo dei scrvizi psichiatrici a Trieste, in D. De Salvia, P.
Crozier, M., Freidberg, E. (1977): L'acteu r et le système, Paris, Ed. du Scuil. Crepct (eds.), Psichiatria Senza Manicomio, Milano, Feltrinelli.
Debernardi, A., Gerbaldo, C. (1981): Intervenio sulla crisi: il servizio repe- Giannichedda, M. G. (19S5): La responsabilità dei medico e la liberta dei
ribilità presso l'Ospedale Civile di Trieste: analisi delle chiamate e malato — la Psichiatria della Legge 180 nele funzioni di controllo
delle risposte alta crisi, Collection Quaderni di Documentazione, sociale, Proc. of XI International Congress of Law and Psychiahy,
CNR, 3, Roma, II Pensiero Scientifico. Florence, March.
(1982): Pratiche di deistiiuizonalizzazione, la trasformazione dei I Iartung, K. (1980): Die nenen kleider der Psychiatrie, Von antiinstitu tioncl-
donnitorio pubblico di Trieste, Collection Quaderni di Documen- len Kampf zum Kleonkrieg gegen die Miserie. Bericht aus Institute,
tazione, CNR, 8, Roma, II Pensiero Scientifico. Berlin, Rotbuch Verlag.
De Leonardis, O. (1983a): II sistema sanitario — dalla politica deite riforme Lamb, H. R. (1982): Young Adult Chronic Patients: the New Drifters, in
alia politica deite istituzioni, in Probletni dei socialismo, 27f28, Hospital and Conununity Psychiahy, 33, 465-468.
152-175. Majone, G. (1975a): On the Notinn of Political Feasibility, Eur. Joumal of
(1983b): Oltre ia Politica deite reforme, in Problemi dei socialismo, Pol. Research, 3, 259-274.
27/28,13-20. (1975b): The Feasibility of Social Policies, Policy Sciences, 6, 49-69.
(1981): Dopo il manicomio — l'esperienza psichiatrica di Arezzo, March, J. G. (1978): Bounded Rationatity, Arnbiguity and the Engineering
Collection Quaderni di Documentazione, CNR, 7, Roma, II Pen- of Choice, The Bell Jour. of Econ., 9, 587-608.
siero Scientifico. (1981): Footnotes to Organizational Change,Administrative Scien-
(1986a): Le Psychiatrie réformée entre control et abandon — ce Quarterly, 26, 563-577.
remarques sociologiques à propos du traitement sanitaire obliga- May, J. W., Wildavsky, A. B. (1978): The Policy Cycle, Beverly Hills and
toire dans la loi italienne, in Déviance et Société. London, Sage.
(1986b): Deistituzionalizzazione come innovazione — ii ciclo della Mauri, D. (eds.) (1983): La liberta è terapeutica?, Milano, Feltrinelli.
politica psichiatrica, in C. Donolo, F. Fichera, (eds.), Le vie dell'in- Melucci, A. (1982): L'invenzione dei presente, Bologna, II Mulino.
novazione. Micheli, G. (1982): I nuovi catari, Milano.
(1986c): Statuto e figure dela periculosità sociale tra Psichiatria Misiti, R. et al (1981): La Rifonna Psichiatrica — prima fase di attuazione,
Riformata e Sistema Penale: note sociologiche, in Dei delitti e delle Collection Quaderni di Documentazione, CNR, Roma, II Pensiero
Rene. Scientifico.
, Mauri, D. (1980): Note sull'istituzione psichiatriéa, in Rtissegna
Italiana di Sociologia 3.

57
Mornssey, .1. (1982): Deinstitutionalizing the Mentally Illness Processes
Toresini, L., Trebiciani, M. (1985): 1 sei vizi territoriall ccstann menu del
Outcomes and New Directions, in W. Gowe, Deviance and Mental
manicomio — ncerca comparata sulla spesa psichiatrica delle quat-
Illness, Beverly Hills and London, Sage.
Mosher, L. (1982): Italy's Revolutionary Mental Health Law, an Asses- tro provincie del Friuti — Venezia Giulia, in Fogli di Informazione,
sment,American Imortal of Psychiany, 139, February, 199-203. 111/113, May-October, 1-13.
Warren, C. (1981): New forms of social control, the myth of deinstitutiona-
Nelson, R. (1977): The Moon and the Ghetto, New York, Norton and
lization, inAtinerican Behav. Scientist, 24:6, July-August, 724-740.
Comp.
Watzlawick, P. (1974): Change, New York, Norton.
, Yates, D. (1978): Innovation and Implementation in Public aga-
(1984): The Invented Reality, New York, Norton and Comp.
nization, Lexington, MA, Lexington Books.
W.H.O. (1984): Proceedings ofthe Congress on Mental Health in PilotAreas
Pastore, V., Debernardi A., Piccione, R. (1983): Psichiania nella riforma
in Europe, Copenhagen, WHO Regional European Office.
... — analisi di un servizio "forte" di Saltite Mentale, Collection Qua-
derni di Documentazione, CNR, 16, Roma, II Pensiero Scientifico.
Pavarini, M., Betti, M. (1984): La tutela sociale dalla folha, in Dei delliti e
delle pene, 1,161-183.
Pepper, V. P., Ryglewicz, H. (1982): The YoungAdult Chronic Patient, San
Francisco, lossey-Bass, Inc.
Pressman, L., Wildavslcy, A B. (1984): hnplementation, Berkeley, Univer-
sity of Califomia Press.
Reali, M. et al (1983): Das alibi der Prilvention in der Psychiatrie und die
Kriesi, in M. Wambach (1983), Der Mensch ais Risiko, Frankfurt,
Suhrkamp, 243-252.
Rose, S. (1979): Deciphering Deinstitutionalization — Complexities in
Policy and Program Analysis, in Milbank Memorial Fund Quarterly
Health and Society, 57, 4, 429-468.
Rotelli, F. (1981a): L'inventario delle sottrazioni, in C. Pirovano (ed.),
Inventario di una Psichiatria, Milano, Electa.
(1981b): La legge 180: Prevenzione e participazione, in Fogli di
Infonnazione 75/76, 3-16.
(1983): Une socidté sans asyle, in Transition, 3.
(1984): Introduzione al Reseau Internazionale di Psichiatria, in
Fogli di Infonnazione, 101, April, 9-14.
Scabbia, G. (1974): Marco Cavallo, Torino, Einaudi.
Scull, A. (1981): A New Trade in Lunacy, the Recommodification of the
Mental Patient, in American Behav. Scientist, 24:6, July/August,
741-754.
Simon, H. (1984): La ragione nele vicende zunane, Bologna, II Mulino.
Steadman, H., Monahan, J. (1984): The Movement of OffendersPopulation
between Mental Health and CarectionafFacillties, National Insti-
tute of Justice.
Thrasher, M., Dunkeley, A. (1982): A Social Exchange Approach to Im-
plementation Analysis, in Social Science Infonnation, 21, 349-382.

58 59

S-ar putea să vă placă și